hilka flavia saldanha guida - arca.fiocruz.br

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“Mudanças na gestão do trabalho e as implicações na saúde e segurança dos trabalhadores: o ponto de vista da atividade” por Hilka Flavia Saldanha Guida Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública. Orientadora principal: Profª. Drª. Jussara Cruz de Brito Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone Santos Silva Oliveira Rio de Janeiro, março de 2011.

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“Mudanças na gestão do trabalho e as implicações na saúde e segurança

dos trabalhadores: o ponto de vista da atividade”

por

Hilka Flavia Saldanha Guida

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientadora principal: Profª. Drª. Jussara Cruz de Brito Segunda orientadora: Prof.ª Dr.ª Simone Santos Silva Oliveira

Rio de Janeiro, março de 2011.

Esta dissertação, intitulada “Mudanças na gestão do trabalho e as implicações na saúde e segurança

dos trabalhadores: o ponto de vista da atividade”

apresentada por

Hilka Flavia Saldanha Guida

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Marcelo Gonçalves Figueiredo

Prof.ª Dr.ª Simone Santos Silva Oliveira

Prof.ª Dr.ª Jussara Cruz de Brito – Orientadora principal

Dissertação defendida e aprovada em 28 de março de 2011.

Catalogação na fonte Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

G946 Guida, Hilka Flavia Saldanha

Mudanças na Gestão do Trabalho e as implicações na saúde e segurança dos trabalhadores de termelétricas: o ponto de vista da atividade. / Hilka Flavia Saldanha Guida. -- 2011.

149 f. : il. ; graf. ; mapas

Orientador: Brito, Jussara Alvarez, Denise

Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2011

1. Indústria Petroquímica. 2. Saúde do Trabalhador. 3.

Trabalho. 4. Organização e Administração. 5. Engenharia Humana. I. Título.

CDD - 22.ed. – 363.11

A U T O R I Z A Ç Ã O

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a

reprodução total ou parcial desta dissertação, por processos

fotocopiadores.

Rio de Janeiro, 28 de março de 2011.

________________________________

Hilka Flavia Saldanha Guida

CG/Fa

Serviço de Gestão Acadêmica - Rua Leopoldo Bulhões, 1.480, Térreo – Manguinhos-RJ – 21041-210 Tel.: (0-XX-21) 2598-2730 ou 08000-230085

E-mail: [email protected] Homepage: http://www.ensp.fiocruz.br

Dedico este estudo a todos os

trabalhadores que, voluntariamente,

participaram e que ajudaram a construir

este coletivo de pesquisa.

AGRADECIMENTOS

A Deus, que durante essa caminhada mostrou-se onipotente, onipresente e onisciente,

estando ao meu lado, mesmo quando eu teimava em me afastar.

Aos meus pais por acreditarem que a educação é agente de transformação, não

medindo esforços para garantir uma formação de qualidade para mim e meus irmãos.

Ao Fabiano, amor da minha vida e companheiro nesta luta, que soube entender todas

as minhas ausências, mesmo presente fisicamente.

Aos meus irmãos pelo apoio e incentivo em todos os momentos desta jornada.

À Jussara, orientadora dedicada, que com sua fala doce e suave transmite com

maestria o conhecimento e auxilia no processo de construção e compartilhamento do

conhecimento.

À Denise, co-orientadora, presente mesmo à distância e que contribuiu valiosamente

com sua experiência dos “petroleiros”, além de seu olhar perspicaz.

À Professora Ana Inês Simões e sua valiosa conversa, quando este trabalho ainda

sequer tinha uma forma definida.

A todos os meus colegas de trabalho que souberam entender as minhas ausências,

dividiram as tarefas para que o fardo não fosse tão pesado, em especial Renata Monteiro,

amiga e companheira de trabalho.

Aos meus amigos de mestrado, em especial Sonia, Marden, Leda, Cristiane e Kátia

que partilharam intensamente as alegrias e dificuldades de todo este percurso acadêmico.

Aos colegas do PISTAS, pesquisadores e estudantes que contribuíram para o

aperfeiçoamento deste trabalho.

À Beatriz Hasperoy, que me socorreu e auxiliou na revisão ortográfica deste texto,

tentando suavizá-lo e melhorar o entendimento dos leitores.

A CAPES pelo apoio financeiro para realização do trabalho de campo.

Aos gestores das duas termelétricas estudadas, pela autorização da realização do

trabalho de campo e colaboração efetiva para a concretização desta pesquisa.

A todos os meus amigos, que souberam compreender o meu desaparecimento

momentâneo dos círculos de amizades, das festinhas e das nossas conversas.

Em especial aos trabalhadores, pela confiança depositada e por acreditar que a

produção do conhecimento pode contribuir para a melhoria das suas condições de trabalho.

“(...) revelar as contradições é uma forma e até mesmo

um método para superá-las, desde quando as idéias

entram em confronto uma com as outras e a prática é

tomada como critério para testar a verdade”.

Carlos Marighella, 1966

RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar as mudanças ocorridas na gestão do trabalho de

duas termelétricas privadas após serem adquiridas por uma Empresa de Energia de economia mista e

as possíveis implicações destas mudanças na saúde e segurança de seus trabalhadores. Trata-se de uma

pesquisa com enfoque qualitativo e com caráter exploratório. É utilizado o referencial teórico da

Ergologia, assim como os aportes da Psicodinâmica do Trabalho e da Ergonomia da Atividade. A

opção por conjugar estes aportes teóricos se justifica pela complexidade e o sentido enigmático do

trabalho humano, não sendo possível, portanto, analisá-lo através de uma única abordagem. O

percurso metodológico envolveu: observações sistemáticas da atividade, entrevistas semi-estruturadas,

levantamento bibliográfico sobre o tema, análise documental e validação dos resultados. Verificou-se

que a mudança de propriedade (estas empresas deixaram de ser privadas e passaram para a economia

mista) acarretou uma mudança significativa na lógica de gerir os processos, as pessoas e os recursos.

A falta de clareza nas informações trouxe um clima de medo e instabilidade para esses trabalhadores

que temiam a perda de seus postos de trabalho. Também se evidenciou que não houve um

planejamento para que o processo de mudança de propriedade ocorresse de uma forma mais

sistematizada e estruturada. A maioria dos processos modificou-se de forma abrupta e sem

treinamentos para os trabalhadores e isso fez com que estes tivessem que se adaptar a um novo modelo

de gestão e, conseqüentemente, a uma nova forma de trabalhar. Estas mudanças fizeram com que

parte desses trabalhadores questionasse sua própria capacidade laborativa, pois trabalhadores

experientes e capacitados, de uma hora para outra se tornaram inábeis e obsoletos face às

reestruturações implantadas. Por fim, evidenciou-se que as mudanças organizacionais em curso vêem

contribuindo para o agravamento de saúde de alguns trabalhadores, enfim para o adoecimento destes

trabalhadores.

Palavras Chaves: Termelétricas, Saúde do Trabalhador; Gestão do Trabalho, Reestruturação Produtiva

e Ergologia.

ABSTRACT This dissertation aims to analyze the changes in the management of the work of two private power plants after being purchased by a Power Company of a mixed economy and the possible implications of these changes on health and safety of its workers. This is a qualitative approach to research and exploratory. We use the theoretical framework of Ergology, as well as the contributions of the Psychodynamics of Work and Ergonomics Activity. The option to combine these theoretical contributions is justified by the complexity and enigmatic sense of human work and is not therefore possible to analyze it through a single approach. The methodological approach involved: Systematic observations of the activity, semi-structured interviews, bibliography on this topic, document analysis and validation of results. It was found that the change of ownership (these companies have ceased to be private and have become mixed economy) caused a significant change in the logic of managing the processes, people and resources. The lack of clarity in information brought a climate of fear and instability for those workers who feared losing their jobs. It also showed that there was no planning for the process of changing ownership occurred in a more systematic and structured scheme. The majority of cases changed abruptly and without training for workers and this meant that they had to adapt to a new management model and therefore a new way of working. These changes have meant that these workers would question his own ability to work as skilled and capable of a sudden become awkward and obsolete in view of the restructuring implemented. Finally, it became clear that organizational changes ongoing has contributed to the deteriorating health of some workers and to the illness of these workers. Keywords: Thermoelectric, Occupational Health, Labor Management, and Productive Restructuring and Ergology.

LISTA DE SIGLAS

ACT - Acordo Coletivo de Trabalho

AMS - Assistência Multidisciplinar de Saúde

AN - Área de Negócio

ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica

ANP - Agência Nacional do Petróleo

CA - Conselho de Administração

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

CNP - Conselho Nacional de Petróleo

CNPJ - Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica

DDSMS - Diálogos Diários de Segurança, Meio Ambiente e Saúde

DE - Desenvolvimento de Equipe

DIEESE - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos

DORT - Doença Ostemuscular relacionado ao trabalho

DSSMS - Diálogos Semanais de Segurança, Meio Ambiente e Saúde

ENSP - Escola Nacional de Saúde Pública

FA - Fusões e Aquisições

FEEMA - Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

FHC - Fernando Henrique Cardoso

GDO- Gratificação de Desempenho Operacional

GLP - Gás Liquefeito de Petróleo

GNL - Gás Natural Liquefeito

JUCERJA - Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro

LTDA - Sociedade por Quotas Limitadas

MME - Ministério de Minas e Energia

OMS - Organização Mundial de Saúde

ONS - Operador Nacional do Sistema

O&P - Operação e Manutenção

OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo

PCAC - Plano de Cargos e Salários

PDT - Psicodinâmica do Trabalho

PDV - Plano de Demissão Voluntária

PLR - Participação dos Lucros e Resultados

PPP - Plano de Previdência Privada.

PPT - Programa Prioritário de Termeletricidade

PPT - Psicopatologia do Trabalho

PROALCOOL - Programa Nacional de Álcool

RH – Recursos Humanos

RPG - Reeducação Postural Global

SA - Sociedade Anônima

SAP - Sistemas, aplicações e produtos no processamento de dados

SD 2000 - Software de Desenvolvimento

SGI - Sistema de Gestão Integrada

SINTERGIA - Sindicato dos Trabalhadores nas empresas de Energia do Rio de Janeiro e

regiões

SMS - Segurança, Meio Ambiente e Saúde

STF - Supremo Tribunal Federal

SST - Segurança e Saúde no Trabalho

TCU - Tribunal de Contas da União

UN - Unidade de Negócio

UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development

UTE - Unidade Termelétrica

SUMÁRIO Introdução 15

Capítulo I

1.0 - Crise no modelo de acumulação capitalista e alterações no mundo do trabalho 18

1.1 - Transformações no mundo do trabalho frente à Reestruturação Produtiva 18

1.2 - Aquisições e Fusões na Reestruturação Produtiva 25

Capítulo II

2.0 - Caminhos para compreensão da Atividade: a perspectiva teórico-metodológico

e o percurso traçado

30

2-1 - A perspectiva epistemológica e os referenciais teórico-metodológicos 30

2.1.1 - O conceito de saúde de Canguilhem 33

2.1.2 - A Ergonomia da Atividade 34

2.1.3 - A Psicodinâmica do Trabalho 35

2.1.4 - A Ergologia e o Espaço Tripolar 36

2.2- Os aspectos éticos da pesquisa 39

2.3 - Os sujeitos da pesquisa 41

2.4 - O trabalho de campo 42

2.4.1 - As entrevistas 44

2.4.2- As observações da atividade 44

2.5- Lacunas, ajustes metodológicos e obstáculos enfrentados 45

Capítulo III

3.0 - Caracterização e contextualização do campo empírico de pesquisa: a

Empresa de energia, a área de negócio Gás e Energia e as termelétricas

47

3.1 - Breve contextualização da Empresa de energia 47

3.2 - Breve contextualização da Unidade de Negócio - Gás e Energia 53

3.2.1 - O programa prioritário do governo e a Empresa de energia 54

3.2.3 - Funcionamento e caracterização de uma termelétrica 60

3.3 - As usinas termelétricas A e B 60

3.3.1 - A Termelétrica A 61

3.3.2 – A Termelétrica B 64

Capítulo IV

4.0- Considerações sobre o processo de aquisição das termelétricas sob o ponto de

vista dos trabalhadores

70

4.1.- O caso da termelétrica A 71

4.2- O caso da termelétrica B 83

4.3- A aquisição das termelétricas: sob o ponto de vista da Diretoria de Gás e Energia 94

4.4 - Comparação sobre os processos de aquisição das UTEs A e B 97

Capítulo V

5 - As mudanças ocorridas na gestão do trabalho das termelétricas e as implicações

na saúde e segurança dos trabalhadores

102

5.1- As mudanças ocorridas na gestão do e no trabalho das termelétricas 102

5.2- As implicações das mudanças organizacionais na saúde e segurança dos

trabalhadores

120

Considerações Finais 130

Bibliografia 134

Anexos 143

INTRODUÇÃO

Em 2004, a maior empresa de petróleo do país decide diversificar a sua matriz energética,

atuando também no setor de eletricidade. Paralelo a isto, o Brasil sofre com os apagões energéticos,

gerando uma série de instabilidades neste setor, que é estratégico para a soberania nacional. Com isso,

o governo decide que esta empresa assuma a gestão de grande parte do parque termelétrico brasileiro,

composto por doze usinas na época. Parte destas unidades é adquirida com seu efetivo funcional, isto é,

não houve dispensa dos empregados com a aquisição, nem sua incorporação ao efetivo funcional da

empresa compradora.

O presente trabalho busca analisar o processo de aquisição destas Termelétricas - UTEs, sob o

ponto de vista da atividade, compreendendo como a mudança de propriedade alterou o cotidiano de

trabalho das pessoas nestas unidades.

A escolha do grupo estudado, a dos empregados próprios termelétrica, não foi aleatória, mas

por se acreditar que o vínculo criado nestas unidades expressa uma nova faceta da Reestruturação

Produtiva, pois se acredita que a forma de contratação destes trabalhadores configura uma nova

modalidade dos diferentes tipos de trabalho presentes no modelo vigente de acumulação flexível. Além

disso, acredita-se que a forma de inserção diferenciada destes trabalhadores traz uma série de

implicações no cotidiano de trabalho deste grupo.

Destaca-se a relevância da temática deste estudo e de sua atualidade, no que se refere à análise

das situações de trabalho1 e as implicações das mudanças organizacionais, advindas da Reestruturação

Produtiva, na saúde e segurança dos trabalhadores da indústria de processo contínuo. Ressalta-se

também a possibilidade de estudo dentro da maior empresa do país, e uma das maiores empresas do

mundo.

É importante ressaltar o envolvimento da pesquisadora principal e seu interesse pelo tema a ser

explorado, pois a mesma é empregada concursada da empresa-mãe e trabalha na Área de Negócio, o

Gás e Energia, a qual estas termelétricas estão subordinadas. A mesma é freqüentemente interpelada na

sua atuação profissional por questões referentes à saúde e à segurança destes trabalhadores que

“esbarram” no vínculo diferenciado destes empregados e que afetam diretamente a gestão do e no

trabalho.

1 Baseado na abordagem ergológica que tem origem no final da década de 70, com a criação do dispositivo Análise Pluridisciplinar das Situações de Trabalho - APST e tem como principal exponencial Yves Schwartz.

15

Esta pesquisa teve como eixo condutor analisar as mudanças ocorridas na gestão do trabalho em

termelétricas, após a aquisição por uma Empresa de energia de capital misto e as possíveis implicações

destas mudanças na saúde e segurança destes trabalhadores, cujo vínculo de trabalho é diferenciado,

isto é, não são empregados da empresa-mãe e nem terceirizados. Como objetivos específicos buscou-se

analisar o processo de aquisição das termelétricas A e B; compreender as mudanças ocorridas na gestão

do trabalho das UTEs face à aquisição pela Empresa de energia e conhecer como o vínculo de trabalho

se efetiva no cotidiano e na atividade destes trabalhadores, evidenciando as implicações das mudanças

organizacionais na saúde e segurança destes trabalhadores, sob o ponto de vista da atividade.

Do ponto de vista formal, este trabalho está dividido em cinco capítulos, sendo o Capítulo I

referente às mudanças no mundo do trabalho frente à Reestruturação Produtiva, com um olhar sobre os

processos de aquisições e fusões no contexto da Reestruturação Produtiva. Neste capítulo realizou-se

uma breve discussão acerca da crise econômica mundial ocorrida a partir da década de 60, conforme

explicitam Mandel (1985, 1990) e Harvey (1992), mas que teve seu apogeu no mundo nas décadas de

70 e 80 e no Brasil ocorreu tardiamente, tendo seu ápice na década de 90. Nesta conjuntura o Estado

passa a atuar de maneira mais residual, introduzindo uma série de alterações socioeconômicas,

incluindo as privatizações de empresas públicas, diminuição da proteção social e perda de direitos

historicamente conquistados pela classe trabalhadora.

O capítulo II refere-se ao percurso teórico e metodológico desta pesquisa, onde são

apresentados os aportes teóricos que nortearam este estudo: a Concepção de Saúde de Canguilhem, a

Ergologia, a Ergonomia da Atividade e a Psicodinâmica do Trabalho. Além disso, é evidenciado o

percurso metodológico traçado durante a pesquisa: as observações sistemáticas da atividade, as

entrevistas semi-estruturadas, o levantamento bibliográfico sobre o tema, a análise documental e a

validação dos resultados.

No Capítulo III é apresentado o campo empírico de pesquisa e para isso se fez uma breve

caracterização da Empresa de energia adquirente das termelétricas, da área de negócio Gás e Energia e

um histórico das termelétricas A e B, evidenciando o papel do Programa Prioritário de

Termeletricidade - PPT e da crise energética brasileira para a aquisição destas UTEs pela Empresa de

Energia.

No Capítulo IV e V são apresentados os achados desta investigação, sendo que no primeiro é

feito um resgate do contexto da criação destas termelétricas e o papel da Empresa de energia nesses

contratos vinculados ao PPT, ouvindo diversos interlocutores tais como trabalhadores, diretoria de Gás

e Energia e representação sindical dos eletricitários para compreensão das motivações da compra de

empresas privadas por uma empresa de economia mista.

16

17

E por fim, no último capítulo buscou-se evidenciar como mudanças de cunho organizacional

trazem alterações no dia a dia e no cotidiano de trabalho das pessoas que estavam lotadas nestas

unidades. Além disso, como estas alterações trouxeram implicações na saúde e segurança destes

trabalhadores.

Nas considerações finais são realizadas algumas reflexões sobre possíveis ações e intervenções

que podem contribuir para a melhoria das condições de trabalho destas pessoas. Entretanto, não se

objetiva esgotar as discussões iniciadas nesse trabalho, tendo em vista ser um estudo exploratório, de

um grupo ainda não estudado anteriormente. Além disso, a questão ora em análise possui uma riqueza,

profundidade e complexidade, requerendo outros estudos para melhor compreensão da problemática

em questão. Acrescenta-se a tudo isso, o fato que o processo de incorporação destes empregados à

Empresa de energia estar em curso e longe de um desfecho breve e previsível.

1.0- Crise no modelo de acumulação capitalista e alterações no mundo do

trabalho

O presente capítulo tem como objetivo realizar uma sucinta análise da crise econômica

ocorrida no mundo a partir da década de 60, conforme explicitam Mandel (1990) e Harvey

(1992), que se acentuou no cenário internacional nos anos 70 e 80 e no Brasil ocorreu de forma

tardia, tendo sua intensificação na década de 90.

Esta crise proporcionou uma série de transformações socioeconômicas no Estado.

Transformações essas que introduziram mudanças significativas no mundo do trabalho em

decorrência do processo denominado Reestruturação Produtiva.

A seguir será abordado sucintamente o processo denominado Reestruturação Produtiva e

as alterações que este modelo traz ao mundo do trabalho da atualidade. Acredita-se que este

fenômeno está diretamente associado ao processo ocorrido nas UTEs, sendo a mudança de

propriedade uma conseqüência às avessas deste fenômeno.

1.1 - Transformações no mundo do trabalho frente à Reestruturação Produtiva

Harvey (1992) sinaliza que a política neoliberal foi difundida prioritariamente nos Estados

Unidos e na Inglaterra, quando houve uma intensificação da crise denominada “onda expansiva

do capital” nos governos de Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

Em decorrência destas mudanças, alguns teóricos chegaram a anunciar o fim do trabalho

humano ou a perda da centralidade do trabalho na vida dos homens (Rifkin, 1995; Gorz, 1982;

Offe, 1989). Entretanto, conforme sinaliza Schwartz (2007) se faz necessário desconfiar de

profecias e visões fatalistas, pois estas desconsideram a atividade humana no trabalho e a

capacidade de transformação, enfim a criatividade do homem no trabalho.

É inegável, conforme destaca Schwartz (2007), que a partir da década de 80 se impõe um

novo ritmo ao mundo do trabalho, sendo este mais acelerado que nas décadas anteriores.

Observa-se o declínio de certas formas clássicas de trabalho, surgem novas formas de trabalho,

em alguns momentos torna-se até difícil definir o que seja trabalhar na sociedade capitalista

contemporânea.

18

Verifica-se que estas mudanças, em alguns casos deslocam o trabalho humano. Criam-se

novas competências, onde são requeridas do trabalhador novas habilidades para atuação neste

cenário. Novas formas de contratação emergem neste cenário, tais como: a terceirização,

subcontratação, quarteirização trabalho informal, parcial, entre outros. Enfim, modifica-se o

trabalho, em especial a composição social. Apesar destas alterações o trabalho permanece sendo

central na vida dos indivíduos no atual modelo de acumulação vigente.

Há que se ressaltar que, conforme descrito por Marx (1968) há mais de um século atrás, o

trabalho é uma categoria social. Portanto, é necessário situar o período histórico no qual ele é

discutido, as relações que perpassam este trabalho, para assim ser possível desvelar o trabalho,

pois é inegável a sua centralidade nas sociedades capitalistas contemporâneas.

Ressalta-se que a perspectiva de análise dessa dissertação baseia-se na Ergologia2. Sendo

assim, ao realizar a reflexão acerca destas transformações, conforme sinaliza Schwartz (2007),

procura-se pensar nas transformações em si, sem taxá-las como positivas ou negativas.

Busca-se compreender como as mudanças no processo produtivo modificaram o trabalho,

além de trazer novas problemáticas a serem respondidas e em que medida estas modificações

alteraram a atividade das pessoas no trabalho. O olhar ergológico sobre as transformações conduz

à recusa de categorizá-las antecipadamente, sem conhecer o trabalho em si, sem ouvir quem o

exerce, enfim sem compreendê-lo em sua amplitude e complexidade.

Reitera-se que é inegável a compreensão histórica dos processos de mudança no mundo

do trabalho e se faz necessário não perder de vista as relações entre o micro e o macro em toda

análise que busque compreender o trabalho e quiçá transformá-lo, pois conforme destaca

Schwartz (1995) “o eixo das ressingularizações” nos faz a todo o momento reajustar

permanentemente os aportes intelectuais de análises históricas.

De acordo com Harvey (1992), verifica-se que as três últimas décadas do século passado

(século XX) foram palco de uma série de transformações ocorridas no mundo do trabalho.

Assistiu-se à ascensão do neoliberalismo, segundo idéias inspiradas em Hayek3 que, no final da

2 Essa perspectiva de análise tem como principal exponencial Yves Schwartz e origina-se no final da década de 70. A disciplina ergológica é própria às atividades humanas e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e conceito no campo das ciências experimentais deve, ao contrário, neutralizar os aspectos históricos. (Schwartz, 2000, p.45). 3Foi um dos expoentes da Escola Austríaca de Economia e um dos mais importantes pensadores liberais do século XX. Considerado o propositor da base filosófica e econômica do neoliberalismo, cujo livro mais famoso é “O Caminho da Servidão”, publicado em 1944.

19

década de 1970, buscava explicações e propostas para a crise econômica mundial através de um

novo padrão de acumulação.

Apontava-se como solução para esta crise a reconstituição do mercado, onde o Estado

exerceria apenas o papel de legitimar sua expansão, com pouca intervenção no planejamento e na

condução da economia. Promovendo privatizações e desregulamentações das relações

trabalhistas, garantindo aos trabalhadores apenas um mínimo para sua sobrevivência sem,

contudo, assegurar direitos. Conforme pode ser evidenciado por Harvey:

“O mercado de trabalho, por exemplo, passou por uma radical reestruturação. Diante da forte volatilidade do mercado, do aumento da competição e do estreitamento das margens de lucro, os patrões tiraram proveito do enfraquecimento do poder sindical e da grande quantidade de mão-de-obra excedente (desempregados ou subempregados) para impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis” (Harvey, 1992, p.43).

Neste cenário um conjunto de medidas foi adotado e visava dar resposta à crise e ao

esgotamento do padrão de acumulação anterior, o fordismo. Druck e Borges (2002) definem

Reestruturação Produtiva como:

“Conjunto de mudanças no âmbito da produção e do trabalho, através de inovações tecnológicas, da implementação de novos padrões de gestão e organização do trabalho e do estabelecimento de novas relações políticas entre o patronato e os sindicatos” (Druck e Borges, 2002, p.112).

Para Mandel (1990), a Reestruturação Produtiva tem o objetivo de tentar superar as

contradições inerentes ao capital. Este se encontrava em mais uma de suas crises e para combatê-

la visava aumentar a taxa de lucro, acreditando com isso eliminar a crise de superprodução.

“Os esforços da reestruturação da produção tendem a elevar a taxa de lucros através das seguintes medidas: eliminação, absorção ou redução da atividade menos produtivas por técnicas de produção mais avançadas; redução da fabricação de produtos cuja demanda parece estruturalmente em estagnação ou em declínio, favorecendo a fabricação de produtos cuja procura se revela estruturalmente em elevação; investimentos de racionalização com economia de matérias-primas, de energia, de mão de obra e de emprego do capital fixo; crescimento da velocidade de circulação do capital; intensificação dos processos de trabalho e, em geral, esforços concentrados para aumentar duravelmente a taxa de mais-valia” (Mandel, 1990, p.197).

20

Emerge também neste cenário, o conceito de Acumulação Flexível4, sendo relacionado à

passagem do modelo fordista de acumulação capitalista, juntamente com o reforço keneysiano, a

partir da década de 40, para um novo modelo flexível que fosse capaz de superar a crise vigente

do capital. (Harvey, 1992, Antunes, 1995, Mota-Fernandes, 1995 e Ianni, 1996).

Este termo caracteriza uma série de inovações no processo de produção, novas formas de

fornecimento de serviços financeiros, inovações tecnológicas e organizacionais, através de

mudanças tanto em equipamentos como organizacionais. Visava uma organização mais integrada

e flexível, influenciada pelo toyotismo. É importante sinalizar que a Acumulação Flexível

estabelece um novo ciclo de compreensão do espaço-tempo.

“A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracterizam-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimentos de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (Harvey, 1992, p.140).

Para este autor, a crise enfrentada do modelo vigente, o Fordismo, pode ser compreendida

pela rigidez dos processos. Rigidez esta que pode ser visualizada nos investimentos de capital

fixo, de larga escala e de longo prazo; em sistemas de produção em massa; nos mercados; no

consumo; na organização do trabalho e no Estado de Bem Estar Social.

Esse novo estágio é caracterizado pela intensificação das estratégias de distribuição

geográfica do capital, da produção e seu controle (Freire, 1998a, p.01), portanto, por exemplo,

uma empresa pode ter sua sede em Nova Iorque, ter seus produtos fabricados na Índia, com

custos de mão-de-obra reduzidos e comercializados em todo o planeta, sendo este processo

denominado de mundialização ou globalização da economia.

No processo de acumulação flexível busca-se o ideal da flexibilidade, em oposição à

rigidez fordista, que foi apontada como a responsável pela crise do Capital. Com isso, concorda-

se com Antunes (1995) quando afirma que a flexibilização é realizada ao máximo, não somente

nas estratégias de produção, mas nas condições de trabalho, nos direitos historicamente

conquistados pelos trabalhadores e na atuação estatal.

4 Termo criado por Harvey que busca definir o conjunto de transformações seja nos processos de produção, novas formas de fornecimentos de serviços, surgimentos de novos setores de produção, aceleração no processo de produção, troca, de capital de giro e de consumo, enfim a instalação de um novo ciclo de compreensão do espaço-temporal ocorridas no mundo no período pos fordista.

21

Sendo assim, conforme evidencia Ianni (1996), não somente se tem uma globalização do

capital, mas esta vem acompanhada de uma globalização do trabalho, formando o que denomina

de “trabalhador coletivo desterritorializado” (Ianni, 1996, p.14). Para este autor, é notória a

globalização das desigualdades sociais, das múltiplas expressões da questão social, sendo o

trabalho somente uma das facetas do agravamento destas relações. Mas ele também vislumbra a

possibilidade de criação de “uma percepção da sociedade global em formação, da cidadania em

escala mundial” (Ianni, 1996, p.28).

Freire (1998) acrescenta ao bojo desta discussão que a Reestruturação Produtiva traz

consigo reestruturações políticas, sociais e econômicas em um novo estágio de acumulação.

Segundo sinaliza esta autora a Reestruturação Produtiva é um:

“(...) novo modelo de racionalização das empresas, determinando modificações na sua estrutura, nas políticas econômicas de expansão, nos processos de produção, organização e gestão da força de trabalho, com ênfase no controle do processo de trabalho e na criação de uma nova cultura pautada na competitividade do mercado globalizado” (Freire, 1998, p.05).

Com isso, conforme ressalta Antunes (1995), uma série de mudanças são introduzidas

tanto no que se refere à produção, às novas formas de gestão da força de trabalho, gerando um

aumento da precarização das relações de trabalho. Os processos de trabalho são influenciados

pelos ideários da produção flexível e de algumas modalidades de organização do trabalho, com

especial destaque para a Reengenharia.

“(...) a tendência de flexibilização das relações de trabalho, caracterizado pela perda de espaço da regulação pública para aquela que se realizava nos espaços privados das empresas (...) considera-se fundamental que as empresas tenham a capacidade de reorganizar rapidamente o processo de trabalho e, conseqüentemente, as funções e as tarefas que cada trabalhador realiza” (Dedecca, 1998, p. 274).

Para Druck (1999) o Consenso de Washington5 foi o precursor na difusão do

neoliberalismo, tendo este os seguintes objetivos principais:

“a) estabilização da economia (corte no déficit público, combate à inflação), em geral, tendo por elemento central um processo, explicito, ou não, de dolarização da economia e

5 De acordo com Druck (1999) o Consenso de Washington foi criado por John Williamson e tornou-se mundialmente conhecido por expressar os interesses da comunidade financeira internacional, o FMI e o BIRD.

22

sobrevalorização das moedas nacionais; b) reformas estruturais com redução do Estado, através de um programa de privatizações, desregulação dos mercados e liberalização financeira e comercial; c) abertura da economia para atrair investimentos internacionais e retomada do crescimento econômico” (Druck, 1993, p.23).

Estas exigências explicitadas acima perfazem o ideário neoliberal e visam à expansão

deste novo modelo de acumulação do capital no plano internacional, e posteriormente nos países

periféricos, como o Brasil.

Novas formas de organização do processo de trabalho emergem neste cenário. A

especialização flexível é tida como ideal de mercado a ser alcançado, buscando-se novas formas

de gestão da força de trabalho. Exige-se um profissional altamente qualificado e polivalente,

capaz de exercer as mais variadas atividades, atendendo às demandas que lhe são postas pelo

mercado. Este novo modelo redimensiona o processo produtivo, racionalizando, reestruturando e

intensificando o controle sobre o trabalho.

Assim, verifica-se uma transformação substancial no mundo do trabalho na atualidade.

São estabelecidas novas condições à classe trabalhadora, em alguns casos com o consentimento

dos próprios trabalhadores, conforme já descrito por Gramsci (1979). Verifica-se que este

“consentimento” é uma estratégia de sobrevivência dos trabalhadores. Tornando-se uma luta

quase que individual pela manutenção dos postos de trabalho, mesmo que em situações

degradantes e precárias. Ianni argumenta que o mundo do trabalho passa por novas “relações,

processos e estruturas de alcance global” (Ianni, 1996, p.157), impondo a classe trabalhadora à

perda de direitos historicamente conquistados.

Verifica-se também, um enfraquecimento substancial da organização sindical, alguns

autores tais como Salerno (1993) e Antunes (1997) apontam para a ausência de uma reflexão

sindical sobre as questões relativas ao processo de trabalho e à organização do trabalho em si.

Desde sua origem, os sindicatos estabeleceram como bandeiras de lutas a defesa dos salários, do

direito à greve, entre outras, não refletindo sobre alternativas para enfrentar as soluções

tecnológicas e organizacionais instituídas pelas empresas.

No Brasil, agrava-se a situação pela não implementação de um Estado de Bem Estar

Social, tal com ocorreu nos países europeus. Vivencia-se um desemprego estrutural, onde quem

não faz parte do mercado formal de trabalho encontra-se sob condições contratuais de

terceirização ou no setor informal - sem proteção estatal que garanta sua reprodução social - ou

23

inseridos em um exército industrial de reserva (Castel, 1998) - o que possibilita a manutenção

destes mecanismos e a intensificação da desigualdade econômico-social.

O Estado passa a ser menos interventivo, agindo de maneira residual como Estado

Mínimo para o social e máximo para o Capital, e atuando através de políticas paliativas e

compensatórias. Soma-se a este fator a inserção precária da grande maioria dos trabalhadores,

possibilitando uma considerável dificuldade de mobilização para a luta por melhores condições,

pois se vive na imediaticidade, na luta diária para garantir seus postos de trabalho e, mais ainda,

sua própria sobrevivência.

Cabe ressaltar, que este aparente “enfraquecimento” da ação estatal, traz consigo um

ideário de defesa do sistema capitalista, onde o Estado age retirando os direitos da classe

trabalhadora, historicamente conquistados, se despolitiza, conforme sinaliza Cardoso:

“O essencial não é o fato de o Estado desvencilhar-se de propriedades. O essencial é ele desincumbir-se de seu lugar como centro de consolidação e reforço de normas gerais de controle de mercado (de bens, de serviços, financeiros, de trabalho, etc) redefinindo com isso seu papel na sociedade capitalista” (Cardoso, 2003b, p.25).

É inegável que estas mudanças trazem profundas alterações na sociedade que “vive do

trabalho”, tendo em vista que abalam as principais estruturas do sistema fordista que são a

garantia do emprego6, a seguridade social provida pelo Estado, a eliminação de diversos postos

de trabalho, para a criação da figura do trabalhador polivalente.

Harvey (1992) ressalta que o mercado de trabalho passou por diversas mudanças,

mediante a volatilidade do mercado financeiro, tendo que as empresas estarem aptas a darem

respostas às novas exigências que foram postas, sendo cada vez mais competitivas, portanto

tendo que reduzir ao máximo os custos.

Dentre o conjunto de alterações socioeconômicas advindas do processo de Reestruturação

Produtiva interessa para este estudo trazer para o bojo da discussão a questão relativa às fusões e

aquisições de empresas neste período. É evidente que estas sempre existiram no mercado

financeiro, porém Harvey (1992) sinaliza que neste período tornaram-se mais freqüentes, tendo o

objetivo de ganho em curto prazo de tempo.

As duas termelétricas objetos deste estudo detinham uma estrutura de propriedade

privada, onde uma empresa de capital misto possuía participação minoritária e a partir de 2005, a 6 De acordo com Druck (1999) no Brasil o setor fordista nunca garantiu a estabilidade empregatícia.

24

Empresa de energia decide adquirir integralmente as quotas destas sociedades, incorporando as

unidades a seu portfólio de atuação.

1.2 - Aquisições e Fusões na Reestruturação Produtiva

A Reestruturação Produtiva traz consigo uma intensificação das aquisições, fusões do

mercado internacional e nacional. Segundo Harvey as empresas buscam ganhos rápidos de

capitais por meio de fusões ou aquisições. “A fusão da Comunidade Econômica Européia como

bloco econômico vai ocorrer em 1992; manias de fusões e absorções vão varrer o continente”

(Harvey, 1992, p.325).

