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TRANSFORMAÇÕES NO MEIO RURAL PARANAENSE MAURO EDUARDO DEL GROSSI 1 INTRODUÇÃO O meio rural brasileiro tem experimentado grandes mudanças internas no sentido de flexibilizar os seus mercados de mão-de- obra (m.o.), serviços e de terras, a exemplo dos setores rurais europeus e norte-americanos. O avanço da tecnificação na agricultura é tão forte, que os trabalhos rurais são cada vez mais individualizados e menos familiares, dada a elevação da produtividade do trabalho. As unidades de produção tem passado assim, de uma exploração familiar para uma exploração individualizada. Nesse contexto, a pluriatividade ou "part-time" veio a flexibilizar o mercado de trabalho, viabilizando o acesso a rendas urbanas da mo. familiar tecnologicamente "excedente", complementando assim a renda familiar. Paralelamente a este movimento no mercado de m.o., ganham importância as empresas prestadoras dos mais diversos serviços rurais, cabendo ao administrador da exploração, a coordenação das várias operações agrícolas para o processo produtivo. Preparo do solo, controle de pragas e plantas daninhas, colheita, transporte, assistência técnica, contabilidade, são alguns exemplos do potencial das prestadoras de serviços. Em tese, o avanço das operações agrícolas realizadas por prestadores de serviços podem avançar a tal ponto, em que teríamos estabelecimentos rurais sem equipamentos e sem trabalhadores nele residentes, mas com alta produtividade, contando apenas com o administrador que contrataria os serviços necessários para as várias operações agrícolas. A expansão das empresas prestadoras de serviços à agricultura, somada as novas possibilidades das tecnologias de informação (sistemas especialistas por exemplo), vem a possibilitar a entrada no meio rural de pessoas urbanas sem tradição agrícola (know-how), e por outro lado, tende a liberar cada vez mais os membros das famílias para outras atividades não rurais (pluriatividade). Estes movimentos trazem consigo alterações marcantes na composição da mão-de-obra rural, no sentido aumentar a participação de mão-de-obra mais qualificada nos trabalhos rurais. No meio rural norte- americano, por exemplo,, estes movimentos já são tão consolidados que em algumas regiões o pessoal técnico/administrativo já supera em número a mão-de-obra braçal (BLAKELY e BRADSHAW, 1985). 51

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Page 1: DEL GROSSI, M. E. Transformações no meio rural paranaense. In

TRANSFORMAÇÕES NO MEIO RURAL PARANAENSE

MAURO EDUARDO DEL GROSSI1 INTRODUÇÃO

O meio rural brasileiro tem experimentado grandes mudanças internas no sentido de flexibilizar os seus mercados de mão-de-obra (m.o.), serviços e de terras, a exemplo dos setores rurais europeus e norte-americanos.

O avanço da tecnificação na agricultura é tão forte, que os trabalhos rurais são cada vez mais individualizados e menos familiares, dada a elevação da produtividade do trabalho. As unidades de produção tem passado assim, de uma exploração familiar para uma exploração individualizada. Nesse contexto, a pluriatividade ou "part-time" veio a flexibilizar o mercado de trabalho, viabilizando o acesso a rendas urbanas da mo. familiar tecnologicamente "excedente", complementando assim a renda familiar.

Paralelamente a este movimento no mercado de m.o., ganham importância as empresas prestadoras dos mais diversos serviços rurais, cabendo ao administrador da exploração, a coordenação das várias operações agrícolas para o processo produtivo. Preparo do solo, controle de pragas e plantas daninhas, colheita, transporte, assistência técnica, contabilidade, são alguns exemplos do potencial das prestadoras de serviços. Em tese, o avanço das operações agrícolas realizadas por prestadores de serviços podem avançar a tal ponto, em que teríamos estabelecimentos rurais sem equipamentos e sem trabalhadores nele residentes, mas com alta produtividade, contando apenas com o administrador que contrataria os serviços necessários para as várias operações agrícolas.

