deliberaÇÃo do conselho diretivo da entidade … · atendimento permanente do hospital da luz,...
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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRETIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/069/13;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. Em 23 de julho de 2013, foi rececionada pela Entidade Reguladora da Saúde
(ERS) reclamação subscrita por A.(…), a qual se reportava a questões de
faturação de episódio de internamento no estabelecimento prestador de cuidados
de saúde Hospital da Luz, S.A (doravante, Hospital da Luz), com o NIPC 507 485
637 e sede na Avenida Lusíada, 100, 1500 – 650 Lisboa, registado no Sistema de
Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da ERS sob o n.º 17353, ao
abrigo de um seguro de saúde, nomeadamente quanto à ausência de informação
prévia pelo prestador do momento em que o plafond do plano de saúde foi
atingido, bem como, quanto a questões de qualidade dos serviços e cuidados de
saúde prestados e de recusa de acesso a processo e registos clínicos.
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2. Após análise da referida exposição, o Conselho Diretivo, por despacho de 21 de
agosto de 2013, ordenou a abertura de processo de inquérito registado sob o n.º
ERS/069/13.
I.2. Diligências
3. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas em:
(i) Pesquisa no SRER da ERS relativa ao Hospital da Luz, SA. e ao
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, E.P.E. - Hospital Santa Cruz;
(ii) Pedido de elementos ao Hospital da Luz, em 10 de setembro de 2013,
com insistência em 30 de outubro de 2013 e respetivas respostas;
(iii) Pedido de elementos ao utente em 17 de setembro de 2013 e
respetiva resposta;
(iv) Parecer técnico elaborado por consultor técnico da ERS, em 13 de
março de 2014.
II. DOS FACTOS
II.1 Factos relativos à reclamação do utente
4. Conforme acima se enunciou, a reclamação apresentada pelo utente reporta-se a
questões de faturação de episódio de internamento no Hospital da Luz ao abrigo
de um seguro de saúde da Multicare, em especial quanto à ausência de
informação prévia pelo prestador do momento em que o plafond desse plano foi
atingido e, consequentemente, quanto ao valor a pagar a título privado;
5. Bem como, quanto a questões de qualidade dos serviços e cuidados de saúde
prestados e de recusa de acesso a processo e registos clínicos.
6. Resulta assim da referida reclamação que, no dia 26 de janeiro de 2013, o utente
recorreu aos serviços da clínica “Parque dos Poetas”1, em Oeiras, onde lhe tinha
1 Registado no SRER da ERS com o número 18223 e sede na Rua Coro Santo Amaro de
Oeiras, 12, 2780 – 379 Oeiras.
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sido “diagnosticada uma infecção urinária e, consequentemente, iniciado
tratamento por antibiótico denominado de ‘ciprofloxacina’, tendo sido realizada
urocultura”.
7. No dia seguinte, 27 de janeiro de 2013, o utente ter-se-á dirigido ao serviço de
atendimento permanente do Hospital da Luz, sito na Avenida Lusíada, n.º 100,
1500 – 650 Lisboa, para receber cuidados de saúde “[...] em virtude de uma febre
elevada, mal-estar, retenção e infecção urinária”, com diagnóstico de “[...]
prostatite, tendo de imediato, por decisão médica, sido algaliado.”, tendo
alegadamente informado a médica que o avaliou dos serviços e análises
realizadas no dia anterior.
8. Nessa sequência, o utente refere ter sido questionado pela médica que prestou o
atendimento “se desejava efectuar o tratamento em regime de ambulatório ou em
internamento por um período de dois dias, tendo sido salientado por aquela que o
tratamento em internamento seria mais rápido uma vez que poderia ser feito via
intravenosa, facto este que [o] levou a optar pelo tratamento em internamento.”.
9. No momento de admissão ao internamento no Hospital da Luz, e na qualidade de
detentor de um plano de saúde da Multicare, o utente terá procedido ao
pagamento de 230 € “a título de consulta e adiantamento de serviços
hospitalares.”.
10. Nessa data, ter-lhe-á sido ainda exigido, como condição para internamento, que
procedesse à entrega de um cheque caução no valor de 2.500,00 €, o que fez.
11. O utente refere ter sido informado, ainda nesse mesmo dia, “[...] pelos serviços
administrativos do Hospital da Luz que a Multicare cobria os custos do [...]
tratamento/internamento até ao valor máximo de € 16.500,00, sendo que seria
informado pelo hospital logo que esse montante máximo fosse atingido, a fim de
ser permitido optar pela continuação de tratamento naquela instituição ou em
qualquer outra instituição hospitalar.”.
12. Ainda de acordo com a reclamação em apreço, o utente afirma que o “[...]
internamento que inicialmente se previa de 2 dias com início em 27 de janeiro de
2013, passou, numa primeira fase, para o dia 30 de janeiro de 2013. Devido a um
súbito e inesperado agravar do estado de saúde e consequente internamento em
unidade de cuidados intensivos, est[e]ve internado naquela instituição de saúde
até ao dia 7 de fevereiro de 2013.”.
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13. Não obstante e ao contrário do que lhe havia sido assegurado - e ainda segundo o
que é alegado pelo utente - nem ele nem a sua mulher terão sido atempadamente
informados de que o valor máximo suportado pela Multicare (16.500,00 €) havia
sido largamente ultrapassado;
14. Só no dia 7 de fevereiro de 2013 é que os serviços administrativos do Hospital de
Luz terão, alegadamente, informado a Mulher do utente, que o valor em fatura do
internamento totalizava, à data, o montante de 26.173,82 €, “[…] valor este que
não contemplava sequer o valor já assumido pela Multicare […]”.
15. Nesse mesmo dia, a Mulher do utente terá solicitado a transferência deste para um
hospital público da sua área de residência.
16. Nesse contexto, e a fim de assegurar a transferência para um hospital público, a
Mulher do utente “[...] efectuou diversos contactos, nomeadamente com o Hospital
de Santa Cruz [...] tendo sido informada que [o utente] teria que ir para o hospital
de São Francisco Xavier, uma vez que Santa Cruz não tinha cuidados intensivos
nesta área.”:
17. Certo é que, ainda nesse dia 7 de fevereiro de 2013, o utente terá sido informado
pelo médico que o Hospital da Luz “[...] já teria efectuado contacto com o hospital
de Santa Cruz e já teriam contactado a empresa de ambulâncias para efectuar a
[...] transferência.”.
18. Tendo questionado o Hospital da Luz acerca da impossibilidade de internamento
em unidade de cuidados intensivos no Hospital de Santa Cruz, o utente terá sido
esclarecido que não necessitava de cuidados intensivos, “[...] tendo o internamento
naquela unidade sido motivado porque o Hospital da Luz apenas tem uma
máquina de plasma na UCI, não existindo nenhuma nos cuidados intermédios.”;
19. Nesse sentido, afirma o utente que lhe terá sido cobrado o valor diário de 500 €
pelo internamento em Unidade de Cuidados Intensivos, “[...] quando em bom rigor,
poderia e deveria estar internado nos cuidados intermédios.”
20. Ao rececionar a fatura n.º N. (…) emitida pelo Hospital da Luz em 8 de fevereiro de
2013, no valor de 26.173,82 € e relativa ao internamento entre os dias 3 e 7 de
fevereiro de 2013, o utente alega ter informado os serviços administrativos do
Hospital da Luz de que “[...] não iria liquidar aquela factura [...]”, por força de “[...]
não ter sido previamente informado de que o plafond do seguro se havia
esgotado.”.
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21. O utente e Mulher terão ainda participado numa reunião com o Diretor Clínico
daquela unidade, o Diretor Clínico da UCI e um representante da Administração,
tendo-lhe sido alegadamente assegurado que “[...] o Hospital da Luz iria averiguar
o que efectivamente tinha falhado junto da companhia de seguros e qual o motivo
que originou que [...] não tivesse sido informado com antecedência necessária
sobre a data limite do plafond, tendo ficado acordado que até ao apuramento dos
factos [...] não liquidaria a factura N.(…).”.
22. Não obstante, em 27 de junho de 2013, o utente alega ter rececionado ofício da
mandatária do Hospital da Luz, exigindo-lhe o pagamento daquela fatura, sob pena
de ser intentada ação judicial, sem que lhe tivesse sido prestada informação por
parte do Hospital da Luz quanto à “[...] conclusão relativa à companhia de seguros
[...]”.
23. Tendo o utente solicitado ao Hospital da Luz, por ofício alegadamente datado de
18 de junho de 2013, “[...] cópia do original do diário clínico, diário de enfermagem,
diário de terapêutica, identificação dos respectivos autores, bem como cópia de
todos os exames complementares efectuados [...]” sem que tivesse obtido, à data
da reclamação que apresentou à ERS, resposta a tal pedido.
24. Por outro lado, são levantadas pelo utente várias questões quanto à possibilidade
de eventual “[...] negligência médica nos serviços de saúde que foram prestados
pelo Hospital da Luz”;
25. Nesse sentido, veio o utente descrever o episódio de internamento compreendido
entre os dias 27 de janeiro e 7 de fevereiro de 2013, com transferência neste dia
para o Hospital de Santa Cruz.
26. Alega que, inicialmente, o seu internamento tinha sido previsto para apenas dois
dias;
27. Posteriormente, e por indicação médica, foi previsto o dia 29 de janeiro de 2013
para a alta, sendo a mesma alterada para o dia 30 de janeiro.
28. Porém, afirma o utente que durante o período compreendido entre o dia 27 e 31 de
Janeiro de 2013, apresentou “um quadro de mal-estar permanente e dores
agudas, tendo no dia 29 e 30 de Janeiro apresentado episódios de vómitos
constantes.”.
29. A data da sua alta terá sido reagendada para o dia 1 de fevereiro 2013, mas o seu
estado de saúde “[...] piorou consideravelmente […]”, tendo sido informado da
necessidade de transferência para unidade de cuidados intensivos.
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30. A Mulher do utente solicitou informação sobre o agravamento do seu estado de
saúde, e o médico terá referido “[...] uma bactéria E.Coli.”.
31. Nesse sentido e “[...] tendo em conta que o corpo clínico que [...] acompanhava [o
utente] no Hospital da Luz tinha conhecimento desde o dia 29 de Janeiro do
resultado da urocultura, e que não foram efectuadas quaisquer análises ou
exames complementares no dia 30 e 31 de Janeiro, tendo [...] sido transferido para
a UCI em estado crítico com falência do sistema imunológico e falência renal, e
não tendo nunca este facto sido referido [...]” é entendimento do utente existirem
“[...] fortes indícios de que ocorreu por parte do Hospital da Luz, um grave
incumprimento nos serviços prestados, ou até mesmo negligência médica [...]”.
32. Por último, o utente questiona o comportamento do Hospital da Luz, no que se
refere ao procedimento para efetivar a transferência para o Hospital de Santa
Cruz, mediante recurso a transporte em ambulância;
33. Alega que, quando foi informado que iria ser transferido para o Hospital de Santa
Cruz, foi-lhe dito igualmente que já tinham efetuado o contacto com a empresa de
ambulâncias e que esse serviço teria um custo de 400,00 €.
34. O serviço de transporte em ambulância medicalizada com acompanhamento de
enfermagem, do Hospital da Luz para o Hospital de Santa Cruz no dia 7 de
fevereiro de 2013 foi assegurado pela Luso – Ambulâncias, Serviços Médicos,
Lda., e assumiu o valor de 480,00 € - cfr. fatura n.º B.(…), junta aos autos.
35. Alega o utente que nunca foi informado pelo Hospital da Luz sobre soluções
alternativas, mas que a empresa de ambulâncias lhe referiu que existiam outras
possibilidades.
36. É ainda referido, quanto a esta matéria, que “[...] na reunião ocorrida no Hospital
da Luz, foi afirmado que de facto não haviam sido cumpridos todos os
procedimentos, havendo neste caso, um manifesto lapso, pelo que, aquela iria ser
devolvida, o que porém até hoje não aconteceu.”.
37. Face ao exposto, o utente considera que o Hospital da Luz prestou “um serviço
manifestamente defeituoso, o qual pode até, eventualmente, consubstanciar
negligência médica.”.
38. Mais considera que o Hospital da Luz, no que se refere ao plafond do seguro e ao
transporte da ambulância, não cumpriu com o dever de informação completa, clara
e atempada a que estava obrigado, já que sobre tais assuntos, o reclamante não
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foi devidamente esclarecido ou informado – cfr. reclamação do utente e
documentos que a acompanharam, juntos aos autos.
39. Por correio eletrónico enviado à ERS em 11 de outubro de 2013, o utente veio
informar que, até então, o Hospital da Luz ainda não havia respondido ao seu
pedido de envio de cópia dos originais do diário clínico, diário de enfermagem e
diário de terapeuta.
40. Juntamente com a sua exposição, o utente enviou vários documentos.
41. O documento n.º 1 corresponderá a uma carta remetida pelo utente à direção do
Hospital da Luz, a solicitar o envio de cópia do original do diário clínico, do diário
de enfermagem e de terapêutica;
42. O documento n.º 2 corresponderá à carta acima descrita, alegadamente enviada
ao utente pela mandatária do Hospital da Luz em 24 de junho de 2013, contendo
uma interpelação para que aquele procedesse ao pagamento do valor reclamado
pelo prestador, em função dos serviços prestados.
43. O documento n.º 3 corresponde a cópia da fatura n.º B.(…), emitida pela empresa
Luso-Ambulâncias, Serviços Médicos, Lda. em nome do utente, no montante de
480 € e referente a serviços de transporte em ambulância medicalizada com
acompanhamento de enfermagem, do Hospital da Luz para o Hospital de Santa
Cruz no dia 7 de fevereiro de 2013.
44. Por fim, o documento n.º 4 corresponderá a cópia da fatura n.º N. (…), emitida
pelo Hospital da Luz em nome do reclamante, a 8 de fevereiro de 2013, e referente
aos serviços prestados mo período compreendido entre 27 de janeiro e 7 de
fevereiro de 2013, no montante global de 26.173,82 € - cfr. documentos juntos aos
autos.
II.2. Factos relativos à resposta do prestador
45. Na sequência da abertura do presente processo de inquérito, foi o prestador
notificado em 10 de setembro de 2013 para, nos termos e para os efeitos do
disposto no artigo 49º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, prestar as
seguintes informações:
a) Pronúncia sobre o teor da reclamação do utente;
b) Envio de todos os documentos essenciais à apreciação da situação
concreta, designadamente, das informações /comunicações por força das
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quais o prestador terá informado o utente do momento em que foi atingido o
plafond do plano de saúde da Multicare e do montante que teria de ser
pago pelo utente, a título privado, uma vez atingido esse plafond;
c) Indicação sobre se, à data em que foi ultrapassado o plafond do plano de
saúde da Multicare, tinham condições para conhecer os atos, exames,
consumíveis e fármacos previstos e respetivos valores e informar o utente
nesse sentido;
d) Enumeração de todas as eventuais estruturas – humanas ou institucionais
– existentes no Hospital da Luz, SA, bem como, os procedimentos
administrativos aí cumpridos habitualmente para contacto e informação aos
utentes beneficiários de um seguro/plano de saúde, sobre os cuidados de
saúde já realizados e previsíveis de realização, sua explicação e outros
aspetos relevantes;
e) Esclarecimento quanto aos procedimentos adotados para transporte em
ambulância no momento da transferência para o Hospital de Santa Cruz,
com a menção do critério de escolha da empresa Luso-Ambulâncias,
Serviços Médios, Lda. e informação disponibilizada ao utente a esse
respeito, nomeadamente quanto ao valor e condições de pagamento.