“A desregulamentação significou muitas vezes um aumento da monopolização em setores como empresas de aviação, energia e serviços financeiros. Num dos extremos da economia de escala de negócios, a acumulação flexível levou a maciças fusões e diversificações corporativas” (Harvey, 1992, p.150).

Este autor destaca a importância da volatilidade no cenário da Reestruturação Produtiva,

pois com esta torna-se bastante dificultoso realizar qualquer planejamento em longo prazo, face

ao ritmo imposto pelas mudanças.

Observa-se que em geral, as empresas optam por operações que possam proporcionar

ganhos de capital em curto espaço de tempo, sendo neste cenário as fusões, aquisições e

operações no mercado financeiro e de moedas parte da estratégia de mercado para a

sobrevivência frente à competitividade. Segundo Minadeo e Camargo entende-se como

aquisição:

“aquisição é a compra de uma empresa por outra, na qual somente uma delas mantém a identidade. Essa compra pode ser de ações com direito a voto no mercado de capitais (aquisição de controle) ou dos ativos da empresa” (Minadeo, Camargo, 2007, p.03).

25

A lei das Sociedades Anônimas (Brasil. Lei nº 10.303/01), no artigo 227 conceitua

incorporação (aquisição) quando “uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes

sucede em todos os direitos e obrigações”.

No Brasil a década de 90 representou um período de intensificação das aquisições e

fusões, sendo bastante relacionado a um contexto de privatização de empresas públicas e

mudanças no regime de regulamentação, dentre eles pode-se citar a quebra do monopólio do

petróleo em 1997, através da lei nº 9478/97, tendo a empresa adquirente das UTEs sido

diretamente afetada por esta lei.

Segundo Lucchesi (1998) dentre as conseqüências da quebra do monopólio estatal para a

Empresa de energia pode-se citar: a abertura do capital da empresa, tendo a internacionalização

das suas ações, sendo colocado à venda no mercado cerca de 60% de suas ações nas Bolsas de

Valores, sendo 40% destas vendidas na Bolsa de Nova Iorque para capital estrangeiro.

Foi também bastante característico desta mudança a criação de um processo de parceria

com empresas privadas para atuação em outros mercados que não o petrolífero. Sendo esta

segunda estratégia a utilizada no parque termelétrico brasileiro, onde a Empresa de energia não

possuía expertise na área e se associou a outras empresas para atuação no mercado de

eletricidade.

De acordo com Carneiro (2007), constata-se que desde década de 90, o país passou por

um processo de desregulação, onde um de seus maiores efeitos sobre o mercado empresarial foi à

intensificação da concentração da propriedade e a internacionalização do capital. Segundo este

autor entre os anos de 1994 e 2006, o número de fusões no país triplicou, transformando

profundamente a estrutura de propriedade das empresas, mas segundo o mesmo isso não gerou

um significativo retorno do investimento produtivo.

Além disso, Pinto Junior e Iootty (2005) ressaltam que a intensificação das fusões a partir

da década de 90 pode ser compreendida pela emergência de um novo cenário. Este é

caracterizado por transformações tecnológicas e organizacionais no âmbito empresarial,

desregulamentando e flexibilizando as fronteiras, proporcionando novas oportunidades no

mercado, intensificando a concorrência destes em um cenário global e não mais local. Verifica-se

que as empresas utilizam diversas estratégias para se manter no mercado, sendo as fusões e

aquisições um importante instrumento para alcançar estes objetivos.

26

É importante reiterar conforme explicita Carneiro (2007) que as Fusões e Aquisições -

F&A surgem como uma importante ferramenta de reestruturação e/ou crescimento de grandes

corporações, sendo uma característica das empresas se desfazerem de ativos não-rentáveis ou

adquirem novas empresas com objetivo de diversificação, sobreposição da concorrência ou

verticalização, obedecendo a uma lógica de mercado e suas tendências tecnológicas.

De acordo com estatísticas da UNCTAD7 (2000) os setores de energia foram palco destas

mudanças na estrutura de propriedade patrimonial, movimentando cerca de US$ 329 bilhões em

transações de vendas de empresas em todo o mundo nos setores de eletricidade, petróleo e gás

entre os anos de 1990 a 1999.

No Brasil, esta tendência é cada vez mais crescente e expressiva. De acordo com estudos

da consultoria KPMG Corporate Finance8 (2007), entre os anos de 1994 a 2007 ocorreram 4.731

fusões ou aquisições no país. Já no ano de 2009, de acordo com esta mesma fonte ocorreram 699

fusões ou aquisições, o que representa quase o dobro de ocorrências de dois anos anteriores.

Pinto Junior e Iootty (2005) destacam que é bastante comum das empresas petrolíferas

mundiais a busca pela internacionalização de suas atividades, porém as empresas elétricas e

gasíferas historicamente atuaram em seus mercados nacionais.

Segundo Carneiro (2007), no Brasil, o segmento Petróleo e Gás, na prática, ainda hoje

permanece sob o monopólio da Empresa de energia e os investimentos internacionais existentes

no país, em sua maioria, são realizados associados a esta empresa para manutenção do mercado

doméstico.

De acordo com Alem e Cavalcanti (2005), o padrão de internacionalização da Empresa de

energia está fundamentado em dois pilares essenciais: especialização no core business9 na área

petrolífera através do “greenfield”, isto é, construção de nova capacidade produtiva, e

diversificação sinérgica através de novas matrizes energéticas, adquirindo ativos já existentes.

Esta segunda opção é bastante característica da Área de Negócio a qual as termelétricas

estão subordinadas, pois esta área é responsável pela diversificação da matriz energética na

7 A sigla UNCTAD vem do inglês e significa United Nations Conference on Trade and Development, que em português significa Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, sendo um fórum permanente da ONU criado em 1964. 8 Empresa com forte atuação internacional que tem como objetivo assessorar tanto compradores como vendedores em processos de aquisições e fusões. Os seus principais clientes são empresas de grande e médio porte, tendo assessorado nos últimos dez anos duzentos e oitenta processos de aquisições e fusões, conforme informações da própria empresa KPMG. 9 De acordo com Allen e Zook (2001) o core business de uma empresa pode ser compreendido como o conjunto de produtos, recursos, clientes, canais, áreas geográfica que circunscreve a área de atuação da empresa representa no momento, bem como o que pretende ser, de modo a atingir suas metas, estratégias de crescimento, ampliando suas receitas de maneira sustentável e rentável.

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Empresa de energia. As aquisições destas termelétricas configuram-se como obtenção do

domínio de uma nova matriz energética, a eletricidade, não tendo a Empresa de energia expertise

anterior nesta área, optando em adquirir participações acionárias minoritárias em ativos já

existentes.

Cabe sinalizar, que no caso de aquisição das termelétricas, onde a Empresa de energia

possuía participação acionária minoritária, a decisão por adquirir as empresas integralmente foi

uma estratégia de minimização dos prejuízos decorrentes das operações no segmento de geração

e comercialização de eletricidade.

Os acordos firmados com a iniciativa privada, através do Programa Prioritário de

Termeletricidade - PPT (Decreto 3.371 de 24 de fevereiro de 2000) previam cláusulas de

pagamentos contingenciais, onde a Empresa de energia era obrigada a honrar com pagamentos

relativos a taxas, impostos, custos de manutenção e operação, nos casos em que a termelétrica

não obtivesse receita suficiente para cobrir os gastos. Esta cláusula de contingência funcionava

como garantia de rentabilidade econômica e financeira para as empresas controladoras das UTEs,

recaindo o ônus sobre a Empresa de energia, caso não fosse possível vender a eletricidade ao

mercado.

É importante pontuar as inúmeras mudanças ocorridas no mercado de geração e

comercialização de energia, a partir de 2003 e que impulsionaram a decisão da incorporação

destas UTEs à Empresa de energia. Dentre as mudanças mais significativas pode-se destacar:

A melhora dos níveis dos reservatórios de água, tornando a eletricidade gerada pelas

hidrelétricas muito mais viáveis economicamente ao mercado;

A redução dos preços de comercialização de eletricidade. Esta redução resultou em uma

diminuição drástica do preço da eletricidade no mercado livre, tendo segundo Pereira (2008)

passado de R$ 684,00 por MWh em 2001, para R$ 4,38 por MWh em 2002;

Retração do mercado de eletricidade gerada por termoeletricidade face aos custos onerosos

de geração.

Tudo isso acarretou uma insuficiência de receitas nestas termelétricas e, a partir de 2002,

os proprietários majoritários passaram a exigir da Empresa de energia o aporte financeiro previsto

na cláusula contingencial do acordo firmado. Sendo assim, passou a ser um negócio oneroso,

especialmente para a Empresa de energia, pois mesmo não tendo receitas positivas precisava

arcar com os custos destas unidades.

28

29

Por isso, a Empresa de energia optou, inicialmente, por recorrer às Câmaras de

Arbritagens Internacionais, com o objetivo de cancelar as obrigações contratuais previstas e

renegociar as condições impostas pelo acordo, conforme entrevista na época ex-diretor da Área

de Negócio “Temos pareceres de juristas como Eros Grau, ministro do STF, reforçando a tese de

que é obrigatório renegociar“ Evaristo (2007).

Porém, em seguida, o processo arbitral foi interrompido e optou-se por uma negociação

mais direta e amigável com os proprietários majoritários, decidindo-se pela compra integral das

termelétricas. Além disso, deliberou-se em manter a maior parte dos trabalhadores, com exceção

dos diretores das empresas que foram imediatamente desligados com a mudança de propriedade.

As empresas, a partir de então, passaram a ser 100% da Empresa de energia, mas não

foram incorporadas ao patrimônio da empresa-mãe, pois isso representaria ao balancete da

empresa um prejuízo financeiro, onerando e criando um déficit financeiro à adquirente. Portanto,

optou-se em permanecer com as empresas independentes, autônomas, com CNPJ desvinculado da

empresa mãe, de modo a gozar de uma série de incentivos fiscais, abatimento de dívidas previsto

na legislação vigente.

Cabe sinalizar que a experiência vivenciada nestas térmicas é bastante peculiar, pois eram

empresas privadas e, em geral, o movimento de Reestruturação Produtiva tende à privatização

das empresas públicas e nestas unidades ocorreu processo inverso: empresas privadas passam

para a gestão de uma empresa de economia mista, onde o governo é o acionista majoritário.

O híbrido formado nestas termelétricas foi fruto do processo de Reestruturação Produtiva,

tendo em vista que a Empresa de energia foi colocada pelo Governo Federal como o principal

aportador de recursos financeiros para incentivo de implantação desta nova tecnologia no país.

Participando dos consórcios com multinacionais estrangeiras, com o papel de viabilizadora destes

empreendimentos e sendo a única a obter o ônus desse investimento, pois eles não geravam

nenhum risco para iniciativa privada. “O fato é que o investimento nas térmicas virou mico e os

contratos assinados no governo FHC estão no inventário da herança maldita” Evaristo (2007).

O capítulo a seguir traz os aportes teórico-metodológicos e o percurso traçado para

obtenção dos resultados e análises que serão apresentadas nesta dissertação.

2.0 - Caminhos para compreensão da Atividade: a perspectiva teórico-

metodológica e o percurso traçado

Este capítulo tem como objetivo traçar o percurso teórico-metodológico feito para alcançar os

resultados apresentados nesta pesquisa, buscando clarificar as escolhas para a condução deste trabalho.

Compreende-se estas escolhas também como um processo de reflexão e ação, pois em alguns

momentos tivemos que repensar o processo proposto, definir novos caminhos, transpor as dificuldades

enfrentadas, abandonar algumas pretensões de estudo pela insuficiência de tempo e ausência de dados

para realizar as análises necessárias.

A perspectiva epistemológica e os referenciais teórico-metodológicos serão apresentados de

forma suscita abaixo.

2-1 - A perspectiva epistemológica e os referenciais teóricos - metodológicos

O presente trabalho teve como base o enfoque dos estudos qualitativos segundo Minayo (1993,

1999) e tem o caráter exploratório. E por tratar-se de uma pesquisa qualitativa, pretendeu-se conhecer

a realidade profissional destes trabalhadores, lotados nas unidades A e B e que tiveram seu cotidiano de

trabalho modificado, após a aquisição das UTEs por uma Empresa de energia.

A opção pela abordagem qualitativa se justificou pela preocupação com a profundidade do

conteúdo a ser investigado, que não pode ser quantificado. Concorda-se com Minayo quando afirma

que:

“A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” (Minayo, 1993, p.21).

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Houve a preocupação durante este estudo de evitar algumas “armadilhas” comuns e que

podiam ser enfrentadas pela pesquisadora principal no que tange à análise dos dados obtidos no campo.

Dentre elas pode-se citar o que Bordieu (1983) apud Minayo (1993) denomina como ilusão da

transparência10, sendo esta compreendida como:

“O perigo da compreensão espontânea como se o real se mostrasse nitidamente ao observador. Essa “ilusão” é tanto mais perigosa, quanto mais o pesquisador tenha a impressão de familiaridade com o objeto. Trata-se de uma luta contra a sociologia ingênua e o empirismo, que acreditam poder apreender as significações dos atores sociais, mas apenas conseguem a projeção de sua própria subjetividade” (Minayo, 1993, p.197).

Para isso, buscou-se ao máximo eliminar a tendência de compreensão imediata dos fenômenos,

ainda mais, pelo fato de estar diretamente imbricada na situação devido ao vínculo profissional da

pesquisadora principal com a Empresa de energia. Tarefa difícil durante a pesquisa, tendo a todo o

momento que ir além do que se mostrou aparentemente e superficialmente nas situações de trabalho,

pois o real nem sempre está posto e evidente.

E para fazer esse exercício de “estranhamento” do que estava sendo posto foi de suma

importância uma análise dialógica com os aportes teóricos, de modo que teoria e prática pudessem ser

articulados e postos à prova a todo o momento.

Foi utilizado o referencial teórico da Ergologia. Este aporte teórico possibilitou a compreensão

do sentido enigmático e complexo das situações de trabalho vivenciadas pelos empregados próprios

das duas termelétricas objeto deste estudo, após mudanças na gestão do e no trabalho decorrente do

processo de mudança de propriedade, bem como se estas alterações trouxeram implicações na saúde e

segurança destes trabalhadores. De modo sintético entende-se Ergologia como:

“(...) não é uma disciplina no sentido de um novo domínio do saber, mas, sobretudo, uma disciplina do conhecimento. Essa disciplina ergológica é própria às atividades humanas e distinta da disciplina epistêmica que, para produzir saber e conceito no campo das ciências experimentais deve, ao contrário, neutralizar os aspectos históricos. A démarche ergológica, mesmo tendo como objetivo construir conceitos rigorosos deve indicar nestes conceitos como e onde se situa o espaço das (re) singularizações parciais, inerentes às atividades de trabalho” (Schwartz, 2000a, p.45).

10 Sobre a “ilusão da transparência” ver Bourdieu, P. Sociologia. São Paulo: Ática, 1983 e Minayo MCS. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1993.

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Nesta perspectiva de análise o trabalho é visto como um lócus permanente de decisões, de

escolhas e de um constante debate de normas e valores, interessando-nos o que de fato o trabalhador

faz em sua atividade real de trabalho e o que deixa de fazer, ou seja, seus impedimentos, pois ambos

constituem a sua atividade.

A opção pela Ergologia se justifica pela natureza do objeto, pois, conforme sinaliza Schwartz

(2007b), o trabalho por si só é complexo e enigmático, portanto impossível de ser apreendido por um

único campo de saber. Assim, faz-se necessária a interlocução de vários campos de conhecimento, de

modo a desvelar as múltiplas facetas do trabalho, que nada tem de simples e trivial.

“coisa enigmática que ele [o trabalho] cristaliza em si atravessa e circula entre as diversas formas de atividade das quais algumas têm a forma ‘emprego’ e outras não: o trabalho para si ou sobre si, trabalho doméstico, militante, estratégico, político. Toda forma de atividade em qualquer circunstância requer sempre variáveis para serem geridas em situações históricas sempre em parte singulares, portanto, escolhas a serem feitas, arbitragens – às vezes quase inconscientes – portanto, o que eu chamo de “uso de si”, “usos dramáticos de si”. Simplesmente, em nossa época, verdade que a forma do trabalho como emprego ou mercadoria é, de um modo geral, quer dizer, nem sempre, o modo mais rico de ativação dentre estes modos ‘dramáticos’” (Schwartz, 1996a, p.51).

Buscou-se analisar as mudanças no trabalho, conforme sinaliza Schwartz (2007), evitando

realizar julgamentos de valores a priori, pois não é possível conhecer o trabalho sem ouvir quem o

exerce, sem compreendê-lo em sua amplitude e complexidade. A partir desta compreensão foi possível

realizar uma reflexão acerca das mudanças organizacionais e as implicações destas alterações na saúde

e segurança destes trabalhadores.

“Então é verdade que, de um lado, é preciso reconhecer as mudanças reais e às vezes profundas e, ao mesmo tempo, eu pessoalmente insisti muito sobre a extrema prudência necessária ao qualificar essas mudanças e, sobretudo, as julgar. Eu diria que esta prudência é a atenção a alguma coisa que me parece justamente portadora de elementos positivos. É preciso ser prudente porque se fala sempre de alguma coisa que é pertinente à atividade humana” (Schwartz, 2007b, p.30).

A seguir serão apresentados os principais conceitos que contribuíram para dar embasamento e

fundamentação para análise do problema. É importante sinalizar que não se pretende realizar uma

análise exaustiva e detalhada destas correntes teóricas, mas somente abordar alguns conceitos

32

específicos que dialogaram com a perspectiva ergológica e contribuíram sinergicamente com a análise

do objeto deste estudo e propor ações transformadoras nestes ambientes de trabalho.

2.1.1 - O conceito de saúde de Canguilhem

As obras de Canguilhem (1943, 1978) representaram um marco na construção da Saúde

Coletiva no Brasil e tiveram forte influência nos estudos de percussores deste campo tais como

Tambellini (1976), Arouca (1975), entre outros.

De acordo com Coelho e Almeida Filho (1999) no século XX, a visão hegemônica e validada

pela medicina e biologia sobre a saúde referia-se que o adoecimento, isto é, a patologia era uma

conseqüência das variações quantitativas do fenômeno da normalidade, portanto a doença era uma

ausência de saúde. Canguilhem (1943, 1978) em seus estudos propõem um novo modo de pensar estes

fenômenos, contrapondo a visão hegemônica da época. Para este autor, a doença e a saúde são dois

fenômenos distintos, configurando-se em dois modos de vida, portanto tanto a doença como a saúde

são normal da vida. Normal entendido como uma norma de vida, como movimento individual

biológico e psicológico em busca da saúde, a capacidade de lidar com as variabilidades do meio, que é

sempre infiel, renormatizando-o. Nesse contexto a saúde refere-se à capacidade de adoecer e sair do

estado patológico:

“Ser sadio significa não apenas ser normal numa situação determinada, mas ser, também, normativo, nessa situação e em outras situações eventuais. O que caracteriza a saúde é a possibilidade de ultrapassar a norma que define o normal momentâneo, a possibilidade de tolerar infrações à normal habitual e de instituir normas novas em situações novas” (Canguilhem, 1990, p.158).

Por isso, esta concepção tece uma crítica à definição de saúde da Organização Mundial de

Saúde - OMS, que considera “a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social”.

“Este conceito, mais do que impraticável, por utópico e subjetivo, pode resultar politicamente conveniente para legitimar estratégias de controle e de exclusão de tudo aquilo que consideramos como indesejado ou perigoso” (Caponi, 1997, p.227)

33

Ao entender que não existe este estado de perfeição e sim que tanto a saúde como a doença são

um processo em movimento e inerente à vida também se compreende, conforme sinaliza Brito et al

(2003) que a saúde não é algo exterior ao indivíduo, assunto exclusivamente dos especialistas, mas de

todas as pessoas, pois cada ser humano irá vivenciar o seu processo saúde-doença de forma singular.

“Não se pode dispensar ou substituir aquele que vive a experiência por alguém de fora, exterior à experiência. A contribuição das ciências, nesse caso, é imprescindível, necessária, mas não suficiente” (Brito et al. 2003, p. 23).

A ergologia irá explorar em seus debates esta concepção vitalista de saúde desenvolvida por

Canguilhem.

2.1.2 - A Ergonomia da Atividade

Wisner (1994) aponta o surgimento da ergonomia como forma de dar respostas a situações de

trabalho desfavoráveis para os trabalhadores e que os especialistas adentraram os ambientes e assim

puderam confrontar os seus saberes com as situações reais evidenciando toda a inteligência do

trabalhador para realização de seu trabalho.

Figura como uma das maiores contribuições deste campo à conceituação de trabalho real x

trabalho prescrito, onde pode ser evidenciado que o trabalho humano nunca é meramente execução de

uma tarefa e sim uma atividade investida de inteligência para dar conta das variabilidades, que podem

ser relacionadas ao sistema sócio-técnico, à organização do trabalho, enfim a uma série de fatores que

se apresentam no momento da situação de trabalho e não são previsíveis. Brito (2003) sinaliza que o

trabalho prescrito ou a tarefa está associado às regras e objetivos estabelecidos pela organização do

trabalho e as condições que são dadas, enfim a tarefa estabelece para o trabalhador o que deve ser feito.

Por outro lado, o trabalho real ou a atividade é o que de fato é feito pelo trabalhador, como este se

mobiliza para alcançar os objetivos propostos. Atividade neste contexto é vista como:

“uma resposta aos constrangimentos determinados exteriormente ao trabalhador, e ao mesmo tempo, é capaz de transformá-los. (...) Ela unifica a situação. As dimensões técnicas,

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econômicas, sociais do trabalho só existem efetivamente em função da atividade que as põe em ação e as organiza” (Guerin et al. 2001, p.26).

Outro importante conceito utilizado deste campo refere-se à atividade coletiva de trabalho, onde

esta não é meramente uma sobreposição de indivíduos, cada qual unilateralmente desenvolvendo sua

atividade, mas sim um conjunto de pessoas voltadas para o alcance de um objetivo comum. Com isso,

essa dimensão coletiva do trabalho possibilita a configuração de diferentes tipos de coletivos de

trabalho, sendo os quatros primeiros identificados por Guerin et al. (2001) e um quinto identificado por

Athayde (1996), a saber: coletivo de tarefa, coletivo de linha, coletivo de obra, coletivo de regulação

estrutural e coletivo de rede:

“Coletivo de Tarefa: colaboração explicita para realização de uma mesma tarefa; Coletivo de linha: aspectos coletivos manifestam-se somente nos resultados do trabalho (a informação circula); Coletivo de Obra: atividade simultânea de trabalhadores perseguindo objetivos diferentes, em interface; Coletivo de Regulação: dimensão coletiva manifesta-se pelo papel organizador de certos trabalhadores; Coletivo de Rede: dimensão coletiva atravessa todas as atividades de trabalho, sendo engendrada antes, durante e depois da situação de trabalho” (Athayde, 1996, p. 68).

2.1.3 - A Psicodinâmica do Trabalho

A Psicodinâmica do Trabalho - PDT surge no cenário acadêmico a partir da década de 90,

oriunda da Psicopatologia do Trabalho - PPT, sendo que esta última corrente teórica buscava

correlacionar as doenças mentais e o trabalho, configurando determinadas síndromes a categorias

profissionais específicas. Entretanto, verificou-se que a maior parte dos trabalhadores permanecia

dentro de um parâmetro de normalidade, sem afastamento de suas atividades laborativas.

Neves et al (2004) evidenciam este rompimento com a visão causalística, onde buscava se

encontrar determinada doença mental por categorias profissionais e que a PDT irá tentar compreender

os recursos utilizados pelo trabalhador para dar conta das pressões psíquicas enfrentadas em seu

cotidiano de trabalho e que fazem a maior parcela deles continuar trabalhando, apesar dos ambientes

adversos.

Acrescentam-se também à discussão os estudos de Mendes (2007) quando aborda que para PDT

trabalhar é uma experiência de fracasso diante do real, mas que o sofrimento gera mobilização no

35

indivíduo, ao mesmo tempo em que desestabiliza. Ela gera ação em busca de soluções para os

problemas postos, portanto, busca o prazer. Altera-se o foco da análise, onde não se busca a doença

mental, mas sim as vivências de prazer e sofrimento nas dimensões do trabalho.

Os conceitos de estratégias e de coletivos de defesa elaborados pela PDT auxiliaram as análises

engendradas nesta dissertação. Dejours (1992) aponta que tanto individualmente como coletivamente

os trabalhadores elaboram estratégias de defesa em prol da manutenção da sua saúde. Entendem-se

como estratégias defensivas a conduta individual ou coletiva, podendo ser consciente ou inconsciente e

de vários tipos tais como banalização, servidão, aceleração, compensação, dentre outras. Todas têm o

objetivo de adaptação e proteção, mas nem sempre são benéficas ao trabalhador e, nesta perspectiva,

o adoecimento representa uma falha na estratégia adotada, uma impossibilidade frente à situação posta.

Outro encaminhamento de suma importância na PDT refere-se à dinâmica do reconhecimento,

onde a ausência deste reconhecimento está na raiz das patologias do trabalho. Para Dejours (2004) o

reconhecimento está diretamente associado ao binômio contribuição-retribuição, sendo fundamental

para mobilização subjetiva dos sujeitos.

Corrobora também com esta análise Athayde (1996) quando aponta que o reconhecimento

perpassa a utilidade social ou produtividade, sendo feito por alguém hierarquicamente superior e

relaciona-se às contribuições advindas daquele trabalhador para a organização. E o julgamento da

estética, onde os seus pares, colegas, reconhecem o valor do trabalho do indivíduo. Estes dois

julgamentos trazem uma identidade ao trabalhador e um sentido a este trabalho e são compreendidos

como retribuições moral e simbólica às contribuições efetuadas por este trabalhador.

2.1.4 - A Ergologia e o Espaço Tripolar

Conforme descrito anteriormente a perspectiva de análise deste trabalho baseia-se na Ergologia

e ao adotá-la se toma partido, define-se um lugar sobre o qual a análise será realizada, nesse caso o

ponto de vista da atividade.

A Ergologia surge na França, na Universidade de Provence em 1983 e tem como um de seus

fundadores e principal expoente o professor Yves Schwartz. O Departamento de Ergologia tem suas

origens no Dispositivo de Análise Pluridisciplinar de Situações de Trabalho (APST), criado em 1983-

36

1984 pelos Professores Yves Schwartz, Daniel Faïta e Bernard Vuillon. Este Dispositivo era vinculado

ao Centre d’Épistemologie et d’Ergologie Comparative – CEPERC da Université de Provence.

Pode ser compreendida como uma disciplina de pensamento, ou melhor, uma indisciplina,

conforme define Schwartz, onde se busca convocar diversos campos de saberes para a compreensão

das situações de trabalho, portanto requerendo uma abordagem pluridisciplinar, onde outros saberes são

mobilizados para compreensão do objeto que é complexo por natureza, o trabalho.

Compreende-se como Ergologia “a aprendizagem permanente dos debates de normas e de

valores que renovam indefinidamente a atividade: é o desconforto intelectual” (Schwartz, 2007b,

p.30). Nesta mesma perspectiva, Brito e Athayde define seu objeto: "A Ergologia propõe uma análise

'situada', apostando na potência humana de compreender-transformar o que está em jogo,

(re)inventando, criando novas condições e um novo meio pertinente - a si e à situação (Brito e

Athayde, 2007b, p.07)

Esta abordagem considera que todo trabalho se faz através da confrontação do homem no

trabalho com as normas e valores antecedentes em um dado momento histórico que é sempre singular.

Dentre o aporte teórico da Ergologia alguns conceitos balizaram e nortearam as reflexões

tecidas neste trabalho, entendendo o conceito como algo inacabado, incompleto, em permanente

construção e reconstrução. Entre eles:

Normas antecedentes: este conceito incorpora outros elementos importantes, além do conceito

de trabalho prescrito, pois compreende que existem outros elementos que são anteriores ao trabalho e

que a prescrição em si não dá conta, mas que estão presentes em uma dada situação de trabalho (Telles

e Alvarez, 2004)

Renormatizações das situações de trabalho: busca evidenciar que na realização da atividade

de trabalho há sempre um debate entre o trabalhador (individualmente e coletivamente) e o meio, onde

é sempre necessário tomar decisões para realização de seu trabalho, portanto trabalho é sempre gerir,

uma tomada de decisão, mesmo que a nível micro.

O trabalho como dramáticas do uso de si: entendendo que, para trabalhar há uma mobilização

do sujeito, um espaço de tensões, de negociações e confrontações com as normas e valores. O trabalho

como uso de si por outrem se refere ao que é posto no cotidiano de trabalho, as normas,

procedimentos, as condições de trabalho.

37

Além disso, o esquema do espaço tripolar foi o principal aporte utilizado nesta dissertação, de

modo a compreender as tensões e relações dialógicas presentes no cotidiano dos trabalhadores das

UTEs que tiveram seus trabalhos modificados e que nitidamente foram influenciados (e influenciaram)

pela tensão dialógica dos três pólos presentes no trabalho.

Entende-se espaço tripolar, de acordo com Schwartz e Durrive (2007b), um lugar onde lógicas

distintas e algumas vezes divergentes estão em permanentes tensões dinamizando a história, sendo

representadas por três pólos distintos, a saber, o pólo da atividade, o pólo do mercado e o pólo do

político.

A seguir apresenta-se de maneira esquemática e simplificada o Esquema Tripolar. É evidente

que todo o esquema traz consigo uma simplificação da idéia, mas trata-se uma tentativa de

compreender as lógicas envolvidas nas relações presentes no trabalho humano.

Figura 01: Espaço Tripolar. Extraído de Oliveira (2007) Adaptado de Schwartz e Durrive, 2007b

38

O pólo do mercado refere-se às questões econômicas do gerenciamento do trabalho, onde, em

geral, os administradores da organização estão focados nas questões contábeis, financeiras, comerciais,

enfim no valor econômico do trabalho. Já o pólo do político é o que deve gerenciar o bem comum,

encarregado dos valores não dimensionáveis e por fim, mas não menos importante o pólo da atividade,

aquele referente às gestões do trabalho e no trabalho, o trabalho como uso de si.

2.2- Os aspectos éticos da pesquisa

Os procedimentos e condutas adotados nesta pesquisa seguiram as recomendações da Resolução

196/96 de Ética de Pesquisa em Seres Humanos. Todos os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos

sobre os objetivos da pesquisa e aceitaram participar do estudo voluntariamente, tendo todos assinado o

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO 2).

De modo a garantir o sigilo dos dados coletados foi desenvolvido um sistema de identificação

numérica das entrevistas semi-estruturadas, visando assegurar a privacidade das informações dadas.

Desse modo, nenhuma entrevista contém o nome do empregado. A lista correspondente ao nome do

empregado e seu respectivo registro numérico permanece sob a guarda da coordenação da pesquisa.

Em nenhuma circunstância, o empregado terá sua entrevista ou parte dela identificada ou seu conteúdo

divulgado de forma individualizada, pois os objetivos foram avaliar as condições de trabalho e a gestão

do trabalho de forma coletiva, analisando as implicações da mudança na gestão da saúde e segurança

do conjunto dos trabalhadores.

As entrevistas foram gravadas em mp3, com a expressa concordância de todos os trabalhadores

participantes e todo o material coletado está sob a responsabilidade da pesquisadora, sendo a gravação

deletada e a transcrição triturada, após cinco anos.

Identificaram-se como benefícios da pesquisa a possibilidade de discussão acerca da saúde e o

trabalho dos empregados próprios de termelétricas, contribuindo na construção do conhecimento no

campo de Saúde do Trabalhador e, principalmente, visando melhoria nas condições de trabalho de

todos os empregados das termelétricas envolvidas. Evidenciando uma realidade ainda desconhecida

para a grande maioria e com poucas contribuições acadêmicas sobre o tema, portanto sendo de suma

importância a realização de um estudo exploratório e minucioso sobre esta população.

39

Buscou-se também administrar os riscos potenciais identificados nesta pesquisa, sendo o

primeiro risco potencial: o fato que os relatos sobre o processo de mudança de propriedade poderiam

trazer à tona para estes trabalhadores situações vivenciadas de sofrimento, angústia e desconforto. Para

isso, tentou-se centrar as discussões nas exigências da atividade e nas implicações destas mudanças

organizacionais no cotidiano de trabalho destas pessoas (e não em seus aspectos psicológicos).

O outro risco identificado refere-se à relação de trabalho da pesquisadora principal como

empregada da Empresa de energia. Não há como negar que esta relação pode contribuir para possíveis

interferências na pesquisa, pela relação totalmente imbricada com o campo, apesar de não trabalharmos

nestas unidades. Entretanto, esta condição foi informada durante toda a condução do trabalho e foi

motivo de análise durante todo o processo. Os efeitos deste risco identificado poderiam ser: o não-

fornecimento de informações para compreensão da problemática por medo de sofrer sanções no

trabalho e/ou fornecimento de informações enviesadas, não possibilitando a compreensão global da

questão. Para amenizar este risco, todos os sujeitos da pesquisa foram esclarecidos de forma clara

quanto aos objetivos da pesquisa. Também foram esclarecidos quanto aos valores éticos que norteiam a

pesquisa com seres humanos, garantido o sigilo dos pesquisados e evidenciadas as contribuições que o

estudo poderia trazer para melhoria das condições de trabalho.

Por outro lado, a inserção enquanto trabalhadora da Empresa de energia possibilitou ter, a

priori, conhecimento da problemática, mesmo que parcial vivenciada por esses trabalhadores,

facilitando, ao longo das entrevistas problematizações de algumas questões.

As chefias, apesar de terem conhecimento do trabalho, bem como dos objetivos da pesquisa,

não foram informadas de quais trabalhadores foram entrevistados, evitando com isso algum tipo de

represália pelo fornecimento das informações e garantindo a confidencialidade e o sigilo das

informações individuais.

As entrevistas foram realizadas com trabalhadores próprios termelétricas, não concursados, que

trabalhavam na unidade no ano em que a térmica foi adquirida pela Empresa de energia. Os resultados

da pesquisa passaram por validação dos sujeitos da pesquisa. Esta validação foi feita para os Gestores

da UTE B, apresentando os resultados do trabalho, além de ter sido feita em uma reunião da Comissão

Interna de Acidente de Trabalho - CIPA da mesma UTE. Este fórum é a representação dos

trabalhadores para questões relativas a SMS. Na UTE A não foi possível apresentar os resultados finais

da pesquisa, antes da publicação dos resultados, tendo em vista que a UTE estava operando

40

sistematicamente, porém esta apresentação será ainda feita em ocasião oportuna. Dessa forma, espera-

se que a pesquisa possa ser uma ferramenta importante para a melhoria das condições de trabalho

desses trabalhadores.

Após a defesa da dissertação, será entregue uma cópia do manuscrito para a biblioteca da

Empresa de energia, uma cópia para cada termelétrica participante da pesquisa e uma cópia para as

entidades sindicais representantes destes trabalhadores.

2.3 - Os sujeitos da pesquisa

Para participar desta pesquisa foram estabelecidos alguns critérios, a saber:

Ser empregado próprio termelétrica;

Ser lotado nas termelétricas de A e de B;

Ser voluntário;

Ser trabalhador que exercia função gerencial, coordenação ou supervisão antes da incorporação

pela Empresa de energia e perdeu a função; ou

Ser trabalhador da área de operação e manutenção da termelétrica; ou

Ser trabalhador que atuou no processo de transição da empresa privada para Empresa de energia

de economia mista; ou

Ser trabalhador que exercia ou exerce informalmente funções de supervisão e coordenação de

equipe.

Com isso, após essa definição, participaram voluntariamente vinte e oito trabalhadores de

ambos os sexos, e de diferentes idades e nível de escolaridade, tendo, todos eles, o tempo médio de

serviço na termelétrica, de sete a nove anos.

