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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando que a Entidade Reguladora da Saúde nos termos do n.º 1 do artigo 4.º
dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto
exerce funções de regulação, de supervisão e de promoção e defesa da concorrência
respeitantes às atividades económicas na área da saúde nos setores privado, público,
cooperativo e social;
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde conferidas pelo artigo
5.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os objetivos da atividade reguladora da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 10.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Considerando os poderes de supervisão da Entidade Reguladora da Saúde
estabelecidos no artigo 19.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º
126/2014, de 22 de agosto;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/003/2018;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. Em 10 de julho de 2017, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS), tomou conhecimento
da notícia veiculada pelos meios de comunicação social, de acordo com a qual “[…]
família acusa maternidade Bissaya Barreto de negligência e de falta de assistência[…]
a uma mulher que está em coma há duas semanas, com prognóstico reservado. Esta
grávida perdeu o bébé […] enquanto esperava por uma cesariana”.
2. A referida notícia deu inicialmente origem ao processo de avaliação n.º AV/070/2017,
para uma análise preliminar da situação denunciada.
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3. Posteriormente, face à necessidade de uma averiguação mais pormenorizada dos
factos relatados, ao abrigo das atribuições e competências da ERS, o respetivo
Conselho de Administração deliberou, por despacho de 11 de janeiro de 2018,
proceder à abertura do presente processo de inquérito, registado sob o n.º
ERS/003/2018.
I.2. Diligências
4. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se as diligências
consubstanciadas em:
(i) Pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados (SRER) da
ERS da entidade prestadora de cuidados de saúde Centro Hospitalar e
Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC), registada no SRER da ERS sob o n.º
21486, do qual faz parte a Maternidade Bissaya Barreto, estabelecimento
prestador de cuidados de saúde registado no SRER da ERS, sob o n.º 127375;
(iii) Pedido de elementos ao CHUC em 10 de julho de 2017, no âmbito do
processo de avaliação n.º AV/070/2017, com insistência em 30 de outubro de
2017 e análise da respetiva resposta rececionada em 14 de novembro de 2017;
(iv) Pedido de parecer técnico de apreciação clínica a perito médico consultado
pela ERS, e análise do relatório de apreciação clínica datado de 14 de dezembro
de 2017, juntos aos autos;
(v) Notificação de abertura de processo de inquérito ao CHUC em 17 de janeiro de
2018.
II. DOS FACTOS
II.1. Do teor da notícia veiculada pelos meios de comunicação social
5. Em suma, na notícia supra referida é exposto o seguinte:
“[…] [a utente F.P.] de 35 anos, grávida de 38 semanas, deu entrada na maternidade
Bissaya Barreto, pelas 22h00, já com contrações. Foi encaminhada para cesariana,
que não se realizou de imediato, por não poder ser anestesiada. Tudo porque tinha
jantado pouco antes. Ficou internada, com indicação para ir para o bloco operatório na
manhã seguinte. O marido foi chamado à maternidade pelas 08:30 após um
telefonema no qual foi informado de algumas complicações de saúde com a mulher,
sem adiantarem muito mais. […] saiu de casa na Figueira da Foz, onde reside, e levou
a sogra, que o acompanhou à maternidade, onde foram informados da morte da bebé e
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da transferência de Flávia para o Hospital da Universidade de Coimbra, em estado de
coma induzido "por causa da perda de muito sangue.
A maternidade não esclareceu o que aconteceu. A família já ouviu duas versões: a
primeira é de que F. foi encontrada caída cheia de sangue; a segunda foi a alteração
de sinais vitais com hemorragia interna que a deixou em coma e matou o bebé. […]”.
6. Por ofício da ERS datado de 10 de julho de 2017, o CHUC foi notificado da abertura do
processo de avaliação, tendo-lhe sido solicitado, que prestasse a seguinte informação:
“[…]
1. Pronunciem-se sobre o conteúdo da referida notícia e forneçam
esclarecimentos adicionais que entendam relevantes sobre a situação
noticiada;
2. Descrição de todas as etapas percorridas pela utente F.P., desde a sua
admissão até à realização do parto e procedimentos subsequentes, com
indicação de data, hora e profissional responsável pela sua operacionalização,
por nome, categoria profissional, funções e serviço em que o mesmo se
integra, acompanhada do respetivo suporte documental;
3. Indicação, dos protocolos clínicos de prática anestésica vigentes, bem como
se, no caso concreto, os mesmos foram seguidos e em que moldes,
acompanhado do respetivo suporte documental;
4. Indicação dos procedimentos de monitorização fetal implementados, bem como
se no caso concreto os mesmos foram seguidos e em que moldes,
acompanhado do respetivo suporte documental;
5. Informação sobre eventual processo de inquérito interno que esteja a decorrer,
ou, no caso de este ter já terminado, informação sobre as conclusões da
comissão de inquérito, bem como cópia de todos os elementos recolhidos no
âmbito desse processo.
6. Envio de quaisquer outros esclarecimentos adicionais tidos por relevantes para
completo esclarecimento da situação em apreço. […]”.
7. Após pedido de prorrogação de prazo pelo prestador e decorrido o prazo de resposta
ao citado ofício sem que tivesse sido rececionada na ERS a resposta do mesmo, foi
remetido novo ofício ao CHUC em 30 de outubro de 2017, reiterando a obrigação de
envio da informação solicitada.
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8. Em 14 de novembro de 2017, o prestador veio responder ao pedido de elementos da
ERS, remetendo aos autos as conclusões do processo de inquérito instaurado e
registado sob o n.º 9/2017, que para o que ao presente processo importa se passa a
transcrever:
[…] I. Introdução
O presente processo inquérito foi mandado abrir por deliberação do Conselho de
Administração, de 10 de julho de 2017, para apuramento dos factos referentes à
prestação de cuidados de saúde á utente [F.P], a partir do dia 27 de junho de 2017.
Para o efeito, foi nomeado como inquiridor o Prof. Doutor [J.M.] e, para assessoria
jurídica, [K.D].
II. Diligências efetuadas
1. Consulta dos elementos documentais do processo clínico do Serviço de Obstetrícia
B (SOB) do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E (CHUC), fornecidos
pela instituição (PC/SOB, em anexo) - fls. 14 a 50
2. Inquirição de testemunhas:
2.1. Todos os profissionais - médicos e de enfermagem - que tiveram participação
directa e activa na prestação de cuidados assistenciais à grávida, Sr.a D.a [F.P], no
Serviço de Obstetrícia B do CHUC (SOB/CHUC), desde as 22h47 de 27/06/2017 até à
sua transferência para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC cerca das 08h30 de
28/06/2017.
2.1.1. Equipa de Urgência de Obstetrícia:
[…]
2.1.2. Equipa de Urgência de Anestesiologia:
[…]
2.1.3. […]
2.1.4. Equipa de Enfermagem:
[…]
2.2. […] o médico Assistente Graduado Sénior de Obstetrícia e especialista do
SOB/CHUC, que foi responsável, em regime privado, pelo acompanhamento da
grávida ao longo da gestação - fls. 84 e 85
2.3. […] a médica Assistente Graduada Sénior de Obstetrícia e Diretora do Serviço de
Obstetrícia B do CHUC - fls. 97 e 98
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3. Consulta de outros documentos mencionados e/ou citados e entregues pelos
inquiridos juntos aos autos:
3.1. "Relatório referente aos procedimentos efetuados pela equipa de urgência de
Anestesiologia do dia 27 de Junho, na grávida F.P.", datado de 17 de Julho de 2017 e
assinado pelas Srªs. [Doutoras T.M. e I.V] - fls. 115 e 116
3.2. Protocolo do SOB/CHUC sobre "Indicação para Cesariana Eletiva" - fls. fls. 99
3.3. Relatório de autópsia fetal - fls. 92
3.4. Relatório de exame histológico de placenta - fls. 91
3.5. Processo e Relatório Clínicos da Direção do Serviço de Ginecologia A do CHUC
(Sr.ª Dr.ª F.A.), onde a doente esteve internada entre 14/07/2017 e 02/08/2017 - fls.