46. Atenta a ausência de resposta por parte do prestador, foi o mesmo novamente
notificado, em 30 de outubro de 2013, para prestar tais informações, com a
advertência nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 51º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de maio.
47. Por ofício remetido à ERS em 8 de novembro de 2013, o Hospital da Luz veio
responder aos ofícios que lhe haviam sido dirigidos.
48. Nesse contexto, alega o Hospital da Luz que o utente “deu entrada no seu
Atendimento Médico Permanente (análogo a um serviço de urgência) no dia 27 de
janeiro de 2013, apresentando-se como beneficiário de um seguro de saúde da
Multicare”.
49. Na mesma data, o utente “foi transferido para o internamento, por indicação
clínica”.
50. Também nesse dia 27 de janeiro de 2013, “[…] o Hospital da Luz solicitou à
Multicare a emissão de um termo de responsabilidade referente à comparticipação
das despesas de hospitalização do cliente, de acordo com o seu plano de saúde.”.
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51. Mais é alegado que “o termo de responsabilidade da seguradora foi emitido no dia
seguinte, 28 de janeiro de 2013 e recebido pelo Hospital da Luz na mesma data.
Mediante esse termo de responsabilidade, a Multicare assumiu a comparticipação
de 100% dos custos de hospitalização do cliente, até ao valor máximo de €
2.040,90, para um período máximo de 7 (sete) dias de internamento, ficando a
cargo do cliente o pagamento de uma franquia correspondente a 10% do valor dos
serviços, no mínimo de € 250,00 e máximo de € 500,00 faturada pelo Hospital da
Luz diretamente ao cliente”.
52. A este propósito, o Hospital da Luz refere que, nesse mesmo dia 28 de janeiro de
2013, os seus serviços administrativos terão, alegadamente, informado o utente e
a sua Mulher sobre as condições do termo de responsabilidade emitido pela
seguradora.
53. No dia 1 de fevereiro de 2013, o utente terá sido transferido para a Unidade de
Cuidados Intensivos (UCI), segundo o Hospital da Luz, “por força do agravamento
do seu quadro clínico”.
54. Antes, porém, afirma o Hospital da Luz que “[…] o médico da UCI, Dr. A.(…),
explicou ao cliente e aos familiares presentes os motivos clínicos da transferência
e a necessidade de iniciar tratamento nas 24 horas seguintes, atenta a gravidade
do quadro clínico instalado”.
55. Mais alega que o Dr. A.(…) “esclareceu também que o tratamento poderia ser
efetuado no Hospital do Serviço Nacional de Saúde da sua área de residência,
caso o cliente pretendesse e uma vez que naquele momento apresentava
estabilidade suficiente do ponto de vista clínico” para o efeito.
56. De acordo com a resposta em análise, “como o doente manifestou que pretendia
iniciar o tratamento proposto no Hospital da Luz, foi transferido para a UCI e
iniciado o tratamento nesse mesmo dia”.
57. Atenta a exposição do prestador, até ao momento da admissão na UCI os serviços
prestados totalizavam, alegadamente, a importância de 1.134,43 €, que estaria
coberta pelo termo de responsabilidade da Multicare, previamente emitido até ao
valor de 2.049,90 €.
58. E uma vez que aquele termo garantia ainda a comparticipação dos serviços a
100% para um período de internamento de 7 dias (portanto, até ao dia 2 de
fevereiro de 2013), até à data da transferência para a UCI – 1 de fevereiro de 2013
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– a comparticipação pela Multicare estava, segundo o Hospital da Luz, plenamente
assegurada.
59. E conforme refere o prestador, os serviços até então prestados, “foram faturados e
pagos pela seguradora”.
60. Mais refere o Hospital da Luz que a transferência para a UCI terá ocorrido por volta
das 20h00 do dia 1 de fevereiro, que foi uma sexta-feira;
61. E que, “o dia seguinte, que coincidia com o fim do período de internamento
garantido pela seguradora, era um sábado. Pelo que, o pedido de prorrogação do
termo de responsabilidade e respetivo relatório médico justificativo da necessidade
de prorrogação de internamento foi enviado à Multicare logo no dia útil seguinte (4
de fevereiro de 2013).”
62. No dia 5 de fevereiro, os serviços do Hospital da Luz contactaram, alegadamente,
a Multicare, porque não teriam recebido qualquer resposta ao pedido enviado no
dia anterior.
63. O termo de responsabilidade da Multicare teria sido emitido e recebido pelo
Hospital da Luz no dia 6 de fevereiro de 2013, com um montante máximo de
3.866,90 € para 17 dias de internamento, conforme o documento n.º 3 que o
Hospital junta à sua resposta.
64. Mais alega o prestador que, “Uma vez que aquele montante máximo assegurado
era insuficiente para comparticipação das despesas em cuidados intensivos e aos
tratamentos em curso, o Hospital da Luz diligenciou em acréscimo obter da
seguradora informação sobre o plafond máximo do plano de saúde do cliente, a
fim de estender a comparticipação até ao valor total do plafond disponível. Nessa
sequência, a Multicare emitiu novo termo de responsabilidade até ao plafond
máximo disponível de € 16.500,00 para os mesmos 17 dias de internamento, e
com pagamento de franquia pelo cliente de 10% dos serviços, no valor mínimo de
€ 250,00 e máximo de € 500,00 – cfr. doc. 4 em anexo”.
65. Mais refere o Hospital da Luz que este novo termo da Multicare só lhe chegou ao
conhecimento no dia 7 de fevereiro de 2013.
66. Na sequência desse termo – ou seja, no dia 7 de fevereiro de 2013 - o Hospital da
Luz terá comunicado ao utente e à sua Mulher as respetivas condições,
nomeadamente que o plafond máximo disponível já tinha sido consumido;
67. Mais alega o Hospital da Luz que, na mesma altura terá esclarecido o utente sobre
o valor dos serviços prestados desde o dia 3 de fevereiro até então, o qual não
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seria comparticipado pela Multicare, valor esse cujo pagamento ficava a cargo do
utente e que totalizava a importância de 26.173,82 €.
68. Segundo o Hospital da Luz, terá sido nesse momento – portanto, ainda no dia 7 de
fevereiro - que o utente solicitou a sua transferência para o Hospital do Serviço
Nacional de Saúde.
69. Ainda a propósito do plano de saúde, o Hospital da Luz argumenta que “só
conhece as condições dos planos de saúde dos seus clientes – nomeadamente o
valor do plafond contratado e disponível e os termos de comparticipação do seguro
– quando as mesmas lhe são comunicadas pela respetiva seguradora. Antes do
Hospital receber o termo de responsabilidade da seguradora, essa informação só é
suscetível de ser conhecida da seguradora e do próprio cliente enquanto
beneficiário do seguro de saúde contratado com a seguradoras.”.
70. Mais afirma o prestador que “por norma, o termo de responsabilidade emitido pela
seguradora é enviado ao Hospital da Luz e, se não antes, na mesma data a
seguradora dá conhecimento ao utente da sua emissão e das condições de
comparticipação dos serviços, pela via de comunicação definida no contrato de
seguro do cliente.”.
71. Quanto ao próprio Hospital da Luz, assim que os seus serviços administrativos
recebem o termo de responsabilidade, informarão o utente pela via mais expedita,
o que alegadamente terá acontecido no caso em apreço, por contacto pessoal com
o utente, estabelecido pelas administrativas M.(…) e A.(…).
72. Quanto a procedimentos habituais nesta matéria, o Hospital da Luz informa que
monitoriza regularmente as contas dos utentes internados e as condições de
comparticipação dos serviços pela respetiva seguradora, a fim de pedir a esta
última a emissão de novo termo de responsabilidade, informando os utentes
quando as condições garantidas pelo último termo de responsabilidade emitido
estiverem prestes a ser atingidas.
73. E no caso em apreço, o Hospital da Luz considera ter cumprido estes
procedimentos, de forma diligente.
74. Por outro lado, entende o Hospital da Luz que os utentes podem solicitar, a todo o
tempo, informação sobre o estado da sua conta de internamento ou a emissão
intercalar de faturas a seu cargo durante o período de internamento.
75. Sendo certo que durante todo o período que esteve internado, o utente e a sua
Mulher terão sido, alegadamente, informados pela funcionária administrativa
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M.(…), sobre as condições de comparticipação da Multicare constantes dos termos
de responsabilidade emitidos e sobre o valor dos serviços a cargo do cliente.
76. No que respeita à transferência para outra unidade de saúde, o Hospital da Luz
alega que “no dia 7 de fevereiro de 2013, após ter sido comunicado ao cliente as
condições do último termo de responsabilidade emitido pela Multicare e o valor do
co-pagamento a seu cargo, este manifestou vontade em ser transferido para uma
unidade de saúde pública, o que foi prontamente agilizado pelo Hospital da Luz
[…]”.
77. Mais se afirma que, “A equipa médica da UCI avaliou as condições de estabilidade
do doente para que a sua transferência pudesse ser feita em segurança […] Nessa
conformidade, foi dada indicação clínica para que o doente fosse transferido em
ambulância medicalizada com suporte de enfermagem.”.
78. Validados os critérios clínicos para a transferência, a equipa médica terá
alegadamente estabelecido contacto com o Hospital de Santa Cruz, por ser a
instituição da área de residência do utente, com internamento de serviço de
nefrologia.
79. No final da tarde do dia 7 de fevereiro de 2013, foi confirmado pelo Hospital de
Santa Cruz a possibilidade do utente ser aí recebido.
80. Quanto ao transporte, afirma o Hospital da Luz que “a administrativa de serviço no
AMP diligenciou obter uma ambulância medicalizada, o que não se revelou tarefa
fácil: quer pelo adiantado da hora do dia em que foi confirmada a possibilidade de
transferência do doente, quer porque nem todas as empresas do ramo dispõem de
ambulâncias medicalizadas, quer ainda pela dificuldade de assegurar o transporte
no imediato.”.
81. A empresa Luso-Ambulâncias, Serviços Médicos, Lda. terá sido quem
disponibilizou para o próprio dia a ambulância medicalizada com apoio de
enfermagem, afirmando o Hospital da Luz que não dispõe de contacto privilegiado
com qualquer empresa do género.
82. Para este efeito, terão sido alegadamente contactadas várias empresas que
garantem um bom nível de serviço e praticam preços similares, tendo sido
escolhida a empresa referida por oferecer mais rapidamente o meio de transporte
pretendido.
83. De acordo com a resposta em apreço, “O preço do transporte e condições de
pagamento foi previamente questionado pelo Hospital da Luz à Luso-Ambulâncias,
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Serviços Médicos, Lda. e comunicado ao cliente pelos serviços administrativos do
Hospital”.
84. Conhecida essa informação pelo utente, ainda antes de efetuado o transporte,
afirma o Hospital da Luz que a Mulher daquele ter-se-á mostrado desagradada
com o preço e pretendeu que fosse contactado o INEM.
85. Ter-lhe-ão sido então explicados os critérios de escolha dos serviços e as
concretas dificuldades em obter uma ambulância medicalizada para aquele
momento, posto que o utente terá dito que “se é esta que o hospital arranjou, é
nesta que vou”.
86. Mais se terá esclarecido que o INEM não faz serviço de transporte inter-hospitalar
para transferência de utentes de hospitais privados para outros hospitais, e que
nunca acede à chamada de ambulâncias para o Hospital da Luz, por esta unidade
privada estar excluída do seu âmbito de atuação.
87. O utente terá sido transferido para o Hospital de Santa Cruz no dia 7 de fevereiro
de 2013, pelas 21h15.
88. Neste contexto, o Hospital da Luz entende ter assegurado o respeito pela
liberdade de escolha e decisão do utente em ser transferido para um hospital do
Serviço Nacional de Saúde, transporte esse que foi efetuado atempadamente, em
segurança e com respeito pelos critérios clínicos indicados, e com o consentimento
do próprio utente, depois de devidamente informado do preço do transporte e das
condições de pagamento à empresa em causa.
89. No que respeita aos cuidados de saúde prestados, em síntese e com interesse
para os presentes autos, o Hospital da Luz alega o seguinte:
(i) O utente deu entrada no AMP no dia 27 de janeiro de 2013, pelas 12h30,
com queixas de retenção urinária, tendo sido avaliado e medicado em
conformidade, após colheita de urocultura;
(ii) No AMP e após exames e análises clínicas realizadas, foi feito o
diagnóstico provisório de prostatite aguda;
(iii) Na sequência da avaliação por urologia e medicina interna, foi proposto ao
utente internamento para tratamento e confirmação do diagnóstico de
prostatite;
(iv) O utente foi internado no dia 27 de janeiro de 2013 (internamento esse,
inicialmente previsto para dois dias);
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(v) No dia 29 de janeiro de 2013 foi conhecido o resultado da urocultura feito
na Clínica Parque dos Poetas, que confirmou a presença da bactéria E.coli,
e, bem assim, quer o diagnóstico prévio de infeção urinária;
(vi) Com base no resultado dos exames realizados, foi também confirmado o
diagnóstico de prostatite;
(vii) No dia 1 de fevereiro de 2013 houve agravamento clínico por Síndrome
Hemolítico Urémico (doravante, SHU), diagnosticado nessa mesma data
por via do quadro sintomático, o que determinou a transferência do utente
para a UCI para monitorização e tratamento adequado;
(viii) A gravidade da situação determinava que o tratamento fosse instituído
em regime de cuidados intensivos;
(ix) O utente e Mulher foram informados da gravidade do quadro clínico e da
consequente necessidade daquele ser transferido para a UCI ou, caso
assim o entendesse, de poder iniciar tratamento em hospital público da sua
área de residência;
(x) Depois de esclarecido, o utente pretendeu prosseguir o tratamento no
Hospital da Luz, tendo dado entrada na UCI pelas 20h00 do dia 1 de
fevereiro de 2013;
(xi) Até ao dia 7 de fevereiro, a situação clínica do utente evoluiu
favoravelmente, pelo que foi ponderada a sua transferência para o
internamento na enfermaria, a qual, porém, não se viria a efetuar, porque o
utente foi transferido, a seu pedido, para o Hospital de Santa Cruz;
(xii) O Hospital de Santa Cruz foi a entidade escolhida, por ser o único hospital
da área de residência do utente com valência de internamento em
nefrologia, já que, no dia 7 de fevereiro de 2013, a única insuficiência
orgânica persistente - mas em melhoria - era a insuficiência renal;
(xiii) Não foi recusada qualquer assistência médica ao utente, nem omitidos
quaisquer deveres de cuidados, assistência ou de informação por parte do
Hospital da Luz
90. Por fim, e no que respeita à reunião realizada a 16 de abril de 2013 com o utente e
a sua Mulher, o Hospital da Luz nega a versão exposta na reclamação
apresentada.
91. Desde logo, o prestador afirma que a reunião em causa foi convocada por sua
iniciativa, em resultado da reclamação recebida do utente, e que teve como
15
propósito esclarecer este último sobre os cuidados que lhe foram prestados e os
custos a seu cargo.