Quanto à caracterização pessoal, registrou-se que foram entrevistados vinte e dois homens e seis

mulheres; a faixa etária variou entre 26 e 57 anos. Tivemos 19 participantes de nível superior (nas mais

diversas áreas: Psicologia, Contabilidade, Química de Petróleo, Engenharia, Administração, dentre

outras), sendo que, deste universo classificado como de nível superior, foram identificados cinco

trabalhadores com mestrado e sete com especialização e 10 de nível médio. Isto evidencia o alto grau

de especialização desta força de trabalho.

41

Quanto à caracterização profissional, todos foram “incorporados” à Empresa de energia, após

as empresas que trabalhavam (iniciativa privada) terem sido compradas integralmente pela empresa de

economia mista; quatro trabalhadores formalmente ocupavam cargos gerenciais antes do processo de

aquisição, tendo até hoje as suas respectivas carteiras de trabalho assinadas com a função gerencial,

mas não exercem mais oficialmente esta função. Outros sete trabalhadores exerciam função

(coordenação e supervisão) também oficialmente reconhecida pela termelétrica.

A maior parte ingressou nas termelétricas nos anos de 2000 e 2001, quando foram contratados

para operar a planta e tiveram as suas unidades vendidas à Empresa de energia nos anos de 2005 e

2006.

Além destes participantes, foi escutado também o representante sindical dos eletricitários, de

modo a verificar os aspectos relevantes à mobilização desta categoria e as lutas para melhoria das

condições destes trabalhadores e com o representante da Empresa de energia, para compreender os

motivos para o processo de aquisição destas UTEs.

2.4 - O trabalho de campo

O trabalho de campo foi realizado nas UTEs A e B durante os meses de junho a dezembro de

2010. Para a realização deste trabalho foi necessária autorização da pesquisa de campo pelo maior

nível hierárquico das duas unidades.

Nestas UTEs foi viabilizado o apoio de trabalhadores da área de Segurança, Meio Ambiente e

Saúde - SMS da própria termelétrica que nos auxiliava na apresentação dos potenciais entrevistados e

nos ajudava a circular mais livremente pelos ambientes de trabalho. Estes facilitadores foram de suma

importância, pois possuíam conhecimento da unidade e um bom relacionamento com a maioria dos

trabalhadores, sendo agentes importantes para o bom andamento da pesquisa e da adaptação da

pesquisadora às situações de trabalho.

Nas duas UTEs, a pesquisadora principal foi apresentada durante a realização do Diálogo

Semanal de SMS. Neste momento, toda a força de trabalho foi informada sobre presença da

pesquisadora na unidade, a partir daquele momento e dos objetivos desta pesquisa, esclarecendo-os do

consentimento das gerências na participação do trabalho. Foi reservada uma sala nas unidades para

realização das entrevistas semi-estruturadas, resguardando a privacidade dos sujeitos da pesquisa.

42

Na termelétrica A foram estabelecidas idas periódicas, de modo que todos os trabalhadores

pudessem se acostumar com a nossa presença nos ambientes do trabalho e torná-la a mais natural e

próxima da realidade cotidiana. Nos primeiros dias limitamo-nos a conversar livremente com os

trabalhadores interessados em saber da pesquisa, esclarecendo a todos sobre os objetivos da pesquisa,

circulamos pelos ambientes e realizamos observações não-sistemáticas.

Foram realizadas oito visitas às instalações da termelétrica A, onde permanecíamos durante

todo o período administrativo na unidade. As entrevistas não eram previamente agendadas, mas sim

durante a estada na unidade e, ao nos aproximarmos dos ambientes e situações de trabalho,

convidávamos os trabalhadores, conforme o critério estabelecido, para participarem voluntariamente.

Não tivemos nenhum trabalhador que tenha se recusado a participar da pesquisa, ao contrário alguns se

queixaram por não terem sido entrevistados, argumentando que tinham muito a falar.

Outro fator que também contribuiu foi à participação na rotina da unidade, tendo obtido

autorização para almoçar nas instalações da UTE e tendo utilizado o transporte da unidade

eventualmente em um dos percursos. Estas participações no cotidiano da unidade proporcionou um

contato mais próximo dos trabalhadores e também possibilitaram que eles nos conhecessem melhor,

sendo importante para o estabelecimento de uma relação de maior confiança.

Na termelétrica B, o convívio entre a pesquisadora principal e os trabalhadores foi menos

intenso em decorrência da logística necessária para ida à unidade, pois como a cidade situa-se a cinco

horas de distância da residência e trabalho, requeria um dia exclusivamente para o deslocamento. Além

disso, a unidade passou por paradas de manutenção e, nestes momentos, tornou-se inviável a realização

do trabalho de campo. Com isso, foram realizadas quatro idas a campo, sendo elas majoritariamente

para realização das entrevistas semi-estruturadas e poucas observações sistemáticas. Entretanto, a

pesquisadora principal já havia realizado outras idas à unidade para outros fins, o que contribuiu para

um conhecimento prévio das pessoas e das instalações. Nesta unidade o apoio da área de SMS local

para levantamento dos dados da pesquisa foi fundamental.

O trabalho de campo contou com o apoio financeiro da CAPES. Este apoio foi de suma

importância para viabilização das atividades propostas, pois assim foi possível a aquisição de material

de consumo, o deslocamento às unidades, a hospedagem, enfim o custeio das despesas relativas à

pesquisa.

43

2.4.1 - As entrevistas

As entrevistas foram realizadas com trabalhadores chaves no processo, tais como: empregados

que exerciam função gerencial antes da incorporação e perderam a função gratificada, pessoas que

trabalhavam nas áreas de operação e manutenção, trabalhadores participantes da Duo Diligence e

trabalhadores que exerciam ou exercem informalmente a função de coordenação e supervisão na

Empresa de energia.

Na termelétrica A foram entrevistados 13 trabalhadores, sendo que deste total sete eram pessoas

que ocupavam função gratificada no período anterior à aquisição e cinco trabalhadores da área de

operação e manutenção da termelétrica. O universo compreendeu 60% dos trabalhadores com função

gratificada e 40% dos trabalhadores da área de operação e manutenção, sendo que a seleção dos

trabalhadores da operação e manutenção foi feita de maneira aleatória, de acordo com os trabalhadores

que estavam presentes naquele turno de trabalho.

Na termelétrica B não foram identificados trabalhadores que formalmente possuíam cargo

gerencial no momento da aquisição, porém existiam pessoas designadas informalmente para realização

dessas funções. Foram entrevistados quinze trabalhadores, sendo dez da área de operação e manutenção

e cinco pessoas que exerciam, ainda que informalmente, a função de coordenação ou gerência.

Além disso, no decorrer da pesquisa foi identificada a necessidade de realizar entrevistas com

outros interlocutores para compreensão da problemática, como o Ex-Diretor da Área de Gás e Energia,

responsável pela aquisição destas termelétricas. Também foi entrevistado o diretor do Sintergia,

sindicato representativo da categoria dos eletricitários da Região Rio de Janeiro.

2.4.2- As observações da atividade

Estas observações tiveram como objetivo conhecer a dinâmica de trabalho das unidades. Além

disso, essas observações possibilitaram a criação de uma interação entre a pesquisadora e os sujeitos da

pesquisa e uma maior aproximação do campo de estudo. Estas observações foram realizadas com a

prévia autorização dos trabalhadores e das chefias.

44

Para a realização das observações, a pesquisadora principal circulava pelos ambientes de

trabalho, interagia com os trabalhadores, presenciava a instauração de conflitos de relacionamentos

interpessoais, conhecendo assim o trabalho destas pessoas em seu cotidiano.

2.5- Lacunas, ajustes metodológicos e obstáculos enfrentados

Evidenciar a trajetória da pesquisa abre-nos a possibilidade de refletir sobre as lacunas

existentes neste estudo e serve para apontar possíveis melhorias na condução dos estudos qualitativos.

Ao desnudar o que foi feito e também o que não foi feito durante este trabalho pretende-se sinalizar as

insuficiências, fracassos, dificuldades enfrentadas por esta dissertação.

Em alguns momentos reavaliou-se a condução do processo, o que levou a alguns ajustes no que

estava previsto. Dentre as reconduções necessárias, pode-se citar como as mais significativas:

A incorporação de entrevista com ex-gestor da Empresa de Energia, responsável pelo processo de

aquisição e com representante sindical dos eletricitários, após julgarmos pertinentes as respectivas

contribuições para entendimento da problemática em análise;

A não realização dos encontros grupais devido ao exíguo tempo do trabalho de campo;

Redução das observações sistemáticas na termelétrica B devido à logística necessária, em função

da distância da unidade;

Aumento do número de entrevistados, pois se identificou funcionários que, apesar de não serem

formalmente designados para tais funções, exerciam coordenação ou gestão de pessoas.

E por fim, apesar de termos um roteiro de pesquisa estabelecido, com entrevistas semi-

estruturadas, observações não-sistemáticas das situações de trabalho, quando necessário permitimo-nos

reconduzir o processo, avaliar o percurso traçado e mudá-lo, evitando uma abordagem tecnicista, onde

o método e as técnicas se sobrepõem às situações encontradas com seus significados. Todos esses

ajustes contribuíram para melhor entendimento do problema, apesar de não terem sido previstos

anteriormente.

Quanto aos obstáculos enfrentados nesta pesquisa, o primeiro refere-se à limitação temporal da

pesquisadora para se dedicar à realização deste trabalho. Como pesquisadora-trabalhadora sofremos as

dificuldades de conciliar os estudos acadêmicos com as responsabilidades profissionais de uma

45

46

trabalhadora assalariada, mas que, por outro lado, aproximou-nos dos sujeitos da pesquisa por vivenciar

as dramáticas do uso de si para tornar este trabalho possível.

A segunda dificuldade refere-se à opção de analisar conjuntamente duas termelétricas: se, de um

lado, esta análise simultânea permitiu-nos um conhecimento maior sobre o processo de mudança de

aquisição, contribuindo para verificar as diferenças existentes nestas unidades, por outro, trouxe

dificuldades nas análises dos resultados, devido ao número significativo de informações levantadas.

Inúmeras outras adversidades surgiram e foram contornadas ao longo da pesquisa e não

comprometeram a realização deste trabalho, mas acredita-se que as expostas acima foram mais

significativas e requereu maior “jogo de cintura” para tornar essa pesquisa possível.

No capítulo a seguir será realizada uma caracterização do campo de estudo, descrevendo a

Empresa de energia adquirinte, bem como um breve regaste histórico das duas termelétricas objeto

deste estudo.

3.0 - Caracterização e contextualização do campo empírico de pesquisa: a

Empresa de energia, a área de negócio Gás e Energia e as termelétricas.

Neste capítulo será apresentada a Empresa de energia que adquiriu as UTEs, explicitando

as suas principais características e evidenciando a sua importância econômica no cenário

nacional. Em seguida será feito um breve resgate histórico das unidades objetos deste estudo para

assim ser possível compreender o contexto e os principais motivadores para a compra destas

unidades pela Empresa de energia.

3.1 - Breve contextualização da Empresa de energia

A Empresa de energia foi criada pelo presidente Getulio Vargas, através da lei 2004/53.

Esta lei estabelecia que a União tivesse o monopólio sobre as atividades da Indústria do Petróleo

no Brasil e autorizava a criação da estatal para execução das atividades petrolíferas. Compreende-

se como atividade petrolífera:

A pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e outros hidrocarbonetos fluidos e gases raros em

território nacional;

A refinação de petróleo nacional e estrangeiro;

O transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados produzidos no

país;

O transporte, por meio de gasodutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases

raros de qualquer origem.

De acordo com o Observatório Social (2004) a criação da empresa estatal é um marco

para o Brasil, promovendo o desenvolvimento econômico e social do país. A constituição da

empresa contava com forte apoio popular, expresso através da campanha do Petróleo é Nosso. A

seguir é explicitado o contexto da criação da Empresa:

“A lei autorizava a criação de uma empresa para que a União pudesse desempenhar o monopólio estatal. Em 1938, foram criados o Conselho Nacional de Petróleo e a decretação de propriedade estatal de todas as jazidas encontradas. A exploração de Petróleo no Brasil iniciou-se na localidade de Lobato, na Bahia, um ano mais tarde. Na década de 1950, com forte apoio da opinião pública, é consolidado o monopólio sobre a

47

exploração do petróleo com a criação da Empresa de energia. (Instituto Observatório Social, 2004:1)”.

O início das atividades da empresa petrolífera se dá em 1954, após herdar do Conselho

Nacional de Petróleo - CNP duas refinarias, uma localizada em Mataripe - BA e a outra em

Cubatão- SP. Em 10 de maio de 1954, inicia suas operações com uma produção de 2.663

barris/dia, perfazendo 1,7% do consumo interno nacional.

Na década de 60, conclui a construção de uma refinaria no município de Duque de Caxias

- RJ. Com a operação desta unidade, a Empresa passou a ter auto-suficiência na produção de

derivados de petróleo. Também neste período inicia a exploração de petróleo em área marítima.

Nos anos 70, com a crise no Oriente Médio, o preço do barril do petróleo definido pela

Organização dos Países Exportadores de Petróleo - OPEP subiu assustadoramente. De modo a

aumentar a sua participação no mercado interno inicia a construção de outra refinaria no

município de Paulínia - SP e a modernização da refinaria de Cubatão - SP.

Neste período também são descobertos campos petrolíferos na Bacia de Campos,

tornando-se esta área ao longo dos anos a principal província petrolífera do Brasil. Nestes

campos, onde a exploração é feita off shore, isto é, em águas profundas, o primeiro poço foi

perfurado em 1976, a uma lâmina d’água de 100 metros. No ano seguinte, iniciaram-se as

atividades comerciais nesta área, com uma produção média de 10.000 mil barris/dia. Atualmente,

a Bacia de Campos representa cerca de 80% da extração nacional de petróleo no país. O

Programa Nacional de Álcool - PROALCOOL foi implantado nesta mesma década. Tudo isto

possibilitou que o país superasse a crise energética e, ao final desta década, produzisse 165.500

barris de petróleo por dia, sendo 66% em poços terrestres e 34 % em alto mar.

Nos anos 80, com a entrada em operação da Bacia de Campos, a Empresa deu um salto,

aumentando significativamente a produção de barris de petróleo. Ao final desta década, a

produção era de 675.135 barris por dia.

O inicio da década de 90 representou um investimento alto em inovação tecnológica,

como: o sensoriamento remoto, a robótica submarina e a produção de petróleo em águas

ultraprofundas, criando-se condições de extrair petróleo a mil metros de profundidade.

De 1954 a 1997, a Empresa controlava todas as operações de exploração e produção de

petróleo, bem como as demais atividades ligadas ao setor de petróleo, gás natural e derivados,

com exceção da distribuição e revendas. Entretanto, em 1997, a Empresa passa a atuar em um

48

novo cenário instituído pela lei nº. 9.478. Esta lei estabeleceu a quebra do monopólio estatal,

abrindo as atividades da indústria petrolífera à iniciativa privada, deixando de ser uma Empresa

estatal para ser uma Empresa de economia mista, sob controle do governo brasileiro (através do

Ministério de Minas e Energia - MME).

Além disso, perdeu a exclusividade nos campos de exploração de petróleo e gás, sendo

legalmente obrigada a participar dos leilões promovidos pela Agência Nacional do Petróleo -

ANP, para obter as suas áreas de exploração de petróleo.

A partir da destituição da atuação monopolizada, a Empresa passa a ser constituída sob a

forma de Sociedade Anônima (sociedade por ações), sendo regida pelas normas da Lei das

Sociedades por Ações (Brasil. Lei nº 6.404, de dezembro de 1976) e por seu Estatuto Social

(define suas atividades econômicas desenvolvidas em caráter de livre competição com outras

empresas, de acordo com o mercado).

Em 2000, a Empresa iniciou um processo de reestruturação com o objetivo de

transformar-se em uma Empresa de energia e não somente uma empresa do ramo petrolífero, a

fim de diversificar as suas matrizes energéticas. Neste mesmo período, adquire participações

acionárias minoritárias em termelétricas de todo o país devido à crise energética. Estas aquisições

integraram um plano governamental para auxiliar na crise energética, a qual o país passava.

A partir desta nova reestruturação a companhia passou a funcionar com quatro Áreas de

Negócios: Exploração e Produção, Abastecimento, Gás e Energia e Internacional e duas áreas de

apoio que são a Financeira e a de Serviços, além das unidades corporativas ligadas diretamente à

presidência.

A sede da empresa localiza-se no centro da cidade do Rio de Janeiro, porém possui

escritórios, gerências administrativas e áreas operacionais em diversas cidades do país e no

exterior. O quadro funcional da empresa, de acordo com informações do Balanço Social (2009) é

de cerca 200.000 trabalhadores, sendo que deste total cerca de 50.000 são empregados da

empresa-mãe e 150.000 terceirizados.

A seguir, o organograma atual da empresa, onde fica evidenciada a sua forma de

estruturação:

49

Figura 02: Organograma da Empresa de Energia. Extraído de www.petrobras.com.br em 05/11/10

A seguir o quadro de efetivo funcional próprio da Empresa, considerando somente os

empregados da empresa-mãe. O ano de 2010 possui os dados somente até julho.

Figura 03: Efetivo Funcional Próprio.

Extraído de www.petrobras.com.br em 05/11/10

50

Verifica-se no gráfico acima que, de 1998 até meados dos anos 2000, a Empresa de

energia sofreu uma redução significativa de sua mão-de-obra própria. Isto se justificou pela

política governamental vigente. De um lado, foi feito um Plano de Demissão Voluntária- PDV

para incentivar os pedidos de aposentadoria e de outro, não foram incorporados novos

funcionários via concurso público, permanecendo a Empresa por cerca de uma década sem

admitir funcionários via concurso e utilizando a terceirização para realização de suas atividades.

Houve uma política de incentivo à terceirização e o número de trabalhadores prestadores

de serviço alcançou um patamar significativo, perfazendo segundo informações do Relatório de

Atividades da Empresa (2009) cerca de 150 mil trabalhadores na empresa-mãe. Caso se considere

os terceirizados em todo o Sistema, este número, de acordo com o Balanço Social e Ambiental

(2009) atinge o patamar de 260.474 trabalhadores.

A seguir um gráfico do DIEESE (2006), que evidencia este aumento de contratação via

terceirização e a retração da contratação por concurso público, entre os anos de 1995 a 2005.

Figura 04: Evolução do Efetivo e dos Terceirizados de 1995 a 2005. Extraído do site www.fup.org.br/dieese2.pdf em 05/11/2010

Nota-se que o efetivo de empregados próprios, apesar de um relativo aumento nas

admissões nos últimos anos, ainda hoje, permanece sendo bem abaixo do número de terceirizados

existentes na empresa.

De forma bem sucinta serão descritas abaixo as principais áreas de atuação da Empresa na

atualidade, considerando também algumas atividades realizadas por subsidiárias de importância

no cenário nacional.

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Exploração e Produção: Área de Negócio, onde se destaca o trabalho realizado em

plataformas marítimas, mais conhecido como trabalho offshore. A Empresa tem

reconhecimento internacional pelo seu know-how em águas profundas e possui mais de

cem plataformas para realização destas atividades.

Refino: Área de Negócio, onde se destaca o desenvolvimento de tecnologia para

processar a crescente produção de óleo pesado brasileiro, permitindo a conversão para

derivados de alto valor agregado em suas dezessete refinarias.

Transporte e Armazenamento: Realização do transporte e armazenamento de petróleo e

gás natural, sendo realizada por empresa subsidiária.

Distribuição, também realizada por outra subsidiária da companhia, sendo a líder no

mercado de distribuição de derivados de petróleo.

Gás e Energia: Área de Negócio, criada há dez anos e tem como objetivo obter novas

fontes energéticas para o país, devido à exígua duração da oferta do petróleo. Sua atuação

prioriza matrizes energéticas, com menor impacto ao meio ambiente, que reduzem os

índices de poluição e colaboram para a melhoria da qualidade de vida nas grandes

metrópoles. Nesta Área de Negócio estão localizadas as duas termelétricas objetos deste

estudo.

No quadro abaixo se buscou evidenciar em números a importância e atuação da empresa

no cenário nacional e internacional. Os dados são relativos ao ano de 2009, tendo sido atualizados

em março de 2010, porém estes números serão ainda maiores devido à tendência de expansão da

Empresa.

52

Figura 05: Principais Operações em número da empresa Extraído de www.petrobras.com.br em 05/11/10

Em seguida, será descrita a Área de Negócio a qual as termelétricas estão vinculadas.

3.2 - Breve contextualização da Unidade de Negócio - Gás e Energia

Esta unidade é responsável pela comercialização do gás natural nacional e importado e

pela implantação de projetos, em parceria com o setor privado, que irão garantir a oferta deste

combustível em todo o país. Sendo as suas principais áreas de atuação:

Monitoramento da produção, comercialização e logística do gás natural;

Fiscalização do transporte e distribuição dos produtos;

Distribuição de gás através de malha de gasodutos existentes no país (que somavam 6.933

km em 2009), entretanto estes gasodutos são operados por uma empresa subsidiária;

Desenvolvimento tecnológico e experimental de novas matrizes energéticas tais como

eólica, solar, entre outras;

Participação no negócio do etanol da Empresa de energia;

53

Participação minoritária nas concessionárias de gás natural em grandes capitais

brasileiras;

Participação minoritária nas transportadoras, não sendo a sócia majoritária em face de um

requisito legal que impede a empresa de atuar da exploração até a distribuição final ao

consumidor.

A partir de 2008 passou a atuar também “offshore” quando entrou em operação o navio de

Gás Natural Liquefeito - GNL, sendo pioneira na adoção de modelo de transferência de GNL de

um navio supridor para um navio regaseificador por meio de braços criogênicos no país.

No ano de 2009, também foram transferidas para a gestão desta Unidade de Negócio as

fábricas de fertilizantes da Empresa, sendo uma unidade no estado de Sergipe e outra na Bahia.

Cabe sinalizar que a Empresa atualmente é líder nacional no mercado de uréia e amônia.

Esta UN é responsável pelo segmento energia, tendo a função de identificar, avaliar,

desenvolver e implantar projetos de geração de energia elétrica. E, ainda, operar usinas e

comercializar a energia onde a empresa participa diretamente ou tem participação majoritária.

É através desta UN que a Empresa de energia participou e participa do PPT, sendo estes

conduzidos pelo Ministério de Minas e Energia - MME.

Abaixo será descrito, de uma forma mais detalhada, o PPT e a inserção da empresa neste

programa governamental, compreendendo a conjuntura político-econômica do país que favoreceu

a parceria da empresa com a iniciativa privada no ramo de termoeletricidade.

3.2.1 - O programa prioritário do governo e a Empresa de energia

O incentivo para construção de diversas termelétricas no país esteve relacionado à crise

energética nos anos 2000 e ao racionamento do consumo de energia imposto pelo governo entre

2001 e 2002. Em face deste cenário, o gás natural tornou-se uma alternativa para a premente

necessidade de expansão da capacidade de geração de energia no país.

O Governo Federal na época optou por aumentar a capacidade de geração de energia

oriunda de outras fontes que não a de hidrelétricas, incentivando e subsidiando o

desenvolvimento no país de termelétricas. Assim, foi estabelecido o Programa Prioritário de

54

Termeletricidade - PPT, através da lei nº 3.371 de 24 de fevereiro de 2000, conforme descrito a

seguir:

“Art. 1o Fica instituído, no âmbito do Ministério de Minas e Energia, o Programa Prioritário de Termeletricidade, visando à implantação de usinas termelétricas. Art. 2o As usinas termelétricas, integrantes do Programa Prioritário de Termeletricidade, farão jus às seguintes prerrogativas: I - garantia de suprimento de gás natural, pelo prazo de até vinte anos, de acordo com as regras a serem estabelecidas pelo Ministério de Minas e Energia; II - garantia da aplicação do valor normativo à distribuidora de energia elétrica, por um período de até vinte anos, de acordo com a regulamentação da Agência Nacional de Energia Elétrica -ANEEL; III - garantia pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES de acesso ao Programa de Apoio Financeiro a Investimentos Prioritários no Setor Elétrico” (LEI 3.371/2000).

Nesse contexto foram convidadas diversas empresas, em especial estrangeiras, para

instalarem termelétricas movidas a gás natural no país, implantando tecnologia ainda não

disponível no país com uma série de incentivos fiscais. A Empresa de energia neste cenário

entrou como parceira estratégica da iniciativa privada, participando em alguns casos como

acionista minoritário ou como offtaker11 ou ambos.

Para que fosse possível a inserção da empresa de economia mista nestes novos

empreendimentos foi aprovada uma medida provisória nº 14 em abril de 2002. Esta lei permitia a

Empresa de energia incluir em seu objeto social as atividades relacionadas à eletricidade. Além

disso, em 2002 houve alteração do Estatuto Social da Empresa, com o objetivo de agregar este

novo ramo de atuação ao seu portfólio.

O PPT previa a construção de quarenta e nove novas usinas termelétricas e com isso o

país aumentaria em 17.000 MW a sua capacidade de geração de energia até 2003. Foi deliberado

que a Empresa de energia participaria de vinte e seis projetos de termoeletricidade em parceria

com a iniciativa privada, conforme informações do Relatório de Classificação de Risco de

Emissão (2005). Estes empreendimentos teriam a capacidade total de geração de energia de

aproximadamente 10.500 MW.

Apesar dos diversos incentivos garantidos pela esfera pública, a implantação das

termelétricas não foi bem sucedida. Um dos principais fatores desta retração do mercado foi à

normalização dos reservatórios, tornando a opção por termoeletricidade menos rentável e inviável 11 Sistema pelo qual há o compromisso de pagar por uma quantidade mínima do produto por um determinado preço, independente das condições de mercado vigentes, neste caso a empresa se compromete a utilizar um número fixo de energia gerada pela termelétrica, são os tomadores de energia, de acordo com Miranda (2006).

55

economicamente12, em alguns casos. Conseqüentemente, houve um desinteresse de parte das

distribuidoras de energia em celebrar contratos para compra de energia advinda das termelétricas,

tendo em vista que havia uma maior oferta da energia hidrelétrica e os preços da energia gerada a

partir desta matriz energética terem reduzido significativamente.

Face ao exposto, foi necessária uma revisão no PPT, implicando na redução do número de

unidades a serem construídas, de quarenta e nove para trinta e nove, reduzindo assim a

capacidade planejada para 13.500 MW.

Porém, de acordo com dados de Figueiredo (2008), no ano de 2008, somente vinte e duas

termelétricas do PPT estavam em operação comercial, totalizando 7,7 mil MW de potência

instalada, evidenciando que o PPT não conseguiu de fato se estruturar totalmente.

A Empresa de energia neste contexto possui atualmente dezoito usinas termelétricas em

seu portfólio, sendo que dez termelétricas próprias, isto é 100% da empresa-mãe e cinco em que a

companhia possui participação acionária majoritária acima de 80%, o que a fez ser operadora da

unidade. Nestas termelétricas próprias ou com participação acionária majoritária, o sistema de

gestão é o mesmo da empresa-mãe.

Dentre todos os contratos estabelecidos através do PPT, o modelo adotado em três

termelétricas (A, B e D)13 foram considerados mais “problemáticos” e onerosos, devido às regras

estabelecidas, tendo todos os três sido objeto de questionamento na Corte Internacional de

Arbitragem14 para o seu devido cancelamento. As duas primeiras termelétricas citadas serão

objeto deste estudo e serão descritas posteriormente.

Nestes contratos, além de participar do consórcio do empreendimento, existiam previstas

cláusulas contingenciais15 que garantiam o custeio dos pagamentos a impostos, taxas, tarifas,

custos de operações, manutenção e investimento pela Empresa de energia, caso a usina não

12 Com o fim do racionamento em 2002, segundo Landau e Sampaio (2006) devido a problemas conjunturais, diversos investidores do capital privado interromperam os investimentos, gerando a paralisação ou atraso nos cronogramas de instalação dos empreendimentos previstos. Além disso, houve a reação do mercado hidrelétrico, gerando dificuldade de comercializar a energia disponível nos preços e volumes necessários para tornar o negócio rentável. 13 As termelétricas nesta dissertação serão designadas por letras, de modo a não identificá-las. 14 De acordo com Alves (2005) a arbitragem pode ser conceituada como um meio extrajudicial de solução de controvérsias, no qual mediante prévia convenção, as pessoas naturais ou coletivas podem submeter questões litigiosas surgidas ou que possam surgir, à decisão de um árbitro único ou um tribunal arbitral, em matérias de sua livre disposição, conforme o direito. 15 Este cláusula tinha como objetivo assegurar aos proprietários das usinas, que em caso de insuficiência de receita, a Empresa de energia garantiria por 5 anos o fluxo de caixa necessário para cobrir com os custos fixos e variáveis e retorno do investimento da termelétrica, quando estas não conseguissem vender energia na quantidade e preço necessário para o empreendimento manter-se rentável. De acordo com a empresa naquele momento (2005) acreditava-se que o aporte financeiro seria pequeno, fato que não ocorreu e fez a empresa decidir pelo encerramento do contrato de consórcio e realizar a aquisição das unidades.

56

obtivesse receita suficiente. Estas unidades eram denominadas Merchant16, isto significa que

apenas vendem energia ao mercado à vista, não tendo nenhuma garantia de compra da energia

gerada por atuar exclusivamente no mercado de curto prazo.

No ano de 2004 foi promulgada a lei 10.848/04 também conhecida como a Lei do novo

modelo do setor de energia; através desta lei é possível vender por meio de contratos livres ou

regulados, a energia produzida. No caso de contratos livres, a energia é vendida diretamente ao

mercado através de contratos bilaterais. No caso de contratos regulados faz-se necessário a

realização de leilões públicos. Além disso, a lei cria uma série de incentivos para o investimento

em energia.

A seguir, o mapa do parque termelétrico de unidades que são 100% da Empresa de

energia, unidades onde a Empresa possui participação majoritária acima de 80% ou é operadora

da unidade. Cabe ressaltar que não estão explicitadas neste mapa todas as unidades onde a

Empresa tem participação minoritária. O mapa apresenta também a capacidade de geração de

energia elétrica do parque termelétrico da empresa atualmente, evidenciando o quanto a Empresa

tem aumentado sua participação no mercado térmico.

Figura 06: Parque Termelétrico da Empresa de Energia. Extraído de www.petrobras.com.br em 05/11/10

16 A usina “Merchant” tem como principal características a venda de energia no mercado spot, isto é, pagamento à vista e pronta entrega de mercadoria. Este tipo de negócio não visa à atuação em contratos de longo prazo e sim é acionando em demandas pontuais de energia elétrica.

57

No gráfico a seguir, obtido de informações do Relatório de Atividade (2009) da Empresa,

buscou-se evidenciar o quanto de energia foi gerada pelo mercado térmico nos últimos anos.

Verifica-se uma forte geração no ano de 2008, resultado da venda da energia nos leilões,

entretanto no ano de 2009, constata-se uma nova retração da geração, devido às condições

hidrológicas do país, que torna a geração por hidrelétrica mais vantajosa.

Figura 07: Evolução da Capacidade de Geração da Empresa de energia. Extraído de www.petrobras.com.br em 05/11/10

A empresa possui atualmente a capacidade instalada de 5.476 MW, segundo Relatório da

Empresa (2009), porém estas permanecem sendo utilizadas somente em momentos de picos de

consumo, como alternativa quando não é possível prover fornecimento exclusivamente pelas

hidrelétricas. Apesar de não operar sistematicamente, as termelétricas recebem recursos

financeiros pela disponibilidade ao sistema elétrico brasileiro, sendo uma reserva energética de

segurança para o país.

O quadro funcional atual desta UN é composto por cerca de 5.000 trabalhadores, sendo

40% dos trabalhadores empregados próprios e 60% contratados. Dentro desta UN encontra-se

uma gerência destinada exclusivamente ao gerenciamento dos Ativos de Energia, sendo esta área

responsável pela gestão do parque termelétrico da Empresa de energia.

58

Dentro do parque termelétrico, existem oito unidades que foram incorporadas tanto as

instalações quanto os trabalhadores, perfazendo o total de cento e setenta e cinco empregados

próprios termelétricas17 não concursados que vieram junto com a aquisição das instalações.

Entretanto, o universo da pesquisa restringe-se a oitenta e cinco empregados lotados em duas

unidades, ambas no Estado do Rio de Janeiro. Estes empregados correspondem à mão de obra

que foi “incorporada” à Empresa de energia no processo de mudança de propriedade das duas

termelétricas.

A seguir será realizada a descrição das duas termelétricas, onde foi realizado o trabalho de

campo e que são o objeto deste estudo. A escolha destas unidades não foi aleatória, mas se

justifica pelos seguintes motivos:

Localização geográfica próxima à moradia da pesquisadora principal.

Pelos contratos estabelecidos entre a Empresa de energia e as UTEs (segundo

informações obtidas foram os mais danosos para a Empresa devido às cláusulas

contingenciais estabelecidas);

O efetivo funcional de trabalhadores próprio termelétrica é maior nestas unidades;

Uma das termelétricas está localizada na posição mais estratégica para distribuição de

energia elétrica no estado do RJ.

É importante sinalizar que ambas possuem processos de incorporação bastante similares,

fato que possibilita o estudo comparativo entre as unidades.

Destaca-se que dentre o efetivo funcional próprios termelétricas cerca de 60% destes

trabalhadores são de área operacional (regime de turno) e cerca de 40% de trabalhadores estão em

área administrativa.

De forma a melhor contribuir para entendimento da atividade destes trabalhadores será

descrito brevemente o funcionamento de uma termelétrica, independente do tipo de combustível

utilizado para a geração de energia elétrica.

17 Este termo foi adotado nesta pesquisa para caracterizar os trabalhadores que vieram junto com o processo de aquisição das termelétricas.

59

3.2.3 - Funcionamento e caracterização de uma termelétrica

Entende-se por termelétrica uma instalação que produz energia elétrica a partir da queima

de carvão, óleo combustível ou gás natural em uma caldeira projetada para esta finalidade.

O funcionamento das centrais termelétricas é semelhante, independente do combustível

utilizado. O combustível é armazenado em parques ou depósitos adjacentes, sendo enviado para a

usina, onde será queimado na caldeira. Esta caldeira gera vapor, a partir da água que circula por

uma extensa rede de tubos que revestem suas paredes. A figura abaixo descreve este processo de

geração de energia elétrica por termoeletricidade:

As termelétricas não operam sistematicamente, tendo uma média anual de quatro meses

de despachos energéticos por ano e, em momentos de picos, operam cerca de seis meses, porém

ao participar dos leilões de energia recebem por disponibilidade ao sistema energético brasileiro.

Fig 08: Esquemático de Turbina ciclo simples Elaborado por operador da termelétrica de A

3.3 - As usinas termelétricas A e B

De modo a não identificar e garantir a não identificação das unidades estudadas optou-se

em não fornecer os nomes das termelétricas, sendo as duas nomeadas de A e B para fins de

apresentação deste trabalho. Entretanto, acredita-se que esta não-nomeação não traz nenhum

prejuízo à análise apresentada neste trabalho.

60

As termelétricas A e B foram adquiridas nos anos de 2005 e 2006 pela Empresa de

energia, mas apesar de terem sido incorporadas pela Empresa de energia com efetivo funcional

tiveram processos de mudança de propriedade diferenciados.

A seguir, será descrito o histórico de funcionamento, a sua capacidade de operação e o

contexto da mudança de propriedade nestas unidades operacionais.

3.3.1 - A Termelétrica A

Esta usina foi construída no ano de 2001 e em um tempo recorde de sete meses, tendo

iniciado sua primeira geração em outubro de 2001 e, em dezembro do mesmo ano, estava com

toda sua capacidade de geração instalada. O investimento total para a construção desta UTE foi

em torno de US$ 240 milhões.