105 a 113
III. Factos Apurados
1. Antecedentes
A gravidez da [utente] foi acompanhada "desde as 20 semanas de gestação" em
regime privado pelo Sr. Dr. [LFCDM].
De acordo com o processo clínico do SOB (PC/SOB), a grávida tinha tido gestação
anterior 4 (quatro) anos antes: de evolução normal; com parto a termo por cesariana
"por provável incompatibilidade feto-pélvica" (LFCDM), "IFP?" (PC/SOB); recém-
nascido do sexo feminino pesando 2570g; sem complicações durante o puerpério
(PC/SOB).
A presente gestação "decorreu normalmente" (LFCDM), com resultados analíticos
normais e não sendo referidas intercorrências no PC/SOB. Foram realizadas
ecografias às 12, 22, 31 e 35 semanas, que não revelaram anomalias e situaram o
crescimento fetal no percentil "50-75" (PC/SOB).
No dia 27/06/2017 de manhã (38 semanas e 3 dias de idade gestacional) a
testemunha LFCDM observou a doente, realizando "(...) avaliação cardiotocográftea1 e
ecográfica" que se revelaram "normais". Mais afirmou que "Em observância das regras
do serviço (SOB/CHUC) (...) fez uma proposta de cesariana agendada para as 40
semanas, para o caso de, até aquela data, não entrar em trabalho de parto
espontâneo."
1 Registo cardiotocográfico constante no processo.
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A testemunha Sr." Dra. [MCSA], Diretora do SOB/CHUC, confirmou que ** (...) estaria
agendada uma cesariana no termo da gravidez, tal como é rotina neste Serviço para
todas os casos de cesariana anterior que não entrem em trabalho de parto até as 41
semanas" e informou ainda que "(...) este tipo de agendamento não pressupõe a
obrigatoriedade de realização de cesariana, sendo a parturiente e progenitor
informados disso. A depoente acrescentou, ainda, "(...) que no próprio dia previsto
para a cesariana é, ainda, feita uma avaliação materno-fetal para averiguar das
condições de fazer um parto vaginal2".
2. Assistência no sector de urgência do Serviço de Obstetrícia B do CHUC
(SOB/CHUC)
De acordo com o processo clínico do Serviço de Obstetrícia B do CHUC (SOB/CHUC),
a grávida […] foi admitida no sector de urgência pelas 22h47 de 27/06/2017, com 38
semanas e 3 dias de idade gestacional.
De acordo com o PC/SOB o motivo de atendimento foi "contractilidade dolorosa
regular de 5/5min".
Às 22h54 o Sr. [FMHE] observou a gestante. Há referências no PC/SOB relativas aos
dados de vigilância pré-natal anteriormente descritos.
Foi realizada observação clínica de que se salienta: "Colo PF [posterior formado]
permeável á polpa. Cefálica alta e móvel"; "confirmada rotura de membranas
(bromotimol positivo)". Foi efectuada avaliação ecográfica: "oligoâmníos, FCF+
[Frequência Cardíaca Fetal normal], MAF+[Movimentos ACTIVOS Fetais normais],
Cefálica".
Segundo as declarações da testemunha FMHE: o tónus uterino era "norma/";
ecograficamente "apresentava movimentos activos fetais, movimentos respiratórios e
tinha um líquido amniótico diminuído".
A testemunha FMHE, questionada porque havia colocado um ponto de interrogação
em "IFP?" no registo do sector de urgência do PC/SOB, respondeu que assim tinha
feito porque "(..,) nunca tinha constatado contracções dolorosas durante todo o tempo
de interrogatório e observação e face às características do colo uterino".
2 Foi anexado aos presentes Autos o documento Protocolo do Serviço de Obstetrícia B do CHUC
sobre Indicação para Cesariana Electiva" onde, de facto, a existência de cesariana anterior não
constitui por si só indicação para cesariana electiva, ou seja, contraindicação ao parto vaginal.
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Foi solicitado "RCT [registo cardioíocográfico]"3 e segundo o "Plano”, seguir-se-ia
internamento na Unidade de Medicina Materno-Fetal (UMMF) e "analgesia". "HD
[Hipóteses de Diagnóstico]; ITP [Início de Trabalho de Parto]+oligoâmnios".
A testemunha FMHE comunicou à Chefe de Equipa de Obstetrícia, Dra. [EG], "(...) que
tinha procedido ao internamento de uma grávida com rutura de membranas, provável
início de trabalho de parto e cesariana anterior". Mais afirmou que "(.,.) O motivo
objectivo do internamento foi a rutura de membranas".
Do ponto de vista de enfermagem, a grávida foi acompanhada pela testemunha Sr."
Enf." [SIBS], que se responsabilizou, também, pela realização do RCT que se
prolongou durante "(...) cerca de 40 minutos”4.
Do registo de enfermagem do sector de urgência do PC/SOB, releva-se: "contractil
idade regular"; RCT "reactivo e com variabilidade [normal] avaliado pela Dr.ª [EMBG];
"Dor à contração a nível abdominal; grau "7".
A testemunha Sr." Enf." SIBS informou ainda que a Dra. […] (EMBG, Chefe de Equipa
de Urgência de Obstetrícia) "(...) avaliou o registo tendo dito para suspendê-lo (...) ".
Nessa altura foi "(...) novamente observada pela Dra [EMBG], que repetiu o toque
vaginal anteriormente realizado pelo Dr. [FE] e que "(...) deu indicação de que a
grávida se dirigisse para a Unidade de Medicina Materno Fetal (UMMF) para aguardar
evolução de trabalho de parto e vigilância materno fetal (...)". A testemunha "(...)
explicou ao marido - que entretanto apareceu, já que não esteve presente durante o
exame à sua esposa - que a utente iria para a enfermaria e que se fosse para a sala
de partos seria avisado e poderia então acompanhá-la (...)".
De acordo com a testemunha Sr." Dra. […] (EMBG), confrontada com as informações
transmitidas pelos profissionais médicos e de enfermagem e com a sua própria
apreciação dos factos: "(...) como a grávida apresentava-se muito bem (...) inquiriu-a
se tinha dores, ao que respondeu que já começava a ter algumas contrações
dolorosas. Daí que teria deduzido estar a iniciar trabalho de parto, o que seria lógico
na sequência de rutura de membranas e de acordo com o registo CTG [RCT] que era
normal. Deu indicação à Enfermeira para administrar analgesia com petidina
intramuscular e informou ao outro especialista, Dra. [MCG], de que tinha internado
esta senhora. Apôs, a utente foi para a UMMF”.
3 O RCT integra a documentação disponibilizada e compreende o período horário entre as 23h10 e
as 23h49.
4 O que corresponde ao RCT constante da documentação.
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3. Assistência na Unidade de Medicina Materno-Fetal (UMMF)
O registo de entrada de enfermagem (informatizado) na UMMF verifica-se às 00h20
de 28/06/2017 (Sr.ª Enf.ª [CCSC]).
• PC/SOB, 00h30 (registo de enfermagem, CCSC): "(...) dor forte abdominal que
coincide com a contração. Fez petidina IM [intramuscular] por indicação da Dr.ª"
[EMBG]".
• PC/SOB, 01h15 (registo de enfermagem, CCSC): "dor abdominal menos intensa,
tolerável".
Segundo as declarações da Sr.ª Enf.ª [CCSC] "Após tomar a Petidina, a grávida
adormeceu. Após o que, a testemunha deslocou-se algumas vezes para junto da
grávida quando, por volta da 01:15 horas, a grávida acordou com a palpação
abdominal pela inquirida e lhe disse que a dor estava menos intensa, e que estaria
naquele momento com dor 3
• PC/SOB, das 01hl5 até cerca das 04h00: sem eventos registados.
Segundo o Auto de Inquirição da Sr.ª Enf.ª [CCSC]" (…) A grávida voltou a adormecer,
não se tornando a queixar até perto das 04:00 horas. ". Nessa altura a Sr.º Enf.ª
CCSC foi chamada pela grávida.
