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DE HISTÓRIAS DE MEDICAMENTOS, REAÇÕES ADVERSAS E VIGILÂNCIA SANITÁRIA À FARMACOVIGILÂNCIA: O PIONEIRISMO DO CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO Parte I RICARDO FERNANDES DE MENEZES * * Médico com especialização em Saúde Pública e Administração de Serviços de Saúde - Hospitalar (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo), Bioética (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e Vigilância Sanitária (Universidade de Taubaté em cooperação com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – Centro de Vigilância Sanitária). BOLETIM SOBRAVIME nº 44/45 - 2005

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DE HISTÓRIAS DE MEDICAMENTOS, REAÇÕES ADVERSAS E VIGILÂNCIA SANITÁRIA À FARMACOVIGILÂNCIA: O PIONEIRISMO DO CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – Parte I

RICARDO FERNANDES DE MENEZES *

* Médico com especialização em Saúde Pública e Administração de Serviços de Saúde - Hospitalar (Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo), Bioética (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo) e Vigilância Sanitária (Universidade de Taubaté em cooperação com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo – Centro de Vigilância Sanitária).

BOLETIM SOBRAVIME nº 44/45 - 2005

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DE HISTÓRIAS DE MEDICAMENTOS, REAÇÕES ADVERSAS E VIGILÂNCIA SANITÁRIA À FARMACOVIGILÂNCIA: O PIONEIRISMO DO CENTRO DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA DO ESTADO DE SÃO PAULO – Parte I

Ricardo Fernandes de Menezes I. INTRODUÇÃO

No dia 15 de outubro de 1986, com a edição do Decreto n.º 26.048 (São Paulo, 1986), foi criado o Centro de Vigilância Sanitária (CVS). Órgão inserido no plano central da estrutura organizacional da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, no ato administrativo que o instituiu, destacam-se como seus objetivos maiores planejar, coordenar, supervisionar, realizar estudos e propor normas e programas de Vigilância Sanitária referentes à prestação de serviços de saúde, às etapas da cadeia produtiva até o consumo dos produtos relacionados à saúde e às ações sobre o meio ambiente (Menezes e Silva, 2005). Três meses e meio após sua criação a direção do órgão editou a Portaria CVS-2, de 30-1-1987 (São Paulo, 1987), que Cria Grupo de Trabalho para Elaboração das Ações de Saúde do Trabalhador e, na seqüência, incorporou-se à prática do CVS também o desenvolvimento de ações sobre ambientes e processos de trabalho. O desenho organizacional do órgão completou-se em 1991, com a definitiva formalização do locus administrativo relativo à vigilância sanitária do trabalho, objeto do Decreto n.º 32.896, de 31-01-91 (São Paulo, 1991).

Estruturando-se em instituição que, desde a regulamentação do Serviço Sanitário do Estado, pela Lei n.º 43, de 18-7-1892 (São Paulo, 1892), de modo crescente, foi propiciando a organização do arcabouço administrativo e a concepção de processos tecnológicos relacionados à proteção da saúde, a partir de 1987 o CVS projetou no seu âmbito de atuação, em articulação com as outras instâncias técnico-administrativas componentes do Sistema Estadual de Saúde, o desenvolvimento de atividades de controle de riscos à saúde direcionadas aos estabelecimentos de assistência e de interesse da saúde, aos produtos relacionados à saúde, às ações sobre o meio ambiente e às ações sobre os ambientes e processos de trabalho (Menezes e Silva, 2005). A inserção - e o florescimento - do CVS no seio de uma instituição longeva e complexa - a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo -, na qual passou a conferir unidade à secular práxis da Administração Pública Estadual de intervir nos campos de atuação em vigilância sanitária de serviços de saúde, de produtos relacionados à saúde, do meio ambiente e de ambientes de trabalho, talvez ajude a compreender as iniciativas pioneiras desse órgão em relação às múltiplas faces dos problemas sanitários com os quais nos defrontávamos, nos defrontamos e, ainda, continuaremos a nos defrontar. Ao dispor concisamente sobre o Centro de Vigilância Sanitária, o decreto de sua criação estabeleceu as atribuições do órgão referentes aos estabelecimentos envolvidos com toda a cadeia dos produtos relacionados à saúde e - atentem - a seus efeitos na saúde individual e coletiva. Desse modo, estava posto como objeto de trabalho do órgão coordenador do Sistema Estadual de Vigilância Sanitária (São Paulo, 2000), a farmacovigilância ou, para utilizar-se de expressão sinônima corrente nos anos 1980, a vigilância farmacológica. E como, afinal, procurou-se dar respostas ao desafio de instituir Programa de Farmacovigilância no Estado de São Paulo, dado que, na criação do CVS (e por muitos anos posteriores a essa data), não se contava com Sistema Nacional (e tampouco estadual) de Farmacovigilância? As considerações que conduzem a essa indagação foram recortadas historicamente tendo presente três ordens de fatores:

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a) segundo diversos autores, a procura e o uso da terapêutica medicamentosa foi constante no transcorrer da evolução humana, o que nos remeteria ao período paleolítico1, portanto, essa procura confunde-se com a própria história dos medicamentos. Daí porque relatos contextualizados sobre medicamentos constituem-se em manifestações de uma das características de períodos históricos, de regiões do mundo, de civilizações, de escolas filosóficas e ou científicas e outros;

b) achados arqueológicos e obras de natureza diversas escritas desde a

Antiguidade Clássica, dão conta de que, ao lado da constância da procura de novos agentes de terapêutica, as descrições de efeitos benéficos e nocivos dos medicamentos, na pior das hipóteses, já eram conhecidos quando surgiram as obras de Homero, a Ilíada e a Odisséia, em torno dos séculos IX a VIII-VII a.C., segundo a maioria dos autores (Tsuruda, 2004). No entanto, é verossímil presumir que também os efeitos nocivos dos medicamentos fossem conhecidos por civilizações mais remotas como, por exemplo, as da Mesopotâmia, a do antigo Egito, a ayuvérdica e a chinesa, e

c) as ações de Estado, que no Brasil são denominadas com propriedade de ações de vigilância sanitária, desenvolveram-se, desde tempos remotos, em relação à manipulação e prescrição de medicamentos, aos profissionais que procediam ao seu fabrico e à sua prescrição e, por fim, aos estabelecimentos de fabricação e de venda de drogas e medicamentos. Ou seja, a busca consciente de novos medicamentos, a identificação de seus efeitos nocivos e as ações de Estado que intentavam conferir-lhes segurança e eficácia, abordados de um ângulo histórico, ensejaram, com lentidão inadmissível para o avanço da luta pela preservação da saúde e a defesa da vida das pessoas como direito social, o início do desenvolvimento do campo de ações e atividades hoje nominado de farmacovigilância e a - não menos tardia - incorporação desse campo de saber à atuação dos órgãos de regulação mais importantes do mundo, inclusive os do Brasil. Enfatize-se que dado às características do processo de conformação e crescimento socioeconômico do país a partir das últimas décadas do século XIX, bem como a singularidade de sua ocorrência no Estado de São Paulo, e a expressão desse processo na determinação das bases da cultura sanitária brasileira com sua posterior evolução e aprofundamento traduzidos pela inscrição do Sistema Único de Saúde (SUS) na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e sua regulamentação através da Lei Orgânica da Saúde - Lei n.º 8.080, de 19-9-90 (Brasil, 1990) -, nos legou certa pluralidade institucional no que tange à fiscalização e ao controle dos medicamentos: lidamos, no país, com órgãos de vigilância sanitária ou órgãos de regulação sanitária ou, mais apropriadamente, órgãos componentes do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (planos federal, estadual/Distrito Federal e municipal), exceção feita àquelas atividades que são de competência privativa da Administração Pública Federal diante de sua repercussão sanitária nacional e internacional.

Assim, a análise do desafio que o CVS chamou para si nos anos 1980, ainda nos

primórdios do órgão, em relação à criação de condições para o estabelecimento do Programa de Farmacovigilância no Estado de São Paulo, conforme se mencionou, vinculava-se diretamente com a pujança da instituição de saúde que o acolhe, mas, frise-se, passou a decorrer também da paulatina concretização do papel e abrangência da Vigilância Sanitária definidos na Lei n.º 8.080/90 que organiza o Sistema Único de Saúde. No dizer do seu Art. 6.º, § 1.º:

1 Paleolítico (pedra antiga): Também conhecido como Idade da Pedra Lascada ou período da selvageria, é um período pré-histórico correspondente ao intervalo entre a primeira utilização de utensílios de pedra pelo homem (cerca de 2 milhões de anos atrás) até ao início do Neolítico (cerca de 10 mil a.C.). Este grande período histórico subdivide-se em Paleolítico Inferior (até há 300 mil anos atrás) e Paleolítico Superior (até 10 mil a.C.). (Na Europa e em locais onde houve glaciações, entre o Paleolítico e o Neolítico intercala-se o chamado Mesolítico). Há certa discordância entre estudiosos quanto a essa divisão, sendo que alguns intercalam um Paleolítico Médio entre o Inferior e o Superior. O termo Paleolítico foi empregado pela primeira vez pelo historiador John Lubbock. Antes do Paleolítico houve um período pré-histórico que alguns historiadores chamam de Eolítico. WIKIPÉDIA, a Enciclopédia Livre, in: Paleolítico. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Paleol%C3%Adtico.