Localiza-se no município de Seropédica e ocupa uma área de 90.000 m2, sendo que a

propriedade total tem uma área de 1.300.000 m2. A localização da UTE é privilegiada, pois se

encontra próxima à Via Dutra, ao Rio Guandu, às linhas de transmissão da Light, aos ramais de

distribuição de gás, de grandes consumidores de gás e afastado de fontes de poluição e de

aglomerados urbanos.

Foi à primeira UTE tipo “Merchant” a gás natural no país, sendo uma das três

termelétricas, na qual a Empresa de energia celebrou o contrato com cláusulas contingenciais.

Esta modalidade de termelétrica tem como característica serem acionadas em momentos de baixa

de reservatórios ou de picos de consumo como uma operação emergencial e, por isso, têm preços

acima da média de mercado.

Possui uma capacidade anual de geração de 3.000 GWh, opera através de ciclo simples,

com oito turbinas a gás natural com 48,24 MW cada e uma potência total de 385,9 MW. Esta

geração é suficiente para abastecer uma cidade com cerca de 1,2 milhões de habitantes ou cerca

de 10% da população do RJ. A usina é tida como flex, isto é, bicombustível, sendo o gás natural o

combustível principal e o óleo diesel o combustível alternativo para operação. A seguir, uma foto

de satélite do terreno onde foi construída a termelétrica:

61

Fig 09: Terreno da construção da Usina A

A outra foto, a seguir, foi tirada em dezembro de 2001, quando a construção da usina foi

plenamente concluída e já contava com capacidade total de geração instalada.

Fig 10: Inicio da operação da UTE

A Empresa de energia, através de cláusulas contingenciais, assumia os riscos do negócio

e também garantia o fornecimento de gás natural para geração de energia elétrica. Esta cláusula

garantia ao empreendimento, caso não obtivesse receita suficiente, que a Empresa de energia

aportaria recursos financeiros para pagamentos de impostos, taxas e tarifas, custos de operação,

manutenção e investimento, enfim todo o ônus do negócio recaía sobre a Empresa de energia.

No mês de dezembro de 2001, a empresa Enron (proprietária da UTE) entrou com o

pedido de concordata e teve sua falência decretada pelo Congresso Norte Americano, com uma

dívida de aproximadamente 22 bilhões de dólares.

Em virtude disso, a termelétrica passou a ser gerida por um conjunto de dezessete bancos

internacionais que financiaram a sua construção. A falência da Enron gerou bastante preocupação

e um clima de insegurança aos trabalhadores desta termelétrica, pois era de conhecimento de

62

todos os trabalhadores que os bancos tinham interesse em se desfazer do empreendimento, seja

pela venda da usina ou pelo seu desmonte para a venda das peças.

Neste período houve uma normalização dos reservatórios de água, bem como uma queda

nos preços da energia vendida ao mercado, tornando esse tipo de negócio não rentável e por isso

a Empresa de energia decidiu rever os contratos de energia, devido ao ônus imputado pelo

acordo anteriormente estabelecido.

O contrato celebrado entre a Empresa de energia e a Enron previa o pagamento de US$

159 milhões e um pagamento de US$ 30 milhões ao final de sete anos para a Enron. Ao final

deste contrato, a Empresa de energia não teria o ativo, pois seria desfeito o contrato e a usina

permaneceria sendo de propriedade da empresa multinacional, apesar do valor aportado nesse

período ser maior que o valor de mercado da própria termelétrica. Por isso, a Empresa de energia

inicia um processo de negociação com os dezessete bancos comerciais proprietários da

termelétrica A para rever o contrato e propor a aquisição do ativo de energia.

Em maio de 2005, a Empresa de energia comunica oficialmente que concluiu o processo

de aquisição da SFE, proprietária da termelétrica A e assume a dívida de US$ 98,9 milhões da

empresa. Elimina os pagamentos contingenciais e passa a usufruir dos benefícios advindos da

operação da usina. Além disso, assume as dívidas pagas aos bancos - US$ 65,1 milhões - pelas

quotas da SFE, passando a térmica a ser 100% da Empresa de energia.

A motivação da compra foi claramente a redução de custos advindos do acordo, pois era

mais caro realizar os pagamentos contingenciais previstos no contrato do que adquirir

integralmente a unidade e, ao final, ainda teria o ativo como sua propriedade.

Para os empregados a decisão da compra pela Empresa de energia trazia um conforto pela

definição de uma situação que perdurava mais um ano, pois até a decisão da compra não se sabia

o que seria com seus postos de trabalho, tendo sido um período de bastante incerteza, dúvidas,

instabilidades e receio para os empregados.

Segue, abaixo, a fala de um trabalhador da UTE A expressa ansiedade destes

trabalhadores pela definição desta situação é, de certa forma, a garantia da manutenção de seus

postos de trabalho. Imaginava-se que, com a aquisição, todo o mal estar instaurado seria

resolvido.

Tudo que acontecia, no momento que acontecia eles informavam a gente. Passo a passo e era a todos os funcionários, sem exceção. E ai num dos trechos desta informação, eles

63

informaram que a empresa de energia poderia ser uma das empresas que iria adquirir a SFE. Nos até torcemos para que fosse, pois a gente entendia a magnitude da empresa de energia e isto geraria também para a gente uma tranqüilidade em termos de emprego, de progresso na nossa vida aqui dentro da empresa (Trabalhador W).

Junto à compra do ativo físico veio o efetivo de funcionários que, na época, correspondia

a quarenta e dois trabalhadores, sendo que dois diretores foram demitidos antes do processo de

aquisição e dez trabalhadores pediram demissão durante o processo, com receio da situação de

instabilidade gerada pelo sistema de aquisição. Atualmente, a termelétrica conta com doze

empregados em regime administrativo, dezessete na área operacional, um na instrumentação, um

no almoxarifado e três na engenharia, perfazendo um total de trinta e um trabalhadores, sendo

que dois empregados encontram-se prestando serviços diretamente na sede da Empresa de

energia.

3.3.2 – A Termelétrica B

A outra termelétrica, objeto deste estudo, localiza-se na cidade de Macaé. Esta unidade

iniciou suas atividades comerciais em 2001, tendo sido registrada na Junta Comercial do Estado

do Rio de Janeiro - JUCERJA em novembro, como sociedade limitada por quotas.

Está localizada no norte do Estado do Rio de Janeiro, principal pólo de atuação petrolífera

do país na atualidade. Ocupa uma área de 200.000 m2, sendo que a propriedade total tem uma

área de 3.000.000 m2.

De acordo com Pereira (2008), a El Paso Rio Claro LTDA possuía como proprietárias

duas empresas registradas em paraísos fiscais estrangeiros, mas ambas eram pertencentes ao

grupo americano El Paso Energy. A Empresa de energia e as duas empresas El Paso Energy

firmaram o consórcio, no ano de 2001, onde a Empresa de energia garantia o fornecimento de gás

natural e a El Paso controlava a termelétrica e a comercialização de gás natural.

Este contrato também possibilitava uma remuneração fixa para as empresas estrangeiras,

quando não conseguisse, através da venda de energia no mercado, arcar com os custos, pois era

prevista uma cláusula de contingência, sendo assim o ônus recaía sobre a Empresa de energia.

64

A Empresa de energia entrou no consórcio como representante do governo, através do

PPT, dando o suporte econômico necessário para a viabilização do empreendimento e tinha como

obrigações previstas em contrato:

Garantia de pagamentos contingentes de capacidade, no caso das usinas térmicas de

comercialização, nos quais a empresa de energia concorda em cobrir quaisquer

insuficiências, se a usina não conseguir atingir certas metas de retorno e remuneração do

capital;

Cobrir custos operacionais e tributários; ou contratos de industrialização sob encomenda

(tolling) por meio dos quais a Empresa de energia concorda em fornecer cada um dos

suprimentos necessários à produção de eletricidade e operação da usina;

Adquirir toda a eletricidade, remunerando a usina ao preço que cobrisse a remuneração

do capital (capital e dívida).

Esta usina foi construída no ano de 2001 e ficou pronta em nove meses. Seu parque

gerador foi totalmente importado e teve sua primeira operação comercial em dezembro de 2001,

porém atingiu sua capacidade plena de geração em agosto de 2002, quando obteve 922 MW/dia

de capacidade instalada.

Possui como uma das principais características a flexibilidade de operação e de

funcionamento. Na operação, pode realizar partidas e paradas rápidas, tomadas de cargas

elevadas e não possui restrições quanto ao número de partidas e paradas. No funcionamento, os

seus turbo geradores podem ser acionados de modo independente, garantindo flexibilidade nos

despachos energéticos.

A UTE possui vinte turbinas movidas a gás natural, operando em ciclo simples ou ciclo

aberto, tendo a capacidade de sair da inércia para a operação em apenas quinze minutos, sendo,

atualmente, a segunda maior termelétrica do parque gerador da Empresa de energia.

65

A foto abaixo é anterior ao período de construção da unidade.

Fig 11: Período da Construção da UTE B

A segunda foto compreende área atualmente ocupada pela termelétrica B.

Fig 12: Foto da Área da UTE B

Em decorrência de inúmeras mudanças ocorridas no cenário do mercado de eletricidade,

como a recuperação dos reservatórios de água das hidrelétricas, houve uma drástica redução da

demanda e dos preços de comercialização da energia elétrica no país. A Empresa de energia

passou a ter que fazer os aportes financeiros devido à cláusula de contingência, a partir de 2002,

nesta unidade. Por isso, a Empresa de energia, alegando desequilíbrio econômico do contrato,

tentou rescindir o consórcio e ser ressarcida dos pagamentos efetuados da contribuição

contingencial, recorrendo, inicialmente, ao juízo nacional e, depois, à corte internacional de

66

arbitragem no ano de 2004. Esta decisão foi bastante controversa e gerou uma série de

questionamentos sobre a validade ou não desta mudança na regra do jogo. A revista “Isto é

Dinheiro”, publicada na época, trouxe uma discussão acerca da temática e o posicionamento do

Ex-Diretor de Gás e Energia sobre o porquê da contestação do acordo vigente:

“O fato é que o investimento nas térmicas virou mico e os contratos assinados no governo FHC estão no inventário da herança maldita. (...) Todas as vezes que uma das partes acha que a relação contratual apresenta desequilíbrio, pode rever as bases do contrato” (Evaristo, 2007).

Em 2006, antes da decisão final da Corte Internacional de Arbitragem, as empresas

estabeleceram um acordo e a Empresa de energia pagou US$ 357,5 milhões de dólares pela

operação, além de assumir dívidas de US$ 78 milhões. Com este acordo, foi cancelado o

contrato de participação, passando a Empresa de energia a possuir 100% das ações da

termelétrica B. Esta decisão foi oficialmente formalizada ao mercado de Investidores em maio de

2006.

Junto à compra veio o efetivo funcional de sessenta e cinco empregados, porém

atualmente, há somente cinqüenta e dois, sendo dezenove empregados em turno na área

operacional, dois operadores no administrativo, dez na manutenção, quatro no SMS18, seis nas

oficinas de turbo máquinas, um na Engenharia e dez na área administrativa.

É importante sinalizar que a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT, regulamentada

pelo Decreto 5452/43, prevê em seus artigos 10 e 448 que, independente da mudança de

propriedade jurídica, esta não poderá afetar os direitos dos trabalhadores daquela empresa. Estes

dispositivos visam dar maior proteção aos trabalhadores:

“Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. (CLT, Artigo 10)”. “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados” (CLT: artigo 448).

Há de se ressaltar que estas aquisições trazem consigo uma particularidade, pois as

empresas eram da iniciativa privada e passaram para a gestão de uma empresa de economia

mista, onde a forma de ingresso dos empregados se dá através de seleção pública, sendo os

18 Esta sigla designa a área de Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Empresa.

67

mesmos designados empregados públicos. Além disso, no ideário neoliberal verifica-se

movimento inverso, onde empresas públicas são privatizadas e trabalhadores são dispensados,

sendo o movimento ocorrido nestas unidades considerados atípicos neste contexto. Estes

trabalhadores não foram, de fato, incorporados pela empresa-mãe, apesar de ser uma empresa

100% dela. O vínculo de trabalho permaneceu inalterado, porém seu empregador deixou de ser

da iniciativa privada e passou a ser da esfera pública, tornando um híbrido, pois não são

terceirizados, nem tampouco primeirizados.

Verifica-se, nestas duas termelétricas, a coexistência de diversos vínculos no mesmo

ambiente de trabalho: o petroleiro concursado e estável, os próprios termelétricas que vieram

junto com o processo de aquisição, os próprios termelétricas concursados, os prestadores de

serviço (terceirizados). Todos esses exercem funções e atividades, mas com direitos, status e

reconhecimento diferenciado, a depender do vínculo de trabalho. Para os empregados próprios

termelétricas este vínculo hibrido traz uma série de dificuldades para a gestão do trabalho e

implicações no dia a dia, tais como: dificuldade de acesso a outras unidades, por não terem um

crachá que os identifique como trabalhadores do Sistema, plano de cargo e salários diferenciados

dos trabalhadores da Empresa de energia, não existência nos sistemas informatizados da

Empresa, dentre outras diferenciações.

Nos capítulos a seguir pretende-se realizar a discussão acerca das mudanças advindas do

processo de aquisição e suas implicações na saúde e segurança dos trabalhadores, retomando

alguns objetivos propostos neste trabalho, reformulando-os, quando necessário, pois conforme a

Ergologia nos ensina, o trabalho está sempre em construção.

Por isso, algumas questões foram revisitadas, conforme nos aproximávamos do trabalho

real em análise. Não foi e nem é possível antecipar em sua integralidade a interação entre o

homem e a situação de trabalho pelo caminho dos conceitos disciplinares e científicos, sendo

fundamental a confrontação entre o saber acadêmico e os saberes desenvolvidos por esse

conjunto de trabalhadores para compreensão da problemática analisada. Schwartz (2000) sinaliza

a importância de compreender o trabalho junto com aqueles que vivenciam a atividade, conforme

descrito a seguir:

68

69

“(...) é ilusório e deontologicamente discutível pretender-se antecipar em seu lugar a experiência que cada um fará. (...) há por trás desta idéia a reprodução de uma divisão taylorista de tarefas entre os que vivem e os que podem pensar a vida dos outros: pressuposição de uma incomensurabilidade natural, injustificável sob qualquer ângulo. (...) Que sentido isso tem ao se falar de um conhecimento científico do sujeito singular (...) que se propõe a fornecer as chaves do conhecimento de singularidade de outros? Esta regressão ao infinito nos parece teoricamente absurda. (...) a questão do conhecimento do singular, assim entendida, convoca inesgotavelmente as riquezas do saber: precisamente porque ela tem a humildade de não prejulgar o que a história, em todos os sentidos do termo, tem feito de cada um como suporte de possíveis” (Schwartz, 2000b: 48)

4.0 - Considerações sobre o processo de aquisição das termelétricas sob o

ponto de vista dos trabalhadores

Neste capítulo pretende-se abordar o ponto de vista dos trabalhadores, analisando as

implicações e a forma de vivenciar essas mudanças para o conjunto de pessoas que estavam

lotadas nas termelétricas, no momento da aquisição pela Empresa de energia. Objetiva-se

verificar como se deu este processo de aquisição sob a ótica do trabalho. Enfim, busca-se

compreender como se efetivou esse processo de mudança de propriedade das UTEs no cotidiano

destes trabalhadores.

O olhar sobre as situações de trabalho19 através de uma lupa, em suas particularidades é

de suma importância para aqueles que desejam desvelar a complexidade do trabalho humano,

conforme sinaliza Schwartz (1996a).

Verificou-se que a condução do processo de compra e venda destas unidades foram

diferentes. Primeiramente, por se tratarem de duas empresas distintas, com empregadores

diferentes, políticas de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho - SST completamente distintas.

Além disso, estes trabalhadores possuíam histórias, modos de vida e singularidades, não sendo

possível contemplar em uma análise conjunta as particularidades e características peculiares de

cada termelétrica e seus trabalhadores.

De modo a captar as riquezas desta micro realidade e tentando dialogar com a macro

realidade, isto é, compreendendo como uma empresa de capital privado e seus trabalhadores são

“absorvidos” por uma empresa de economia mista, busca-se entender as “dramáticas de uso de

si” ligadas ao fato das UTEs se manterem operando dentro de padrões de normalidade, mesmo

com a mudança de todo o contexto de trabalho. Por isso, a opção metodológica, em um primeiro

momento, de descrever e analisar cada processo de aquisição. Em seguida, busca-se as

similitudes e diferenciações deste processo nas unidades, pois os sujeitos não são neutros e como

os coletivos de trabalho são diferentes, a construção histórica se deu de forma singular em cada

UTE.

19 Baseado na abordagem ergológica que tem origem no final da década de 70, com a criação do dispositivo Análise Pluridisciplinar das Situações de Trabalho -APST e tem como principal pensador Yves Schwartz.

70

4.1.- O caso da termelétrica A

A termelétrica A, antes mesmo de concluir as obras, já vinha sofrendo problemas

financeiros graves e que diretamente ou indiretamente os trabalhadores acompanhavam através

do noticiário e de alguns informes dados pelo corpo gerencial da usina na época.

Coincidentemente no mesmo mês que a UTE A concluiu as obras para início da sua

operação, a empresa Enron (proprietária da UTE) anunciou nos EUA o seu pedido de concordata.

Este fato gerou bastante instabilidade, insegurança, receio da perda dos postos de trabalho, pois

não se vislumbrava, em curto prazo, qual seria o destino da própria unidade, quiçá de seus postos

de trabalho.

Estes trabalhadores tinham sido contratados através de seleções rigorosas, com diversas

etapas e com proposições de altos salários. Porém, menos de um ano após suas contratações, eles

não tinham mais a garantia da manutenção de seus empregos. Antes mesmo de a térmica dar

lucro, a empresa a qual estavam subordinados já tinha sido entregue a um pool de dezessete

bancos comerciais estrangeiros (financiadores da construção do empreendimento).

Entretanto, era sabido por estes trabalhadores que não era intenção dos bancos gerirem

este negócio, pelo fato de não fazer parte do “portfólio” de serviços de um banco a gestão de uma

termelétrica. Sendo assim, desde o início a intenção dos bancos era a de se desfazer do

empreendimento e recuperar o dinheiro investido.

Com isso, durante dois anos esse trabalhadores ficaram se autogerindo e gerindo a

unidade, pois o “pool” de bancos não interferia nas questões técnicas e de operação da

termelétrica, sendo responsável somente pelos aportes financeiros para manutenção da

termelétrica. Além disso, era de conhecimento de todos que os novos proprietários procuravam

compradores para o empreendimento. Um trabalhador relata essa ausência de gerenciamento do

banco diretamente no processo de trabalho, não interferindo na condução do trabalho:

“Nesse acidente de negócio, que eu caracterizo como um acidente de negócio. O que aconteceu a gestão corporativa não chegou a ser implantada na usina, que tinha uma promessa de gestão corporativa em cima deste negócio, a gente era gestão operacional, a gente tinha uma gestão corporativa que nunca se materializou. Entrou uma gestão de emergência do banco, que não tinha nada a ver com o negócio pra resolver o problema do investimento, do financiamento. Então eles queriam resolver este mico. Entrou uma gestão de emergência” (Trabalhador X).

71

É importante reiterar que, de acordo com a perspectiva de análise ergológica, a gestão

não é prerrogativa exclusiva de cargos ou funções, mas de qualquer trabalhador em seu cotidiano

de trabalho. Todo trabalho requer lidar com as variabilidades do meio, não necessariamente

recorrendo a padrões e/ou procedimentos para dar conta do que é posto em seu cotidiano de

trabalho (Schwartz, 2003). Portanto, esses trabalhadores, mesmo que em uma esfera mais

limitada, já realizavam a auto-gestão, sendo que, na medida em que não havia uma direção

institucionalizada, tal como havia na empresa multinacional, os trabalhadores realizaram um

esforço coletivo para dar conta da gestão do negócio.

Nesse contexto vislumbraram-se diversas possibilidades para a UTE, dentre elas: o

desmonte da termelétrica e a venda das peças para montagem em outro lugar e,

conseqüentemente, a demissão dos trabalhadores; a venda para outro interessado; o encerramento

das atividades; e a aquisição pela própria Empresa de energia, que já era participante do

consórcio da usina. O relato, a seguir, expressa essa indefinição quanto ao futuro:

“Mas eu me lembro que havia muita dúvida sobre o futuro da termelétrica A enquanto empresa né, até porque a gente tava na mão do banco e o banco queria se desfazer do ativo dele, até por que a idéia do banco não era ter um ativo como o nosso, participar da área produtiva” (Trabalhador Y).

Constatou-se que os trabalhadores torciam para que o desfecho da solução fosse pela

venda para a Empresa de energia, pois isso significava a possibilidade de manutenção de seus

empregos. Além disso, o fato da UTE ser adquirida pela maior empresa do país e uma das

maiores da América Latina possibilitava uma perspectiva de crescimento futuro, devido ao porte

da Empresa de energia e seu compromisso com o desenvolvimento econômico e social do país.

Todo esse processo demorou cerca de dois anos e meio até que se chegasse a um

desfecho. Durante esse período foi realizado um processo denominado Duo Diligence20, onde

parte do corpo gerencial, trabalhadores da área contábil, da operação e manutenção participaram,

fornecendo informações para a possível compradora que, nesse momento já era de conhecimento

destes trabalhadores, era a Empresa de energia. Um trabalhador explicita como se deu este

processo:

20 Este processo tem como objetivo levantar informações sobre equipamentos, bem como possíveis passivos ambientais, trabalhistas, enfim realizar um levantamento geral sobre as reais condições do empreendimento a ser adquirido. Com isso, a empresa de energia realiza uma série de visitas, inspeções com seu próprio corpo técnico e com seguradoras para avaliar a futura aquisição e assim fornecer subsídios para tomada de decisão.

72

“Tudo começou com um processo prévio de” Duo Diligence “, que a gente foi chamado a prestar as informações. É um processo de verificação por parte do comprador das condições operacionais do negócio. Nesta fase a gente teve uma postura de sempre prestar todas as informações, ser muito proativo. (...) O maior impacto, o maior trauma desta fase foi que a gente percebeu que a Empresa de energia estava avaliando se mantinha a gestão com as pessoas ou não. A gente sabe que foi discutido e foi decidido que somente dois dos nossos colegas seriam afastados, que eram os diretores. Esses dois foram afastados e nós permanecemos, ficamos em um alto risco. Assim que chegou a gestão da empresa, ela sempre colocou que a gente estava com risco de ser demitido e isso é uma coisa que permanece até hoje” (Trabalhador X).

Após esse período de indefinição, receio e falta de informações claras de como se daria o

processo de aquisição, e se de fato a termelétrica seria adquirida, a Empresa de energia anuncia

publicamente em maio de 2005 que concluiu seu processo de compra. Entretanto, não houve

informação oficial neste momento sobre qual seria o destino destes trabalhadores. Não sabiam se

a compra seria exclusivamente dos equipamentos, isto é, do ativo operacional ou, se envolveria

os trabalhadores da termelétrica, isto é, o efetivo funcional.

Esta ausência de informações concretas sobre o desfecho do processo de aquisição se deu

em decorrência do processo de negociação para compra da termelétrica ter sido feito

exclusivamente pelos diretores estrangeiros dos bancos, sem a participação da gestão da planta e

tampouco dos trabalhadores.

Por isso, para alguns, devido à série de boatos que surgiram na época, a notícia só foi tida

como verídica quando publicada em veículos de comunicação, tais como jornais, revistas e etc,

conforme expresso na fala a seguir:

“Eu só tive a certeza quando eu vi o anúncio no jornal que foi a Empresa de energia, inclusive com o valor. Aqui mesmo oficialmente não houve uma comunicação da venda da empresa. Certeza mesmo eu vi pelo jornal. Os próprios gerentes da ocasião trouxeram os jornais. (...). Os próprios gestores na ocasião também não tinham muito essa certeza” (Trabalhador L).

Esses trabalhadores estavam a reboque da mesa de discussões e decisões, não tendo voz

durante esse processo de transição, salvo aqueles que foram convocados a fornecer informações

para a “Duo Dilegence”. Este fato gerou um distanciamento ainda maior entre esses

trabalhadores e a gestão da empresa compradora, pois se sentiram preteridos, diminuídos e

rebaixados, não tendo seu saber e competência reconhecidos pelos novos proprietários.

73

Após a efetivação da compra, a diretoria de Gás e Energia, juntamente com parte do

corpo gerencial que iria assumir a planta, realizou uma reunião com os trabalhadores da UTE,

apresentando os novos gestores da unidade e formalizando que a usina agora pertencia 100% à

Empresa de energia. Alguns trabalhadores relatam que neste momento houve a preocupação de

garantir, ainda que verbalmente, que nenhum trabalhador perderia seus postos de trabalho.

Um trabalhador identifica o fato de terem sido meramente comunicados pela nova gestão

da venda da termelétrica, sem muitos esclarecimentos sobre a forma que foi feita a venda. “Não

houve nenhuma participação dos trabalhadores. Foi só uma constatação”:

“Não. Foi uma mudança abrupta mesmo, não houve essa preparação. Esse negócio de mudança foi abrupta mesmo, de repente nos tínhamos aqui tínhamos a empresa aqui, olha tô aqui, tal, tal. Não houve não. Não houve essa preparação, essa janela de transmissão” (Trabalhador A).

Essa situação de indefinição do futuro fez com que dez empregados nesse período

pedissem demissão. Segundo relato de outros trabalhadores “decidiram pular fora, antes que

fossem demitidos”. Ressalta-se que a grande maioria dos trabalhadores que pediram demissão

pertencia à área de manutenção da UTE. Isto fez com que houvesse uma perda significativa do

capital intelectual desta área, bem como da história laborativa, pois estes trabalhadores estavam

presentes na unidade desde a sua construção, portanto possuíam um saber construído importante

para realização da atividade.

Estes trabalhadores foram substituídos majoritariamente por mão de obra terceirizada e, a

partir de 2009, pelos trabalhadores recém concursados da UTE, portanto, um coletivo de trabalho

totalmente novo e com pouco conhecimento das operações da térmica. Além disso, os

trabalhadores da manutenção que permaneceram na termelétrica foram incorporados ao setor de

operação, em decorrência de recompensas salariais. O relato, a seguir, expressa o movimento

ocorrido na área de manutenção:

“Teve tipo assim, o pessoal de mecânica saiu todinho. Hoje você não tem nenhum de mecânica. Uns saíram, outro passou para operação em função da melhoria salarial. Hoje o arquivo da parte dos mecânicos você não tem. (...) a manutenção se perdeu uma boa parte, a mecânica perdeu toda e a instrumentação só ficou um. Eles foram substituídos por uma parte de terceiros, uma parte nova que entrou agora no concurso, na instrumentação e na elétrica tem apenas um da Empresa de energia” (Trabalhador K).

74

Outra questão levantada nesse processo de incorporação refere-se à destituição do corpo

gerencial antigo e colocação de gestores próprios da empresa compradora. Os antigos gestores

remanescentes (dos cinco existentes, dois foram demitidos e três permaneceram na empresa)

foram substituídos de suas funções e gradativamente foram retirados os benefícios ofertados por

ocuparem cargos gerenciais, tais como: fornecimento de carro para transporte casa-trabalho, salas

exclusivas. Além da destituição das funções originais, passaram a exercer um papel de assessoria

para os novos gerentes.

Nesse movimento instaura-se um paradoxo na gestão, pois os detentores do

conhecimento, da história e do funcionamento da termelétrica, são destituídos do poder de

decisão, porém permanecem sendo imprescindíveis para gerir o negócio, exercendo, entretanto,

uma função de subordinação ao novo corpo gerencial.

Os trabalhadores identificam que a permanência deles na termelétrica se deu em função

do conhecimento acumulado deste coletivo de trabalho na geração de energia, em detrimento da

falta de experiência e atuação no ramo eletricitário da Empresa de energia. O relato, a seguir,

sinaliza essa situação:

“A Empresa de energia tinha um know how como ninguém em exploração de petróleo, distribuição, refino, mas em termelétricas, produção de energia, produção ou distribuição de energia ou mesmo comercialização de energia a Empresa de energia não tinha, já tem hoje. Então era importante para a Empresa de energia manter algumas pessoas chaves aqui né” (Trabalhador A).

Entretanto, verificou-se entre os ex-gestores um sentimento de rebaixamento e

subaproveitamento das funções. Um dos trabalhadores se refere à natureza das atividades que

passaram a exercer, classificando-as como de “segunda categoria” e identificando que os

“trabalhos nobres”, a partir do processo de incorporação eram destinados aos novos gestores da

termelétrica A.

As mudanças no trabalho e nas atividades realizadas não se deram exclusivamente para os

antigos gestores, mas para todo o conjunto de trabalhadores da UTE, pois se fazia necessário

adaptar-se a uma nova forma de gestão do trabalho, um novo sistema de gestão, distintos sistemas

operacionais. Parte desses trabalhadores, em especial administrativos e ex-gestores, tiveram o

trabalho prescrito alterado, tendo em vista que os processos foram alterados.

75

Também se evidenciou que toda a filosofia da Empresa de energia estava baseada em

unidades operacionais de produção, exploração e refino de petróleo. Portanto, em alguns

momentos, incompatível ou superdimensionada para um empreendimento de geração de energia

elétrica, que tem baixo efetivo funcional (cerca de oitenta a cem trabalhadores) e tem processos

bastante distintos da área petrolífera.

O relato a seguir descreve as dificuldades encontradas por um trabalhador para a

realização de seu trabalho, fazendo com que algumas vezes se desmotivasse e simplesmente

cumprisse as determinações, mesmo que essas fossem contrárias ao seu modo operatório21.

“Foi conturbadíssimo este período. Justamente por isso ... (...) a Empresa de energia não é uma empresa de geração de energia elétrica, é sim uma empresa de prospecção e refino. Nisso a Empresa de energia tem um altíssimo know how, mas em geração (elétrica), não! O que aconteceu é que as pessoas que vieram para cá não tinham know how em energia, mas também não admitiam que não tinham know how em energia, e elas deliberavam sobre as coisas e tinha que ser a opinião delas sobre as coisas. Você falava: - mas não tá errado! (Para os novos gestores) Tudo que tinha antes tava errado e não servia. Agora é o meu e é isso! (...) Hoje aqui já tá bem diferente. (...) Antes a soberba era grande mesmo e não admitia ouvir alguém que estava abaixo dele e isso acabou que gerou um descontentamento, as pessoas foram perdendo a motivação, você queria fazer um serviço certo, mas para isso tinha que se indispor, brigar e ainda ficar mal para fazer a coisa certa. É melhor fazer errado” (Trabalhador V).

Para Clot (2006), para conhecer o real da atividade é necessário conhecer aquilo que

também não é feito, o que se procura fazer, mas não se obtém sucesso, mas que também faz parte

da atividade. Assim, corrobora com esta análise o conceito de atividade impedida de Clot (2006),

compreendendo que esta é fonte de sofrimento e adoecimento nos trabalhadores.

É imprescindível compreender as escolhas desses trabalhadores, que, em certos

momentos, preferem se abster, como um processo de escolha consciente, uma forma de resistir

ao que está sendo posto pela situação de trabalho. Por sua vez, Schwartz (2004) também ressalta

a importância das escolhas quando sinaliza que “toda gestão supõe escolhas, arbitragens, uma

hierarquização de atos e de objetivos, portanto valores em nome dos quais essas decisões se

elaboram“ (Schwartz, 2004:23).

21 Entende-se por modo operatório, baseado em Guerin et al (2001) o conjunto de ações que o trabalhador necessita empreender para cumprir os objetivos estabelecidos em sua atividade. Entretanto, para a realização do trabalho real os mesmos estão sujeitos ao trabalho prescrito, aos instrumentos utilizados, às condições pré-determinadas e ao próprio modo de realizar suas funções, sendo este último o que denominados de modo operatório.

76

Após a aquisição, estes trabalhadores acreditavam que seriam imediatamente

incorporados à Empresa de energia como empregados próprios ou como empregados de uma

empresa subsidiária. Pensaram que teriam os mesmos direitos, status e condições desta categoria.

Entretanto, não foi isso o que ocorreu com estes trabalhadores. Permaneceram com o vínculo

empregatício da empresa A e em patamares de direitos e reconhecimento profissional

diferenciado dos empregados da Empresa de energia.

Com o passar do tempo, apesar de formalmente nunca ter havido uma definição se haveria

ou não uma incorporação destes trabalhadores, de certa forma, a tensão pela perda dos empregos

diminuiu, pois entendiam que se a Empresa de energia não fez isso logo após o processo de

aquisição, não o faria mais. Apesar desta aparente estabilidade, nunca houve uma total garantia

quanto à manutenção de seus empregos, conforme o relato abaixo:

“Nunca houve nenhuma garantia dos nossos postos, sempre. Pelo contrário, a insegurança foi bem maior depois. Depois das demissões dos diretores foi maior ainda. Eu ouvi várias vezes comentários que nós também iríamos embora. E de lá pra cá foi variado. Esses comentários não foram somente no período da transição, até hoje permanecem. Tem uma coisa um pouco mais diferente, hoje já tem o acordo coletivo que é diferente, mas sempre tem essa indefinição. Essa indefinição é de conhecimento. É fato. Não é só uma sensação não, é fato” (Trabalhador K).

Outro trabalhador relata que houve uma redução da instabilidade da perda dos empregos;

não que ela tenha sido eliminada, porém acredita que, após cinco anos transcorridos da mudança

de propriedade, algumas questões estejam resolvidas. Por outro lado, teme que não esteja atento

aos sinais que podem estar sendo emitidos e que, pela força do hábito, já não os percebam mais,

conforme relato abaixo:

“A gente vai criando calos como a situação vai perdurando por muito tempo, a gente às vezes vai até negligenciando certos alertas e pode acontecer e não estarmos preparados. E vem daqui a pouco e acontece, mas eu não esperava, por que não esperava, pois achei que não ia acontecer apesar dos riscos” (Trabalhador X).

Com isso, concorda-se com Dejours (1992) quando explicita que a negligência dos

possíveis sinais e alertas dados são estratégias defensivas ideológicas desses trabalhadores contra

o medo da perda de seus empregos, tendo o medo na atualidade alcançado um espaço ímpar nas

organizações do trabalho baseadas no modelo de apropriação capitalista. Entende-se por

estratégias defensivas:

77

“As estratégias defensivas são modos de agir individuais e/ou coletivos que levam à eufemização da percepção que os trabalhadores têm da realidade que os faz sofrer. Trata-se de um processo mental, visto que não altera a realidade da pressão exercida pela organização do trabalho. As estratégias de defesa têm o papel de adaptar o trabalhador às pressões de trabalho com vistas a conjurar o sofrimento e se diferenciam dos mecanismos de defesas do ego porque estes estão interiorizados e persistem mesmo sem a presença de uma situação externa. No ambiente de trabalho, as estratégias defensivas podem ser categorizadas como coletivas e individuais” (Rossi, 2008, p.43-44).

Outro ponto identificado como crítico para os trabalhadores no processo de mudança de

propriedade refere-se à ausência de um planejamento, enfim um processo estruturado para a

transição da propriedade privada para a gestão da economia mista. De acordo com os

trabalhadores, essa ausência de planejamento era evidenciada à medida que uma série de

informações desencontradas era fornecida, o anúncio de ações que nunca foram concretizadas,

enfim, a cada momento, surgia uma nova orientação da Empresa de energia sobre a situação dos

trabalhadores e da própria termelétrica. Um trabalhador relata este processo, descrevendo-o como

bastante confuso e com poucas definições:

“Essa transição, essa chegada da nova diretoria, não foi uma chegada, pelo menos como eu esperava de colocar as coisas claramente e já com um projeto definido, um processo de transição já definido, as coisas foram acontecendo muito atabalhoadamente. Agora é isso, agora é aquilo. Você não tinha um processo de incorporação com etapas claras que a gente pudesse ter um acompanhamento e assim você ter uma visão” (Trabalhador W).