92. Por isso, o Hospital da Luz nega que, nessa dita reunião, tenha assegurado ao
utente que iria averiguar o que poderia ter falhado junto da Multicare, uma vez que
entende que “não existiram quaisquer falhas por parte do Hospital da Luz a esse
respeito, pelo que tão-pouco foram reconhecidas. Nem tão-pouco o Hospital da
Luz ficou de averiguar junto da Multicare qualquer informação, pois que a
informação anteriormente prestada pela seguradora a respeito dos limites
máximos de cobertura do seu plano de saúde era clara e foi prontamente
transmitida ao cliente no mesmo dia em que foi recebida pela seguradora.”.
93. Mais alega o presador que “não é verdade que tivesse “ficado acordado que até ao
apuramento desses factos [o cliente] não liquidaria a fatura N.(…)”. Na verdade, o
cliente afirmou que iria tratar com o seu Advogado um contacto junto da
companhia de seguros para obter comparticipação superior para pagar ao
Hospital.”.
94. E também nega que tivesse reconhecido na dita reunião, qualquer ilegalidade ao
nível do transporte em ambulância acima descrito.
95. De referir que, por mail remetido à ERS em 7 de novembro de 2013, o Hospital da
Luz informa ainda que uma cópia do ofício acabado de analisar, foi remetida por
correio registado para o utente.
96. Juntamente com o ofício referido, o Hospital da Luz juntou vários documentos,
contendo dados relevantes para a análise dos presentes autos. Assim,
97. O documento n.º 1 corresponde a uma cópia do termo de responsabilidade emitido
pela Multicare a 28 de janeiro de 2013, em nome do utente, através do qual aquela
seguradora se responsabiliza pelo pagamento de 100% dos custos, no valor
máximo de 2.040,90 €, para um período de 7 dias de internamento.
98. O documento n.º 2 é uma cópia da fatura n.º N.(…), emitida no dia 8 de fevereiro
de 2013 pelo Hospital da Luz em nome da Multicare, correspondente aos cuidados
de saúde prestados ao utente no período compreendido entre os dias 27 de janeiro
e 3 de fevereiro de 2013, no montante global de 16.500 €.
99. O documento n.º 3 constitui uma cópia do termo de responsabilidade emitido pela
Multicare a 6 de fevereiro de 2013, em nome do utente, através do qual aquela
seguradora se responsabiliza pelo pagamento de 100% dos custos, no valor
máximo de 3.886,90 €, para um período de 17 dias de internamento.
16
100. O documento n.º 4 corresponde à cópia de um novo termo de responsabilidade
emitido pela Multicare nesse mesmo dia 6 de fevereiro de 2013, em nome do
utente, através do qual aquela seguradora se responsabiliza pelo pagamento de
100% dos custos, no valor máximo de 16.500 €, também para um período de 17
dias de internamento.
101. Ainda com relevo para os autos, cumpre registar os seguintes dados
constantes do diário clínico, igualmente anexo à resposta do prestador:
i. No dia 1 de fevereiro de 2013, pelas 10h34, o Dr. S.(…) escreve, no diário
clínico do utente, o seguinte:
“Transferência UCI.
Informado doente e familiares da gravidade do quadro clínico”.
ii. Também no dia 1 de fevereiro de 2013, pelas 17h16, o Dr. S.(…) registou
no diário clínico do utente a seguinte informação:
“Pedida transferência para UCI com HD e SHU.
Pedido também TAC AP.
Transf. Para Cuidados Intensivos”
iii. No dia 1 de fevereiro de 2013, pelas 13h02, a enfermeira M.(…) registou a
seguinte informação:
“Aguarda transferência para UCI”
iv. A necessidade de transferência do utente para a UCI foi equacionada e
transmitida ao utente e aos seus familiares por volta das 10h34 e terá sido
ordenada por volta das 17h16 do dia 1 de fevereiro de 2013.
v. Por volta das 19h49 do dia 1 de fevereiro de 2013, o utente foi transferido
para a UCI.
II.3 Factos relativos à nova pronúncia do utente
102. Por mail enviado à ERS a 10 de fevereiro de 2014, o utente veio pronunciar-se
quanto à versão apresentada pelo Hospital da Luz, sustentando o que já constava
da sua reclamação inicial.
17
103. Mais afirma que, no dia 1 de fevereiro de 2013, o Dr. S.(…), (médico do
Hospital da Luz), não colocou a possibilidade de ser transferido para um hospital
público.
104. E que, por volta das 20h00/20h30 e já quando se encontrava na UCI, após ter
recebido informação sobre o seu estado de saúde por parte do Dr. A. (…), a sua
Mulher terá alegadamente transmitido que não tinha qualquer confiança no
Hospital da Luz, solicitando a sua transferência imediata para um hospital público.
105. Porém, o Dr. A. (…) afirmou que o utente se “encontrava em estado crítico,
com síndrome hemolítico ureico, com falência de rins, colocando mesmo a
hipótese de indução de coma.”.
106. Esta versão teria sido igualmente sustentada pelo Dr. A. (…), (outro médico do
Hospital da Luz), a quem nesse mesmo dia a Mulher do utente também teria
manifestado a sua falta de confiança e o desejo de transferência para um hospital
público.
107. O utente nega assim que, naquele dia 1 de fevereiro de 2012, o Hospital da
Luz tenha colocado a possibilidade da sua transferência para um hospital público,
como nega também que os serviços administrativos tenham prestado informação,
quer a si, quer à sua Mulher, sobre o plafond ou qualquer outro assunto.
108. A este propósito, o utente afirma que os serviços administrativos do Hospital da
Luz só contactaram a sua Mulher, e por telefone, no dia 7 de fevereiro de 2013, e
apenas para a informar da fatura relativa ao internamento.
109. No que respeita às questões levantadas quanto ao transporte para o Hospital
de Santa Cruz e quanto à reunião realizada a 16 de abril, o utente mantem a sua
versão inicial.
110. Por fim e quanto ao pedido de acesso ao seu processo clinico, o utente afirma
que os originais dos diários clínicos e de enfermagem só foram disponibilizados ao
médico por si nomeado, depois do Hospital da Luz ter tido conhecimento da
reclamação que o mesmo apresentou junto da ERS, e que deu origem aos
presentes autos – cfr. oficio remetido pelo utente à ERS em 10 de fevereiro de
2014, junto aos autos.
II.4 Factos relativos ao relatório de apreciação clínica
111. No dia 13 de março de 2014, foi solicitado parecer clínico ao consultor técnico
da ERS, no âmbito do qual foram formuladas ao perito as seguintes questões:
18
“[…]
1. Os procedimentos levados a cabo pelos profissionais de saúde do Hospital da
Luz no dia 27/01/2013, atentos os sintomas evidenciados pelo utente, foram
adequados? Em especial, e face ao seu quadro clínico (prostatite), justificava-
se o internamento do utente ou o tratamento do seu problema de saúde
poderia ter sido efetuado em ambulatório?
2. De acordo com a reclamação que deu origem aos presentes autos, o utente
alega que, no dia 27/01/2013 e após avaliação clínica, lhe foi diagnosticado um
quadro de prostatite; na sequência dessa avaliação, terá sido questionado pela
médica se “desejava efetuar o tratamento em regime de ambulatório ou em
internamento por um período de dois dias, tendo sido salientado por aquela
que o tratamento em internamento seria mais rápido uma vez que poderia ser
feito via intravenosa”. Neste contexto, quais as vantagens que o utente teria se
optasse por realizar o tratamento em regime de internamento, em vez de o
fazer em ambulatório?
3. Face à situação clínica evidenciada pelo utente no dia 27/01/2013, e sendo o
internamento uma opção elegível, qual a sua duração previsível e quais os
seus propósitos?
4. Atenta a evolução clínica do utente a partir do dia 27/01/2013, justificou-se o
seu internamento no Hospital da Luz até ao dia 07/02/2013?
5. Durante o internamento do utente, foi identificado algum processo infeccioso?
Se sim, foram observados pelo Hospital da Luz todos os procedimentos
aconselháveis para este tipo de episódio?
6. Justificou-se a transferência do utente para a unidade de cuidados intensivos
em 01/02/2013, face ao seu quadro clínico?
7. Justificou-se a permanência do utente na unidade de cuidados intensivos até
ao dia 07/02/2013, atento o quadro e evolução clínica evidenciada?
8. Enquadramento global das respostas produzidas – recomendações.”.
112. Às questões assim formuladas, o perito respondeu da seguinte forma:
“[…]
19
1. O quadro clinico tem uma resposta mais célere, com vantagens clinicas para o
doente, se a administração de antibiótico for por via endovenosa o que se
revela pouco exequível em regime de ambulatório;
2. O quadro clinico tem uma resposta mais célere, com vantagens clinicas para o
doente, se a administração de antibiótico for por via endovenosa o que se
revela pouco exequível em regime de ambulatório
3. Se a resposta clinica for favorável a antibioterapia endovenosa pode ser
convertida em via oral em dois dias
4. A estirpe de E. Coli envolvida pode cursar com evolução desfavorável, como foi
o caso com a associação de síndrome hemolítico urémico, pelo que se justifica
internamento
5. Não foi identificado outro processo infeccioso que não o que motivou a
admissão
6. A estirpe de E. Coli envolvida pode cursar com evolução desfavorável com
necessidade de monitorização e terapêutica intensiva pelo que se justifica
internamento em UCI
7. O tempo de internamento em UCI foi o adequado para a situação clinica em
questão
8. Sob ponto de vista clinico nenhuma recomendação adicional.” – cfr. relatório de
apreciação clínica, junto aos autos.
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
113. De acordo com o n.º 1 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de
maio, a ERS tem por missão a regulação da actividade dos estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde.
114. As atribuições da ERS, de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, compreendem “[…] a supervisão da
actividade e funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde no que respeita:
[…]
20
b) À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e dos
demais direitos dos utentes;
c) À legalidade e transparência das relações económicas entre os diversos
operadores, entidades financiadoras e utentes.”.
115. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º
do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, “[...] todos os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, do sector público, privado e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas,
centros de saúde, laboratórios de análises clínicas, termas e consultórios”.
116. Mais refere o número 2 do mesmo artigo 8.º que não estão sujeitos à regulação
da ERS “os profissionais de saúde no que respeita à sua actividade sujeita à
regulação e disciplina das respetivas ordens ou associações profissionais
públicas.”;
117. No que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea b) do artigo 33.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, de “assegurar o cumprimento dos
critérios de acesso aos cuidados de saúde”, a alínea d) do artigo 35.º do mesmo
diploma, estabelece ser incumbência da ERS “zelar pelo respeito da liberdade de
escolha nos estabelecimentos de saúde privados”;
118. No que se refere ao objetivo regulatório previsto na alínea c) do artigo 33.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, de garantir os direitos e interesses
legítimos dos utentes, a alínea c) do artigo 36.º do mesmo diploma, estabelece ser
incumbência da ERS “verificar o não cumprimento da “Carta dos direitos dos
utentes” dos serviços de saúde”; e
119. No que concerne ao objetivo regulatório previsto na alínea d) do mesmo artigo
33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, de velar pela legalidade e
transparência das relações económicas entre todos os agentes do sistema, a
alínea a) do artigo 37.º daquele mesmo Decreto-Lei, estabelece que incumbe
ainda à ERS analisar as relações económicas nos vários segmentos da economia
da saúde, tendo em vista o fomento da transparência, da eficiência e da equidade
do sector, bem como a defesa do interesse público e dos interesses dos utentes;
120. Podendo fazê-lo mediante o exercício dos seus poderes de supervisão,
designadamente cabendo-lhe “velar pela aplicação das leis e regulamentos e
demais normas aplicáveis às actividades sujeitas à sua regulação”, e emitir “ordens
21
e instruções, bem como recomendações ou advertências individuais, sempre que
tal seja necessário – cfr. al. b) do artigo 42.º do mesmo diploma legal.
121. Importa assim realçar que a intervenção da ERS abrange todo o
comportamento do estabelecimento prestador, tal como delimitado pelo Decreto-
Lei n.º 127/2009, de 27 de maio e, nesse sentido:
(i) Quanto ao efetivo direito de acesso do utente aos cuidados de saúde,
aqui analisado na perspetiva da qualidade dos cuidados de saúde
prestados;
(ii) Quanto ao respeito pelos direitos do utente à informação clara,
verdadeira e inteligível, como condictio sine qua non do efectivo
exercício da liberdade de escolha do prestador de saúde e da prestação
de consentimento informado para cuidados de saúde;
(iii) Quanto ao acesso à informação clínica e dados da saúde pelo próprio
utente;
122. Ao que acresce a necessidade de averiguar pelo genérico cumprimento do
dever de respeito pela legalidade e transparência das relações económicas entre o
Hospital da Luz e os utentes que a si se dirigem.
123. Neste contexto, e tendo em consideração a matéria suscitada nos autos,
importará analisar as seguintes questões essenciais:
(i) Saber se o Hospital da Luz cumpriu os parâmetros de qualidade
exigidos ao nível dos cuidados de saúde prestados ao utente;
(ii) Saber se o utente foi prévia, devida e integralmente informado sobre os
custos dos serviços prestados pelo Hospital da Luz e, em especial, se
foi informado, em tempo útil, sobre o plafond e termo de
responsabilidade prestado pela Multicare;
(iii) Saber se o utente foi prévia, devida e integralmente informado sobre as
condições e preço do transporte em ambulância para o Hospital de
Santa Cruz;
(iv) Saber se o Hospital da Luz respeitou o direito do utente de acesso à
informação sobre os seus dados de saúde, em especial, ao seu
processo clínico.
III.2. Do enquadramento legal da prestação de cuidados
22
III.2.1. Dos direitos e interesses legítimos dos utentes
124. A necessidade de garantir requisitos mínimos de qualidade e segurança ao
nível da prestação, dos recursos humanos, do equipamento disponível e das
instalações, está presente no sector da prestação de cuidados de saúde de uma
forma mais acentuada do que em qualquer outra área.
125. As relevantes especificidades deste setor agudizam a necessidade de garantir
que os serviços sejam prestados em condições que não lesem o interesse nem
violem os direitos dos utentes.
126. Efetivamente, a qualidade tem sido considerada como um elemento
diferenciador no processo de atendimento das expectativas de clientes e utentes
dos serviços de saúde.
127. Particularmente, a assimetria de informação que se verifica entre prestadores e
consumidores reduz a capacidade de escolha dos últimos, não lhes sendo fácil
avaliar a qualidade e adequação do espaço físico, nem a qualidade dos recursos
humanos e da prestação a que se submetem quando procuram cuidados de
saúde.
128. Por outro lado, os níveis de segurança desejáveis na prestação de cuidados de
saúde, devem ser considerados seja do ponto de vista do risco clínico, seja do
risco não clínico.
129. O utente dos serviços de saúde tem direito a que os cuidados de saúde sejam
prestados com observância e em estrito cumprimento dos parâmetros mínimos de
qualidade legalmente previstos, quer no plano das instalações, quer no que diz
respeito aos recursos técnicos e humanos utilizados.
130. Os utentes gozam do direito de exigir dos prestadores de cuidados de saúde o
cumprimento dos requisitos de higiene, segurança e salvaguarda da saúde
pública, bem como a observância das regras de qualidade e segurança definidas
pelos códigos científicos e técnicos aplicáveis.
131. Os utentes dos serviços de saúde que recorrem à prestação de cuidados de
saúde encontram-se, não raras vezes, numa situação de vulnerabilidade que torna
ainda mais premente a necessidade dos cuidados de saúde serem prestados
pelos meios adequados, com prontidão, humanidade, correção técnica e respeito.
