decisão - palma bisson (verdadeiro poema)

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Voto de marceneiro para o flho do marceneiro O desembargador Palma Bisson é flho de marceneiro. Em seu gabinete, na 36ª Câmara de Direito Priado do !ribunal de "usti#a de $%o Paulo, ele dei&a ' uma (laina, )erramenta utili*ada (ara nielar (e#as de madeira. Em ac+rd%o de aneiro de /006, (ublicado nesta semana (elo boletim da 1ssoci 1dogados de $%o Paulo, as liga#2es (rofssionais do desembargador se reela ele, o desembargador concede o bene)4cio da "usti#a gratuita a um também de marceneiro. O oto de Bisson mudou decis%o de ui* de 5ar4lia $P7 8ue hai gratuidade da "usti#a (ara o flho do marceneiro. Por isso, o ra(a* entrou c recurso em 1grao de 9nstrumento. Ele a(resentou uma a#%o de indeni*a#%o co o motociclista 8ue atro(elou o (ai, (edindo (ens%o de um sal:rio m4nimo mai danos morais decorrentes da morte. O desembargador comenta; <=oi atro(elado [o pai > na olta a do trabalho, o 8ue, nesses dias em 8ue 8ual8 motori*ado, : é sinal de (obre*a bastante. <?ue sorte a sua menino@, escreeu Bisson em seu oto, <de(ois do a*ar de ( o (ai e ter sido itimado (or um flho de cora#%o duro A ou sem ele A, com o inde)erimento da gratuidade 8ue oc (erseguia. m dedo de sorte erdade, mas de sorte rara, 8ue a loteria do distribuidor, (erersa (or nat costuma (ro(orcionar@. 1 gratuidade das custas )oi (edida com base na ei .060, de - ustifcatia (ara negar o bene)4cio, o ui* disse 8ue o ra(a* n%o teria a( (roa de (obre*a e 8ue, no (rocesso, ele era re(resentado (or um adogado (articular. <1 circunstância de estara (arte(obre contandocom de)ensor (articular, longe de constituir um sinal de ri8ue*a ca(a* de abalar os de e (obre*a, antes reela um gesto de (ure*a do caus4dico. Onde est: escrito 8u (obre 8ue se (re*a dee (rocurar somente os adogados dos (obres (ara de)en lo@, indaga Bisson, 8ue di* otar <como marceneiro@. Para o desembargador, a (ens%o (edida (elo autor da a#%o atesta sua (obre*a <Claro como a lu*, igualmente, é o )ato de 8ue oc , menino, no (edir (ens a(enas um sal:rio m4nimo, (ede n%o mais 8ue (ara comer@, obsera. Bisson )a também sobre seu (r+(rio (assado; <!antas, deeras, )oram as causas (obres (atrocinei 8uando adogaa, em troca 8uase sem(re de nada, ou, em certa )ei como me lembro com a boca cheia dG:gua, de um (rato de alas balas de coco, erba honor:ria em ri8ue*a amais su(erada (elo lHdico e ines8uec4el (ra*e me (ro(orcionou@. Leia abaixo o acórdão: !I9B 1 DE " $!9J1 DO E$!1DO DE $1O P1 O K $EJLO DE D9IE9!O PI9M1DO 36ª Câmara 1NI1MO DE 9 $!I 5E !O o. 00 /F 00 Comarca de 51I9 91 /.M.CQME Processo / / 0 1NM!E 9$191$ N9 BEI!O IODI9N E$ N1IC91 IEPIE$ P $ 5LE E 9$1 NE 1 1 DIE91 IODI9N E$ interessado7BE E=9C DE; 9nteres. ERE? 9E 1 N $!O N1IC91 1NMDO IODI9NO D1 $9 M1 5E$$91$ LO C9!1DO7 1 C S I D L O Mistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma ulgadora da $e#%o de Direito Priado do !ribunal de "usti#a, de con)ormid

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Decisão - Palma Bisson (Verdadeiro Poema)

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Voto de marceneiro para o filho do marceneiroO desembargador Palma Bisson filho de marceneiro. Em seu gabinete, na 36 Cmara de Direito Privado do Tribunal de Justia de So Paulo, ele deixa mostra uma plaina, ferramenta utilizada para nivelar peas de madeira. Em acrdo de 19 de janeiro de 2006, publicado nesta semana pelo boletim da Associao dos Advogados de So Paulo, as ligaes profissionais do desembargador se revelam. Nele, o desembargador concede o benefcio da Justia gratuita a um tambm filho de marceneiro.O voto de Bisson mudou deciso de juiz de Marlia (SP) que havia negado a gratuidade da Justia para o filho do marceneiro. Por isso, o rapaz entrou com o recurso em Agravo de