A expansão das empresas prestadoras de serviços à agricultura, somada as novas possibilidades das tecnologias de informação (sistemas especialistas por exemplo), vem a possibilitar a entrada no meio rural de pessoas urbanas sem tradição agrícola (know-how), e por outro lado, tende a liberar cada vez mais os membros das famílias para outras atividades não rurais (pluriatividade). Estes movimentos trazem consigo alterações marcantes na composição da mão-de-obra rural, no sentido aumentar a participação de mão-de-obra mais qualificada nos trabalhos rurais. No meio rural norte-americano, por exemplo,, estes movimentos já são tão consolidados que em algumas regiões o pessoal técnico/administrativo já supera em número a mão-de-obra braçal (BLAKELY e BRADSHAW, 1985).

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- Doutorando em Economia/UNICAMP e pesquisador do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR).

Desta forma, a flexibilização no mercado de m.o. tem tornado cada vez mais difícil tipificar as unidades rurais com o corte capitalista/camponês, tendo como variável o número de empregados assalariados por exemplo. Também fica difícil delimitar até onde vai o espaço urbano e onde começa o rural.

O mercado de terras também ficou sujeito a grandes transformações (ARNALTE; AVELLA e ROCA, 1986). De forma geral, os preços das terras se integraram ao mercado financeiro, equiparando-se ao mercado monetário (juros), e portanto passível de expectativas e especulações.

A flexibilização da mo. e a externalização das atividades agrícolas (vendedoras de know-how), permitiu que novos investidores urbanos entrem e saiam da atividade agrícola sem grandes dificuldades. Esta "invasão" no mercado de terras de novos produtores urbanos talvez só não foi maior na Europa, pela legislação que o proíbe acesso á terra para quem não possui passado agrícola e/ou para jovens agricultores, fazendo diminuir a participação relatjva de arrendamentos “puros”. Ao mesmo tempo, também houve uma “invasão” do antigo espaço rural por atividades tipicamente urbanas: industrias, lazer, moradia entre outras. Sempre é bom recordar que esta invasão foi de certa forma favorecida pelas políticas da PAC, que estimulava a não produção rural, gerando em muitos casos o que BAPTISTA (1994) chamou de 'jardineiros da natureza". No Brasil, GRAZIANO DA SILVA (1995) também já observa o mesmo movimento de aumento das atividades não agrícolas na zona rural com dados das PNAD's, bem como o crescimento das pessoa ocupadas em atividades não agrícolas na zona rural brasileira segundo os Censos Demográficos.

Por outro lado, apesar da possibilidade técnica de pequenas unidades rurais poderem responder por um elevado valor da produção, nos países europeus sucedeu que muitos experimentaram uma elevação da área média, dada a capacidade da mão-de-obra potencializada com a tecnificação, que passou a operar áreas maiores.

Com a urbanização do espaço rural, houve uma forte tração para elevações dos preços das terras na Europa, dado ao aumento da procura das terras por novos produtores e principalmente para novos usos não agrícolas, levando a um certo engessamento nos mercados de terras

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com a elevação dos preços. Os contratos de cessão terras europeus praticamente ficaram restritos as partilhas de herança, na medida que os agentes ficaram aguardando uma elevação nos preços de suas terras (reserva de valor). No caso europeu se despontou então o arrendamento de terras como um mecanismo “natural” para contornar esta rigidez no acesso ã terras. O arrendamento "derrubou a cerca", permitindo então o aumento da escala da produção para o arrendatário, e do recebimento de renda da terra adicionada a outra renda urbana pelo proprietário. O arrendamento foi o principal instrumento que viabilizou o acesso às novas áreas para os produtores europeus, elevando assim a área média dos estabelecimentos.

Com este ensaio procuraremos apresentar alguns traços destas mudanças no estado do Paraná. O meio rural paranaense tem experimentado profundas mudanças nas últimas décadas, a começar pela intensa modernização de sua agropecuária, notadamente nos anos 70. Nos anos 80/90 ocorrem alterações na trajetória destas transformações, acompanhando o mesmo sentido das demais regiões do país, como a emergência de novos setores prestadores de serviços para a agricultura, ou mesmo, da integração dos antigos trabalhadores rurais em atrvidades múltiplas, muitas delas consideradas até pouco tempo como características exclusivas do setor urbano.