23
132. Sempre e em qualquer situação, toda a pessoa tem o direito a ser respeitada
na sua dignidade, sobretudo quando está inferiorizada, fragilizada ou perturbada
pela doença.
133. A este respeito encontra-se reconhecido na Lei n.º 48/90, de 24 de agosto, que
aprovou a Lei de Bases da Saúde (LBS), e, hoje, artigo 4º da Lei n.º 15/2014, de
21 de março2, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito” – cfr.
alínea c) da Base XIV da LBS.
134. Quando o legislador refere que os utentes têm o direito de ser tratados pelos
meios adequados e com correção técnica está certamente a referir-se à utilização,
pelos prestadores de cuidados de saúde, dos tratamentos e tecnologias
tecnicamente mais corretas e que melhor se adequam à necessidade concreta de
cada utente.
135. Ou seja, deve ser reconhecido ao utente o direito a ser diagnosticado e tratado
à luz das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se encontre cientificamente
comprovada, sendo porém obvio que tal direito, como os demais consagrados na
LBS, terá sempre como limite os recursos humanos, técnicos e financeiros
disponíveis – cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
136. Por outro lado, quando na alínea c) da Base XIV da LBS se afirma que os
utentes devem ser tratados humanamente e com respeito, tal imposição decorre
diretamente do dever dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde de
atenderem e tratarem os seus utentes em respeito pela dignidade humana, como
direito e princípio estruturante da República Portuguesa.
137. De facto, os profissionais de saúde que se encontram ao serviço dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde devem ter “redobrado
cuidado de respeitar as pessoas particularmente frágeis pela doença ou pela
deficiência”
2 A Lei n.º 15/2014, de 21 de março, foi publicada em Diário da República, 1ª série, n.º 57, de
21 de março de 2014, pelo que, à data dos factos em discussão nos presentes autos, ainda
não se encontrava em vigor. Não obstante, uma vez que a Lei em causa, conforme resulta do
seu preâmbulo e do disposto no seu artigo 1º, visa a consolidação dos direitos e deveres dos
utentes dos serviços de saúde, não alterando significativamente a ordem jurídica vigente, por
questões meramente expositivas e pedagógicas optou-se por fazer referência ao seu conteúdo
no presente parecer.
24
138. Por outro lado, a relação que se estabelece entre os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde e os seus utentes deve pautar-se pela verdade,
completude e transparência em todos os seus aspetos e momentos;
139. Nesse sentido, o direito à informação – e o concomitante dever de informar –
surge com especial relevância e é dotado de uma importância estrutural e
estruturante da própria relação criada entre utente e prestador.
140. Na verdade, o direito do utente à informação não se limita ao que prevê a
alínea e) do n.º 1 da Base XIV da LBS (e, hoje, o n.º 1 do artigo 7º da Lei n.º
15/2014, de 21 de março), para efeitos de consentimento informado e
esclarecimento, quanto a alternativas de tratamento e evolução do estado clínico;
141. Trata-se, antes, de um princípio que deve modelar todo o quadro de relações
atuais e potenciais entre utentes e prestadores de cuidados de saúde.
142. E assim sendo, a informação sobre os custos dos cuidados de saúde é,
também ela, essencial para que o utente, além de conformar a sua escolha quanto
ao prestador em causa, decida se consente ou recusa os cuidados que lhe são
propostos face à sua situação clínica.
143. A informação transmitida ao utente deve ser verdadeira, completa,
transparente, acessível e inteligível pelo seu destinatário concreto – cfr. artigo 5º
da Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina3, artigo 157º do Código
Penal e, hoje, artigo 7º, n.º 2 da Lei n.º 15/2014, de 21 de março.
144. Só assim se logrará obter a referida transparência na relação entre prestadores
de cuidados de saúde e utentes.
145. A contrario, a veiculação de uma qualquer informação errónea, a falta de
informação ou a omissão de um dever de informar por parte do prestador, são
suficientes para comprometer a exigida transparência da relação entre este e o
seu utente e, nesse sentido, para distorcer o exercício da própria liberdade de
escolha dos utentes e o consentimento para a prestação de cuidados de saúde;
146. Para além de facilitar ou causar lesões de direitos e interesses (patrimoniais e
não patrimoniais) dos utentes.
3 Celebrada, no âmbito do Conselho da Europa, em 4 de abril de 1997; aprovada para
ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001, de 3 de janeiro, publicada
no Diário da República, I Série-A, n.º 2/2001; e ratificada pelo Decreto do Presidente da
República, nº 1/2001, de 20 de fevereiro, de 3 de janeiro, publicado no Diário da República, I
Série A, n.º 2/2001;
25
147. Com efeito, só com base na absoluta transparência e completude de
informação é que poderá ser salvaguardado o direito de um qualquer utente de
escolher livremente o agente prestador de cuidados de saúde e, bem assim, de
prestar (ou recusar) o consentimento para receber os cuidados de saúde que lhe
são indicados.
148. É óbvio que esta liberdade - de escolha e de prestação de consentimento,
portanto, de autodeterminação - só pode ser exercida no momento anterior à
efetiva prestação de cuidados de saúde, pelo que, a informação referida deve ser
atempadamente transmitida ao utente, para que tenha utilidade e sirva os sues
propósitos.
149. A informação a disponibilizar pelo prestador ao público (aos utentes) deve ser
suficiente para o dotar dos instrumentos necessários ao real conhecimento da sua
posição face ao prestador e mesmo face a terceiras entidades, como sejam as
entidades financiadoras dos cuidados de saúde.
150. Na situação em apreço coloca-se a questão (entre outras) de saber se o utente
foi informado - efetiva, correta e integralmente informado - sobre a totalidade dos
aspetos financeiros decorrentes do tratamento a que foi sujeito no Hospital da Luz;
151. Em especial, no que respeita à sua responsabilidade perante esta entidade, em
função do cumprimento do plano de seguro de saúde que havia celebrado com a
Multicare.
152. Ou seja, saber se o comportamento do prestador foi suficiente para garantir o
cabal exercício da liberdade de escolha e de autodeterminação do utente e o
direito de acesso aos cuidados de saúde, tal como enquadrados nos presentes
autos.
153. Concretamente, importará saber nesta medida, se o Hospital da Luz manteve o
utente informado sobre os custos do internamento e dos cuidados de saúde a
prestar e sobre os termos de responsabilidade e do plafond da Multicare e/ou se
era ao utente que competia informar-se junto da sua seguradora, de todos estes
elementos (mesmo estando internado numa unidade de cuidados intensivos, com
graves problemas de saúde).
154. No caso em análise importará analisar um dos problemas fundamentais em
saúde e que se prende com a “assimetria de informação” que existe em todas as
relações prestador - utente.
26
155. De facto, os mercados de serviços de saúde são caracterizados pela
informação imperfeita que, regra geral, as pessoas possuem relativamente à
saúde e à doença.
156. Com efeito, é natural que um utente perceba a existência de um sintoma,
embora não reúna os conhecimentos necessários para determinar a origem e
gravidade do mesmo;
157. Deste modo, será normalmente um profissional de saúde que determinará a
gravidade do problema e conduzirá o utente ao tratamento adequado;
158. E que possuirá a informação sobre qual o material, fármacos, consumos que
podem ser usados durante um internamento/tratamento - incluindo não só aqueles
que são típicos e que surgem em todas as situações de internamento, mas
igualmente aqueles que respeitam especificamente aos tratamentos que se
revelam como adequados à situação específica do utente em questão.
159. Ora, é aqui que se verifica uma assimetria de informação que, concretamente,
resulta do facto de os profissionais de saúde serem portadores do conhecimento
exato dos cuidados mais adequados às necessidades dos utentes.
160. Efetivamente, o utente comum não será conhecedor da doença de que padece,
e, muito menos, dos tratamentos de que necessita, nem do material, fármacos,
consumos a utilizar, e ainda dos custos que lhe estão diretamente inerentes, sendo
essa a razão que o leva a recorrer a um prestador de cuidados de saúde para o
aconselhar.
161. E é precisamente isso que justifica que um utente, antes de decidir submeter-
se um determinado tratamento, solicite informação adequada – um orçamento, por
exemplo - e seja conhecedor das tabelas de preços e regras que lhe são
aplicáveis.
162. É também neste contexto que um utente que celebrou um determinado
contrato de seguro, necessita de estar devidamente esclarecido sobre o âmbito da
responsabilidade da seguradora quanto ao pagamento dos cuidados de saúde.
163. De sublinhar ainda que, neste contexto e para efeitos de prestação de
informação e articulação da comunicação com a seguradora, não é despiciendo o
facto do utente se encontrar debilitado e internado numa unidade de saúde,
condições, estas, que podem afetar a sua capacidade de discernimento e
comunicação.
27
164. Em conclusão, a liberdade de escolha, bem como o consentimento para o
tratamento proposto pelo prestador, só podem ser efetivamente garantidos se for
transmitida ao utente, completa e atempadamente, toda a informação relevante
para a sua decisão.
III.2.2. Da defesa dos utentes enquanto consumidores dos cuidados de saúde
165. Por outro lado, recorde-se que o utente assume a qualidade de consumidor na
relação originada com o prestador de cuidados de saúde, pelo facto da Lei n.º
24/96, de 31 de julho que aprovou o regime legal aplicável à defesa do consumidor
(Lei do Consumidor), definir como consumidor
“aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos
quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça
com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de
benefícios.” – cfr. n.º 1 do artigo 2.º do referido diploma legal.
166. Deste modo, deve ter-se presente que:
“O consumidor tem direito:
[…]
d) À informação para o consumo;
e) À protecção dos interesses económicos;
f) À prevenção e à reparação dos danos patrimoniais ou não patrimoniais que
resultem da ofensa de interesses ou direitos individuais homogéneos,
colectivos ou difusos […]” – cfr. artigo 3.º da Lei do Consumidor.
167. Concretiza a Lei do Consumidor, no que respeita ao “Direito à informação em
particular”, que “O fornecedor de bens ou prestador de serviços deve, tanto nas
negociações como na celebração de um contrato, informar de forma clara,
objectiva e adequada o consumidor, nomeadamente, sobre características,
composição e preço do bem ou serviço […]” – cfr. n.º 1 do artigo 8.º da referida Lei
do Consumidor;
168. Sendo certo que “O fornecedor de bens ou o prestador de serviços que viole o
dever de informar responde pelos danos que causar ao consumidor […]” – cfr. n.º 5
do artigo 8.º da Lei do Consumidor.
169. Por outro lado, e no que se refere ao “Direito à protecção dos interesses
económicos”, o n.º 1 do artigo 9.º da Lei do Consumidor estatui o seguinte:
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“O consumidor tem direito à protecção dos seus interesses económicos,
impondo-se nas relações jurídicas de consumo a igualdade material dos
intervenientes, a lealdade e a boa fé, nos preliminares, na formação e ainda
na vigência dos contratos”;
170. Sendo expressamente determinado que,
“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não
tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não
constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo,
o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo
risco de perecimento ou deterioração da coisa.” – cfr. n.º 4 do artigo 9.º da Lei
de Defesa dos Consumidores.
171. Assim, também por força dos aludidos dispositivos, o prestador de cuidados de
saúde deve assegurar o direito do utente-consumidor a ser corretamente
informado da sua posição contratual.
III.2.3. Dos dados pessoais e do direito de acesso à informação clínica
172. A confidencialidade e o acesso à informação constante de um processo clínico
(dados de saúde), encontram-se regulados em vários diplomas legais:
a) na Lei de Bases da Saúde;
b) na Convenção dos Direitos Humanos e da Biomedicina;
c) na Lei n.º 15/2014, de 21 de março;
d) na Lei de Proteção de Dados Pessoais (Lei n.º 67/98, de 26 de outubro
– LPDP);
e) na Lei sobre a informação genética pessoal e informação de saúde (Lei
n.º 12/2005, de 26 de janeiro), na Lei de Acesso aos Documentos
Administrativos (Lei n.º 46/2007, de 24 de agosto – LADA)4;
173. Neste âmbito, importa ter em atenção que as informações sobre dados de
saúde prendem-se com o historial clínico de um utente; tais matérias, desde logo,
estão abrangidas pela obrigação de segredo profissional, uma vez que,
4 Do quadro jurídico aplicável resulta que o acesso e a confidencialidade dos dados de saúde
em hospitais públicos é regulado pela LADA, enquanto nos hospitais do setor privado e social,
estas questões são reguladas pela LPDP e Lei n.º 12/2005.
29
respeitantes à saúde, são fornecidas e recolhidas no âmbito de uma relação
estabelecida entre o utente e o estabelecimento que o acolhe.
174. Esta relação, por se enquadrar no âmbito do exercício de uma profissão e, em
especial, de uma prestação de serviços de saúde, é abrangida pela obrigação de
segredo profissional.5
175. O segredo profissional “é a proibição de revelar factos ou acontecimentos de
que se teve conhecimento ou que foram confiados em razão e no exercício de uma
actividade profissional”6.
176. A obrigação de sigilo vincula a entidade – e todos os seus profissionais - que
acolhe e oferece os seus préstimos ao doente;
177. Não obstante poder tratar os dados que lhe são fornecidos pelo utente ou que
lhe cheguem ao seu conhecimento em virtude daquela prestação de cuidados
médicos, o Hospital não os pode revelar a terceiros, sem prévio conhecimento e
consentimento do utente, sendo apenas legítimo que utilize tal informação na
prestação dos citados serviços de saúde.
178. A proteção conferida pelo segredo profissional assenta, assim, em motivos de
interesse particular – proteção da privacidade do utente – bem como em
fundamentos de interesse geral e público – preservação da confidência necessária
nas relações médico/utente.
179. Deste modo, a violação daquela obrigação de sigilo não só consubstancia uma
intromissão na esfera da vida íntima e privada do particular em causa, como
origina ainda uma desconfiança generalizada em todo o sistema, podendo gerar
uma reação negativa dos cidadãos face à confiança que depositam nos
estabelecimentos de saúde e nos seus profissionais.
180. No âmbito do segredo profissional, está em causa a proteção de um bem
jurídico fundamental, que justifica inclusivamente a previsão de um tipo legal de
crime: no art.195º do Código Penal, pode ler-se que,
“Quem, sem consentimento, revelar segredo alheio de que tenha
tomado conhecimento em razão do seu estado, ofício, emprego,
5 Cfr. a título de exemplo, a obrigação de sigilo profissional estabelecida no artigo 13º, alínea
c), e nos artigos 67º a 80º do Estatuto da Ordem dos Médicos.
6 Cfr. pareceres da Procuradoria Geral da República n.º 270/78 e n.º 49/91, in www.dgsi.pt.
30
profissão ou arte é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena
de multa até 240 dias.”.
181. E certo é que os dados relativos à saúde de um cidadão integram-se na esfera
da sua intimidade privada.
182. O direito à reserva da intimidade da vida privada é um direito fundamental,
consagrado no artigo 26º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP);
como tal, a sua observância e respeito impõe-se diretamente, vinculando
entidades públicas e privadas (cfr. artigo 18º da CRP)7.
183. De referir que a proteção assim conferida integra, entre outros direitos de
personalidade, a tutela da vida, da integridade física, da liberdade, da honra e da
saúde.
184. Desta forma, repete-se, qualquer entidade prestadora de cuidados de saúde,
apesar de possuir informações sobre a saúde de uma pessoa, não é titular das
mesmas.
