reacoes adversas a medicamentos - anvisa

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Especial de Capa

Reaes Adversas a MedicamentosPatrcia Mandali de Figueiredo, Alessandra Alves da Costa, Fernanda do Carmo Santa Cruz, Jos Romrio Rabelo Melo, Marcia Santos Nogueira e Tamara Pereira de Arajo Ges

E

mbora os medicamentos sejam formulados, Breve histrico da farmacovigilncia indiscutivelmente sob critrios de proteo e segurana, Os efeitos nocivos ao uso de medicamentos so convive-se com o risco associado ao seu uso. conhecidos desde a Antigidade, porm a farmacoMotivos diversos expem as pessoas a efeitos vigilncia, com carter institucional, tem seu incio aps indesejados. A utilizao de medicamentos em sium episdio de fibrilao em uma jovem de 15 anos, tuaes no indicadas ou em circunstncias que desdecorrente do uso de clorofrmio como anestsico em respeitem os critrios de uso racional pode provouma cirurgia de rotina do pododctilo. Na poca, a car danos. comum haver conseqnrevista mdica britnica The Lancet cias como intoxicao. solicitou aos mdicos que notificassem Em 1968, iniciou-se Ainda que sejam respeitados os crimorte associada com anestesia. A notrios de segurana, pode-se deparar tificao espontnea se tornou realidacom uma RAM (reao adversa ao de naquele pas e hoje fonte signio Programa OMS de medicamento), definida como reao ficativa de novas e valiosas informaes nociva e no-intencional (...), que ocorre sobre reaes graves pouco conhecidas em doses normalmente usadas no Vigilncia Internacional ou no descritas na literatura (4). homem para profilaxia, diagnstico, Em 1968, iniciou-se o Programa terapia da doena ou para a modificao OMS de Vigilncia Internacional de de Medicamentos, com Medicamentos, com o objetivo de acude funes fisiolgicas (1). Para prevenir ou reduzir os efeitos nomular e organizar os dados existentes civos manifestados pelo paciente e memundo sobre o objetivo de acumular em todo o de um sistemaRAMs. Com a lhorar as aes de sade pblica, funinstalao de notificao damental dispor de um sistema de farpara registro de suspeitas de reaes macovigilncia (2). Conforme define a e organizar os dados adversas a medicamentos, os pases doOMS (Organizao Mundial de Sade), tados de Centro Nacional de Monitofarmacovigilncia a cincia relativa rizao de Medicamentos enviam seus identificao, avaliao, compreenso existentes em todo o registros ao Centro Colaborador de e preveno dos efeitos adversos ou Uppsala, na Sucia, coordenado pela quaisquer problemas relacionados a OMS, que responsvel pela manumundo sobre RAMs. teno do Vigibase, base mundial de medicamentos (3). Esta matria aborda questes reladados sobre RAMs (2). cionadas com os riscos na utilizao de medicamentos, Com o decorrer do tempo, a farmacovigilncia precisamente as reaes adversas, e apresenta fundaamplia seu campo de ao, incorporando, alm das mentos tericos e conceituais bsicos de farmacoreaes adversas, perda da eficcia, desvios da quavigilncia. Pretende sensibilizar e chamar ateno dos lidade e uso indevido ou abuso dos medicamentos. profissionais da sade e dos profissionais envolvidos na produo e comercializao dos medicamentos A necessidade da farmacovigilncia para o impacto social e econmico das RAMs. Para que um medicamento obtenha registro, ato

