de frente para a vida | por irene guida fagim e vera lúcia botelho demétrio

92
Sistema Rolando Toro International Biocentric Foundation Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro DE FRENTE PARA VIDA Uma experiência em Biodanza com adolescentes Irene Guida Fagim Véra Lúcia Botelho Demétrio Monografia apresentada à Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do título de facilitador de Biodanza Orientador : Antonio José Sarpe International Biocentric Foundation Reg. SP n.º 8515

Upload: escola-de-biodanza-rio-de-janeiro

Post on 25-Jul-2015

104 views

Category:

Presentations & Public Speaking


1 download

TRANSCRIPT

Page 1: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Sistema Rolando Toro

International Biocentric Foundation Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro

DE FRENTE PARA VIDA Uma experiência em Biodanza

com adolescentes

Irene Guida Fagim Véra Lúcia Botelho Demétrio

Monografia apresentada à Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro como requisito parcial para obtenção do título de facilitador de Biodanza Orientador : Antonio José Sarpe International Biocentric Foundation

Reg. SP n.º 8515

Page 2: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Monografia apresentada à Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro, e aprovada pela comissão julgadora, formada pelos didatas:

_______________________________ Antonio José Sarpe Orientador International Biocentric Foundation Reg. SP n.º 8515

______________________________ Gladys Trindade de Araújo Facilitadora Didata International Biocentric Foundation Reg. RJ n.º 9719

______________________________ Verônica Swalf Facilitadora Didata International Biocentric Foundation Reg.RJ nº9406

Visto e permitido a impressão Rio de Janeiro,25 de fevereiro de 2005 _____________________________ Antonio José Sarpe Diretor da Associação Escola de Biodanza Rolando Toro do Rio de Janeiro International Biocentric Foundation Reg. SP n.º 8515

Page 3: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ADOLESCENTE

O desabrochar da adolescência, à semelhança

do que ocorre com o botão de rosa que se abre ante

a carícia do Sol, desvela-lhe a intimidade que se

encontra adormecida, e desperta, suavemente,

aspirando a vida, exteriorizando aroma e oferecendo

pólen para a fertilização e ressurgimento em novas e

maravilhosas expressões.

JOANNA DE ÂNGELIS

Page 4: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

DEDICATÓRIA

Dedicamos este trabalho a todos

os adolescentes, pela sua irreverência

criadora, potencialmente capaz de mudar

o rumo da história e de transformar o

mundo num lugar melhor e mais alegre

para se viver.

Page 5: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

AGRADECIMENTOS

Aos nossos pais, que nos deram o mais importante: a VIDA; sem a

qual nada existiria.

Ao meu companheiro e amigo, Fagim, quem me indicou e estimulou

carinhosamente nos primeiros passos do caminho da Biodanza.

Aos nossos filhos Maíra, Fernanda, Rodrigo e Juliana que nos

facilitam com afeto, incentivo, compreensão e exemplos.

Ao meu irmão, Paulo César e minha amiga Licia, pelo incentivo e por

terem visto em mim um brilho que, mesmo eu, já julgava extinto.

A Antonio Sarpe, amigo especial, que marcou com sua presença e

incansável qualificação o nosso trabalho e a nós mesmas.

A Rolando Toro, pela sua criação, que possibilita à humanidade uma

melhor qualidade de vida, resgatando o prazer e a alegria de viver.

Aos nossos amigos e facilitadores Paulo e Licia, que, com seu

estímulo, determinação e proteção incansáveis, nos facilitaram teórica,

prática, vivencial e afetivamente.

À minha primeira facilitadora Maria Adela, pela presença firme e

afetuosa com que me conduziu no início da Biodanza.

Ao meu primeiro facilitador, Alberto Tavares (in memoriam), quem

me apresentou à Biodanza, abrindo as portas a uma nova forma de ver a

vida.

À SMS / UIS Hamilton Land, pela oportunidade e confiança que nos

foi creditada.

À Gladys, pela sua atenção e disponibilidade em nos transmitir, com

muito afeto, seu conhecimento.

Aos nossos alunos pela confiança, troca de afeto e aprendizagem e

pela grande oportunidade de reacender em nós a fé na humanidade.

Aos nossos amigos, que participaram conosco, na Escola de

Formação e nos grupos regulares.

Page 6: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

APRESENTAÇÃO

Nossa larga experiência e convívio com o

adolescente em nossos diferentes campos profissionais e as diversas e

longas conversas que tivemos a respeito deles, nos mostraram as

coincidências das dificuldades em seus aspectos emocional, intelectual,

orgânico e social, tanto na saúde quanto na educação.

Esta constatação, aliada à consolidação de uma grande

amizade, nos levou à idéia de unirmos nossas forças e esperanças à

Biodanza e direciona-las em auxílio do adolescente. A difícil relação

familiar, em alguns casos ausente, a repressão cultural e as mudanças

pessoais provocam nos adolescentes conflitos relacionais identificados

nas escolas e a sucessão desses conflitos provoca conseqüências

orgânicas, detectadas nos consultórios médicas.

Para um melhor entendimento deste estudo, está o mesmo

dividido em quatro capítulos.

O Capitulo I trata do desenvolvimento do adolescente, em

seus aspectos físico, emocional e social.

O Capitulo II cuida das características do adolescente e a

autopercepção a partir do questionamento: o que é ser adolescente, como

eu me vejo, o que eu quero para mim.

No Capitulo III explica-se a aplicação da Biodanza, como

instrumento de facilitação da integração bio-psicossocial do adolescente.

No Capitulo IV explica-se a metodologia utilizada na

organização e na dinâmica do grupo foco deste estudo, bem como os

resultados obtidos.

A conclusão refere-se ao que se observou junto aos

adolescentes, em termos de desempenho afetivo, educacional e

profissional.

Page 7: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

RESUMO

O estudo objetivou a integração da identidade do

adolescente com suas mudanças a nível corporal, emocional, psicológica

e social.

Quanto aos fins da metodologia, esta foi de caráter

explicativo, buscando-se justificar os motivos da pulsação comuns na fase

da adolescência em que o jovem, a nível existencial, ora está seguro, ora

inseguro.

Quanto aos meios buscou-se o estudo sistematizado, tendo

como referenciais cientistas sociais, médicos, psicólogos, filósofos,

procedimento tal que ajudou a atingir o fim para o qual a pesquisa se

propôs. A investigação documental foi feita utilizando-se prontuários

médicos, aos quais teve acesso uma das autoras deste estudo, por ser

credenciada como médica.

Ainda nesse contexto é relevante a contribuição dos alunos,

através de seus depoimentos e ainda das anotações da presente

pesquisa.

As observações e reflexões sobre o efeito da Biodanza

como instrumento de ação profilática, integrando a educação e a saúde

levaram a conclusão da inevitável integração entre saúde e educação.

Page 8: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ABSTRACT

The research has objectified the teenagers’ identity

integration with his/ her changes concerning physical, emotional,

psycological and social.

Talking about methodology, this was an explanatory

character, trying to justify the common pulsation reasons at the teens

phase when the young, in an existential level, first he/she is absolutely

sure, then he/she feels totally insecure.

Talking about means, it has searched for the systematize

study, having social scientists, physicians, psychologists and philosophers

as reference. This procedure helped to reach the aim that this research

has set. The documental investigation was done utilizing medical notes,

which one of the researchers had access as she is qualified as a doctor.

Up to this context, it is relevant the students’ contribution

through their statements and notes on this research.

The observations and reflexions about the Biodance effect as

a tool of profilatic action, making up education and health, took the

conclusion of the inevitable health and education integration.

Page 9: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – o problema............................................................1

Objetivo.............................................................................................3

Delimitação do estudo......................................................................3

Relevância do estudo.......................................................................3

Definição dos termos........................................................................4

CAPITULO I

Desenvolvimento do adolescente ..............................................5 / 13

CAPITULO II

Características do adolescente................................................14 / 20

CAPITULO III

Princípio Biocêntrico.......................................................................21

Educação Biocêntrica.....................................................................23

Biodanza – Ação mediadora...................................................24 / 40

CAPITULO IV

Metodologia....................................................................................41

Organização e formação do grupo.................................................42

Dinâmica do grupo...................................................................43 / 50

Resultados obtidos.........................................................................50

Depoimentos ............................................................................51 / 55

CONCLUSÃO.................................................................................56

BIBLIOGRAFIA...............................................................................58

ANEXOS:

I – Visão do adolescente sobre si mesmo

II – Questionário

III – Fotos

Page 10: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

INTRODUÇÃO

Ao longo de nossa formação em Biodanza, um ponto em

comum nos atraiu e convidou cada vez mais a nos aproximarmos – O

ADOLESCENTE. Essa pessoa tão cheia de dúvidas e certezas, que

passa por mudanças extremamente abrangentes, tanto a nível físico

quanto a nível emocional e social. Essa pessoa que clama com

veemência por respostas a perguntas que ainda não ousou formular, e

que ao mesmo tempo é capaz de ensinar tantas verdades que poderiam

provocar uma reviravolta no processo civilizatório, caso não fossem

sufocadas por esse mesmo processo.

Uma boa parte dos problemas dos adolescentes decorre de uma

saudável tentativa de adaptação a uma sociedade complexa e repleta de

incongruências.

Com sua natural inclinação para a saúde, os jovens insistem na

reciclagem de certos tópicos até que cheguem a solucionar os pontos

insatisfatórios. Insistem também em variar os seus temas até que tenham

alargado a sua experiência a um nível satisfatório, explorando os limites

de sua capacidade.

Pelo fato de trabalharmos com comunidades que dispõem

de uma gama menor de possibilidades para o seu crescimento, pudemos

detectar um número muito grande de dificuldades na esfera da educação

com conseqüências inevitáveis na saúde e vice versa.

A grande procura de atendimento nos ambulatórios do

serviço de saúde pública é de adolescentes de classes menos

favorecidas, que além das dificuldades sócio–econômicas apresentam

distúrbios no crescimento e desenvolvimento, comprometimento da

dinâmica familiar decorrente de uma “miséria afetiva”, o uso de drogas

Page 11: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

como busca de prazer e fuga da realidade, a gravidez precoce como falta

de perspectiva de vida, compensação de insatisfações e tristezas e uma

busca “mágica” de um objeto de amor, as DST (doenças sexualmente

transmissíveis) como forma de desproteção, baixa auto estima e

desvalorização da vida.

Por outro lado, um sem número de adolescentes é

encaminhado aos serviços de saúde pública a fim de sanar dificuldades

detectadas nas escolas como distúrbios na aprendizagem, decorrentes de

carências alimentares, afetivas e emocionais, transtornos

comportamentais (agressividade, intolerância, destrutividade) como

conseqüência da falta de valorização pessoal, distorções de valores

humanos como o uso da força para atingir seus “objetivos”, resultado de

um contexto existencial sofrido e de uma realidade social onde impera a

“lei do mais forte”.

Toda essa consonância de sentimentos e pensamentos nos

motivou a optar pelo trabalho na esfera social, que é sem dúvida alguma

de uma enorme gratificação, por outro lado tivemos a possibilidade de

repensar o nosso lugar no mundo, tanto pessoal como profissionalmente.

Escolhemos a Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land,

para fazer a união entre a saúde e a educação, pois é o local de atuação

da Dr. ª Irene com adolescentes, ha longo tempo e é também uma

unidade Municipal, o que possibilita a presença da Profª. Véra (que atua

na rede Municipal de Educação),

Desta união resultou o crescimento do adolescente, através

de uma maior integração e da recuperação de sua saúde mediante a

retomada da sacralidade da vida, o que mais uma vez confirma que o

Sistema Biodanza é interdisciplinar e está centrado na identidade.

Daí por que julgamos oportuna, a formulação da seguinte

pergunta:

- Até que ponto a Biodanza pode facilitar o

processo de mudança biopsicossocial do adolescente?

A resposta a tal pergunta está delineada no desenvolvimento

deste trabalho.

Page 12: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Objetivo

Integrar a identidade do adolescente com suas mudanças a

nível corporal, emocional, psicológica e social, ampliando seus horizontes,

aumentando as suas possibilidades de escolha e favorecendo o seu

prazer de viver.