185. As informações que possui destinam-se, única e exclusivamente, à
prossecução do seu objeto, que é a prestação dos cuidados de saúde.
186. Daí que o tratamento das mesmas tenha sempre que ter, como função e
medida, aquele – e só aquele – objetivo.
187. O Hospital não é titular dos registos clínicos do doente – toda a informação de
que teve conhecimento no exercício das suas funções, estão inseridas naquela
esfera da intimidade privada do doente.
188. E este é que é, para todos os efeitos, o titular do direito às mesmas.
189. Por esta razão, o artigo 35º da CRP refere que “Todos os cidadãos têm o direito
de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito (...) ”, estando
“proibido o acesso a dados pessoais de terceiros (...)
190. Neste sentido, a Lei de Bases da Saúde, nas Base XIV, n.º 1, alínea d), estatui
como direito dos utentes das entidades prestadoras de cuidados de saúde, o de
7 Conforme afirmam J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, o direito à intimidade da vida privada
analisa-se em dois direitos menores: “(a) o direito a impedir o acesso de estranhos a
informação sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as
informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem (art. 80º do Código Civil).” – in
Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Edição, Coimbra, 1993, pág.22.
31
“ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais
revelados.”.
191. Assim, só os próprios utentes têm direito a “ser informados sobre a sua
situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução provável do seu
estado” (cfr. alínea e), n.º 1 da Base XIV)
192. Por seu turno, a citada Lei n.º 67/98 de 26 de outubro estabelece um regime de
proteção de dados pessoais.
193. Para o efeito, no artigo 3º, alínea a), definem-se “dados pessoais”, como
“qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo
suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular, identificada ou
identificável – titular dos dados (...) ”.
194. Portanto, dados pessoais são toda e qualquer informação sobre uma
determinada pessoa, que contenha apreciações, juízos de valor ou que sejam
abrangidas pela reserva da intimidade da vida privada.
195. O princípio geral que preside ao tratamento de dados pessoais é o do estrito
respeito pela reserva da vida privada, bem como por todos os outros direitos,
liberdades e garantias fundamentais – cfr. artigo 2º da Lei n.º 67/98.
196. Daí que os responsáveis pelo tratamento de dados pessoais, bem como
aqueles que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento de dados
pessoais tratados, fiquem obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das
suas funções – cfr. artigo17º, n.º 1 da Lei n.º 67/98.
197. Nos termos da alínea b) artigo 11º da Lei n.º 67/98, “O titular dos dados tem o
direito de obter do responsável pelo tratamento, livremente e sem restrições, com
periodicidade razoável e sem demoras ou custos excessivos: (…) A comunicação,
sob forma inteligível, dos seus dados sujeitos a tratamento e de quaisquer
informações disponíveis sobre a origem desses dados”;
198. Mais recentemente, o n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março veio
confirmar esta ideia, afirmando que “O utente dos serviços de saúde é titular dos
direitos à proteção de dados pessoais e à reserva da vida privada.”;
199. E nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 5º, “O utente dos serviços de saúde é
titular do direito de acesso aos dados pessoais recolhidos e pode exigir a
retificação de informações inexatas e a inclusão de informações total ou
parcialmente omissas, nos termos do artigo 11º da Lei n.º 67/98, de 26 de
Outubro”.
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200. Ainda com interesse para a análise dos presentes autos, cumpre referir que a
Lei n.º 67/98 determina, no seu art. 7º, n.º 2, que “Mediante disposição legal ou
autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no
número anterior quando por motivos de interesse público importante esse
tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do
seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento
expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não
discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15”.
201. Quanto à forma como o acesso é operacionalizado, a Lei n.º 67/98 refere, no
seu artigo 11º, n.º 5, que “O direito de acesso à informação relativa a dados da
saúde, incluindo os dados genéticos, é exercido por intermédio de médico
escolhido pelo titular dos dados.”;
202. E a mesma regra resulta da Lei n.º 12/2005, onde, no seu artigo 3º, consta o
seguinte:
- “O titular da informação de saúde tem o direito de, querendo, tomar
conhecimento de todo o processo clínico que lhe diga respeito, salvo
circunstâncias excecionais devidamente justificadas e em que seja
inequivocamente demonstrado que isso lhe possa ser prejudicial, ou
de o fazer comunicar a quem seja por si indicado.” (n.º 2 do artigo 3º);
- “O acesso à informação de saúde por parte do seu titular, ou de
terceiros com o seu consentimento, é feito através de médico, com
habilitação própria, escolhido pelo titular da informação” (n.º 3 do
artigo 3º).
203. Neste contexto, o acesso a dados de saúde de um utente só é permitido, nos
termos da Lei, ao próprio ou a quem dele tenha obtido uma autorização expressa
para o efeito.
204. Sendo certo que esse acesso a dados de saúde é um direito do utente.
205. Da mesma forma que permitir o acesso do utente aos seus dados de saúde
constitui um dever do prestador.
III. 3. Do contrato de seguro da Multicare – Seguros de Saúde, SA.
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206. Em geral, o contrato de seguro pode ser definido como o contrato mediante o
qual uma pessoa transfere para outra o risco da eventual verificação de um
determinado dano (sinistro), na esfera própria ou alheia, mediante o pagamento da
correspondente remuneração (prémio) 8.
207. O sinistro será, deste modo, o evento que desencadeia o acionamento da
cobertura do risco (total ou parcial), desde que participado dentro de certo prazo.
208. Por via do contrato de seguro, estabelece-se uma relação contratual tripartida
entre a empresa de seguros, enquanto entidade legalmente autorizada a exercer a
atividade seguradora, aquele que subscreve o contrato (tomador de seguro, no
caso) e o beneficiário da cobertura do risco que, podendo ser um terceiro face às
obrigações contratuais das partes, assume os direitos do contrato (segurado).
209. Frequentemente, é o próprio segurado que assume também o papel de tomador
de seguro, uma vez que o subscreve por conta própria, como sucede no caso dos
presentes autos.
210. Concretamente sobre o contrato de seguro de saúde, o mesmo integra uma das
modalidades de seguro do tradicional ramo “não vida”, que visa a cobertura de
despesas relacionadas com a prestação de cuidados de saúde aos segurados.
211. É possível dividir o seguro de saúde em três modalidades distintas, previstas no
artigo 123.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 94-B/98, de 17 de Abril: um regime de
prestações convencionadas ou sistema de assistência; um regime de prestações
indemnizatórias ou sistema de reembolso e um sistema misto, que combina os
dois anteriores.
212. No regime de prestações convencionadas (também designado sistema
convencionado, de assistência ou managed health care), o segurador dispõe de
uma rede de prestadores de cuidados de saúde – rede convencionada – aos quais
o segurado recorre, suportando apenas uma parte do preço com o cuidado
recebido.
213. O remanescente do preço ficará a cargo da entidade seguradora, que o
liquidará diretamente ao prestador, em prazo e montante previamente determinado
na convenção celebrada entre ambos.
8 Cfr. o estudo da ERS sobre avaliação do modelo de contratação de prestadores de cuidados
de saúde pelos subsistemas e seguros de saúde, publicado em www.ers.pt. e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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214. Esta modalidade de assistência caracteriza-se, assim, por ser um sistema
integrado de seguro com prestação direta de cuidados de saúde, mediante o
estabelecimento de uma relação direta entre o segurador, os diferentes
prestadores de serviços e as pessoas seguras/utentes de cuidados de saúde.
215. Já no regime de prestações indemnizatórias (também designado sistema de
reembolso), o utente/segurado escolhe livremente o prestador ao qual pretende
recorrer e paga a totalidade das despesas com os cuidados de saúde
concretamente recebidos, sendo posteriormente reembolsado de uma parte delas
pelo segurador, mediante apresentação dos respetivos comprovativos de
pagamento.
216. Não há, neste regime, o estabelecimento de qualquer relação, direta ou indireta,
entre o segurador e os diferentes prestadores de cuidados de saúde.
217. O regime de sistema misto é, claramente, a modalidade preferida, seja no que
respeita a seguros de grupo, seja muito particularmente no que respeita aos
seguros de saúde individuais.
218. A MultiCare é apresentada como uma “marca” do seguro de saúde do grupo
Caixa Geral de Depósitos, sendo tal rede de seguros de saúde detida e gerida pela
EPS – Gestão de Sistemas de Saúde S.A. (empresa pertencente ao grupo Caixa
Geral de Depósitos).
219. O acesso à rede de prestadores convencionados por esta entidade (rede
Multicare) é reservado aos seguros comercializados, entre outros, pela Fidelidade
Mundial, Império Bonança, Caixa Geral de Depósitos, Finibanco e Groupama
Seguros, que habilitam o segurado com um cartão (cartão Multicare ou de função
idêntica) que permite o acesso à rede Multicare.
220. Ora, tal como sucede com os subsistemas de saúde (com a ADSE, por
exemplo), a forma utilizada para assegurar a prestação de cuidados de saúde aos
beneficiários/segurados é também aqui garantida, no essencial, pela criação de
uma rede de prestadores convencionados, e que igualmente tem por subjacente
um estabelecimento prévio de relações triangulares que ligam a entidade
seguradora, os prestadores e os beneficiários/utentes.
221. Efetivamente, há o estabelecimento de um feixe de relações contratuais entre a
entidade seguradora e os prestadores privados, caracterizado pelo objeto
contratual comum da contratação destes últimos para a prestação de cuidados a
beneficiários de seguros da entidade seguradora contratante.
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222. É deste feixe de contratos paralelos, que estabelecem as obrigações dos
prestadores face à entidade seguradora e aos seus beneficiários, que resulta, a
final, aquilo a que na sua globalidade se chama de rede de convencionados.
223. Por outro lado, há ainda o estabelecimento de uma relação entre a entidade
seguradora e os seus beneficiários, pela qual a primeira assume a obrigação,
contratual, de assegurar a cobertura do risco contratado.
224. Por último, e como concretização quer da relação contratual estabelecida entre
a entidade seguradora e os prestadores privados, quer da relação subjacente à
qualidade de beneficiário de um seguro, não se pode deixar de atentar à relação
estabelecida entre o utente/beneficiário e o prestador no momento do acesso à
prestação, ainda que essa relação seja diretamente conformada pelos princípios
inerentes àquelas.
225. A relação que se estabelece entre a entidade seguradora e o prestador de
cuidados de saúde, por via de contrato, tem por objeto a vinculação de um
determinado prestador a uma determinada rede de seguros de saúde, e nos
termos da qual o prestador aceita prestar cuidados de saúde aos beneficiários de
seguros, com quem haja sido contratado o acesso à mesma (rede) em condições
previamente acordadas e contratadas.
226. Assim, por via de tal contrato, o prestador acorda a assunção de qualidade de
prestador convencionado de uma rede de seguros de saúde e aceita cumprir um
conjunto de obrigações perante a sua contraparte entidade seguradora, obrigações
essas que igualmente condicionam diretamente a forma pela qual um qualquer
beneficiário/utente da referida rede de seguros de saúde poderá aceder aos
cuidados de saúde por si prestados.
227. Poder-se-á considerar, então, que nesta parte o contrato assume-se
parcialmente como um contrato a favor de terceiros (utentes/beneficiários), pelo
qual o prestador se obriga a efetuar prestações em benefício de um conjunto
indeterminado de pessoas e nos termos que resultam previamente definidos do
próprio contrato.
228. Assim, é desta relação contratual que resulta conformado o acesso dos
beneficiários/utentes aos prestadores convencionados de redes de seguros de
saúde.
229. Por sua vez, a relação que se estabelece entre a entidade seguradora e os
seus segurados/beneficiários, por via de contrato, identifica os termos em que se
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dá a transferência do risco assumido e garantido, conformando a posição do
beneficiário do seguro na relação com a seguradora e com os prestadores (e.g.,
quanto aos montantes máximos de coberturas, riscos cobertos, exclusões de
riscos, montantes de co-pagamentos, etc).
230. Por fim, a relação que se estabelece entre o utente (beneficiário de seguro) e o
prestador, concretiza o acesso efetivo aos cuidados de saúde e encontra-se
(quase) integralmente conformada:
(i) pelo próprio quadro contratual estabelecido com a entidade seguradora;
(ii) pelas obrigações assumidas pelo prestador em sede de contrato com a
entidade seguradora;
(iii) pelos direitos e deveres dos beneficiários do seguro, resultantes do
quadro contratual referido.
231. Ora, no que respeita ao caso em apreço nos presentes autos (tal como resulta
quer da exposição do utente, quer da resposta do prestador e documentos anexos
a esta, quer ainda do registo deste no SRER) importa sublinhar que o utente havia
celebrado um contrato de seguro de saúde com a Multicare.
232. De acordo com o dito contrato de seguro, o utente estava abrangido por um
Plano de Saúde, nos termos do qual a Multicare se responsabilizava pelo
pagamento das despesas e honorários decorrentes da realização de atos médicos,
até ao montante determinado em função do concreto ato médico a executar,
cabendo ao utente o pagamento de uma franquia de 10% desse valor, no mínimo
de 250 € e máximo de 500 €, a liquidar diretamente ao prestador.
233. Ainda em conformidade com os termos desse Plano de Saúde, a liquidação das
despesas a cargo da Multicare seria feita mediante apresentação da factura e
documentos comprovativos das despesas, competindo ao utente o pagamento de
despesas extra (telefones, bar, etc).
234. Por fim, e tal como resulta do teor da informação constante do SRER, o Hospital
da Luz celebrou uma convenção com a Multicare, convenção essa, que abrange
cuidados de saúde na especialidade de urologia, incluindo consultas, elementos
complementares de diagnóstico, internamentos, intervenções cirúrgicas e
tratamentos.
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III.4. Análise da situação concreta
235. Neste contexto, a análise da situação concreta será efetuada, tendo em
consideração cada uma das quatro questões acima identificadas – qualidade dos
cuidados de saúde prestados, informação prévia sobre os custos dos mesmos e
dos termos do plano de saúde da Multicare, informação prévia sobre o transporte
em ambulância para o Hospital de Santa Cruz e direito de acesso à informação
clínica.
III.4.1 Parâmetros de qualidade exigidos ao nível dos cuidados de saúde
prestados ao utente
236. Sobre esta matéria, foi solicitada nos presentes autos o relatório de apreciação
clínica acima identificado.
237. Este parecer constitui um instrumento de apoio na prossecução dos objetivos
regulatórios da ERS, sustentando uma abordagem integrada e tecnicamente
suportada dos concretos factos objeto de análise, subjacentes aos presentes
autos.
238. De notar, porém, que a avaliação clínica destes factos por parte da ERS não
abrange matérias de exclusivo conhecimento e competência de outras entidades;
239. O propósito da análise efetuada nos presentes autos, é apenas avaliar se os
procedimentos e parâmetros de qualidade exigíveis, bem como, o direito do utente
de acesso aos cuidados de saúde, foram cumpridos e observados pelo prestador.
240. Conforme resulta dos elementos constantes dos autos, no dia 26 de janeiro de
2013, o utente recorreu aos serviços da clínica “Parque dos Poetas”, em Oeiras,
onde lhe tinha sido diagnosticada uma infeção urinária.
241. No dia seguinte, 27 de janeiro de 2013, o utente dirigiu-se ao serviço de
Atendimento Médico Permanente (AMP) do Hospital da Luz, em virtude de uma
febre elevada, mal-estar, retenção e infeção urinária.
242. No AMP, e após observação clínica e exames realizados, foi elaborado o
diagnóstico provisório de prostatite aguda.