Dado a este contexto inicial, criou-se nos trabalhadores uma série de resistências,

dificuldades, enfim foi gerado muito sofrimento nessas pessoas, conforme expresso por um deles,

a seguir:

“Foi uma catástrofe total. Eu acho que o que mais prejudicou nessa transição foi a Empresa de energia não ter se preocupado com a força de trabalho. Ela achou que ia substituir as cabeças, botar outras cabeças e que tudo ia continuar e realmente a gente viu que não continuou. Agora praticamente de uns dois anos para cá é que a gente vem tendo uma colocação realmente na empresa e a gente vai até entendendo um pouco mais. Porque até então foi um caos dentro da organização e acabou criando vários monstrinhos internos, por que quando você deixa de tratar cordialmente, tratar bem o profissional, ele acaba se revoltando” (Trabalhador Y).

Os trabalhadores relatam ainda que, durante cerca de dois anos e meio, houve uma

sobreposição de papéis, com a contratação de terceirizados, o que fez com que a força de trabalho

78

da unidade praticamente triplicasse, gerando em alguns casos um subaproveitamento dos

próprios termelétricas. Isto fez com que estes trabalhadores acreditassem que seriam substituídos

tão logos os terceirizados aprendessem os procedimentos relativos às tarefas. O relato, a seguir,

descreve a situação de desconforto com a chegada dos trabalhadores terceirizados na unidade:

“Ai começou a chegada dos terceiros, dos contratados. Isso começou a gerar um clima aqui dentro da empresa, que acho que até hoje não ficou bem resolvido, mas tá bem melhor do que era antes, mas o clima que os caras estavam vindo para pegar o serviço para tirar o serviço. Pegar o nosso serviço e nós irmos embora” (Trabalhador W).

Além disso, estes trabalhadores identificam um longo período em que, apesar de estarem

fisicamente na unidade, foram colocados à parte do processo, como se fossem dispensáveis.

Porém, apontam que a atual gestão os beneficiou e soube reconhecer o seu trabalho, inserindo-os

novamente no processo de trabalho.

“(...) Nós chegamos a ficar “marginalizados” por um tempo. Depois, com o passar de algum tempo, talvez reconhecendo o trabalho de um e outro se abriu mais um pouquinho de oportunidade para nós, em nível de assunção de responsabilidade, mas nunca como antes, por que assim o contato maior com o mercado.. etc.. decisório zero, inclusive a gente estranha (...)” (Trabalhador A).

Concorda-se quando Schwartz (2004) nos chama atenção para o risco de desconsideração

do saber investido22 dos trabalhadores para realização do trabalho e que a negação deste

conhecimento traz prejuízos ao funcionamento pleno do trabalho e, conseqüentemente, das

atividades a serem realizadas neste contexto. A seguir um trabalhador relata as dificuldades

enfrentadas pela desconsideração de seus saberes:

“No início foi muito tumulto. (...)A Empresa de energia pecou no momento em que ela ignorou a capacidade dos profissionais que aqui estavam. É claro que a gente, quando compra uma coisa ou absorve, (...) a gente logo quer tomar posse daquilo, (...) Eu tenho o poder. (...) Então ignora toda a infra-estrutura existente e: ‘nós vamos dizer como vocês vão trabalhar’. (...) tanto é que ela afastou todos os gestores e colocou de lado e ela disse: ‘agora a gente vai fazer isso funcionar’. Só que as pessoas não eram do ramo. Então não sabiam fazer funcionar. (...). Você cria um tumulto interno tremendo né. (...) Os comandos, as ordens, os processos não tinham nada a ver com a realidade da térmica” (Trabalhador A).

22 Entende-se por saber investido, segundo Trinquet (2010) uma forma de conhecimento capaz de gerir a distância entre o trabalho real e o trabalho prescrito.

79

Em virtude dos conflitos estabelecidos na UTE identificou-se a tentativa da Empresa de

energia de promover programas denominados Desenvolvimento de Equipes – DE. Tinham como

objetivo a melhoria da ambiência e promover a integração da força de trabalho. Entretanto,

segundo os trabalhadores, devido às condições de entrada na termelétrica, em vez de aproximar

provocou reação inversa no efetivo, favorecendo a criação de grupos de trabalhadores por vínculo

empregatício, isto é, o grupo da UTE, o grupo da Personal23 e o grupo da Empresa de energia.

Um trabalhador relata a forma como esse processo foi realizado e faz uma analogia do processo

de incorporação ocorrido na termelétrica a um estupro, tamanha a forma abrupta em que foi

realizado:

“(...) Acho que faltou preparo das pessoas nesse tipo de absorção, que é uma coisa difícil você ter profissionais qualificados nessa parte de absorção de empresas. Geralmente a gente privatizava e não estatizava. Então era o negócio complicado eles pegaram o estado e pegar uma iniciativa privada e trazer para dentro dele é complicado. É claro que isso é uma forçação, é quase um estupro nos trabalhadores que tem uma quantidade grande de anos na iniciativa privada e eles foram absorvidos. Então acho que faltou habilidade das pessoas nessa transição” (Trabalhador Y)

Além das alterações organizacionais que atingiram a todo o conjunto de trabalhadores

lotados nesta unidade, verificou-se que o processo de mudança de propriedade trouxe diferentes

implicações para coletivos de trabalho específicos, a depender do setor e função em que estavam

inseridos no ambiente de trabalho.

Constatou-se que houve a segmentação em três grupos bem distintos, em função das

atividades desenvolvidas na termelétrica, conforme descrito, a seguir:

O primeiro grupo refere-se aos trabalhadores da área de operação da usina, sendo esta o

lócus privilegiado, pois é tida como o coração da UTE. Percebeu-se que a empresa adquirinte

buscou ao máximo a preservação desta atividade, tal como era realizada antes. O efetivo

funcional não foi alterado, sendo os próprios termelétricas os únicos a realizarem esse trabalho.

Nesse sentido, devido à falta de conhecimento técnico por parte da empresa compradora nesta

área de atuação o conhecimento desses trabalhadores foi valorizado e reconhecido.

Verificou-se que a operação teve seu saber, seus modos operatórios reconhecidos e

prestigiados, pois eram esses trabalhadores que dominavam os processos, enfim que faziam a

planta rodar. Além disso, a Empresa de energia não possuía trabalhadores próprios capacitados e 23 Empresa terceirizada prestadora de serviço e que fornece a mão de obra terceirizada para a térmica, sendo contratada diretamente pela empresa de energia.

80

habilitados para assumir essas funções. Por isso, o processo de aquisição para esse conjunto de

trabalhadores teve um impacto menor sobre suas atividades. Esses, em geral, não identificam

muitas mudanças e relatam que continuaram a exercer suas atividades como anteriormente, com

pequenas alterações.

O segundo grupo se refere aos profissionais que exerciam a função gerencial na UTE,

cuja situação foi identificada como a mais crítica e vulnerável. Verificou-se que, oficialmente,

ainda hoje permanecem com suas respectivas carteiras de trabalho assinada com cargo de

gestores, para eles uma “herança” de quando a UTE era operada por uma empresa privada

multinacional. Entretanto, no trabalho real não exercem nenhuma função de liderança e de

gestão, pois foram destituídos de seus cargos, sendo estes ocupados por empregados próprios da

empresa adquirinte. Sendo assim, apesar de serem remunerados para esta função e terem todo o

arcabouço necessário para realizar tal atividade, de maneira abrupta e sem prévia comunicação,

foram afastados de suas atividades, assumindo um papel de assessoria para o novo corpo

gerencial.

O período inicial para estes ex-gestores foi bastante difícil, pois houve um esvaziamento

de suas funções e atividades, que a partir da aquisição foram exercidas pelo novo corpo gerencial

da UTE. No relato de um destes trabalhadores, vivenciaram uma limitação de suas atividades e

um cerceamento do poder de tomada de decisões, pois essas não eram mais prerrogativas de seu

trabalho. Em virtude desse reordenamento das atividades, alguns passaram a realizar atividade

totalmente distinta da função que exerciam antes, tendo que aprender novos sistemas e novas

tarefas.

Constatou-se que esses trabalhadores tiveram seus trabalhos modificados e que por um

longo período ficaram à margem do processo, sem funções e atribuições bem definidas, gerando

um esvaziamento do conteúdo das suas atividades. O relato, a seguir, evidencia esse processo

em que se viram aquém de suas capacidades funcionais:

“Não sei se você entra nessas questões de saúde mental. Aquela coisa de um carro parado enferruja. Então naquele período de encosto, que a gente viveu, a gente perdeu muito. É que nem jogador de futebol se bota ele no banco, deixa ele muito tempo sem treinar ele vai perdendo o jeito. Então isso eu acho que é uma perda no desempenho. A gente não tá exercendo a função também é uma perda. A gente vai perdendo a habilidade. Você não vai continuar sempre habilidoso naquilo que você não exercita? Então isso é uma perda, eu acho que isso talvez essa seja maior perda que temos aqui. O maior problema. Não sei se isso é saúde” (Trabalhador X).

81

Interessante a associação feita por este trabalhador, pois à medida que compreende a sua

saúde como algo em movimento, não estático, também identifica implicações sobre sua saúde por

essa interrupção da atividade, que faz parte do humano. Alinhado a esse entendimento,

acrescenta-se a concepção de saúde descrita por Canguilhem (1965, 1978) não compreendendo a

saúde como a ausência de doença, mas a capacidade do indivíduo em se restabelecer, mesmo

mediante as infidelidades que o meio apresenta.

O terceiro grupo identificado neste processo refere-se aos trabalhadores da área

administrativa, que contempla também supervisores, coordenadores, entre outros. Para estes

trabalhadores a mudança significou desenvolver suas atividades de uma forma totalmente

diferente da anterior. O modelo de gestão adotado era o da Empresa de energia, portanto, todos os

sistemas e padrões anteriores foram substituídos para se adequar ao estabelecido pela adquirinte.

Esses trabalhadores passaram por um processo de transição confuso, pois parte dos

sistemas utilizados na empresa privada permaneceu sendo utilizado por um período de dois anos

e meio. Porém, alguns sistemas adotados na Empresa de energia foram imediatamente

implementados na UTE. E para isso, tiveram que aprender novas formas de trabalho, novas

prescrições foram estabelecidas, enfim, parte do contexto no qual estavam inseridos foi

profundamente modificado e tiveram que se reinventar, transformando suas atividades, gerindo as

dificuldades encontradas no dia a dia de trabalho.

Esse processo não foi simples, trivial e sem dificuldades, pois esses trabalhadores saem de

universo de uma pequena empresa privada e de forma abrupta são inseridos em uma empresa de

economia mista, de grande porte e com atuação internacional. Devido a essa grandiosidade,

algumas tarefas são fragmentadas, deslocadas da unidade e passam a ser centralizadas na sede da

Empresa de energia.

Uma trabalhadora evidencia esse processo de busca de informações para realização de

suas atividades, destacando que muitas vezes não sabia a quem procurar para ter uma orientação

e assim pudesse cumprir os objetivos estabelecidos, tornando o cumprimento de suas tarefas uma

atividade extremamente penosa, e fazendo com que ela se sentisse em alguns momentos

completamente perdida neste universo da Empresa de energia:

“De ter que mudar todo esse trabalho que a gente tinha né, tudo que a gente já realizava, os procedimentos, os nossos padrões. Tudo que a gente já fazia aqui a gente teve que mudar, um trabalho grande de ter que mudar e ter que colocar para os padrões da Empresa de energia. Ah uma coisa que eu senti muito grande eu acho que assim uma

82

falta de comunicação muito grande. E eu vou dizer mesmo e acredito que até má vontade de passar as coisas para a gente. (...), olha para eu descobrir as coisas que eu precisava, com quem eu tinha que falar era uma dificuldade muito grande, parecia que as pessoas não queriam dar as informações para gente, sabe” (Trabalhador L).

Entretanto, os trabalhadores identificam que, a partir do ano de 2007, houve uma

melhoria e uma mudança na forma com que eram tratados pela Empresa de energia, iniciando

um processo maior de aproximação dos benefícios, direitos e garantias dos trabalhadores da

“holding”, apesar de isso estar longe da equiparação total aos benefícios, direitos e garantias

fornecidos pela Empresa de energia a seus trabalhadores.

Além disso, a maioria dos trabalhadores demonstrou uma diferença substancial na

condução do trabalho pela atual gestão da termelétrica, sinalizando melhorias no processo, na

comunicação e na interação. Mas por outro lado, ficam temerosos, por entender que a Empresa de

energia altera com freqüência o corpo gerencial das suas unidades operacionais e temem que, em

uma nova substituição gerencial, a dinâmica e a condução do processo seja modificada

negativamente.

A seguir serão apresentadas particularidades e singularidades do processo de aquisição na

termelétrica B. Processo esse que ocorreu no ano de 2006, portanto um ano após a aquisição da

termelétrica A.

4.2- O caso da termelétrica B

A termelétrica B, que era de propriedade da empresa El Paso e a Empresa de energia

participante do consórcio entraram em processo de arbitragem na Corte Internacional em 2004.

A alegação para o questionamento do contrato vigente se deu pelo desequilíbrio econômico-

financeiro, pois em função da mudança do cenário energético brasileiro, o negócio tornou-se

oneroso demais e os prejuízos recaíam sobre a Empresa de energia.

A partir de 2005, a atual proprietária da UTE passou a dar indícios que não tinha mais

interesse em gerir este empreendimento. Os funcionários deixaram de realizar os treinamentos

que haviam sido programados para aquele ano, as manutenções foram interrompidas, enfim uma

série de ações que evidenciam um desinteresse pela gestão da UTE. O relato, a seguir, descreve

83

esse processo de incerteza vivenciado pelos trabalhadores, em decorrência do desinteresse da

empresa proprietária da usina.

“Esse zum, zum, zum. Vai vender, não vai vender. Na verdade, a gente começou a perceber isso quando a El Paso começou a cortar os investimentos. Tanto nos equipamentos como nos funcionários. Cortou os cursos que tinha programado, cortou todas as manutenções que tinha programado nas máquinas, nos equipamentos, na planta. Parou de investir totalmente. Ai começou o papo: vai vender, não vai vender. Tá deixando caducar mesmo por que vai vender isso ano que vem. (...). Até que um dia que veio a informação formalizada” (Trabalhador D).

Com isso, diversos rumores, boatos, comentários foram dissipados no interior da unidade,

onde pouca certeza se tinha sobre o futuro profissional dessas pessoas. Um ano inteiro se passou

(de 2005 a 2006), sem saber de fato o que seria feito com a UTE e, conseqüentemente, com seus

postos de trabalho. Principalmente, porque os pagamentos da Empresa de energia estavam sendo

efetuados em juízos, portanto a El Paso estava tendo uma série de problemas para recebimento

das receitas provenientes deste contrato.

Durante esse ano, uma série de visitas e inspeções técnicas foram realizadas na planta

pela Empresa de energia, o que indicava um possível interesse de compra. Além disso, os

trabalhadores acompanharam pelo noticiário e Internet o desfecho da térmica A, que no ano de

2005, havia sido comprada pela Empresa de energia. Portanto, acreditavam e desejavam que o

mesmo desfecho pudesse ocorrer com a térmica B, pois os contratos eram similares.

No ano de 2006, antes do anúncio oficial da compra da usina, a El Paso reuniu todos os

seus funcionários junto com representante da Empresa de energia para anunciar a intenção de

compra da UTE. Isso se deu quando o processo de negociação estava bastante avançado e em

vias de fato de se concretizar. Neste momento, houve a preocupação do representante do novo

dono em garantir que não havia motivo para se preocupar, tendo em vista que todos os postos de

trabalho seriam mantidos, conforme expresso na fala a seguir:

“Veio um diretor da empresa na época aqui na usina e trouxe junto com ele um representante da Empresa de energia. Em uma reunião no auditório falou que a usina estava sendo vendida para Empresa de energia. Foi quando o representante da Empresa de energia avisou que os funcionários seriam mantidos, até para tirar essas dúvidas” (Trabalhador U)

Entretanto, apesar dessas garantias verbais, no mesmo período houve um concurso

público para Empresa de energia para a região de Macaé e muitos trabalhadores ficaram

84

temerosos e apreensivos, pois acreditavam que este concurso havia sido aberto para substituí-los.

Instala-se um ambiente de estresse, medo e insegurança devido à coincidência de eventos, onde

muitos acreditaram que a demissão viria tão logo esses concursados fossem admitidos.

Assim, após esse anúncio oficial, inicia-se o processo de “Duo Diligence” na UTE. Em

decorrência deste processo, alguns trabalhadores, tanto da área administrativa, como da área

operacional se inserem mais diretamente no processo de venda, pois necessitam fornecer

informações sobre a térmica ao futuro comprador.

Em 09/05/2006, a Empresa de energia, anuncia publicamente que concluiu a compra da

termelétrica B, encerrando o processo de arbitragem da Corte Internacional, pois as partes

chegaram a um acordo antes da decisão final do juízo.

Os trabalhadores acreditavam que, tão longo a Empresa de energia assumisse a unidade e

tivesse domínio dos processos, seriam sumariamente demitidos. Esta instabilidade foi maior em

um primeiro momento nos empregados da área administrativa, pois acreditavam serem mais

frágeis dentro do processo de mudança de propriedade. Não se verificou essa incerteza tão

premente nas áreas de operação e manutenção. Para estes, a situação era mais estável

inicialmente, pois a Empresa de energia não tinha a expertise para operar as turbinas existentes

nesta unidade. Entretanto, todos os trabalhadores acreditavam que não era intenção da Empresa

permanecer com eles por longos períodos, somente na fase de transição.

Constatou-se uma característica peculiar nesta unidade, pois formalmente apenas três

empregados eram contratados para exercício das funções gerenciais na empresa privada, sendo

que um foi demitido em 2009, outro solicitou demissão e o terceiro foi reenquadrado sem função

gerencial e cedido para a Empresa de energia. Entretanto, foi identificado um grupo de

trabalhadores que eram contratados para função técnica, porém estavam em desvio de funções,

pois informalmente na El Paso desenvolviam funções de coordenação, supervisão de equipe.

A priori não foram identificadas pessoas com função gerencial nesta unidade, entretanto

constatou-se que havia pessoas chaves e que, mesmo informalmente, eram tidas como

lideranças na UTE, antes e depois do processo de aquisição. O trabalhador a seguir, relata o

exercício dessas funções de liderança, apesar das mesmas nunca terem sido reconhecidas

formalmente pela Empresa:

85

“Essa função formalmente eu não tinha. Ela era na prática. Eu assumi essa função na prática e na chegada da Empresa de energia isso ficou consolidado. Mas na minha carteira sempre foi (...) embora exercesse todas as funções na área de gestão” (Trabalhador N)

Após à aquisição, durante o primeiro ano de gestão da empresa mãe, o diretor presidente

da térmica designou empregados próprios termelétricas para gerir a UTE, sendo designado um

trabalhador para gerir SMS, outro para gerir O&M, constando, inclusive, no organograma da

unidade, mas sem alterar as suas funções em suas carteiras de trabalho e tampouco serem

designados oficialmente pela Empresa de energia nas funções de gestão.

Em virtude disso, houve para alguns trabalhadores a esperança, de que poderiam alcançar

outros patamares, mesmo não sendo empregados petroleiros24, pois se mantiveram em posições

que já exerciam ou tinham sido colocados em posições superiores a que ocupavam anteriormente

na El Paso. Para esses empregados a mudança de propriedade foi percebida como algo positivo e

benéfico para suas atuações, conforme expresso no relato abaixo:

“Foi um período inicialmente para alguns de difícil adaptação. No meu caso particularmente foi bom. Achei que foi muito interesse. (...) Porque eu estava em uma posição, coordenando toda a equipe (...) e isso ficou mantido. Eu fiquei ainda um ano gerenciando a equipe (...) Pra mim foi muito interessante. Eu tive um bom relacionamento com os primeiros gestores, uma relação de confiança. (...) Tinha carta branca com ele. Podia visitar as outras unidades, conhecer, trazer as boas práticas para cá” (Trabalhador N).

Por outro lado, nem todos os trabalhadores perceberam estas designações sem

oficialização como positivas para os próprios trabalhadores, conforme expresso, a seguir, na fala

de outro trabalhador:

“O primeiro gestor conduziu a coisa de uma forma, a meu ver, muito estranha e até desproporcional para a coisa e saiu delegando cargos de gerência para as pessoas aqui dentro, mas não formalizando. Então criou um rebuliço aqui na época” (Trabalhador E).

Além disso, este processo trouxe para a grande maioria dos trabalhadores muito medo,

insegurança, angústia e incertezas quanto à possibilidade de perdas de seus postos. Isto fez com

que dezoito trabalhadores pedissem demissão, após o processo de aquisição. Alguns realizaram

concurso público para própria Empresa de energia, outros procuraram oportunidades na iniciativa

24 Jargão utilizado para denominar empregado concursado pertencente ao quadro de funcionários da empresa de energia.

86

privada. Na palavra de um trabalhador que permaneceu na UTE “decidiram pular fora do barco,

antes que ele afundasse. Os que ficaram meio que pagaram para ver no que ia dar”.

Além das demissões voluntárias, durante esses quatro anos, após a mudança de

propriedade, houve a demissão de cinco trabalhadores da UTE, tornando mais evidente a

fragilidade de seus postos de trabalho. As quatro primeiras demissões foram feitas tão logo a

Empresa de energia assumiu a unidade e a última demissão foi recente, no ano de 2009, tornando

nítido que, ainda hoje, os empregos dessas pessoas não são tão estáveis e garantidos.

Outra questão que também reforçou a idéia da falta de interesse da Empresa de energia na

manutenção dos trabalhadores na UTE foi a ausência de negociação do Acordo Coletivo de

Trabalho - ACT em 2006. Neste ano, não houve negociação entre empregados e empregador,

permanecendo válido o ACT anterior. Somente em 2007 se restabelece o processo de negociação

e de incorporação de direitos e benefícios por via na negociação sindical nesta unidade.

Um ponto identificado é que nesta unidade não houve avanços nas negociações coletivas

e sindicais no que se refere à garantia via ACT dos seus postos de trabalho. Nenhum dos ACT no

período de 2006 a 2010, inclusive o vigente, possui cláusula similar ao previsto na Empresa de

energia e que foi conquistado em outras UTEs quanto à instauração de comissões para análise das

demissões sem justa causa, o que de certa forma dificulta as demissões sumárias.

Atrelado a isso, tem-se o fato de uma configuração que é nova, pois o cenário

internacional e, principalmente, o nacional durante décadas realizou o processo inverso, isto é,

privatização de empresas públicas, tornando-as da iniciativa privada ou de capital misto, tal qual

a própria Empresa de energia. Portanto, o fato de uma empresa do governo adquirir empresas

privadas e manter os empregados é extremamente atípico e traz para o bojo da discussão a

criação de um vínculo híbrido e pouco conhecido, difícil até de ser nomeado. Esta novidade fez

com que os trabalhadores não soubessem muito bem o que ocorreria com eles, pois não havia

outras experiências anteriores para prever o desfecho provável de suas histórias.

“Estas aquisições é um processo que acontece.. Fusões entre empresas, venda de empresas. Isso é uma coisa normal no mercado. Isso ai não é nenhuma novidade. O que foi novidade pra gente foi o processo de uma empresa estatal comprar uma empresa privada e manter os funcionários. Esse processo ficou muito estressante porque (...) no sentido que a gente é um funcionário de um sistema estatal, porque éramos funcionários de uma empresa estatal, porque nós éramos desde então, mas não éramos considerados tais, para isso era como se fossemos uma empresa privada. Para algumas coisas éramos Empresa de energia, para outras a gente era termelétrica B. Então nos direitos e nos deveres as coisas se misturavam muito. E não tinha uma gerência clara, uma definição

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do que seria feito da usina. Então a gente ficou preocupada, porque a gente poxa, a gente não vai ficar aqui muito tempo e por isso muitos saíram” (Trabalhador U).

Associado a esse contexto, a incerteza aumentou pelo fato da usina ter ficado

praticamente inoperante durante dois anos (2006-2008). À medida que a unidade não era

rentável financeiramente, acreditavam ser pouco provável a manutenção de seus postos de

trabalho. Para estes trabalhadores era simplesmente uma questão de tempo, de absorção dos

processos internos e de recrutamento de novos trabalhadores para o exercício de suas funções.

Depois do primeiro ano de transição, onde o corpo gerencial foi mantido e ampliado com

empregados da UTE, a partir de 2007, inicia-se um processo de transição, onde são designados

formalmente empregados petroleiros para assumir as funções gerenciais e os empregados

próprios termelétricas passam a exercer a função de assessores na nova gestão. Neste ano, é feita

uma destituição do antigo gestor da planta e um novo gestor assume a térmica.

Inicia-se neste período, ano de 2007, também o processo de implantação do Sistema de

Gestão Integrada - SGI25, onde se objetivava padronizar as rotinas, atividades, tarefas, enfim todo

o trabalho necessitava se adequar aos padrões da Empresa de energia. Isso em um primeiro

momento gerou revolta, resistência e certa intolerância dos trabalhadores com o processo de

mudança, pois de uma hora para outra tiveram que alterar a forma de trabalhar, como se o que

tivessem feito até aquele momento não fosse o correto, o adequado. O relato abaixo descreve esse

processo complexo da mudança de propriedade na termelétrica B:

“O período da mudança foi complexo, muito complexo. São diretrizes totalmente diferentes, processos distintos que impactaram muito. Você tá acostumado a trabalhar de uma forma e aí é feito como se fosse uma lavagem cerebral, tudo que você sabe, você tem que deixar no cantinho do cérebro guardado e posteriormente você poder utilizar e aprender tudo novo” (Trabalhador C).

Neste momento, a unidade começa a implantar mais sistematicamente os padrões,

processos, rotinas e ter uma relação mais direta com a área de Gás e Energia. O organograma

institucional é composto e formalizado com empregados petroleiros. Identifica-se então uma

melhoria no processo de comunicação, de aproximação, maior clareza nas informações prestadas.

25 Foi implantando em todas as termelétricas recém adquiridas pela empresa de energia, com objetivo de obter as certificações internacionais na NBR ISO 14001:2004 (Sistema de Gestão Ambiental) e OHSAS 18001:1999 (Sistema de Gestão de Segurança do Trabalho e Saúde do Trabalhador). Para obter as certificações fez-se necessário a padronização das tarefas, rotinas, baseadas nos padrões de Segurança, Meio Ambiente e Saúde Ocupacional estabelecidos nessas diretrizes.

88

Há uma mudança completa na lógica do trabalho, pois saem de uma esfera privada, onde

o objetivo central é a obtenção do lucro em curto, médio e longo prazo. As regras são definidas

pela iniciativa privada, a lógica é a de mercado, portanto, mais ágil em determinados momentos

para a obtenção de mercadorias e equipamentos. Enfim, o objetivo precípuo era negociar e

adquirir o que fosse necessário para a planta operar. Em seguida, são inseridos de forma abrupta

em uma lógica da esfera pública, onde existe uma série de legislações, normas para obtenção de

produtos, serviços, mercadorias e que, habitualmente, exige a instauração de uma licitação

pública para operacionalização do trabalho, acarretando maior planejamento e antecipação das

necessidades futuras, o que de certa forma, torna o processo mais moroso

Verificou-se que o processo de aquisição teve particularidades, a depender do setor a qual

o trabalhador estava subordinado, com isso identifica-se três categorias de trabalhadores, que

tiveram implicações diferenciadas em seu cotidiano de trabalho.

Reitera-se que, ao olhar as mudanças advindas do processo de aquisição, buscou-se

sempre uma visão dialógica e prudente, de acordo com a perspectiva de análise desta pesquisa,

evitando determinados fatalismos ou tendência a considerar a mudança a priori como algo

negativo, conforme nos sinaliza Schwartz:

“Então é verdade que, de um lado, é preciso reconhecer as mudanças reais e às vezes profundas e, ao mesmo tempo, eu pessoalmente insisti muito sobre a extrema prudência necessária ao qualificar essas mudanças e, sobretudo, as julgar. Eu diria que esta prudência é a atenção a alguma coisa que me parece justamente portadora de elementos positivos. É preciso ser prudente porque se fala sempre de alguma coisa que é pertinente à atividade humana” (Schwartz, 2007b, p.30).

Ao olhar o trabalho, sob o ponto de vista de quem se trabalha, buscaram-se os

movimentos inerentes à atividade humana com sua energia e também com as adversidades

imbricadas ao processo. Entendendo que o trabalho é, por si só, complexo do e no trabalho por

parte dos indivíduos em um dado contexto que é sempre singular.

Tentou-se verificar como estes trabalhadores geriram esta nova realidade, pois o contexto

foi totalmente alterado, modificando profundamente o seu próprio trabalho. Com isso, concorda-

se com Schwartz (2004) quando aborda as dramáticas necessidades para se viabilizar o trabalho

neste contexto contemporâneo, onde profundas mudanças são incorporadas nos ambientes de

trabalho.

89

Para os trabalhadores da área administrativa isso representou a adaptação a novos

sistemas de gestão, modalidades de contratação de serviços e produtos através de processos

licitatórios, enfim uma mudança significativa na forma de se trabalhar. Agrava-se pelo fato de ter

ocorrido de uma forma inesperada e, em alguns casos, sem muitos treinamentos para os

trabalhadores.

A mudança de propriedade para estes trabalhadores representou trabalhar de uma nova

forma, mas para alguns foi tida como se a forma que trabalhavam anteriormente não servisse, não

fosse correta, enfim questionaram a sua própria capacidade de trabalhar. Hoje, identificam que

isso gerou maior resistência e revolta aos processos implantados pela Empresa de energia, mas

que não tiveram escolha e foram obrigados a se adaptar. Entretanto, foi evidenciado que não

foram passivos às mudanças, resignados, e que, aos poucos, também foram conseguindo

imprimir a sua forma de trabalhar dentro desse novo contexto, conforme um trabalhador expressa

abaixo:

“Na minha área tive muito impacto. Você deixa de trabalhar com um programa, um sistema e começa a trabalhar com outro totalmente complexo, muito mais abrangente. A primeira coisa é que a gente queria saber era onde é o inferno, pois o capeta a gente já tinha conhecido. Mas hoje ta tranqüilo. Isso é o SAP. A gente conseguiu dominar. (...) Foi aonde a gente conseguiu resgatar toda a memória que se tinha de conhecimento e colocar em prática junto com os processos que foram entrando dentro da companhia. Ai a gente conseguiu mesclar aquilo que sabia e o novo que tava entrando, as informações novas. A gente conseguiu de uns dois anos, três anos para cá” (Trabalhador C).

Concorda-se com Schwartz (2000b) quando se refere que o trabalho é sempre uso de si e a

infidelidade do meio é gerida pelos trabalhadores, não sendo possível à prescrição dar conta de

toda riqueza e complexidade do trabalho. Portanto, à cada configuração o homem para tornar o

meio “vivível”, necessita lhes colocar novas questões e experimentar a si próprio. Sendo assim,

estes trabalhadores necessitaram fazer arbitragens, regulagens, enfim escolhas para tornar esse

trabalho possível e realizável frente a todas essas mudanças.

Para a área de manutenção as conseqüências foram mais maléficas, pois como houve um

corte considerável nos investimentos, muitas manutenções foram postergadas, adiadas. Sendo

assim, identificava-se o problema, mas não se podia solucioná-lo. Houve uma desaceleração das

ações de campo. O trabalho da manutenção focou mais na elaboração de padrões, manuais de

90

processo, enfim voltado para sistematizar, padronizar as suas atividades, mas sem muita atuação

na área operacional, conforme um trabalhador do setor relata a seguir: “A usina estava parada, sem previsão de operar. (...) As manutenções que a gente poderia fazer estavam praticamente em dia e não tinha nenhum serviço extra, adicional pra ser feito. Então o pessoal começou a ficar parado e a pior coisa pra um funcionário de campo e, que é trabalhador, é você não poder fazer muita coisa, ficar parado quase o dia todo. A gente começou a mudança toda, parte administrativa, começou a escrever procedimento, tentar melhorar o processo de gestão de qualidade (...) mas muitos sentiram nessa burocracia um peso muito grande. O trabalho de campo tava muito reduzido” (Trabalhador U).

Estes trabalhadores, em decorrência da redução do trabalho de campo, permaneceram

por longos períodos sem serem muito solicitados para a execução de trabalhos técnicos no

campo. As suas atividades ficaram mais restritas às funções administrativas de padronizar,

sistematizar, enfim criar e recriar procedimentos operacionais para a área de manutenção.

Entretanto, esta nova ação estava descolada do trabalho cotidiano e de rotinas de inspeções e

consertos de equipamentos na planta, as quais estavam habituados.

Essa interrupção abrupta das atividades de campo por um período prolongado

(praticamente dois anos) acarretou um sentimento de perda da qualidade e da habilidade de

alguns técnicos. Relatam que, ao retornarem às atividades no ano de 2008, sentiram maior

dificuldade para realizar as atividades cotidianas, perda do ritmo de trabalho e esquecimento de

alguns procedimentos operacionais. Mais uma vez estes trabalhadores sofrem um processo

abrupto, pois saem da inércia, no ano de 2008, e entram em um ritmo totalmente acelerado e

intenso de trabalho.

Já na área de operação, os rebatimentos foram menores no que se refere à forma de

trabalhar, pois esta permaneceu inalterada. A essência da operação em nada mudou. Seguem

orientações dos fabricantes das turbinas e a regulação é feita pela ANEEL. Assim, a interferência

na forma de trabalhar é muito mais externa e sofreu pouco impacto das mudanças internas da

unidade.

A mudança mais abrupta está relacionada ao trabalho em conjunto com a área

administrativa para aquisição de bens e serviços. À medida que o processo de compra tornou-se

mais moroso e burocrático, em decorrência do atendimento à lei 8.666/93, foi necessária uma

readequação e uma antecipação das possíveis faltas de materiais e peças para realizar as

atividades de operação da termelétrica. Com isso, estes trabalhadores necessitaram ter um

planejamento maior de suas atividades, prevendo possíveis desfuncionamentos e antecipando a

91

aquisição de alguns produtos ou serviços para evitar a parada das máquinas e da própria operação

da usina.

Outro fato também observado é que nesta unidade, a depender da gestão vigente, os

trabalhadores foram designados para funções distintas. Portanto, trabalhadores que hoje estão na

área de operação, em momentos anteriores desenvolviam suas atividades na área de manutenção

e vice-versa. Trabalhadores que atuavam na área de SMS foram designados para área de operação

e o contrário também foi identificado. Também houve mudança de atuação em outros processos,

pois as pessoas foram reenquadradas em outras tarefas e/ou setores e estas mudanças

permanecem ainda hoje, ocorrendo no interior da termelétrica.

No ano de 2008, a unidade volta a operar sistematicamente, tendo uma geração de energia

contínua, porém se instala um paradoxo. Por um lado, o retorno das rotinas relativas à geração de

energia elétrica traz para esses trabalhadores sentimentos positivos. Sentem-se mais satisfeitos,

recompensados, úteis e produtivos. Há maior garantia da manutenção de seus postos de trabalho.

Por outro lado, acarreta uma carga de trabalho excessiva, penosa nestes trabalhadores, pois não

houve reposição dos que haviam pedido demissão. Sendo assim, as equipes estavam

extremamente reduzidas, enxutas, insuficientes para operar uma planta continuamente. Essa

situação da diminuição do efetivo de trabalhadores até o final deste estudo não havia se

modificado.

Na operação, anteriormente os turnos eram constituídos de seis trabalhadores. Hoje

existem turnos que possuem somente quatro trabalhadores. . Além disso, a escala normal é de 4 x

4, isto é, quatro dias de trabalho para quatro dias de folga. Entretanto, em picos de produção

contínua , a escala é de 4 x 2, os trabalhadores trabalham quatro dias e folgam apenas dois dias.

Na área de manutenção, os trabalhadores atuavam no regime administrativo, porém

necessitavam também trabalhar em regime de sobreaviso26 nos fins de semana. Este regime de

sobreaviso ocorria por dois fins de semana ininterruptos por mês, além da jornada de trabalho

semanal trabalhada.

