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DAS IMAGENS AOS MAPAS MENTAIS: UMA PROPOSTA DE ENTENDIMENTO DAS PERCEPÇÕES PRESENTES EM ESCOLAS RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO Lucileyde Feitosa Sousa/UFPR e UNIR [email protected] Kelton Gabriel/UFPR [email protected] INTRODUÇÃO A importância dos estudos de percepção no Brasil, surgidos a partir da década de 1980, remete a princípio a pesquisas de cognição aliadas a de representação e Oliveira (2002) tornou-se uma das pioneiras nesse estudo no país, na qual defende que a cognição estaria ligada à percepção que cada indivíduo constrói de sua realidade, preconizando um objeto de conhecimento de grande interesse para os geógrafos. Contudo, os níveis de desenvolvimento cognitivo e a imagem mental em si serviam como fonte de material para a operação mental e influenciavam à percepção. Vale lembrar que esse processo de desenvolvimento passa por etapas que se desenvolviam em função das experiências do meio onde o indivíduo adquiria informação que, de certa forma, refletia diretamente na sua percepção. Para tanto, o nosso argumento é de que o espaço ribeirinho de Porto Velho não é apenas sentido, mas vivenciado, logo adquire sentidos e ganha toda uma carga de emoção de acordo com as experiências vividas ou imaginadas pelos sujeitos. Observa-se que o mundo construído pelas pessoas volta-se para essa dinâmica de busca por novas experiências, de relacionamento que o indivíduo mantém com a sua realidade, de como perceber o seu espaço, de como aflorar o campo das emoções. De certa maneira, estamos imbricados nesse cenário de perceber, de viver, de sentir, de construir novas imagens e significados em cada momento. Em casa, na rua, na escola, nos diversos espaços geográficos, navegando a bordo dos recreios (barcos motores), de

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DAS IMAGENS AOS MAPAS MENTAIS: UMA PROPOSTA DE

ENTENDIMENTO DAS PERCEPÇÕES PRESENTES EM ESCOLAS

RIBEIRINHAS DE PORTO VELHO

Lucileyde Feitosa Sousa/UFPR e UNIR

[email protected]

Kelton Gabriel/UFPR

[email protected]

INTRODUÇÃO

A importância dos estudos de percepção no Brasil, surgidos a partir da década de

1980, remete a princípio a pesquisas de cognição aliadas a de representação e Oliveira

(2002) tornou-se uma das pioneiras nesse estudo no país, na qual defende que a

cognição estaria ligada à percepção que cada indivíduo constrói de sua realidade,

preconizando um objeto de conhecimento de grande interesse para os geógrafos.

Contudo, os níveis de desenvolvimento cognitivo e a imagem mental em si

serviam como fonte de material para a operação mental e influenciavam à percepção.

Vale lembrar que esse processo de desenvolvimento passa por etapas que se

desenvolviam em função das experiências do meio onde o indivíduo adquiria

informação que, de certa forma, refletia diretamente na sua percepção. Para tanto, o

nosso argumento é de que o espaço ribeirinho de Porto Velho não é apenas sentido, mas

vivenciado, logo adquire sentidos e ganha toda uma carga de emoção de acordo com as

experiências vividas ou imaginadas pelos sujeitos.

Observa-se que o mundo construído pelas pessoas volta-se para essa dinâmica de

busca por novas experiências, de relacionamento que o indivíduo mantém com a sua

realidade, de como perceber o seu espaço, de como aflorar o campo das emoções. De

certa maneira, estamos imbricados nesse cenário de perceber, de viver, de sentir, de

construir novas imagens e significados em cada momento. Em casa, na rua, na escola,

nos diversos espaços geográficos, navegando a bordo dos recreios (barcos motores), de

um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida construindo

experiências espaciais e culturais.

Então, a discussão acerca dos estudos de percepção em Geografia colabora para

o entendimento do espaço, do lugar, do mundo vivido dos alunos ribeirinhos no

contexto da Amazônia. Por sua vez, as comunidades ribeirinhas possuem um modo de

vida ligado ao universo das águas e das matas, desenvolvem atividades que vão desde a

garimpagem de ouro, extrativismo vegetal à pescaria.

Para este trabalho, trouxemos as percepções de alunos de duas escolas

ribeirinhas em relação ao rio Madeira, o qual passa por um processo de mudança em

virtude da construção de duas usinas hidrelétricas (Jirau e Santo Antônio). As duas

usinas, por exemplo, atingirão fortemente a população residente em seu raio de

abrangência, com alagação das terras e desapropriação de famílias ribeirinhas e

indígenas, as quais, além de morarem há mais de cinqüenta anos nessa região, possuem

como únicos meios de subsistência a pesca, a construção de embarcações, garimpagem

de ouro e a agricultura de subsistência.