Procurando evidenciar a profundidade em que estas transformações ocorrem no Paraná, mostraremos as alterações na composição das atividades da População Economicamente Ativa (PEA) ao longo dos anos 80, basicamente com os dados das PNAD's que contém as informações mais recentes. Para isto utilizamos o corte temporal com os anos de 1981, 1986 e 1990, apresentando assim as alterações ao longo dos anos 80 e o ano de 1986 com o Plano Cruzado. Em seguida apresentaremos alguns casos localizados sobre o comportamento dos arrendamentos, inferindo assim algumas conclusões sobre a flexibilização do mercado de terras no estado.

OS RESIDENTES EM DOMICÍLIOS RURAIS

Os dados dos Censos Agropecuários apontam para um grande êxodo rural nos anos 70, advindos da intensa modernização tecnológica da agropecuária paranaense. Nos anos 70 quase um milhão de pessoas deixaram as zonas rurais paranaenses, migrando ou para grandes centros urbano, ou para as novas regiões de fronteiras. Não somente a zona rural experimentou este despovoamento, mas também inúmeras pequenas

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cidades em todo estado, com importantes impactos para seu comércio atividades econômicas locais.

Com os dados das PNAD's a melhor aproximação que podemos fazer da população rural é tomarmos os dados da Populaçao residente em domicílios particulares na zona rural. E claro que esta aproximação tem os viéses de incorporar na população rural pessoas quê somente residem na zona rural, mas possuem atividades econmica urbanas, e vice-versa. Porém, em que pese esta limitação, acreditamos que os dados da população com domicílio rural são um bom reflexo da PEA rural. Antecipamos também que este corte (Domicílio Rural/Urbano) é proposital, justamente para mostrar que não é mais tão simples a separação das atividades urbanas das rurais, dado o nível de integração econômica que elas apresentam hoje.

É bom destacar que em 1992 e 1993 o IBGE ampliou o conceito da População Economicamente Ativa nas PNAD's incorporando nesta população as pessoas que trabalham menos de 15 h semanais (até 1 hora/semana) e as pessoas que trabalham para o autoconsumo. Os dados apresentados são resultantes de uma adaptação ao conceito anterior, no sentido de excluir da PEA publicada os trabalhadores que trabalhavam até 14 h semanais e os trabalhadores na produção para o consumo próprio.

Também é importante destacar que houve um "superdimensionamento" da população paranaense pelas PNAD's até 1990 devido a esta pesquisa amostral se basear em projeções da população censitária de 1980. Só para exemplificar, a PNAD/90 estimava uma população de 9,1 milhões de pessoas no Paraná, enquanto que o Censo/91 corrigiu para 8,4 milhões de pessoas (na zona rural a diferença atinge 630 mil pessoas). Com o Censo Demográfico de 1991, as novas bases de amostragem para as PNAD's de 1992 e 1993 foram corrigidas, mas infelizmente não dispomos das fitas magnéticas com seus dados, ficando nossa análise limitada até o ano de 1990. Em que pese o superdimensionamento acima citado, a análise 1981/90 é válida para mostrar as alterações relativas nas ocupações rurais.

Feitas estas ressalvas, podemos observar que nos anos 80, a tendência de despovoamento da década continua, como mostram os dados da Tabela 1. Quase 450 mil pessoas economicamente ativas deixaram o meio rural paranaense, enquanto que o meio urbano absorveu mais de 1 milhão de pessoas entre 1981/93.

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AS MUDANÇAS NAS ATIVIDADES

Ao analisar os ramos de atividades da PEA paranaense, podemos observar uma clara alteração na sua composição relativa. O setor agrícola, quer seja das pessoas com domicílio rural ou com domicílio urbano, continuou decrescendo ao longo das década de 80, com exceção do and do Plano Cruzado (Tabela 2). Podemos observar que a PEA com atividade agrícola decresceu em média a uma taxa aproximada de 1% a.a. segundo os dados das PNAD's (90/81). Em compensação, outros setores como Indústria de Transformação, Comércio, Serviços e Transporte/Comunicação experimentaram um forte aumento entre a PEA com domicílio rural, atingindo a taxas de quase 11% a.a.. Aqui cabe uma ressalva de que esta taxa elevada pode ser parcialmente explicada pela baixa frequência nestes setores, portanto com baixos valores absolutos, fazendo assim que acréscimos pequenos em valores absolutos tenham taxas relativas elevadas. Em que pese esta observação, a evolução dos setores não-agrícolas no meio rural foi bem mais significativa do que as atividades propriamente agropecuárias.