Esses trabalhadores, de uma hora para outra, saem de um ritmo mais devagar, onde

estavam sendo pouco demandados e, de forma abrupta, vão para um ritmo intenso, de maior

sobrecarga de trabalho. Surgem longas jornadas e pouco descanso, que podem comprometer em

26 De acordo com a Consolidação das Leis Trabalhistas - CLT em seu artigo 244 compreende-se por sobreaviso o trabalhador efetivo que permanece em sua casa, aguardando a qualquer momento ser requerido pela empresa.

92

longo prazo a saúde destes trabalhadores e propiciar maior risco para ocorrência de acidentes de

trabalho.

Em 2009, a UTE abre uma seleção pública para contratação de empregados próprios

termelétrica. Este fato trouxe para estes trabalhadores a sensação de que não era objetivo da

Empresa de energia se desfazer desse efetivo funcional. Apesar deles próprios não terem

ingressado na termelétrica B via concurso público, acreditavam que, à medida que o efetivo

funcional fosse composto por trabalhadores que realizaram concurso público para admissão, o

processo de dispensa ficaria mais dificultoso e não poderia ser feito sem uma justificativa. Além

disso, evidenciava também, que havia um planejamento em longo prazo para a própria

termelétrica em termos de geração de energia.

Apesar de passado quatro anos do processo de mudança de propriedade da UTE, ainda

hoje se identifica uma parcela de trabalhadores, ainda que menor, que apresenta dificuldades de

realizar planejamento pessoal e profissional por períodos maiores que seis meses ou um ano, pois

não tem a sua situação profissional definida, conforme relato a seguir:

“Eu pessoalmente não vislumbro mais que seis meses, mais que um ano. A gente não tem definição do que é o que. Quem é quem. De que forma vai ser. (...) No início, muito medo, hoje nem tanto. (...) Vivemos dessas indefinições. Eu, por exemplo, estou fazendo a reforma da minha casa, mas só to fazendo do lado direito, pois não sei se terei dinheiro para fazer a casa toda” (Trabalhador C).

Verificou-se que, ao longo do processo de aquisição da UTE pela Empresa de energia,

houve uma tendência a ignorar a atividade realizada por este grupo de trabalhadores, com

exceção da operação que teve seus saberes mais preservados. Os demais trabalhadores tiveram

sua forma de trabalhar modificada. Entretanto, ao desconsiderar a inteligência, a criatividade, a

inventividade, a habilidade, a possibilidade de tomada de decisão, que existia anteriormente, para

fazer com que as novas normas dessem conta do trabalho real, incorreu em um grande risco de

que essas novas estratégias de implantação do novo modelo de gestão fracassassem.

Acredita-se que, para criar estratégias eficazes da implantação de um novo modelo de

gestão, se faz necessário estabelecer uma parceria efetiva e de troca de conhecimento com o

conjunto de trabalhadores da termelétrica. São estes trabalhadores que, em seu cotidiano de

trabalho, atuam como agentes de transformação da realidade, criando e recriando a si próprios e

as atividades para realizar o trabalho.

93

A Ergologia se propõe a pensar o trabalho sobre outros pontos de vista, não restringindo

a análise ao pólo mercantil e aos saberes epistêmicos. Convoca a pensar no trabalho e agir sobre

o mesmo, considerando o saber que é próprio dos trabalhadores, o macro e o micro de uma

realidade de trabalho e as normas antecedentes estabelecidas e as variabilidades existentes no dia

a dia. Tudo isso dialogando sinergicamente com as diferentes disciplinas como a Ergonomia, a

Psicodinâmica, a Sociologia dentre outras que buscam analisar e compreender o trabalho. Várias

disciplinas estão presentes pelas diferentes formações dos coletivos de trabalho encontrados nesta

UTE, tais como a Engenharia, Administração, Contabilidade e outras que também, indiretamente,

dialogaram conosco neste processo de construção do conhecimento.

Por isso, no decorrer desta análise buscou-se dar conta desta complexidade, evidenciando

o trabalho vivo, presente nesta organização. Enfim, tentando desvelar o trabalho dessas pessoas

face ao processo de mudança de propriedade.

A seguir, será apresentado o ponto de vista da Empresa de energia sobre o processo de

mudança de propriedade das UTEs, tentando compreender a lógica de aquisição dessas empresas

para a Empresa de energia.

4.3- A aquisição das termelétricas: sob o ponto de vista da Diretoria de Gás e Energia

De modo a ter maior subsídio para compreender a problemática exposta e possibilitar uma

análise que contemplasse diversas óticas do problema em questão, fez-se necessário realizar

entrevista com a ex-diretoria de Gás e Energia. Ela é a responsável pelo processo de

incorporação aos ativos da Empresa de energia de doze termelétricas, inclusive as UTEs A e B,

nos anos de 2005 e 2006.

Isso foi necessário mediante a falta de possibilidade de a compreender, em sua totalidade,

o processo de aquisição sob a do pólo da atividade, portanto foi necessário triangular com o pólo

do mercado e do político para desvelar em sua complexidade o processo de aquisição destas

termelétricas.

Foi entrevistado o ex-gestor da Área de Negócio (2003- 2007), buscando-se informações

relativas ao planejamento deste processo de aquisição e os motivos que levaram a essas compras,

bem como o modo com que ele foi conduzido pela Empresa de energia.

94

Constatou-se que a participação da Empresa de energia nos consórcios de geração de

energia fez parte de um programa de governo PPT, que no período do apagão em 2001 incentivou

empresas estrangeiras a investir em termoeletricidade no Brasil. Entretanto, a Empresa de energia

participou na maior parte desses consórcios com aportes financeiros para viabilização dos

empreendimentos no país.

O PPT possuía três modelos de contratos existentes para o incentivo da utilização de

termoeletricidade no país, sendo que o mais danoso e prejudicial para Empresa de energia era o

vigente nessas duas unidades estudadas. Vale lembrar que neste contrato era prevista uma

cláusula contigencial que garantia aportes financeiros à termelétrica, caso esta não obtivesse

receita suficiente por cinco anos. Além disso garantia o fornecimento de gás e a compra da

energia gerada nestas unidades.

Este modelo de contrato mais danoso para Empresa de energia existia em três

termelétricas, nas duas UTEs estudadas e em uma termelétrica no estado do Ceará. Com a

renegociação desses três contratos haveria uma redução dos prejuízos, que seriam em torno de

U$ 2.3 bilhões de dólares em cincos anos para U$ 1.5 bilhões de dólares. Além disso, nos

contratos anteriores à Empresa de energia, teria o prejuízo financeiro e, ao final dos cinco anos,

não teria nenhum empreendimento. Com a renegociação, apesar do prejuízo, ainda que menor, as

termelétricas pertenceriam à Empresa de energia. Assim, o motivador principal destas aquisições

foi à minimização dos prejuízos advindos desse modelo de negócio.

Houve mudança no cenário de geração de energia, tornando esse negócio oneroso para

Empresa de energia. Na época foi contratado um grupo de juristas, advogados e economistas para

analisar os danos econômicos e jurídicos decorrentes deste negócio para Empresa de energia, de

modo que pudesse entrar em processo de arbitragem e propor uma renegociação destes contratos.

Esta era a única solução possível no momento. Apesar da diretoria da época acreditar que

seria possível o anulamento destes contratos, esta hipótese politicamente não era cogitada, pois

estes acordos eram um passivo da gestão de Fernando Henrique Cardoso. e a gestão da época,

Lula, não tinha intenção de rompê-los, pois isso poderia trazer uma série de implicações políticas

para o governo vigente.

Verifica-se neste contexto a pressão e tensão imposta neste momento pelo pólo do

político, onde o cenário não era favorável para a contestação dos contratos das UTEs . De certa

forma, isso determinou a decisão de compra das usinas.

95

O único caminho possível era renegociar os contratos, pois existia um mecanismo

contratual que permitia este procedimento devido às mudanças no cenário energético, caso

houvesse um desequilíbrio econômico e financeiro de uma das partes. Após um longo processo

de negociação junto ao pool de bancos proprietários da termelétrica A foi efetuada a venda da

termelétrica à Empresa de energia. No caso da termelétrica B, não foi possível uma negociação

inicialmente, sendo necessário recorrer à Corte de Arbitragem Internacional para ter uma decisão,

porém na fase final do processo as partes chegaram a um acordo amigável e o processo foi

encerrado na Corte Internacional. Neste momento, verifica-se a dominância do pólo econômico

ou mercantil, pois o determinante era a questão financeira e minimização dos prejuízos

econômicos, não pesando neste momento para a tomada de decisão os trabalhadores lotados nesta

unidade e tampouco o trabalho desenvolvido pelos mesmos. É comumente verificado nas

organizações de trabalho esta tendência de renegar o pólo da atividade, esquecendo-o,

desconsiderando-o nas tomadas de decisões, não sendo prerrogativa exclusiva da Empresa de

energia esta negação.

Efetuada a compra da UTE A foi deliberado pelo Conselho de Administração - CA da

Empresa de energia que a empresa continuaria autônoma, principalmente por uma questão

tributária. Assim, poderia abater parte das dívidas passadas, através de descontos de impostos e

tributos devido ao déficit fiscal anterior. Esta decisão de manutenção do CNPJ ativo foi ampliada

para todas as termelétricas adquiridas posteriormente, inclusive a termelétrica B.

Entretanto, apesar de possuírem CNPJ diferente, também foi deliberado que seriam

incorporados nestas termelétricas os padrões da Empresa de energia, o modelo de gestão. Os

trabalhadores, inicialmente, permaneciam com vínculo da própria termelétrica e não seriam

incorporados, sendo que, ao final desses cincos anos, esse CNPJ seria extinto e incorporado ao

CNPJ da Empresa de energia.

Cabe sinalizar que, caso a decisão inicial fosse a incorporação das UTEs ao ativo da

Empresa de energia, não havia nenhum impedimento legal para que estes trabalhadores fossem

incorporados e absorvidos ao efetivo funcional da Empresa, tal como os demais empregados, isto

é, um petroleiro. Essa decisão, porém não era consenso dentro da própria diretoria da época, pois

havia alguns grupos bastante resistentes à admissão de trabalhadores que não por via de concurso

público à Empresa de energia.

96

O fato de estas empresas permanecerem autônomas por cinco anos trouxe muitas dúvidas,

incertezas de como seria esse processo de incorporação dos trabalhadores, passado esse período.

No momento da pesquisa, a termelétrica A já possuía mais de cinco anos do processo de

mudança de propriedade e não houve alteração do vínculo funcional destes trabalhadores,

permanecendo próprios termelétricas.

De modo a extinguir a resistência da incorporação destes trabalhadores, a Diretoria de

Gás e Energia decidiu realizar concurso público para admissão de empregados próprios das

termelétricas. Eliminaria, assim, as resistências das alas da empresa contrária à incorporação

dessas pessoas e atenderia ao Tribunal de Contas da União - TCU, pois dessa forma não haveria

impedimento posterior para a extinção do CNPJ das termelétricas e absorção da mão de obra à

Empresa de energia.

Enfim, esse cenário apesar de ter sido pensado, planejado e estruturado, por algum

motivo não foi informado claramente a estes trabalhadores e, com a substituição da diretoria de

Gás e Energia em 2008, alguns destes planos foram modificados, alterados, tornando cada vez

mais complexo o híbrido de vínculo formado nestas unidades.

A seguir será feito um breve comparativo das principais semelhanças e diferenças

ocorridas no processo de aquisição das duas termelétricas. Não se pretende elencar os motivos

das diferenças, mas simplesmente realizar uma análise comparativa de dois processos distintos de

aquisição de termelétricas pela Empresa de energia.

4.4 - Comparação sobre os processos de aquisição das UTEs A e B

A seguir serão elencadas as principais semelhanças observadas no processo de aquisição

das termelétricas A e B. Aspecto Semelhança entre as UTES

Contrato de geração de Energia

Possuíam no contrato de geração de energia cláusula contigencial.

Á área de operação foi preservada e seus saberes foram

considerados após a mudança de propriedade.

Quanto aos procedimentos e percepções do

trabalho

Os setores administrativos tiveram seus trabalhos profundamente

modificados.

97

Os trabalhadores sofreram com as incertezas da manutenção de

seus postos de trabalho.

Permaneceram por longos períodos trabalhando com os dois

modelos de gestão.

Parte dos sistemas operacionais da empresa anterior foram

mantidos inicialmente.

Sistemas de Gestão Diversos sistemas foram implantados abruptamente e sem

treinamento adequado.

Demissão Voluntária

Inúmeros trabalhadores solicitaram demissão no processo de

mudança de propriedade. (Na UTE A foram 10 e na UTE B 18

trabalhadores)

As termelétricas permaneceram sem funcionamento por longos

períodos

Operação da UTE

Em 2008, com as vendas nos leilões de energia, as UTEs

voltaram a operar sistematicamente.

Foi implementado o PCAC nas UTEs.

Plano de Cargos e Salários - PCAC O PCAC é diferente do da Empresa de energia.

Participação nos Lucros e Resultados - PLR

A PLR foi implementada a partir de 2009 com a denominação de

GDO.

São representados por sindicato dos eletricitários

Representação Sindical Não há negociação sindical e coletiva através dos sindicatos dos

petroleiros, tampouco com os demais sindicatos dos eletricitários.

Não se sentem empregados petroleiros.

Não sabem definir claramente quem são seus empregadores.

Não se definem também como terceirizados.

Ainda hoje não sabem de fato qual será o desfecho para o hibrido

formado em decorrência da mudança de propriedade

Vínculo Empregatício O CNPJ de seu empregador manteve-se inalterado, somente o

proprietário da empresa modificou-se.

Corpo Gerencial nas UTEs após a mudança de

propriedade

Após a mudança de propriedade inúmeras vezes houve mudança

no corpo gerencial das termelétricas A e B.

Tabela 01: Quadro Comparativo das semelhanças no processo de aquisição das UTEs de A e B.

98

Verifica-se que foram comuns às duas unidades os sentimentos de perda de seus postos de

trabalho, e a ausência de uma comunicação efetiva e clara sobre o futuro profissional dessas

pessoas. Em ambas as termelétricas, o processo de mudança de propriedade foi muito abrupto,

sem planejamento, sem realizar a escuta e acolhimento dos temores destes trabalhadores,

buscando esclarecer e dirimir as dúvidas existentes dessas pessoas que vieram junto com as

instalações físicas das unidades.

Também se constatou que estas térmicas foram compradas com objetivo de reduzir os

prejuízos de um negócio mal sucedido, pois estas unidades eram vistas como geradoras de

prejuízos econômicos e financeiros. Entretanto, há uma mudança de postura da própria Empresa

de energia, a partir de 2007, para tornar as termelétricas mais operantes e disponíveis para o

sistema energético brasileiro. Conseqüentemente, isso resultou em um aproveitamento maior e

melhor da força de trabalho existente e, em contrapartida, possibilitou ganhos e conquistas

econômicas para esses trabalhadores.

O quadro, abaixo, apresenta as principais diferenças identificadas no processo de

aquisição das termelétricas adquiridas pela Empresa de energia. Apesar da aquisição de ambas as

unidades terem sido feitas pela mesma adquirinte, verificou-se diferenças e peculiaridades no

processo que trouxeram implicações diferenciadas para o conjunto de trabalhadores das

termelétricas A e B.

Acredita-se que essas diferenciações se deram principalmente pela gestão que conduziu o

processo em cada unidade, além do próprio coletivo de trabalhadores presentes em cada unidade,

que, a depender da mobilização, união e articulação sindical pode avançar ou retroceder na

conquista de direitos, benefícios e condições de trabalho em cada termelétrica.

Aspecto Empresa A Empresa B

Período da aquisição 2005 2006

Empresa administrada por um pool de

bancos devido à falência da empresa

americana Enron.

Empresa administrada pelo grupo

estrangeiro El Paso.

Quanto à administração

UTE permaneceu dois anos antes da

aquisição sem uma gestão

administrativa efetiva.

Forte atuação da empresa

multinacional El Paso na gestão da

termelétrica.

Negociação direta com os bancos Processo de Arbitragem Internacional.

99

estrangeiros.

Processo de Venda

Comunicação da venda somente após a

efetivação da negociação entre as partes.

Comunicação prévia durante o

processo de negociação.

Foram destituídos imediatamente após a

aquisição.

Foram mantidos no primeiro ano da

mudança de propriedade da UTE.

Passaram a atuar como assessores da

nova gestão, mas sem poder decisório.

Outros funcionários da UTE passaram

a exercer função de confiança, mas sem

o reconhecimento formal.

Ex-Gestores Subaproveitamento desta mão de obra

especializada.

Aproveitamento desta mão de obra

especializada.

Mão de obra exclusivamente de

trabalhadores da termelétrica A até o

momento da aquisição.

Mão de obra constituída de

trabalhadores da termelétrica B e de

terceirizados, mesmo antes da mudança

de propriedade.

Foram colocados de lado e tiveram uma

sobreposição de papéis com a chegada

dos terceirizados.

Não houve sobreposição de papéis.

Área de manutenção praticamente foi

extinta, pois trabalhadores pediram

demissão.

Área de manutenção manteve-se na

UTE, porém tiveram um

subaproveitamento.

Área de manutenção constituída

majoritariamente de trabalhadores

terceirizados.

Mão de obra majoritariamente própria

da UTE.

Trabalhadores

Turnos com quadro de trabalhadores

completos.

Turnos incompletos, requerendo

diminuição nos descansos dos

trabalhadores.

Possui cláusula para evitar demissões

sumárias e sem justa causa.

Não possui cláusula para garantir os

postos de trabalho.

Acordo Coletivo de Trabalho Alguns trabalhadores não foram

enquadrados no PCAC.

Houve enquadramento de todos os

trabalhadores no PCAC.

Salários

Possuíam altos salários antes do

processo de aquisição, a incorporação os

manteve.

Tiveram benefícios e ganhos com a

incorporação.

Demissões Não houve demissão depois do processo

de aquisição.

Houve demissão depois do processo de

aquisição. Tabela 02: Quadro Comparativo das diferenças no processo de aquisição da UTE A e B.

100

101

A seguir, pretende-se analisar como esse processo de mudança de propriedade trouxe

implicações no dia a dia de trabalho desses trabalhadores, verificando como a mudança na gestão

trouxe a necessidade de mudar os modos operatórios, tendo em vista que o trabalho prescrito foi

profundamente modificado, foi instituída uma série de normas, antes não consideradas na

realização do trabalho. Foi requerido destes trabalhadores realizarem renormatizações para

viabilização de seu trabalho cotidiano. Isso ocorreu à medida que mudou todo o contexto do

trabalho, as orientações, as diretrizes de funcionamento, aquisições de bens e serviços, a

instituição de novos padrões e procedimentos de trabalho e as próprias relações institucionais

estabelecidas anteriormente. Enfim, como as pessoas tiveram que dar conta destas novas

demandas postas em seu ambiente de trabalho e as estratégias para torná-las visíveis.

Esta análise não será feita por UTE e sim de forma geral, sinalizando as mudanças mais

significativas e as similares nestas unidades. Entende-se que há particularidades em cada um dos

processos de mudança de propriedade, pois são coletivos distintos e singulares, mas verifica-se

que, de maneira geral, existem pontos bastante semelhantes neste processo nas duas unidades

estudadas e que podem ser analisados em conjunto.

A compreensão desta dinâmica de mudança é de suma importância para, posteriormente,

entender as possíveis implicações destas alterações na saúde e segurança destes trabalhadores.

Toma-se o conceito de saúde proposto por Canguilhem (2000) como referência nesta análise, isto

é, algo em movimento e que está relacionado à capacidade de enfrentamento das situações pelos

viventes, portanto não pode e nem deve ser como algo estático, inerte. Além disso, como algo

que é próprio de cada indivíduo, movimento de resistência e luta em prol da manutenção de sua

própria saúde.

5- As mudanças ocorridas na gestão do trabalho das termelétricas e as

implicações na saúde e segurança dos trabalhadores.

Neste item pretende-se analisar como a mudança de propriedade alterou o trabalho

cotidiano do conjunto de trabalhadores lotados nestas duas termelétricas, ou seja, como a

mudança de gestores e proprietário trouxe conseqüências e implicações para a atividade

cotidiana dessas pessoas. Serão analisadas, em seguida, as implicações destas mudanças na

saúde e segurança destes trabalhadores.

Apesar de reconhecer essas diferenças e entender o coletivo de trabalho de cada unidade

como único e singular, optou-se por apresentar as mudanças ocorridas na gestão do trabalho, de

forma coletiva e unificada. Observa-se uma série de processos idênticos em ambas às unidades,

além das vivências dos trabalhadores serem semelhantes.

5.1- As mudanças ocorridas na gestão do e no trabalho das termelétricas.

Conforme relatado anteriormente, a área de operação nestas UTEs foi totalmente

preservada, mantida intacta e valorizada. Os trabalhadores desse setor relatam que sentiram maior

garantia de seus postos de trabalho, em virtude do “know how” que possuíam e pela ausência de

pessoal especializado na empresa de energia para operar esse tipo de unidade operacional.

Estes trabalhadores, em virtude de sua atividade ser mais circunscrita à própria

termelétrica, sentiram poucos reflexos com a mudança dos proprietários da UTE no que se refere

ao cotidiano de trabalho. Além disso, a atividade de operação segue procedimentos instituídos

pelos fabricantes dos equipamentos e são regulados pela ANEEL, portanto, o proprietário da

UTE exerce pequena interferência.

Desta forma, esses trabalhadores permaneceram seguindo os procedimentos e padrões já

adotados anteriormente. A única ressalva foi que, a partir da aquisição, todos os documentos

referentes aos procedimentos e padrões foram armazenados em um sistema informatizado de

gerenciamento de padrões denominado SINPEP. A forma impressa não foi mais utilizada.

Entretanto, identificou-se a necessidade de trabalharem com uma lógica de antecipação

maior, prevendo possíveis faltas de equipamentos e serviços em virtude das dificuldades de

efetivar as contratações. Vale lembrar que o fato das UTEs passarem para a gestão de uma

102

empresa de economia mista fez com que fossem regidas pela lei 8.666/9327. Esta lei institui

normas para licitações e contratos da Administração Pública, requerendo uma série de trâmites e

procedimentos a serem adotados para compra de qualquer material, aumentando, assim,

consideravelmente o tempo de aquisição de bens e serviços.

O processo tornou-se mais moroso, burocrático e dificultoso e, muitas vezes,

incompreensível para trabalhadores regidos por uma lógica de empresa privada anterior. Isto fez

com quem, inicialmente, os trabalhadores tivessem muitas dificuldades e até um pouco de revolta

com o tempo necessário para aquisição de um serviço ou equipamento.

Esses trabalhadores estavam acostumados a uma lógica de empresa privada, onde

primeiramente não trabalhavam com grande estoque de peças. Além disso, quando era necessária

a aquisição de um produto e/ou equipamento, simplesmente iam ao mercado e o compravam, sem

nenhum trâmite burocrático. Portanto, a lógica de trabalho não requeria uma antecipação em

longo prazo e nem previa possíveis variabilidades ou desfuncionamentos no sistema produtivo a

priori, conforme verbalizado, a seguir:

“Você precisava de um parafuso, você ia lá e comprava. Agora três cotações, montar um processo. Você tem que prever no mínimo três meses antes que o parafuso pode acabar, senão você fica sem o parafuso” (Trabalhador V).

Concorda-se com Wisner (1996) que a ação de dar respostas às variabilidades28 é uma

forma de gestão do trabalho, portanto, a todo o momento, estes trabalhadores necessitam fazer

escolhas, tomar decisões, gerir a situação de trabalho, face aos imprevistos ocorridos. Sendo que

quanto maiores são as variabilidades, menores são as possibilidades de antecipação e maior

competência é requerida do trabalhador para dar conta do trabalho real.

À medida que se mudou a lógica de trabalho, uma competência diferenciada foi requerida

destes trabalhadores, a qual não era exigida anteriormente para gerir o seu trabalho. Tal

27 Esta lei regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Subordinam-se ao regime desta lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. 28 Entende-se por variabilidade, conforme descrito por Guerin et al (2001) o conjunto de eventos que ocorrem na atividade real do trabalho, seja ela, advinda da organização do trabalho, os equipamentos, as próprias características dos trabalhadores, entre outras que fazem com a atividade real dos trabalhadores seja bastante diferente do planejado, o prescrito.

103

competência evitava que a produção fosse interrompida pelos atrasos das chegadas de materiais

necessários para a realização das atividades cotidianas.

Com isso, muitas vezes se faz necessário prever que determinado material pode vir a

faltar e antecipar os pedidos, o que pode levar até seis meses. Essa medida objetiva garantir que,

no momento de necessidade, o material não venha a faltar e proporcionar perdas na produção.

Para isto, o trabalhador evoca o seu saber investido29, pois sem ele não seria possível realizar o

seu trabalho real.

Para execução da atividade de trabalho cotidiana necessita-se, a todo o momento, realizar

renormatizações, pois somente as normas e procedimentos estabelecidos não são suficientes para

prever as variabilidades deste meio. Dentre estas variabilidades podemos citar: a ocorrência de

um acaso não previsto (por exemplo, a quebra de uma peça do equipamento) e etc.

Apesar de todo o reconhecimento do saber tácito dessas pessoas, isto não trouxe, em

contrapartida, uma possibilidade de ascensão profissional nas termelétricas. Os operadores

atualmente podem alcançar somente a função de supervisor de turno. Os cargos gerenciais não

podem ser ocupados por trabalhadores das termelétricas, somente por empregados petroleiros.

Esta ausência de progressão funcional é tida como nociva e desestimulante para os trabalhadores,

pois independente de seu desempenho profissional não poderão ocupar novos cargos ou funções

superiores na hierarquia funcional. Além disso, não vislumbram, em curto e médio prazo, que a

Empresa de energia altere esse cenário. Para um trabalhador “só um milagre o faria sair de

operador”.

Neste contexto constata-se um paradoxo: apesar de todos os operadores sinalizarem que

houve um reconhecimento de seus saberes, por outro lado, identificam que não houve nenhum

investimento e plano de retenção para mantê-los nas UTEs.

Além disso, apesar do reconhecimento do saber destes trabalhadores, os mesmos sentem-

se aquém de suas capacidades funcionais, com poucos desafios profissionais e que, face à alta

capacidade, poderiam ser mais bem aproveitados e requeridos pela Empresa de energia. Um

trabalhador evidencia este subaproveitamento: “Eu não te digo que melhorou ou te diria que foi amenizado porque as pessoas desistiram, jogaram a toalha. Agora tão dançando conforme a música. As pessoas se moldaram à nova estrutura e se não pode com ele junte-se a ele. Hoje na minha parte técnica eu tenho um subaproveitamento absurdo, um por causa de gestão em termos de

29 A perspectiva de compreensão de saber investido nesta pesquisa compreende: o saber investido porque ele remete à especificidade da competência adquirida na experiência da gestão de toda atividade de trabalho. E essa experiência é investida nessa situação única e histórica. (Trinquet, 2010: 153)

104

incapacidade de gestão. Você não consegue fazer o que realmente deveria fazer por falta de pessoal, não consegue fazer sua gestão de maneira correta” (Trabalhador V).

Um fator bastante interessante e apontado como positivo por este conjunto de

trabalhadores se refere a uma maior preocupação com as questões de Segurança Operacional e

Meio Ambiente. A Empresa de energia possui padrões mais restritivos de trabalho, devido à

complexidade de suas outras áreas de atuação, entretanto, algumas vezes, esses padrões são

restritivos demais para uma realidade de uma empresa de geração de energia. Segundo os

trabalhadores, as UTEs possuem uma complexidade menor do que refinaria, por exemplo. Um

trabalhador explicita essas dificuldades, a seguir:

“E se falando de um universo pequeno, é mais simples de operar que uma refinaria que tem outra complexidade, (...) A liberação do serviço acaba sendo mais demorada, tempo de execução fica maior, implica em um custo maior também, para cumprir uma norma mais restrita, você acaba comprando ou aluga um equipamento mais caro e,, em certos casos, gera até um pouco de indisposição” (Trabalhador V).

Em alguns momentos, os trabalhadores julgam que os procedimentos e padrões poderiam

ser flexibilizados, mais adequados ao seu grau de risco, pois parte destes padrões foi criada para

uma realidade de maior complexidade, como o refino ou a exploração de petróleo, sendo

superdimensionada para sua realidade.

O outro grupo identificado nas duas UTEs são os trabalhadores da área administrativa.

Estes tiveram uma profunda transformação do seu fazer profissional, tendo, em alguns

momentos o seu saber totalmente desconsiderado e suas atividades substancialmente

modificadas, pois necessitavam adequar-se a um novo modelo de administração. Parte destes

trabalhadores teve que exercer outro tipo de função e de trabalho, em decorrência das mudanças

organizacionais oriundas do processo de mudança de propriedade.

Surge como conseqüência deste processo de mudança de gestão, a necessidade de

reformular os processos e adequá-los ao modelo de gestão do novo proprietário30. Isso

acarretou um processo de mobilização desses trabalhadores, no sentido de apreender uma nova

forma de trabalhar, porém, de forma abrupta, e sem muito treinamento.

30 A Empresa de energia possui um modelo de gestão, onde a empresa é dividida por segmento de negócio, porém todas são regidas por padrões corporativos que norteiam as práticas de todos esses segmentos, adaptadas às particularidades da área de negócio. Além disso, existe também uma segmentação em diversas áreas como Recursos Humanos, Jurídico, Financeiro e Contábil, de modo a dar conta de assessorar todas as partes desta empresa de grande porte. Isso representa que existem diversos jurídicos, por exemplo, cada qual especializado em uma área de atuação.

105

Isso gerou um choque organizacional, pois eram majoritariamente trabalhadores

experientes, capacitados e com domínio em seus processos de trabalho. Portanto, houve uma

mudança na lógica de gerir o negócio e o fato de ser uma empresa de economia mista trouxe uma

série de obrigações, rotinas antes não realizadas e que, de uma hora para outra, tiveram que

apreender.

Além disso, sentiram-se desprestigiados, rebaixados e até com certa revolta, pois seus

saberes já acumulados, desenvolvidos para gerir os processos anteriormente, em nada foram

considerados neste novo contexto. Schwartz (1998) aponta para essa questão da competência,

pois de uma hora para outra, trabalhadores habilidosos, competentes, em virtude de mudanças

organizacionais, tais como a implantação de novo software, tornam-se ultrapassados, obsoletos

em seu saber profissional, conforme destaca abaixo:

“Tal desvantagem é às vezes vivenciada de modo doloroso: quantas pessoas não chegaram a entrar em pânico, sentir-se desvalorizadas, e em longo prazo fragilizadas no seu emprego, por não dominarem a informática, novas instalações, novos procedimentos? Tornavam-se obsoletas por falta de ‘tecnicidade’" (Schwartz, 1998, p.112).

Uma trabalhadora relata esse conflito e suas dificuldades devido a toda essa mudança

advinda do processo de aquisição:

“Tive sim, muita dificuldade. Eu não entendia, eu não falava a mesma língua, não sei, por nunca ter trabalhado em empresa pública eu não falo a mesma língua. O final é a mesma coisa, mas a linguagem é muito diferente. Eu tive muito problema. Problema que eu digo é de relacionamento, eu não sei nem explicar. Eu não me entendia com os gerentes. Não dava certo” (Trabalhador B).

Esse processo gerou nestes trabalhadores a falta de reconhecimento e pertencimento ao

grupo, e com isso concorda-se com Sznelwar e Uchida (2004) que abordam a questão do

reconhecimento sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho. Para estes autores, a construção da

identidade no trabalho passa pelo reconhecimento que os outros fazem do trabalho alheio. Este

julgamento não se dá simplesmente pelo modo de fazer, mas à medida que se faz julgamento de

valores do trabalho (in) diretamente julga-se o próprio valor do indivíduo trabalhador. Corrobora

com esta perspectiva Dejours (2004, p.62) quando sinaliza que “a dinâmica do reconhecimento

das contribuições para com a organização do trabalho empenha de fato a problemática de saúde

mental”.

106

Como parte deste processo de mudança, estes trabalhadores necessitaram aprender a

utilizar diversos sistemas, gerando uma série de dificuldades para lidar com os novos programas,

em especial o sistema denominado SAP31. Alguns trabalhadores foram treinados e tiveram que

repassar os conhecimentos internamente para os demais integrantes da equipe, porém este

processo foi extremamente dificultoso e conflituoso. A maioria teve que “aprender” no dia a dia,

no momento de realização de suas atividades, pois, de uma hora para outra, foi necessário

alimentar as informações, somente neste novo sistema.

A seguir, uma trabalhadora relata a forma de implantação desses sistemas, demandando

uma série de obrigações para atender as orientações corporativas, mas não tendo, em

contrapartida, os treinamentos e tempo necessários para o aprendizado, enfim as condições

adequadas para realização de seu trabalho:

“No começo, eu sinto principalmente com esse negócio de SAP foi muito revoltante, Porque muita coisa veio de “guela abaixo”. A gente tinha que aprender e muitos não tiveram como eu. Não tive oportunidade de ter o treinamento adequado. (...) Você realmente ficava com a raiva, por que você ser obrigada a trabalhar naquilo ali, sem ter condição para fazer, sem ter um treinamento adequado é muito ruim” (Trabalhador L).

Um fator relevante evidenciado foi a criação de diversos grupinhos de trabalhadores, as

“panelas”, no jargão organizacional, de acordo com o vínculo empregatício. Na área de operação,

devido à atividade de trabalho estar mais restrita à sala de controle, isso não foi verificado, além

do fato também de, neste setor, estar presente majoritariamente os próprios termelétricas.

Entretanto, principalmente na área administrativa das UTEs, verificou-se a ocorrência

desta segmentação de trabalhadores, o que, muitas vezes, levou a boatos, “disse-me-disse”,

enfim, uma situação de mal-estar que traz implicações diretamente no ambiente de trabalho, na

realização das atividades e para os coletivos de trabalho.

Uma peculiaridade da UTE B foi que se identificaram também problemas de

relacionamentos interpessoais entre os próprios termelétricas, fato que não se constatou na UTE

A. A fala, a seguir, expressa essa desmobilização do grupo na UTE B:

“A equipe aqui, um chamava o outro de irmão. Era um grupo bem fechado mesmo. De sair todo mundo junto. Ir para hotel fazenda. (...) O relacionamento interno mesmo. (...) Tem pessoas que dizem que ela (Empresa de energia) fez isso por querer, de criar

31 Este sistema tem como objetivo integrar toda a base de informações da empresa. Neste sistema são geradas as folhas de pagamento dos empregados, controle de presença, gerenciamento de viagens, dentre outras funcionalidades.

107

conflito interno. Porque a gente era muito fechado, muito unido. Tem pessoas que dizem que ela (Empresa de energia) implantou essas discórdias para abrir um pouco, desmanchar a união que tinha aqui dentro. A gente tem conflito entre nós próprios termelétricas. Batia em um doía em cinqüenta. Agora bate em um, vai doer em um” (Trabalhador Z).

Além das questões evidenciadas acima como particulares de determinados grupos de

trabalhadores, também se identificou implicações para todo o conjunto de trabalhadores nas duas

UTEs.

Verificou-se que ambas as termelétricas permaneceram praticamente paradas durante os

primeiros dois anos da aquisição. Este período de interrupção da operação criou a representação

entre os trabalhadores de que a Empresa de energia os via como “dispensáveis” para o processo.

Representação incentivada pelo fato das térmicas não serem lucrativas e rentáveis, naquele

momento, à Empresa de energia. Reforçando a idéia de que, a qualquer momento, as UTEs

seriam desmontadas e os trabalhadores demitidos.

