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Algumas reflexões e propostas acerca da constituição de um conselho superior de arqueologia Luís Raposo* Revista de Guimarães, n.º 105, 1995, pp. 63-97 Talvez não espante a crescente participação da arqueologia portuguesa na vaga de balanços e sínteses a que assistimos um pouco por toda a parte neste final de século, aliás reforçado pela carga mítica que advém da passagem do milénio. É normal que em datas tão emblemáticas se façam pausas para reflexão, visando encontrar as vias que melhor possam antever e moldar o futuro – o que por si só já bastaria para justificar a iniciativa ora tomada pela Direcção da Sociedade Martins Sarmento. Mas, no caso da arqueologia portuguesa, existe algo mais. Confinada durante longo tempo à modesta gestão dos limitados saberes arqueográficos para que um clima geral de grande amadorismo e flagrante atraso teórico-metodológico a remetera, a arqueologia portuguesa pareceu ter querido, nas duas últimas décadas, despertar daquele indolente e prolongado torpor – e tem-no feito tanto no plano do levantamento dos estados de conhecimentos e desenvolvimento teórico-metodológico, como no plano da sua organização institucional. No primeiro caso, devem citar- se as variadas reuniões científicas formais, mesas redondas, obras de conjunto, etc. onde nos últimos anos se têm produzido pontos de situação acerca dos conhecimentos adquiridos, inventários dos projectos em curso e sugestões das perspectivas de investigação próximas. A tal ponto se conduziu a preocupação com a síntese (assim * Arqueólogo. Professor Auxiliar Convidado e Director do Centro de Arqueologia da Universidade Lusíada (Lisboa); Técnico Superior Principal do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa). © Luís Raposo | Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 1

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Page 1: Algumas reflexões e propostas acerca da constituição de um ... · português”, Lusíada, Universidade Lusíada, nº 2, 1989, pp. 5-28, Lisboa; “Introdução Geral”, ... Museu

Algumas reflexões e propostas acerca da constituição

de um conselho superior de arqueologia Luís Raposo* Revista de Guimarães, n.º 105, 1995, pp. 63-97

Talvez não espante a crescente participação da arqueologia portuguesa na vaga de balanços e sínteses a que assistimos um pouco por toda a parte neste final de século, aliás reforçado pela carga mítica que advém da passagem do milénio. É normal que em datas tão emblemáticas se façam pausas para reflexão, visando encontrar as vias que melhor possam antever e moldar o futuro – o que por si só já bastaria para justificar a iniciativa ora tomada pela Direcção da Sociedade Martins Sarmento. Mas, no caso da arqueologia portuguesa, existe algo mais. Confinada durante longo tempo à modesta gestão dos limitados saberes arqueográficos para que um clima geral de grande amadorismo e flagrante atraso teórico-metodológico a remetera, a arqueologia portuguesa pareceu ter querido, nas duas últimas décadas, despertar daquele indolente e prolongado torpor – e tem-no feito tanto no plano do levantamento dos estados de conhecimentos e desenvolvimento teórico-metodológico, como no plano da sua organização institucional. No primeiro caso, devem citar-se as variadas reuniões científicas formais, mesas redondas, obras de conjunto, etc. onde nos últimos anos se têm produzido pontos de situação acerca dos conhecimentos adquiridos, inventários dos projectos em curso e sugestões das perspectivas de investigação próximas. A tal ponto se conduziu a preocupação com a síntese (assim

* Arqueólogo. Professor Auxiliar Convidado e Director do Centro de Arqueologia da Universidade Lusíada (Lisboa); Técnico Superior Principal do Museu Nacional de Arqueologia (Lisboa).

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como a capacidade de a produzir, em moldes modernos), que desde meados dos anos 80, depois de décadas de abstinência, a arqueologia retomou, por vezes em dimensão muito respeitável, o seu perdido lugar nas sucessivas “Histórias de Portugal” que a apetência do mercado editorial tem permitido dar à estampa, em ritmo crescente.

Não será todavia no domínio das sínteses de conhecimentos, onde julgamos ter nos últimos anos cumprindo suficientemente a nossa missão1, que iremos situar o presente contributo para uma avaliação do estado da arqueologia portuguesa “nas vésperas do século XXI”. Escolhemos antes o terreno do debate acerca do seu desenvolvimento institucional. Não nos faltam razões para que assim procedamos agora, em revista de história tão prestigiada, sendo uma das principais a de que nos começamos a sentir tomados pelo cepticismo (ou pela sabedoria?) daqueles que já não acreditam na possibilidade de aplicação prática de todas as tomadas de posição nestas matérias (sendo por isso um tanto inútil a sua assumpção nos lugares onde mais presumivelmente poderiam ter eficácia imediata: as reuniões e assembleias de arqueólogos ou a tribuna mediática), apenas restando que, para leitura em futuro certamente distante, fiquem expressas no final do milénio as apreensões e propostas de quem insiste em pretender perspectivar o futuro a prazo um pouco maior do que o do amanhã-já-ontem.

Importa talvez começar por facilitar a vida ao nosso potencial futuro leitor (todo aquele que no século XXI se quiser dar ao trabalho de estudar o estado da arqueologia portuguesa no final do século XX),

1 Dos diversos textos que tivemos a oportunidade de realizar na última década, referentes a sínteses de conhecimentos acerca dos períodos cronológico- -culturais para os quais nos sentimos habilitados, salientamos os seguintes: “Os caçadores-recolectores do Paleolítico”, HISTÓRIA DE PORTUGAL, direcção de José Hermano Saraiva, vol. I., 1984, pp. 30-61, Ed. Alfa, Lisboa; “The Lower and Middle Palaeolithic of Portugal: a general overview” (comunicação apresentada no encontro sobre “Recent Research on the European Palaeolithic”, organizado pela Universidade de Londres, em Janeiro de 1988); “Problemas actuais no estudo do Paleolítico Inferior e Médio português”, Lusíada, Universidade Lusíada, nº 2, 1989, pp. 5-28, Lisboa; “Introdução Geral”, “Paleolítico” e “Mesolítico” (de colaboração com C. Tavares da Silva), PRÉ-HISTÓRIA DE PORTUGAL, Universidade Aberta, 1993, Lisboa; “O Paleolítico”, HISTÓRIA DE

PORTUGAL, vol. I (“Portugal na Pré-História”, coordenação de Vítor S. Gonçalves), pp. 21-99, direcção de João Medina, ed. Ediclube, 1993, Lisboa; “The first human occupation in the lberian Península” (de colaboração com M. Santonja), European Science Foundation, Anaclecta Praehistorica Leidensa (no prelo).