243. Nesse sentido, foi proposto ao utente internamento para tratamento e
confirmação do diagnóstico de prostatite aguda, por um período provável de dois
dias.
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244. Foi o utente informado da sua condição clínica e das vantagens do tratamento
em regime de internamento, relativamente à possibilidade de o poder fazer em
ambulatório.
245. Devidamente informado, o utente deu o seu consentimento para o
internamento e tratamento proposto. Nesse sentido,
246. O utente foi internado a 27 de janeiro de 2013.
247. No dia 29 de janeiro de 2013 foi conhecido o resultado da uroclutura feita na
Clínica “Parque dos Poetas”, bem como dos exames realizados no Hospital da
Luz, que confirmaram a presença de bactéria E.coli e o diagnóstico prévio de
infeção urinária, justificando-se a continuidade de internamento, por não existir
indicação para alta médica – cfr. relatório de apreciação clínica.
248. No dia 1 de fevereiro de 2013, verificou-se um agravamento clínico por
Síndrome Hemolítico Urémico, diagnosticado nessa data por via do quadro
sintomático, facto que fundamentava a transferência do utente para uma Unidade
de Cuidados Intensivos, para monitorização e tratamento adequado – cfr. relatório
de apreciação clínica.
249. Até ao dia 7 de fevereiro de 2013, a situação clínica do utente evoluiu
favoravelmente, pelo que, nessa data, foi ponderada a sua transferência para o
internamento na enfermaria, a qual, porém, não se viria a efetuar, porque o utente,
a seu pedido, foi transferido para o Hospital de Santa Cruz.
250. Em conformidade com a avaliação que o perito efetuou aos factos em
discussão nos presentes autos, a solicitada apreciação clínica concluiu pela
regularidade e adequação dos procedimentos levados a cabo pelos profissionais
de saúde do prestador, no que respeita aos cuidados de saúde prestados ao
utente.
251. Deste modo, atendendo aos factos supra descritos, aos documentos junto aos
autos e ao relatório de apreciação clínica citado, poderá concluir-se pela
conformidade dos procedimentos clínicos seguidos pelos profissionais de saúde do
Hospital da Luz.
III.4.2 Informação ao utente sobre os custos dos serviços prestados pelo
Hospital da Luz, em especial, no que respeita ao plafond e termo de
responsabilidade emitido pela Multicare
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252. De acordo com o teor da reclamação apresentada pelo utente à ERS, a
questão essencial aí suscitada reportava-se à faturação do episódio de
internamento no Hospital da Luz, ao abrigo de um plano de saúde da Multicare, em
especial quanto à ausência de informação prévia pelo prestador do momento em
que o plafond desse plano foi atingido e, consequentemente, quanto ao valor a
pagar a título privado.
253. No dia 27 de janeiro de 2013, o reclamante deslocou-se ao AMP do Hospital da
Luz, pelas razões supra identificadas, e, por indicação clínica, foi transferido para o
internamento em enfermaria.
254. Nesse dia, o utente invocou a sua qualidade de detentor de um plano de saúde
da Multicare.
255. Tal como resulta quer da exposição do utente, quer da resposta do prestador e
documentos anexos a esta, quer ainda do registo deste último no SRER da ERS,
verifica-se que, efetivamente, o utente celebrou um contrato de seguro de saúde
com a Multicare;
256. E que o Hospital da Luz também celebrou uma convenção com a mesma
seguradora, convenção essa, que abrange cuidados de saúde na especialidade de
urologia, incluindo “consultas, elementos complementares de diagnóstico,
internamentos, intervenções cirúrgicas e tratamentos”.
257. De acordo com o contrato de seguro em causa, o utente estava abrangido por
um Plano de Saúde, nos termos do qual a Multicare se responsabilizava pelo
pagamento das despesas e honorários decorrentes da realização de atos médicos,
até ao montante determinado em função do concreto ato médico a executar,
cabendo ao utente o pagamento de uma franquia de 10% desse valor, no mínimo
de 250 € e máximo de 500 €, a liquidar diretamente ao prestador.
258. Ainda em conformidade com os termos desse Plano de Saúde, a liquidação
das despesas a cargo da Multicare seria feita mediante apresentação da fatura e
documentos comprovativos das despesas, competindo ao utente o pagamento de
despesas extra (telefones, bar, etc.).
259. Logo no dia 27 de janeiro de 2013, o utente procedeu ao pagamento de 230 €,
solicitado pelo Hospital da Luz a título de consulta e adiantamento de serviços
hospitalares.
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260. Nessa data, foi-lhe ainda exigido pelo Hospital da Luz, como condição para o
internamento, que procedesse à entrega de um cheque caução no valor de
2.500,00 €, o que foi efetuado pelo utente.
261. Também nesse dia 27 de janeiro de 2013, o Hospital da Luz solicitou à
Multicare a emissão de um termo de responsabilidade referente à comparticipação
das despesas de hospitalização do utente, de acordo com o seu plano de saúde e
em conformidade com o contrato e convenção em vigor, supra citados.
262. No dia 28 de janeiro de 2013, a Multicare emitiu e enviou ao Hospital da Luz o
termo de responsabilidade solicitado (e que se encontra anexado ao ofício enviado
aos presentes autos por este Hospital), através do qual assume a comparticipação
de 100% dos custos de hospitalização do utente, até ao valor máximo de 2.049,90
€ e para um período máximo de 7 dias de internamento;
263. A cargo do utente ficaria o pagamento de uma franquia correspondente a 10%
do valor dos serviços, no mínimo de 250 € e máximo de 500 €, o qual deveria ser
faturado diretamente àquele pelo Hospital da Luz.
264. A este propósito, o Hospital da Luz refere que, nesse mesmo dia 28 de janeiro
de 2013, os seus serviços administrativos informaram o utente e sua Mulher sobre
as condições do termo de responsabilidade emitido pela seguradora.
265. Este facto, porém, é contestado pelo utente, que afirma ter sido informado “[...]
pelos serviços administrativos do Hospital da Luz que a Multicare cobria os custos
do [...] tratamento/internamento até ao valor máximo de € 16.500,00, sendo que
seria informado pelo hospital logo que esse montante máximo fosse atingido, a fim
de ser permitido optar pela continuação de tratamento naquela instituição ou em
qualquer outra instituição hospitalar.”.
266. Pela análise dos elementos constantes dos autos, não é possível, porém,
confirmar nenhuma das duas versões expostas.
267. Tal como acima se deixou expresso, em função do desenvolvimento do quadro
clínico do utente e para efeitos de tratamento, foi necessária a manutenção do seu
internamento na enfermaria do Hospital da Luz.
268. Porém, no dia 1 de fevereiro de 2013 e por força do agravamento do seu
quadro de saúde, colocou-se a hipótese do utente ser transferido para a UCI.
269. As versões apresentadas a este propósito são distintas.
270. O utente afirma que, nesse dia 1 de fevereiro e perante a informação da sua
condição clínica e da necessidade de ser transferido para a UCI, nem ele, nem a
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sua Mulher foram informados sobre a possibilidade de poder ser transferido para
um hospital público, nem tão pouco do valor dos custos do internamento no
Hospital da Luz ou sobre o termo de responsabilidade emitido pela Multicare.
271. Por sua vez, o Hospital da Luz afirma que o utente e os seus familiares ali
presentes foram informados sobre os motivos clínicos da transferência e da
necessidade de iniciar tratamento nas 24h seguintes, atenta a gravidade do quadro
clínico instalado;
272. Mais alega o Hospital da Luz que foi esclarecido que o tratamento poderia ser
efetuado no Hospital do Serviço Nacional de Saúde da sua área de residência,
caso o utente assim o preferisse, uma vez que naquele momento apresentava
estabilidade suficiente do ponto de vista clínico para o efeito.
273. Ainda de acordo com a exposição do Hospital da Luz, até ao momento da
admissão na UCI, os serviços prestados totalizavam a importância de 1.134,43 €,
que estava coberta pelo termo de responsabilidade da Multicare, previamente
emitido até ao valor de 2.049,90 €;
274. E uma vez que aquele termo garantia ainda a comparticipação dos serviços a
100% para um período de internamento de 7 dias, ou seja, até dia 2 de fevereiro
de 2013, à data da transferência – 1 de fevereiro de 2013 – a comparticipação pela
Multicare estava plenamente assegurada.
275. Conforme os documentos que o Hospital da Luz junta no seu ofício, os serviços
prestados ao utente até então – 1 de fevereiro de 2013 – foram faturados e pagos
pela Multicare.
276. Mais refere o Hospital da Luz que a transferência para a UCI terá ocorrido por
volta das 20h00 do dia 1 de fevereiro, que foi uma sexta-feira;
277. E que, como o dia 2 de fevereiro correspondia a um sábado, o pedido de
prorrogação do termo de responsabilidade e respetivo relatório médico justificativo
da necessidade de prorrogação de internamento, foi enviado à Multicare apenas
no dia útil seguinte, ou seja, 4 de fevereiro, segunda-feira.
278. Certo é, porém, que o termo de responsabilidade da Multicare foi emitido e
recebido pelo Hospital da Luz no dia 6 de fevereiro de 2013, com um montante
máximo de 3.866,90 € para 17 dias de internamento.
279. Uma vez que tal montante máximo seria insuficiente para a comparticipação
das despesas tidas em cuidados intensivos e aos tratamentos em curso, o Hospital
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da Luz diligenciou obter da Multicare nova informação, a fim de estender a
comparticipação até ao valor total do plafond disponível.
280. E nessa sequência, a Multicare emitiu novo termo de responsabilidade até ao
plafond máximo disponível de 16.500 €, para os mesmos 17 dias de internamento.
281. Mais refere o Hospital da Luz que este termo só lhe chegou ao conhecimento
no dia 7 de fevereiro de 2013 – sendo certo, porém, que a data constante do
documento n.º 4, que corresponde ao dito termo, é de 6 de fevereiro de 2013.
282. E só no dia seguinte, 7 de fevereiro de 2013, o Hospital da Luz comunicou ao
utente e à sua Mulher as respetivas condições, nomeadamente que o plafond
máximo disponível já tinha sido consumido e que o valor dos serviços prestados
desde o dia 3 de fevereiro de 2013 até então, não seria comparticipado pela
Multicare, valor esse que ficava a seu cargo e que totalizava a importância de
26.173,82 €.
283. Foi então que o utente solicitou a sua transferência para o Hospital do Serviço
Nacional de Saúde.
284. Como visto, a versão apresentada pelo Hospital da Luz quanto a esta matéria,
não tem qualquer suporte nos documentos que o próprio veio juntar aos autos.
285. Desde logo, alega o Hospital da Luz que o internamento do utente na UCI só
se deu às 20h00 do dia 1 de fevereiro de 2013 e que, a essa hora, já não era
possível contactar a Multicare, para saber se esta assumia o pagamento dos
custos inerentes ao novo internamento;
286. Alega também que só foi possível estabelecer esse contacto no primeiro dia útil
seguinte, ou seja, 4 de fevereiro de 2013.
287. Em primeiro lugar, cumpre referir que os documentos que o próprio Hospital da
Luz enviou à ERS juntamente com o seu ofício, embora confirmem que essa
transferência ocorreu, efetivamente, por volta das 20h00 do dia 1 de fevereiro
(mais precisamente, às 19h49, segundo nota de admissão na UCI);
288. Eles demonstram inequivocamente que, no dia 1 de fevereiro de 2013, às
10h34, o Dr. S. (…) já tinha registado no diário clínico do utente em causa, a
necessidade da sua transferência para a UCI, bem como, a informação transmitida
sobre a gravidade do seu quadro clínico.
289. Recorrendo ainda aos mesmos documentos, confirma-se ainda que, no dia 1
de fevereiro de 2013, pelas 17h16, o Dr. S. (…) registou no diário clínico do utente
o pedido da sua transferência para a UCI.
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290. Por sua vez, e tal como se vê do processo clínico em apreço, a enfermeira M.
(…) registou, no dia 1 de fevereiro de 2013, pelas 13h02, que o utente já
aguardava a sua transferência para a UCI.
291. Portanto, não foi às 20h00 que os profissionais do Hospital da Luz constataram
a necessidade de transferência do utente para a UCI.
292. Essa transferência já havia sido equacionada logo na manhã do dia 1 de
fevereiro de 2013, altura em que o utente e Mulher foram informados do estado
clínico daquele, da necessidade de alteração do tratamento e da transferência
para a UCI.
293. A necessidade de transferência foi equacionada e transmitida ao utente e aos
seus familiares, por volta das 10h34 e terá sido ordenada por volta das 17h16 do
dia 1 de fevereiro de 2013.
294. Assim sendo, e como efetivamente decorre dos ditos documentos, o Hospital
da Luz reuniu todas as condições para estabelecer contacto com a Multicare logo
às 10h34 do dia 1 de fevereiro de 2013.
295. Não estava, assim, impedido de contactar imediatamente a seguradora, para
expor alteração da condição clínica do utente, a necessidade de novos
tratamentos e do internamento na UCI, por forma a solicitar a emissão de um novo
termo de responsabilidade.
296. Sublinhe-se que, embora existisse à data uma autorização para internamento
até ao dia 2 de fevereiro, logo na manhã do dia 1 o Hospital da Luz já sabia que as
condições constantes dessa autorização ou termo de responsabilidade se haviam
alterado;
297. E, portanto, havia caducado, necessariamente, o termo anterior, o qual tinha
sido emitido para um internamento em enfermaria e para um diagnóstico e
tratamento diferente daquele que, no dia 1 de fevereiro, se impunha.
298. Se o Hospital da Luz tivesse estabelecido contacto imediato com a Multicare
logo na manhã do dia 1 de fevereiro, e a julgar pelas anteriores e posteriores
comunicações estabelecidas, teria igualmente obtido resposta no próprio dia (ou
deveria ter diligenciado nesse sentido).
299. Nessa medida, e cumpridas estas obrigações, o Hospital da Luz já teria
condições para informar atempadamente o utente do teor da comunicação e
resposta da Multicare, para que o mesmo pudesse decidir se conferia o seu
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consentimento para o tratamento e internamento na UCI do Hospital da Luz, ou se
preferia a transferência para outro hospital.
300. Não o tendo feito - mas tendo condições para o fazer - o comportamento do
Hospital da Luz acarretou constrangimentos ao direito à informação, e por essa
via, ao direito de acesso aos cuidados de saúde, nos termos acima expostos e
formulados.
301. Mas ainda que fosse fundada a tese exposta pelo Hospital da Luz - ou seja, de
que não foi possível contactar a Multicare antes do dia 4 de fevereiro, pelo facto do
dia 1 de fevereiro ter correspondido a uma sexta-feira - não pode ser admissível,
até pelos valores e responsabilidade envolvidos, que não estejam previstos
procedimentos mais céleres para este tipo de situações.
302. O que o Hospital da Luz vem revelar na sua exposição é que tudo teria sido
diferente, se porventura a hipótese de transferência para a UCI se tivesse
colocado numa quinta-feira.
303. E não é assim aceitável que os direitos e interesses dos utentes estejam
dependentes destes fatores.
304. Estando em causa interesses económicos e o direito à liberdade de escolha e à
autodeterminação e liberdade pessoal, competia ao Hospital da Luz adequar os
seus procedimentos de comunicação com as entidades seguradoras, para
acautelar aqueles interesses e direitos.