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“§ 1.º. Entende-se por Vigilância Sanitária um conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I. o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendendo todas as etapas e processos da produção ao consumo; e II. o consumo da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde.”

Ressalte-se que essa mesma lei define sabiamente o que se entende por Vigilância Epidemiológica (Art. 6.º, § 2.º), porém é na definição do que se entende por Saúde do Trabalhador (Art. 6.º, § 3.º) que se revela o Sistema Público de Saúde, o SUS, que se quer construir e consolidar, ou seja, um Sistema de Saúde generoso que se debruce sobre a promoção, a proteção, a recuperação e a reabilitação da saúde. Atentem para o caput do citado Art. 6.º, § 3.º dessa lei:

“§ 3.º. Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa a recuperação e a reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:”[...]

Ou seja, através das ações de vigilância epidemiológica e de vigilância sanitária, busca-se garantir a promoção e a proteção da saúde da população, o que poder-se-ia denominar ampliadamente de vigilância em saúde: esse é o espírito da Lei 8.080/90. Esse espírito foi incorporado - na forma de atribuições e competências, de explicitação conceitual do significado da expressão vigilância em saúde no sentido conscientemente apontado no aludido Art. 6.º, § 3.º da Lei 8.080/90 e, ainda, de ratificação do compromisso solidário do Poder Público e da sociedade na proteção e defesa da qualidade de vida - no ato administrativo e diplomas legais seguintes:

• Portaria MS/GM n.º 1.565, de 26-8-94, que Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e sua Abrangência, Esclarece a Competência das Três Esferas de Governo e Estabelece as Bases para a Descentralização da Execução de Serviços e Ações de Vigilância em Saúde no Âmbito do Sistema Único de Saúde (Brasil, 1994);

• Lei Complementar n.º 791, de 9-3-95, que Estabelece o Código de Saúde no Estado [Art. 56, § 1º a 6º] (São Paulo, 1995), e

• Lei n.º 10.083, de 23-9-98, que Dispõe sobre o Código Sanitário do Estado [Art. 62, § único] (São Paulo, 1998).

A esse respeito, Gastão Wagner de Souza Campos, em Vigilância Sanitária: Responsabilidade Pública na Proteção e Promoção da Saúde (2001) assim inicia esse trabalho:

“A Lei que organiza o Sistema Único de Saúde (n.º 8.080/90) define o papel e a abrangência da Vigilância à Saúde: ‘Entende-se por Vigilância Sanitária um conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo: I- o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendendo todas as etapas e processos da produção ao consumo; e II- o consumo da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde. Percebe-se, nesta lei, a nítida intenção de transformar a Vigilância Sanitária em um instrumento de defesa da vida das pessoas. Trata-se de regulamentar um setor capaz de ‘eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde’. Dentro desta perspectiva o Brasil

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avançou: de acordo com o espírito da lei, antes do interesse econômico, viria a defesa da saúde coletiva. O desafio seguinte é fazer materializar o espírito da lei: como transformar a norma legal em princípio condutor da vida em sociedade? Como limitar danos à saúde advindos do setor produtivo? Como assegurar uma vida saudável em um planeta saudável? Como organizar uma instituição (a vigilância sanitária) com capacidade técnica, legal e política para lograr este intento? A Vigilância Sanitária tem múltiplas dimensões, e sua ação eficaz depende de projetos que assegurem seu desenvolvimento nestas várias dimensões. Assim, a Vigilância é uma organização, e, neste sentido, faz parte do SUS - uma rede de pessoas, equipamentos, recursos -, com autoridade legal para intervir sobre ambientes e sobre o setor produtivo, sendo, de fato, a principal responsável por transformar em prática social o Art. 6.º, § 1.º da Lei 8.080/90, acima descrito. A Vigilância Sanitária é também um conjunto de conhecimentos (uma parte da Saúde Coletiva) sobre a produção de saúde e de doenças. É também um conjunto de regras (procedimentos técnicos) consideradas potentes para assegurar saúde às pessoas; uma organização com poder legal, e um campo de conhecimento especializado, ao mesmo tempo. A organização, a equipe de técnicos, a lei, o saber e o poder. Há que se cuidar de cada um destes aspectos. Tudo em relação com a sociedade, com a multiplicidade de interesses e de valores do nosso país.”

Em síntese: em 1986, quando se dispôs concisamente sobre o Centro de Vigilância

Sanitária (CVS) no decreto de sua criação, buscou-se inserir as atividades de farmacovigilância no contexto mais amplo da política de vigilância sanitária de medicamentos - uma das vertentes da política de medicamentos -, incorporando-as como objeto de trabalho do órgão cuja missão é constituir-se no elo central, no âmbito do Estado de São Paulo, dos órgãos executores de ações e serviços de Vigilância Sanitária - essa organização com poder legal, e um campo de conhecimento especializado, ao mesmo tempo, como diz Campos (2001). II. DE HISTÓRIAS

ANTECEDENTES E OS SÉCULOS XVI A XIX NO BRASIL

“A história não é um fluxo contínuo de eventos, e sim uma escolha descontínua, feita pelo homem, desses incidentes e processos que são ajustados a uma ordem lógica pela mente humana. A cronologia é, portanto, importante não como uma afirmação de continuidade ou desenvolvimento real, mas como uma indicação de como a mente humana agrupa, codifica e impõe um sentido a um conjunto de unidades constituintes tiradas da seqüência ininterrupta dos acontecimentos (Finley,1989)”.

José Pedro de Souza Dias, em A Farmácia e a História (2003), comenta que o emprego para fins curativos de plantas e de substâncias de origem animal data, de acordo com vários antropólogos, do Paleolítico ou Idade da Pedra Lascada, o primeiro dos três grandes períodos em que se subdivide a Idade da Pedra (Paleolítico, Mesolítico e Neolítico). Ao conjunto das crenças e práticas relacionadas com a saúde desses povos é dada a denominação de Medicina Primitiva, a qual se assentava, sob um enfoque terapêutico, em fortíssimo componente psicológico baseado em crenças e ritos mágicos, aliada ao emprego de plantas medicinais.

De acordo com esse autor, no Crescente Fértil - constituído pelo Egito, pela Mesopotâmia e pelo corredor sírio-palestinense, espaços dominados, respectivamente, pelo vale do Nilo, pela planície do Tigre e do Eufrates e pela faixa mediterrânica que os liga - adquiriram grande desenvolvimento a partir do 4.º milênio a.C. as primeiras sociedades com escrita e civilizações que são as mais importantes para a história da Farmácia ocidental (Figura 1). O Egito, unificado c. 3000 a.C., passou sucessivamente pelo Antigo Império (2850-2052 a.C.) com capital em Mênfis, pelo Médio Império (2052-1570 a.C.) com capital em Tebas e pelo Novo Império (1570-715 a.C.)

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com a capital, primeiro em Tebas e depois em Saís. A Mesopotâmia foi dominada pelos Sumérios (3000-1900 a.C.), pelos Babilônios (1900-1200 a.C.) e pelos Assírios (1200-612 a.C.). O corredor sírio-palestinense é a região onde se instalaram os fenícios e os hebreus.

As mais antigas fontes escritas médico-farmacêuticas são provenientes precisamente das civilizações da Mesopotâmia e do Egito. Na Mesopotâmia são constituídas por tabuinhas de argila gravadas com estilete em escrita cuneiforme. Essa técnica permitiu que estes documentos tivessem sobrevivido até à atualidade, como aconteceu com as bibliotecas de Hamurabi (c. 1700 a.C.) em Mari, e de Assurbanipal (c. 630 a.C.) em Ninive. O mais antigo documento farmacêutico conhecido é uma tabuinha suméria executada por volta do último quartel do terceiro milênio, contendo quinze receitas medicinais e descoberta em Nippur. Além deste formulário apenas se conhece mais uma pequena tábua com única receita do período sumério, mas em contrapartida são conhecidas centenas de tabuinhas médicas datadas do primeiro milênio (Souza Dias, 2003).

No Egito, além das inscrições

referentes à medicina existentes em vários monumentos, as fontes escritas são principalmente papiros - suporte constituído por fibras de papiro maceradas e aglutinadas até modelarem folhas compridas - que se conservavam enrolados e nos quais eram registrados escritos por meio de ponta de cana. O caráter seco das areias do deserto permitiu que estas fontes resistissem ao tempo. O papiro mais importante para a História da Farmácia é o Papiro de Ebers2, mas há outros com interesse farmacêutico. O Papiro de Ebers, de c. 1550 a.C., tem mais de 20 metros de comprimento e inclui referências a mais de 7.000 substâncias medicinais incluídas em mais de 800 fórmulas. Contrariamente ao que aconteceu nas fontes mesopotâmicas, as fórmulas egípcias, como

as contidas nesse papiro, são quantitativas. Esse papiro, em escrita hierática3, conserva-se atualmente na Universitats Bibliothek de Leipzig (Souza Dias, 2003).

Figura 1

A civilização ayuvérdica, que corresponderia à atual civilização hindu, porém

contemporânea à civilização do antigo Egito, não somente se preocupou com a ação dos seus remédios, mas, também, com a conservação e potência das drogas, delimitando o seu prazo de validade (Shuqair, 1996).