Delimitação do estudo

Considerando o universo da adolescência, e as iniciativas

sociais já direcionadas ao seu desenvolvimento, o estudo toma como

referência, um grupo de adolescentes da Cidade de Deus, bairro da Zona

Oeste do Estado do Rio de Janeiro, na faixa etária de 12 a 17 anos, que

freqüenta o ambulatório de atendimento clínico e grupos educativos-

informativos, da Unidade Integrada de Saúde Hamilton Land, desde abril

de 2003, até a presente data.

Relevância do estudo

É na adolescência, mais do que em qualquer outra época,

que o indivíduo se coloca questões existenciais.

A formação da identidade é a principal tarefa do

adolescente, mesmo que de forma inconsciente, uma vez que ele não se

apercebe da mesma. Adquirir um forte senso de individualidade perceber-

se diferente e de certa forma, independente dos demais. Sendo o

movimento expressivo, uma manifestação profunda da identidade, a

Biodanza pode ser o instrumento apropriado para induzir modificações

positivas no adolescente.

Na aventura de conectar com a sua própria identidade, o

adolescente pode eleger caminhos que o põe em risco como: a droga, a

delinqüência, a gravidez precoce, a prostituição, a desocupação, entre

outros.

Considerando que a Biodanza atua contra toda forma de

alienação do ser humano, é de relevância, um estudo que venha reeducar

afetivamente os adolescentes e estimular sua capacidade criadora,

abrindo assim novos horizontes para a escolha de uma vida mais plena.

Page 13: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Definição de termos

Alquimia – a química da idade média e da renascença, que procurava,

sobretudo, descobrir a pedra filosofal, fórmula secreta para

transformar os metais em ouro.

Antropocêntrico – que considera o homem como centro ou a medida do

Universo. que concebe o Universo em termos de experiência ou

valores humanos.

Atenção primária – atendimento de atividades básicas (a nível

ambulatorial

Cenestesia – sentimento difuso resultante de um conjunto de sensações

internas ou orgânicas.

Feed back – retorno de informação, propiciando um diálogo.

Filogênese – é a história evolucionária da espécie.

Menarca – primeira menstruação.

Ontogenia – é o desenvolvimento individual do ser vivo.

Puberdade – conjunto das transformações psicofisiológicas ligadas à

maturação sexual que traduzem a passagem progressiva da infância

à adolescência.

Semenarca – primeira ejaculação.

Page 14: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

CAPÌTULO I

Desenvolvimento do Adolescente

A adolescência tem sido definida como um período de

transição entre a infância e a vida adulta. Este período é marcado por um

importante crescimento e desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, moral

e social. O rápido e intenso crescimento físico, que caracteriza o estirão

da puberdade, num certo sentido, é análogo ao processo de modificações

psicossociais.

A adolescência é a vida que pulsa, energia explícita,

revelação da intensidade do ser. Esta fase busca sua inserção no mundo,

num tempo presente, fazendo com que cada gesto, pensamento e ação

sejam revelados no aqui e agora.

A adolescência é um estágio especifico e necessário de

desenvolvimento psicossocial, tão importante quanto a primeira infância.

Conflitos psicoafetivos da infância podem ser superados nesta fase com

mais facilidade do que na vida adulta. Outrossim, os conflitos não

resolvidos durante a adolescência podem se perpetuar no

comportamento, marcando toda a vida do indivíduo.

Desenvolvimento físico e mudanças do esquema corporal

A puberdade inaugura biologicamente a adolescência. O

desenvolvimento dos caracteres sexuais primários e secundários e o

notável crescimento somático pressagiam o destino do corpo infantil em

sua inevitável metamorfose.

Paralelamente ao aumento das gonadotrofinas, dos

esteróides sexuais e do hormônio de crescimento, ocorre neste período o

Page 15: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

crescimento de todos os órgãos, num rápido aumento de tamanho e dos

segmentos corporais, marcando uma característica universal da

adolescência, onde 50% do peso e 20 % da estatura definitiva são nesta

fase.

Os primeiros fenômenos físicos da puberdade (como o

aparecimento dos caracteres sexuais secundários) têm seu início

somente algum tempo após ocorrerem às primeiras modificações

hormonais. Estas modificações dizem respeito ao eixo Ht-Hf-Gn e seus

respectivos hormônios.

Sendo preciso que este eixo passe por um longo caminho de

maturação, antes que a secreção dos hormônios sexuais pelas gônadas

estimuladas atinja o nível critico capaz de produzir, nos órgãos, mudanças

que representarão os primeiros fenômenos físicos da puberdade.

O funcionamento do eixo Ht-Hf-Gn não é fenômeno novo,

que se inicia na puberdade, mas um processo que está em atividade

desde a vida fetal do indivíduo. Mantido em níveis baixos de

funcionamento durante a infância, ele é apenas reativado na puberdade.

A secreção dos hormônios do eixo Ht-Hf-Gn não ocorre de maneira

continua, mas é liberada "em ondas", ou picos, a pequenos intervalos de

tempo, sendo por isso chamada de secreção pulsátil.

O mecanismo endócrino do crescimento é comandado pelo

hipotálamo, na base do cérebro, de cujo córtex recebe os estímulos para

produzir os fatores liberadores do hormônio do crescimento (HC). O HC é

sintetizado na glândula hipófise, intimamente ligada ao hipotálamo.

Na adolescência (10 aos 20 anos), ocorre a puberdade,

período de crescimento físico importante (com típicas aceleração e

desaceleração do crescimento), maturação sexual (desenvolvimento de

caracteres sexuais) e outras mudanças corporais.

No sexo feminino o primeiro sinal de puberdade é o broto

mamário, seguido do desenvolvimento de pêlos pubianos. A menarca (1ª

menstruação) deve ocorrer aproximadamente dois anos após o início do

desenvolvimento puberal, geralmente em torno dos doze e meio anos de

idade. A idade da menarca está relacionada a fatores genéticos (menarca

Page 16: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

da mãe e maturação sexual) e a fatores ambientais (estado nutricional e

estimulação ambiental).

No sexo masculino o desenvolvimento sexual é mais tardio,

iniciando com o aumento do volume testicular, aos 13 ou 14 anos e

aparecimento de pêlos pubianos. Concomitantemente ou logo a seguir

ocorre o aumento do pênis em tamanho e espessura, culminando na

maturação sexual completa com a semenarca (1ª ejaculação) em torno

dos 15 anos de idade.

Fatores que influenciam a puberdade

As diversas características da puberdade de cada indivíduo

retratam a interação da sua herança genética com as influencias

exercidas pelo ambiente. Não só o "plano genético" de cada um é

diferente, mas também a suscetibilidade individual às influencias

ambientais é muito variável: indivíduos submetidos a uma mesma

privação podem mostrar graus muito diferentes de comprometimento

(Marshall, 1977), o que pode ser perfeitamente compreendido pela clara

percepção de que a identidade de cada um é singular e única.

Na prática, freqüentemente torna-se difícil isolar a influencia

dos determinantes genéticos da dos ambientais, e mais difícil ainda

analisar a influencia especifica de inúmeros fatores ambientais diferentes,

tais como nível socioeconômico, nutrição, características psicossociais,

etc., pois eles interagem entre si de maneira complexa e variável.

Fatores genéticos

A força do determinismo genético é de conhecimento geral.

Um indivíduo ao nascer, já vem com seu potencial genético altamente

diferenciado. Em condições ambientais favoráveis, o potencial genético

pode se expressar com maior facilidade, mas em condições mínimas

encontra maior dificuldade.

Os potenciais genéticos no adolescente estão em

desenvolvimento, esperando por cofatores e ecofatores que facilitam sua

realização a favor da saúde, da integridade e da eficiência. Como nos diz

Page 17: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Rolando Toro, “eles se manifestam através das estruturas funcionais dos

instintos, vivências, emoções e sentimentos.”

Fatores étnicos e raciais

Indivíduos de diferentes povos e raças podem apresentar

diferenças na configuração corpórea

Acredita-se que fatores ambientais (como estado nutricional

e o nível socioeconômico), assim como as heranças genéticas familiares,

exerçam influencia decisiva no padrão de crescimento e desenvolvimento

do adolescente.

Estado nutricional

A nutrição e a estimulação biopsicossocial adequada são

requisitos muito importantes para a realização plena do "plano genético",

interferindo diretamente no crescimento e desenvolvimento do

adolescente.

Nível sócio-econômico

A qualidade de vida de um adolescente depende em grande

parte da renda familiar, sendo esta um ecofator que influencia, em menor

ou maior grau, o crescimento e desenvolvimento do adolescente.

Doenças

Doenças crônicas ou recorrentes podem inibir crescimento e

retardar a puberdade.

Fatores psicossociais

Dentro da estimulação biopsicossocial, podemos destacar a

importância da dinâmica familiar para o crescimento físico e

desenvolvimento psico-afetivo e intelectual do adolescente.

Page 18: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Desenvolvimento cognitivo

A exemplo do estirão puberal, a adolescência é marcada

pelo "estirão cognitivo", um conjunto de importantes transformações

quantitativas e qualitativas da estrutura do pensamento, que modificam

sensivelmente a representação que o adolescente faz de si e do mundo.

Assim como o processo puberal repercute intensamente na vida

psicossocial e requer uma reelaboração da imagem corporal, também as

modificações cognitivas se refletem profundamente na emotividade do

adolescente, exigindo sua adaptação ao novo modo de pensar.

Desenvolvimento emocional

O ser humano nasce extremamente frágil. Durante os

primeiros anos de vida vai, gradativamente, organizando suas impressões

no mundo, em conformidade com as referências que o cercam. Sua

organização dependerá, em parte dos seus potenciais pessoais, mas

também de como seja cuidado, importando-lhe saber-se querido e

apoiado. Estas bases permitem que ele se (re) conheça como sujeito

social. A tendência a buscar estas referências em algum lugar seja na

família, nas instituições escolares ou na rua, são evidências da

necessidade de viver com os outros.

Desta forma, nós, seres humanos, estamos expostos aos

valores educativos daqueles que, com poder de adultos, nos indicam vias

de facilitação para nossa formação como indivíduos.

Na adolescência, o grupo de iguais, o exercício da

sexualidade, o direcionamento mais efetivo dos afetos intermediam o

processo de definição da identidade e a inserção social.

A vida emocional adquire uma grande intensidade e um

colorido especial durante a adolescência. Talvez em nenhum outro

período de vida as emoções são experimentadas com tanta veemência,

sensibilidade e contradição, como na adolescência.

Para alguns psicanalistas (Aberastury & Knobel), a

experiência emocional da adolescência estaria marcada pelo luto. A perda

do corpo infantil, da identidade infantil e dos pais da infância levaria a um

Page 19: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

processo de luto e sua elaboração. Este processo seria caracterizado por

depressão, inúmeros mecanismos de defesa e características emocionais

e comportamentais que constituiriam a chamada síndrome normal da

adolescência. Julgamos oportuno a citação de Aberastury:

“As mudanças biológicas que têm lugar na adolescência produzem grande ansiedade e preocupação ao adolescente, de assistir passiva e impotentemente às mesmas. A tentativa de negar a perda do corpo e do papel infantil, especialmente, provoca modificações no esquema corporal que se tenta negar na elaboração dos processos de luto da adolescência.” 1

A ansiedade típica da adolescência seria, na visão

psicanalítica de Freud, decorrente da eclosão puberal e intensificação das

pulsões libidinais.

Em todas as culturas, é na adolescência que surgem

importantes diferenças entre os sexos, na qualidade e expressão de

sentimentos. Nas sociedades ocidentais industrializadas, por exemplo, as

mulheres mostram maior propensão a comunicar seus sentimentos e

maior sensibilidade à expressão não verbal do que os homens.

Observações de grupos de adolescentes revelaram que os meninos

tendem a se afastar fisicamente dos colegas e a evitar o contato olho no

olho durante a conversação, enquanto as meninas mantêm o contato

visual e ficam mais próximas umas das outras. Rapazes utilizam mais

estratégias para evitar o contato e/ou a expressão de sentimentos:

brincam, disfarçam, negam ou atuam.

Ao mesmo tempo em que se tornam mais sensíveis e

emotivos, os adolescentes, particularmente os rapazes, mostram bastante

dificuldade em reconhecer, nomear, comunicar seus sentimentos. A

conduta do adolescente é dominada pela ação e, muitas vezes, parece

agir mais do que pensar, ou antes, de pensar. A ação se torna o modo

mais característico de expressão do adolescente.