Tais empreendimentos, conjuntamente com o projeto de implantação do

Gasoduto Urucu (Amazonas) a Porto Velho, ocasionarão uma série de conseqüências

em todos os níveis e promoverão uma nova dinâmica de reorganização do espaço, do

território e mudança da qualidade de vida da população local.

E, concomitantemente a este processo de reordenamento espacial, destacamos a

importância do transporte fluvial, no caso, das embarcações motorizadas chamadas de

recreios e que, através delas, se escoam a produção local, transportam passageiros e

cargas. Estes alunos, ao viajarem nessas embarcações, passam a construírem

significados espaciais diversificados neste ambiente da Amazônia.

Todavia, o barco não é apenas um meio de transporte, com tipologias, usos ou

funções diferenciadas. O barco é o lugar do encontro, do estabelecimento das relações

sociais e culturais. No barco há o contar histórias, o aprender ensinamentos advindos de

gerações, de entender como se navega ou se chega a determinado lugar. Há uma

produção de espaço gerador de sentido e de novas representações.

Considera-se, num primeiro momento, a importância da escola perceber essa

diversidade sociocultural em áreas ribeirinhas. É relevante mostrar o quanto a percepção

dos alunos das séries iniciais revelará o conhecimento do espaço ribeirinho, sem

desconsiderar as imagens subjetivas construídas nesta convivência com os rios,

igarapés, com a mata e alicerçada pelas relações afetivas e culturais.

Sem dúvida, as vivências dos alunos das escolas Domingos Sávio e Antonio

Augusto Vasconcelos, ambas localizadas às margens do rio Madeira nos levará a pensar

de que forma este conhecimento deve fazer parte do ensino da Geografia nas séries

iniciais. De acordo com Aigner (2006, p. 213):

“A Geografia, ao proporcionar novas leituras do espaço vivido cotidianamente, é um poderoso instrumento para a construção da cidadania ao fortalecer a identidade através da valorização do lugar e da compreensão da articulação deste com o espaço global”.

Neste sentido, é de grande relevância pensar de que forma a leitura dos espaços

vividos dos alunos ribeirinhos estão chegando à sala de aula, se o professor de

Geografia prioriza este diálogo com esta realidade amazônica, com a experiência de

cada aluno, lembrando que o lugar é dado a partir da experiência das pessoas.

É nesse contexto que se coloca a importância de Tuan (1980) ao estudar as

percepções e atitudes ambientais nos trazendo o conceito de topofilia no qual pressupõe

um sentimento de afeição aos lugares, é o elo afetivo entre a pessoa e o lugar. Destaca a

importância dos sentidos humanos (mecanismos biológicos) como traços comuns nos

estudos da percepção, havendo a predominância da visão por obter informações muito

mais precisão e detalhamento sobre o meio ambiente.

Tuan destaca o papel da visão ao perceber com mais objetividade o meio

ambiente, mas evidencia que o ser humano percebe o seu mundo e o de outros através

de todos os seus sentidos e cada sentido reforça e se comunica com o outro.

É, aqui, se questiona: como os alunos percebem o rio Madeira? Que significados

são atribuídos a este rio que é tido como o principal no Estado de Rondônia e para as

suas famílias? É interessante ver nas obras de Tuan (1980, 1983) este elo de afetividade

com o qual os seres humanos mantêm com o lugar, com o meio ambiente, bem como as

emoções, simbolismos, o misticismo e as paisagens do medo ou do prazer presentes no

lugar. Há, certamente, dentro dessa lógica de raciocínio uma profundidade de

intensidade, sutileza e modo de expressão.

Complementando Tuan, Loureiro (1995) evidencia que no âmbito da cultura

amazônica há uma produção humana que vem incorporando na sua subjetividade, no

inconsciente coletivo e dentro das peculiaridades próprias da região, motivações

simbólicas que resultam em criações que estreitam, humanizam ou dilaceram as

relações dos homens entre si e com a natureza.

Assim, buscamos através do processo de produção de textos e com a utilização

de mapas mentais compreender as percepções dos alunos em relação ao rio Madeira.

Trabalhamos com um total de 20 alunos do ensino fundamental em duas escolas:

Domingos Sávio, localiza-se na comunidade de São Sebastião e Antonio Augusto

Vasconcelos, na Vila da Cachoeira de Teotônio, ambas localizadas às margens do rio

Madeira, mediante a participação desses alunos no Projeto Fluviário-Mirim: experiência

cidadã nas embarcações, na cidade de Porto Velho.

De início destacamos a importância da utilização do aporte metodológico dos

mapas mentais no sentido dos alunos perceberem com minuciosidade o espaço e o lugar

em que vivem, sendo uma prática interessada de aperfeiçoamento da aprendizagem.