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neste ramo de produção, o que pode ser explicado pelo baixo novas ocupações agrícolas.

Pode ser observado o crescimento relativo contínuo da renda média no Comércio e Social (ramo que inclui ensino público e particular, institutos de saúde e previdência, entidades associativas, etc). Neste caso, o visível acréscimo na renda média "per capita" que ocorreu ao longo dos anos 80, deve ter servido de atrativo de trabalhadores para estes ramos da economia.

¹ - rendas médias corrigidas pelo INPC restrito. ² - inclui trabalhadores em Transporte e Comunicação.

Ainda na Tabela 3 o ramo de Serviços no Paraná é exceção já que a renda média deste ramo sempre foi relativamente menor que a renda média agrícola, mas mesmo assim houve uma duplicação de Pessoas Ocupadas no ramo de Serviços, talvez mais pela falta de emprego agrícolas do que pelo atrativo de renda.

Do ponto de vista da Posição na Ocupação, os dados da Tabela 4 apontam para uma leve redução na mão-de-obra Não

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Remunerada e um pequeno acréscimo relativo na mão-de-obra Empregada (com pico em 86). Quando consideramos os vários ramos de ocupações (Tabela 5) é fácil perceber que as posições que tiveram uma redução no setor agrícola foram as que mais cresceram em outro setores. Os Não Remunerados são um exemplo do deslocamento da mão-de-obra agrícola para os ramos de Serviço ou Comércio.

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Ao tornarmos as ocupações dos empregadores, que são um bom reflexo das demais posições nas ocupações, houve uma sensivel redução dos empregadores envolvidos com ocupações agrícolas, que caiu de 81% para 57% dos empregadores (Tabela 6). Ao contrário, houve um acréscimo relativo dos empregadores se dedicando às Industrias de Transformações, Construção Civil, Comércio e Transporte. Os dados são muito claros no sentido de explicitar o redirecionamento dos esforços do patronato rural paranaense para setores não propriamente agrícolas.

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Ao tomarmos a porção da PEA com domicílio rural que ainda continua envolvida com o Ramo Agrícola (Tab. 7), podemos observar uma redução absoluta da m.o. ligada as culturas tradicionais do Paraná, como Milho, Café e Soja, e por outro lado, um aumento na mão-de-obra ligada a pecuária e em menor escala ao Algodão (ligada a boa fase económica da cultura naquela década). O avanço da atividade pecuária é preocupante pela baixo potencial de geração de emprego desta atividade, referendando assim a hipótese de que as pessoas migraram para ramos não agrícolas a procura de emprego.

Quanto as Ocupações observamos uma forte redução dos trabalhadores não especializados (diversos) a uma taxa média de 2,2% a.a., e já é possível vislumbrar a ascensão da ocupações especializadas como a dos "tratoristas" (Tabela 8). Esta observação vem referendar a hipótese da alteração qualitativa da mão-de-obra rural, no sentido da ascensão de trabalhos mais especializados e com mão-de-obra mais especializada.

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Ainda com relação ao Ramo Agrícola, mas comDomicílio Urbano, esta porção da PEA também experimentou uma sensívelalteração no seu quadro de atividades (Tabela 9). Mais uma vez as culturastradicionais (milho e soja, à exceção do café) perdem espaço principalmentepara pecuária, e em menor escala, para a cana-de-açúcar e horticultura.

Tabela 9: evolução das atividades da PEA com Domicílio Urbano,Ramo Agrícola, Paraná

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No que toca as ocupações da PEA agrícola com domicílio urbano, também há uma forte redução da m.o. não especializada, a uma taxa média de 2% a.a. (Tabela 10). Esse é um indicador fundamental para mostrar a redução relativa da m.o. volante não-qualificada no Paraná.

Ao agregarmos todas as Atrvidades não agrícolas da PEA com domicílio rural, ordenando decrescentemente (Tabela 11), podemos observar que o Serviço Domiciliar Remunerado, Ind. da Construção Civil, Ensino Público, Comércio de Gêneros Alimentícios, Ind. Madeira, Ind. Produtos Alimentícios, Transporte Rodoviário de Cargas e os Serviços de Alimentação, são as atrvidades que mais absorvem mão-de-obra no meio rural não-agrícola paranaense.