• PC/SOB, 04hl5 (registos de enfermagem e medico):
a) De enfermagem (CCSC): "Refere dor 7, Contactado Dr. […] (FMHE) que veio ao
serviço avaliar a utente. FCF [frequência Cardíaca Fetal] 140 bat/min. Tónus uterino
normal. Alternado posicionamento no leito. Fez 1 comp de Diazepan 5 mg per os („,)
por indicação médica";
b) Médico (FMHE): '"Queixas de parestesias dos MI [membros inferiores]; dor
hipogástrica com alívio espontâneo. Nega outros sintomas. (...). Tónus uterino normal.
FCF + (140 bpm). Sem metrorragias ou outras alterações. Analgesia S.O.S. Mantém
vigilância maternofetal. RJdiazepam 5 mg oral.
Segundo o Auto de Inquirição da Sr.ª Enf.ª CCSC "Poucos minutos antes das 04:00
horas, a grávida tocou a campainha referindo que estava a ficar com dor. A
testemunha procurou saber se a dor era igual a da chegada, e a utente disse-lhe que
era intermitente e menor mas estaria a começar a aumentar (dor 7). (...). A testemunha
fez palpação abdominal e não detetou contração uterina e o tónus era normal. Nesse
momento, contactou a equipa obstétrica de urgência, tendo falado com o Dr. [FE] que
foi avaliar a utente.(...). Este conversou com a grávida, procedeu à palpação
abdominal, sugeriu que ela tomasse diazepan 5 mg comprimidos, o que ela aceitou. A
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testemunha procedeu à auscultação fetal entre 5 a 10 minutos, com valores de cerca
de 140 bpm, sem desacelerações. Durante esse tempo não se constatou nenhuma
contração e não se presenciou qualquer manifestação da dor. Após dar o comprimido
de diazepan, foi sugerido pela testemunha que a utente mudasse de posição e quando
saiu de perto da u/ente esta parece-lhe que estava bem".
De acordo com o testemunho do Sr. Dr. […] (FMHE), foi contactado pela testemunha
CCSC cerca das 04h00. Quando chegou junto da grávida esta encontrava-se "(...)
bem disposta, consciente, orientada e colaborante, e já não referia dor, mas apenas
"formigueiros" (parestesias) dos membros inferiores. Foi-lhe perguntado que
características tinham as dores sentidas, ao que respondeu que teriam sido
suprapúbicas, sem irradiação e que tinham desaparecido espontaneamente. Na
sequência afastou os lençóis para observar a grávida, tendo verificado que não
existiam alterações à palpação. (...) também não havia mecónio nem sangue no penso
higiénico, À palpação, tónus uterino normal, sendo o abdómen mole e depressível e
indolor. Não tinha contrações". Lembra que "(...) a Enf °[…] (CCSC) auscultou o foco
[cardíaco] fetal por entre 5 a 10 minutos, verificando-se uma frequência cardíaca de
cerca de 140 bpm, com acelerações e sem desacelerações aparentes. A utente referiu
“que tinha calor” (...) tendo-se ligado o ar condicionado, referindo posteriormente que
'queria voltar a dormir'. Analisou "(...) o CTG [RCT] anterior, que tinha características
normais, e prescreveu-Ihe, então, diazepam oral 5mg, Abandonou a enfermaria cerca
das 04hl5".
• PC/SOB, 04h15 (registo de enfermagem, CCSC): a grávida teve "(...) um vómito
alimentar". De acordo com o testemunho da Sr.ª Enf.ª CCSC "(...) a utente teve um
vómito em pequena quantidade. Nessa oportunidade voltou a perguntar sobre a dor, e
a grávida disse que estava mais aliviada, mas acredita que ela estaria a se referir ao
vómito ".
• PC/SOB, 05h00 (registo de enfermagem, CCSC): "Refere dor menos intensa,
abdominal, dor 5”
Segundo testemunho da Sr.ª Enf.ª CCSC "(...) Cerca das 05:00 horas, a testemunha
acordou a grávida, inquiriu-a sobre a dor e esta respondeu que estava menos intensa".
• PC/SOB, 05h20 (Registo de enfermagem, CCSC): "Refere dor 8, contactado
obstetra – Dr. […] ('MMCRF). A grávida tentou levantar-se do leito e teve sensação de
lipotimia, apoiada e levada para a sala de partos".
De acordo com o testemunho da Sr.ª Enf.ª CCSC "(...) poucos minutos depois [das
05H00] a grávida toca a campainha e referiu que a dor estava mais forte, parecida
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com a chegada. A testemunha solicitou a grávida para se levantar para ser observada,
ajudou-a a sentar-se na cama, calçou-lhe os chinelos e a grávida levantou-se (...) deu
cerca de dois passos, sentiu uma dor muito forte, violenta, sugestiva de contração,
tendo a grávida gritado. A testemunha aguardou que a contração passasse e a grávida
deu mais um passo até junto a porta, tendo ai ficado pálida, sudorética, referia dor
forte e a testemunha achou que a utente iria desmaiar, tendo-lhe ajudado a deitar-se
no chão, após o que perdeu os sentidos. Ao ouvir os gritos da grávida, a Enf.ª [SIB]
deslocou-se à enfermaria e foi então chamada a equipa obstétrica de urgência, tendo
sido o Dr. [MMCRF] o primeiro a chegar".
4. Assistência na Sala de Partos e Bloco Operatório
Testemunho da Sr.ª Enf.ª [SIB]: "(...) voltou a contactar com a utente (...) quando se
dirigia, casualmente, à UMMF [por volta das 05h00] e ouviu um grito na sala onde a
grávida estava (...) tendo de imediato seguido para o local, onde encontrou a utente
em pé, com uma mão agarrada à barra dos pés da cama e a outra sobre o abdómen
na presença da sua Colega, […] (testemunha CCSC), (...) pareceu que a utente
apresentava movimentos convulsivos. Foi contactado o Dr. […] [Testemunha MMCRF]
que de imediato apareceu. De seguida (...) tentou a auscultação cardíaca fetal, o que
não conseguiu. Depois, quando a utente recuperou parcialmente a consciência e por
breves momentos, foi levada para uma cama tendo vindo rapidamente toda a equipa
de urgência".
• PC/SOB, 05h20 (Registo médico (MMCRF): "(...) transferência imediata para a Sala
de Partos para monitorização materna e fetal contínua. (...) realizada ecografia
obstétrica onde se constatou ausência de batimentos cardíacos fetais e
hemoperitoneu. Perante estes dados a após estabilização de parâmetros maternos
decidida cesariana emergente."
Segundo a Testemunha Dr. […] (MMCRF) "(…) por volta 05:20 horas do dia 28/06, foi
contactado (...) pela equipa de enfermagem da UMMF (...). Quando lá chegou, a
grávida encontrava-se deitada no chão em decúbito lateral esquerdo, inconsciente,
pálida e sudorética, Foi transferida de imediato para a sala de partos (...) auxiliada
pelas equipas de obstetrícia, de anestesia e de enfermagem. (...). Do ponto de vista
materno constatou-se uma crise tónico clónica e tensões arteriais não mensuráveis.
Do ponto de vista fetal, não foi possível a auscultação cardíaca, tendo-se de imediato
procedido a um exame ecográfico, onde se constatou a morte do feto e a presença de
hemoperitoneu. Dados estes factos, a doente foi imediatamente transferida para o
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bloco operatório para laparotomia exploradora por causa materna (choque
hipovolémico).
• PC/SOB, 05h23 (registo de enfermagem, Sr.ª Enf.ª […] 'HSD'): "Grávida proveniente
da UMMF, apresenta-se inconsciente não respondendo a estímulos verbais.
Apresenta-se húmida, fria, com palidez cutânea e cianose nos leitos ungueais e lábios.
Tentamos ouvir FCF e não conseguimos. Contactada anestesista".
• 05h27, 05M30, 05H33 (registo de enfermagem, HSD): "(...) valores de TA não
mensuráveis (...) não conseguimos ouvir a FCF (...) após realização de ecografia pelos
obstetras, foi transferida para o BO [Bloco Operatório]”.