Instrumento. Ele apresentou uma ao de indenizao contra o motociclista que atropelou o pai, pedindo penso de um salrio mnimo mais danos morais decorrentes da morte. O desembargador comenta: Foi atropelado[o pai] na volta a p do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um motorizado, j sinal de pobreza bastante.Que sorte a sua menino, escreveu Bisson em seu voto, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de corao duro ou sem ele , com o indeferimento da gratuidade que voc perseguia. Um dedo de sorte apenas, verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, no costuma proporcionar.A gratuidade das custas foi pedida com base na Lei 1.060, de 1950. Como justificativa para negar o benefcio, o juiz disse que o rapaz no teria apresentado prova de pobreza e que, no processo, ele era representado por um advogado particular. A circunstncia de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto de pureza do causdico. Onde est escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defend-lo, indaga Bisson, que diz votar como marceneiro.Para o desembargador, a penso pedida pelo autor da ao atesta sua pobreza. Claro como a luz, igualmente, o fato de que voc, menino, no pedir penso de apenas um salrio mnimo, pede no mais que para comer, observa. Bisson fala tambm sobre seu prprio passado: Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia dgua, de um prato de alvas balas de coco, verba honorria em riqueza jamais superada pelo ldico e inesquecvel prazer que me proporcionou.Leia abaixo o acrdo:TRIBUNAL DE JUSTIA DO ESTADO DE SAO PAULO SEO DE DIREITO PRIVADO36 CmaraAGRAVO DE INSTRUMENTO No.1001412- 0/0Comarca de MARILIA 2.V.CVELProcesso 25124/05AGVTE ISAIAS GILBERTO RODRIGUES GARCIAREPRES P/S/ME ELISANGELA ANDREIA RODRIGUESinteressado) BENEFIC DE: Interes. EZEQUIEL AUGUSTO GARCIAAGVDO RODRIGO DA SILVA MESSIAS (NO CITADO)A C R D OVistos, relatados e discutidos estes autos, os desembargadores desta turma julgadora da Seo de Direito Privado do Tribunal de Justia, de conformidade com o relatrio e o voto do relator, que ficam fazendo parte integrante deste julgado, nesta data, deram provimento ao recurso, por votao unnime.Turma Julgadora da 36* CmaraRELATOR : DES. PALMA BISSON2 JUIZ : DES. JAYME QUEIROZ LOPES3 o JUIZ : DES. ARANTES THEODOROJuiz Presidente : DES. JAYME QUEIROZ LOPESData do julgamento: 19/01/06DES. PALMA BISSONRelatorPODER JUDICIRIOTRIBUNAL DE JUSTIA SEO DE DIREITO PRIVADOAGRAVO DE INSTRUMENTO N 1.001.412-0/0COMARCA MARLIAAGRAVANTE ISAAS GILBERTO RODRIGUES GARCIA (REPRESENTADO POR SUA ME: ELISANGELA ANDREA RODRIGUES)AGRAVADO RODRIGO DA SILVA MESSIAS (NO CITADO)V O T O N 5902Ementa: Agravo de instrumento acidente de veculo ao de indenizao deciso que nega os benefcios de gratuidade ao autor, por no ter provado que menino pobre e por no ter peticionado por intermdio de advogado integrante do convnio OAB/PGE inconformismo do demandante faz jus aos benefcios da gratuidade de Justia menino filho de marceneiro morto depois de atropelado na volta a p do trabalho e que habitava castelo s de nome na periferia, sinais de evidente pobreza reforados pelo fato de estar pedindo aquele ua penso de comer, de apenas um salrio mnimo, assim demonstrando, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, que o que nela tem de sobra a fome no saciada dos pobres a circunstncia de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto de pureza do causdico; ademais, onde est escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defend-lo ? Qui no livro grosso dos preconceitos recurso provido.O menor impbere Isaias Gilberto Rodrigues Garcia, filho de marceneiro que morreu depois de ser atropelado por uma motocicleta na volta a p do trabalho, fez-se representado pela me solteira e desempregada e por advogado que esta escolheu, para