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fornecendo-lhe as referência essenciais que neste domínio têm constituído o debate da última década. Pesquisada diligentemente a bibliografia e a imprensa da época, poderia o leitor verificar que, depois do conturbado período que se seguiu à revolução de 1974, salpicado de plenários épicos (quem não recorda do plenário de arqueólogos que teve lugar da Sociedade de Geografia de Lisboa, em 29 de Junho de 19742) e de tomadas de posição militantes3, os textos de reflexão acerca do estado da arqueologia portuguesa fizeram a sua inicial aparição pública já na década de 80, logo depois de, na sequência do IV Congresso Nacional de Arqueologia (Faro, 1980) e quando o poder político se encontrava duplamente desperto (pela existência de um Governo que pretendia inovar, rompendo com os anteriores, e do único secretário de Estado da Cultura historiador que o País teve até hoje), se ter consumado a entrega à Cultura das chaves da arqueologia, simbolizadas na criação do “monstro administrativo” dos anos 80: o Instituto Português do Património Cultural (IPPC). Tais textos iriam aumentar ao longo dos anos seguintes e sobretudo desde o final dos anos 80, sendo de notar o importante papel desempenhado pela revista “Arqueologia”, publicado pelo Grupo de Estudos Arqueológicos de Porto, onde se somaram os editoriais de

2 Deste Plenário viria a resultar a eleição de uma “Comissão Coordenadora” que depois escolheria um “Secretariado” constituído por 4 dos seus membros, três dos quais viriam cerca de um ano mais tarde a publicar aquele que constitui o primeiro texto de reflexão sobre a arqueologia portuguesa no pós- -1974: L. Coelho; G. Marques e J. P. Pereira; “Reestruturação da actividade arqueológica em Portugal”, edição dos autores; Lisboa; 1976 (impresso na Tipografia Tondelense, em Tondela). A leitura deste texto, extraordinariamente equilibrado para a época que então se vivia, continua hoje a ser da maior utilidade. É nele que pela primeira vez se desenvolvem conceitos tais como os da importância da profissionalização da actividade arqueológica, com a consequente instituição da carreira de arqueólogo e de cursos superiores de arqueologia, da necessidade de estruturas regionais de arqueologia (constituindo de certo modo os Serviços Regionais de Arqueologia do IPPC a concretizarão de uma das hipóteses de regionalização ali consideradas) e da criação de um Serviço Nacional de Arqueologia, onde um “Plenário de Arqueólogos” constituiria o órgão de reeleição e controlo” de um “Directório”, que passaria na prática a ser a entidade de coordenação e direcção superior de toda a arqueologia portuguesa. 3 Veja-se o texto doutrinário de Carlos Tavares da Silva, que serviu de base ao debate realizado no II Colóquio Arqueológico de Setúbal (7 de Novembro de 1977) e foi depois publicado com o título “Arqueologia: que função social?”; ed. do Museu de Arqueologia e Etnografia; Setúbal; 1977.

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V. Oliveira Jorge4, acrescidos de uns tantos artigos de índole idêntica5. A estas, poderiam acrescentar-se algumas tomadas de posição circunstancial6 ou mais continuadas7 mas não deixará por certo de ser notada a completa ausência do tratamento destas questões nas revistas mais tradicionais, sendo aquela onde agora escrevemos a primeira que abre as portas a semelhante heresia. Assim sendo, certamente porque, como em qualquer pequena seita, a arqueologia portuguesa dos anos 80 ainda conservava muitos dos tiques que fazem suspeitar das polémicas do tempo presente, para somente consagrar no altar as liturgias que tratam da exagése dos tempos passados, as pessoas (sim, porque cada vez mais nestes anos passou a haver gente onde antes apenas se reconheciam notáveis) tomaram a praça pública. E fizeram-no por quatro vias: a das revistas genéricas de temas patrimoniais e culturais, que chegaram a dedicar capítulos inteiros a estas matérias8, a das reuniões científicas, onde cumpre registar o

4 Citem-se, entre outros: “A melhor forma de defender o património é estudá-lo” (nº 2, Dezembro de 1980); “A Arqueologia e a Universidade: um ponto de vista” (nº 6, Dezembro de 1982); “O papel da “Arqueologia” no contexto cultural português” (nº 8, Dezembro de 1983); “Sobre a importância de se organizar a Arqueologia portuguesa por meio de projectos e de se definir uma hierarquia de competências de quem neles intervém” (nº 13, Junho de 1986). 5 M. Martins, “Arqueologia portuguesa - algumas reflexões” (nº 14, Dezembro de 1986); A. Alarcão, “A Universidade e os Museus de Arqueologia” (nº 14, Dezembro de 1986); L. Raposo, “Arqueologia, Património e Investigação: algumas reflexões para um debate necessário” (nº 19, Dezembro de 1989); T. Marques; “Arqueologia em Portugal: que fazer?” (nº 21, Dezembro de 1991). 6 Vide o texto de V. dos Santos Gonçalves intitulado “Apresentação, seguida de uma Pavana por uma arqueologia (quase) defunta, com votos de pronto restabelecimento”, Clio-Arqueologia; Lisboa; nº I; 1983-84. 7 É o caso dos sucessivos textos de F. Sande Lemos, na revista “Forum” (Braga), dos quais se salienta: “As três idades da Arqueologia portuguesa” (nº 2, 1987); “Arqueologia portuguesa: aspectos históricos e institucionais” (nº 5, 1989); “Arqueologia portuguesa: próximo futuro” (nº 11, 1992); “Nevoeiro na Arqueologia. A propósito de dois textos publicados na revista Al- -madan (série II, nº 1)” (nº 12, 1993). 8 Foi inicialmente o caso do “dossier” que tivemos oportunidade de organizar na revista “Vértice”, em 1989 (nº 18, Setembro de 1989 e nº 20, Novembro de 1989), intitulado “A Arqueologia em Portugal, hoje”, onde a uma conversa com Jorge de Alarcão se seguia o depoimento de uma dezena de arqueólogos; foi ultimamente também o caso de dois números da IIa série da revista “Al-madan”, ambos com temas centrais de interesse para esta matéria: “Arqueologia em Portugal” (nº 1, Dezembro