Testemunho da Sr.ª Enf.ª HSD "Preparam de imediato um quarto para acolher a
utente, pelas 05:22 horas, (...). O Dr. [MMCRF] contactou a anestesista, Dr.ª I.R., que
veio imediatamente, que pediu à declarante que trouxesse o material de emergência.
Houve alguns movimentos suspeitos de convulsão e foi então administrado Diazepam
retal por indicação da Dr.ª [IRV]. Entretanto, chegou o Dr. [MMCRF] com o ecógrafo e
juntamente com a Dr.ª [MCCCMG] decidiram proceder à intervenção cirúrgica
emergente. A utente foi transferida para o Bloco Operatório. Todos esses
procedimentos duraram não mais que 10 minutos.".
De acordo com o Relato Cirúrgico do PC/SOB, a Equipa médica foi constituída pelos:
ginecologistas/obstetras [MCCCMG, JMLB e MMCRF]; e pelas anestesiologistas
[TSSM e IRV]. Após a abertura da parede abdominal constatou-se "(...) exteriorização
completa da placenta por deiscência completa da cicatriz uterina". Foi realizada "(...)
histerorrafia em dupla camada".
Segundo a cirurgiã principal, Sr.ª Dr.ª" Dr.ª [MCCCMG] "(..) verificou-se descolamento
total da placenta, que foi extraída juntamente com o feto morto. Verificou-se, também,
deiscência total da cicatriz uterina anterior, sem outras lacerações uterinas. Procedeu-
se à sutura do útero e ao encerramento da parede". Este testemunho é confirmado
pela Sr.ª Dr.ª [JMLB], Ginecologista de Serviço de Urgência que integrou a Equipa
Cirúrgica.
Após a intervenção cirúrgica, as Sr.ªs Dr.ªs MCCCMG e EMBG "(...) contactaram o
marido por telefone a fim de dar conhecimento da situação".
De acordo com as médicas Anestesistas, […] (registos PC/SOB, depoimentos e
"Relatório referente aos procedimentos efetuados pela equipa de urgência de
Anestesiologia do dia 27 de Junho, na grávida […]":
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• A Equipa de Anestesiologia "(...) não teve qualquer conhecimento que a utente
estava internada até ter sido chamada às 05:20 horas do dia 28/06 (...)" á Sala de
Partos;
• A grávida encontrava-se "(...) sem pulso radial palpável, e tensão arterial (TA) não
mensuráveis. Estava com um olhar obnibulado, sem resposta a estímulos verbais; as
pupilas alternando entre miose e midríase; respirava espontaneamente, com
ventilação assistida, com oxigénio por máscara facial e ajudada com ventilação com
Ambú";
• Foram prestados cuidados de reanimação imediatos e decidida intervenção cirúrgica
de emergência pelas 05h33;
• Segundo a testemunha Sr.ª Dr.ª [IRV] "No bloco operatório, a utente foi anestesiada,
foram colocados mais três acessos venosos e um arterial, transfundido concentrado
de eritrócitos e plasma fresco e instituída terapêutica de suporte, conforme registo na
ficha anestésica. Foram feitas gasimetrias seriadas. Ao longo da intervenção, e depois
das terapêuticas instituídas, obteve-se estabilidade hemodinâmica, com tensão arterial
mensurável, frequência cardíaca por volta de 90/min e boas saturações de oxigénio.
No final da intervenção, a utente encontrava-se estabilizada, embora mantivesse em
oligúria e com parâmetros de acidose metabólica em fase de correção".
• Ainda de acordo com o mesmo testemunho (IRV), corroborado pela Sr.ª Dr.ª MTSS.
No fim da cirurgia, por volta das 08:30 horas, a doente foi transferida para o Serviço de
Medicina Intensiva do Pólo HUC (...), transportada em ambulância medicalizada,
sedada e em ventilação controlada, acompanhada pela testemunha e pela Enf.ª [CN]".
5. Assistência Posterior
Segundo o Processo e Relatório Clínicos da Direção do Serviço de Ginecologia A do
CHUC (Sr.ª Dr.ª [FA]), onde a doente esteve internada entre 14/07/2017 e 02/08/2017:
• "A doente (...) deu entrada (...) em 17/07/2017 (...) transferida do serviço de Medicina
Intensiva (...);
• Segue-se descrição da situação clínica (em documento anexo);
• "A evolução apresentada foi favorável a todos os níveis (...);
• "Teve alta a 02/08/2017, clinicamente bem apresentando apenas queixas discretas
de parestesias nos membros superiores e referindo ainda uma visão turva mas com
melhoria progressiva";
13 Mod.016_01
• "Foi orientada para o Médico de Família tendo sido assegurada a continuação da
reabilitação na área de residência. Foi agendamento de consultas de especialidade
nos CHUC: 04/09/2017, Consulta de retina Médica; 11/09/2017, Consulta de
Planeamento Familiar; Consulta de Neurologia a 27/09/2017".
Em anexo encontram-se todos os documentos relativos a este episódio de
internamento. Não contêm outras informações que se afigurem de relevo mencionar
relativamente ao caso em apreço.
6. Outras Informações Testemunhais relevantes para o Inquérito
Atendendo ao facto de que parte da assistência médica prestada, quer no sector de
urgência quer no sector de internamento de UMMF, foi assegurado pelo Sr. Dr.
[…FMHE], interno do 4.º ano do Internato Complementar de formação específica em
Ginecologia/Obstetrícia que exerce medicina tutelada, foi inquirido, quer à Chefe da
Equipa de Urgência Obstétrica e Coordenadora do Internato Médico [EMBG], quer à
Diretora do Serviço de Obstetrícia B do CHUC [MCSA], se:
a) Se este profissional, tendo em conta o seu grau de formação, tinha respeitado os
limites das suas competências, ou deveria ter contactado um especialista (...) para
orientar a situação;
b) Se os cuidados assistenciais praticados estavam de acordo com os procedimentos
habituais do Serviço perante circunstâncias clínicas concretas com as quais foi
confrontado.
Depoimentos:
• A Sr.ª Dr.ª [EMBG] afirmou: "(...) que não [não devia ter contactado um especialista]
e terá atuado de acordo com as suas competências e corretamente". Mais
acrescentou que "(…) de acordo com os dados disponíveis, as decisões que aquele
médico tomou estão de acordo com os procedimentos habitualmente praticados no
serviço em circunstâncias semelhantes".
• A Sr.ª Dr.ª [MCSA] respondeu: "(...) que se tratava de um interno do 4.ª ano, com
conhecimento e autonomia adequada para a presente situação e que os
procedimentos utilizados foram os habituais de qualquer outro profissional do serviço".
7. Autópsia Fetal e Estudo Histológico da Placenta
• Da Autópsia Fetal: "Morte fetal tardia (morte peri-parto) (...) com desenvolvimento e
crescimento apropriados para 38/39 semanas de idade gestacional, sem
malformações congénitas, com sinais de anóxia [privação de oxigénio] aguda".
14 Mod.016_01
• O estudo histológico da placenta evidencia lesões no sentido de "(...) corroborar o
diagnóstico de DPPNl [Descolamento Prematuro de Placenta Normalmente inserida]".
IV. Resumo dos factos
1. Grávida acompanhada em consulta pré-natal em regime privado, de evolução
Normal, com 38 semanas e 3 dias de idade gestacional. Como único antecedente
relevante assinala-se parto a termo por cesariana, 4 anos antes, por provável
incompatibilidade feto-pélvica.
2. A grávida tinha agendada uma cesariana no termo da gravidez, tal como é rotina no
Serviço para todas os casos de cesariana anterior que não entrem em trabalho de
parto até as 41 semanas.
3. Atendida no sector de urgência do Serviço de Obstetrícia B do CHUC (27/06/2017),
foi observada clinicamente e sujeita a avaliação ecográfica e cardiotocográfica (RCT).
Confirmou-se rotura de membranas. O RCT tinha características de normalidade.
4. O motivo de internamento na Unidade de Medicina Materno-Fetal (UMMF; 00h20 de
28/06/2017) foi a rotura de membranas e a probabilidade de início de trabalho de parto
e a intenção seria assegurar a vigilância materno-fetal.