Esta interrupção na operação se deu em decorrência da alteração do cenário energético

brasileiro, onde havia estabilidade dos reservatórios de água, tornando a energia elétrica, gerada

nestas unidades, menos rentável. Além disso, a própria Empresa de energia, não possuía gás

natural para fornecer a estas unidades para viabilizar a sua operação. Por isso, ficaram da data de

sua aquisição até 2008, realizando apenas despachos eventuais, por solicitação da ANEEL,

permanecendo a maior parte do período sem operar.

Isso trouxe uma série de reflexos para esses trabalhadores, pois houve um esvaziamento

de suas atividades, tornando-as mais rotineiras, burocráticas e pautadas na área administrativa.

Entretanto, mesmo com a redução das atividades, são efetuadas contratações de mão de obra

terceirizada, especialmente na área administrativa das termelétricas. Tal fato fez com que muitos

destes trabalhadores acreditassem que, tão logo o trabalho fosse absorvido pelos novos

contratados, seriam substituídos.

Em face desse contexto foi criada uma situação de rivalidade, sobreposição de papéis,

que dificultou o processo de cooperação, solidariedade dos coletivos de trabalhos, pois não

identificam seus colegas de trabalho como pares, mas sim rivais ou concorrentes. Em alguns

casos, as adversidades organizacionais viraram problemas pessoais, gerando conflitos de

relacionamento interequipe.

108

Até hoje, esses problemas não foram totalmente resolvidos, apesar de terem sido

minimizados, entretanto, nas palavras de um trabalhador “é difícil cicatrizar as feridas abertas”.

Constatou-se que, atualmente houve uma diminuição do temor de que os terceirizados ocupem os

postos de trabalho dos próprios termelétricas, porém isso não resultou na melhoria das relações

interpessoais entre os grupos.

Concorda-se com Dejours (1992) quando este afirma que o contexto de rivalidade no

ambiente de trabalho pode proporcionar o enfraquecimento dos coletivos de trabalho. Isto

prejudica as relações de solidariedade, cooperação entre os indivíduos e este enfraquecimento

induz a uma dificuldade nas interelações de trabalho e, em alguns casos, gera sofrimento

patogênico.

Acrescenta-se ao bojo da discussão o fato de não se ter identificado que estes

trabalhadores (próprios e terceirizados) juntos tenham constituído um Coletivo de Rede, mas sim

um Coletivo de Tarefa. Compreende-se Coletivo de Rede como “dimensão coletiva que

atravessa todas as atividades de trabalho, sendo engendrada antes, durante e depois da situação

de trabalho” (Athayde, 1996, p. 68). Para a realização das atividades cotidianas, estes

trabalhadores próprios e terceirizados necessitam ter uma rede colaborativa para obtenção dos

resultados, mas não se identifica a construção de uma história partilhada, uma construção

histórica do e no trabalho.

Assim, a terceirização neste contexto pode ser compreendida como uma das modalidades

de organização da produção na atualidade, que gera nos trabalhadores “uma amputação de sua

história coletiva”, conforme descreve Clot (2006:50). Estes trabalhadores anteriormente tinham

um saber acumulado, uma experiência, modos de vida e trabalho e foi introduzida uma nova

forma de organização do trabalho, que requereu transformações na atividade de trabalho e trouxe

à tona novas problemáticas a serem respondidas por essas pessoas.

A partir de 2008, houve mudança no cenário, à medida que a Empresa de energia entrou

nos leilões de energia32. Essa participação garantiu entrada de receita para as térmicas

participantes do leilão, mesmo que não estivessem operando continuamente, pois a UTE é

remunerada pela disponibilidade em ofertar a energia elétrica, caso necessário, ao sistema elétrico

brasileiro.

32 De acordo com CCEE, os leilões de energia elétrica de empreendimentos existentes estão previstos no art. 19 do Decreto nº 5.163, de 30/07/2004, com redações modificadas, conforme o Decreto nº 5.271, de 16/11/2004 e o Decreto nº 5.499, de 25/07/2005, objetivando a venda de energia elétrica proveniente de empreendimentos existentes para atendimento às necessidades de mercado das distribuidoras.

109

Verifica-se com isso, que houve uma retomada das atividades, antes paralisadas, tais

como a manutenção e operação nestas unidades. Tal retomada trouxe um melhor aproveitamento

do efetivo funcional, pois, à medida que a unidade opera sistematicamente, garante a

manutenção dos postos de trabalho, trazendo para os trabalhadores a sensação de utilidade e

produtividade.

Em 2009, identificou-se que a Empresa de energia elaborou e implementou a proposta de

enquadramento no Plano de Classificação e Avaliação de Cargos - PCAC dos empregados das

UTES, demanda antiga nas reivindicações sindicais e trabalhistas. Com isso, foi instituído nos

ACTs de todas as termelétricas o plano de carreiras, que tinha como objetivo avaliar o

desempenho anual de todos trabalhadores e conceder aumento no nível salarial e progressão na

carreira, em função do desempenho profissional.

Verificou-se que nas duas UTEs alguns trabalhadores não foram enquadrados no PCAC,

em decorrência da função que exerciam ou dos salários recebidos, tornando-se “extraplanos”. Na

UTE B, isso ocorreu, inicialmente, com dois trabalhadores, que, posteriormente, foram

enquadrados. Já na UTE A, cinco trabalhadores permaneciam “extraplanos,” até a data desta

pesquisa. São eles os antigos gerentes e dois outros trabalhadores que possuíam formação

profissional inexistente no quadro funcional da Empresa de energia.

Esta questão trouxe instabilidade e insegurança para os “extras-planos”, pois

anteriormente cada UTE constituía um grupo homogêneo, sem diferenciação e, com a criação do

PCAC, esses trabalhadores não receberam alguns benefícios fornecidos ao conjunto dos

trabalhadores, sendo reajustados os salários pelos índices da inflação. Permanecem estagnados na

carreira e não são avaliados por seus desempenhos profissionais. Um trabalhador denomina a sua

atual situação profissional como uma “regressão funcional, enquanto os outros têm uma

progressão funcional”.

O PCAC, apesar de não ter sido plenamente implantado e não contemplar todos os

trabalhadores é considerado um grande avanço e ganho para os trabalhadores de ambas as UTEs.

Permitiu uma perspectiva de concessão de avanços de níveis e promoção, de forma que não

permaneçam com os salários congelados e estacionados na carreira. Entretanto, apesar de ser um

ganho importante para a categoria profissional e trazer uma estabilidade profissional, também

gera insatisfação, por ser diferenciado dos trabalhadores da empresa-mãe.

110

Também não se evidenciou que exista algum tipo de luta, discussão via sindicato para a

primeirização destes trabalhadores, mas somente pautam-se na equiparação dos benefícios e

direitos dos empregados petroleiros, conforme sinalizado na fala do representante sindical dos

trabalhadores de térmica “a luta do Sintergia é para que tenham o mesmo pacote de benefícios

dos trabalhadores da Empresa de energia”, mas mantendo o vínculo próprio da termelétrica.

Outro ponto identificado e tido como preocupante refere-se à fragmentação sindical destas

unidades. Em decorrência das UTEs possuírem CNPJ distintos, todas são representadas por

entidades sindicais diferentes e não foi identificada nenhuma articulação intersindical, de modo

que possam alcançar patamares semelhantes relativo à conquista de direitos. Além disso, devido à

representação sindical se estabelecer pela atividade-fim da empresa, sendo nesse caso, a geração

de energia elétrica, a entidade sindical que representa estes trabalhadores é a dos eletricitários e

não a dos petroleiros, tal como as demais empresas do grupo.

Também não se constatou nenhuma articulação entre os sindicatos do eletricitário e os

sindicatos dos petroleiros. Não há, portanto, nenhuma luta unificada entre essas duas categorias e

não são reconhecidos como trabalhadores “petroleiros”. Inicialmente houve o interesse, por

parte dos trabalhadores e do sindicato dos petroleiros, em unificar a representação sindical,

entretanto para que isso se concretizasse era necessária a renúncia da representação sindical dos

eletricitários, fato que não ocorreu.

No que se refere aos acordos coletivos, vale ressaltar que são negociados à parte do

processo de negociação da representatividade petroleira, o que para estes trabalhadores gera uma

perda significativa em diversos aspectos:

Pelo fato das discussões não serem unificadas, pois assim poderiam estar mais

fortalecidos na luta e na conquista das reivindicações;

Pelo fato de serem realizadas em período totalmente diferente do ACT da

Empresa de energia, o que, em alguns casos, leva a garantir benefícios sempre

atrasados, pois o acordo base utilizado como referência para negociação é o da

Empresa de energia;

Pelo fato de sua vigência ser diferente da Empresa de energia, enquanto nesta o

ACT é negociado a cada dois anos, com discussões anuais das cláusulas

econômicas, nas UTEs todo o acordo é discutido anualmente.

111

Além disso, entre as UTEs constatou-se uma disparidade muito grande no que concerne

ao status de avanços conquistados nos ACTs. Verifica-se com isso, que existem ACT distintos

entre as térmicas, apesar de terem sido adquiridas no mesmo período. Isso significa que a

depender da unidade, alguns direitos e benefícios podem ser concedidos ou não. Além disso,

todos são diferentes do acordo coletivo da Empresa de energia, o que gera uma não

homogeneização dos direitos concedidos. Esta diferenciação em parte se dá pelo grau de

articulação e mobilização da entidade sindical representante e dos trabalhadores, o que faz

algumas terem conseguido maiores conquistas do que outras.

Em entrevista com a representação sindical dos eletricitários foi sinalizado que essa

entidade tem priorizado questões de ordem econômica em sua luta. As reivindicações por

questões de ordem econômica podem ser verificadas como uma tendência, a partir da década de

90, onde há um enfraquecimento significativo das representações sindicais no ideário neoliberal

(Alves, 2000; Antunes, 1999, dentre outros). A luta passa a se restringir pela manutenção dos

próprios postos de trabalho, enfim lutam na imediaticidade para garantir a sobrevivência dos

trabalhadores.

Pode-se também verificar que a luta sindical tem se pautado na concessão de um pacote

de benefícios econômicos para os trabalhadores, não vislumbrando nenhuma atuação para as

questões relativas à organização do trabalho, à primeirização, tampouco relativas ao processo de

trabalho x saúde.

Outro ponto significativo nas UTEs e que destoam entre si refere-se ao Plano de

Previdência Privada. Enquanto na termelétrica B todos os próprios termelétricas migraram para

o Plano de Previdência Petros (plano este dos petroleiros), na termelétrica A, os trabalhadores

permanecem com um plano de previdência privada, que não está vinculado à Empresa de energia.

Portanto, as próprias deliberações da Empresa de energia são distintas entre as térmicas e trazem

instabilidade quanto ao futuro destes empregados de ambas as UTEs

Também se identificou uma discussão acerca da mudança do plano de saúde ofertado

nestas unidades, de modo que fosse fornecido o plano de saúde AMS (plano este dos petroleiros).

Entretanto, mais uma vez os trabalhadores estavam a reboque do processo de discussões, pois

apenas haviam sido informados da provável mudança de plano de saúde. Este fato deu origem a

112

comentários insatisfatórios e reclamações, em decorrência da ausência de informações precisas

da Empresa de energia.

Os atuais planos de saúde das termelétricas garantem a cobertura integral dos gastos de

saúde com um pequeno repasse mensal para os trabalhadores. Entretanto o plano de saúde da

Empresa de energia prevê uma participação dos trabalhadores em cerca de 40% dos gastos de

saúde, aumentando consideravelmente os custos de saúde destes empregados. Por outro lado, o

novo plano garantiria a cobertura de saúde após a aposentadoria, fato que no plano vigente não há

cobertura.

Entretanto, mesmo que as mudanças não sejam vistas como positivas pelos trabalhadores,

eles as compreende como um processo de equiparação aos trabalhadores petroleiros,

vislumbrando o conjunto das alterações de maneira confiante. Para eles, a incorporação no

plano de saúde e na previdência privada evidencia um planejamento real de incorporação, em

longo prazo.

Isso se acrescenta ao fato de uma série de conquistas e benefícios que foram concedidos a

esses trabalhadores, aproximando-os das condições e dos direitos dos empregados petroleiros.

Destaca-se como uma conquista, a concessão do benefício de participação nos lucros - PLR

recebido pela primeira vez no ano de 2009. Apesar de ter sido denominada como Gratificação de

Desempenho Operacional- GDO foi concedida nos mesmos valores que os recebidos pelos

empregados da empresa-mãe. Já no ano de 2010, o recebimento deste benefício veio

caracterizado como Participação nos Lucros e Resultados.

A PLR foi negada sistematicamente por anos a estes trabalhadores, entretanto em 2009, a

partir de uma deliberação da Empresa de energia, passaram a ter direito a este benefício. Apesar

do recebimento deste benefício queixam-se que recebem em data posterior ao da Empresa de

energia. O pagamento é feito somente após a concessão integral aos petroleiros, para só então

convocar as térmicas para assinar a concessão para seus empregados.

Este fato gera insatisfação e se sentem cidadãos de “segunda categoria”, pois o direito é

garantido primeiro aos petroleiros e depois se concedem aos próprios termelétricas. Entretanto,

apesar destas distinções, os trabalhadores reconhecem que a concessão deste benefício, os

aproxima dos empregados petroleiros. Para 2011, obtiveram o direito de receber a PLR nos

mesmos meses que os empregados petroleiros.

113

Os trabalhadores também conseguiram instituir o anuênio, que se caracteriza como um

adicional em seu salário relacionado ao tempo de serviço prestado à empresa. Esta conquista

recente também é motivo de insatisfação por ter sido instituído de forma diferente e em menor

percentual do que os praticados para os trabalhadores da Empresa de energia. Estes trabalhadores

acreditam que somente na hora da cobrança profissional são alçados aos patamares de

petroleiros, pois nos momentos de reconhecimento, progressão, concessão de benefícios estão

sempre aquém dessa categoria.

“A gente ainda não se sente tão parte. Porque enquanto você não tem um crachá da Empresa de energia há sempre um sentimento de que as coisas não vão acontecer para você, como vão acontecer para o funcionário da Empresa de energia. (...) Elas vão acontecer até um limite e muitas vezes as pessoas que vêm aqui da Empresa de energia acabam deixando isso claro. Quando a gente tem a negociação de acordo coletivo e você pede um direito que a Empresa de energia já tem, por exemplo, ai eles vem: ‘ não isso a gente não vai dar por que vocês não são Empresa de energia”, mas quando é uma situação que privilegia a Empresa de energia.. ‘ai eles dizem nos vamos adequar por que agora vocês são Empresa de energia’, Então fica sempre essa interrogação: nos somos Empresa de energia ou nós não somos Empresa de energia? Até onde nós somos Empresa de energia. “E isso gera um incômodo, uma insatisfação, uma falta de perspectiva” (Trabalhador G).

Hoje, apesar de terem ciência que a situação não está totalmente resolvida, evidenciam

que o medo e insegurança diminuíram substancialmente, pois acreditam que com o passar dos

anos fica cada vez mais difícil para Empresa de energia demiti-los sumariamente. No âmbito das

conquistas econômicas se avançou substancialmente e diversos benefícios foram conquistados,

contudo há muito ainda que se modificar no reconhecimento, na valorização e no sentido de

pertencimento deste grupo ao efetivo funcional da Empresa de energia, quer seja como

empregado próprio ou como empregado de uma subsidiária do sistema.

Evidenciou-se, também, um significativo enfraquecimento do coletivo, onde muitos

desistiram de lutar, decidiram remar junto à maré, pelo fato de não obterem êxito nas lutas. O

reflexo dessa estratégia é manifestado por meio de acomodação, desânimo, desprazer com a

realização de suas atividades e frustração por não serem solicitados, de acordo com suas

competências e habilidades.

O processo de aquisição de empresas privadas à Empresa de energia trouxe a essas UTEs

uma configuração organizacional atípica, pois além dos empregados próprios da Empresa de

energia e dos terceirizados, somam-se a esse cenário, o próprio termelétrica. Cada qual com

patamares de direitos e reconhecimento distintos entre si.

114

De um lado, os empregados petroleiros, com seus direitos reconhecidos, estáveis, em

funções gerenciais e de supervisão de equipe, com uma identidade funcional e reconhecidos

como empregados da Empresa de energia, denominados por um trabalhador como “empregado

de primeira categoria”.

De outro, o próprio termelétrica, um híbrido, com certa estabilidade empregatícia, tendo

em vista que a sua empresa pertence à Empresa de energia, com ACT que lhes garantem alguns

direitos, mas longe de alcançar os patamares de direitos e reconhecimento fornecido aos

trabalhadores da Empresa de energia, portanto um cidadão de “segunda categoria”. Na fala de

um trabalhador “nós somos mutantes, um híbrido, enfim isso não vale nada”.

E por último, a corda mais fraca deste processo, os trabalhadores terceirizados, sem

nenhuma estabilidade em seus empregos, facilmente dispensáveis, portanto um cidadão de

“terceira categoria”.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas por estes trabalhadores a aquisição foi tida

como um ganho, pois era vista como a garantia de seus postos de trabalho e, como trabalhadores

assalariados, à manutenção de seus meios de sobrevivência.

Entretanto, a incorporação do ativo e não do efetivo trouxe uma ausência de perspectivas

profissionais, de almejar e ter planos futuros em sua carreira profissional. Abaixo um trabalhador

evidencia esse sentimento de desânimo na realização das atividades profissionais:

“Acho que eu colocaria como fator de desânimo essa falta de perspectiva que existe e a falta de capacitação para que se tenha alguma perspectiva. Isso desanima um pouco. Acho que estão relacionados ao vínculo e à capacidade da própria gerência de fazer isso acontecer. Mesmo que não sejamos funcionários da Empresa de energia, se houver uma gerência mais preocupada e participativa com relação à qualidade do funcionário, acho que vai fazer andar, mesmo que nós não sejamos Empresa de energia. Até por que nós já vimos acontecer treinamentos para alguns que são e outros que não são da Empresa de energia. Eu acho que depende mais da gestão” (Trabalhador G).

Faz-se necessário que esses trabalhadores se sintam também incorporados, que possam

agregar-se ao processo de forma positiva e não serem visto como mero passivo de recursos

humanos, advindos do processo de aquisição das térmicas. Muitos trabalhadores acreditam que a

Empresa de energia os vê como um fardo pesado e que a própria manutenção de seus postos é

uma benesse, conforme expresso na fala, a seguir:

115

“(...) Você vê muito isso: a motivação caiu. O próprio tratamento que a empresa dá para a gente. Você vê muito isso em negociação de acordo coletivo. Você vê que ainda ta sendo tratado de uma maneira diferente, como se não ligassem muito. É o que desmotiva. O trato não é o mesmo para empregado da Empresa de energia. (...) Você vê muito isso dentro dela, por que têm os terceiros e o petroleiro. Acha que o cara é terceiro na empresa dele, ele tá ali, já é um favor que a empresa tá fazendo para o cara. (...) Então o cara acha que você tem que aceitar tudo que ele faz e ficar quietinho. Só que se a pessoa vir para a gente com essa mesma teoria, ela fica um pouco mais complicada, eu não sou terceiro, mas também não sou petroleiro. Também não tenho medo de ser mandado embora, ai fica um embate terrível. (...) Eu acho que a visão é deixar os caras lá, ‘tão chorando de barriga cheia, a Empresa de energia já comprou mesmo, tão reclamando do quê... ’ Como se fosse um favor. Deu sorte de tá por lá ainda” (Trabalhador V).

Com isso, identificou-se baixa autoestima nesses trabalhadores, falta de valor em seu

trabalho e um sentimento de realização de trabalhos “menos nobres”. Entretanto, nas gestões

atuais das térmicas identificou-se uma melhoria de suas condições de trabalho, um investimento

maior na planta, enfim um processo de valorização maior do ativo e do efetivo.

Também se constatou, ainda hoje, que o próprio termelétrica possui uma “invisibilidade”

frente aos sistemas e às demais Áreas de Negócio da Empresa de energia. Muitas vezes, não

compreendendo este vínculo, que é atípico do restante da Empresa de energia, pois estão

habituados aos petroleiros e aos terceirizados, sendo o próprio termelétrica um novo ator deste

cenário, o que não é muito bem definido para muitos. Esse desconhecimento, essa

“invisibilidade” torna-se latente e gera dificuldades na realização das atividades.

Para estes trabalhadores, por mais paradoxal que seja em alguns momentos, julgam que

seria melhor ser identificados como empregados terceirizados, pois estes existem, de fato e de

direito, e são identificados como trabalhadores prestadores de serviços da Empresa de energia.

Sem mencionar os petroleiros que são facilmente identificados pela cor de seus crachás, têm

acesso liberados em qualquer instalação da Empresa de energia, sem prévia autorização, enfim

trabalhadores reconhecidos corporativamente.

Outra questão extremamente significativa, relevante e simbólica refere-se à ausência de

um crachá funcional, que os identifique tal como os demais empregados da Empresa de energia.

Considerando que o crachá é a “chave de entrada” para todas as unidades da Empresa de

energia, a ausência de uma identificação funcional traz dificuldades de acesso em outras

instalações e também não os identifica como trabalhadores pertencentes à Empresa de energia, tal

como qualquer trabalhador petroleiro ou de subsidiária.

116

A identificação funcional da Empresa de energia é bastante padronizada, identificando

qualquer trabalhador, de acordo com seu vínculo empregatício, a depender da cor de seu crachá.

De um lado, os empregados próprios com crachás verdes; de outro, os terceirizados com os

crachás marrons. Entretanto, estes trabalhadores não pertencem a nenhum dos dois grupos

funcionais existentes na estrutura de gestão da empresa, sendo em cada termelétrica utilizada uma

cor de crachá, por exemplo, o crachá da UTE A é lilás e o da UTE B é da cor branca.

Com isso, uma série de situações de desconforto, constrangimento e de embate é relatada

por esses trabalhadores quando necessitam, por exemplo, realizar um treinamento in company na

Universidade Corporativa ou participar de uma reunião na própria sede da Empresa. Nessas

ocasiões necessitam se justificar, explicar que sua empresa foi adquirida pela Empresa de energia,

que é uma subsidiária, porém ela não existe oficialmente nos sistemas tal como as demais. O

crachá fornecido a esses trabalhadores não possibilita o acesso a nenhuma outra unidade da

Empresa de energia. Este fato faz com que esses trabalhadores, necessitem de prévia autorização

para circularem nestes ambientes como se fossem visitantes na própria empresa, a que estão

subordinados.

Todos esses motivos acarretam uma ausência de sentimento de pertencimento, não se

sentem inseridos, como trabalhadores próprios e, muitas vezes, não sabem definir sua

vinculação profissional, tamanha essa indefinição. Para estes trabalhadores, isso é algo

constrangedor e que reforça o pensamento que não fazem parte deste universo, conforme pode ser

constado abaixo:

“(...) Quando tive que ir à Empresa de energia, me dava o crachá de visitante da Empresa de energia, ‘cara eu não sou visitante da Empresa de energia’. Eu sou funcionário. eu não sou visitante, sou funcionário, ta aí um exemplo típico. Tem cinco anos que nos prometeram, no início quando entrou acho que querendo agradar. olha vocês vão ter crachá (...). Até porque a gente vai a esses lugares a trabalho (...). Não, esse crachá não entra não... mas esse é um pequeno exemplo do que a gente vive aqui.. não to querendo.. mas é concreto, a minha empresa é A, que é 100% Empresa de energia e eu não consigo ter um crachá estando aqui há 5 anos. Não vou nem tocar isso para frente, eu tô aqui há 5 anos e não tem crachá, são pequenas coisas e essa discriminação ainda é muito forte aqui dentro” (Trabalhador A).

Reitera-se que o vínculo empregatício dessas pessoas é um híbrido e não está descrito na

literatura científica da atualidade (Harvey, 1992; Antunes, 1995), pois não são trabalhadores

estáveis tais como estatutários, não são empregados públicos tais como os empregados da

Empresa de energia, tampouco são terceirizados, quarterizados ou subcontratados.

117

Por um lado, possuem um contrato por tempo de trabalho indeterminado, o que de certa

forma os colocaria na categoria de trabalhadores centrais33 descrito por Harvey (1992), por

outro, não possuem perspectiva profissional, não são de fato e de direito tidos como

trabalhadores estáveis, o que poderia enquadrá-los em trabalhadores periféricos34.

Ao longo deste período, em virtude das dificuldades vivenciadas, estes trabalhadores se

mobilizaram, seja através de negociações coletivas, seja através de diálogos com o corpo

gerencial para obter algumas melhorias em suas condições, porém somente recentemente

identificaram maior vontade política para que se efetivassem os seus pleitos.

A maior parte dos trabalhadores associa essas melhorias das condições de trabalho às

atuais gestões das UTEs, acreditando que não havia impedimento legal para concessão destes

benefícios, mas uma ausência de vontade política em concedê-los por gestões anteriores. Além

disso, também apontam maior reconhecimento do trabalho, valorização dos saberes e redefinição

dos papéis que trouxe de volta os próprios termelétricas para a gestão efetiva destas unidades.

O que chama atenção é que estas gestões em nada alteraram a condição deles de próprio

termelétrica no âmbito dos direitos legais, mas modificou profundamente o papel dessas pessoas

no cotidiano de trabalho, trouxe-as de volta ao processo de trabalho, valorizaram seus trabalhos,

na fala dos trabalhadores puderam mostrar seu valor, mesmo que ainda incipiente.

Isto nos faz pensar que houve uma mudança nas diretrizes da Empresa de energia quanto

à condução do processo com os próprios termelétricas, onde neste momento buscou-se elevar os

patamares de direitos, bem como melhorar o trato com essas pessoas, diminuindo,

significativamente, as diferenças existentes. Em ambas as unidades, as atuais gestões foram

apontadas como divisor de águas e que possibilitaram uma melhoria significativa em seus

ambientes de trabalho.

Em função desta retomada significativa a partir de 2009, muitos trabalhadores acreditam

que o processo de incorporação está em curso e que as indefinições sobre o futuro profissional

ainda serão resolvidas em longo prazo, apesar de não saberem precisar quando e como isso

ocorrerá.

33 De acordo com Harvey (1992) entende-se por trabalhador central, aquele que é contratado em tempo integral, que goza de estabilidade, segurança empregatícia, que possui perspectiva de promoção, treinamento e atualização profissional, além de contar com uma série de benefícios diretos e indiretos. Na atualidade configura-se como um grupo cada vez mais reduzido. 34 De acordo com Harvey (1992) entende-se por trabalhador periférico dois grupos distintos: o primeiro de trabalhadores contratados em tempo integral, mas facilmente dispensáveis do mercado de trabalho, pois possuem habilidades facilmente encontradas e o outro grupo mais precarizado ainda refere-se a trabalhadores em tempo parcial, por contrato determinado, temporários, quarterizados, subcontratados, que possuem poucas garantias e direitos reconhecidos, sendo um grupo cada vez maior na atualidade.

118

Eles associam essa morosidade à falta de um planejamento, um plano de incorporação

com metas definidas e ao fator político que perpassa as decisões de uma empresa, sob gestão e

influência governamental. Para muitos é difícil acreditar que uma empresa do porte da Empresa

de energia, com a imagem e reconhecimento que possui no país e internacionalmente tenha como

prática a forma de gestão, que desconsidera as pessoas, tal como se apresentou no processo de

aquisição. Creditam esses desacertos a uma lógica de aquisição inexistente anteriormente, onde a

própria Empresa não sabia lidar e não tinha experiência com esse tipo de processo de aquisição

de pessoas.

Ao expor esta problemática e o ponto de vista da atividade buscou-se evidenciar como um

processo de cunho organizacional traz conseqüências para a vida e trabalho das pessoas que

estavam lotadas nestas unidades. Evidenciando todo o movimento vital destes trabalhadores e a

luta para a conquista de melhoria das condições de trabalho, através dos embates, dificuldades do

dia a dia no trabalho e com toda complexidade que o trabalho traz consigo nas particularidades e

singularidades do sujeito trabalhador.

Assim, evitaram-se as visões e profecias fatalistas, deterministas que não vislumbram

nenhuma saída, mas sim se acredita que são possíveis sim diversas saídas, pois não há um só

caminho e os trabalhadores nunca são passivos, alienados neste processo e resistem às

dificuldades enfrentadas, fazendo uso de si para gerir as situações de trabalho, em uma verdadeira

tensão, uma dramática do uso de si para tornar o meio vivível, isto é, possível, conforme sinaliza

Schwartz (2004).

Além disso, ao realizar este processo dialético entre o global e o local, isto é, entre esse

processo de aquisição como uma opção de negócio e as implicações dessas mudanças no

cotidiano destes trabalhadores buscaram-se, conforme ensina Schwartz (2007a), a recusar visões

restritivas. Nestes cenários, somente a dimensão macro é responsável por promover impactos

sobre as pessoas, onde os trabalhadores devem simplesmente se adaptar às mudanças. Por outro

lado, também não se podem limitar as visões micro do trabalho, não considerando as questões

macro para realização das análises e compreender a problemática, ora posta em questão. Sendo

assim, se fez necessário realizar esforços para compreender o trabalho através das singularidades

das situações de trabalho, analisando conjuntamente as questões macroestruturais que trouxeram

implicações para a atividade de trabalho.

119

Ao longo desse estudo tornou-se evidente que o pólo da atividade ainda permanece

preterido nas mudanças organizacionais em curso nas UTEs A e B. O pólo econômico e a

implantação de normas e procedimentos são privilegiados, mas é esquecido o que nos parece ser

mais valioso nos processos de trabalho: o próprio trabalhador. Acredita-se que esse deve ser ator

principal nas situações de trabalho, pois com sua inteligência e capacidade de gestão está a cada

momento, dentro do limite possível, renormatizando o que estava sendo posto, tornando esse

local de trabalho possível e vivível

A seguir serão explicitadas as implicações deste processo de mudança na saúde dos

trabalhadores, identificando, também, os processos desenvolvidos por estes trabalhadores para

evitar ou minimizar os efeitos da mudança em sua saúde.

5.2- As implicações das mudanças organizacionais na saúde e segurança dos trabalhadores

As alterações organizacionais nas UTEs A e B, em decorrência da mudança de

propriedade trouxeram implicações na saúde dos trabalhadores. Foram relatados inúmeros

adoecimentos, afastamentos do trabalho e sofrimento psíquico em decorrência destas mudanças.

Ao abordar a questão saúde durante essa análise, esta será realizada de acordo com a

perspectiva de Canguilhem (1943, 1978), compreendendo a saúde como a forma de interação do

indivíduo com os eventos ao longo de sua vida. Entendendo que a vida do indivíduo é feita de

normas de vida e de comportamento, onde a saúde irá ser caracterizada de acordo com a

capacidade de cada um enfrentar as mudanças das normas estabelecidas no decorrer da vida.

Sendo assim, a transgressão à norma é compreendida como um meio de tornar o ambiente

vivível, saudável ou simplesmente resistível, até onde é possível. Canguilhem descreve o que

caracteriza como a capacidade normativa do ser vivo diante do meio, não sendo este jamais

indiferente ao mesmo:

“Achamos, ao contrário, que, para um ser vivo, o fato de reagir a uma doença, a uma lesão, a uma infestação, a uma anarquia funcional, traduz um fato fundamental: é que a vida não é indiferente às condições nas quais ele é possível, que a vida é polaridade e por isso mesmo, posição inconsciente de valor, em resumo, que a vida é, de fato, uma atividade normativa. Em filosofia entende-se por normativo qualquer julgamento que aprecie ou qualifique um fato em relação a uma norma, mas essa forma de julgamento está subordinada, no fundo, àquele que institui as normas. E é nesse sentido que propomos falar numa normatividade biológica” (Canguilhem, 1995, p.96).

120

Corrobora com esta perspectiva os estudos de Brito et al. (2003) que evidenciam que a

doença pode surgir, mesmo que o indivíduo se apresente em um estado de normalidade. A doença

faz com que o mesmo saía do “eixo” e, em seguida, o indivíduo se restabelece, voltando à

condição de normalidade, não conduzindo necessariamente a um estado de saúde.

Sendo assim, o processo de normalidade é compreendido como um percurso que tanto

pode levar o indivíduo ao adoecimento, quanto pode gerar maior prazer e criatividade em seu

ambiente de trabalho, não sendo necessariamente um agente patogênico. Neste contexto, a

doença é vista com uma norma de vida inferior e a pessoa adoecida, sendo aquela que não

conseguiu instituir novas normas nestas condições. Lembrando que a norma sempre se refere a

uma capacidade individual, única e não a um coletivo, de forma homogeneizada. E assim, cada

indivíduo tem seu próprio parâmetro do que é normal pra si.

Por isso, negamo-nos a acreditar que há um único modelo definido para consideração do

processo saúde e doença, tal como foi afirmado durante séculos pelo modelo hegemônico, o

biomédico, mas sim que todo o processo de adoecimento está condicionado a um contexto dos

modos de vida existentes. É importante entender que o processo de adoecimento se dá pela

impossibilidade de mudar, da obediência irrestrita à norma, portanto, sendo singular, do

indivíduo. Canguilhem descreve o normal e o patológico como:

“Não existe fato que seja normal ou patológico em si. A anomalia e a mutação são em si mesmas patológicas. Elas exprimem outras normas de vida possíveis. Se essas normas forem inferiores às normas anteriores, serão chamadas patológicas. Se, eventualmente, se revelarem equivalentes – no mesmo meio – ou superiores – em outro meio – serão chamadas normais. Sua normalidade advirá de sua normatividade” (Canguilhem, 1995, p. 91).

Partindo desta perspectiva, inicialmente foi realizado um levantamento relativo às

informações de afastamentos de saúde em ambas as unidades. Na termelétrica A, estas

informações foram obtidas no ambulatório médico e também no setor de Recursos Humanos -

RH, responsável pelo recebimento dos atestados médicos na unidade.

A partir dessas fontes verificou-se que no ano de 2010 (até outubro) havia a ocorrência de

172 dias perdidos por motivo de saúde. Entretanto, não há como saber os motivos dos

afastamentos de saúde, pois como esta gestão é feita prioritariamente pelo setor de RH, as

121

informações se referem estritamente aos dias de atestados e não constam informações sobre a

patologia nos registros. Em 2009, os afastamentos de saúde contabilizaram 152 dias.

Esses dados se referem às informações oficiais disponíveis nos sistemas de informação

de acidentes de trabalho e nas estatísticas de absenteísmo por motivo de saúde da unidade.

Verificou-se que a área de saúde da unidade não realiza gestão do absenteísmo por motivos de

saúde dos afastamentos inferiores a quinze dias do trabalho e, muitas vezes, até desconhecem

estes afastamentos. A atuação é reativa, somente atuando nos casos que geram benefícios

previdenciários ou, caso se identifique pelo RH, a necessidade de acompanhamento pela equipe

de saúde.

Além disso, os trabalhadores da UTE não estão no sistema informatizado de saúde da

Empresa de energia - SD 200035. Este sistema tem como objetivo ser um banco de dados

unificado das questões de saúde dos empregados próprios e das subsidiárias, alimentando dados

de acidente de trabalho, doenças ocupacionais, perfil de morbi-mortalidade dos trabalhadores,

gerenciamento dos afastamentos de saúde, enfim a gestão da saúde de todos os trabalhadores.

Também se constatou que o procedimento para gerenciamento dos atestados de saúde é

diferente da Empresa de energia. Os petroleiros necessitam submeter os atestados médicos ao

médico do trabalho da Empresa de energia, de modo que seja avaliada a sua capacidade

laborativa e seja efetuado o respectivo registro no sistema. Já na UTE, apesar de possuir

profissionais de saúde, este procedimento não foi instituído, ficando a cargo do RH a gestão dos

atestados médicos.

Com isso, verifica-se uma ausência de informações oficiais relativas à saúde destes

trabalhadores, não sendo possível realizar, por exemplo, o perfil sócio-ocupacional destes

trabalhadores, tampouco evidenciar os principais motivos de afastamento de saúde na unidade.

Além dos dados oficiais durante o trabalho de campo foi feito um levantamento junto aos

trabalhadores, quanto aos possíveis processos de adoecimento nos últimos cinco anos e se

identificaram alguma relação com o processo de trabalho e com as mudanças advindas do

processo de aquisição das UTEs.