1 ABERASTURY, apud MONTEIRO, D.L.M., CUNHA, A. A; BASTOS, A.C. Gravidez na

Adolescência: Rio de Janeiro, Livraria e Editora Revinter Ltda., 1998, página 15.

Page 20: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

O humor e o comportamento do adolescente são marcados

pela instabilidade, imprevisibilidade e contradições sucessivas.

Experimenta diferentes papeis, assumindo identidades transitórias.

Muitas vezes irrita adultos pela inconstância e incoerência.

Ao mesmo tempo em que se mostra excessivamente autoindulgente, e

extremamente sensível a criticas, é capaz de se autodepreciar

desmedidamente.

O turbilhão interno do adolescente se traduz em uma

desorganização externa. A famosa "bagunça do quarto" é um reflexo da

desordem interna do adolescente.

A noção do tempo parece estar deturpada na adolescência.

Adolescentes estão predominantemente centrados no presente.

Freqüentemente têm dificuldade em lembrar do seu passado, em situar o

seu comportamento atual numa historia pessoal coerente, em se

aperceber das mudanças. A veemência apaixonada com que vive o "aqui

e agora" deixa pouco espaço para reflexões com elementos da

experiência passada.

Desenvolvimento social

Adolescente na Antigüidade. Embora somente no século XX

a adolescência tenha sido reconhecida e estudada como um período

especifico do desenvolvimento humano, referencias a esta fase de vida e

interesse pelas particularidades e problemas dos jovens, datam, pelo

menos, da Antigüidade egípcia e greco-romana. Senão vejamos:

Aristóteles – "... Os jovens são apaixonados, irascíveis e

tendem a se deixar levar por seus impulsos, particularmente os sexuais, e

neste sentido não conhecem a continência. Também são volúveis, e seus

desejos inconstantes, alem de transitórios e veementes. Levam tudo ao

extremo, seja amor, ódio ou qualquer outra coisa. Acham que sabem de

tudo..." 2

2 ARISTÓTELES, apud. CHIPKEVITCH, E. Puberdade e Adolescência: São Paulo, Editora Roca

Ltda., 1995.página 112

Page 21: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Sócrates – “... Os nossos jovens parecem amar o luxo. Têm

maus modos e desdenham a autoridade. Desrespeitam adultos, e gastam

seu tempo vadiando por ai, tagarelando uns com os outros. Estão sempre

prontos a contradizer seus pais, monopolizam a atenção em conversas,

comem insaciavelmente, e tiranizam seus mestres..." 3

Teorias modernas da adolescência

Sobre elas também se manifestam:

Sigmund Freud escreveu pouco sobre a adolescência. Para

ele, conflitos e fixações libidinais durante os estágios de sexualidade

infantil (oral, anal e fálico) determinam, em grande parte, o

desenvolvimento adolescente e adulto. A puberdade é marcada pelo

ressurgimento, após vários anos de latência, da energia libidinal, que

assume a forma adulta (genital e heterossexual) de sexualidade.

Para Anna Freud, a turbulência do período adolescente é

devida à intensidade do impulso sexual que acompanha a maturação

puberal.

Para Erik Erikson, a elaboração da identidade era tarefa

central no processo evolutivo. A aquisição da identidade do ego é a

principal tarefa evolutiva do adolescente, que se defronta com a confusão

de papéis.

Para Arminda Aberastury e Maurício Knobel, a síndrome da

adolescência normal nada mais é que um conjunto de características

evolutivas da adolescência bastante conhecidas, que marcam a

turbulência deste período de vida. Influenciados pelos conceitos de luto

da psicanálise européia, Aberastury e Knobel enfatizam as diversas

perdas (do corpo, da bissexualidade e da identidade infantil, e dos pais da

infância) que o adolescente tem que elaborar, e o luto que acompanharia

este processo.

Jean Piaget, também chamada de epistemologia genética,

permitiu compreender as modificações do pensamento que ocorrem

3 SÓCRATES, op.cit. página 112

Page 22: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

durante a adolescência, e suas repercussões no comportamento,

identidade, moralidade, relações sociais, etc.

Page 23: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ADOLESCENTE

CAPÍTULO II

Características da adolescência

Fatores que influenciam com maior freqüência no comportamento do Adolescente

Modelo de Rolando Toro4

4 TORO, R.A. Educação Biocêntrica, Apostila Curso de Formação Docente de Biodanza página

46.

Necessidade de

expressão

da emoção e da

criatividade

Busca de significação em

grupos de referência

Necessidade de pertencer

Transformação do

esquema corporal

(Problemas com auto-

imagem)

Necessidade sexual

Aparição de impulsos e

intensas sensações

eróticas

Programação escolar e

novos interesses e

motivação

(Autogestão)

Crise de identidade

Sentimentos de inferioridade

Insegurança

Necessidade de auto-afirmação

Conflitos derivados da

dependência

da família. Necessidade de

Autonomia

Page 24: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

O organismo do adolescente, em franca expansão, sofre

mudanças bioquímicas, endócrinas, psicológicas, vivencia alterações

muito intensas e freqüentes. A cada estímulo uma resposta nova; ainda

está em aberto toda a organização do ser. Ele passa por intensas

oscilações de identidade, que vão desde o anseio pela liberdade até a

necessidade da dependência familiar.

Transformação do esquema corporal

Não se pode falar na adolescência sem falar do corpo. Nunca,

durante a vida pós-natal do indivíduo, o corpo sofre modificações tão

rápidas e profundas como na puberdade, nem adquire significado tão rico,

especial e potencialmente conflituoso, como nesta fase da vida.

Todo o processo de individuação do adolescente passa pelo

conhecimento e adaptação ao próprio corpo, um corpo diferente de todos

os outros, mas também diferente, hoje, do que foi ontem. A consolidação

da identidade pessoal também inclui a elaboração de uma imagem

corporal consistente e estável.

Todos nós temos uma auto-imagem do nosso próprio corpo,

um conceito mental, mais real ou menos real, de como somos

fisicamente, o que aparentamos e como os outros nos vêem.

Um dos principais aspectos da puberdade é a magnitude e a

rapidez das transformações que a caracterizam. Todo auto-conhecimento,

e também auto - imagem corporal necessita de tempo. Tempo para se

olhar, tempo para se sentir.

A experiência de ver seu corpo mudando rapidamente sem o

menor controle da sua parte, gera com freqüência no adolescente um

sentimento de impotência e de passividade. Alguns adolescentes,

principalmente em fase de estirão do crescimento, sentem-se esquisitos,

"tortos", desproporcionais, perdendo o controle e o sentido dos próprios

movimentos.

Muitos adolescentes tentam exercer controle sobre seu

corpo em mutação. Mudam de penteado, fazem tratamento de espinhas,

regimes para emagrecer ou para engordar, dedicam-se à musculação

para aumentar sua força muscular, entram para academias de dança e de

Page 25: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ginástica, procuram cirurgias plásticas para os seios, orelhas, nariz, usam

roupas para ressaltar ou ocultar partes do corpo etc.

Outro aspecto que não se pode esquecer é a influencia do

corpo idealizado na elaboração da auto - imagem corporal e na auto-

estima corporal do adolescente. Todo adolescente tem em mente o corpo

que gostaria de ter. Quanto mais este corpo se distanciar do seu corpo

real, maiores serão as possibilidades de conflito, resultando em

depressão, isolamento social e tentativa de controle.

O adolescente de hoje vive numa sociedade de consumo,

bombardeado por uma infinidade de imagens, conceitos e informações

cuja função, entre outras, é fazer dele um consumidor. Ele é por natureza

questionador da sua própria normalidade, é muito sensível e receptivo a

esta normalização social, e compara-se constantemente com modelos

idealizados.

Crise de identidade

Crise é toda situação de mudança biológica, psicológica ou

social, que exige da pessoa ou do grupo um esforço suplementar para

manter o equilíbrio. Daí resulta um aumento da vulnerabilidade, podendo

a pessoa evoluir para uma perturbação a nível afetivo ou de

aprendizagem.

É na adolescência, mais do que em qualquer outra época,

que o indivíduo se coloca questões existenciais.

A formação da identidade é a principal tarefa do

adolescente. Isso significa, adquirir um forte senso de individualidade,

perceber-se diferente e, de certa forma, independente de todos os

demais. O senso de identidade também exige um senso de unidade, a

estabilidade de um padrão próprio de necessidades, motivações e

respostas no decorrer do tempo.

O início do contato com a identidade profunda ocorre na

adolescência causando um sentimento de insegurança diante do

ambiente que em geral lhe é hostil.

Devido às grandes mudanças que sofre o adolescente, ele

se imbui de uma suposta onipotência que vai lhe permitir enfrentar os

Page 26: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

medos diante do desconhecido, as incertezas, o descontrole sobre as

transformações físicas pelas quais passa; assim ancorado, ele enfrenta o

mundo e tem o controle de tudo, nada lhe acontece, só aos outros. É uma

necessidade de segurança. Ele se escora na fantasia para suportar a

realidade. Ele é o TODO PODEROSO.

Busca de significação em grupos de referência.

Amizades podem ser especialmente intensas na

adolescência e para muitos adultos as reminiscências destas amizades

têm uma qualidade que parece irrecuperável na maturidade. A

necessidade de ter amigos e de pertencer a um grupo é particularmente

aguda na adolescência. O grupo cumpre importantes funções para o

desenvolvimento psicossocial. Aqueles que não conseguem ter amizades

verdadeiras e vínculos podem apresentar dificuldades na socialização,

com repercussões na sua vida adulta.

As amizades e o grupo oferecem um espaço privilegiado

para a troca de idéias, sentimentos e experiências. É um espaço em que

todos se parecem, na sua procura de si mesmos, nas angustias, na sua

recusa dos valores adultos. O grupo oferece segurança emocional,

compreensão, suporte, encorajamento, incentiva o desenvolvimento de

diversos papeis e habilidades sociais, de qualidades como sensibilidade,

reciprocidade e cooperação. O convívio com o grupo também permite ao

adolescente dar vazão aos impulsos sexuais e agressivos, facilitando o

seu desligamento emocional das figuras parentais, e certamente

influencia muito no seu comportamento. A aceitação pelo grupo se torna a

aspiração inquietante para todo adolescente. Encontra-se reforço desta

explicação, através de Rolando, que assim se manifesta.

“As primeiras noções que se têm do próprio corpo e as primeiras noções de ser diferente geram a consciência de si mesmo e a capacidade de vínculo com os demais.” 5

5 TORO, R.A., Educação Biocêntrica, apostila do Curso de Formação Docente de Biodanza,

página 45

Page 27: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Conflitos derivados da dependência da família.

Em nossa sociedade, o período da adolescência está quase

sempre marcado por algum grau de turbulência nas relações entre pais e

filhos. A conquista da independência e a elaboração da identidade

pessoal são tarefas básicas da adolescência, e ambas exigem certo

afastamento emocional dos pais. Uma boa parte do interesse e do afeto

antes dedicado aos pais será agora dirigida aos amigos e à namorada (o).

O adolescente começa a examinar outros modelos de

relacionamentos entre pais e filhos, a levar em conta outros conceitos e

valores, a comparar a personalidade e as atitudes dos seus pais com as

de outros adultos.

O relacionamento dos adolescentes com os pais é marcado

por sentimentos e atitudes ambivalentes. Ao mesmo tempo em que

reclamam a sua autonomia e exigem direitos, dependem profundamente

dos pais e temem a responsabilidade. Revoltam-se contra eles, embora

os amem.

O luto pela perda da infância, com sentimentos associados

de angustia, depressão e culpa acompanharia inevitavelmente o processo

de independentizacao das figuras parentais e de elaboração da

identidade do adolescente.

Programação escolar

A educação é muito mais que a formação intelectual e

tecnológica, como ainda hoje é pautada. Sem desprezar a formação é

preciso estimular os potenciais genéticos que constituem a estrutura

básica da identidade.

A orientação metodológica deve nortear-se rumo a uma

conecção autentica com a vida.

O comportamento contraditório do adolescente e seu

constante questionamento das regras opressoras gritam por novas formas

de expressão, onde seu aprendizado possa fundamentar-se a partir de

seus próprios questionamentos e necessidades, utilizando para isso o

terreno fértil dos anseios do adolescente que está pronto para ser arado

Page 28: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

por uma educação pautada na afetividade, na percepção de si mesmo, da

constatação da sacralidade da vida e do prazer de viver.