5. Estas informações foram transmitidas entre as equipas médicas e de enfermagem.
6. Na UMMF foram assegurados cuidados clínicos sucessivos, documentados no
PC/SOB e testemunhados nos Autos de Inquirição (00h20; 00h30; 01hl5; em períodos
não registados; 04h00-04hl5; 04h30; 05h00; 05h20), quer a solicitação da grávida,
quer por iniciativa da Sr.ª Enf.ª [CCSC].
7. Também foi assistida pelo Sr. Dr. [FMHE], entre as 04h00 e as 04h15.
8. Pelas 05h20 ocorreu, após solicitação da grávida e durante o levante do leito para
ser observada, um episódio crítico de lipotimia e perda de consciência. Foi solicitada
ajuda, médica e de enfermagem, tendo a grávida sido transferida para a sala de
partos.
9. Com a colaboração das equipas médicas (obstetras e anestesiologistas) e de
enfermagem, constatou-se um estado de choque hipovolémico materno e, eco gráfica
mente, a morte fetal e a suspeita de hemoperítoneu. Foi decidida intervenção cirúrgica
emergente.
15 Mod.016_01
10. No decurso da intervenção foi extraído um feto morto e constatado descolamento
total da placenta e rotura uterina por deiscência da cicatriz da cesariana anterior, sem
outras lacerações uterinas.
11. Resolvida a rotura uterina, com conservação do órgão, e estabilizada a doente,
esta foi transferida para o Serviço de Medicina Intensiva do CHUC. Daqui foi
transferida para o Serviço de Ginecologia A em 17/07/2017, de onde veio a ter alta em
02/08/2017.
V. Fundamento da matéria de facto apurada
a) Pontos 1 e 2 do Resumo dos Factos:
• O antecedente de cesariana anterior, sem fatores de risco adicionais (como no caso
em concreto), não é indicação para cesariana, ou seja, não contra-indica um parto por
via vaginal: nem em termos técnicos gerais do ponto de vista médico/obstétrico, nem
de acordo com os protocolos em vigor no Serviço de Obstetrícia B do CHUC.
• O facto de existir um agendamento de cesariana para o caso de estas grávidas não
iniciar trabalho de parto espontâneo até as 41 semanas não corresponde, no
entendimento do Serviço de Obstetrícia B do CHUC um compromisso de intervenção
cirúrgica, mas apenas uma previsão de uma possibilidade que pode não se concretizar
(vd. depoimento da Sr.ª Dr.ª [MCSA]5. Do ponto de vista do relator, este facto é
passível de criar mal-entendidos, ou percepções incorretas entre o
Serviço/Profissionais e as Grávidas/Utentes).
b) Pontos 3 4 e 5 do Resumo dos Factos:
• Os cuidados assistenciais prestados (clínicos e em termos de exames
complementares) foram diligentes, atentos e adequados às circunstâncias. A
articulação e a transmissão de informação entre profissionais foram corretas.
• Do ponto de vista das informações constantes no PC/SOB, do documento "Protocolo
do SOB/CHUC sobre "Indicação para Cesariana Electiva”, dos testemunhos
recolhidos em Autos de Inquirição, e em concordância com o exposto na alínea a), não
existia, o internamento da grávida […] não tinha como intenção proceder a uma
5 “(.,.) estaria agendada uma cesariana no termo da gravidez, tal como é rotina neste Serviço para todas os
casos de cesariana anterior que não entrem em trabalho de parto até as 41 semanas" e Informou ainda que
"(...) este tipo de agendamento não pressupõe a obrigatoriedade de realização de cesariana, sendo a
parturiente e progenitor Informados disso. A depoente acrescentou, ainda, "(.,.) que no próprio dia previsto para
a cesariana é, ainda, feita uma avaliação materno-fetal para averiguar das condições de fazer um parto
vaginal"
16 Mod.016_01
cesariana, mas apenas manter aguardar a evolução de um eventual início de
trabalho de parto sob vigilância materno-fetal.
c) Pontos 6, 7 e 8 do Resumo dos Factos:
• Os cuidados assistenciais prestados (clínicos e em termos de exames
complementares) foram diligentes, atentos e adequados às circunstâncias. A
articulação e a transmissão de informação entre profissionais foram corretas.
• A assistência à grávida foi assídua, com ou sem solicitação da própria.
• As observações realizadas, registadas e testemunhadas por parte da Sr.ª Enf.ª
[CCSC] (0400-04hl5; 04h30; 05h00) foram cuidadosas do ponto de vista materno-fetal
e não fariam prever o desfecho verificado pelas 05h20.
• Quanto à actuação do Sr. Dr. […] (FMHE, registo PC/SOB 04h15), e na sua
qualidade de profissional médico tutelado, já nos pronunciámos em I.B.6., e de, acordo
com os factos e os seus superiores hierárquicos, foram correctos, adequados e
correspondentes às normas de conduta do Serviço.
d) Pontos 9,10 e 11 do Resumo dos Factos:
•Os cuidados assistenciais prestados (clínicos e em termos de terapêuticas e de
exames complementares) foram diligentes, atentos e adequados às circunstâncias.
• A articulação e a transmissão de informação entre profissionais foram correctas.
Conclusões
1.º Não havia indicação nem intenção de realizar cesariana à grávida […], quando foi
internada no Serviço de Obstetrícia B do CHUC (SOB/CHUC), mas apenas o objetivo
de garantir adequada vigilância materno-fetal face à confirmada rotura de membranas
e à hipótese de início de trabalho de parto;
2º. Não houve, consequentemente, adiamento de qualquer intervenção;
3º. O incidente ocorrido pelas 05h20 (rotura uterina por deiscência da cicatriz anterior
associada a descolamento de placenta normalmente inserida) constituiu um episódio
agudo, raro e, pelos sinais e sintomas identificados e, observações anteriores, não
previsível e não evitável;
4.º A actuação de todos os profissionais - médicos e de enfermagem - não violou as
leges artis: tendo sido atenta, atempada e cuidadosa em todos os momentos;
17 Mod.016_01
No entanto, e sem prejuízo de todo o exposto, entende-se conveniente apresentar as
seguintes Recomendações:
• No Serviço de Obstetrícia B do CHUC existe um agendamento de cesariana para as
grávidas com cesariana anterior, na perspectiva de eventualmente não iniciarem
trabalho de parto espontâneo até as 41 semanas. Este agendamento, do
conhecimento das grávidas, não corresponde a um compromisso de intervenção
cirúrgica, mas apenas à previsão de uma possibilidade que pode não se concretizar:
constitui, portanto, um procedimento passível de criar mal-entendidos, ou percepções
incorretas, entre o Serviço/Profissionais e as Grávidas/Utentes, como anteriormente se
expôs e explicou.
• Recomenda-se portanto, que esta prática não continue e que a questão da via do
parto, nestas circunstâncias clínicas, seja abordada com as grávidas ao longo da
assistência pré-natal, com os esclarecimentos necessários, tendo em vista as
vantagens materno-fetais reconhecidas dos partos vaginais quando ao antecedente de
cesariana não se associam outros factores de risco, sendo as cesarianas agendadas
apenas e quando definitivamente decididas e com o consentimento da grávida.
VI. Proposta
Após todas as diligências efetuadas e considerando as provas testemunhais e
documentais dos autos, não foi apurado qualquer facto que indicie a prática de ilícito
disciplinar pelos profissionais que intervieram na prestação de cuidados de saúde à
[utente], nos dias 27 e 28 de junho de 2017, bem como nos seguintes.
Em consequência, propõe-se o arquivamento do presente processo de inquérito. […]”.