Na Grécia Antiga, em obras atribuídas ao seu mais antigo e respeitado poeta, Homero, na

Ilíada (Século IX a VIII-VII a.C.*4), enfatiza-se que excelentes drogas, quando misturadas, podem se tornar fatais (Castro e Bevilaqua, 2002). Já na Odisséia, Homero descreve a administração de

2 O Papiro de Ebers, recebeu essa denominação em homenagem a Georg Ebers (1837-1898) que primeiro o estudou em 1875. SOUZA DIAS, José, P., in: A Farmácia e a História. Gabinete de Estudos Históricos e Sociais da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. 2003. 3 Escrita Hierática: Diz-se da escrita cursiva que os antigos egípcios desenvolveram a partir da escrita hieroglífica, e que pouco a pouco perdeu o caráter pictórico de sua origem. (Escrita hieroglífica: Escrita analítica, de ordinário monumental, constituída de sinais figurativos, e cujo protótipo é a [escrita] egípcia primitiva). FERREIRA, Aurélio, B.H. in Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI, Versão 3.0, Novembro 1999. 4 * Ver referências bibliográficas em Tsuruda (2004). Nota da Autora: A datação exata da composição da Ilíada e da Odisséia é motivo de controvérsia entre os estudiosos da épica grega. Apenas para ilustrar as dificuldades, remetemos o leitor à obra de Sinclair Hood, A Pátria dos Heróis (ed. cit., pág. 138), para quem o início da composição pode ser localizado no século XIII a.C., e ao livro de Moses Finley, O Mundo de Ulisses (ed. cit., pág. 14), para quem é necessário localizar essa literatura entre os séculos VIII e VI a.C. Entre essas duas posições extremadas, podemos localizar muitos autores, para quem a composição poderia ser datada entre os séculos IX e VIII-VII a.C.

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um psicotrópico, a divinização do conhecimento médico e misturas de remédios, tanto benéficas, quanto nocivas (Dufour, 1978) (provavelmente meados do Século VIII a.C.), nos seguintes termos:

“Nesse momento Helena, filha de Zeus, concebeu novo plano. No vinho da cratera, donde bebiam, lançou de súbito uma droga (1), calmante da dor e do ressentimento, que fazia esquecer todos os [ males. Bastaria que alguém a tragasse para que, em todo dia, as lágrimas lhe não corressem pelas faces, nem mesmo que morressem sua mãe e seu pai, em sua presença, nem seu irmão e filho fossem mortos com bronze diante dos olhos. Tais as drogas (1) engenhosas e salutares que a filha de Zeus recebera, em dádiva, de Polidamna, mulher de Ton (2), nascida no Egito, país onde a terra, fértil em trigo, produz também remédios em abundância, com os quais se preparam misturas, [ umas benéficas, outras nocivas. Todos ali são médicos, os mais hábeis do mundo, porque todos descendem do sangue de Peon”.

[ Odisséia, 4.219-232 ]

(1). Lembrar que entre os gregos a palavra phármakon era usada no sentido de poção mágica, encantamento, remédio ou veneno. (2). “Ton” (em grego Thwn) corresponde, provavelmente, ao deus egípcio Thot (ou Thoth).

Tradicionalmente atribui-se a Hipócrates (460-370 a.C.) de Cós, vasta obra constituída por 53 livros, reunidos em Alexandria por Baccheio de Tanagra no século III a.C., vindo a constituir o Corpus Hippocraticum, somente em parte escrita por Hipócrates, sendo os livros restantes oriundos das escolas de Cnidos, Cós e Crotone, mais próximas dos seus ensinamentos (Souza Dias, 2003; Rosen, 1994). Embora os escritos hipocráticos se dediquem, em boa parte, à regulação da dieta para o alcance da saúde e reforcem o conceito de equilíbrio saúde/doença do filósofo Empédocles de Agrigento (c. 492-432 a.C.), neles encontramos listadas muitas drogas e citações dos riscos que poderiam causar (Shuqair, 1996).

No Império Romano, Pedanius Dioscórides (40-90 d.C.), médico grego, nascido em

Anazarbo (localizada na atual Turquia), considerado o fundador da Farmacognosia, na obra De Matéria Médica descreveu cerca de 600 plantas, 35 fármacos de origem animal e 90 de origem mineral, e desses somente cerca de 130 apareciam no Corpus Hippocraticum e 100 deles ainda são considerados como tendo atividade farmacológica. Dioscórides não seguiu nenhuma escola ou sistema médico do seu tempo, sendo sua obra essencialmente de caráter empírico, na qual ele procurou desenvolver um método para observar e classificar os fármacos, testando-os clinicamente (Souza Dias, 2003).

Claudius Galeno (129-200), grego nascido em Pérgamo (localizada na atual Turquia), um dos médicos que exerceu maior influência na história da medicina ocidental, partindo dos pressupostos hipocráticos fez avanços significantes nas concepções diagnóstico-terapêuticas tendo elas predominado durante nada menos que 14 séculos, isto é, por quase toda a Idade Média (Barros, 2002). Galeno criou um sistema de patologia e terapêutica de grande complexidade e coerência interna, escreveu muito sobre farmácia e medicamentos, encontrando-se nas suas obras cerca de quatro centenas e meia de referências a fármacos (Souza Dias, 2003), e empenhou-se para testar as drogas qualitativamente e quantitativamente preparando seus próprios medicamentos, pois acreditava que a eficácia desses também dependia da sua forma de preparação (Shuqair, 1996). Afora isso, chamava a atenção para os riscos da prescrição mal escrita e obscura (Rozenfeld, 1998; Castro e Bevilaqua, 2002), referia-se não só ao poder de

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cura, mas também à natureza venenosa dos fármacos e, por fim, acreditava que deveria ser dada maior ênfase ao uso dos medicamentos fitoterápicos, considerando o fato de que os de origem mineral seriam mais tóxicos e os de origem animal mais fracos (Barros, 2002). Expressão máxima da medicina romana, Galeno percebeu os riscos do uso exagerado do ópio no caso do Imperador Antonino, de quem era médico, e ao que tudo indica, foi vítima de dependência da droga (Duarte, 2005).

Na China, as ervas tem sido empregadas no tratamento de doenças desde o início da história chinesa, ou seja, existiam ervas com fins terapêuticos de uso popular desde a época dos três Imperadores (Fu-hsi, Shen-nung e Huang-ti: 2852 a 2597 a.C) e dos cinco Reis (Shao-hao, Chuan-hsu, Ti-ku, Yao e Shun: 2597 a 2255 a.C), conforme Hsu (1999). No país com mais longa e ininterrupta tradição na utilização das ervas, quando morreu em 2698 a.C., o lendário Imperador Shen Nung já provara 100 ervas e mencionava em seu Cânone das Ervas mais de duas centenas de plantas, muitas ainda em uso. Cem anos mais tarde, o Imperador Amarelo, Huang Ti, formalizou a Teoria Médica no Nei Ching (Matos, 2005).

Categorias e usos de drogas herbais e, ainda, observações sobre efeitos de ervas em pessoas floresceram durante séculos na China. A título de exemplo, a descoberta de 14 clássicos médicos em Chang-sha, província de Hunan, em 1973, abriu as portas para a medicina herbal chinesa: a) havia sido conservado o livro Shan hai ching, escrito em duas partes: Shan Ching, do período dos Estados em Guerra (403 a 221 a.C.), datado de cerca de 250 a.C., e Hai ching de 120 a.C. Ambos descrevem 250 plantas e animais, dos quais 68 são utilizados por suas propriedades medicinais - 47 de origem animal e 21 de origem vegetal; b) Shen Nung, fundador da medicina herbal chinesa, escreveu Shen nung pen tsao ching, e o texto relaciona 365 ervas e conservou-se por cópia realizada em 500 d.C.

Na China, até 1590, foram compilados e atualizados os seguintes livros da medicina herbal chinesa:

Quadro 1

Ano d.C.

Título do Livro

Volumes

Número de Ervas

25

Shen nung pen tsao ching

4

365

500 Shen nung pen tsao ching 7 730

659 Hsin hsiu pen tsao * 20 850

973 Kai pao pen tsao 20 984

1057 Chia yu pen tsao 20 1084

1098 Cheng lei pen tsao 31 1744

1590 Pen tsao kang mu

52 1892

* Su Ching et al., baseado no original Shen nung pen tsao, compilou Hsin hsiu pen tsao, popularmente conhecido como Tang pen tsao, a Farmacopéia oficial mais antiga do mundo. Fonte: Hsu, Hong-Yen, et al. In: Matéria Médica Oriental: Um Guia Conciso . Ed. Roca. São Paulo. 1999.