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papel desempenhado pela vetusta Associação dos Arqueólogos Portugueses, ao relançar já nos inicio dos anos 90 as suas Jornadas Arqueológicas e nelas considerar sempre em sessões próprias as questões quentes relacionadas com a organização da arqueologia portuguesa9, a das conferências e reuniões “ad-hoc”10, enfim, a do recurso aos media, sempre acutilante, por vezes geradora de acesas polémicas, mas também menos elaborada e por isso mais sujeita à erosão do tempo11.

de 1992) e “Museus com colecções de arqueologia” (nº 2, Junho de 1993); e foi novamente ainda o caso da revista “Vértice”, na qual um “dossier” sobre “0 património cultural em Portugal” (nº 54, Maio-Junho, 1993) inclui também alguns textos que importa aqui considerar. 9 Assim foi tanto nas IVª Jornadas Arqueológicas, realizadas em Maio de 1990, como nas Vª Jornadas Arqueológicas, realizadas em Maio de 1993, onde este tipo de questões animaram acalorados debates nas respectivas sessões de encerramento, encontrando-se reflectidas nas recomendações finais aprovadas. No caso das Vª Jornadas, esta temática constituiu aliás um dos momentos mais polémicos, patente quer em algumas comunicações individuais (vide T. Marques, “Portugal 1993: contextos actuais da prática arqueológica”) quer especialmente numa tomada de posição conjunta, apresentada às Jornadas por um grupo de arqueólogos constituído em “Pro-Associação Profissional de Arqueólogos (Pro-APA)”, dando conta da constituição legal daquela nova associação, esclarecendo os seus objectivos e reivindicando já naquela ocasião a pré-inscrição de cerca de uma centena de arqueólogos. 10 Refiram-se a este propósito dois exemplos: o plenário de arqueólogos reunido no Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal, em Junho de 1991, do qual resultaram tomadas de posições relacionadas com as problemáticas da carreira de arqueólogo e do financiamento da Arqueologia portuguesa pela secretaria de Estado da Cultura; e a conferência de M. Martins sobre “Itinerários da Arqueologia portuguesa nos anos 80”, pronunciada no Museu Nacional de Arqueologia em 18 de Março de 1993 e integrada no ciclo comemorativo do centenário daquela instituição. 11 Não considerando as numerosas notícias de jornal onde, sobretudo desde 1990, os temas relacionados com a organização da Arqueologia portuguesa têm sido tratados, citem-se a título meramente exemplificativo e na base dos nossos conhecimentos os seguintes artigos de jornal, pelas tomadas de posição estruturadas que documentam: de V. Oliveira Jorge, “Algumas reflexões sobre a protecção do património arqueológico”, Jornal de Notícias, Porto, 3 de Setembro de 1985; de A. Carlos Silva, “Santana Lopes e os arqueólogos”, Diário de Notícias (DN), Lisboa, 5 de Maio de 1991; Idem, “A reforma da SEC e o património cultural”, DN, Lisboa, 12 de Abril de 1992; de L. Raposo, “A arqueologia em Portugal: um futuro por desenhar”, DN, Lisboa, 29 de Maio de 1988; Idem, “Património Cultural: as aquisições do Estado”, DN, Lisboa, 11 de Novembro de 1990; Idem, “Património e ambiente: um divórcio profundo”, DN, Lisboa, 9 de Dezembro de 1990; Idem, “A Arqueologia portuguesa na hora da mudança”, DN,

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Como se compreenderá, seria difícil resumir aqui tudo o que ficou dito na vasta gama de textos a que acima apenas se fez resumida alusão. Por eles passam em primeiro lugar temas que abertamente derivam das concepções político-ideológica perfilhadas pelos vários intervenientes, tais como os da relação entre “sociedade civil”, grupos profissionais e aparelho de Estado, do papel social da arqueologia, etc.; passam depois temas de recorte marcadamente científico-patrimonial, tais como os da instalação de equipamentos, da formação e avaliação de programas de pesquisa, da cooperação entre instituições e entre países, da definição de prioridades de investigação, política de inventário, defesa e valorização dos bens arqueológicos, da extensão da arqueologia a novas frentes de trabalho, etc.; seguem-se-lhes os temas de tipo deontológico-sindical, tais como os da definição e valorização social do arqueólogo, da criação de uma carreira específica no âmbito da Função Pública ou, pelo menos, dos serviços da Secretaria de Estado da Cultura, da revitalização ou constituição de associações representativas, da definição de códigos de comportamento ético-deontológico, etc.; enfim, chega-se aos temas relacionados com a institucionalização da disciplina, tais como os da sua inserção no aparelho de Estado, da sua organização e coordenação, a todos os níveis hierárquicos, do seu financiamento, etc. Escreveu-se tanto, que num dos textos em referência alguém chegou a desabafar, com inegável sentido de oportunidade: “Neste final de década, todas as palavras que deveriam salvar a arqueologia portuguesa já foram ditas, só falta agora salvar a arqueologia”12.

Vamos por conseguinte seleccionar de toda a vasta problemática em presença apenas um tema, aquele se nos afigura mais relevante e, de certo modo, condicionante de todos os outros: a constituição de um órgão superior de coordenação da arqueologia portuguesa, em todas as dimensões disciplinares, componentes institucionais e aproveitamentos sociais que ela possa ter. Damos por adquiridas as

Lisboa, 8 de Março de 1992; Idem, “A reforma da SEC e o património cultural”, DN, Lisboa, 12 de Abril de 1992; Idem, “Património Cultural e aparelho de Estado: a quadratura do círculo”, Público, Lisboa, 11 de Agosto de 1993. De interesse também a pesquisa dos artigos publicados na página de Arqueologia do Suplemento CULTURA do Diário de Notícias, assinada por L. Raposo e A. Carlos Silva, cuja publicação regular (quinzenal ou semanal) se iniciou em Novembro de 1992 e dura até ao momento em que este texto é escrito (Janeiro de 1994). 12 F. Alves, “Depoimento”, Vértice, nº 18, p. 102, Lisboa, Setembro de 1989.

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ideias que recentemente expendemos em duas contribuições para as quais remetemos o leitor: a primeira, uma síntese histórica que remonta ao final da Monarquia, versando sobre o lugar do património cultural, e especialmente do património arqueológico, no aparelho de Estado português13; a segunda, um artigo de imprensa onde procedemos à comparação entre a situação portuguesa e francesa no que se refere ao financiamento da arqueologia e à composição dos respectivos órgãos de coordenação superior14. Deste último texto, retemos especialmente a base de dados então divulgado, que parcialmente aqui reproduzimos.