II.2. Do parecer técnico do perito médico da ERS
9. Face ao conteúdo dos elementos carreados para os autos, foi solicitado ao perito
médico da ERS, que se pronunciasse sobre a matéria em causa, nomeadamente sobre
os documentos disponibilizados pelo prestador, tendo o mesmo elaborado o parecer,
que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos, e no qual é referido
que:
“[…]
A utente foi ao SU (22.47) por contratilidade dolorosa de 5” em 5”;
Gestação anterior sem complicação, mas parto de termo por cesariana;
Observação clínica na entrada que afirma rotura de membranas;
18 Mod.016_01
Movimentos fetais ativos com líquido amniótico diminuído;
Dúvidas de uma testemunha que, face às características do colo do útero, a
utente devia ter mais contrações dolorosas do que as manifestadas;
Foi comunicado ao marido que a esposa seria internada e quando fosse para a
sala de operados este seria avisado;
Às (00.20), dor abdominal forte com contrações, que sede aos analgésicos;
Às (4.00), a utente chama, referindo mais dores. Na observação por palpação
não foi detetado qualquer contração. Fez analgésicos, ficou sem dores, mas
começou a referir parestesia dos membros inferiores;
Dores novamente acompanhadas de vómitos (4.15);
Teve uma lipotimia ao tentar levantar-se (5.00);
Sem perdas sanguíneas visíveis, desmaiou, desenvolvendo crises convulsivas.
Na auscultação do feto este não foi audível e sem qualquer registo de
movimentos. Doente inconsciente e sem tensões arteriais. (5.20);
Às (5.22), bloco operatório. Descolamento total da placenta com feto morto;
Doente internada na medicina-intensiva.(8.30);
No dia 2.8.2017 teve alta com algumas sequelas;
Na autopsia do feto: Morte fetal tardio com desenvolvimento normal para as
38,3 semanas e sem qualquer mal formação.
10. Nesse sentido, em sede de conclusões e recomendações referiu o perito:
“[…]
Processo bem conduzido e com múltiplas testemunhas credíveis e em sincronismo
com as descrições dos factos e comportamentos dos profissionais.
[…]
(i) A utente foi prontamente assistida, por equipas competentes para as necessidades
manifestadas;
(ii) Foi nítida a preocupação por todos os profissionais em registar todas as
observações e exames efetuados. Notória a boa comunicação entre todos;
(iii) A utente foi ao SU por estar com contrações frequentes e logicamente em trabalho
de parto, e não para fazer uma cesariana. Fica a dúvida de qual foi o compromisso
entre doente e médico para fazer possível cesariana ou parto vaginal. Ele estava de
19 Mod.016_01
urgência, e existia a história de cesariana antiga, de termo. Poderiam as regras
institucionais fazerem com que essa decisão fosse adiada até ao último momento;
(iv) Existiram períodos em que as contrações deixaram de ser sentidas, o que não está
em conformidade com os exames ao colo do útero. Uma testemunha, observou e
ficou com dúvidas;
(v) Doente sobre efeito de medicação analgésica, deitada, as perdas sanguinas não
são visíveis, logo o choque hipovolémico não pode ser previsto. Doente poderia
estar monitorizada e assim seria fácil de prever o que na realidade aconteceu;
(vi) Atuação rápida de todos os profissionais em socorrer esta utente em estado crítico,
pois se assim não fosse o resultado não seria este. O mesmo não aconteceu com o
feto;
(vii) É na realidade uma das complicações graves que estão descritas cientificamente e
que podem acontecer, sem na realidade existir um culpado. ”Descolamento total
da placenta”;
(viii) Doente que tem história de cesariana antiga de termo, por motivos
anatómicos, deve ser preparada precocemente para a probabilidade de isso
acontecer novamente;
(ix) Deve pairar sempre a vontade do utente, pese embora a obrigatoriedade do seu
médico em dar todas as explicações com prós e contras. E depois da decisão da
utente deve respeitar e acompanhar;
(x) Durante as observações existiram dúvidas. Na dúvida avançar para uma resolução
que anule essas dúvidas. Podia-se evitar a morte do feto;
(xi) Reformular os protocolos ou procedimentos para que seja transparente o seu
entendimento e não criar mal-entendidos;
(xii) Alterar a linguagem de agendamento, que leva a pensar compromisso, obrigação,
para outro tipo de informação não vinculativa.
(xiii) Os sinais e sintomas eram pouco identificativos o que fez que os
profissionais não os prevenissem.
(xiv) A monitorização ajuda a ter-se registos muito frequentes, logo facilmente
seria detetado e precocemente atuado. Recomendo a monitorização permanente.
[…]” – cfr. Relatório de apreciação clínica de 14 de dezembro de 2017, junto aos
autos.
20 Mod.016_01
III. DO DIREITO
III.1. Das atribuições e competências da ERS
11. De acordo com o n.º 1 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, ambos dos Estatutos da ERS
aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, 22 de agosto, a ERS tem por missão a
regulação, supervisão, e a promoção e defesa da concorrência, respeitantes às
atividades económicas na área da saúde dos setores privados, público, cooperativo e
social, e, em concreto, da atividade dos estabelecimentos prestadores de cuidados de
saúde.
12. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 2 do artigo 4.º dos
mesmos Estatutos, todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do
sector público, privado, cooperativo e social, independentemente da sua natureza
jurídica.
13. Consequentemente, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. –
Maternidade Bissaya Barreto é uma entidade prestadora de cuidados de saúde, e
portanto sujeita à regulação da ERS.
14. As atribuições da ERS, de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 5.º dos
Estatutos da ERS, compreendem a supervisão da atividade e funcionamento dos
estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, no que respeita à garantia dos
direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde, à prestação de cuidados de saúde
de qualidade, bem como dos demais direitos dos utentes.
15. Ademais, constituem objetivos da ERS, nos termos do disposto nas alíneas b), c), e d)
do artigo 10.º do mencionado diploma, assegurar o cumprimento dos critérios de
acesso aos cuidados de saúde, garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes,
bem assim como zelar pela prestação de cuidados de saúde de qualidade.
16. Objetivos esses que são depois concretizados, no seu diploma estatutário, em
competências próprias desta Entidade Reguladora, como sejam as competências
previstas na alínea d) do artigo 12.º, a propósito do respeito da liberdade de escolha
dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, incluindo o direito à
informação; a competência consagrada na alínea a) do artigo 13.º, para defesa dos
direitos dos utentes; a competência descrita na alínea c) do artigo 14.º, em matéria de
garantia da prestação de cuidados de saúde de qualidade.
17. Para tanto, a ERS pode assegurar tais incumbências mediante o exercício dos seus
poderes de supervisão, no caso, zelando pela aplicação das leis e regulamentos e
demais normas aplicáveis às atividades sujeitas à sua regulação, no âmbito das suas
21 Mod.016_01
atribuições, e emitindo ordens e instruções, bem como recomendações ou
advertências individuais, sempre que tal seja necessário, sobre quaisquer matérias
relacionadas com os objetivos da sua atividade reguladora, incluindo a imposição de
medidas de conduta e a adoção das providências necessárias à reparação dos direitos
e interesses legítimos dos utentes – cfr. alíneas a) e b) do artigo 19.º dos Estatutos da
ERS.
18. Desse âmbito de atuação, de acordo com as respetivas previsões estatutárias, exclui a
ERS a regulação dos profissionais de saúde no que toca à sua atividade sujeita à
regulação e disciplina das respetivas ordens profissionais – cfr. alínea a) do n.º 3 do
artigo 4.º dos Estatutos da ERS.
19. Com efeito, não cura a ERS de avaliar a correção técnica dos concretos cuidados de
saúde prestados, nem de avaliar a sua oportunidade e pertinência clínica face às legis
artis instituídas, centrando-se a sua atuação na análise dos procedimentos e protocolos
de atuação instituídos e/ou empregues no caso concreto, aferindo se os mesmos são
consentâneos com a salvaguarda do direito de acesso aos cuidados de saúde, com a
garantia dos direitos e interesses legítimos dos utentes, bem assim com a prestação de
cuidados de saúde de qualidade.
20. Diferentemente, não compete à ERS pronunciar-se ou averiguar da conformidade ou
desconformidade da atuação dos profissionais de saúde (médicos e enfermeiros) com
as legis artis, porquanto essa é uma competência exclusiva das respetivas ordens
profissionais.