requerer em juzo, contra Rodrigo da Silva Messias, o autor do atropelamento fatal, penso de um salrio mnimo mais indenizao do dano moral que sofreu (fls. 13/19).Pediu gratuidade para demandar, mas esta lhe foi negada por no ter provado que menino pobre e por no ter peticionado por intermdio de advogado integrante do convnio OAB/PGE (fls. 20) .Inconforma-se com isso, tirando o presente agravo de instrumento e dizendo que bastava, para ter sido havido como pobre, declarar-se tal; argumenta, ainda, que a sua pobreza avulta a partir da pequeneza da penso pedida e da circunstncia de habitar conjunto habitacional de periferia, quase uma favela.De plano antecipei-lhe a pretenso recursal (fls. 31 e V o ) , nem tomando o cuidado, ora vejo, de fundamentar a antecipao.A Procuradoria Geral de Justia opinou pelo provimento do recurso (fls. 34/37). o relatrio.Que sorte a sua, menino, depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de corao duro ou sem ele -, com o indeferimento da gratuidade que voc perseguia.Um dedo de sorte apenas, verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, no costuma proporcionar.Fez caber a mim, com efeito, filho de marceneiro como voc, a misso de reavaliar a sua fortuna.Aquela para mim maior, alis, pelo meu pai por Deus ainda vivente e trabalhador legada, olha-me agora. uma plaina manual feita por ele em pau- brasil, e que, aparentemente enfeitando o meu gabinete de trabalho, a rigor diuturnamente avisa quem sou, de onde vim e com que cuidado extremo, cuidado de arteso marceneiro, devo tratar as pessoas que me vm a julgamento disfarados de autos processuais, tantos so os que nestes vem apenas papel repetido. uma plaina que faz lembrar, sobretudo, meus caros dias de menino, em que trabalhei com meu pai e tantos outros marceneiros como ele, derretendo cola coqueiro que nem existe mais num velho fogo a gravetos que nunca faltavam na oficina de marcenaria em que cresci; fogo cheiroso da queima da madeira e do po com manteiga, ali tostado no paralelo da faina menina.Desde esses dias, que voc menino desafortunadamente no ter, eu hauri a certeza de que os marceneiros no so ricos no, de dinheiro ao menos.So os marceneiros nesta terra at hoje, menino saiba, como aquele Jos, pai do menino Deus, que at o julgador singular deveria saber quem .O seu pai, menino, desses marceneiros era.Foi atropelado na volta a p do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um motorizado, j sinal de pobreza bastante.E se tornava para descansar em casa posta no Conjunto Habitacional Monte Castelo, no castelo somente em nome habitava, sinal de pobreza exuberante.Claro como a luz, igualmente, o fato de que voc, menino, no pedir penso de apenas um salrio mnimo, pede no mais que para comer.Logo, para quem quer e consegue ver nas aplainadas entrelinhas da sua vida, o que voc nela tem de sobra, menino, a fome no saciada dos pobres.Por conseguinte um deles , e no deixa de s-lo, saiba mais uma vez, nem por estar contando com defensor particular.O ser filho de marceneiro me ensinou inclusive a no ver nesse detalhe um sinal de riqueza do cliente; antes e ao revs a nele divisar um gesto de pureza do causdico.Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia dgua, de um prato de alvas balas de coco, verba honorria em riqueza jamais superada pelo ldico e inesquecvel prazer que me proporcionou.Ademais, onde est escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defend-lo ?Qui no livro grosso dos preconceitosEnfim, menino, tudo isso para dizer que voc merece sim a gratuidade, em razo da pobreza que, no seu caso, grita a plenos pulmes para quem quer e consegue ouvir.Fica este seu agravo de instrumento ento provido; mantida fica, agora com ares de definitiva, a antecipao da tutela recursal. como marceneiro voto.PALMA BISSONRelator Sorteado