O recuo histórico toma-se particularmente importante para a avaliação da situação actual da arqueologia portuguesa em matéria da sua inserção no aparelho de Estado e capacidade de audição junto do poder político. Trata-se de uma problemática que poderia ser observada pelo menos desde que na 1ª República pela primeira vez se instituiu um órgão de estatuto administrativo superior, onde esta vertente era expressamente considerada: o Conselho Superior de Arte e Arqueologia, criado em 1915. Ou desde que na fase revolucionária do Estado Novo se acabou por fazer incluir em 1936 a arqueologia no âmbito do grande organismo de consulta do Governo em matéria educativa e cultural, a Junta Nacional de Educação (JNE), extinguindo uma efémera Junta Nacional de Escavações e Antiguidades, existente desde 1933, e criando na JNE uma estrutura consultiva própria: a 2ª subsecção (“de antiguidades, escavações e numismática”) da 6ª Comissão (Belas Artes) - um órgão de superior dignidade administrativa e extraordinária amplitude de suas funções. Todavia, a tão grande distância cronológica, e para os efeitos que visamos no presente texto, de pouco nos serviria pretender encontrar naquela época orientações concretas para propostas de solução actuais. De resto, atenta a monotonia que a Ditadura impôs ao País, a estrutura de 1936 ir-se-ia manter imutável até 1965, quando sofreu algumas alterações - o que nos permite iniciar a nossa observação histórica mais circunstanciada nesta última data.

13 L. Raposo, “A estrutura administrativa do Estado e o património cultural”, Vértice, nº 54, pp. 38-45, Maio-Junho de 1993. 14 L. Raposo, “A Arqueologia portuguesa na hora da mudança”, DN, Lisboa, 8 de Março de 1992.

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A revisão do regimento da JNE realizada em 196515 mantendo no fundamental as concepções anteriores, delimitava em todo o caso melhor o âmbito da subsecção de arqueologia (“pré-história; arqueologia oriental e clássica, arqueologia medieval, numismática e epigrafia”) e acrescentava-lhe novas competências, sendo uma delas a da elaboração anual de um plano nacional de trabalhos arqueológicos, onde em pé de igualdade se considerassem aspectos patrimoniais e científicos16. Trata-se de uma inovação essencial, que depois será retomada ipsis verbis no regulamento inicial do Conselho Consultivo do Instituto Português do Património Cultural (IPPC), publicado em 198117 e, em versão substancialmente idêntica, na Lei do Património Cultural Português, de 198518. A propósito, porque as coisa estão todas ligadas e a “involução” a que adiante faremos referência quanto à composição dos órgãos que ora nos ocupam se expressa também nas suas competências, não será certamente despiciendo fazer notar a descaracterização (para não dizer subversão), a que a atribuição em apreço foi sujeita desde 1985, primeiro no IPPC, onde a respectiva secção do Conselho Consultivo deixou de “promover”, mas apenas “dar parecer” sobre um “plano nacional de trabalhos arqueológicos” de periodicidade ou caracterização não definidas19 e principalmente no actual Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR), cuja secção de “património arqueológico”, pouco mais do que decorativa, perdeu de todo as suas competências específicas, passando esta explicitamente para a estrutura executiva (Departamento de Arqueologia), onde readquire uma caracterização substancialmente correcta, mas cuja originalidade terminológica não

15 Decretos-Lei nº 46.348 e 46.349, de 22 de Maio de 1965. 16 “Promover anualmente a organização de um plano nacional de escavações e trabalhos arqueológicos, de tal forma que na distribuição das verbas se dê preferência a estações e monumentos de maior importância ou de cujo estudo se espere recolher elementos úteis à ciência arqueológica portuguesa e de outros países” (artº 19º, § 1º, nº 7º). 17 Portaria nº 16/81, de 9 de Janeiro, artº 16º, 4). 18 “0 Ministério da Cultura organizará anualmente um plano de trabalhos arqueológicos, com preferência dos sítios, monumentos e estações de maior importância que corram perigo de destruição ou de cujo estudo se espere recolher mais elementos úteis à ciência arqueológica” (Lei nº 13/85, de 6 de Julho, artº 42º, 1). 19 Portaria nº 80/85, de 7 de Fevereiro, artº 18º, 4).

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deixa de ter nitidamente o sabor à ignorância da legislação anterior ou ao atabalhoamento com que tudo foi feito nos calores de 199220.

Quanto à composição daquele órgão da JNE, a fig. 1 revela-nos como nele se encontravam efectivamente representadas as diferentes componentes da arqueologia portuguesa, tanto quanto às formas de recrutamento utilizadas como quanto à origem profissional dos seus membros. É certo que numa ocasião em que o centralismo, o dirigismo e a falta de democraticidade prevaleciam ainda na vida pública portuguesa, os conselheiros se encontravam ali, na sua maior parte, prisioneiros de nomeações ministeriais e lugares de chefia, actuando muitas vezes em circuito fechado e defendendo a todo o custo os feudos de muitos anos, mas isso não obstava a que houvesse alguma margem de independência, dada pelo estatuto administrativo elevado do órgão, pela diversidade de proveniências dos seus membros (e, portanto, pela anulação recíproca de interesses e influências) e pela participação de representantes de estruturas tradicionalmente mais autónomas, como as universidades ou as associações e academias.

A evolução política do País haveria de conduzir à extinção da Junta Nacional de Educação em 1977. Em substituição da subsecção que ora nos interessa cria-se, por despacho de secretário de Estado da Cultura de Março de 1977, um órgão provisório de composição e atribuições muito idênticas ao anterior: a “Comissão ad-hoc de Arqueologia”. Tratava-se de um órgão que mantinha um estatuto administrativo independente e elevado (órgão de consulta directa do membro do Governo responsável pela Cultura) e apenas acrescentava a novidade de consumar definitivamente a transferência da arqueologia da área da Educação para o novo departamento governamental criado em 1975, a Secretaria de Estado da Cultura. Este carácter assumidamente provisório da Comissão de 1977 parecia destinado a ser ultrapassado logo que na área da Cultura se estabelecesse a estrutura que haveria de ocupar-se do património arqueológico. Tal aconteceu em 1980, com a criação do IPPC começou 20 Com efeito, no Decreto-Lei nº 106-F/92, de 1 de Junho, atribui-se ao Departamento de Arqueologia do então criado Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico (IPPAR) a competência de “elaborar anualmente um plano de trabalhos arqueológicos em monumentos e sítios arqueológicos com o objectivo de desenvolver a investigação e a conservação, devidamente adaptado à diversidade regional, ao ordenamento do território e ao desenvolvimento da actividade arqueológica”.