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que autoriza sua comercializao, submete-se a ensaios pr-clnicos - pesquisas realizadas in vitro e em animais, para avaliar o perfil fsico-qumico, toxicolgico e teratognico do frmaco em anlise - e ensaios clnicos - pesquisas realizadas em seres humanos, com o objetivo de verificar a eficcia do medicamento, estabelecer a dose segura para sua utilizao e detectar a ocorrncia de possveis efeitos indesejveis (5). Tais ensaios, entretanto, possuem uma srie de limitaes. Uma delas consiste na diferena de resposta teraputica entre animais e seres humanos. Na maioria das vezes, os testes so insuficientes para prever a segurana do medicamento em questo (1). Considera-se tambm como limitador o nmero de indivduos submetidos aos ensaios clnicos, que chega, no mximo, a cinco mil. A probabilidade de se identificar RAM cuja incidncia seja de 1:10.000 remota, com amostras dessa grandeza (6). A seguir, temos que a durao dos ensaios relativamente curta, no retratando as conseqncias de utilizao continuada do medicamento por parte da populao, nem possibilitando a identificao de efeitos tardios (7). Alguns grupos populacionais (crianas, idosos, gestantes, mulheres em perodo de amamentao, pacientes com disfunes hepticas ou renais) so excludos dos estudos, porm, quando o medicamento entra em comercializao, todos esses grupos podem estar expostos (6). Consideram-se tambm fatores limitadores: as condies do teste, que diferem das aplicadas na prtica clnica (8); a associao medicamentosa, que uma prtica freqente, no considerada em tais estudos (7); e as diferenas tnicas entre as populaes que utilizam o medicamento, no avaliadas (6). Dessa forma, informaes sobre reaes adversas raras, toxicidade crnica, uso em grupos especiais ou interaes medicamentosas encontram-se freqentemente incompletas ou indisponveis (6). Esses dados demonstram a necessidade dos estudos ps-comercializao e a importncia da farmacovigilncia na monitorizao do perfil de segurana dos medicamentos na prtica clnica, j que alguns efeitos adversos srios e raros s so descobertos aps vrios anos de utilizao do produto (9).

Tipos, categorias de freqncia e critrios de gravidade das reaes adversas a medicamentosReaes adversas, tradicionalmente, foram separadas entre aquelas que se apresentavam como efeito farmacolgico aumentado, tambm chamadas reaes tipo A - aumentada - a partir de uma proposta

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Especial de Capamnemnica ou dose relacionadas, e aquelas que resultavam de um efeito aberrante, tambm chamadas reaes tipo B - bizarras - no relacionadas dose. Reaes tipo A tendem a ocorrer com maior freqncia e esto relacionadas dose. So previsveis e menos graves. Podem ser tratadas simplesmente com a reduo da dose do medicamento. Tendem a ocorrer entre indivduos que apresentem uma destas trs caractersticas: 1) os indivduos podem ter recebido dose maior que a que lhes apropriada; 2) podem ter recebido quantidade convencional do medicamento, mas metaboliz-lo ou excret-lo de forma mais lenta que o usual, apresentando nveis quantitativos muito elevados; 3) podem apresentar nveis normais do medicamento, porm, por alguma razo, so demasiadamente sensveis a ele (10). Em contraste, reaes tipo B tendem a ser incomuns,Classificao de reaes adversas a medicamentosTipo de reao A: Relacionado dose Mnemnico Aumento Caractersticas Comum Relacionada a um efeito farmacolgico da droga Esperada Baixa mortlidade Incomum No relacionada a um efeito farmacolgico da droga Inesperada Alta mortlidade Incomum Relacionada ao efeito cumulativo do frmaco Incomum Normalmente relacionado dose Ocorre ou aparece algum tempo aps o uso do medicamento Incomum Ocorre logo aps a suspenso do medicamento Comum Relacionado dose Freqentemente causado por interao de medicamentos Exemplos Efeitos txicos: Intoxicao digitlica; sndrome serotoninrgica com ISRSs Efeitos Colaterais:efeitos anticolinrgicos de antidepressivos tricclicos Reaes imunolgicas: hipersensibilidade penicilina Reaes idiossincrticas: porfiria aguda, hipertermia maligna, pseudoalergia (ex.: rash em uso de ampicilina) Supresso do eixo hipotalmicohipofisrio- adrenal por corticosterides Teratognese (ex.: adenocarcinoma associado ao dietiletilbestrol) Carcinognese Discinesia tardia Sndrome de abstinncia opiceos Isquemia miocrdica (suspenso de - bloqueador) Dosagem inadequada de anticoncepcional oral particularmente quando utilizados indutores enzimticos