Incentivar seus interesses, motivá-los a acreditar na sua

própria capacidade de aprender com suas experiências, reformular os

conceitos educacionais e direcioná-los a uma nova e possível vida,

significa proporcionar ao adolescente possibilidades de conhecer-se e

integrar-se, que inevitavelmente facilitarão sua expressão no mundo

baseada em sua própria capacidade.

Necessidade de expressão

O risco e a vulnerabilidade estão muito ligados às

características próprias do desenvolvimento psicoemocional desta fase da

vida. A busca de identidade leva ao questionamento dos padrões adultos

e, portanto, da autoridade de pais, professores. A exposição ao novo

funciona como um grande desafio vinculado à onipotência do adolescente

que se julga sempre vencedor; por outro lado a timidez e a baixa auto-

estima podem torná-lo potencialmente frágil, levando-o à vinculação com

soluções externas inadequadas para os seus problemas.

Necessidade sexual

A sexualidade envolve amor, afeto, erotismo, satisfação de

necessidades instintivas, tais como o contato, o calor, o afago, os beijos,

as carícias. Inclui, ainda, traços genéticos, identificação através da cópia

de modelos e desempenho de papéis sociais. Falam-se muito nos

aspectos físicos e fisiológicos da sexualidade, porém não podemos

ignorar a enorme influencia dos aspectos comportamentais.

A sexualidade humana é um processo evolutivo que se inicia

ao nascer, ou mesmo antes disso e se estende por toda a vida, passando

por diferentes etapas, inclusive a adolescência, onde se aperfeiçoa com o

estímulo dos fatores determinantes da puberdade, desde o auto-erotismo

até a sexualidade genital adulta e sofre a influência de fatores biológicos,

psicológicos e sociais. Nesta fase, há uma busca de satisfação através da

genitalidade, onde o adolescente busca uma definição da sua identidade

sexual e um posicionamento no meio social. Os papeis sexuais são muito

Page 29: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

marcados nos grupos de adolescentes, às vezes até de modo caricatural,

e a aceitação pelo grupo exige o cumprimento deste papel. A identificação

com a figura parental e outros adultos do mesmo sexo, e os modelos

culturais veiculados pela mídia, também influenciam a performance do

papel sexual do adolescente. Os impulsos psicossexuais que estavam

latentes e eram indiferenciados passam a afetar todo o padrão de

comportamento, exercendo grande influência no desenvolvimento

emocional. As vivências da sexualidade trazem também possibilidade de

risco como a gravidez precoce, a AIDS e outras doenças sexualmente

transmissíveis, o aborto que pode comprometer o projeto de vida ou até a

própria vida.

Visão do adolescente sobre si mesmo

A adolescência é um dos períodos mais intensos da vida,

pelos desafios, descobertas e oportunidades que apresenta. Também é

muito trabalhosa, porque não há jeito ou ordem certa para organizar

tantas novidades. Descobrir quem somos e queremos ser, e encontrar

nosso lugar no mundo não é nada fácil.

O percurso é pessoal, intransferível, e no confronto daquilo

que trazemos dentro de nós (e que é a nossa história até hoje), com o

que vamos conhecer do mundo, cada um se tornará uma pessoa única.

Com o objetivo de conhecer a auto-percepção e a auto

imagem do adolescente, formulamos algumas perguntas existenciais, que

estão respondidas por eles no Anexo I:

Page 30: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

CAPÍTULO III

Princípio Biocêntrico

É a fundamentação filosófica da Biodanza e define uma

forma de viver pautada na conservação da vida.

Para diferenciar do conceito do princípio antropocêntrico, no

qual o homem é o centro de onde a vida parte e faz seu movimento,

Rolando Toro cria o termo biocêntrico [Bio = vida; cêntrico = centro], que

faz o caminho inverso tendo como ponto de partida a vida em movimento

de expansão e evolução.

Baseia-se na idéia da existência de um Universo organizado

em função da vida e dessa forma compreendido como um sistema vivo,

onde tudo que existe são formas de vida, ou seja, elétrons, pedras,

vegetais, animais e o próprio pensamento são formas infinitas de

expressão da vida.

O Princípio Biocêntrico propõe um novo alicerce sobre o

qual possam se firmar as futuras ciências humanas, sendo que o ponto de

partida do Universo é a vida e ele só existe porque existe vida. Ela não

aparece simplesmente como conseqüência de processos químicos,

inversamente, ela é a estrutura fundamental que orienta a construção do

Universo. As leis que regem esse Universo são as que conservam e

permitem a evolução da vida. Roger nos diz a respeito que a vida existe

“como possibilidade singular, potencialidades muitas vezes bloqueadas,

reprimidas, mas sempre presentes.”

O Princípio Biocêntrico como um novo paradigma vem

determinar uma forma diferente de viver, de sentir, de pensar e de agir,

que atua na direção de proteger, facilitar e melhorar a evolução da vida. O

Page 31: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

respeito pela vida é o centro de onde partem todas as disciplinas de

comportamento humano, convidando a uma nova estruturação dos

valores culturais.

Ao afastar-se das leis universais de conservação e evolução

da vida, o homem, através dos tempos, vem gerando valores culturais

falsos e transitórios, que o autorizam a destruir toda e qualquer condição

de vida que não estejam em conformidade com eles, como, por exemplo,

dinheiro e poder, chegando muitas vezes ao extremo dessa destruição,

que são as guerras e construindo, como vemos, formas culturais antivida.

Caminhando na “contramão” desse processo civilizatório

opressor, o Princípio Biocêntrico se desenvolve apoiado em fundamentos

que tem a vida como unidade maior. Nele direcionamos nossa atenção

para a vida e na integração dos seres vivos, passando assim a rechaçar

toda e qualquer cultura que não tenha a vida como prioridade. O modelo

cultural deve ter uma função pró-vida, onde ser vivo, cultura e natureza

são um todo indissolúvel, e não antivida como vemos na grande maioria

das culturas da atualidade. Mais uma vez buscamos o respaldo de

Rolando Toro, quando diz:

“Se as condições culturais e sócio-econômicas são anti-vida, nós nos propomos a mudar o sistema, não com a ajuda de uma ideologia, mas restabelecendo a cada instante, em nossa vida, as condições de nutrição da vida.” 6

Seguindo um modelo cultural pró-vida, podemos recuperar

as condições nutricionais para a vida e sua evolução, e reconhecer sua

qualidade sagrada. Qualidade que se faz presente em todo lugar e

circunstancia onde a vida acontece. Qualidade, também que vem sendo

destruída, paulatinamente, pelas civilizações, através dos séculos, por ser

um fator de grande ameaça ao domínio do poder. Rolando assim se

manifesta:

6 TORO, R. Inconsciente Vital e Princípio Biocêntrico, Apostila do Curso de Formação Docente

de Biodanza, página 39.

Page 32: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

“Se as religiões, as ideologias políticas e as distintas formas de psicoterapias trabalham em torno das patologias do ego, sobre uma imagem antropocêntrica, a Biodanza trabalha com as grandes funções de saúde, em uma dimensão transcendente, de permanente reverência pela vida.” 7

Educação Biocêntrica

O ponto de partida da Educação Biocêntrica é o Princípio

Biocêntrico, a metodologia por ela utilizada é “a vivência” e tem como

objetivo a “conexão com a vida”. Visando o fortalecimento da identidade,

a Educação Biocêntrica estimula os potenciais genéticos que constituem

sua estrutura básica.

É de fundamental importância para a evolução cultural que

se recupere a “sacralidade da vida” e com essa finalidade a Educação

Biocêntrica tem sua base firmada na própria vida e no prazer de vive-la

em todas as suas possibilidades. Utiliza metodologicamente como

mediação, entre a educação tradicional e a proposta biocêntrica, o

Sistema Biodanza, onde são expressos os potenciais genéticos de

vitalidade, sexualidade, criatividade, afetividade e transcendência. Esta

mediação é imprescindível para a reestruturação da afetividade e

desenvolvimento da consciência ética.

A Educação Biocêntrica considera a família como

componente essencial do processo educativo.

O verdadeiro aprendizado acontece quando despertamos o

interesse do indivíduo a participar da elaboração do conhecimento,

instigando sua curiosidade para novas descobertas e gratificando cada

uma delas com alegria. Precisamos antes “aprender a sentir” para só

então “aprender a pensar”. O prazer do aprendizado está inserido num

contexto afetivo e a capacidade de aprender é diretamente proporcional

ao desenvolvimento dessa afetividade.

7 TORO, R.A. Inconsciente Vital e Princípio Biocêntrico, Apostila do Curso de Formação

Docente em Biodanza, página 42.

Page 33: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Através da Educação Biocêntrica aprendemos a expressar

nossas fantasias, transformando-as em sonhos realizados e incorporando

seu aprendizado às nossas vidas.

Ao inserirmos, no contexto educacional, a Educação

Biocêntrica e o Sistema Biodanza como mediação, estamos agindo

profilaticamente contra a desordem afetiva, responsável pela atual

desacralização da vida e permitindo, como diz Rolando Toro:

“penetrar na perfeição da vida como esplendor, como beleza, como harmonia voluptuosa e experimentar em si mesmo o “sentir-se vivo””. 8

Sistema Biodanza – ação mediadora

O termo “Biodanza” foi criado a partir de uma ampla

elaboração semântica. Havia nascido uma disciplina de características

inéditas, para a qual não existia o termo apropriado. Era preciso

restabelecer o conceito original da dança em sua mais ampla acepção:

como movimento de vida.

A idéia se aproxima claramente do conceito de “dançar a

vida”, proposta por Roger Garaudy. A partir dessa reflexão surge o termo

“Biodanza”: o prefixo “bio”, deriva do grego bios que significa vida. O

sentido primordial da palavra “dança” é “movimento natural”.

Seu criador, Rolando Toro, chileno, psicólogo, poeta e

antropólogo, professor da Universidade Aberta Interamericana de Buenos

Aires, coordena atualmente as atividades internacionais da Biodanza,

definiu a Biodanza como:

“Um sistema de integração humana, de renovação orgânica, de reeducação afetiva e de reaprendizagem das funções originárias da vida”. 9

8 TORO, R., Educação Biocêntrica, apostila do Curso de Formação Docente de Biodanza, página

19. 9 TORO, R. A. Biodanza. São Paulo. Editora Olavobrás / EPB, 2002, página 33.

Page 34: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

É uma abordagem pedagógica - terapêutica que possibilita o

desenvolvimento humano, integrando funções orgânicas e psíquicas. É

uma extensão das ciências humanas, integra o corpo, as vivências e o

movimento em situações de grupo, abrindo novos caminhos terapêuticos.

A Biodanza é um sistema coerente de ações baseadas nas

ciências do homem: Antropologia, Etologia, Biologia, Medicina, Psicologia

e Sociologia. Baseia-se na observação, descrição e experimentação.

Utiliza as técnicas tradicionais de investigação científica. O sistema está

sujeito a uma progressividade orgânica. Ninguém pode violentar seu

amadurecimento, só pode induzi-lo com delicadeza. Encontro e

aproximação se realizam mediante adequada retroalimentação da

informação (feed back). Cada repetição dos exercícios é uma volta para

dentro da espiral evolutiva. Deste modo, o progresso da transtase é sutil.

O homem nasce com seus potenciais afetivos e intelectuais

altamente determinados, porém sua expressão depende de condições

propícias em seu meio ambiente.

É um sistema que, destinado à aplicação em grupo, se

baseia na expressão dos potenciais individuais acima citados, através da

música, do movimento e de situações de encontro.

Sendo um processo vivencial em grupo, impulsiona a

expressão da identidade e o prazer de viver. É indispensável reencontrar

a força positiva que faz crescer e desenvolver os organismos.

Combinando movimento, música e emoção a Biodanza

promove a integração do pensar com o sentir e com o agir, estimulando o

adolescente ao “compromisso com a vida”.

Convida para um crescimento saudável voltado à satisfação,

resgatando a intimidade do ser, qualificando o potencial de cada um, o

amar-se a si mesmo pela sua sinceridade e por isso mesmo sentir-se

amado, aumentando assim, a auto-estima.

A proposta da Biodanza é a de atuar estimulando uma

conexão com a vida, permitindo uma integração consigo mesmo, com o

outro e com a natureza, o que traz um grande aumento na auto-estima, e

Page 35: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

tem como objetivo o desenvolvimento e a evolução do ser humano, em

todos os seus aspectos.