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então, neste particular, o descalabro da arqueologia portuguesa, pela forçada assimilação dos seus órgãos de coordenação superior ao Conselho Consultivo daquele Instituto público, cujo primeiro regulamento haveria de surgir em Janeiro de 1981. Mantendo embora uma intenção de equilíbrio e representatividade tanto na forma de recrutamento dos seus membros como na sua origem profissional (v. fig. 2), aquela secção sofria já do pecado mortal de na prática fazer subordinar o conjunto da actividade arqueológica nacional a somente uma das suas vertentes, a vertente patrimonial. Talvez por isso e também pelo aproveitamento das dificuldades do IPPC em instalar o conjunto do seu Conselho Consultivo, ela não chega a entrar em funcionamento, sendo constituído mais um outro órgão provisório, mas ainda de estatuto administrativo adequado: a “Comissão Nacional Provisória de Arqueologia” (CNPA), criada por despacho de Maio de 1981.

A lógica de um aparelho de Estado em plena insuflação não deixaria, no entanto, passar muito tempo sem que a independência incómoda de um órgão daquele tipo pudesse ser controlada, através de duas vias: a do reforço de “gente da casa” (inicialmente conseguido com a revisão da composição da CNPA, em Maio de 1982) e sobretudo pela sua extinção e transferência de competências para a 1ª secção (arqueologia) do Conselho Consultivo do IPPC, quando em 1985 se consumou a sua domesticação. A tal ponto assim foi que 19 dos seus 20 potenciais membros se encontravam ali dependentes da Cultura em geral e da máquina do IPPC em particular, já porque eram discricionariamente nomeados para conselheiros pelo membro do Governo responsável pela Cultura, sob proposta da direcção do IPPC, já porque detinham legitimidades que advinham de lugares de chefia gerados no mesmo circuito fechado (v. fig. 3). A esta luz, os desenvolvimentos ulteriores, até ao presente, apenas constituem variações de pormenor sobre um mesmo pano de fundo. Quer a extinção das secções do Conselho Consultivo do IPPC, na revisão de 1990, quer a situação caricatural que sobreveio à criação do IPPAR em 1992 estavam já na matriz do que antes fora consumado. O que obviamente não diminui a gravidade da situação actual (v. fig. 4), onde a arqueologia passou a constituir a 2ª secção do Conselho Consultivo do IPPAR, órgão sem quaisquer atribuições específicas definidas, sem iniciativa própria e onde 14 dos seus 16 potenciais

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membros se encontram, de alguma forma, dependentes do poder que o instituiu21.

A síntese de todas as considerações anteriores encontra-se expressa na fig. 5, onde se pode verificar como entre 1965 e 1993 a composição dos órgãos coordenadores da arqueologia portuguesa se afunilou enormemente em tomo dos membros provenientes da área da Cultura, nomeados expressamente ou captados por inerência dos cargos de chefia desempenhados. E na fig. 6 apresenta-se a crua e triste realidade a que se chegou em termos de dependência orgânica, duração dos mandatos e funcionamento do órgão residual que hoje temos.

Dir-se-á todavia que a recolha de dados portugueses é insuficiente e seria necessário observar o que se passa noutros países, para deles extrair os pertinentes ensinamentos. Partilhamos inteiramente tal ideia, mas reconhecemos que um tal estudo comparativo excederia muitíssimo o âmbito deste texto22. Limitamo-

21 0 absurdo de um órgão que se pretende de consulta ser constituído em esmagadora maioria por “gente da casa” é já de si considerável. Mas a realidade efectiva daquela secção, dita de “património arqueológico”, onde dos seus 16 membros potenciais apenas 4 são arqueólogos (um dos quais estrangeiro, aliás) é digna do melhor anedotário. A menos que a subtileza da mudança de nome desta secção, de “arqueologia” para “património arqueológico”, queira de facto significar o desejo de fazer limitar as suas funções àquelas que efectivamente se esperariam de um órgão de consulta intermédio como este. Mas então, de duas uma: ou alguém ingenuamente se esqueceu que para além das paredes do Palácio da Ajuda existe mais arqueologia e, consequentemente, se tomava necessário preencher a lacuna da inexistência de um órgão superior como o que propomos no presente texto; ou todos, dirigentes e conselheiros do IPPAR, preferem fingir que não percebem, acomodando-se (certamente penalizados e por exclusivo “sentido de missão”...) à equívoca situação de continuaram a deter poderes e emitir pareceres sobre matérias para que ninguém lhes reconhece legitimidade bastante. 22 Porque desistimos já de pedir aos serviços oficiais que promovam a compilação e divulgação da legislação estrangeira relevante, daqui lançamos a sugestão, designadamente a estudantes e jovens e investigadores, para que procedam a este tipo de estudos. E já agora, num época em que tanto se fala de “administração aberta”, porque não pensar em idênticos trabalhos de investigação a partir de documentação oficial não divulgado, como é o caso da actas das reuniões dos sucessivos órgãos que temos referido? Estamos certos que, para além de útil, uma tal pesquisa seria altamente edificante e permitiria distinguir “o trigo do joio”, ajudando a fazer justiça a quem eventualmente ali tenha tomado posições independentes, que todavia não chegaram ao conhecimento público.

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nos por isso a evocar o exemplo francês, que por numerosas razões é o que mais se aproxima da nossa realidade nacional (ou não vivêssemos nós ainda subordinados à concepções napoleónicas em matéria de aparelho de Estado e administração pública) e no qual nos inspirámos parcialmente. Em França, foi constituído em 1985 um “Conselho Superior da Pesquisa Arqueológica”, o qual, como se pode verificar pela fig. 7, é constituído por membros provenientes de diversas áreas (departamentos do Estado e associações), sendo metade deles eleitos a partir dos seus corpos de origem (investigadores, professores universitários, conferencistas, conservadores de museus, etc.). Apenas uma percentagem muito reduzida são membros de direito, por inerência dos lugares de chefia que desempenham, sendo muito diversificado a representação dos membros nomeados. Por outro lado, como se revela na fig. 8, este Conselho obedece a normas estritas quanto à duração dos mandatos dos seus membros (4 anos, não podendo exercer-se mais de 2 mandatos consecutivos) e à forma de funcionamento. E finalmente, possui um estatuto administrativo muito elevado, sendo dotado de uma vasta gama de competências.