305. Exigia-se, pois, ao Hospital da Luz que assegurasse uma via direta e expedita
de comunicação com as entidades seguradoras com quem celebra convenções,
via essa que permitisse o contacto permanente, eficiente e eficaz, para que, no
momento em que tem de optar, o utente possa reunir toda a informação útil para a
tomada de uma decisão informada, consciente e livre.
306. Aliás, diga-se ainda que, mesmo tendo efetuado a comunicação à Multicare no
dia 4 de fevereiro, a resposta só foi obtida no dia 6 de fevereiro, facto que também
não é admissível.
307. Face à situação concreta, impunha-se ao Hospital da Luz que tomasse as
medidas adequadas para obter uma qualquer resposta da Multicare, no mais breve
espaço de tempo possível.
308. Acresce ainda que, ao contrário do que o Hospital da Luz afirma, a resposta da
Multicare a este pedido de informação (pedido que terá sido repetido, face à
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insuficiência de uma primeira resposta emitida pela seguradora no dia 6 de
fevereiro) só foi transmitida ao utente e à sua Mulher no dia 7 de fevereiro de 2013.
309. É que, ao contrário do que afirma o Hospital da Luz, a última resposta da
Multicare foi emitida no dia 6 de fevereiro de 2013, conforme se vê da data aposta
no respetivo termo de responsabilidade que aquele anexa, como documento n.º 4,
ao ofício enviado aos presentes autos
310. Portanto, o Hospital da Luz não informou o utente, como lhe competia.
311. Alega ainda o Hospital da Luz que só tem conhecimento das condições do
plano de saúde (em especial, do plafond e dos termos de comparticipação),
quando as mesmas lhe são comunicadas pela respetiva seguradora;
312. Até então, aquelas condições seriam apenas conhecidas pela seguradora e
pelo utente, enquanto beneficiário do seguro de saúde;
313. Mais invoca a seu favor que, por norma, o termo de responsabilidade emitido
pela seguradora é enviado ao Hospital da Luz e, se não antes, na mesma data a
seguradora dá conhecimento ao utente da sua emissão e das condições de
comparticipação dos serviços, pela via de comunicação definida no contrato de
seguro.
314. Porém, importa ter em conta que, neste caso, o utente estava internado no
Hospital da Luz – logo, ausente da sua residência e em estado debilitado.
315. Acresce ainda que, logo no dia 27 de janeiro de 2013, aquando da entrada do
utente no AMP, o Hospital da Luz assumiu a responsabilidade de efetuar a
comunicação direta com a seguradora (com a qual, repete-se, também havia
celebrado uma convenção).
316. Nesse contexto, seria naturalmente expectável ao utente que os contactos
posteriores fossem igualmente efetuados pelo Hospital da Luz.
317. Competia, assim, ao Hospital da Luz informar o utente das diligências
efetuadas e das respostas obtidas junto da Multicare.
318. Cumpre também relembrar que era obrigação do Hospital da Luz informar
previamente o utente dos custos do tratamento e internamento,
independentemente da existência de um contrato de seguro e independentemente
daqueles custos estarem abrangidos pelo termo de responsabilidade emitido pela
Multicare.
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319. E certo é que dos elementos juntos aos autos, não consta referência a
qualquer tipo de informação prestada ao utente no que respeita a orçamentos,
preços e custos dos cuidados de saúde prestados, ou sequer a comunicações
estabelecidas com a Multicare.
320. No que respeita a aspetos relacionados com informação prestada ao utente, a
única referência que é feita é aquela constante do processo clínico a que acima
nos reportamos, efetuada no dia 1 de fevereiro de 2013, às 10h34, pelo Dr. S.(…).
321. Se foi efetuada tal referência, por maioria de razão exigir-se-ia aos profissionais
do Hospital da Luz que registassem, de igual forma, a informação ao utente quanto
aos custos, orçamentos e comunicações estabelecidas com a Multicare.
322. Por último, e mesmo admitindo por mera hipótese de raciocínio, que a
comunicação com a Multicare só poderia ter sido efetuada no dia 4 de fevereiro, e
que a resposta definitiva desta entidade só chegou no dia 7 de fevereiro, ainda
assim, sublinhamos, o utente deveria ter sido devidamente informado a este
respeito.
323. Ou seja, se na sexta-feira, dia 1 de fevereiro de 2013, verificada a alteração da
condição clínica do utente e a necessidade de transferência para a UCI, o Hospital
da Luz não tinha forma de contactar a Multicare, em tempo útil, para obter novo
termo de responsabilidade, o utente deveria ter sido alertado para esse facto;
324. Deveria o Hospital da Luz ter informado o utente que só conseguiria contactar a
Multicare no dia 4 de fevereiro de 2013 e que, não sendo possível até então saber
se seria emitido novo termo de responsabilidade que abrangesse os custos dos
cuidados a prestar e o novo o período de internamento, poderia caber ao próprio
utente a responsabilidade pelo pagamento dos custos e honorários devidos.
325. Dito de outra forma, logo na manhã do dia 1 de fevereiro de 2013 o utente
deveria ter sido alertado para esse facto, mesmo que ainda não se soubesse, com
exatidão, qual o período de internamento necessário na UCI.
326. Pelo menos, era sempre possível alertar o utente para a possibilidade de ter de
ser ele a assumir os custos desse internamento;
327. Como também era possível, e exigível, oferecer ao utente uma informação
sobre a estimativa do custo diário desse internamento e cuidados a prestar, para
que este pudesse estar alertado sobre a sua responsabilidade, caso a Multicare
não a assumisse.
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328. O Hospital da Luz nada fez a este respeito e, por isso, o utente não sabia –
nem por aproximação – quais poderiam ser os custos expectáveis deste novo
tratamento e internamento, nem sequer que o seu plano de saúde poderia não
abranger os novos valores.
329. Deste modo, só no dia 7 de fevereiro de 2013 é que os serviços administrativos
do Hospital de Luz informaram o utente do teor do termo de responsabilidade
emitido pela Multicare, bem como, da responsabilidade que lhe competia de pagar
o valor do internamento e dos cuidados de saúde prestados até então, no
montante de 26.173,82 €;
330. Valor, esse, que não contemplava o valor já assumido pela Multicare, no
montante de 16.500 €.
331. Decorre do exposto que o Hospital da Luz não disponibilizou ao utente
informação precisa, completa e atempada, quer sobre o valor dos custos e
honorários dos cuidados de saúde prestados, quer sobre as comunicações que foi
estabelecendo com a Multicare e o âmbito dos termos de responsabilidade por
esta emitidos, quer sobre a responsabilidade do próprio utente no pagamento
daqueles valores.
332. Considerando que o Hospital da Luz tinha celebrado uma convenção com a
Multicare;
333. Considerando que, desde o início do tratamento, se prontificou a efetuar toda a
comunicação com a seguradora, para efeitos do plano de saúde do utente;
334. E considerando que o utente confiou no Hospital da Luz para esse efeito, e que
se encontrava debilitado e internado no estabelecimento do prestador;
335. Competia ao Hospital da Luz informar o utente relativamente à cobertura do
seu seguro, de forma plena e atempada.
336. Neste contexto, é legítimo assumir que o utente acreditava que os
procedimentos de autorização prévia estariam a ser corretamente levados a cabo
pelo prestador e que este o alertaria, antecipadamente, para o facto do seu plafond
se ter esgotado.
337. Para além disso, repete-se, deveria o Hospital da Luz ter informado o utente –
sobretudo no dia 1 de fevereiro de 2013, quando lhe foi proposta a transferência
para a UCI – da possibilidade de poder não existir autorização da Multicare para os
cuidados de saúde a prestar, cabendo ao utente a responsabilidade pelo
pagamento dos mesmos.
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338. E para tanto, sem descuidar da comunicação com a Multicare e dos
procedimentos para obter os competentes termos de responsabilidade, deveria o
Hospital da Luz ter fornecido ao utente informação sobre os custos que os
tratamentos e internamentos implicavam, sobretudo, repete-se, no dia 1 de
fevereiro de 2013, quando foi proposta a transferência para a UCI.
339. Se assim tivesse ocorrido, logo naquele dia 1 de fevereiro de 2013 o utente
estaria atempadamente avisado que, caso o seu plafond se esgotasse e a sua
seguradora não assumisse o pagamento dos valores devidos, teria de suportar os
valores em causa.
340. Alertado para esse facto e para uma estimativa dos custos que 1 dia de
internamento poderia implicar, logo no dia 1 de fevereiro de 2013 o utente teria
condições para decidir, de forma informada e esclarecida, se aceitava a
transferência para a UCI do prestador, ou se preferia ser transferido para um
hospital público.
341. Se esta informação tivesse sido prestada, o utente teria tido a possibilidade de
ponderar se mantinha o tratamento na UCI do Hospital da Luz, se escolhia outro
prestador, se escolhia realizar os mesmos tratamentos a suas expensas ou com
recurso ao SNS.
342. Assim, ao ter solicitado a autorização à Multicare no dia 4 de fevereiro de 2013,
sem alertar previamente o utente, quer para a possibilidade daquela autorização
ser negada, quer para uma estimativa dos valores que o internamento na UCI
poderia implicar, o Hospital da Luz impediu o utente de livremente escolher o rumo
do seu tratamento.
343. Atendendo às considerações acima expostas no que respeita ao
comportamento do prestador, não se pode deixar de frisar que o procedimento
implementado quanto à concretização dos deveres de informação e, muito
concretamente, quanto aos procedimentos de autorização junto do seguro de
saúde;
344. Conduziu, pelo menos no que respeita aos tratamentos realizados a partir do
dia 1 de fevereiro de 2013, à não observância dos direitos e interesses do utente,
designadamente o direito a receber informação prévia, atempada e clara;
345. O que, por sua vez, violou, de forma irremediável, o direito do utente de acesso
aos cuidados de saúde, na medida em que não pôde livremente decidir sobre o
rumo a seguir quanto aos seus tratamentos.
49
346. A liberdade de escolha só pode ser efetivamente garantida se for transmitida
ao utente, completa e atempadamente, toda a informação relevante para a sua
decisão;
347. E estes aspetos concorrem, por isso, para que se imponha ao Hospital o dever
de informar os utentes não só sobre todos os tratamentos, atos adequados e bens
e serviços a utilizar, mas igualmente sobre o custo que lhes está inerente, ainda
que exista um seguro de saúde e uma entidade terceira responsável pelo
pagamento desse custo;
348. Devendo tais orçamentos prever não só aqueles tratamentos, atos adequados
e bens e serviços que necessariamente ocorrerão, como fazer referência a atos
em que, respeitando à especificidade de cada caso concreto, haja um mínimo de
previsibilidade que possam vir a ocorrer.
349. E será muito naturalmente com base em tais orçamentos (bem como,
considerando o plafond do seu seguro de saúde) que o utente poderá – ou será
levado a – comparar as propostas e/ou alternativas de tratamentos e eventuais
diferentes impactos, designadamente financeiros, decorrentes das mesmas.
350. Independentemente de existir uma entidade seguradora e um plano de saúde,
o Hospital da Luz está obrigado ao cumprimento do dever legal de informação dos
preços e da obtenção de consentimento prévio relativamente a todos os atos que
realize aos seus utentes.
351. Só depois de devidamente informado pelo prestador, poderá o utente ficar a
conhecer de forma aprofundada o seu problema de saúde, obter a noção do custo
do tratamento e, consequentemente, do valor a pagar;
352. E prestar, de forma livre e esclarecida, o seu consentimento ao tratamento
proposto.
353. Se é certo que, logo no dia 1 de fevereiro de 2013, o Hospital da Luz não podia
prever quanto tempo iria o utente permanecer na UCI – logo, quais os custos
exatos desse internamento – sempre lhe seria exigível que apresentasse uma
estimativa aproximada do custo diário do internamento.
354. É o prestador – e não o utente – que sabe (ou tem a obrigação de saber) o que
é que efetivamente poderá vir a ser utilizado ou consumido no internamento, e o
que é previsível, ou tenha alguma possibilidade de vir a ser utilizado ou
consumido;
50
355. E a verdade é que a defesa dos direitos e interesses dos utentes obsta a que o
problema da assimetria de informação aqui em análise, seja explorado para
transferir para o utente o ónus decorrente na determinação do valor dos cuidados
de saúde.
356. Sendo que só com a prestação de tal informação é que a relação com o utente
se estabelecerá com transparência, verdade e completude, designadamente no
tocante aos aspetos financeiros da mesma.
357. Em concreto, no caso de componentes cujo custo não seja fácil de estimar em
face de uma situação particular, poderá o Hospital socorrer-se, por exemplo, do
registo histórico de situações análogas para determinar o valor mínimo, o valor
médio e o valor máximo que as mesmas aí assumiram;
358. Devendo essa informação, ou outra análoga, ser fornecida ao utente.
359. Paralelamente, no caso de componentes para as quais seja totalmente
impossível obter uma estimativa de custo, quer por razões de índole técnica, quer
pela ausência de informação de suporte, deve o Hospital informar o utente de
forma explícita, clara e inequívoca sobre a sua existência e justificação clínica no
momento de orçamentação;
360. Sendo certo ainda que, conforme acima se expôs, as versões apresentadas a
este propósito são díspares: o Hospital da Luz afirma ter informado o utente, o
utente nega ter recebido a informação.
361. Também por isso se considera que a informação verbal prestada ao utente
nesta matéria, não foi, nem é suficiente ao cabal cumprimento da obrigação que
impende sobre os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde de informar
antecipadamente e de forma clara, verdadeira e inteligível, todos os seus utentes
sobre os aspetos financeiros da relação estabelecida.
362. Considerando os valores em causa, bem como, a existência de uma
seguradora e de um plano de saúde que suportaria parte daqueles valores,
entende-se que, para este efeito, não basta que os serviços administrativos
informem verbalmente os utentes, pois o que efetivamente importa garantir, até
pelo contexto de reconhecida fragilidade física e mental, é que tanto os utentes
como os seus representantes, recebam e percebam a informação, de forma a
poderem conscientemente assumir as responsabilidades inerentes.
363. E tanto apenas se revela possível se for observado um procedimento mais
formal.
51
364. Pelo que importa fazer constar dos registos clínicos de cada um dos utentes,
que este tomou conhecimento da informação que, como aqui, respeita à
responsabilidade pelo pagamento do preço.
365. Ainda a este propósito, recorde-se que o utente procedeu à entrega ao
prestador de um cheque caução no valor de 2.500,00 €, não resultando claro,
contudo e atendendo ao valor de 26.173,82 €, peticionado pelo prestador, de que
forma seria esse valor considerado na determinação final da responsabilidade
financeira do utente.
366. Resulta do exposto, que os procedimentos levados a cabo pelo Hospital da Luz
no caso em apreço, foram lesivos:
(i) Do direito do utente ao consentimento informado e esclarecido (al. b) e
e) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde e al. c) do artigo 33.º
do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio);
(ii) Do direito a escolher livremente o agente prestador de cuidados de
saúde (al. a) do n.º 1 da Base XIV da Lei de Bases da Saúde e al. d) do
artigo 35.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio); e
(iii) Do direito do utente-consumidor à informação em particular, bem como,
por tal facto e de forma direta e necessária, dos seus interesses
financeiros e do seu direito à proteção dos interesses económicos,
estabelecidos nos artigos 3.º; 8.º e 9.º da Lei do Consumidor;
367. Finalmente e porque relevante para a análise da situação em apreço, importa
anotar que a ERS, ao abrigo das suas atribuições e competências, deliberou emitir
uma Recomendação com interesse para os presentes autos e referente às práticas
de elaboração de orçamentos, bem como de faturação extemporânea e de
ausência de informação aos utentes, relativa ao preço de atos médicos;
368. Tendo a mesma sido publicada no sítio eletrónico da ERS - www.ers.pt – e
notificada a todos os prestadores privados de cuidados de saúde com o intuito de
“enfatizar a importância do respeito integral pelo direito dos utentes na obtenção
de informação rigorosa, transparente e atempada, em contexto de prestação de
cuidados de saúde.” e para a qual, por motivos de economia processual, se remete
na íntegra.