A integração consigo mesmo significa uma forma coerente

de sentir, pensar e agir a partir de nossa própria emoção. É poder

discernir emocionalmente as “verdades” familiares e culturais que nos são

impostas, as nossas próprias “verdades” vivenciais, podendo então atuar

na vida de acordo com as nossas escolhas.

A forma mais eficaz de entrarmos em contato com nossas

emoções é estimulando a afetividade mais pura e sincera existente em

nosso interior. Podemos desse modo nos desvencilhar das amarras do

mundo de hoje, que tanto nos cerceiam, para então estruturar um novo

estilo de vida direcionado à alegria, ao prazer e à plenitude. O que traz,

consequentemente, a nossa evolução. Carlos Garcia propõe:

“... desarmar as estruturas repressivas e culpabilizantes, acabar com as sombras envergonhadas de uma cultura manipuladora da consciência do homem... “ 10

A integração com a espécie, com o semelhante é a

capacidade de ser humano, o que é muito diferente de ser homem. É

poder olhar para o outro com afeto e compaixão e através desse olhar

perceber-me muito mais que um ser biológico, é perceber-me um ser

afetivo, capaz de se comover e aceitar as semelhanças e diferenças que

enriquecem e valorizam a humanidade. É descobrir que só diante do

outro posso me reconhecer. Reconhecendo os valores da vida também

podemos citar Albert Schweitzer:

“Meditando sobre a vida, sinto a obrigação de respeitar qualquer “vontade” de vida ao meu redor, por ser igual a minha” ··11·.

10

GARCIA, C. El Arte de Danzar La Vida: Santiago, Chile – 1ª edição dezembro 1998, página 54. 11

SCHWEITZER, A. Rispetto per la vita. Torino. Claudiana Editrice. Apud Toro, R.A.. Inconsciênte Vital e Princípio Biocêntrico, Apostila.do Curso de Formação Docente Em

Biodanza, página 38

Page 36: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

A integração com a natureza é a possibilidade de sentir-se

pertencente a ela, a tudo que nos cerca, ao universo, à totalidade.

Segundo Humberto Maturana (biólogo), a vida é concebida

como um processo de conhecimento dela mesma acoplada ao meio,

através de relações dinâmicas e interações entre os organismos vivos e a

totalidade.

É sabido que os constituintes dos organismos humanos são

os mesmos que compõem um protozoário (aminoácidos, nucleotídeos) o

que fundamenta a estreita vinculação dos seres humanos e os demais

seres vivos.

Está provada também que a estrutura nuclear dos átomos

existentes nos seres vivos é a mesma encontrada, por exemplo, em uma

pedra ou até mesmo em um meteorito caído na terra por qualquer razão,

ficando assim determinada a incontestável relação do homem com o

universo.

Permitirmos a nós mesmos a possibilidade desta vinculação

é propiciarmos à nossa vida uma infinidade de opções de escolha, para

mudanças direcionadas a uma nova forma de viver, certamente mais

inteira e mais feliz.

A integração de si mesmo, com o outro e com a natureza é

facilitada pela intensa conexão com a vida, e ocorre de uma forma

simultânea e recíproca. Reportamo-nos a Rolando que diz:

“Não é a consciência de um homem o que interessa, mas sua prática de movimento de amor.” 12

Os sistemas biológicos possuem a capacidade de auto–

organização, podendo renovar-se e estabelecer novos níveis de

equilíbrio, de ativar processos de reparação celular e regulação das

funções biológicas.

Os seres humanos, no ato de sua concepção, recebem uma

12

TORO, R.A. Apud. PINTO, L.N. e BOTELHO, P.C.T. Monografia Implantação de Biodanza para Adolescentes & Pais de Adolescentes em Instituição de Saúde Pública, 2000, página 17.

Page 37: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

carga genética que contêm todas as informações necessárias para sua

formação e todo um potencial de dados que foram se agregando e sendo

transmitidos no decorrer de sua filogênese. Essas informações e dados

permanecem latentes até que um específico fator externo (ecofator)

venha estimulá-los a atuar. Isso explica, por exemplo, como uma

determinada célula “sabe” o que fazer para se defender de uma infecção.

De uma forma mais complexa nosso comportamento diante da vida

também é determinado por um aprendizado transmitido às nossas células

que se comportam de forma recorrente cada vez que o mesmo estímulo

se apresenta. Durante nossa vida, apenas uma pequena parte desses

potenciais recebidos é estimulada, permanecendo latente a grande

maioria deles, o que nos leva, em decorrência, a uma vida limitada.

Nos organismos vivos, em especial no organismo humano,

as soluções para as situações novas não estão definitivamente

programadas, apesar de que os códigos genéticos propõem caminhos

para estas soluções. Segundo Humberto Maturana, as mudanças

estruturais no processo de integração com o ambiente, constituem atos de

aprendizagem, nos quais cada ser vivo especifica que tipo de alteração

do ambiente é necessária para si. Este processo de aprendizagem não se

refere somente a processos mentais ou da consciência, por exemplo,

como o que ocorre nos vasos sangüíneos quando por qualquer motivo um

determinado vaso se entope, imediatamente o fluxo sangüíneo se

direciona a vasos próximos, encontrando um novo caminho e com isto

refazendo o fluxo apropriado. Estes processos são também comprovados

em todos os seres vivos, inclusive nos organismos desprovidos de

cérebro ou sistema nervoso, como por exemplo, quando uma lagartixa

“amputa” o próprio rabo para livrar-se de um predador.

Podemos então entender que os organismos possuem

capacidade de renovar-se, estabelecendo um novo equilibro em

decorrência de mudanças do ambiente que o cerca. Estatísticas

comprovam curas de câncer e rejuvenescimento de idosos como

decorrência da mudança do estilo de vida. Mudar de estilo de vida não

significa apenas mudar de casa ou de emprego, é muito mais. É permitir

Page 38: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

uma mudança de dentro para fora. É constatar que o “eu sou assim” não

existe, o que há é o “eu estou assim”. A partir desta constatação podemos

realmente experimentar infinitas possibilidades de mudanças efetivas,

sem, entretanto, deixarmos de ser nós mesmos. A tal respeito, aliás,

assim se manifestou Dilthey, quando nos diz que “o homem não só está

na história, não só tem história como também é história, a historicidade

afeta o próprio ser do homem”.

O mundo atual vem evoluindo espantosamente sua

tecnologia, facilitando em muito a qualidade da vida. Porém,

paralelamente a essa evolução vem ocorrendo uma exagerada

valorização do Ter em detrimento de Sentir. Estamos tão ocupados em

obter coisas que possam nos facilitar e nos trazer “conforto”, que não nos

importamos se o preço a ser pago é o de nos afastarmos de nós mesmos

e consequentemente adoecermos. Isso nos remete a um conceito de

Binswagner, sobre a doença “Quando uma pessoa está doente, não está

mal de um órgão, é sua existência que está doente”.

Para acompanharmos a evolução dos tempos, deixamos de

nos ouvir, de nos sentir e de valorizar o que realmente pode nos levar a

uma vida saudável que é o afeto, conforme diz Rolando: “um coração que

ama é um coração saudável.”

Os tabus, preconceitos e “pecados” vêem influenciando há

séculos as relações humanas, principalmente no que diz respeito à

afetividade. Tornou-se mais valorizado dar uma moeda que um sorriso,

um objeto que um abraço sincero. Economizamos nossos carinhos como

se fossem nos faltar.

Com isso e por isso as sociedades vêem se tornando cada

vez mais violentas. As crianças não têm a chance de aprender a

importância de um carinho para sua saúde física, mental e emocional. A

educação nas escolas se direcionou a um ensino massificante e

impessoal, afastando-se da verdadeira qualidade do aprendizado.

Restabelecer um intimo contato com a afetividade é permitir

a recuperação de um canal para o conhecimento. É deixar renascer o

desejo de um aprender guiado e impulsionado pelo afeto, que respeita,

Page 39: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

que troca e que emociona, restabelecendo desta forma, dia após dia,

todas as condições que precisamos para a nutrição, expansão,

conservação e evolução da vida. Rolando Toro fala que “a genialidade da

espécie não está na inteligência, mas na afetividade orientada para a

tolerância, para a compaixão, para a amizade e para o amor.”

É inconcebível tentarmos estabelecer uma nova forma de

aprendizado, enquanto estivermos atrelados a um processo “civilizatório”

que determina o domínio da cultura sobre a irrefutável presença do

instinto, que dá mais ênfase à moral do que ao primordial.

Através dos tempos, inúmeros estudiosos vêem afirmando

que o ser humano é essencialmente racional, criando um verdadeiro culto

à informação adquirida e expurgando com veemência a sabedoria

biológica das espécies, que são os instintos.

Com o intuito de manter a veracidade dessa informação, as

civilizações foram estabelecendo uma vinculação pejorativa entre instinto

e destruição, envolvendo a liberação do instinto em uma nuvem de terror,

capaz de exterminar toda que qualquer possibilidade de vida organizada.

O instinto pode ser considerado, segundo Rolando Toro, a

“memória da espécie”, é uma conduta inata, transmitida geneticamente

através das gerações. É comum a todos os seres vivos e sua intrínseca

sabedoria é indispensável à sobrevivência e evolução da espécie. Sua

auto-regulação é orgânica, isto é, sua força diminui à medida que satisfaz

a necessidade do próprio organismo.

O instinto tem como finalidade biológica a adaptação, não

representando de fato, nenhuma ameaça às civilizações. Ao contrário do

que muitos acreditam, a livre manifestação dos instintos nos conduz a

uma harmonia orgânica natural, interferindo positiva e eficazmente na

manutenção da saúde. Por outro lado a sua obstrução, o desvio de seu

sentido biológico ou sua dissociação, pode levá-lo a uma manifestação

deturpada, e até mesmo destrutiva para a própria vida.

Como disse Freud, os instintos provem de nosso interior e é

inútil fugir dele. O que precisamos é reencontrar seu valor básico, sua

expressão inata, que está direcionada à sobrevivência e estruturada na

Page 40: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

conservação da vida, através do reconhecimento do valor sagrado que

por si só ela representa. É oportuna, a citação de Sanclair Lemos:

“A força cósmica organiza o mundo, e o instinto é sua expressão nos organismos biológicos. Instinto é força de organização e conservação. Não é desorganizado, nem embrutecedor, não é algo que devemos temer... O instinto é o aspecto biológico da organização cósmica”.13

É entrando em contato com nossa forma mais pura de

exaltar a vida e a graça que dela provem, incentivando um estilo de vida

coerente com os impulsos primordiais de sentir, pensar e agir de forma

integrada, que vamos atingir o objetivo de conservar a vida em sua

plenitude, permitindo assim sua evolução.

Música, movimento, vivência.

O alicerce metodológico da Biodanza está na integração

entre a música, o movimento e a vivência. Estes três elementos formam

uma estrutura unitária, de componentes inseparáveis, cuja funcionalidade

do todo requer a atuação concomitante dos três.

A íntima relação entre música e movimento propicia

vivências integradoras e harmonizadoras, que levam a uma vida mais

completa e verdadeira.

Música

Desde os primórdios o ser humano percebe a musicalidade

do universo, e reconhece que essa harmonia encontrava eco no interior

do seu próprio ser.

A música pode ser sentida por todo o corpo, possui uma

linguagem universal capaz de deflagrar emoções que podem se expressar

em movimentos, sem que para isso precise passar pela razão. Isto pode

acontecer porque ela tem a propriedade de atuar como um instrumento de

Mediação entre a emoção e o movimento, potencializando a vinculação

13

LEMOS, S. El Coraje de Exponerse, entrevista concedida à revista UNO MISMO, Chile, 2002

Page 41: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

do ser humano consigo mesmo (harmonia), com o outro (melodia) e com

a natureza (ritmo). Podemos ilustrar a musicalidade do ser, que é inerente

à própria vida, com a própria musicalidade das palavras de uma das

autoras desta pesquisa.

“Existe música no afago do vento sobre as folhas das árvores, no marulho das ondas, no bater de um coração apaixonado e na respiração ofegante dos amantes. Nós e a natureza somos os mais puros e belos instrumentos da música divina.” 14

Na Biodanza a música usada é rigorosamente selecionada,

se atem ao seu caráter biológico e não ao estético, pois contem

características como fluidez, harmonia, ritmo, tom e unidade de

sentimento. Por esta razão a denominamos música orgânica.