Conjugando a análise histórica portuguesa, com a realidade actual, e tendo também presente os ensinamentos negativos da experiência francesa23 chegámos à proposta de criação do CONSELHO

23 Deve sublinhar-se que, depois do entusiasmo inicial com que em França foi saudada a criação, composição e competências do CSPA (recordamos a este propósito uma conversa que tivemos com Alam Schnapp em 1989 e o optimismo dos seus escritos iniciais), se acumularam nos últimos anos os factores de crise, a tal ponto que recentemente se demitiram daquele órgão todos os membros eleitos, passando o mesmo a funcionar somente com os membros nomeados e de direito próprio. Entre outros, segundo informação pessoal de Catherine Farizy, membro do CSPA francês, na qualidade de representante eleito do corpo de investigadores do CNRS, apontam-se os seguintes vícios na concepção e funcionamento daquele órgão: o grande número de membros, retirando-lhe operacionalidade; a enorme gama de competências, definidas em termos tão genéricos que tudo podia ali ser discutido; a consagração efectiva quase completa às questões patrimoniais, designadamente à problemática das escavações de emergência, aceitando gerir fundos, constituir equipas, negociar reivindicações profissionais, etc.; a incapacidade em conjugar uma política arqueológica nacional com o desenvolvimento do processo de regionalização neste domínio.

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SUPERIOR DE ARQUEOLOGIA (CSA), que apresentamos nas fig. 9 e 1024: um órgão de consulta directa do membro do Governo responsável pela Cultura, que não impede e antes supõe a existência de outros de estatuto administrativo intermédio (Conselho Consultivo de institutos públicos tais como o IPPAR ou o IPM, de organismos tais como o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, de centros de investigação científica, de escolas superiores, etc.), onde se pretende que equilibradamente estejam representadas as diversas vertentes da arqueologia portuguesa, com especial ênfase para as duas áreas do aparelho de Estado onde se situam as maior parte dos seus agentes (a Educação e a Cultura), sem esquecer o papel importante quer das entidades (museus, gabinetes, etc.) autárquicas quer das associações e grupos de existência legal e reservando finalmente lugar às pontes de contacto da arqueologia com os sectores do ambiente e do planeamento. Assim, propõe-se um órgão com a seguinte composição: 1º - Uma individualidade de reconhecida competência no âmbito

da arqueologia, nomeado pelo membro do Governo responsável pela área da Cultura, que presidirá;

2º - O Presidente do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico, ou o seu representante;

3º - O Director do Instituto Português de Museus, ou o seu representante;

4º - O Director do Departamento de arqueologia do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico;

5º - O Director do Museu Nacional de Arqueologia do Doutor Leite de Vasconcelos;

6º - Um representante do Ministério da Educação, nomeado pelo respectivo ministro, ouvidos os serviços e organismos responsáveis pela investigação científica;

24 Intencionalmente, não abordamos neste texto a problemática relativa às propostas de criação de um hipotético “Serviço Nacional de Arqueologia”, que, como dissemos anteriormente (v. nota 2), remontam ao imediatamente pós-1974. Julgamos que uma estrutura desse tipo, embora eventualmente útil, constituirá somente uma das vertentes da arqueologia portuguesa (aquela que desejavelmente há-de um dia suceder ao actual IPPAR), devendo como tal subordinar-se à actividade coordenadora e disciplinadora do Conselho por nós proposto.

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7º - Um representante do Ministério do Ambiente, nomeado pelo respectivo ministro, ouvido o Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza;

8º - Um representante do Ministério do Planeamento, nomeado pelo respectivo ministro, ouvidos os serviços e organismos responsáveis pela planificação e ordenamento territoriais;

9º - Quatro representantes dos Institutos, Centros ou Unidades de Arqueologia das Universidades públicas;

10º - Um representante dos Institutos, Centros ou Unidades de Arqueologia das Universidades privadas e cooperativas;

11º - Três representantes dos museus, gabinetes ou unidades de arqueologia autárquicos;

12º - Três representantes das associações de arqueólogos e dos centros ou grupos de arqueologia existentes no País. A composição acabada de indicar há-de obviamente suscitar

de imediato em muitos a objecção “dramática” (comum em todas as discussões informais sobre esta matéria e muitas vezes utilizada como pretexto para nada fazer) de saber quais as regras de credenciação a seguir, especialmente nos casos dos representantes das diversas entidades consideradas. Porque não pretendemos que tal pretexto se converta em argumento impeditivo de toda a reflexão ulterior, permita o leitor que o incomode com algumas minudências susceptíveis de melhor esclarecer a viabilidade do que propomos. Assim: a) o membro indicado no ponto 1º do articulado anterior credencia-se

através da publicação em “Diário da República” do despacho que o tenha nomeado;

b) os membros indicados nos ponto 2º a 5º, sendo membros de direito, encontram-se automaticamente credenciados;

c) os membros indicados nos pontos 6º a 8º credenciam-se através da entrega ao presidente do CSA dos despachos que os tenham nomeado;

d) os membros indicados nos pontos 9º a 12º credenciam-se através da entrega ao presidente do CSA da acta da assembleia plenária que os tenha designado, tendo em atenção as seguintes especificações: d1) da acta em referência, deverão constar obrigatoriamente:

a lista das instituições convocados para a assembleia; a lista

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das instituições presentes na assembleia e a forma pela qual se fizeram representar; os critérios e métodos de votação seguidos; o sentido de voto e demais declarações produzidas por todos os presentes;

d2) no prazo de três meses a contar da data das assembleias em referência, podem as instituições que julguem ter direito a nelas ter participado, sem que para as mesmas tenham sido convocados, solicitar ao presidente do CSA a não aceitação da credenciação dos respectivos representantes; neste caso o presidente do CSA decidirá, depois de ouvidos os representantes a credenciar, por uma de duas posições: ou pela improcedência dos pedidos de impugnarão recebidos, aceitando consequentemente a credenciação dos membros em referência ou pela procedência dos pedidos de impugnarão recebidos, requerendo aos representantes a credenciar que promovam nova assembleia para a qual sejam formalmente convocados as entidades recorrentes; das decisões do presidente do CSA nesta matéria cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área da Cultura;

d3) em todos os aspectos que ultrapassem a definição do universo de entidades às quais se reconhece o direito de participação na escolha dos representantes previstos no presente articulado, as assembleias em referência são plenamente soberanas;

d4) depois de credenciados, os representantes designados passam a exercer o seu mandato sem quaisquer restrições, não podendo nomeadamente ser demitidos pelas assembleias que originalmente os tenham indicado. Uma vez estabelecida e verificada a viabilidade da composição de

um órgão como o proposto, passar-se-á inevitavelmente às questões relacionadas com as suas competências. A orientação geral a seguir nesta matéria será a de, à partida e por princípio, nada excluir, colocando mesmo toda a tónica na sua capacidade de iniciativa, isto é, na inteira liberdade de poder promover a discussão e a tomada de posição sobre todos os assuntos que julgue relevantes. No entanto, para que um tal princípio não permita correr riscos evidentes de desvirtuamento ou paralisia, devem no plano das atribuições específicas dar-se sugestões bem claras do que se consideram as prioridades a prosseguir e, correlativamente, do que se julga mais