Ressalve-se que, nesse país, atualmente, verifica-se a divisão entre a medicina moderna e

a tradicional, que são denominadas, respectivamente, “medicina ocidental” e “medicina chinesa”. A medicina ocidental em geral usa drogas de origem química ou sintéticos puros, e a medicina chinesa principalmente produtos naturais e ervas. A República Popular da China editou, em 1978, o Dicionário de Drogas Herbais Chinesas (Chung yao ta tsu tien), abrangendo 5.767 tipos de substâncias medicinais, das quais 235 ervas continuam empregadas na prática clínica, 146 são administradas com menor freqüência e 141 raramente prescritas (Hsu, 1999). A fim de ilustrar

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como os problemas relacionados aos medicamentos, independente da natureza deles, passaram a constituir-se em elemento relevante de uma espécie de consciência sanitária global, atente-se para esta matéria da agência de notícias chinesa Xinhua:

Remédio chinês mata uma criança e deixa 151 doentes (Ultimo Segundo). Por Vivi Lin e Nick Macfie 21/06/2005 - Um remédio natural prescrito a crianças no sudoeste da China para prevenção de catapora matou uma delas e deixou outras 151 doentes, informou a agência de notícias Xinhua nesta terça-feira. O incidente aconteceu em Kunming, capital da Província de Yunnan. Mais de 200 crianças ingeriram a mistura de ervas caseira, disse a Xinhua. As crianças sofreram com diarréia, náusea e vômitos após tomarem o remédio, contendo 15 tipos de ervas tradicionais. "A equipe de investigação confirmou que cada ingrediente na receita era seguro e medido de acordo com os padrões médicos", afirmou a Xinhua, apontando uma combinação errônea das ervas pelos efeitos causados. Todas as 151 crianças doentes se recuperaram.

Fonte: Lista Consanvs ([email protected]), 22-6-2004. Promoção: Laboratório de Consumo&Saúde, Faculdade de Farmácia da Universidade do Rio de Janeiro (UFRJ). Http://www.ufrj.br/consumo.

Souza Dias registra terem sido os árabes os primeiros a desenvolver a divisão de trabalho entre médicos e farmacêuticos. Refere que em Bagdá instalaram-se estabelecimentos de venda de drogas e medicamentos, e que muitos desses estabelecimentos seriam dirigidos por comerciantes de fraca preparação técnico-científica, o al-attar, mas que, a partir do século VIII, também passou a existir um outro profissional de mais elevada formação, o sayadilah (Souza Dias, 2003; Meyrelles Do Souto, 2005).

Em áreas do mundo sob influência árabe, no século IX as autoridades atribuíram ao muhtasib, um guardião público da moral e dos costumes, a tarefa de inspecionar a qualidade das drogas e dos xaropes (Castro e Bevilaqua, 2002).

No século XI, em razão da possibilidade de medicamentos acarretarem danos à saúde, registraram-se, na Espanha, inspeções dos estabelecimentos que trabalhavam com drogas. Os farmacêuticos eram examinados e licenciados pelo muhtasib (inspetor) e seus estabelecimentos eram rotineiramente inspecionados, sendo observada a qualidade das drogas e sua forma de preparação. No século XII, nos hospitais mulçumanos da Espanha, houve a utilização de formulários de drogas, não só com a preocupação de adequação de doses às diferentes situações, mas também com os efeitos colaterais e adicionais, quando várias drogas eram administradas simultaneamente (Shuqair, 1996).

Ressalte-se que a medicina islâmica baseou-se na teoria humoral5 e, no campo da farmácia e do conhecimento dos medicamentos, apresentou grau muito elevado pela incorporação dos conhecimentos clássicos helênicos e também pelas contribuições próprias, em parte favorecidos pelas possibilidades abertas pela grande extensão do Império Islâmico. Os árabes terão acrescentado cerca de três a quatro centenas ao cerca de um milhar de drogas medicinais conhecidas na Antiguidade Clássica. Entre vários autores de obras médico-farmacêuticas árabes, importa destacar Ibn Sina, ou Abu 'Ali al-Husayn ibn 'Abdallah, conhecido no Ocidente como Avicena (Ásia Central, 980 - Pérsia, 1037). Médico, jurista e professor, Avicena ocupou cargos 5 Teoria Humoral ou Teoria dos Quatro Humores: Segundo Souza Dias, 2003: “A fisiologia de Hipócrates, e portanto a sua patologia geral, segue as teorias dominantes na escola de Kos, segundo as quais a vida era mantida pelo equilíbrio entre quatro humores: Sangue, Fleuma, Bílis amarela e Bílis negra, procedentes, respectivamente, do coração, cérebro, fígado e baço. Cada um destes humores teria diferentes qualidades: o sangue era quente e úmido, a fleuma era fria e úmida, a bílis quente e seca e a bílis negra fria e seca. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico. A doença seria devida a um desequilíbrio entre os humores, tendo como causa principal as alterações devidas aos alimentos, os quais, ao serem assimilados pelo organismo, davam origem aos quatro humores. Entre os alimentos, Hipócrates incluía a água e o ar.”

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políticos e produziu extensa e diversificada obra. A principal obra médica é o enciclopédico al-Qanun ou Canon, no qual encontra-se nos livros II e V, respectivamente, "Matéria Médica" e "Medicamentos Compostos". O Livro II divide-se em duas partes: a primeira tratando das propriedades das drogas, incluindo as qualidades, virtudes e modos de conservação, e a segunda contendo uma lista de fármacos ordenados alfabeticamente e suas virtudes terapêuticas. O al-Qanun foi traduzido para o latim e teve várias edições (Figura 2). (Souza Dias, 2003).

Na Europa, a separação de fato entre as profissões médica e farmacêutica, foi secundada

pela gradativa separação legal, o que já havia sido adotado pelos árabes. O primeiro caso em que tal fato acorreu teria sido em Arles, França, através de posturas municipais de 1162 (Souza Dias, 2003).

Frederico II de Hohenstaufen, Imperador do Sacro

Império Romano-Germânico, Rei da Sicília e Nápoles, em 1224, determinou a inspeção regular das fórmulas preparadas pelos boticários (farmacêuticos), instituindo a condenação à morte daquele que manipulasse qualquer produto que levasse o usuário a falecer (Castro e Bevilaqua, 2002). Nesse ano ainda, Frederico II fundou em Nápoles a primeira universidade de Estado (Franco Jr, 2004) e, em 1240, através do chamado Édito de Melfi, proibiu qualquer sociedade entre médicos (físicos) e farmacêuticos, determinando que esses tinham de dispensar os medicamentos de acordo com as receitas médicas e as normas da arte provenientes da Escola de Salerno6; introduziu o princípio da necessidade de algum tipo de controle dos preços dos medicamentos e, por fim, estabeleceu a licença da atividade farmacêutica. Essas normas foram progressivamente adotadas na Europa. Na França, as cidades de Avignon (1242) e Nice (1274)

proibiram a sociedade entre farmacêuticos e médicos. Na Europa central, Basiléia também separou as duas profissões entre fins do século XIII e princípios do século XIV (Souza Dias, 2003; Menezes e Bonfim, 2004; Meyrelles Do Souto, 2005).

Figura 2

Farmácia medieval. Pormenor de uma página de um manuscrito hebreu do Canon de Avicena (Século XI).

Em Portugal, Carta Régia de Dom Afonso V, de 1461, determinou a completa separação

das profissões médica e farmacêutica, passando a ser vedado aos físicos (médicos) a confecção de medicamentos (mezinhas) e aos boticários (farmacêuticos) a prescrição ou indicação terapêutica de medicamentos.

6 Escola de Salerno: Localizada na cidade de Salerno, próxima de Pompéia e de Nápoles, na região da Campânia, Itália meridional, as origens desta escola médica remontam à Alta Idade Média (Século IX-X), antecedendo por isso o aparecimento da Universidade no Ocidente cristão (Século XIII). Esta escola teve um papel importantíssimo na preservação e divulgação do legado greco-romano, no campo da medicina, particularmente devido ao papel do monge cartaginês e tradutor arabista Constantino, o Africano. Mas foi sobretudo o tratado de higiene que lhe perpetuou a fama de "cidade hipocrática" (Lafaille e Hiemstra, 1990; Nigro, 2003; Sournia, 1995). GRAÇA, L., Representações Sociais da Saúde, da Doença e dos Praticantes da Arte Médica nos Provérbios em Língua Portuguesa. Parte V. Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa. Portugal. 2000.

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Durante o Renascimento7, ou Renascença, houve grande aumento de interesse por plantas medicinais, e dos livros à época editados, o mais popular foi The Herball, or General Historie of Plants, de John Gerard, em 1597, um dos poucos que continuou sendo impresso em língua inglesa por cerca de 400 anos. Esse livro, com 1.392 páginas e 2.200 imagens de plantas medicinais, foi apreciado por diversas autoridades no assunto e muitos médicos prescreviam a enfermos plantas ali relacionadas, incluindo Digitalis Purpurea (Costa, 2005).

Nesse período histórico contribuíram para difundir o conhecimento acerca das drogas asiáticas os boticários portugueses que viveram no Oriente, destacando-se Tomé Pires, que partiu para a Índia em 1511, e, na cidade de Cochim, em 1516, escreveu importante carta a D. Manuel na qual descreveu, de forma pioneira, a origem geográfica e algumas características de grande número de drogas asiáticas. Simão Álvares, também boticário, que havia partido para a Índia em 1509, escreveu Informação (...) do nascimento de todas as drogas que vão para o Reino, por volta de 1547, semelhante à carta de Tomé Pires a D. Manuel, embora mais extensa e referindo-se a um maior número de drogas. Embora pioneiros, os relatórios de Tomé Pires e Simão Álvares tinham como propósito a comunicação de dados geográficos e econômicos. Assim, a primeira contribuição européia importante para o estudo médico e botânico das drogas orientais foi o Colóquio dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia (Goa, 1563), do médico Garcia de Orta (1501-1568), obra notável na forma de diálogo e em língua portuguesa. Orta apresenta a primeira descrição rigorosa, feita por um europeu, das características botânicas, origens e propriedades terapêuticas de muitos fármacos orientais, as quais, apesar de conhecidas anteriormente na Europa, o eram de maneira errada ou incompleta (Souza Dias, 2003).