Movimento

A vida é movimento, é pulsante e tudo nela tem ritmo. Como

nos diz Rolando Toro “mover-se é estar vivo.”

O movimento é o primeiro conhecimento do mundo. A dança

é tão antiga quanto a própria vida humana. Nasceu na expressão das

emoções primitivas, na comunhão “mística” do homem com a natureza,

quando ele ainda não conhecia a palavra. Ela possui um enorme poder de

integração para o ser humano, é movimento de vida, ritmo biológico,

reaviva a vinculação do homem consigo, com o outro e com a Natureza

através de laços de amor. Por seu intermédio nos revelamos por inteiro e

revelamos também a nossa verdade.

Em Biodanza o movimento é emocional e pleno de sentido,

é estimulado pela música e coerente com ela, propiciando uma vivência

integradora.

Quando conseguimos nos afastar dos movimentos

aprendidos e cristalizados pelo atual contexto civilizatório, podemos nos

mover em sintonia com a nossa própria musicalidade, deixando de lado a

simples expressão de uma dança para nos tornarmos a própria dança.

14

BOTELHO, V. momento de inspiração Rio de Janeiro, Brasil: agosto de 2004.

Page 42: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Para Rolando, “Ser Dança” constitui uma experiência extraordinária, a

mais poderosa fonte de renovação e energização.”

Vivência

Vivência é uma manifestação do nosso ser, que precede a

consciência; é atemporal. É experiência vivida, aqui e agora, com grande

intensidade pelo ser humano, envolve funções viscerais e emocionais,

não estando, entretanto, submetidas ao controle da vontade. Sua

expressão traz em si sensações cenestésicas que confirmam seu caráter

orgânico. Tem sua origem no âmago do ser, na mais tenra manifestação

da identidade, de onde vem todo o seu poder reorganizador.

Só sabe o que é o amor quem já amou. Quantas vezes

diante de situações do dia a dia sentimos “um frio no estômago” sem

saber porquê. É nosso corpo reproduzindo “aqui e agora” uma

experiência já vivida anteriormente. É pessoal, é única e momentânea.

Ao se estimularem vivências integradoras, através da

música e do movimento, novas possibilidades de vida se abrem facilitando

assim a oportunidade de um enorme crescimento e evolução. Carlos

Garcia assim explica a vivência:

“A vivência é antes de tudo uma conseqüência, o resultado alquímico do encontro do ser humano com o mundo, com outro ser humano, com a natureza, com o insondável infinito.” 15

Identidade

Durante séculos o conceito de identidade vem sendo

buscado e descrito por grandes nomes da civilização, desde Platão até

Heidgger, Piaget, Merleu Ponty, entre inúmeros outros. Porém sua

descrição ainda não foi satisfatoriamente elucidada, devido à sua

complexidade, carecendo de futuras investigações intensas e profundas.

O que podemos dizer sobre ela é que é o mais íntimo de

nosso próprio íntimo, é a essência da mais pura de nossas verdades.

15

GARCIA, C. op. Cit. página 47

Page 43: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Para a biologia a identidade é a capacidade de

reconhecimento de si mesmo, tendo em vista sua origem genética.

Dois fatores, sem dúvida, se apresentam marcantes na sua

constituição: o fator hereditário e o fator adquirido. Hereditário é aquele

fator que recebemos de nossos pais biológicos, é o que trazemos nos

genes de cada uma de nossas células, são os nossos potenciais

genéticos. Adquirido é o fator referente ao meio que nos circunda, a

cultura, a religião, a família, é este fator que facilita a expressão dessa ou

daquela característica intrínseca. Podemos dar como exemplo, o nosso

sistema imunológico, que rejeita e ataca qualquer corpo estranho que

penetre no nosso organismo.

A identidade, que é única, não está separada do mundo.

Sua manifestação se dá tanto a nível orgânico, quanto a nível psicológico

existencial, na presença do outro. É somente através de nossa

capacidade de vinculação afetiva com o mundo que podemos efetuar uma

maior integração de nossa identidade. Quanto mais integrada nossa

identidade maior se torna a nossa capacidade de vinculação. Essa

potencialização recíproca nos conduz a uma constante evolução,

segundo Rolando:

“Do “talo único” de nossa Identidade brotam os frutos da diversidade. Quem vive aferrado mesquinhamente para defender os limites de sua Identidade, se priva do sabor dos frutos, se esgota em si. As raízes da Identidade se nutrem no seio do estranho.” 16

A nossa identidade muda constantemente, sem com isso

perder sua essência, e isso pode ser comprovado pela simples

constatação do fato de que não sou mais a criança que fui e mesmo

assim não deixei de ser eu mesma. Não tomamos posse de nossa

identidade como quem se apossa de uma “coisa”, ela é a nossa própria

capacidade de expressão na vida.

16

TORO, R. A., Identidade e Integração; Transe e Regressão; Vivência, Apostila do Curso de

Formação Docente de Biodanza, página 25.

Page 44: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Em lugar de definir um conceito, acreditamos que a melhor

forma de compreender a nossa Identidade seja senti-la, vive-la através da

consciência de si mesmo.

Todo ser humano é único, tendo assim sua própria maneira

de expressar sua identidade através do movimento, sendo a dança uma

dessas maneiras de expressão. A identidade, para Rolando, é “a

sensação intensa e comovente de estar vivo.”

Page 45: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Modelo Teórico

“Modelo Teórico da Biodanza”

Extraído de TORO, R.A. Biodanza, São Paulo. Editora Olavobrás / EPB, 2002, página 75

Page 46: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

É a teoria que dá suporte, validade e justifica a prática da

Biodanza. É a base estrutural representativa da vida em sua totalidade.

A sua forma de uma espiral aberta expressa a

disponibilidade do ser vivo para um constante recomeço da vida.

Tem em sua base os potenciais genéticos expressos através

das linhas de vivência, que representam a própria ontogenia, direcionada

à integração. No seu eixo horizontal tem o “continuun identidade

regressão”, que está em constante e dinâmico pulsar buscando uma

integração do ser consigo mesmo e com a totalidade, representando a

alternância natural dos estados de consciência. Todos os elementos nele

inseridos, de uma forma ou de outra, interferem na filogênese da

humanidade.

É descrito dentro de um conceito cósmico, no qual a vida

humana está inserida em seu processo, sua evolução filogenética e

ontogenética, como diz Rolando:

“É um modelo do “homem cósmico”. Aborda o ser humano em sua dimensão biológica, psicológica e justamente cósmica.” 17

Potencial genético

Todos nós recebemos de nossos pais biológicos as

características básicas determinantes de nossa estrutura orgânica e

instintual. Essas características são os potenciais genéticos, que como o

próprio nome diz, podem ou não se expressar durante a vida,

dependendo para tal, de uma estimulação adequada, a qual chamamos

de eco fatores.

Linhas de vivência

É um conceito baseado nas diferentes formas de expressão

do potencial humano, formam os cinco grandes grupos de vivências mais

evidenciados em anos de estudos feitos por Rolando Toro, e que

envolvem as formas de expressão de maior abrangência. Esses grupos

17

TORO, R.A. Biodanza. São Paulo. Editora Olavobrás/EPB, 2002, página 72.

Page 47: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

possuem pontos coincidentes, por isso e com isso, exercem influencias

umas sobre as outras, o que contribui para aumentar suas

potencialidades de expressão. São elas:

Linha da vitalidade – capacidade de experimentar uma harmonia

biológica, energia que cada um dispõe para enfrentar o

mundo, alegria de viver.

Linha da sexualidade – capacidade de sentir o desejo e o prazer sexual,

vínculo sexual, reprodução.

Linha da criatividade – capacidade de renovação aplicada à própria

vida, inovação, imaginação.

Linha da afetividade – capacidade de proteger, sentir amor, amizade

sem discriminação, empatia, altruísmo.

Linha da transcendência – capacidade de ir além de si mesmo, do

social, do cultural e perceber-se como parte e expressão da

totalidade. Capacidade de conectar-se com a “divindade”

encontrada em cada manifestação da vida. Capacidade de

experimentar os estados de expansão da consciência.

Protovivências

São as “gravações” neurológicas armazenadas pelas

crianças nos seis meses iniciais de vida, período em que ocorrem suas

primeiras respostas aos estímulos externos e internos. Estão intimamente

ligadas às linhas de vivência, sendo de cada uma delas a própria origem,

como veremos no quadro a seguir:

Linha de vivência Protovivência

Vitalidade Movimento

Sexualidade Carícia

Criatividade Expressão

Afetividade Nutrição

Transcendência Harmonia

Page 48: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Regressão Quer dizer retornar ao início. É uma capacidade que todos

os seres humanos possuem, na qual ele vai buscar em sua própria origem

os subsídios necessários para continuidade de sua vida, em suma, para

sua renovação existencial.

Inconsciente vital

É um conceito proposto por Rolando Toro, que define a

capacidade do nosso organismo estar orientado para a saúde e em

sintonia com a essência universal da vida. Podemos perceber sua

atuação em nosso dia a dia, através do humor endógeno, do estado

cenestésico de bem e mal estar e na capacidade que nossas células

possuem de se reproduzirem espontaneamente sempre que se faz

necessário.

Inconsciente pessoal

Foi descrito por Freud. É relativo à história pessoal de cada

um, de seus potenciais estimulados ou reprimidos na própria vida, em

especial na infância, incentivando, desta forma, o indivíduo ao domínio de

sua própria vontade, vindo a possibilitar uma visão diferente das forças

vitais e dos impulsos que agem diretamente sobre seus pensamentos

conscientes e suas ações.

Inconsciente coletivo

Relatado por Jung, está relacionado ao conjunto de imagens

primordiais, representações primitivas que são heranças de gerações e

que constitui os traços coletivos vinculadas à memória da espécie. A

estas imagens, Jung dá o nome de arquétipos. E como ele mesmo nos

diz, “exerce também uma influência que compromete altamente a

liberdade da consciência.”

Page 49: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Eco fatores

Ao longo da vida recebemos estímulos ambientais que

influenciam o nosso desenvolvimento, entre eles o mais potente é o ser

humano. Esses estímulos atuam diretamente sobre os nossos potenciais

genéticos, favorecendo sua expressão (eco fatores positivos), ou

obrigando-os a permanecerem latentes (eco fatores negativos).

“Na história evolutiva que nos constitui como seres humanos, nós surgimos como filhos do amor... O amor não é peculiar aos seres humanos, é próprio de todos os animais que vivem em intimidade. O que ocorre é que o amor tem um caráter especial para os seres humanos porque tornou possível a convivência na qual surgiu a linguagem que, como modo de convivência, configurou nosso ser humano.” 18

Humberto Maturana

18

MATURANA, H. texto Modo de Vida e Cultura. Apud, TRANCOSO,A.R. e OLIVEIRA,L.P. Monografia Biodanza: Instrumento de Transformação Social, 2003. página 12

Page 50: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

CAPÍTULO IV

Metodologia

Os objetivos da Biodanza são educativos, desenvolvendo o

potencial humano. Eles propõem a prioridade da ação profilática sobre

qualquer outra forma de mudança. Estimulam uma estrutura saudável do

estilo de vida, através da possibilidade de cada um se perceber, se sentir,

se valorizar e se proteger. Nosso trabalho foi orientado com coerência,

respeitando a metodologia proposta por Rolando Toro para a Biodanza.

Nossa proposta é proporcionar uma nova maneira de lidar

com todas as modificações físicas emocionais, que ocorrem com os

adolescentes, convidando-os a um crescimento voltado para a satisfação,

qualificando o potencial de cada um, aumentando assim sua auto-estima,

uma vez que a adolescência tem sido definida como um período de

transição entre a infância e a vida adulta, caracterizada por importante

crescimento e desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social.

Através da Biodanza obtivemos a chave que possibilitou

abrir portas que mostram novo modo de encarar os conflitos do cotidiano

do adolescente e atenuar suas conseqüências.

Nosso trabalho se fundamentou na integração da identidade,

mediante a expressão dos potenciais genéticos que se encontram

enormemente silenciados e transformados em limitadores dos horizontes,

metas e sonhos dos adolescentes desta localidade.

Page 51: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Organização e formação do grupo

Observamos que em sua maioria os adolescentes que

procuram a UIS Hamilton Land são de classes menos favorecidas,

apresentando um grande nível de carência afetiva, agressividade como

forma de sobrevivência e falta de opções para solucionar dificuldades do

dia a dia.