III.2. Do direito de acesso aos cuidados de saúde de qualidade e em tempo
clinicamente aceitável
21. O direito à proteção da saúde, consagrado no artigo 64.º da Constituição da República
Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de todos os cidadãos
aos cuidados de saúde, o qual é assegurado, entre outras obrigações impostas
constitucionalmente, através da criação de um Serviço Nacional de Saúde (SNS)
universal, geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos,
tendencialmente gratuito.
22. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de agosto,
em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito, estabelece
no n.º 4 da sua Base I que “os cuidados de saúde são prestados por serviços e
estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização deste, por outros entes públicos ou
por entidades privadas, sem ou com fins lucrativos”, consagrando-se nas diretrizes da
22 Mod.016_01
política de saúde estabelecidas na Base II que “é objetivo fundamental obter a
igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de saúde, seja qual for a sua
condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a equidade na
distribuição de recursos e na utilização de serviços”;
23. Bem como estabelece, na sua Base XXIV, como características do SNS:
“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos”.
24. Por outro lado, e em concretização de tal garantia de acesso ao SNS, é reconhecido
aos utentes dos serviços de saúde um conjunto vasto de direitos, onde se inclui o
direito a que os cuidados de saúde sejam prestados em observância e estrito
cumprimento dos parâmetros mínimos de qualidade legalmente previstos, quer no
plano das instalações, quer no que diz respeito aos recursos técnicos e humanos
utilizados.
25. A este respeito, encontra-se reconhecido na LBS, mais concretamente na alínea c) da
Base XIV, o direito dos utentes a serem “tratados pelos meios adequados,
humanamente e com prontidão, correção técnica, privacidade e respeito”.
26. Norma que é melhor desenvolvida e concretizada no artigo 4.º ("Adequação da
prestação dos cuidados de saúde”) da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, segundo o
qual “O utente dos serviços de saúde tem direito a receber, com prontidão ou num
período de tempo considerado clinicamente aceitável, consoante os casos, os
cuidados de saúde de que necessita” (n.º 1).
27. Tendo o utente, bem assim, “(…) direito à prestação dos cuidados de saúde mais
adequados e tecnicamente mais corretos” (n.º 2);
28. Estipulando, ainda, o n.º 3 que “Os cuidados de saúde devem ser prestados
humanamente e com respeito pelo utente”.
29. Quanto ao direito do utente ser tratado com prontidão, o mesmo encontra-se
diretamente relacionado com o respeito pelo tempo do paciente6, segundo o qual deve
ser garantido o direito a receber o tratamento necessário dentro de um rápido e
predeterminado período de tempo.
6 Vd. o ponto 7. da “Carta Europeia dos Direitos dos Utentes”.
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30. Aliás, o Comité Económico e Social Europeu (CESE), no seu Parecer sobre “Os
direitos do paciente”, refere que o “reconhecimento do tempo dedicado à consulta, à
escuta da pessoa e à explicação do diagnóstico e do tratamento, tanto no quadro da
medicina praticada fora como dentro dos hospitais, faz parte do respeito das pessoas
[sendo que esse] investimento em tempo permite reforçar a aliança terapêutica e
ganhar tempo para outros fins [até porque] prestar cuidados também é dedicar tempo”.
31. Relativamente ao direito dos utentes de ser tratados pelos meios adequados e com
correção técnica, tal resulta do reconhecimento ao utente do direito a ser
diagnosticado e tratado à luz das técnicas mais atualizadas, e cuja efetividade se
encontre cientificamente comprovada, sendo, porém, obvio que tal direito, como os
demais consagrados na LBS, terá sempre como limite os recursos humanos, técnicos
e financeiros disponíveis – cfr. n.º 2 da Base I da LBS.
32. Efetivamente, sendo o direito de respeito do utente de cuidados de saúde um direito
ínsito à dignidade humana, o mesmo manifesta-se através da imposição de tal dever a
todos os profissionais de saúde envolvidos no processo de prestação de cuidados, o
qual compreende, ainda, a obrigação de os estabelecimentos prestadores de cuidados
de saúde possuírem instalações e equipamentos que proporcionem o conforto e o
bem-estar exigidos pela situação de fragilidade em que o utente se encontra.
III.3. Análise da situação concreta
33. Como se referiu preliminarmente não compete à ERS avaliar a bondade dos concretos
cuidados de saúde prestados in casu, nem tão pouco avaliar da sua oportunidade e
pertinência clínica face às legis artis determinadas;
34. O objeto de análise dos presentes autos estará então delimitado à averiguação dos
procedimentos adotados pelo CHUC, no que se refere ao cumprimento de
procedimentos tendentes à prestação de cuidados de saúde tempestivos, de qualidade
e com segurança;
35. Ora, recorde-se que resulta da análise dos factos recolhidos no decurso das
diligências encetadas pela ERS, que a utente se dirigiu ao SU, no dia 27 de junho de
2017, pelas 22h47, com 38 semanas e 3 dias de idade gestacional, sendo o motivo do
atendimento "contractilidade dolorosa regular de 5/5min".
36. Mais resultou que a utente foi internada no referido serviço de obstetrícia para
acompanhamento da evolução do trabalho de parto, tendo sido realizada observação
clínica que salienta "Colo PF [posterior formado] permeável á polpa. Cefálica alta e
24 Mod.016_01
móvel"; "confirmada rotura de membranas (bromotimol positivo)". Foi efectuada
avaliação ecográfica: "oligoâmníos, FCF+ [Frequência Cardíaca Fetal normal],
MAF+[Movimentos ACTIVOS Fetais normais], Cefálica". Segundo as declarações da
testemunha FMHE: o tónus uterino era "norma/"; ecograficamente "apresentava
movimentos activos fetais, movimentos respiratórios e tinha um líquido amniótico
diminuído" […].
37. Porém, mais tarde, "[…] por volta 05:20 horas do dia 28/06” a utente “[…] foi
transferida de imediato para a sala de partos (...) auxiliada pelas equipas de obstetrícia,
de anestesia e de enfermagem. (...). Do ponto de vista materno constatou-se uma crise
tónico clónica e tensões arteriais não mensuráveis. Do ponto de vista fetal, não foi
possível a auscultação cardíaca, tendo-se de imediato procedido a um exame
ecográfico, onde se constatou a morte do feto e a presença de hemoperitoneu. Dados
estes factos, a doente foi imediatamente transferida para o bloco operatório para
laparotomia exploradora por causa materna (choque hipovolémico)[…]”;
38. Sendo que, de acordo com as conclusões do processo de inquérito instaurado
internamente;
“[…] 1.º Não havia indicação nem intenção de realizar cesariana à grávida […],
quando foi internada no Serviço de Obstetrícia B do CHUC (SOB/CHUC), mas
apenas o objetivo de garantir adequada vigilância materno-fetal face à confirmada
rotura de membranas e à hipótese de início de trabalho de parto;
2º. Não houve, consequentemente, adiamento de qualquer intervenção;
3º. O incidente ocorrido pelas 05h20 (rotura uterina por deiscência da cicatriz
anterior associada a descolamento de placenta normalmente inserida) constituiu um
episódio agudo, raro e, pelos sinais e sintomas identificados e, observações
anteriores, não previsível e não evitável;
4.º A actuação de todos os profissionais - médicos e de enfermagem - não violou as
leges artis: tendo sido atenta, atempada e cuidadosa em todos os momentos;”.