Até a viagem de Cristóvão Colombo, em 1492, a matéria médica americana era desconhecida na Europa, ao contrário do que acontecia com a oriental. Por isso, e porque o objetivo dos espanhóis era atingir a Ásia e introduzir as drogas orientais no comércio europeu, observou-se duas fases na incorporação das drogas americanas na medicina européia: a primeira fase (século XVI) caracterizou-se pela difusão de drogas que apresentavam semelhanças com outras orientais, muitas correspondendo a distintas espécies do mesmo gênero, de modo a substituir as drogas orientais no comércio, ao lado da difusão de drogas destinadas à cura da sífilis. Somente na segunda fase (século XVII), as drogas americanas singulares, e que mais repercutiram na medicina européia, seriam introduzidas (Souza Dias, 2003).

O primeiro médico europeu a difundir as drogas americanas na literatura especializada foi Nicolas Monardes (c. 1512-1588), natural e morador em Sevilha, com Dos libros...Cosas de Nuestras Indias Occidentales que Sirven al Uso de Medicina (1565), rapidamente traduzido em outros idiomas, no qual descreveu as propriedades de várias drogas americanas, embora, frise-se, Monardes nunca tenha estado no continente americano. O primeiro a estudar a flora médica no novo continente foi o médico Francisco Hernandez (1514-1587), enviado pela Coroa espanhola como protomédico8 para as Índias Ocidentais, em 1571, para estudar a matéria médica no Peru e no México, destacando-se sua investigação, nesse último país, a qual durou sete anos (1571-1578). O trabalho original de Hernández foi resumido, a pedido do Rei Filipe II, pelo napolitano Nardo Antonio Recchi, e acabou por desaparecer durante um incêndio em 1671 no Escorial - centro político do Império de Felipe II, constituído pelo palácio, biblioteca, panteão, basílica e monastério, edificado entre o final de 1562 e 1584. O resumo de Recchi foi impresso apenas em 1615 e, por uma versão castelhana de Francisco Ximénez, duas obras apenas foram editadas, em 1628 e 1790, sobre a pesquisa de Hernandez: 4.000 Plantas Mexicanas (Souza Dias, 2003).

A contribuição dos portugueses para o conhecimento da matéria médica africana e brasileira ficou muito aquém da contribuição observada no caso do Oriente. A matéria médica do

7 Renascimento: Movimento artístico, literário, científico e tecnológico (num sentido amplo) havido na Europa, no ocaso da Idade Média, concentrando-se temporalmente nos séculos XV e XVI (mas certas manifestações renascentistas deram-se no século XIII ou XIV), que pretendeu resgatar a cultura da Antiguidade Clássica, no qual a visão antropocêntrica do mundo, e não teocrática, a afirmação dos estados nacionais e o crescimento da influência da burguesia, determinaram um novo enfoque da política. 8 Protomédico: [De prot(o)- + médico2.] S. m. Hist. Med. 1.Na Idade Média, o médico principal dum rei, dum príncipe, duma associação, etc. FERREIRA, A.B.H. in Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI, Versão 3.0, Novembro, 1999.

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Atlântico meridional despertou pouco interesse entre os autores médicos portugueses, devendo-se a maior parte das contribuições a colonos, missionários, militares e viajantes. Até o século XVIII, além dos textos de leigos, as únicas contribuições deviam-se a médicos e naturalistas estrangeiros. Na América, pouco depois da descrição de algumas plantas brasileiras por Hans Staden (1557) e André Thevet (1502-1592), em Lez Singularités de la France Antarctique (1558), o jesuíta Padre José de Anchieta (1534-1597) escreveu sobre a matéria médica brasileira, descrevendo a ipecacuanha e outras plantas, numa carta de 1560 (a ação da raiz da ipecacuanha, utilizada pelos índios tupis no Brasil, se tornou conhecida pelos jesuítas no início do século XVI. Seu princípio ativo, a emetina, foi isolado somente em 1817). Anchieta, foi seguido por Gabriel Soares de Sousa (c. 1540-1592), senhor de engenho, vereador e bandeirante da Bahia, que, na sua Notícia do Brasil (c. 1587), incluiu longa seção sobre plantas medicinais e sobre a medicina dos tupinambás. O trabalho de Soares de Sousa circulou amplamente na forma manuscrita, porém somente veio a ser editado no início do século XIX (Souza Dias, 2003).

O tratado sobre o Clima e Terra do Brasil de Fernão Cardim (1540-1625) tem um capítulo

sobre ervas medicinais, no qual se descreve as propriedades de dezena e meia de plantas, entre elas a ipecacuanha, o jaborandi, a copaíba e outras drogas, tendo sido editado em inglês por Samuel Purchas, em Hakluytus Posthumus (1625), veiculando, assim, a primeira informação impressa sobre a ipecacuanha na Europa. As primeiras descrições detalhadas da mais célebre das drogas brasileiras difundidas no século XVII, a Cephaelis ipecacuanha, cujo conhecimento ilustra a participação portuguesa no enriquecimento da proto-farmacologia seiscentista, contudo, devem-se a Georg Marcgrave (1610-1644), na Historia Rerum Naturalium Brasiliae, e a Willem Piso (1611-1644), na Historia Naturalis Brasiliae, publicadas juntas em Leyden em 1648 (Souza Dias, 2003). Piso esteve no Recife de 1638 a 1644, como médico do Conde Johan Maurits van Nassau-Siegen (João Maurício de Nassau), durante o domínio holandês que, após breve interregno de dominação de Salvador, Bahia, capital da Colônia, de 1624 a 1625, estendeu-se no nordeste brasileiro de 1630 a 1654. No que diz respeito à matéria médica de Angola, identificou-se drogas bioativas, de origem vegetal, animal e mineral, baseado em duas centenas de ocorrências extraídas de quatorze documentos dos séculos XVI a XVIII e que poderão eventualmente corresponder a mais de uma centena de drogas diferentes, para as quais foram apontadas quase quatro centenas de indicações terapêuticas. A maior parte das drogas tinha origem vegetal, sendo apenas 20 de origem animal e 4 de origem mineral, registrando-se que mais da metade das referências a drogas angolanas foram retiradas de dois textos de autoria de militares portugueses e de um terceiro de religioso italiano, o que deve explicar-se principalmente pela falta de pessoal sanitário e de medicamentos europeus, na época. As indicações terapêuticas apontadas expressavam as principais doenças que afetavam europeus e africanos e, deduziu-se, que o contato com a medicina indígena através de leigos teria propiciado a aceitação da aplicação terapêutica do lugar, sem submeter as drogas à distorção da classificação galênica, que, freqüentemente, desviava as atenções das indicações terapêuticas tradicionais (é significante que apenas menos de 3% de indicações se referissem à expulsão de humores). Em contrapartida, pela via de contato leiga, cristalizou-se o uso das drogas angolanas no âmbito local, dificultando a sua inserção na literatura médica européia, o que se revela pelo número restrito de referências a drogas angolanas nos textos médico-farmacêuticos da primeira metade do século XVIII em comparação com as que se encontraram nos manuscritos seiscentistas (Souza Dias, 1994; Souza Dias, 1995).

Um parêntese acerca do Império Português: a primeira tentativa de levar a cabo um estudo organizado e sistemático da história natural dos territórios ultramarinos se deu nas duas últimas décadas do século XVIII, através de um conjunto de expedições científicas ao Brasil e África, realizadas por naturalistas formados em Coimbra, dentre as quais se destacou a viagem ao Brasil do naturalista baiano Alexandre Rodrigues Ferreira9 (1756-1815), encarregado de explorar o interior da Amazônia, entre 1783 e 1793, da qual resultaram diversos trabalhos zoológicos,

9 Alexandre Rodrigues Ferreira chegou em Belém, em 1783, vindo, com seus companheiros, a incorporar-se, parcialmente, no ano seguinte, às Comissões de Demarcação das fronteiras da América Portuguesa, para os trabalhos realizados na região do Rio Negro e Rio Branco.

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botânicos, etnográficos e outros de grande significação, que foram objeto de saque das tropas napoleônicas, em 1808, quando invadiram Portugal (Souza Dias, 2003; Ribeiro, 2004).

Phillippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, o Paracelso (1493-1541), médico suíço, que percorreu parte do mundo para conhecer as enfermidades e a medicina popular da qual lançavam mão camponeses, artesãos, barbeiros e mulheres do povo, representou um modelo de transição entre a escola galênica e o modelo biomédico. Autor de um conjunto de idéias que formavam um sistema médico complexo, sincrético (reunindo a alquimia, medicina popular, astrologia, a tradição renascentista e sua peculiar visão cristã do mundo), Paracelso se opunha vivamente às idéias do passado (em especial à teoria dos humores e ao pensamento galênico). Esteve no cerne de contendas com seus colegas, sobretudo ao propugnar o caráter de entidade independente para a doença a qual necessitaria ser tratada com remédios específicos, com frequência, de origem química (Barros, 2002). Foi a primeira pessoa a dar conferências em alemão, e não em latim como era regra na época. Algumas de suas contribuições à clínica e ao campo médico-farmacêutico: tratamento conservador das úlceras crônicas; uso de compostos de mercúrio no tratamento da sífilis; descrição da pneumoconiose; relação entre cretinismo e bócio; emprego do ferro e outras substancias inorgânicas na terapêutica; noção de enfermidades metabólicas e a de substâncias químicas como fármacos específicos. Iniciou a química farmacológica e se adiantou na marcha da medicina até as ciências naturais.