Todo este contexto leva os adolescentes às somatizações,

doenças carenciais, entre outras, o que os leva a procurar a UIS, para que

possam então encontrar o que na verdade procuram: atenção,

compreensão e estímulo para alcançar um futuro diferente da realidade a

que estão acostumados.

Em uma primeira etapa passam por um atendimento clínico

com a Dr.ª. Irene, onde são entrevistados, medicados (em caso de

necessidade) e encaminhados para atividades em grupos informativos e

educativos, onde são abordados temas de interesses dos adolescentes,

tais como: mudanças corporais, contracepção, DST/AIDS, drogas,

violência, relacionamento familiar e social. Esses temas são

desenvolvidos através de vários encontros e dinâmicas como, por

exemplo: desenhos e recortes, atividades com música (lúdico, auto-

estima, integração), dramatização, etc.

Após alguns encontros, quando já ocorreu o vínculo afetivo e

de confiança esses adolescentes são convidados a participar do grupo de

Biodanza.

Tivemos como prioridade eletiva a faixa etária, o

desenvolvimento físico e emocional, a necessidade individual decorrente

das dissociações motoras, dificuldades de relacionamento, transtornos

afetivos, dificuldades no aprendizado, entre outras.

Sendo a Biodanza uma atividade grupal, vem suprir a

grande demanda do serviço de saúde pública, uma vez que atende a um

maior número de adolescentes.

O nosso grupo é constituído de jovens na faixa etária entre

12 e 18 anos, com predominância do sexo feminino. A freqüência oscila

Page 52: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

entre 60 e 70%, com a entrada e saída de alunos esporadicamente, tendo

sido formada a matriz grupal nos primeiros dois meses.

A duração de cada aula é de duas horas, sendo que nos

primeiros trinta minutos fazemos uma intimidade verbal, na qual os jovens

fazem perguntas, relatos de seu cotidiano correlacionando com as

vivências da Biodanza, ficando a hora e meia restante para as vivências

da aula.

Os horários e dias da semana foi um acerto entre as

facilitadoras e a UIS Hamilton Land, pois as aulas de Biodanza são

realizadas no único auditório existente naquele serviço.

Inicialmente os adolescentes apresentaram-se reservados,

defendidos e em alguns casos até mesmo agressivos.

Nós, facilitadoras, pudemos perceber, nos primeiros

encontros com grupo, uma conduta comum entre os adolescentes: o jeito

de se vestir, de falar, de mascar chiclete, a relutância em tirar os bonés e

calçados, a postura de “não tô nem aí”, o que vem a ser uma identificação

do grupo-adolescente. Aos poucos eles foram adquirindo confiança,

reunindo forças e entrando em contato com potenciais próprios,

descobrindo-se e aceitando as diferenças, entrando em contato uns com

os outros respeitando e sendo respeitados reciprocamente e ainda mais

podendo amar e se sentir amados pela sua própria capacidade de viver e

deixar viver.

Rapidamente fomos percebendo a crescente aceitação

afetiva da Profª. Véra e o decorrente vínculo com a mesma, o que nos

provou, na prática, a eficácia do Sistema Biodanza como técnica de

reeducação afetiva.

Dinâmica do grupo

Utilizamos a ortodoxia da Biodanza para planejarmos as

aulas iniciais, com enfoque na integração motora.

Logo nas primeiras aulas observamos pontos em comum

entre a grande maioria dos alunos como, a baixa auto-estima, pouca

Page 53: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

vitalidade, intensa desqualificação de si mesmo, falta de sonhos e falta de

estímulo para auto-realização, o que nos levou a direcionar nossas aulas

seguintes dando maior ênfase nas linhas da vitalidade, criatividade e

afetividade.

Através da vitalidade procuramos despertar a alegria e o

ímpeto vital. Os adolescentes estimulados pela música, que está muito

presente em suas vidas, se entusiasmam com bastante facilidade

contribuindo para melhor integração do esquema corporal, motricidade e

auto-regulação.

Visamos incentivar a criatividade existencial própria do

adolescente, tão rica em impulsos de inovação e expressão,

potencializando a capacidade de renovar e embelezar o estilo de vida.

Trabalhamos na afetividade resgatando a capacidade de

vinculação (consigo mesmo, com o outro e com a totalidade), devolvendo

a auto-estima, a autovalorização e a valorização do outro, aprendendo a

expressar-se verbal e corporalmente, reforçando a identidade do

adolescente.

A veracidade da vivência não passa pela razão e seus

efeitos podem ser sentidos por todo o ser, o que observamos no decorrer

das aulas de Biodanza, com as constantes mudanças no relacionamento

do grupo, onde os jovens começaram a se ouvir, se olhar e se proteger,

nutrindo-se cada vez mais de respeito, compaixão e humanidade.

Vimos a identidade confusa, as alterações freqüentes de

humor (um dia sorriam por qualquer coisa no outro estavam de “cara

amarrada” sem qualquer motivo), observamos que os movimentos eram

condicionados e repetitivos, conseqüência da pressão da cultura, da

religião, da sociedade e da família, interferindo na expressão da

verdadeira identidade do adolescente.

Em nosso trabalho demos especial atenção ao princípio da

progressividade, permitindo ao adolescente entrar em contato com seu

verdadeiro movimento, reconhecendo seu conteúdo interno, podendo com

isso escolher o seu próprio caminho de mudança e viver com intensidade

a beleza da adolescência. Ficaram claras para nós as diferenças

Page 54: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

vivenciadas por nossos alunos no seu dia a dia, onde são bombardeados

pela violência e desqualificação e as aulas de Biodanza, onde são

valorizados pelo afeto, pela criatividade pela capacidade de investir no

que acreditam.

A Biodanza atua no sistema neuromotor, cardio–respiratório,

neuroendócrino, imunológico e emocional. Eleva o equilíbrio

neurovegetativo, ao estimular alternadamente o sistema simpático –

adrenérgico e parassimpático – colinérgico.

É muito comum ao adolescente ultrapassar seus próprios

limites, o que foi facilmente percebido por nós, facilitadoras, nas aulas

iniciais do grupo, nos levando a pontuar em muitas ocasiões a importância

da escuta de seu próprio organismo.

Através da pulsação simpático – parassimpático das aulas

de Biodanza, os adolescentes puderam por si só perceber a importância

do repouso como fonte de renovação de energia.

A auto-regulação orgânica passou a ter um significado

especial na auto-regulação de suas vidas

Atendendo aos nossos objetivos de desenvolver uma

integração grupal, respeitamos as dificuldades iniciais de aproximação e

de relação interpessoal. Notamos que havia entre eles uma grande

dificuldade de contato, de se olharem e de ficarem ao lado de outro jovem

do sexo oposto.

Após a intimidade verbal, quando se levantavam para formar

a roda inicial, todos se encostavam à parede com os braços cruzados ou

estendidos ao longo do corpo, sendo preciso muita insistência de nossa

parte, inclusive entrando entre eles, para que se dessem as mãos e

conseguissem parar de rir e falar.

Com o norte voltado para os exercícios de integração motora

demos especial atenção aos movimentos naturais de ser humano com

caminhar, saltar e gestos ligados aos costumes sociais como abraçar e

dar a mão.

A parte motora, o mover-se e a dificuldade de comunicação

com o outro era, para alguns, muito difícil, por isso demos focalizamos

Page 55: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

nossa atenção aos exercícios básicos de caminhar e à integração com o

outro, utilizando-os por um bom tempo.

Exercícios básicos de caminhar

Caminhar Sinérgico

Caminhar Fisiológico

Caminhar com Motivação Afetiva

Coordenação Rítmica a dois (caminhar com o outro)

Durante algum tempo muito dos jovens se movimentavam

com um ritmo incoerente ao convidado pela música, mostrando uma

dissociação entre o estímulo e a sua própria resposta motora, porém o

mesmo não acontecia quando utilizávamos danças com ritmos tropicais

(forró, samba), momento em que os jovens demostravam maior interação

e alegria.

Exercícios de ritmo e sinergismo

Variações rítmicas

Danças rítmicas

Salto sinérgico

Danças com ritmos tropicais

Por viverem em um ambiente extremamente repressor esses

adolescentes aprenderam a limitar seus próprios pensamentos e

movimentos, o que nos incentivou a convidá-los muitas vezes à exercícios

de extensão, com a intenção de ampliar seus movimentos e

consequentemente ampliar o próprio âmbito de ação. Houve um primeiro

momento em que muitos se puseram estáticos e assustados. A tendência

era copiar o movimento da facilitadora, reproduzindo o modelo alienante

de adestramento e cópia, muito valorizado em nosso processo

educacional. Nesse momento fomos tomadas por um sentimento de

desanimo e impotência, chegando a desacreditar na própria possibilidade

de realizar um trabalho de transformação profunda. Foi quando, a Dr.ª.

Irene em um desabafo e com tom de desafio convocou-os a saírem do

Page 56: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

comodismo e apatia. Lentamente foram se permitindo entrar em contato

com a proposta.

Exercícios de extensão

Extensão Harmônica

Extensão Máxima

Elasticidade Integrativa

Foi com grande surpresa e emoção que nos apercebemos

da capacidade de aprofundamento e entrega dos nossos alunos desde as

aulas iniciais, na segunda parte da vivência, evidenciadas na expressão

facial e na desaceleração dos movimentos, o que era corroborado por

eles nos Feed Back seguintes, quando diziam que os exercícios que mais

relaxavam e davam prazer eram os de fluidez.

Exercícios de fluidez

Seqüências de fluidez

Dança Livre de Fluidez

Foram muito bem aceitos e vivenciados até com prazer os

exercícios de dissolução de tensões, o que foi comprovadamente

observado com a diminuição do número de queixas psicossomáticas no

atendimento clínico e o aumento do interesse pela escola, observada em

várias conversas sobre a mesma, onde eles começaram a ver lados

positivos.

Exercícios de Dissolução de Tensões Crônicas

Movimentos segmentares

Interação Motora e Cenestésicas dos Três Centros

Respiração Abdominal

Respiração Dançante

Com o passar do tempo, nossos jovens alunos, começaram

espontaneamente a trocar abraços e beijos rápidos no rosto; o olhar

suave e receptivo substituiu o olhar crítico e julgador, a aceitação passou

Page 57: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

a estar mais presente, o que nos estimulou a introduzir em nossas aulas a

integração afetivo motora.

Começava a se formar o vinculo afetivo entre eles. A

crescente e tão nova vivência de solidariedade em suas vidas era

expressa pela preocupação com a ausência dos colegas na aula e o

aumento do número de encontros fora do ambiente da aula de Biodanza.

À medida que eles entravam em contato com as suas

emoções verdadeiras e se permitiam vivenciá-las, mais autentica era sua

expressão no dia a dia.

Era notório, na escolha do par, quando propúnhamos

exercícios de eutonia, que o jovem que possuía um perfil “dominador”

escolhesse um companheiro que tivesse um perfil “submisso”. Com a

continuidade e a assiduidade nas aulas de Biodanza, o equilíbrio do tônus

muscular entre os pares, foi se intensificando e foram se estabelecendo

novas relações de comunicação entre eles.

Era chegado o momento de incentivá-los a aumentar o

contato e o cuidado consigo mesmo e na sua forma de expressá-los no

mundo. Para isso escolhemos alguns exercícios de Posições Geratrizes

do código I – Proteger a Vida e Valor. E o que percebemos foi uma

grande aceitação, por parte dos nossos alunos, que a cada aula

aumentavam sua capacidade de demonstrar o afeto incondicional por si

mesmo e pelos companheiros. Aumentava também a capacidade de se

proteger das desqualificações externas e internas e das ameaças

provenientes do meio em que vivem (drogas, AIDS).

Um momento em especial nos tocou profundamente, quando

do falecimento da mãe de uma de nossas alunas, o grupo foi

extremamente protetor, acolhedor e nutritivo, abrindo a possibilidade para

que esta jovem, pela primeira vez em sua vida, pudesse “chorar sem

medo”. O que mais uma vez veio nos provar o poder da Biodanza em

abrir opções de comunicação e libertar do medo de amar e viver a

verdadeira emoção do momento.