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adequado continuar a ser tratado por organismos intermédios do aparelho de Estado, através das estruturas executivas e dos órgãos consultivos que já existam ou venham neles a ser criados. Poder-se-ia, pois, estabelecer o seguinte:

Competência genérica: o Conselho Superior de Arqueologia é o órgão de consulta do Governo na área da arqueologia, competindo-lhe pronunciar-se, por iniciativa própria ou a solicitação do membro do Governo responsável pela área da Cultura, sobre todas as questões relativas à política de arqueologia a seguir no País, designadamente nos domínios referentes ao ensino, investigação e desenvolvimento da ciência arqueológica e nos da protecção, conservação e valorização do património arqueológico.

Competências específicas: 1º Elaboração anual do Plano Nacional de Trabalhos

Arqueológicos, nos termos do art. 42º da Lei do Património Cultural Português (Lei nº 13/85, de 13 de Julho);

2º Organização científica dos Congressos Nacionais de Arqueologia;

3º Reflexão acerca dos desenvolvimentos teóricos, metodológicos e institucionais da arqueologia internacional, propondo ao Governo as medidas a tomar em matérias tais como a instalação de equipamentos, a organização de equipas e instituições, a formação técnica e científica, a política editorial, os protocolos e programas de cooperação interdepartamentais, nacionais e internacionais;

4º Reflexão acerca dos princípios gerais de política patrimonial e educativa a serem seguidos em matéria arqueológica.

Um último conjunto de problemas que julgamos necessário deixar

esclarecidos ab initio numa proposta deste tipo é o das regras de funcionamento a estabelecer. Tendo por adquirido que todo o secretariado administrativo do CSA será assegurado pelos serviços que para tal forem designados pelo membro do Governo responsável pela Cultura (eventualmente o Departamento de Arqueologia do IPPAR),considera-se que se deveriam prever duas principais modalidades de funcionamento: em plenário e por comissões. Ao que faria todo o sentido acrescentar uma espécie de delegação permanente, capaz de assegurar o bom funcionamento do órgão e dar resposta a todas as questões urgentes para que fosse necessário obter

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a intervenção do Conselho. Em concreto, fixar-nos-íamos no seguinte articulado, disciplinador do funcionamento do CSA: a) em Plenário, a reunir ordinariamente duas vezes por ano e

extraordinariamente sempre que o presidente o convoque, por iniciativa própria, a solicitação do membro do Governo responsável pela Cultura ou a pedido de pelo menos 1/3 dos membros em efectividade de funções;

b) em delegação permanente, designada pelo Plenário, constituída por um número mínimo de três e máximo de cinco dos seus membros, entre os quais obrigatoriamente o presidente, e com a seguintes incumbências: preparar a agenda de trabalho dos plenários, dar seguimento às decisões neles tomadas; acompanhar o trabalho das comissões; estabelecer a ligação entre o CSA e os diferentes serviços da administração pública; exercer provisoriamente e por motivos de justificado urgência todas as competência gerais do CSA;

c) em comissões especializadas, de dois tipos: c1) Comissões permanentes

- Comissão do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos; - Comissão dos Congressos Nacionais de Arqueologia; - Comissão para o Desenvolvimento Estratégico da Arqueologia -

Comissão de Política Patrimonial; c2) Comissões ad-hoc (todas a que o plenário do CSA entenda dever

constituir transitoriamente, para o tratamento de questões específicas). A importância que conferimos às competências incluídas nas 4

comissões permanentes indicados, pelas quais passará grande parte da actividade do CSA, justifica que, a concluir a apresentação da nossa proposta, prestemos os seguintes esclarecimentos adicionais:

1 Comissão do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos a) Metodologia e seguir no processo de elaboração do Plano

a1) apresentação ao CSA de todos os requerimentos para inclusão de trabalhos arqueológicos de campo ou de gabinete no referido Plano;

a2) selecção de projectos, tendo em conta tanto a dimensão anual do Plano como a perspectiva eventualmente plurianual dos programas considerados;

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a3) proposta superior dos meios financeiros necessários à concretizarão do Plano, e previsão da sua evolução nos anos imediatos;

a4) observação: o financiamento do Plano deverá resultar da comparticipação conjugado dos diferentes ministérios representados no CSA, em proporções compatíveis com os seus respectivos graus de responsabilidade e tendo presente os investimentos que, paralelamente, todos devem continuar a fazer em matéria de arqueologia, em domínios da sua exclusiva competência, não incluídos no Plano (exemplo: conservação de sítios arqueológicos, valorização de monumentos nacionais, inventário e carta arqueológica, investigação académica não coberta pelo Plano, valorização dos parques e reservas naturais, estudos de impacte ambiental, etc.); nas condições actuais julga-se que uma adequada repartição de custos poderia ser a seguinte: Cultura 50%; Educação 30%; Ambiente 10%; Planeamento 10%;

b) Do âmbito de competência do CSA exclui-se, salvo nos casos em que expressamente lhe seja solicitada intervenção, a apreciação de pedidos para a realização de trabalhos não programados (escavações de salvamento, estudos de impacte ambiental, etc.), assim como, em geral, de todos os projectos e acções que os requerentes não solicitem serem incluídos no Plano;

c) O CSA será informado e esclarecido sobre todos os projectos e acções de trabalho de campo cuja apreciação lhe não tenha sido solicitada; o processo de apreciação e eventual autorização legal de tais projectos e acções, assim como de todos os que não tenham sido incluídos no Plano, transita pelos competentes serviços do IPPAR; em caso de conflitualidade, como tal reconhecida pelo CSA, têm sempre prevalência os projectos e acções incluídos no Plano; 2 Comissão dos Congressos Nacionais de Arqueologia

a) Periodicidade dos congressos: a definir pelo CSA, embora desejavelmente se deva apontar para uma periodicidade quadrianual;

b) Presidente: o CSA proporá ao membro do Governo responsável pela Cultura a nomeação para cada Congresso de uma individualidade a quem será conferido o título honorífico de “Presidente” do Congresso;