Na Inglaterra, o Royal College of Physycians, fundado em 1518, se incumbiu, durante

longo período, dos problemas relativos à segurança dos medicamentos e, em 1559, James IV, da Escócia, delegou ao Conselho Médico daquele país, a supervisão da venda de medicamentos (Castro e Bevilaqua, 2002). Em 1618, os autores da primeira Farmacopéia de Londres, condenavam as pessoas que vendiam as mais repugnantes misturas sob a designação de remédio, embora eles mesmos incluíssem vermes, serpentes secas e pulmão de raposa no catálogo de medicamentos aceitáveis (David, 1987).

D. Manuel I, Rei de Portugal, em 25 de fevereiro de 1521, editou o Regimento que conferiu

autonomia ao exercício das funções de Físico-Mor - autoridade sanitária médico-farmacêutica da época -, conferindo-lhe maiores responsabilidades e configurando, então, a Fisicatura-mor do Reino, em que selou-se a divisão de atribuições entre dois tipos de autoridade: a do Físico-mor, responsável pelo controle da medicina, e a do Cirurgião-mor, responsável pelo controle análogo da cirurgia (Machado et al., 1978), sendo de se notar que a fisicatura passou a ser um dos pilares institucionais na organização da Saúde Pública nesse país, junto, especialmente, com a Provedoria-mor da Saúde instituída pelo Alvará de 27-9-1506, que tratou das atribuições dessa na administração das questões sanitárias relacionadas com epidemias, salubridade e outros (Graça, 2000). Esse Regimento do Físico-mor disciplinava os mais variados aspectos, entre eles o acesso à profissão farmacêutica (exame dos boticários), a concessão de licenças para a instalação dos boticários em Lisboa e a regulamentação de visitas de inspeção às boticas, durante as quais podiam ser destruídos os medicamentos considerados degradados.

No século XVII, pela primeira vez, uma droga foi proscrita por causa da sua toxicidade. Os membros da Faculdade de Medicina de Paris foram proibidos de usar antimônio, mas o banimento não foi mantido, pois atribuiu-se ao antimônio a suposta cura de um ataque de febre tifóide sofrido por Luís XIV. Escritores famosos pontificavam sobre o assunto: Voltaire dizia que os médicos “entornavam drogas que pouco conheciam em corpos que conheciam menos ainda” (Rozenfeld, 1998; Castro e Bevilaqua, 2002).

O mencionado Regimento do Físico-mor do Reino de 1521 ficou vigente por longo tempo em Portugal e no Brasil, no entanto, o não cumprimento das disposições desse diploma da Fisicatura parece ter sido a regra nos tempos coloniais como indica os termos da ordem régia de 3 março de 1717 enviada ao Dr. João Nunes de Miranda, Físico-mor na Bahia:

“Porquanto tenho notícias que geralmente costumam nesta cidade da Bahia curarem os cirurgiões de medicina dando purgas e outros remédios de que só podem aplicar

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os médicos formados na Universidade de Coimbra ou aprovados pelo Físico-mor do Reino, o que é em notório dano do comum e ter a experiência mostrado suceder mil infortúnios e desgraças pela imprudência dos cirurgiões” (Machado et al., 1978).

Pretendendo coibir esses e outros abusos, em 1742, o Rei determinou que os delegados

do Físico-mor no Brasil deveriam ser médicos formados pela Universidade de Coimbra e que seus emolumentos, a serem disciplinados em regimento especial, não ultrapassassem o dobro dos valores das comissões dos delegados que trabalhavam no Reino. Assim, dois anos depois, em 1744, foi editado o “Regimento que Serve de Lei que Devem Observar os Comissários Delegados do Físico-mor deste Reino nos Estados do Brasil”, que expressou a importância que Portugal foi passando a conferir à fiscalização das artes médicas e farmacêuticas - na realidade buscava-se distinguir e legitimar os ofícios médicos, fiscalizando seu exercício - e aos cuidados com os remédios nos Estados da América. Esse Regimento do Físico-mor do Reino, embora em essência tivesse como finalidades preservar os interesses fiscais da própria Fisicatura na Colônia e evitar desgastes políticos, ou seja, disciplinar a atuação dos fiscalizadores e, desse modo, sanar desmandos da própria administração que contrariavam os interesses da Corte, enfatizava disposições em sua maioria estabelecidas em regimentos anteriores, porém aplicando-as ao Brasil (Machado et al., 1978), e, talvez por isso, transformou-se em um marco normativo de relevo na história dos medicamentos no nosso país. Diversos autores referenciam - e reverenciam - o caráter pioneiro desse diploma da Fisicatura e, por exemplo, apontam suas virtudes para a época:

• legalização dos boticários e oficiais de botica (exames pelo comissário do Físico-

mor e verificação de cartas de licença, no caso do Brasil), ou seja, preparo, preservação e administração de remédios por pessoal competente;

• averiguar a existência de balanças e outros instrumentos aferidos concordes com pesos e medidas ordenados pela Câmara;

• averiguar os preços dos medicamentos; • averiguar os estoques de medicamentos simples e compostos, sua preparação e

seu bom estado, e outros (Machado et al., 1978; Zubioli, 1992; Alcântara,1997). D. Maria I, no ano de 1782, extinguiu a Fisicatura e criou a Junta do Proto-Medicato, órgão colegiado responsável pela administração das questões médico-farmacêuticas composto por sete deputados e médicos e cirurgiões da Casa Real, dentre eles o Físico-mor e o Cirurgião-mor. Com a criação da Junta do Proto-Medicato, o combate e oposição aos remédios secretos foi intensificado.

Em 1785, quase 200 anos depois de relato de Jonh Gerard, em 1597, sobre as virtudes da planta dedaleira (Digitalis purpúrea10), o escocês William Withering (1741-1799), em An Account on the Foxglove and Some of its Medical Uses, propôs que a planta poderia ser importante medicamento para a hidropsia (retenção de água pelo organismo), doença caracterizada pelo edema dos membros e do tronco, a qual é devida ao bombeamento ineficaz do coração. Seu interesse pelo uso da dedaleira surgiu quando lhe solicitaram informação sobre certo remédio secreto para hidropsia, prescrito por uma mulher de Shropshire, sua terra natal, e, depois de ter conhecimento acerca de um outro exemplo da eficácia da dedaleira, Withering iniciou cuidadosa avaliação clínica e efetuou vários experimentos com essa planta, decidindo pela administração de infusões das folhas pulverizadas. Seus experimentos clínicos com esses preparados são descritos na forma de 163 estudos de caso. O mérito desse trabalho reside não apenas no exaustivo estudo dos efeitos terapêuticos da dedaleira em pacientes, mas, igualmente, na ênfase na escolha das doses, pois os médicos daquela época empregavam doses elevadas de coquetéis de extratos de plantas (Costa, 2005).

10 Digitalis purpúrea: Binômio latino que designa a planta mundialmente conhecida como "digitalis". A origem da palavra "digitalis" é bem clara, sendo utilizada pela primeira vez em 1542 pelo botânico alemão Leonhardt Fuchs (1501-1566). O nome em alemão para as flores de dedaleira era "Fingerhut" (dedal) e então a palavra em latim que significa dedo, digitalis, foi adaptada como nome para o gênero dessa planta. A derivação da palavra em inglês foxglove (luva de raposa) é mais obscura, mas uma sugestão plausível é o uso corrompido do termo "folk's glove" (luva do povo). Em português essa planta é conhecida como dedaleira ou simplesmente digitalis (Costa, 2005).

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No dizer de William Withering: “A dedaleira quando administrada em altas e repetidas doses ocasiona enfermidades, vômitos, purgação, vertigem, visões confusas de objetos aparecendo verdes ou amarelos, aumento da secreção de urina, pulso lento com 35 por minuto, calafrios, convulsões, síncope e morte” (1785). (Bittencourt, 2003). Essa descrição dos efeitos nocivos e tóxicos da Digitalis, constitui-se no primeiro estudo conhecido sobre a ocorrência de reação adversa relacionada ao uso de um medicamento.

A título de ressalva: no início do Século XX, no Hospital Mount Vernon de Londres, foi administrado a dedaleira em pacientes com fibrilação atrial, sendo observado que ocorria um aumento da contratilidade do coração. A partir de 1901-1903, quando os médicos começaram a utilizar o eletrocardiograma, evidenciou-se que a dedaleira exercia ação direta no músculo cardíaco e era benéfica na maioria dos tipos de insuficiência cardíaca. O isolamento dos constituintes ativos da planta deu-se em 1928, quando foram conhecidas as verdadeiras estruturas ativas da Digitalis purpurea: digitoxina e digitalina (ou gitoxina). Nenhuma dessas substâncias foi até hoje sintetizada e ambas ainda são extraídas das folhas dessas espécies (Costa, 2005). Em síntese, as cuidadosas análises relizadas por William Withering, há mais de 200 anos, permanecem como um dos marcos da descoberta de medicamentos.