Exercícios de integração afetivo motora

Sincronização Rítmica

Page 58: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Sincronização Melódica

Danças de Eutonia

Leque Chinês

Exercícios de Expressividade

Exercícios de Contato Sensível

Vivendo em um contexto desumano, onde a “lei do mais

forte” predomina, é natural a dificuldade de aproximação.

Lentamente, cada qual em seu tempo e com sua própria

progressividade nas aulas de Biodanza, foi ousando demonstrar a

afetividade com abraços mais espontâneos, aumentando, assim, seu nível

de humanização.

A expressão da aceitação do outro e da receptividade,

demonstrada nos exercícios de encontro, ampliavam cada vez mais a

interação afetiva entre os jovens, que aos poucos aprendiam a conhecer

e respeitar tanto a si mesmo quanto aos amigos. E ainda mais, esse

respeito era levado, segundo eles próprios, para o cotidiano tanto familiar

quanto escolar, contribuindo com isso para o aumento da qualidade de

suas vidas; qualidade essa que era reforçada pela proteção recebida nas

rodas de embalo, onde o grupo demonstrava com clareza a

disponibilidade em proteger e ser protegido.

Exercícios de comunicação afetiva e comunhão

Todas as Formas de Encontro

Minuto de Eternidade

Roda e Grupo compacto de Embalo

Roda de Comunhão

Fluidez em Grupo com Contato Sensível

Após entrar em contato com sua grandiosidade, e de ser

capaz de utilizá-la e protege-la, ficou claro para nós, facilitadoras, que a

necessidade dos adolescentes era de harmonizar todas as sensações e

emoções vivenciadas na aula. Neste momento era imprescindível a

Page 59: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

elevação da identidade, de uma forma suave, o que fazíamos e

continuamos a fazer com a roda de ativação progressiva e roda final.

Resultados Obtidos

O resultado desta pesquisa consta de nossa percepção com

relação ao grupo pesquisado, em que pudemos observar as mudanças

que os adolescentes apresentaram a cada aula, através dos movimentos

tanto nos exercícios quanto na vida pessoal e também pelos feed back.

Sendo nosso trabalho direcionado a adolescentes que fazem parte de

um grupo de risco social e pessoal, esperamos que venha a servir

de incentivo para introdução da Biodanza nessas áreas tão

marcadas pela violência física e emocional, existente em grande

número em nossa sociedade e com isso possa contribuir para a

diminuição da mesma.

Recebemos apoio e incentivo da Associação Escola de Biodanza

Rolando Toro do Rio de Janeiro para a realização deste trabalho

social.

Levamos a Biodanza a uma comunidade extremamente carente,

possibilitando a substituição por valores pró-vida dos valores anti-

vida existentes.

Mudanças claras foram observadas no comportamento dos

adolescentes. Uma delas é o desprezo pelo pensamento mágico que

“acho que nada vai acontecer comigo”, marcada pela maior

solicitação de preservativos e informações sobre DST / AIDS e maior

empenho na escola visando a aprovação.

Outra mudança ocorrida foi a possibilidade de demonstrar

sensibilidade diante de outro ser humano, superando as mensagens

culturais recebidas, principalmente em função do sexo.

A consolidação das mudanças do grupo foi realizada mediante a

proteção recebida. O continente afetivo trocado por todos fortaleceu

e continua a fortalecer, cada vez mais, a coragem de cada um deles

Page 60: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

em reformular a dureza do contexto atual e dar uma nova direção à

realidade de suas vidas.

Houve uma diminuição na procura pelo atendimento clínico como

conseqüência de uma melhora na auto-estima de cada um.

Detectamos uma redução considerável no número de queixas relativas

ao comportamento desses adolescentes e um conseqüente aumento

do nível de aprendizagem.

A relação familiar foi enriquecida com afeto, respeito e tolerância,

segundo o depoimento de alguns responsáveis que freqüentam

rotineiramente s UIS.

Depoimentos

Fazemos a seguir alguns comentários sobre os depoimentos

dos jovens:

Embora na Biodanza não tenhamos como objetivo a busca do

relaxamento, observamos nos depoimentos uma constante

referência a este estado. Concluímos que dois fatores são

responsáveis por estes depoimentos, primeiro o constante estado de

alerta vividos pelos jovens na comunidade e segundo a pobreza do

vocabulário, para que possam abarcar a multiplicidade de

sentimentos vividos.

G.L. 16 anos:

R.M. 15 anos:

Page 61: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

J.F. 15 anos:

A.C. 15 anos:

O estilo de vida do jovem da “Cidade de Deus” os obriga a atuar

predominantemente no sistema simpático (tiroteios súbitos e

freqüentes, tráfico de drogas, inesperadas incursões policiais),

propiciando um desequilíbrio neurovegetativo, ocasionando doenças

como insônia, cefaléia de stress, baixa de imunidade, entre outros.

Através da Biodanza foi possível, para eles, restabelecer esse

equilíbrio perdido como o observado nos seguintes depoimentos:

J.S. 13 anos:

S.S. 15 anos:

M.B 12 anos:

L.C. 12 anos:

Page 62: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

Através do reforço da auto-estima e da integração da identidade, os

jovens começam a romper resistências, a perceber o que querem para

si mesmo e com isso a ter um sonho. Mais do que isso eles começam

a investir com determinação na busca desse sonho, o que verificamos

com o início de um diálogo familiar e com a aprovação escolar de

todos os jovens que freqüentaram assiduamente as aulas de

Biodanza. Cabendo destacar com satisfação, neste momento, a

aprovação de uma de nossas alunas no vestibular.

M.S. 14 anos:

G.L. 16 anos:

L.A. 17 anos:

O aumento da vitalidade ficou claramente demonstrado para nós, pelo

aumento da alegria dos jovens, pelo entusiasmo que passaram a

demonstrar, ao relatarem os acontecimentos da semana.

Page 63: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

M.C. 13 anos:

M.R. 15 anos:

M.B. 12 anos:

N.D. 17 anos:

J.S 12 anos:

L.O. 17 anos:

Levando-se em conta a realidade de vida do grupo, observamos

adolescentes sendo capazes de dar a mão, de se olhar, de se

respeitar, de compreender e de proteger o outro, demonstrando,

assim, o aumento de seu afeto. O que nos leva a crer que a Biodanza

deu a essas pessoas uma nova oportunidade até então desconhecida,

sendo dessa forma uma semente plantada para possíveis frutos de

uma nova e amorosa vida.

Page 64: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

L.A. 18 anos:

M. 15 anos:

Page 65: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

CONCLUSÃO

Segundo a definição da Organização Mundial de Saúde,

saúde significa bem-estar físico, psicológico e social.

Não bastam as declarações de intenção e as condições de

direito das populações, mas as condições de fato em que elas vivem. É

fácil elaborar utópicos planos de ação, difícil é colocá-los em prática. No

processo civilizatório, o que faz a diferença na saúde e no bem estar é a

persistente valorização da vida e do ser humano.

Observamos claramente que a Biodanza contribui para a

melhoria da qualidade de vida dos nossos jovens, produzindo

modificações estáveis do estilo de vida.

Os adolescentes são um contingente chave para qualquer

processo de transformação social e para que isso ocorra é preciso que ele

esteja de posse de sua autonomia, dando o tempo necessário para a

harmonização das transformações biopsicossociais pelas quais eles

passam, tendo a Biodanza como facilitadora do resgate de sua auto-

estima e autoconfiança.

A ausência do afeto vivida pelos nossos jovens impossibilita

a introjeção do mesmo, criando um vazio que eles preenchem das mais

diferentes maneiras com drogas, gravidez precoce, DST / AIDS,

violências e tantas outras. Através da Biodanza foi possível a esses

jovens o encontro com seu afeto e com a sua própria maneira de

demonstrá-lo, não precisando mais substitui-lo

Concluímos com esse trabalho que a Biodanza é um

instrumento eficaz de transformação biopsicossocial, que veio facilitar ao

adolescente mostrar-se autêntico, sensível e alegre, ser mais verdadeiro

consigo mesmo, criar e conduzir suas metas, entrar em contato com seu

Page 66: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

próprio potencial, fazendo uso dele de forma responsável e segura, sendo

com isso autor de sua própria história. Entre nós e os nossos jovens, é

difícil dizer quem cresceu mais, quem aprendeu mais. Chegamos de

braços abertos para recebê-los, sem rótulos, sem julgamentos. Porém a

difícil realidade, algumas vezes, nos assustou. Houve momentos em que

pensamos em desistir, mas logo nossos alunos nos estimulavam a

continuar, mostrando a crescente satisfação encontrada nas descobertas

que faziam.

Conhecemos um mundo novo para nós, cheio de perigosos

convites, povoado de desprezo e marcado pela rejeição. Tivemos a

chance de mostrar a riqueza da vida humana, o prazer em dar um sorriso

acolhedor e incondicional. Conviver com essa fase da vida, que para

tantos é classificada de “aborrecente”, só nos leva a acreditar, cada vez

mais, que aborrecente são os que fecham os olhos, os ouvidos e o

coração para os jovens que tem a capacidade palpitante e inovadora de

criar soluções para a mesmice limitadoras de nossa cultura.

Page 67: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

BIBLOGRAFIA

BABCOCK,D.E., KEEPERS,T.D – Pais OK Filhos OK, tradução

CARLI,L., Rio de Janeiro, Editora Artenova s. a.,1997

CAVALCANTE,R., WAGNER,C., AVALCANTE,M., REGINA, C.,

ARRAES,C., DIÓGENES, F. – Educação Biocêntrica,

Fortaleza, Edições CDH, 2001

CHIPKEVITCH,E. – Puberdade e Adolescência – Aspectos Biológicos,

Clínicos e Psicossociais, São Paulo, Editora Roca Ltda.,

1995

COATES, V.; FRANÇOSO,L.A.; BEZNOS,G.W. – Medicina do

Adolescente, São Paulo, Savier Editora de Livros Médicos

Ltda., 1993

COELHO,H. A., MATTOSO,M.D.Q. – Biodançando com Adolescentes,

Niterói, Projeto gráfico Editoração Eletrônica: Maria Duque,

1994

EISENSTEIN,E., SOUZA,R.P. – Situações de Risco à Saúde de

Crianças e Adolescentes, Petrópolis, Editora Vozes, 1993

GARCIA,C. – El Arte de Danzar La Vida: Santiago, Chile – 1ª edição

dezembro de 1998,

GRUPO DE TRABALHO E PESQUISA EM ORIENTAÇÃO SEXUAL –

ADOLESCÊNCIA VULNERABILIDADE, Projeto Trance esta

Rede, Ministério da Saúde

LEMOS,S. – Vivência de Transcendência, Espirito Santo, Semente

Editorial, 1996

LIMA,L.P., SOUZA,I.S., RIBEIRO,J.A., GADIG,J.M., PELEGRINI,A. –

Prática de Psicologia Moderna, São Paulo, Honor Editorial

Ltda., 6ª edição, 1973

Page 68: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

MAAKROUN,M.F.; SOUZA,R.P.; CRUZ,A.R. – Tratado de Adolescência

– um estudo multidisciplinar, Rio de Janeiro, Editora Cultura

Médica, 1991

MONTEIRO,D.L.M.; CUNHA,A.A.; BASTOS,A.C. – Gravidez na

Adolescência, Rio de Janeiro, Livraria e Editora Revinter Ltda.,

1998

TORO,R.A. – Biodanza. São Paulo, Editora Olavobrás / EPB, 2002

___________ Material didático do curso de Formação Docente em

Biodanza

PINTO,L.N. e BOTELHO,P.C.T. – Monografia Implantação de Biodanza

para Adolescentes & Pais de Adolescentes em Instituição

de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 2000.

SAITO,M.I. – Adolescência, sexualidade e educação sexual, Revista

Pediatria Moderna, São Paulo, Grupo Editorial Moreira JR.,

2001

TRANCOSO,A.R. e OLIVEIRA,L.P. – Monografia Biodanza:

Instrumento de Transformação Social, Rio de Janeiro, 2003.

Page 69: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ANEXO I

Page 70: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 71: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 72: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 73: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 74: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 75: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 76: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 77: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 78: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 79: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 80: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 81: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 82: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ANEXO II

Page 83: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 84: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 85: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 86: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 87: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio

ANEXO III

Page 88: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 89: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 90: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 91: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio
Page 92: De Frente para a Vida | Por Irene Guida Fagim e Vera Lúcia Botelho Demétrio