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c) A Comissão dos Congressos funcionará como secretariado científico e editorial dos Congressos, podendo propor ao plenário do CSA a agregação dos especialistas necessários à constituição das diferentes comissões que naquele âmbito seja necessário constituir;

d) A Comissão dos Congressos apresentará ao plenário do CSA todo o programa científico e cultural de cada congresso, assim como a previsão dos meios financeiros necessários à sua realização e à edição dos seus materiais; caberá ao plenário discutir e aprovar tais documentos, para apresentação ulterior ao membro do Governo responsável pela Cultura; 3 Comissão para o Desenvolvimento Estratégico da Arqueologia

Uma das carência mais sentidas pela arqueologia portuguesa é a da reflexão estratégica acerca do seu desenvolvimento disciplinar, tendo em conta os progressos da disciplina a nível internacional. Caberá a esta Comissão, por iniciativa dos seus membros ou de quem pretenda dirigir-se-lhe: proceder ao levantamento dos equipamentos e meios humanos já existentes em todos os organismos que de algum modo possam ser úteis à ciência arqueológica, entendida na dimensão transdisciplinar que modernamente se lhe reconhece, propondo as medidas mais adequadas a sua máxima rentabilização e coordenação; propor, segundo escalas de prioridades que definirá, as medidas a tomar no sentido da instalação de novos equipamentos, organização de equipas e criação de novas instituições; analisar os planos de estudos existentes no sistema de ensino português, a todos os níveis escolares, propondo a organização de cursos, especializações, graduações, etc. em domínios que se julgue necessários ao bom desenvolvimento da arqueologia; analisar a produção editorial da arqueologia portuguesa, propondo as medidas a tomar em matéria de política editorial, pública e privada; propor a celebração de protocolos e programas de cooperação interdepartamentais, nacionais e internacionais; propor a representação portuguesa em todo o tipo de reuniões científicas, exposições, certames e iniciativas de divulgação arqueológica realizadas no estrangeiro, onde julgue conveniente o País fazer-se representar;

4 Comissão de Política Patrimonial Todas as matérias de rotina referentes à gestão do património

arqueológico, incluindo as que se relacionam com os processos de

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classificação/desclassificação de bens arqueológicos, inventário, carta arqueológica, conservação e valorização dos imóveis classificados, etc. constituem atribuições próprias do IPPAR, estando por isso excluídas do âmbito das competências regulares do CSA. Assim, as finalidades desta Comissão serão as seguintes: a discussão e emissão de parecer sobre o plano estratégico do IPPAR em matéria de restauro, conservação e valorização do património classificado, assim como de inventários e cartas arqueológicas; a proposta de orientações gerais, projectos e acções a serem seguidos em todos os aspectos relevantes para a maior rentabilização do aproveitamento social da arqueologia, designamente que se refere à vertente museológica, aos programas educativos, aos meios de comunicação e aos planos de promoção turística.

Concluída a apresentação sumária dos aspectos relacionados com

a composição, as competências e o funcionamento do Conselho Superior de Arqueologia que propomos, cremos ter ficado minimamente exposto o projecto que visionamos. Infelizmente, o espaço de que dispomos não nos permite ir muito mais longe na explanação das nossas ideias. Estamos aliás conscientes de que a forma telegráfica que nos vimos forçados a utilizar aqui, nos expõe inevitavelmente ao risco de ver convergir sobre nós todo tipo de críticas, desde as que partam de posições simpáticas e paternalistas para no fundo apenas pretender que o actual cinzentismo se perpetue, até às que honestamente lhes detectem insuficiências, desadequações ou até erros crassos. Desde logo, poderá a alguns dos leitores do presente parecer que elas não passam de meros exercícios intelectuais, em grande medida inconsequentes. Nós próprios assim pensamos um pouco, mas se nos atrevemos a fazer perder tempo a quem hoje compartilha o nosso cepticismo é porque não quisemos fugir à responsabilidade de deixar para o futuro a expressão das preocupações e sugestões positivas nelas contidas. A outros leitores, hão-de elas surgir como demasiado marcadas por concepções burocrático-controleiras. Talvez assim seja, mas se corremos esse risco é porque não desistimos ainda de olhar à nossa volta e continuamos a defender o primado do social sobre o individual e o corporativo. E seguramente haverá ainda um terceiro grupo de interessados que nelas salientarão as lacunas, os verdadeiros alçapões, as consequências imprevisíveis e porventura nefastas. É o

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que também nós tememos. Mas por isso fazemos questão em insistir naquilo que elas efectivamente são: propostas, lançadas para cima de uma mesa onde ninguém antes tinha ainda ousado dar o passo positivo susceptível de conferir conteúdo concreto a ideias que nos anos passados foram repetidas à sociedade, mas pareciam começar a constituir muito mais uma espécie de “fuga para a frente”, do que uma forma séria e realista de reivindicar o futuro. Não se pretende que tenham o condão de suscitar unanimidades. Mas reivinda-se que possam constituir uma plataforma capaz de mobilizar algumas boas vontades. E sobretudo deseja-se que tenham permitido dissipar os fantasmas que os mais rebeldes espíritos liberal-corporativos já tinham construindo, apodando o Conselho Superior de Arqueologia que defenderemos em textos anteriores como “um corpo de iluminados conselheiros do déspota”25. Não havendo no País ermitérios suficientes, nem sinecuras bastantes, desprovidos da vocação da avestruz, somos daqueles que preferem não ignorar o “déspota” (que aliás, bem ou mal, representa o todo social) e se propõem introduzir-lhe no palácio um corpo de conselheiros, iluminados se possível, mas prontos a bater com a porta, confiantes no poder que necessariamente lhes há-de advir da sua representatividade disciplinar, da sua força profissional e da sua independência institucional.

25 F. Sande Lemos, “Nevoeiro na Arqueologia. A propósito de dois textos publicados na revista Almadan (série II, nº 1), Forum, nº 12, Braga, 1993.

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