Entre os anos de 1750 e 1830, na Europa, destacaram-se os registros nacionais de mortalidade e os inquéritos regionais e, também, acirrou-se a competição entre os produtores, gerando a necessidade de regulamentação para evitar a concorrência fraudulenta. Johann Peter Frank (1745-1821) - médico alemão que se empenhou em sistematizar todo o conhecimento sobre Saúde Pública do seu tempo e em mostrar como aplicá-lo, mediante ação de governo, em benefício da comunidade -, e Franz Anton Mai (1742-1814), assentaram as bases da polícia médica exercida pelo Estado, marco inaugural da medicina social (Rosen,1994) e setecentista ancestral direto da vigilância sanitária (Rozenfeld, 1998). O trabalho de Johann Peter Frank está contido em System Einer Vollständigem Medicinischen Polizey (Sistema de uma Polícia Médica Completa), editado de 1779 a 1827.

Em 29 de novembro de 1807, com a invasão de Portugal pelo exército francês, deu-se a retirada da Corte Portuguesa para o Brasil. D. João aportou na Bahia, em janeiro de 1808, onde assinou Carta Régia abrindo os portos brasileiros ao comércio com as nações amigas (28-1-1808) e, antes de partir com a Corte para o Rio de Janeiro, fundou na Bahia a primeira Escola de Cirurgia da Colônia. Na nova capital, o Príncipe-Regente tomou várias providências: revogou a proibição das manufaturas no Brasil (1-4-1808); criou o Desembargo do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens (22-4-1808), a Casa da Suplicação do Brasil, a Intendência Geral da Polícia11 (10-5-1808), a Impressão Régia (13-5-1808), a Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação (23-8-1808) e o Banco do Brasil (12-10-1808). Em 1809, extinguiu a Junta do Proto-Medicato (7-1-1809), restabelecendo as funções de Físico-mor e de Cirurgião-mor do Reino; editou Decreto (28-7-1809), que tratou de Criar o Lugar de Provedor-Mor da Saúde da Corte e Estado do Brasil, e, ainda nesse ano, segundo Machado e colaboradores (1978), criou cadeira de medicina clínica teórica, a ser ministrada no Hospital Militar e da Marinha, no Rio de Janeiro, constando do plano dessa cadeira princípios elementares de matéria médica e farmacêutica, polícia médica, higiene geral e particular e terapêutica No ano seguinte editou o Regimento do Físico-mor do Reino (Reino de Portugal. Alvará de Regimento, 1810), revogando o de 16-5-1744, dentre outras razões, para “evitar os danos que podem resultar à Saúde Pública da imperícia dos curadores, e fraudes dos medicamentos, e drogas de que se compõem”, bem como o Regimento da Provedoria-mor da Saúde (Reino de Portugal. Alvará de Regimento. 1810), a qual, conforme mencionou-se anteriormente, havia sido instituída em 1506 em Portugal.

No início do século XIX, dois acontecimentos marcaram o desenvolvimento industrial farmacêutico e a regulamentação dos medicamentos: a lei de patentes e o isolamento da morfina pura a partir do ópio em 1805 (Lee & Herzstein, 1986). De outro lado, nesse período, durante epidemia de febre amarela nos Estados Unidos da América, o calomelano (cloreto de mercúrio) foi usado na cura dessa doença, sendo seus efeitos tóxicos rapidamente reconhecidos e, mais tarde,

11 Sobre o papel da Intendência Geral de Polícia, recomenda-se ver MACHADO et al., 1978.

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em 1848, depois de enfrentar o problema da adulteração de quinina importada pelo seu exército, esse país estabeleceu as primeiras normas de controle de qualidade para os medicamentos (Castro e Bevilaqua, 2002; Davis, 1987).

No Brasil, através de Resolução de 30-8-1828 (Brasil, 1828) a Assembléia aprovou moção para que fossem extintos os cargos de Físico-mor e de Cirurgião-mor. Nesse momento, tanto a Fisicatura quanto a Provedoria-mor da Saúde se revelavam incapazes de realizar a polícia médica da sociedade, ou melhor, de normalizar as profissões médicas, cujo ensino encontrava-se em progressiva afirmação, e, no tocante à higiene pública, de debruçar-se teoricamente sobre um novo tipo de medicina - a medicina social - através de análises sanitárias da cidade, o que também incluía dados sobre estabelecimentos de saúde (hospitais e outros) e estabelecimentos que fabricam e ou comercializam produtos (medicamentos, alimentos e outros), estatísticas médicas, estudos de endemias e epidemias, entre outros. Foram os termos da referida resolução:

“Art. 1º. Fica abolido o lugar de Provedor-mor da Saúde, pertencendo às Câmaras a inspeção da saúde pública, como antes da criação do dito lugar. Art. 2º. Ficam abolidos os lugares de Físico e Cirurgião mores. Art. 3º. As Câmaras farão o exame dos comestíveis à venda. Art. 4º. As Câmaras farão visitas às boticas e lojas de drogas. Art. 5º. As causas dos juízes do Provedor e Físico mores passam às justiças ordinárias”. (Machado et al., 1978).

Desse modo, na nova organização, as Câmaras Municipais foram definidas no Regulamento de 1-10-1828 (Brasil, 1828) como corporações meramente administrativas e que não exerceriam jurisdição alguma contenciosa [Art. 24, Tit. I], ou seja, caracterizava essas Câmaras a impossibilidade jurídica de obrigar a execução de suas Posturas por não disporem de poder de polícia administrativa, em contradição com a expansão de sua área de atuação referente à higiene pública, e, por fim, o fato de que seu Provedor de Saúde tinha como único requisito para ocupar o cargo ser o 2º vereador mais votado. Objetivamente, aos governos municipais, através da consecução dessas Posturas, caberia promover a saúde da população, encargo leigo da saúde ao qual se opuseram os médicos, por duas décadas, combinando três eixos de atuação:

a) discursos críticos que apontavam a incoerência de uma espécie de higiene desmedicalizada, o que veio a ampliar-se politicamente após a fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, em 1829, depois denominada Academia Imperial de Medicina, a partir de 1835;

b) propondo-se a assessorar o Poder Público e organizando-se através de

comissões, aquela sociedade médica, logrou influir na realidade sanitária por muitos anos. Registre-se que sua comissão mais importante editou, em 1831, o “Relatório da Comissão de Salubridade Geral” (Semanário de Saúde Pública, 1831), programa de atuação que influenciou na Câmara Municipal, da então sede do Império, resultando na organização e promulgação, em 1832, do Código de Posturas do Rio de Janeiro, e

c) participando da própria Câmara Municipal através de seus pares, eleitos

vereadores, e de outras instâncias de poder, os médicos lutavam para ter o aparato do Estado como objeto de sua influência técnica e política (Machado et al., 1978).

Em dezembro de 1849 observou-se os primeiros casos de drástica epidemia de febre

amarela que assolou o Rio de Janeiro com a morte de mais de 4.000 pessoas. O Ministério dos Negócios do Império não esperou pelas ações da Câmara Municipal, assumiu o comando da Saúde Pública e, como não dispunha de órgão sanitário próprio, solicitou à Academia Imperial de Medicina que elaborasse o plano de combate à epidemia. Esse plano, denominado “Providências para Prevenir e Atalhar o Progresso da Febre Amarela, Mandadas Executar pelo Ministério do Império por Aviso desta Data”, de fevereiro de 1850, resgatava elementos centrais constitutivos da polícia médica - um deles era a fiscalização da medicina, cirurgia e farmácia - (Machado et al., 1978), e, baseado nesse modelo, foi criada pelo Decreto n.º 598, de 14-9-1850, a Junta de

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Higiene Pública (Brasil, 1850), regulamentada pelo Decreto n.º 828, de 29-9-1851 (Brasil, 1851), que Manda Executar o Regulamento da Junta de Higiene Pública12 no qual enfatizava-se a normatização de boticas, boticários, medicamentos e substâncias venenosas, ambos do Ministério dos Negócios do Império. No ocaso do século XIX, o Decreto n.º 9.554, de 3-2-1886, Reorganiza o Serviço Sanitário do Império, mantendo um Conselho Superior de Saúde Pública e desmembrando a Junta em serviço sanitário de terra, a cargo da Inspetoria Geral de Higiene, e serviço sanitário dos portos, a cargo da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, ambos órgãos médicos (Brasil, 1886). Constava nesse decreto a obrigatoriedade da autoridade sanitária verificar a qualidade dos medicamentos, drogas e preparados medicinais (nacionais e importados); quando houvesse suspeita de falsificação requisitar análise do químico (laboratorial) e, ainda, se o estabelecimento não satisfizesse os requisitos legais, indicar faltas ou vícios encontrados na farmácia ou drogaria, no certificado de visita entregue ao seu proprietário, marcando prazo dentro do qual deveriam ser corrigidos [Art. 24, incisos I, II, IV e V]. Assistiu-se, no período, à combinação da deterioração da Saúde Pública no país, adquirindo transparência os problemas sanitários da Capital do Brasil, o Rio de Janeiro, com sucessivos rearranjos organizacionais patrocinados pela União, a saber:

a) Decreto n.º 372-B, de 2-5-1890, que Separa da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro o Instituto de Higiene e Transfere-o para a Inspetoria Geral de Higiene com a denominação de Instituto Nacional de Higiene (Brasil, 1890);

b) Lei n.º 85, de 20-9-1892, que Estabelece a Organização Municipal do Distrito Federal, transferiu para o Governo Municipal da Capital Federal serviços até então a cargo da União, porém quanto aos “serviços de higiene cometidos à administração municipal do Distrito Federal não se compreenderá” [Art. 58, § único]:

I. O estudo científico da natureza e etiologia das moléstias endêmicas e epidêmicas, e meios profiláticos de combatê-las e quaisquer pesquisas bacteriológicas feitas em laboratório especial (atual Instituto de Higiene); II. A execução de quaisquer providências de natureza defensiva contra a invasão de moléstias exóticas ou disseminação das indígenas na Capital Federal, empregando-se para tal fim todos os meios sancionados pela ciência ou aconselhados pela observação, tais como rigorosa vigilância sanitária, assistência hospitalar, isolamento e desinfecção; III. Estatística demógrafo-sanitária; IV. Exercício de medicina e de farmácia; V. Análises qualitativas e quantitativas de substâncias importadas, antes de entregues ao comércio; VI. Serviço sanitário marítimo dos portos”. (Brasil, 1892);

c) Decreto n.º 1.171, de 17-12-1892, que Organiza o Laboratório de Bacteriologia,

ou seja, ao Instituto Nacional de Higiene foi dada nova denominação e, ao invés de vincular-se à Inspetoria Geral de Higiene, passou a subordinar-se diretamente ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores (Brasil, 1892);

d) Decreto n.º 1.172, de 17-12-1892, que Organiza a Diretoria Sanitária na Capital Federal, no qual era conferida intensa importância à questão do exercício da farmácia e controle dos medicamentos (Brasil, 1892);

e) Decreto n.º 1.647, de 12-1-1894, que Providencia sobre o Instituto Sanitário

Federal e dá-lhe Regulamento, que fundiu o Laboratório de Bacteriologia, a Diretoria Sanitária na Capital Federal e, à exceção da Inspetoria Geral de Saúde dos Portos, agregou as demais atividades de Saúde Pública, entre as quais foi conferida importância à questão do exercício da

12 No dizer do Art. 1º do Decreto n.º 828, de 29-9-1851: “A Junta de Hygiene Publica, creada por Decreto de 14 de Setembro de 1850, será denominada Junta Central de Hygiene Publica “.

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medicina, da farmácia e ao controle dos medicamentos, Chama-se a atenção para esse dispositivo do decreto: “Nenhum laboratório ou fabrica de produtos químicos ou farmacêuticos poderá funcionar nesta Capital sem licença do Instituto Sanitário, devendo, por parte deste, ser submetidos à mesma vigilância que as farmácias e drogarias“ [Art. 36] (Brasil, 1894); f) Decreto n.º 2.449, de 1-2-1897, que Unifica os Serviços de Higiene da União, criou a Diretoria Geral de Saúde Pública, que passou a coordenar o Instituto Sanitário Federal, a Inspetoria Geral de Saúde dos Portos e as demais atividades de Saúde Pública, reafirmando-se a atribuição desse órgão de confeccionar o Código Farmacêutico Brasileiro, intenção que vinha se manifestando desde o Decreto n.º 828, de 29-9-1851, que regulamentou a Junta de Higiene Pública (nesse decreto empregou-se a designação Farmacopéia Brasiliense). Tal decreto foi alterado pelo Decreto n.º 3.014, de 26-9-1898, especialmente o tópico atinente à fiscalização do exercício da medicina e da farmácia. No entanto, foi no tempo de Oswaldo Cruz à frente da direção da Diretoria Geral de Saúde Pública que o órgão teve ampliada suas atribuições e competências, pelo Decreto n.º 1.151 de janeiro de 1904, que Reorganiza os Serviços da Higiene Administrativa da União, regulamentado pelo Decreto n.º 5.156, de 8-3-1904, o qual inclusive criou, no Distrito Federal, o Juízo dos Feitos da Saúde Pública cuja competência era “conhecer todas as ações e processos civis e criminais em matéria de higiene e salubridade pública, concernentes à execução das leis e dos regulamentos sanitários, atinentes à observância e efetividade dos mandados e ordens das autoridades sanitárias ou relativos aos atos de oficio destas” [Decreto n.º 1.151/1904, Art. 1º, § 11 e Decreto n.º 5.156/1904, Art. 280] (Brasil, 1897, 1898 e 1904).

O próximo número do Boletim (46/47) trará a segunda parte deste artigo: II. De Histórias. Século XX e III. Do Pioneirismo do Centro de Vigilância Sanitária do Estado de São Paulo

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12. BRASIL. Decreto n.º 3.014, de 26-9-1898, Altera Algumas das Disposições dos Títulos VI e VII do Regulamento da Diretoria Geral de Saúde Pública Anexo ao Decreto n.º 2458, de 10 de fevereiro de 1897. Brasil. 1898. 13. BRASIL. Decreto n.º 1.151 de janeiro de 1904, Reorganiza os Serviços da Higiene Administrativa da União. Brasil. 1904. 14. BRASIL. Decreto n.º 5.156, de 8-3-1904, Dá Novo Regulamento aos Serviços Sanitários a Cargo da União. Brasil. 1904. 15. BRASIL. Lei n.º 85, de 20-9-1892, Estabelece a Organização Municipal do Distrito Federal. Brasil. 1892. 16. BRASIL. Lei Orgânica da Saúde - Lei n.º 8.080, de 19-9-90, Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasil, 1990. 17. BRASIL. Portaria MS/GM n.º 1.565, de 26-8-94, Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária e sua Abrangência, Esclarece a Competência das Três Esferas de Governo e Estabelece as Bases para a Descentralização da Execução de Serviços e Ações de Vigilância em Saúde no Âmbito do Sistema Único de Saúde. Brasil. 1994. 18. BRASIL. Regulamento de 1-10-1828. Brasil. 1828. 19. BRASIL. Resolução da Assembléia de 30-8-1828. Brasil. 1828. 20. CAMPOS, Gastão W.S.C., in: Vigilância Sanitária: Responsabilidade Pública na Proteção e Promoção da Saúde, Caderno de Textos, Eixo I, Texto 1, Conferência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília. 2001. 21. CASTRO, Lia L.C. e BEVILAQUA, Lea D.P., in: Aspectos Históricos, Conceituais e Econômicos da Farmacovigilância. Volume 4 Número 1 Dez/02 ____ISSN: 1517-7130_____Núcleo de Estudos de Saúde Coletiva - NESCO - UEL - UEM - UEPG Disponível em http://www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v4n1/doc/farmacovigilancia.htm. Janeiro de 2005. 22. COSTA, Fernando, B., in Digitalis e Hidropsia: do Empirismo do Século XVI à Indústria Farmacêutica do Século XX. Departamento de Ciências Farmacêuticas, Laboratório de Farmacognosia e Princípios Ativos Naturais, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Disponível em http://www.sbq.org.br/PN-NET/causo8.htm. Janeiro de 2005. 23. DAVIES, D.M., Textbook of Adverse Drug Reactions. Oxford: Oxford University Press, 1987, apud ROZENFELD, S., Farmacovigilância: Elementos para a Discussão e Perspectivas, in: Caderno de Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 14(2):237-263, abr-jun, 1998. 24. DUARTE, D.F., Uma Breve História do Ópio e dos Opióides, in: Revista Brasileira de Anestesiologia, Vol. 55, Nº 1, Janeiro-Fevereiro, 2005. 25. DUFOUR, Médéric., in: Homero. Odisséia. Tradução A.P. Carvalho (recomposição dos versos de Wilson A. Ribeiro Jr.). Abril Cultural. São Paulo. 1978. p. 40-41, Disponível em http://greciantiga.org./txt/tc/med-t008.asp. Março de 2005 26. FINLEY, Moses. Uso e abuso da história. Trad. de M.P.Michel. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1989, apud Saúde Coletiva: História e Paradigmas, NUNES, Everardo, D., in: Interface _ Comunic, Saúde, Educ. Agosto de 1998. 27. FRANCO Jr., Hilário, in: A Idade Média: Nascimento do Ocidente. Ed. Brasiliense. São Paulo. 2004. 28. GRAÇA, L., in: Saúde e Terror no Antigo Regime [Health and Terror during the 'Ancien Régime' ](a). Escola Nacional de Saúde Pública, Universidade Nova de Lisboa. Portugal. 2000. 29. HSU, HONG-YEN, et al., in: Matéria Médica Oriental: Um Guia Conciso . Ed. Roca. São Paulo. 1999. 30. LEE, P. R. & HERZSTEIN, J., in: International Drug Regulation Annual Review of Public Health, 7: 217-235, 1986, apud ROZENFELD, S., Farmacovigilância: Elementos para a Discussão e Perspectivas, in: Caderno de Saúde Pública, Escola Nacional de Saúde Pública, 14(2):237-263, abr-jun. Rio de Janeiro. 1998. 31. MACHADO, Roberto; LOUREIRO, Ângela; LUZ, Rogério; MURICY, Kátia, in: Danação da Norma: Medicina Social e Constituição da Psiquiatria no Brasil. Edições Graal Ltda. Rio de Janeiro. 1978. 32. MATOS, Francisco, A., in: Herbário Aquiléa - História das Ervas. Projeto Farmácias Vivas. Universidade Federal do Ceará. Disponível em http://www.cotianet.com.br/eco/HERB/hist.htm. Julho de 2005.

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Boletim Sobravime nº 44/45 - 2005

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