no relacionadas dose, imprevisveis e potencialmente mais graves. Quando ocorrem, freqentemente necessria a suspenso do medicamento. Elas podem ser conseqentes do que conhecido como reaes de hipersensibilidade ou reaes imunolgicas. Tambm podem constituir reaes idiossincrticas ao medicamento ou ser conseqentes de algum outro mecanismo. Por isso, reaes tipo B so mais difceis de predizer, ou mesmo de identificar, e representam o foco principal da farmacoepidemiologia (10). Com a incluso de novos tipos de RAMs, atualmente so considerados os tipo A, B, C, D, E, F. Ainda assim, nem sempre possvel classificar uma RAM nessas categorias, uma vez que o mecanismo que leva sua ocorrncia pode no ser conhecido. O quadro seguinte apresenta essa classificao:

B: No relacionado dose

Bizarro

C: Relacionado dose e ao tempo de uso D: Relacionado ao tempo de uso E: Abstinncia

Crnico

Atraso (do ingls, delayed) Fim do uso (do ingls, end of use) Falha

F: Falha inesperada da terapia

Fonte: adaptado de Edwards; Aronson; 2000 (11).

Quanto freqncia das RAMs, so consideradas as categorias seguintes:Classificao das reaes adversas quanto freqnciaMuito comum* Comum (freqente) Incomum (infreqente) Rara Muito rara* >1/10 >1/100 e 1/ 1.000 e 1/ 10.000 e 1% e < 10% > 0.1% e < 1% > 0.01% e < 0.1% Acesso em 2/6/05. (17) BRASIL. Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria. Resoluo - RE n 356, de 28 de fevereiro de 2002, publicada no DOU de 4/3/02. (18) BRASIL. Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria. Alertas Federais. Alertas Federais. Alerta SNVS/Anvisa/Ufarm n 5, de 1 de outubro de 2004 Vioxx Retirado do mercado mundial por riscos cardacos, disponvel em: http:// www.anvisa.gov.br/farmacovigilancia/alerta/federal/2004/federal_5_04.htm> acesso em 2/6/05. (19) HELPER, C. D. & STRAND, L. M.. Opportunities and responsibilities in pharmaceutical care. American Journal of Hospital Pharmacy, n. 47, p. 533543, 1990. (20) ROUJEAU, J.C., STERN, R.S.. Severe adverse cutaneous reactions to drugs. New England Journal of Medicine; v. 331, n. 19, p. 1272-1285, 1994. (21) LAZAROU, J.; POMERANZ, B.H.; COREY, P.N. Incidence of adverse drug reactions in hospitalized patients: a meta-analysis of prospective studies. JAMA, v. 279, n. 15, p. 1200-1205, 15 abr. 1998. (22) BATES DW, CULLEN D, LAIRD N, ET AL. Incidence of adverse drug events and potential adverse drug events: implications for prevention. JAMA, 274, p. 29-34, 1995. (23) CLASSEN, D.C.; PESTOTNIK, S.L.; EVANS, R.S.; LLOYD, J.F.; BURKE, J.P. Adverse drug events in hospitalized patients. Excess length of stay, extra costs and attributable mortality. JAMA, v. 227, n.4, p. 301-306, 1997. (24) BORTOLETTO, M. E.; BOCHNER, R. Impacto dos medicamentos nas Intoxicaes Humanas no Brasil. Cadernos de Sade Pblica, v.15, n.4, 1999.

Patrcia Mandali de Figueiredo especialista em regulao e vigilncia sanitria da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria).

Jos Romrio Rabelo Melo especialista em regulao e vigilncia sanitria da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria).

Alessandra Alves da Costa assessora tcnica da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria).

Marcia Santos Nogueira

consultora tcnica da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria). Licenciada em Letras e especialista em sade pblica e vigilncia sanitria pela Universidade de Braslia.

Fernanda do Carmo Santa Cruz especialista em regulao e vigilncia sanitria da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria).

Tamara Pereira de Arajo Ges consultora tcnica da UFARM/GGMED/ANVISA (Unidade de Farmacovigilncia da Gerncia Geral de Medicamentos da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria).

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