39. Por outro lado, resultou do parecer emitido por perito médico consultado pela ERS,
que:
“[…]
(i) A utente foi prontamente assistida, por equipas competentes para as necessidades
manifestadas;
(ii) Foi nítida a preocupação por todos os profissionais em registar todas as
observações e exames efetuados. Notória a boa comunicação entre todos;
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(iii) A utente foi ao SU por estar com contrações frequentes e logicamente em trabalho
de parto, e não para fazer uma cesariana. Fica a dúvida de qual foi o compromisso
entre doente e médico para fazer possível cesariana ou parto vaginal. Ele estava de
urgência, e existia a história de cesariana antiga, de termo. Poderiam as regras
institucionais fazerem com que essa decisão fosse adiada até ao último momento;
(iv) Existiram períodos em que as contrações deixaram de ser sentidas, o que não está
em conformidade com os exames ao colo do útero. Uma testemunha, observou e ficou
com dúvidas;
(v) Doente sobre efeito de medicação analgésica, deitada, as perdas sanguinas não
são visíveis, logo o choque hipovolémico não pode ser previsto. Doente poderia estar
monitorizada e assim seria fácil de prever o que na realidade aconteceu;
(vi) Atuação rápida de todos os profissionais em socorrer esta utente em estado crítico,
pois se assim não fosse o resultado não seria este. O mesmo não aconteceu com o
feto;
(vii) É na realidade uma das complicações graves que estão descritas cientificamente
e que podem acontecer, sem na realidade existir um culpado. ”Descolamento total da
placenta”;
(viii) Doente que tem história de cesariana antiga de termo, por motivos anatómicos,
deve ser preparada precocemente para a probabilidade de isso acontecer novamente;
(ix) Deve pairar sempre a vontade do utente, pese embora a obrigatoriedade do seu
médico em dar todas as explicações com prós e contras. E depois da decisão da
utente deve respeitar e acompanhar;
(x) Durante as observações existiram dúvidas. Na dúvida avançar para uma resolução
que anule essas dúvidas. Podia-se evitar a morte do feto;
(xi) Reformular os protocolos ou procedimentos para que seja transparente o seu
entendimento e não criar mal-entendidos;
(xii) Alterar a linguagem de agendamento, que leva a pensar compromisso, obrigação,
para outro tipo de informação não vinculativa.
(xiii) Os sinais e sintomas eram pouco identificativos o que fez que os profissionais não
os prevenissem.
(xiv) A monitorização ajuda a ter-se registos muito frequentes, logo facilmente
seria detetado e precocemente atuado. Recomendo a monitorização permanente. […]”
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40. Assim, da análise dos elementos carreados, verifica-se que é consentânea a
necessidade de “Reformular os protocolos ou procedimentos para que seja
transparente o seu entendimento e não criar mal-entendidos”;
41. Já que, tal como é descrito pelas conclusões alcançadas pelo prestador, em sede de
processo de inquérito internamente instaurado, se conclui que “No Serviço de
Obstetrícia B do CHUC existe um agendamento de cesariana para as grávidas com
cesariana anterior, na perspectiva de eventualmente não iniciarem trabalho de parto
espontâneo até as 41 semanas. Este agendamento, do conhecimento das grávidas,
não corresponde a um compromisso de intervenção cirúrgica, mas apenas à previsão
de uma possibilidade que pode não se concretizar: constitui, portanto, um
procedimento passível de criar mal-entendidos, ou percepções incorretas, entre o
Serviço/Profissionais e as Grávidas/Utentes, como anteriormente se expôs e explicou.”;
42. Motivo pelo qual se recomenda em tal relatório que “esta prática não continue e que a
questão da via do parto, nestas circunstâncias clínicas, seja abordada com as grávidas
ao longo da assistência pré-natal, com os esclarecimentos necessários, tendo em vista
as vantagens materno-fetais reconhecidas dos partos vaginais quando ao antecedente
de cesariana não se associam outros factores de risco, sendo as cesarianas
agendadas apenas e quando definitivamente decididas e com o consentimento da
grávida.”;
43. Donde resulta a necessidade de conformação da conduta do prestador, mediante a
revisão de tal procedimento o qual deve ser clarificado de forma a garantir, quer a
segurança a todo o tempo da prestação dos cuidados de saúde em causa, quer a
certeza da informação prestada aos utentes a qual deve ser perfeitamente inteligível
quanto à natureza do compromisso assistencial assumido
44. Com efeito, e recorde-se, o cumprimento de procedimentos é uma garantia de
qualidade da prestação de cuidados de saúde, promovendo uma melhor coordenação
e articulação entre os serviços, bem como acautelando qualquer impacto negativo na
condição de saúde dos utentes, o que necessariamente poderá ocorrer se se mantiver
um procedimento “[…] passível de criar mal-entendidos, ou percepções incorretas,
entre o Serviço/Profissionais e as Grávidas/Utentes.”;
45. Por outro lado, decorre ainda do parecer emitido pelo perito médico a necessidade de
monitorização permanente das parturientes, porquanto considera que “[…] A
monitorização ajuda a ter-se registos muito frequentes, logo facilmente seria detetado e
precocemente atuado”.
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46. Pelo que, e por todo o exposto, se torna necessário que o CHUC conforme a sua
conduta com a adoção de procedimentos que salvaguardem os direitos e interesses
legítimos dos utentes, e bem assim a prestação de cuidados de saúde de qualidade.
47. In casu, é premente a adoção pelo CHUC de todas as medidas e a implementação de
todos os procedimentos que se revelem necessários a assegurar a prestação de todos
os cuidados de saúde aos utentes e com a prontidão necessária, designadamente,
rever e/ou reformular os procedimentos em vigor para agendamento de cesarianas e
os procedimentos de monitorização das parturientes admitidas no respetivo serviço de
obstetrícia.
48. Por todo o exposto, atentas as suas competências e atribuições legalmente conferidas,
justifica-se a intervenção regulatória da ERS, no sentido de assegurar o respeito pelos
direitos e legítimos interesses dos utentes e a qualidade da prestação dos cuidados de
saúde, nos termos melhor infra descritos.
IV. AUDIÊNCIA DOS INTERESSADOS
49. A presente deliberação foi precedida de audiência escrita dos interessados, nos
termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 122.º do Código de
Procedimento Administrativo (CPA), aplicável ex vi da alínea a) do artigo 24.º dos
Estatutos da ERS, tendo sido o CHUC notificado para se pronunciar relativamente ao
projeto de deliberação da ERS, no prazo de 10 dias úteis.
50. Certo é que no decurso do prazo legal para o efeito, e até ao presente momento, não
foi a ERS notificada da respetiva pronúncia.
51. Não foi, assim, trazido ao conhecimento da ERS qualquer facto capaz de infirmar ou
alterar o sentido do projeto de deliberação da ERS tal como regularmente notificado e
que, por isso, se mantém na íntegra.
V. DECISÃO
52. Tudo visto e ponderado, o Conselho de Administração da ERS delibera, nos termos e
para os efeitos do preceituado nas alíneas a) e b) do artigo 19.º e na alínea a) do artigo
24.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de
agosto, emitir uma instrução ao Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. –
Maternidade Bissaya Barreto, no sentido de dever:
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(i) assegurar a existência de procedimentos atinentes ao serviço de obstetrícia
– aptos a garantir, de forma permanente, efetiva e em tempo útil, a
prestação de cuidados de saúde que se apresentem como necessários e
adequados à satisfação das necessidades dos utentes;
(ii) implementar procedimentos que assegurem que, durante a permanência no
serviço de obstetrícia, os utentes sejam devidamente monitorizados e
acompanhados, de forma consentânea com a verificação de eventuais
alterações do seu estado de saúde e que garanta uma resposta atempada e
clinicamente integrada às mesmas;
(iii) rever os procedimentos internamente implementados, no que se refere ao
agendamento de cesarianas no respetivo serviço de obstetrícia.
(iv) garantir em permanência, através da emissão e divulgação de ordens e
orientações claras e precisas, que tais regras e procedimentos sejam
corretamente seguidos e respeitados por todos profissionais de saúde
envolvidos;
(v) O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., deve dar
cumprimento imediato à presente instrução, bem como dar conhecimento à
ERS, no prazo máximo de 30 dias úteis após a notificação da presente
deliberação, dos procedimentos adotados para o efeito.
53. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º 1 do
artigo 61.º dos Estatutos da ERS, aprovados em anexo ao Decreto-Lei n.º 126/2014, de
22 de agosto, configura como contraordenação punível in casu com coima de €
1000,00 a € 44 891,81, “[….] o desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no
exercício dos seus poderes regulamentares, de supervisão ou sancionatórios
determinem qualquer obrigação ou proibição, previstos nos artigos 14.º, 16.º, 17.º, 19.º,
20.º, 22.º, 23.º ”.
Porto, 1 de junho de 2018.
O Conselho de Administração.