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Ao agregarmos da mesma forma as Ocupações não-

agrícolas (Tabela 12), observamos que as ocupações que mais absorvem mão-de-obra são em ordem decrescente: Empregados Domésticos, Professores de Primeiro Grau, Motoristas, Vendedores, Serventes, Comerciantes Autónomos e Trabalhadores braçais. É impressionante que muitos cresçam a taxas médias de quase 10% a.a.

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Em que pese o "superdimensionamento" da população rural, já comentado anteriormente, a análise mostra que as posições relativas das ocupações se alteraram, ficando nítido um avanço das ocupações tipicamente urbanas no meio rural paranaense. E também digno de nota, uma maior especialização inerentes à estas profissões não-agrícolas, bem diferente das agrícolas (trab. agric. diversos por exemplo). Como já mencionamos, estas transformações na composição da m.o. rural são concomitantes em outros mercados, como o de terras que apresentaremos alguns dados adiante.

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AS MUDANÇAS NO MERCADO DE TERRAS: O CASO DOS ARRENDAMENTOS NA PERCEPÇÃO DOS TÉCNICOS

Com o intuito de aprofundar nas informações qualitativas sobre o arrendamento, e ter um quadro atual de sua tendência, elaboramos uma amostragem direcionada, com um roteiro de questões para técnicos ligados à extensão rural (Cooperativas ou EMATER). O roteiro foi utilizado com 26 extensionistas distribuídos em 3 (três) regiões do estado, onde os dados secundários regionalizados já indicavam índices elevados de exteraalização das operações agrícolas: Londrina, Maringá e Palotína/Campo Mourão (Tabela 13).

É consenso entre os entrevistados da presença majoritária dos proprietários "puros" (Tabela 14) que representam 3/4 dos estabelecimentos, segundo a percepção dos técriicos. A combinação de proprietários/arrendatários chegou a média de 13,7%, com valores maiores na região de Maringá, principalmente com a cultura do milho "safrinha" como veiemos adiante. Os arrendatários '"puros" perfazem quase 10% em média das percepções dos técnicos.

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Como já foi enfatizado anteriormente, hoje é muito difícil traçar uma tipologia dos produtores rurais, dadas as transformações rurais em andamento. Sob esta ótica GRAZIANO DA SILVA (1995) distingue três grandes grupos majoritários no Brasil: os grandes proprietários e capitalistas agrários (exercem a função de administração e se guiam pela taxa de lucro médio da economia), as empresas familiares (contratam assalariados permanentes mas ainda se envolvem diretamente no processo produtivo; é o "farmer caboclo"), e ainda em número significativo, os produtores camponeses em pequenas áreas e com uma mínima mobilidade de capital (não possuem usos alternativos para seus equipamentos e de acesso à outros mercados). Na tentativa de qualificar (tipificar) melhor as respostas dos técnicos, estabeleceu-se uma tipologia muito semelhante a de GRAZIANO DA SELVA, composta de produtores simples (camponeses), empresas familiares e empresários rurais (capitalistas agrários), que apresentada aos técnicos resultou na Tab. 15.

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Segundo a percepção da maioria dos técnicos, os

camponeses são os que mais estão cedendo suas terras ao arrendamento, principalmente para as empresas familiares. Isto pode ser explicado pelo grau de tecnificação que atingiram as empresas familiares, que com capacidade de máquinas ociosa (vindo da década passada), tem procurado também o arrendamento para aumentar a sua escala de produção. Cabe ressalvar uma característica desta amostragem qualitativa, que dada a subjetividade das avaliações, creio que muitos técnicos confundiram e equipararam Empresas Familiares com Empresários Rurais Tecnificados, mas mesmo assim os dados da tabela são úteis para vislumbrar a posição dos pequenos camponeses.

As áreas arrendadas tem tido uma participação relativamente estável nos últimos 5 anos (Tabela 16). O uso principal das áreas arrendadas tem sido com soja, algodão ou milho "safrinha" (milho semeado na florada da primeira cultura ou depois da primeira colheita), todas atividades tecnificadas (Tabela 17), reforçando a hipótese da capacidade ociosa dos produtores tecnificados., A concentração de arrendamentos com milho "safrinha" pode ser explicada pela tentativa de uso intenso da área arrendada, mesmo sendo uma cultura de risco (geadas) e de baixo rendimento físico (clima e sem adubação).