369. Para além disso, já anteriormente, o prestador havia sido objeto de intervenção
regulatória da ERS em matéria de orçamentos e faturação, no âmbito dos
processos de inquérito n.º 65/09, 100/09 e 111/09, os quais, sem prejuízo do seu
52
arquivamento, deram origem aos processos de monitorização n.º PMT/039/10 e
PMT/004/11, com a finalidade de acompanhar o comportamento adotado pelo
Hospital da Luz.
370. Nessa sequência, e tudo assim considerado, revela-se ainda necessário
reiterar junto do Hospital da Luz a necessidade de serem implementadas as
orientações constantes da Recomendação, e que lhe foi oportunamente notificada,
bem como dos processos de inquérito citados, em todos os procedimentos de
informação aos utentes e de comunicação com as entidades terceiras
financiadoras dos serviços de saúde a prestar ou prestados.
III.4.3 Informação do utente sobre as condições e preço do transporte em
ambulância para o Hospital de Santa Cruz
371. Na reclamação apresentada, o utente colocava ainda em causa os
procedimentos levados a cabo pelo Hospital da Luz no dia 7 de fevereiro de 2013,
relativos à escolha do transporte para o Hospital de Santa Cruz.
372. Resulta dos elementos constantes dos presentes autos que, no dia 7 de janeiro
de 2013 e depois de informado sobre o valor dos tratamentos e internamentos que
lhe competia pagar, o utente manifestou a sua intenção de ser transferido para um
hospital público da sua área de residência.
373. Este transporte foi agilizado após avaliação médica da UCI, no que respeita às
condições clínicas de estabilidade do utente.
374. Validados os critérios clínicos para a transferência, a equipa médica
estabeleceu contacto com o Hospital de Santa Cruz, escolhido por ser a instituição
da área de residência do utente, com valência de internamento em nefrologia.
375. No final da tarde do dia 7 de fevereiro de 2013, foi confirmado pelo Hospital de
Santa Cruz a possibilidade do utente ser aí recebido.
376. Neste sentido, o Hospital da Luz procurou obter uma ambulância medicalizada.
377. A empresa Luso-Ambulâncias, Serviços Médicos, Lda. foi quem disponibilizou
para o próprio dia a ambulância medicalizada com apoio de enfermagem, sendo
certo que não se apurou que o Hospital da Luz tivesse um qualquer contacto
privilegiado com esta ou outra empresa do género.
378. O preço do transporte foi previamente questionado à empresa e comunicado
ao utente pelos serviços administrativos do Hospital.
53
379. Neste contexto, o utente aceitou o meio de transporte disponibilizado.
380. O utente foi então transferido para o Hospital de Santa Cruz no dia 7 de
fevereiro de 2013, pelas 21h15.
381. O serviço de transporte em ambulância medicalizada com acompanhamento de
enfermagem do Hospital da Luz para o Hospital de Santa Cruz, foi assegurado
pela Luso – Ambulâncias, Serviços Médicos, Lda.;
382. E importou o pagamento da quantia de 480,00 €, conforme fatura n.º B.(…)
junta aos autos e liquidada pelo utente.
383. Neste particular, e atentos os elementos junto aos autos, foi assegurada a
liberdade de escolha e decisão do utente em ser transferido para um hospital do
Serviço Nacional de Saúde, o transporte foi efetuado atempadamente, em
segurança e com respeito pelos critérios clínicos indicados, e com o consentimento
do próprio utente, depois de devidamente informado do preço do transporte e das
condições de pagamento à empresa em causa.
384. Razão pela qual, a este propósito, o comportamento do prestador não merece
qualquer tipo de censura.
III.4.4 Direito de acesso do utente à sua informação sobre dados de saúde, em
especial, ao seu processo clínico.
385. No dia 18 de junho de 2013, o utente enviou ao Hospital da Luz uma carta,
através da qual solicitava que fosse entregue ao Dr. J. (…), médico por si indicado,
os seguintes documentos:
(i) cópia do original do seu diário clínico, com a identificação do médico que
efetuou o registo diário;
(ii) cópia do diário de enfermagem, com a identificação dos enfermeiros a
cada turno;
(iii) cópia do diário da terapêutica, com as respetivas folhas de registos das
prescrições e a identificação dos seus autores; e,
(iv) cópia de todos os exames complementares.
386. Por mail remetido à ERS em 11 de outubro de 2013, o utente veio informar
que, até então, o Hospital da Luz ainda não havia respondido ao seu pedido de
54
envio de cópia dos originais do diário clínico, diário de enfermagem e diário da
terapêutica.
387. Por mail remetido à ERS em 7 de novembro de 2013, o Hospital da Luz informa
que uma cópia do seu ofício e respetivos documentos (no qual toma posição sobre
a reclamação do utente e onde anexa, entre outros, o processo clínico acima
referido), foi também remetida a este, por correio registado.
388. Finalmente, por mail enviado à ERS em 10 de fevereiro de 2014, o utente
confirma que o seu médico já recebeu as cópias dos documentos solicitados.
389. Do exposto, decorre que o Hospital da Luz só respondeu ao pedido do utente
cinco meses depois e numa altura em que já tinha tomado conhecimento dos
presentes autos.
390. E não compete ao Hospital da Luz decidir se e quando é que o utente pode
aceder a este tipo de informação, devendo disponibilizá-la de imediato, nos termos
acima expostos.
391. Resulta assim, de forma clara e evidente, que o Hospital da Luz não respeitou
o direito do utente de aceder à sua informação clínica e aos dados registados no
seu processo clínico;
392. Nem observou o seu dever de permitir o acesso do utente aos seus dados de
saúde;
393. Importando, por isso, garantir que o Hospital da Luz adote todos os
procedimentos necessários para que o utente tenha acesso aos seus próprios
dados e informações de saúde, no momento em que pretende exercer tal direito.
IV. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
394. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados,
nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 101.º do Código do
Procedimento Administrativo, aplicável ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de maio, tendo para o efeito sido chamados a pronunciar-se,
relativamente ao projeto de deliberação da ERS, o utente e o Hospital da Luz, SA.
395. Decorrido o prazo concedido para a referida pronúncia, rececionou a ERS a
pronúncia do utente, não tendo recebido qualquer pronúncia do Hospital da Luz,
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não obstante este prestador ter sido notificado, no dia 23 de maio de 2014, do teor
do projeto de deliberação, bem como, do direito de se pronunciar sobre o mesmo,
no prazo de 10 dias úteis a contar dessa data.
IV.1 Da Pronúncia do utente
396. Por meio de comunicação eletrónica recebida a 5 de junho de 2014, a ERS
tomou conhecimento da pronúncia do utente.
397. De acordo com a referida pronúncia, vem o utente manifestar a sua
discordância quanto à matéria constante dos artigos 376 a 379, inclusive, do
projeto de deliberação que lhe havia sido notificado.
398. Neste sentido, alega o utente o seguinte:
(i) “Sobre estes factos apenas foi considerada a versão do Hospital da Luz
tendo a mesma sido contrariada já por mim anteriormente”;
(ii) “[…] o Hospital da Luz não cumpriu nem avisou atempadamente o utente
do preço daquele transporte, não tendo igualmente facultado outras opções
de transporte, o que acarretou constrangimentos ao direito de informação e,
por essa via, ao direito do utente escolher livremente outra empresa de
ambulâncias, lesando assim os meus interesses económicos e financeiros”;
(iii) “Exigia-se pois que o Hospital da Luz assegurasse a informação, por uma
via clara, direta e expedita, do leque das diversas opções de transporte
facultado ao utente nesse momento toda a informação útil para uma
decisão informada, consciente e livre.”
(iv) “Terá igualmente de se considerar, que tendo em conta o estado debilitado
em que me encontrava e o facto de este estar ainda internado nos cuidados
intensivos, essa informação deveria ter sido prestada atempadamente à
minha mulher, a quem caberia a decisão final.”.
(v) “A alegada frase proferida por mim “se esta que o hospital arranjou é nesta
que eu vou” foi descontextualizada e não pode ser relevada tendo em conta
o meu estado debilitado que acabara de sair dos cuidados intensivos (…)”.
399. Quanto ao demais, o utente manifesta a sua concordância com o teor do
projeto de deliberação da ERS, levantando apenas algumas questões quanto à
prestação de cuidados de saúde em concreto, no âmbito de uma alegada violação
das leges artis.
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IV.2 Da Análise dos Fundamentos da Pronúncia do Utente
400. Cumpre analisar os elementos invocados na pronúncia aduzida, aferindo da
suscetibilidade dos mesmos infirmarem a deliberação delineada.
401. Em primeiro lugar, e no que respeita à matéria sobre cuidados de saúde
prestados ao utente e eventual apreciação sobre violação das leges artis, a ERS
não possui competências, nem atribuições para o efeito, razão pela qual não se
pronunciou a este propósito específico.
402. No caso em apreço, competia à ERS avaliar os procedimentos adotados pelo
Hospital da Luz, SA, para verificar da justificação para o internamento do utente no
estabelecimento em causa, o que foi feito.
403. No que concerne à questão do transporte, a decisão da ERS teve por base as
declarações prestadas nos autos, quer pelo utente, quer pelo prestador, bem
como, nos documentos que foram juntos.
404. Conforme acima se expôs, resulta dos elementos constantes dos presentes
autos que, no dia 7 de janeiro de 2013 e depois de informado sobre o valor dos
tratamentos e internamentos que lhe competia pagar, o utente manifestou a sua
intenção de ser transferido para um hospital público da sua área de residência.
405. Este transporte foi agilizado após avaliação médica da UCI, no que respeita às
condições clínicas de estabilidade do utente.
406. Validados os critérios clínicos para a transferência, a equipa médica
estabeleceu contacto com o Hospital de Santa Cruz, escolhido por ser a instituição
da área de residência do utente, com valência de internamento em nefrologia.
407. No final da tarde do dia 7 de fevereiro de 2013, foi confirmado pelo Hospital de
Santa Cruz a possibilidade do utente ser aí recebido.
408. Neste sentido, o Hospital da Luz procurou obter uma ambulância medicalizada.
409. A empresa Luso-Ambulâncias, Serviços Médicos, Lda. foi quem disponibilizou
para o próprio dia a ambulância medicalizada com apoio de enfermagem, sendo
certo que não se apurou que o Hospital da Luz tivesse um qualquer contacto
privilegiado com esta ou outra empresa do género.
410. O preço do transporte foi previamente questionado à empresa e comunicado
ao utente pelos serviços administrativos do Hospital.
411. Neste contexto, o utente aceitou o meio de transporte disponibilizado.
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412. É o próprio utente, aliás, que reconhece ter proferido, a este propósito, a
expressão “se é esta que o hospital arranjou, é nesta que vou”.
413. Sendo verdade que esta afirmação foi efetuada depois do utente ter acabado
de sair dos cuidados intensivos, também é certo que o mesmo se encontrava
clinicamente bem, não existindo qualquer indício ou elemento nos autos, que
aponte para um qualquer problema de comunicação por parte do utente.
414. Assim, tendo proferido tal expressão, é normal que a mesma seja interpretada
pelos profissionais do Hospital da Luz, como a aceitação da proposta de
transporte.
415. Termos em que, da ponderação global dos argumentos aduzidos, conclui-se
pela insusceptibilidade dos mesmos infirmarem a decisão projetada, a qual se
mantém na íntegra.
V. DECISÃO
416. Tudo visto e ponderado, o Conselho Diretivo da ERS delibera, nos termos e
para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 41.º, e na alínea b) do artigo 42.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de maio, emitir uma instrução ao Hospital da Luz,
SA., nos seguintes termos:
(i) O Hospital da Luz, S.A. deve garantir que todo e qualquer
procedimento administrativo por si adotado se revele capaz de
assegurar a informação prévia, clara, completa e inteligível a
todos os utentes que a si se dirigem e que sejam beneficiários
de um seguro de saúde, sobre os preços dos cuidados de saúde
que se propõe prestar, bem como, sobre a responsabilidade pelo
seu pagamento;
(ii) O Hospital da Luz, S.A. deve assegurar que as autorizações às
entidades financiadoras são solicitadas previamente aos
tratamentos, independentemente da hora e do dia da semana
em que estes se revelem necessários, mantendo uma
comunicação constante, direta e diária com aquelas entidades e
com os utentes;
(iii) Assim não sendo fundamentadamente possível, e em situações
excecionais, deve o Hospital da Luz, S.A. informar o utente deste
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circunstancialismo e solicitar-lhe, por escrito, que aceite que a
realização dos tratamentos tenha lugar antes do pedido de
autorização ser remetido e/ou respondido e que assuma a
responsabilidade pelo pagamento dos mesmos, nos termos do
orçamento ou estimativa que lhe vier a ser fornecida, caso a
autorização seja recusada.
(iv) O Hospital da Luz, S.A. deve proceder à revisão dos termos da
faturação dos serviços prestados ao utente, a partir da sua
transferência para a Unidade de Cuidados Intensivos, operada
no dia 1 de fevereiro de 2013, por forma a considerar apenas os
valores autorizados no âmbito do seguro de saúde detido pelo
utente;
(v) O Hospital da Luz, S.A. deve cumprir as orientações constantes
da Recomendação da ERS sobre orçamentos e procedimentos
de informação aos utentes e de comunicação com as entidades
terceiras financiadoras dos serviços de saúde a prestar ou
prestados, e igualmente as orientações regulatórias emitidas a
este propósito no âmbito dos processos de inquérito n.º
ERS/65/09, 100/09 e 111/09;
(vi) O Hospital da Luz, S.A. deve garantir uma resposta imediata e
efetiva aos pedidos de acesso a dados clínicos pelos próprios
utentes, elaborando e implementando os procedimentos que se
revelem necessários a garantir, de forma permanente e em
qualquer situação, a resposta em tempo útil aos pedidos dos
utentes de acesso à informação contida no seu processo clínico;
(vii) O Hospital da Luz, S.A. deve dar orientações claras e precisas
aos seus colaboradores, em especial aos profissionais de saúde,
para que respeitem o direito dos utentes à informação sobre a
sua própria saúde;
(viii) O Hospital da Luz, S.A. deve dar cumprimento imediato à
presente instrução, bem como conhecimento à ERS, no prazo
máximo de 30 dias após a notificação da presente deliberação,
de cada um dos concretos procedimentos adotados para o
efeito.
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417. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º
1 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, configura como
contraordenação punível in casu com coima de 1000,00 € a 44 891,81 €, “[….] o
desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes,
determinem qualquer obrigação ou proibição”.
418. A presente deliberação será remetida, para os devidos e legais efeitos, ao
Instituto de Seguros de Portugal.
419. A versão não confidencial da presente deliberação será publicitada no sítio
oficial da Entidade Reguladora da Saúde na Internet.
O Conselho Diretivo