35 SD 2000 Plus é o sistema corporativo da Empresa de Energia para armazenamento das informações de Saúde Ocupacional, Odontologia, Serviço Social, Higiene Ocupacional, Psicologia, Nutrição, Ergonomia e Gestão de Indicadores de Saúde, utilizado também pelas subsidiárias para alimentação e armazenamento das informações de saúde dos empregados.

122

Na termelétrica A, de treze entrevistados, dez trabalhadores relataram implicações em

sua saúde e relacionam este processo de adoecimento às mudanças organizacionais decorrentes

do processo de mudança e/ou relacionam ao seu processo de trabalho atual. As maiores queixas

se referem ao estado de tensão, nervosismo, mal-estar generalizado em decorrência de situação

de instabilidade, algumas doenças osteomusculares, hipertensão arterial, estresse, ansiedade,

hérnia de disco, dentre outras patologias. Porém, apesar da maioria ter identificado um

agravamento da sua saúde, tendo muitos realizado tratamentos tais como fisioterapia,

acompanhamento especializado, uso de medicação contínua, a maior parte não se afastou de suas

atividades laborativas, tendo suportado o adoecimento e permanecendo trabalhando.

Teiger (1998) aponta as dificuldades de analisar e avaliar precisamente as conseqüências

das condições de trabalho no corpo dos trabalhadores, sendo, em geral, avaliados os efeitos que

podem ser mensuráveis, quantificados e palpáveis. Estas dificuldades, segundo a autora, advêm

de uma série de fatores, dentre eles: o fato da grande parte dos efeitos adversos do trabalho ser

produzidos no exterior do cotidiano do trabalho; parte dos efeitos surgirem após longos períodos;

e que nas situações de trabalho temos a possibilidade de estudar somente os trabalhadores

“sadios”, isto é, aqueles que conseguiram, apesar das adversidades, permanecerem nos

ambientes de trabalho e não aqueles que adoeceram, isto é, que não conseguiram resistir por

longos períodos às situações desfavoráveis.

Verificou-se na termelétrica A um número significativo de trabalhadores da área de

operação que relataram uma série de “riscos” na planta neste momento, em decorrência de

posturas estereotipadas, falta de acesso a válvulas, enfim alguns problemas relacionados à

concepção da termelétrica. De acordo com os trabalhadores, estes problemas estão relacionados

ao fato do projeto ter sido desenvolvido para padrões norte-americanos e não brasileiros, portanto

utilizando parâmetros antropométricos elevados para uma realidade de trabalhadores com uma

estatura mediana. Além disso, os trabalhadores desta área possuem uma média de idade de cerca

de quarenta anos, o que propicia um agravamento maior das questões de saúde.

Na unidade B, os afastamentos foram por períodos mais prolongados e tiveram uma maior

severidade, tendo sete trabalhadores se afastado das atividades laborativas por períodos

superiores há quinze dias no período de 2006 a 2010. Em 2007, uma empregada foi diagnosticada

com Distúrbio Ostemuscular relacionado ao trabalho - DORT e permaneceu longo período de

afastamento em decorrência da patologia. Em 2008 e 2009, houve dois casos de fraturas em

123

decorrência de acidentes de trabalho e de 2009 a 2010 dois trabalhadores permaneceram

afastados em decorrência de câncer, sendo um de estômago e outro de intestino.

Nesta unidade no ano de 2010 consta o registro de 975 dias de ausência do trabalho por

motivo de doenças no universo de 51 empregados próprios termelétricas.

Na termelétrica B foram entrevistados quinze trabalhadores, sendo que onze identificam

que tiveram sua saúde afetada em decorrência das mudanças organizacionais advindas do

processo de mudança de propriedade. As queixas mais freqüentes se referem a um alto grau de

tensão em razão das incertezas do futuro, ansiedade que resultou no aumento do peso ponderal,

estresse devido ao aumento da carga de trabalho, pois não houve reposição do efetivo que pediu

demissão. Esta diminuição do efetivo trouxe conseqüências mais sérias quando a UTE voltou a

operar sistematicamente, tornando o trabalho mais penoso e sacrificante para os que

permaneceram. Também foi relatado por um trabalhador um acidente de trabalho, em decorrência

de falha de equipamento, gerando um afastamento do trabalho de quatro meses.

Ainda hoje se identificam pessoas que sofrem em virtude deste processo e que relatam as

dificuldades de adaptação, tendo em seu corpo os reflexos dessa mudança, tais como alterações

de pele, gastrite, distúrbios emocionais entre outros. A seguir, a fala de um trabalhador que relata

as implicações das mudanças em sua saúde:

“Ah mudou sim. Oito quilos a mais só. Muito ansioso. Ansiedade muito grande. Mudou muita coisa. Melhorou muita coisa. (...) Por conta da ansiedade, a gente acaba extrapolando muito e por último tem os casos dos colegas. A gente não sabe se desenvolveram a doença aqui. É grande a preocupação da gente. A gente tá com dois colegas que desenvolveram câncer nos últimos dois anos. A gente não sabe se tem uma correlação. É estresse, é ansiedade, já era genético? Ou tudo ao mesmo tempo acabou acarretando isso? Então é preocupante. E eu fiquei muito preocupado. Muito. Eu fui a médico. Eu nunca fiz endoscopia na minha vida. Uma colega tá com câncer de estômago e outro tá com câncer de intestino. Tão tratando. (...) Opa acendeu aquela luz, (...). A gente precisa dessas respostas. Será que é normal, será que é genético? Já tinha sido desenvolvido? O colega que ficou doente esse ano tem sete anos (de empresa) e a outra tem nove anos (de empresa)” (Trabalhador C).

Na termelétrica B não se identificou nenhuma atuação da área de saúde na condução e

acompanhamento dos casos de empregados afastados por motivo de saúde. As informações

disponibilizadas foram fornecidas pelo setor de RH da UTE e restringem-se ao número de dias de

afastamento e o empregado afastado, sem nenhuma outra informação adicional.

124

Dentre os trabalhadores entrevistados nas termelétricas A e B será descrito, abaixo,

sucintamente, a história laboral de três trabalhadores entrevistados que nos chamou a atenção em

decorrência do processo de adoecimento bastante significativo, Isto ilustra bem as dramáticas do

uso de si destes trabalhadores para resistir a este processo desgastante e extenuante.

Trabalhador W, 43 anos e sexo masculino. Refere-se que era tido como uma pessoa

normal, tranqüila, bem humorada, falante e alegre até 2007, porém em decorrência dos eventos

ocorridos na UTE mudou completamente, de acordo com suas próprias palavras é “outra

pessoa”. Hoje, ele é uma pessoa com fortes alterações de humor, alto grau de irritabilidade,

apresenta baixa tolerabilidade e “perde a paciência por pequenas coisas” durante a jornada de

trabalho.

Este trabalhador relata que, ao embarcar no transporte da unidade já começa a sofrer.

Dentre os sintomas apresentados destaca transpiração intensa, calafrios, batimentos cardíacos

acelerados e uma sensação de desespero ao adentrar os portões da unidade, apresentando uma

alteração de humor imediata. Entretanto, apesar de todo este sofrimento e alterações físicas

possui uma relação de afetividade com a empresa. Sente-se responsável e comprometido com o

trabalho e a empresa que escolheu para se aposentar. Gosta muito do trabalho e várias vezes ele

relata estar na empresa desde a sua fundação e o quanto contribuiu durante esses nove anos. Em

sua fala verifica-se um conhecimento do quanto esse processo de mudanças organizacionais tem

trazido implicações na sua vida pessoal e familiar.

Segundo o próprio trabalhador, estas alterações fizeram com que fosse encaminhado

pelo médico do trabalho da empresa para tratamento psicológico, pois perdeu o seu controle

emocional em diversas circunstâncias, porém, até o momento da pesquisa, não realizou nenhum

acompanhamento psicológico.

Também identifica dificuldade no sono, acordando sempre como se não tivesse dormido,

não conseguindo se desligar completamente das atividades. Para este problema, encontra-se em

tratamento com especialista do sono. Possui incentivo familiar para tratar as questões de saúde.

Identifica que as reduções de custos acarretaram diminuição no efetivo, aumento na sua

sobrecarga de trabalho e, conseqüentemente, piora de seu estado de saúde.

125

Esse caso nos chamou atenção durante toda a pesquisa pelo nível de sofrimento que este

trabalhador se encontra, não tendo nenhum tipo de suporte, acompanhamento para enfrentar estas

questões. Trabalhar neste momento tornou-se bastante penoso e sofrido. Durante o trabalho

verificou-se que estas instabilidades de humor do trabalhador já foram alvo de reclamações de

outros empregados e já geraram, para o próprio trabalhador, sanções e advertências gerenciais.

Porém identifica-se que este trabalhador necessita reestabelecer o vínculo com esse trabalho que

foi cortado, rompido devido essas mudanças abruptas, sem preparo e que a saúde dele foi

altamente comprometida, em especial a saúde mental. A seguir a fala desse trabalhador sobre a

saúde: “Eu era uma pessoa bem tranqüila entendeu? Por mais pressão que as pessoas fizessem no trabalho, no dia a dia do trabalho, eu conseguia resolver bem. Eu não perdia humor, não alterava o tom de voz. (...). Mas eu percebi também, algumas pessoas conversaram comigo e perceberam esta mudança e eu também percebi. Comecei a perceber estas mudanças também, coisas que eu resolvia sem me alterar eu passei a me alterar, eu mesma. Tem coisas que eu consigo controlar, não passo para fora esta alteração de humor, mas muitas vezes não dá, eu explodo, altero o tom de voz, falo ate coisas que eu não deveria falar” (Trabalhador W).

Neste caso, os aportes da Psicodinâmica do Trabalho e de Mendes e Tamayo (2001)

contribuem para compreender as experiências de prazer-sofrimento no ambiente de trabalho deste

trabalhador, sendo estes dois parte de um único constructo que se fundamentam na valorização,

reconhecimento e desgaste. Neste relato verifica-se, predominantemente, o sofrimento, sendo

vivenciado por uma relação de frustração, desânimo, enfim de um desgaste com o trabalho

realizado. Por outro lado, constata-se uma busca, mesmo que inconsciente para a manutenção de

um estado de normalidade, tentando reagir aos constrangimentos que são impostos no dia a dia,

mas que ainda assim sofrem com a experiência de fracasso. O nível de sofrimento encontrado

neste trabalhador indica um possível adoecimento mental. Em sua fala constata-se um

esgotamento emocional significativo, uma angústia, enfim um sofrimento no trabalho.

Outro exemplo se refere a um trabalhador, do sexo masculino e 47 anos. Atualmente,

encontra-se bem de saúde, optou por enfrentar as adversidades posicionando-se claramente, não

aceitando imposições de regras contraditórias. Segundo ele, com isso ganhou mais respeito do

corpo gerencial.

O próprio trabalhador relata que tinha um problema de coluna crônico, mas estabilizado

durante bastante tempo, todavia, face às mudanças, houve um agravamento da sua situação de

saúde e isso fez com que, por vários períodos, ficasse totalmente imóvel em uma cama, sem

126

condições mínimas de permanecer de pé. A seguir, a fala deste trabalhador sobre o seu processo

de adoecimento: “Então o que aconteceu eu tenho problemas sérios de coluna e principalmente na região lombar. Então eu fiquei por várias vezes entrevado (...). Então quando eu começo a ficar muito nervoso, muito chateado e muito deprimido com a situação toda. Aquilo você vai contraindo tudo e dá alguns pinçamentos. Eu fico praticamente entrevado, eu fico imóvel só mexendo os olhinhos. Não dá para mexer braço, não dá para mexer perna, não dá para mexer nada e por muitas vezes eu me vi nessa situação em casa, sem ter condições de vir trabalhar por causa dessa situação. Ter que sair rolando pela cama, me segurando pela janela para tentar levantar, para tentar colocar a coluna em movimento. (...) ” (Trabalhador Y).

Este trabalhador teve um aumento do peso ponderal em cerca de 20 kg no intervalo de

quatro anos e várias taxas alteradas como glicose, colesterol, entre outros. Ele associa esse

quadro de adoecimento ao fato da UTE ter, de uma hora para outra, mudado profundamente

seus processos. Eram dadas muitas ordens desencontradas e isso provocava ansiedade e

descontrole emocional.

Sua saúde melhorou quando passou a delimitar seus limites pessoais e profissionais.

Enfrentando as adversidades, deixou bastante claro tanto seus deveres quanto seus direitos de

trabalhador. Passou a respeitar sua própria jornada de trabalho, evitando excessos, questionando

ordens controversas, mas dentro da ética e do respeito profissional. Assim passou a ser mais

respeitado. Associado a isso, também necessitou realizar uma série de tratamentos de

reabilitação, entre eles fisioterapia, RPG, pilates por cerca de 3 anos e, atualmente, pratica

atividade física regularmente. “Eu há quatro anos e pouco estava com 97 kgs e hoje estou com 79 kg, vinte quilos a menos. Porque eu resolvi brigar e parar. Quarenta e sete anos, fase crítica de você ter infarto. Meu pai é cardíaco, com problemas sérios. Teve problemas várias vezes. Aquela coisa toda e eu com quarenta e tantos com esse nível de adrenalina. Eu pensei: eu vou infartar e não é isso que eu quero! Porque também quando você infarta, você é colocado de lado, né. Então também não serve de nada. Então eu falei não. Não é essa empresa que vai me derrubar. (...) Tenho um contrato. Eu sei muito bem das minhas obrigações. Eu tenho que cumprí-las direitinho. A partir daí é minha vida. Eu vou cuidar da minha vida. A partir daí eu tô conseguindo reverter todo esse meu quadro, que é bastante emocional. Geralmente problemas de coluna, problemas físicos e respiratórios tá muito vinculado a problemas emocionais, vinculados a parte de estresse essa coisa toda, que é o que te prejudica. Então quando você começa a corrigir isso é que você começa a ficar mais centrado, mais legal, mas assim a saúde minha foi lá embaixo” (Trabalhador Y).

127

E por último, o caso de um trabalhador, do sexo masculino, 49 anos. Este trabalhador nos

chamou bastante atenção pelo nível de envolvimento nas atividades e ações da empresa. Já foi

participante da CIPA, do sindicato, representante dos trabalhadores nos comitês de avanço de

nível e promoção da UTE, enfim durante todo o processo de aquisição buscou ser colaborativo,

participativo e, segundo ele, devido a isso acabou tendo a sua saúde prejudicada. Para ele, sua

saúde é afetada por sua própria culpa, pois como leva muito a sério estas atribuições, se estressa,

se desgasta, enfim há uma mobilização intensa em prol das melhorias das condições, mas que

muitas vezes leva-o a frustração. Tem dúvidas, caso não fosse assim, se teria de fato mais

saúde. A seguir, a fala desse trabalhador sobre seu envolvimento nas questões da UTE e suas

implicações na sua saúde:

“A minha saúde é mais afetada por culpa minha mesmo. Por que eu acredito muito nas coisas e eu participo, entendeu? Então a gente chega à conclusão e algumas pessoas até falam isso: ‘ah você se estressa por que você acredita e participa’. Então a gente realmente fica naquela dúvida, será que eu realmente estaria melhor se tivesse no meu canto? (...) Eu tento me conter para eu não exagerar muito, por que é como eu já falei para você, eu tenho tendência a participar, eu me meto, tem reunião para ver quem vai ganhar letra, vê quem vai para lá, eu vou. Chefe me chama para fazer isso, assim, assim, eu vou. Não entendeu não é para ganhar letra não, mas eu gosto de ajudar a mudar para melhor o que tem à minha volta, mas isso é estressante, porque infelizmente a gente se envolve, mas por outro lado você tem satisfação também, quando a coisa dá certo, quando você vê que realmente você conseguiu influenciar uma melhoria, você sente uma satisfação com aquilo. E eu não sei se eu ficasse parado sem fazer nada, se isso também não seria pior. ‘Poxa eu queria falar assim, assim, mas não falei’. Isso fica dentro de você e também faz mal. Então teria que fazer uma avaliação médica muito boa para saber o que prejudica, o que ajuda, por que eu sinceramente eu não sei” (Trabalhador O).

Este último caso ilustra bem a dinâmica de prazer e sofrimento relatados por Dejours

(2004) nas relações de trabalho, à medida que o trabalhador se envolve, busca soluções para os

problemas que são postos no cotidiano do trabalho. Se por um lado reconhece que todo este

movimento traz danos a sua saúde pela experiência do fracasso vivenciado, por outro, identifica

que esta mobilização criativa o leva ao prazer. Sente-se gratificado, percebe utilidade em seu

trabalho, possui reconhecimento dos pares e chefias por sua colaboração, enfim ao mesmo tempo

em que gera uma desestabilização, um desgaste, também gera um prazer.

Estes três exemplos ilustram bastante a discussão acerca da saúde tecida sob a luz de

Canguilhem (1995). Para se entender a saúde destas pessoas, se faz primeiro necessário

compreender o ser vivo, o indivíduo, vivendo sob um meio, que não é estático, imóvel e como

128

129

um ser normativo, isto é, que a todo o momento renormatiza, cria novas normas, burla outras para

tornar esse meio vivível. Um ser capaz de refletir sobre sua vida, trabalho e saúde, mobilizando-

se, gerindo para dar conta das pressões postas e das exigências da sua atividade.

Sendo assim, há sempre uma busca, uma luta incessante e que todo trabalhador na busca

de sua saúde tem um papel fundamental, central para obtenção do êxito. Saúde é movimento,

conquista permanente e entendendo que o trabalho é dinâmico, complexo e variável, a todo o

momento são necessárias novas mobilizações dos trabalhadores para a conquista da saúde.

Conforme sinaliza Athayde, Neves (1998) é o compromisso que cada pessoa assume com a sua

própria realidade, sendo um campo de negociação constante e permanente.

Estes trabalhadores durante todo esse processo não estavam estáticos, imóveis, reagindo

passivamente à mudança. Cada um, ao seu modo e dentro de suas possibilidades buscou

transformar as situações adversas e nocivas do ambiente de trabalho e torná-lo vivível.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo pretendeu analisar as mudanças ocorridas na gestão do trabalho em duas

termelétricas, após serem adquiridas por uma Empresa de energia de economia mista e as possíveis

implicações destas mudanças organizacionais na saúde e segurança destes trabalhadores.

É importante sinalizar que não foi e nem é pretensão deste estudo esgotar essa discussão, pois a

temática é extremamente complexa e o tempo de estudo curto para aprofundar algumas questões que

julgamos pertinentes. Assim certas questões não foram exploradas nesta pesquisa, seja pela ausência

de tempo, seja por não ser o foco deste estudo. Entre elas, a análise dos acidentes de trabalho ocorridos

nestas unidades, após a mudança de propriedade. Também não foram feitas observações sistemáticas

mais estruturadas para analisar o trabalho real e o trabalho prescrito destes trabalhadores, de modo a

confrontar as alterações vivenciadas no dia a dia, dentre outras.

Além disso, inúmeras questões e problemáticas emergiram deste processo investigativo e de

construção de conhecimento coletivo. Entretanto, optou-se em priorizar algumas questões e discussões

apresentadas nesta dissertação que foram de fundamental importância para compreensão da mudança

de propriedade e as implicações na saúde dos trabalhadores.

A perspectiva ergológica nos possibilitou olhar para esta situação de trabalho de maneira

dialógica, isto é, compreendendo as relações entre o macro e o micro do trabalho em sua complexidade

e nas suas múltiplas facetas.

Apresentou-se extremamente pertinente para esta análise o espaço tripolar apresentado por

Schwartz e Durrive (2007), onde pode se verificar as tensões, os debates de valores existentes e as

dramáticas da vida nas situações do trabalho e no processo de mudança de propriedade destas

termelétricas.

Verificou-se que o pólo político foi o motivador para que a Empresa de energia entrasse nos

consórcios de geração de energia elétrica, pois devido ao cenário energético brasileiro tornava-se

estratégico para o país e para Empresa atuar como parceiro das empresas multinacionais. Entretanto,

após o apagão energético nos anos de 2001 e 2002, os reservatórios das hidrelétricas retornaram aos

níveis normais, tornando-se onerosa e custosa a energia elétrica gerada por termoeletricidade.

Conseqüentemente, a Empresa de energia necessitou realizar aportes financeiros para honrar as

cláusulas contingenciais previstas nos contratos destas duas termelétricas.

Nesse contexto emerge o pólo mercantil, pois os contratos traziam prejuízos financeiros à

Empresa de energia, portanto era necessário renegociá-los, desfazê-los, mas politicamente não era

130

recomendado que os contratos fossem desfeitos. Assim, apresentava-se uma tensão entre estes dois

pólos: de um lado, o pólo mercantil, onde se buscava a obtenção de lucro e a diminuição dos prejuízos;

de outro, o pólo político, relativo ao bem comum, pois para o país, politicamente não era favorável o

rompimento unilateral destes contratos.

Cria-se uma tensão, um debate de valores, que resultou na decisão de compra das UTEs com

efetivo funcional, isto é, os trabalhadores, pois era menos dispendioso adquirir as unidades do que

honrar com os contratos contingenciais durante os cincos anos, conforme previsto nos acordos

anteriores.

Neste debate evidenciou-se a ausência de consideração do terceiro pólo, o da atividade. A

nosso ver, para serem efetivas as mudanças implementadas, é de fundamental importância considerar o

ponto de vista da atividade, pois somente assim é possível atingir os objetivos estabelecidos pelos

demais pólos, em especial o mercantil.

Verificou-se que o fenômeno ocorrido nestas duas termelétricas é um processo inverso ao

ocorrido nas últimas décadas em nosso país, pois a tendência mundial e brasileira nos anos 90 foi de

privatização de empresas públicas. Entretanto, evidenciou-se que estas UTEs eram da iniciativa privada

e passaram para a gestão de uma empresa de economia mista, onde o Estado é o principal acionista.

Estas compras às avessas criaram, porém, um vínculo hibrído para estes trabalhadores. Constata-se com

isso que o ativo, isto é, os equipamentos destas unidades passaram a ser 100% da Empresa de energia,

mas os trabalhadores permaneceram com o vínculo empregatício da própria termelétrica, isto é, não são

próprios nem terceirizados.

Além disso, houve uma ausência de participação destes trabalhadores neste processo de

mudança, permanecendo os mesmos bastante temerosos pela perda de seus postos. A ausência de

informação fez com que alguns pedissem demissão neste processo, pois todos acreditavam que, tão

logo a Empresa de energia tivesse o controle da gestão, seriam demitidos.

Também se identificou uma mudança no conteúdo do trabalho de parte dessas pessoas, tendo

seu trabalho prescrito e as regulamentações alteradas devido à mudança na lógica de gestão do e no

trabalho. Essas mudanças fizeram com que os próprios trabalhadores questionassem sua própria

capacidade laborativa, pois eram trabalhadores experientes, qualificados e que, de forma abrupta,

tiveram que modificar o seu modo de trabalhar.

Os aportes teórico-metodológicos privilegiaram a fala dos entrevistados e as observações da

atividade. Enfim, colocou-se em foco a atividade daqueles que trabalham com suas dramáticas e

tensões para torná-la vivível e possível, compreendendo como as mudanças organizacionais trouxeram

para vida e saúde destas pessoas, implicações em seu dia a dia.

131

À medida que se avançou nessa pesquisa constatou-se que estas mudanças organizacionais

trouxeram para estes trabalhadores uma série de dificuldades concretas no dia a dia de trabalho, tais

como um crachá que não os identifica como trabalhadores da Empresa de energia, nem tampouco

como terceirizados; um plano de cargos e salários diferenciados do da Empresa de energia; uma

ausência de perspectiva profissional e de ascensão em suas carreiras; uma desvalorização dos saberes

investidos, dentre outras dificuldades elencadas.

Imagina-se que estas adversidades foram fruto de um processo atípico e novo para a Empresa de

energia, pois não foi e nem é possível prever todas estas variáveis e implicações no dia a dia de

trabalho, no momento de aquisição. Entretanto, seria de fundamental importância que o processo

previsse espaço para que estas lacunas, insuficiências e dificuldades pudessem ser visualizadas e

tratadas.

A nosso ver, é de suma importância que haja profissionais atentos para acompanhar e assessorar

processos como este, com o olhar da atividade, proporcionando uma transição mais participativa e

dialógica, onde estas transformações não sejam introduzidas “guela a baixo” dos trabalhadores.

Tal como se evidenciou no processo de Duo Diligence, profissionais habilitados para gerir a

parte técnica, operacional e contábil, de modo a realizar um processo de transição da empresa privada

para Empresa de energia mais estruturada. Acredita-se que fossem necessários profissionais habilitados

e capacitados com o olhar para a atividade, para os coletivos de trabalho, de modo que estes pudessem

expressar suas angústias e dificuldades frente às mudanças em seu trabalho.

O processo de mudança de propriedade destas UTEs já ocorreu há cerca de cinco anos, mas

ainda hoje permanecem lacunas, que são, freqüentemente, motivos de queixas e insatisfações destes

trabalhadores. Para parte destes trabalhadores, o processo de incorporação está em curso, portanto,

vislumbram, em longo prazo, a resolução destes problemas e até a possibilidade de equiparação aos

empregados da Empresa de energia, isto é, aos “petroleiros”, no que tange aos direitos e benefícios .

Quanto a esta equiparação, constatou-se que, ainda hoje, ela está pautada nos benefícios

econômicos e financeiros. A Empresa de energia buscou fornecer benefícios tais como acordo

coletivo de trabalho, participação nos lucros e resultados, anuênio, abono de férias de 100%, mas pouco

avançou nas questões relativas ao reconhecimento, à valorização, ao sentido de pertencimento à

Empresa, enfim ao sentido subjetivo do trabalho.

Constatou-se como esta ausência de reconhecimento traz conseqüências para a saúde e

segurança destes trabalhadores, pois inúmeros relatos de sofrimento psíquico, distúrbios emocionais,

problemas osteomusculares, alterações gastrointestinais, dentre outras queixas foram evidenciadas.

Além de alguns casos de afastamentos laborativos de longa duração, que acarretaram benefícios

132

133

previdenciários por câncer, acidente de trabalho e doença osteomuscular. É importante sinalizar que

não foi intenção realizar uma investigação minuciosa e precisa sobre o perfil de morbidade destes

trabalhadores.

Interessante notar que, apesar de todas estas queixas e sintomas, a maioria destes trabalhadores

suportou as adversidades. Não se afastaram do trabalho, reagiram e voltaram à normalidade, em um

esforço para dar conta do trabalho e em um movimento em prol da sua própria saúde, mesmo que, em

alguns casos, de forma inconsciente.

Evidencia-se que hoje é possível introduzir uma série de medidas que podem contribuir para

melhoria das condições de trabalho e, conseqüentemente, da vida dessas pessoas. Estas mudanças são

de cunho organizacional tais como: a melhoria no processo de comunicação das alterações

introduzidas, como a implantação do novo plano de saúde; do plano de previdência privada; entre

outras que, por ausência de uma comunicação eficaz proporciona nestes trabalhadores um processo de

resistência e receio destas modificações.

Além disso, outras questões mais profundas e arraigadas necessitam de um trabalho mais

profícuo e duradouro. Estão relacionadas à maior participação destes trabalhadores, consideração de

seus saberes e potenciais, perspectiva de crescimento profissional, definição do vínculo empregatício

destas pessoas e sentimento de pertencimento à Empresa de energia. É muito importante que essas

pessoas possam se reconhecer como participantes do processo e como uma engrenagem importante

neste sistema, fato que, ainda hoje, não ocorre.

Espera-se que este estudo exploratório possa contribuir para compreender e transformar estas

situações de trabalho, de modo que estes trabalhadores possam ter melhores condições de vida

profissional. Reconhecendo as nossas lacunas e insuficiências, espera-se que outros estudos possam

também ser realizados neste campo fecundo e complexo, pois há muito o que se desvelar e intervir.

Além disso, espera-se que as questões identificadas neste trabalho possam ser objeto de práticas

transformadoras, tanto pelos gestores da Empresa de energia, como pelos coletivos de trabalhadores,

de modo que haja melhoria em seus modos de vida e nas condições profissionais da força de trabalho

destas termelétricas.

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ANEXO 1 - ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA.

I – Dados Sócio-Demográficos e Ocupacionais

1) Sexo: ( ) F ( ) M

2) Idade: ____________ anos

3) Regime de Turno: ( ) Administrativo ( ) Turno

4) Tempo de Empresa: _____________

5) Escolaridade:

1º. grau/Nível fundamental completo ( ) incompleto ( ).

2º. grau/Nível médio completo ( ) incompleto ( )

Superior completo ( ) incompleto ( )

6) Formação:

Curso técnico ( ) Graduação ( ) Pós-graduação: especialização ( ) mestrado ( ) doutorado( ).

7) Cargo: ________________________________________

8) Função: _______________________________________

9) Tempo de trabalho na empresa: ____________ anos

II – Perguntas Abertas sobre a mudança na gestão

1) Como você soube que a empresa em que você trabalhava deixaria de ser uma empresa privada e

passaria para a gestão da empresa de Energia?

2) Como se deu o período de mudança?

3) Os trabalhadores participaram deste processo de mudança?

4) Houve dificuldade de adaptação neste processo de mudança?

5) Que sentimentos você vivenciou durante esta transição?

6) O que mudou no seu dia-a-dia de trabalho?

7) Quais as perdas e ganhos desta mudança?

8) Quais as diferenças de ser um empregado de uma empresa privada para um empregado de uma

empresa de economia mista?

9) Como você avalia a situação hoje?

10) Que dificuldades vocês enfrentam no dia-a-dia de trabalho de vocês? Elas estão relacionadas ao

vínculo diferenciado?

11) A sua saúde foi afetada de alguma forma com a mudança? Se sim, como e por que?

12) Você teria sugestões que pudessem auxiliar a melhoria do trabalho na UTE e conseqüentemente

na saúde de vocês trabalhadores?

ANEXO 2 - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – ENTREVISTA

Você está sendo convidado (a) a participar, como voluntário (a), da pesquisa - Mudanças na

Gestão do Trabalho e as implicações na saúde e segurança dos trabalhadores: o ponto de vista da

atividade.

Este convite está sendo feito a algumas pessoas que foram identificadas como chaves no

processo de mudanças da gestão das unidades de Seropédica, Macaé e Duque de Caxias e você foi

identificada como sendo uma destas pessoas chaves, podendo auxiliar na compreensão da problemática

objeto deste estudo.

A qualquer momento você poderá desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa

não trará nenhum prejuízo em sua relação com a pesquisadora ou com a instituição.

Os objetivos desta pesquisa são:

• Compreender as mudanças ocorridas na gestão do trabalho destas três termelétricas após a

aquisição por uma empresa do ramo de energia;

• Compreender as implicações deste novo vínculo de trabalho no cotidiano de vocês

trabalhadores, entendendo se novos problemas emergem desta inserção diferenciada, quais as

implicações diárias no trabalho.

A pesquisa será constituída por três etapas que envolvem sua participação: 1) observações do

trabalho em seus setores; 2) entrevistas semi-estruturadas com informantes chaves (pessoas

participantes no processo de aquisição); e 3) validação dos resultados da pesquisa com os sujeitos

pesquisados.

Os assuntos que serão abordados nesta pesquisa envolvem aspectos relacionados às mudanças

organizacionais na termelétrica que você trabalha, após a aquisição por uma empresa de Energia e as

implicações destas mudanças na saúde e segurança de vocês trabalhadores. Em nenhuma circunstância,

o conteúdo do material será divulgado de forma individualizada, pois os objetivos são avaliar as

condições de trabalho e a gestão do trabalho de forma coletiva, analisando as implicações da mudança

na gestão da saúde e segurança do conjunto dos trabalhadores.

Quanto aos benefícios, esta pesquisa propiciará discussão acerca da saúde e o trabalho de vocês

empregados próprios de termelétricas, contribuindo na construção do conhecimento no campo de

Saúde do Trabalhador e principalmente visando melhoria nas condições de trabalho de todos os

empregados das termelétricas.

Quanto aos riscos de sua participação nesta pesquisa, observamos que as discussões acerca das

mudanças oriundas do processo de aquisição das termelétricas, através das entrevistas semi-

estruturadas pode de alguma forma trazer à tona lembrança de situações vivenciadas de sofrimento,

angústia e desconforto, porém as discussões estarão centradas nas exigências da atividade e quais as

implicações no cotidiano de trabalho de vocês (e não em seus aspectos psicológicos), assim esperamos

que este risco fosse consideravelmente minimizado.

Para garantir o sigilo dos dados coletados das entrevistas será desenvolvido um sistema de

identificação numérica, visando assegurar a privacidade das informações dadas. Desse modo, nenhuma

entrevista conterá o nome; estas serão identificadas apenas por um sistema numérico. A lista

correspondente ao nome e seu respectivo registro numérico ficará sob a guarda da pesquisadora.

Cabe ressaltar, que esta pesquisa não recebe nenhum tipo de financiamento. Os participantes da

pesquisa não receberão qualquer espécie de reembolso ou gratificação devido à sua participação.

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional da

pesquisadora principal e do Comitê de Ética em Pesquisa - CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o

projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.

______________________________________

Hilka Flavia Saldanha Guida

Pesquisador: Hilka Flavia Saldanha Guida

ENSP - Rua Leopoldo Bulhões 1480, Manguinhos, Rio de Janeiro- RJ. CEP. 21041-210

telefone: (21) 2598-2818

[email protected]

Endereço CEP/ENSP (Comitê de Ética e Pesquisa)

Rua Leopoldo Bulhões, 1.480 - Andar Térreo

Manguinhos - Rio de Janeiro - RJ / CEP. 21041-210

Tel e Fax - (21) 2598-2863 Mail : [email protected] http://www.ensp.fiocruz.br/etica

Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e

concordo em participar.

_________________________________________

Sujeito da pesquisa

ANEXO 3 – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA O SINDICATO

1- Como o Sintergia avalia a situação dos empregados das térmicas?

2- Existe algum movimento do sindicato para a primeirização destes trabalhadores?

3- Como foi pensado o Acordo Coletivo das térmicas e em que ele se difere dos outros acordos

feitos pelo Sistema Petrobras? Por que o Acordo Coletivo das térmicas é individualizado e não

unificado como o dos demais empregados do Sistema Petrobras?

4- Como se dão as negociações feitas com a Petrobrás, comparadas às realizadas com as empresas

do ramo eletriciário?

5- Por que a representação sindical desses trabalhadores não é exercida pelos mesmos sindicatos

que representam os empregados do Sistema Petrobras? Quais as consequências dessa divisão?

ANEXO 4- MODELO DE AUTORIZAÇÃO DA EMPRESA PARA REALIZAÇÃO DA

PESQUISA EM SUAS INSTALAÇÕES E COM SEUS EMPREGADOS.

Declaro para devidos fins que a profissional Hilka Flavia Saldanha Guida está autorizada a

realizar a pesquisa “Mudanças na Gestão do Trabalho e as implicações na saúde e segurança dos

trabalhadores: o ponto de vista da atividade” nas instalações da termelétrica XXX, bem como

realizar o trabalho de campo com os empregados próprios XXXX.

ANEXO 5- ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O EX-DIRETOR

1- O que levou a decisão de aquisição de todas as termelétricas?

2- A decisão de compra conjugada com os funcionários obedeceu a alguma estratégia? Caso positivo

qual foi ela e quem foi responsável por ela.

3- Quando se decidiu adquirir as térmicas já se tinha um planejamento do que seria feito com os

empregados das térmicas?

4- Por que não se optou pela incorporação dos funcionários ao sistema Petrobras como já havia

ocorrido com outros setores da cadeia como a BR e a Transpetro?

5- Houve um planejamento de como seria feito esse processo de transição, de modo que fosse o menos

abrupto possível?

5- O que o senhor vislumbra como encaminhamento e prosseguimento para esse processo?