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Em todas as regiões a capacidade ociosa das máquinas foi a resposta predominante dos técnicos para explicar o arrendamento de terras. Alguns técnicos também apontaram a capacidade excedente de mão-de-obra como fator que leva ao arrendamento, o que provavelmente está ligado à primeira opção de que a capacidade de máquinas tem gerado um excedente relativo de mão-de-obra. Também é interessante observar que todos os entrevistados apontaram a tentativa de expansão da renda do estabelecimento como o motivo que leva o produtor a buscar o arrendamento de terras.

Por fim, mesmo sendo o arrendamento importante para os produtores tecnificados, a forma predominante de expansão da área cultivada para estes produtores continua sendo a "compra de terras". Já os

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camponeses por sua vez, quando conseguem expandir a sua área cultivada, tem trilhado a via do arrendamento em substituição a antiga parceria.

A prática de compra de terras como principal alternativa de expansão da área cultivada no Paraná, pode ser explicada pela baixa oscilação dos preços da terra, e mesmo de sua ligeira queda em valores reais em relação a 1982. Este fato nos leva a deixar em aberto uma hipótese, que não foi possível de checar nesta amostragem, se o arrendamento seria um primeiro passo para acesso à nova área, para posterior compra pelo arrendatário, incorporando-a ao seu patrimônio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados das PNAD's são muito claros ao apontarem para uma redução da mão-de-obra envolvida diretamente com trabalhos1 agrícolas. Apesar dos dados da população rural estarem "superestimados" pela PNAD/90, a comparação relativa entre as ocupações evidencia que os outros ramos não-agrícolas, como comércio e serviços, tem ampliado significativamente sua presença no meio rural paranaense. Com a ascensão destes novos ramos, ocupações que antes eram tipicamente urbanas, passam a serem comuns no meio rural paranaense.

Os motivos para esta mudança na composição da mão-de-obra com domicílio rural são variados, mas pode se vislumbrar alguns deles como a baixa geração e manutenção de ocupações tipicamente agrícolas, e pela remuneração mais elevada dos ramos emergentes.

Quanto ao mercado de terras, os técnicos apontam para uma significativa presença dos arrendamentos no Paraná, substituindo o antigo sistema de parcerias. É aí que vem o lado perverso das transformações em curso, uma vez que tem sido os camponeses o grupo identificado como os que mais cedem suas áreas para arrendamento, afastando-se da produção direta.

Não conseguindo alcançar o padrão tecnológico dominante, os camponeses tem visto suas possibilidades de expansão da sua produção limitada. Por outro lado, a saída das parcerias ou empregos agrícolas está se tornando limitada paia absorver todo o volume de m.o. camponesa disponível, restando a muitos a procura de empregos urbanos ou ocupações não-agrícolas no meio rural, como por exemplo os motoristas, tratoristas e empregados domésticos. Porém se estas opções

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não estiverem disponíveis e suficientes para a sua reprodução, a saída muitas vezes tem sido ceder suas áreas em arrendamento, garantindo uma renda mínima à sua família.

Na outra ponta do processo, estão os que tem conseguido acompanhar a evolução do padrão tecnológico na agricultura, tem crescentemente a sua disposição mão-de-obra mais qualificada e serviços especializados disponíveis, tanto agrícolas como não-agrícolas, apontando assim para uma Urbanização" do meio rural.

BIBLIOGRAFIA CITADA

ARNALTE, E.; AVELLÁ; ROCA,A. Mercado de Ia Tierra y dinâmica de Ia estructura agraria em los países de Ia CEE. Agicultura y Sociedad, N-41 (Out/Dez, 1986).

BAPTISTA, F. Famílias e Explorações Agrícolas. Lisboa, 1994. (mimeo)

BLAKELY,E. e BRADSHAW,T. América rural: um novo contexto. Agricultura y Sociedad, N° 36-37 (Julho/Dez-85).

GRAZIANO DA SILVA, J. Resisitir, resistir, resistir: considerações acerca do futuro do campesinato no Brasil. Anais da SOBER, 1995. (Pg 762-777)

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