A importância desse tema associa-se ao entendimento de que é preciso pensar

nas questões ambientais e regionais, numa área que começa a ser construída a primeira

usina hidrelétrica no rio Madeira e as duas escolas contempladas supracitadas fazem

parte desse processo de reordenamento do espaço.

As análises foram feitas a partir de uma das atividades desenvolvidas durante as

capacitações dos alunos, na condição de monitores, do Projeto Fluviário-Mirim:

experiência cidadã nas embarcações.

2 Referencial teórico metodológico

O enfoque metodológico utilizado nesta pesquisa recorreu à Fenomenologia, um

processo de pesquisa interessante, que vai além da realidade cognitiva (conhecimentos

objetivos como eles se apresentam) em que se estudam os processos de experiências

humanas subjetivas (experiências vivenciadas pelo próprio indivíduo). Preocupa-se não

só com o que se consegue observar, mas também com o que está por trás da aparência.

Assim, com a utilização da fenomenologia procurou-se interpretar e

contextualizar a forma de entendimento dos fenômenos, o mundo vivido, a experiência

de vida das pessoas, a partir da subjetividade do grupo.

Percorrendo o sujeito, a linguagem, a história, a cultura nas relações sociais,

tornou-se imprescindível buscar também a contribuições dos autores: Bakhtin (1999),

Kozel (2007), Loureiro (1995) que colaboram na análise das produções e mapas

mentais, trazendo uma nova concepção de mundo, de homem e de linguagem no

desenvolvimento do sujeito histórico e social.

Em Bakhtin há uma valorização da fala, da enunciação como sendo de natureza

social. Destaca em seus trabalhos a linguagem viva, polifônica, dialógica, defendendo

um conhecimento histórico e pessoal. E ressalta a diversidade social de linguagens e

divergência de vozes individuais, definindo a língua como expressão das relações e

lutas sociais.

Portanto, os sentidos são construídos nessa relação do eu com o outro, a qual

Bakhtin (1999, p.117) diz: “O sujeito como tal não pode ser percebido nem estudado

como coisa, posto que sendo sujeito não pode, se quiser continuar sê-lo permanecer sem

voz, portanto, seu conhecimento, só pode ter um caráter dialógico”.

Bakhtin trouxe a noção de dialogismo, mostrando que o eu e o outro estão

intimamente ligados, tendo como elemento articulador a própria linguagem, isto é, a

linguagem é o centro de suas investigações. Há várias vozes nesse processo enunciativo

da palavra, gerando significados, vozes que ecoam no momento da fala ao longo das

atividades dos alunos na escola, das viagens nos barcos. É pela linguagem que o homem

se constitui enquanto sujeito social, pois nenhuma palavra é nossa, mas traz em si a

perspectiva de outra voz.

As contribuições de Bakhtin possibilitam refletir sobre os alunos ribeirinhos,

considerando que a linguagem atravessa o indivíduo provocando um processo dialético,

uma forma de interação e, por isso, é preciso levar em consideração as linguagens,

histórias e experiências de mundo desses alunos no campo das percepções e

representações.

Acrescenta Tuan que a percepção se dá através dos sentidos, mas a cultura

influencia na forma de perceber, de formar uma visão de mundo e de ter atitudes em

relação ao ambiente encontrado. Ainda descreve como as características culturais dos

diferentes grupos humanos interferem no modo de vida de perceber o ambiente,

destacando o papel da sensibilidade biológica humana neste processo de perceptivo.

Além disso, há a capacidade humana de criar símbolos, atrelados à percepção através

dos sentidos, é uma forma de organizar o espaço e o lugar, logo, a percepção acontece

de forma muito subjetiva, a partir do mundo vivido das pessoas.

Como dizia Freire isso é buscar novas palavras, não para colecioná-las na

memória, mas para dizer e escrever o seu mundo, o seu pensamento e sua história. Na

importância do ensino da Geografia é importante considerar essa produção de sentidos,

a qual se dá no momento da fala, do encontro entre os alunos e professores, da interação

com o outro, assim, o mundo dos significados é o mundo da linguagem.

Para Kozel (2007) os mapas mentais correspondem a uma forma de linguagem

que permite ir além da referência ao lugar e ao mundo vivido do sujeito,

proporcionando uma análise mais ampla do indivíduo no contexto social e cultural em

que está inserido. Portanto, os mapas mentais são enunciados, advindo dessas relações

dialógicas estabelecidas entre os sujeitos nos mais diversos contextos sócio-culturais.

Nessa perspectiva, os mapas serão construídos no próprio barco, tido como signo

importante de entendimento do lugar e do espaço ribeirinho e nele se observará as

relações dialógicas, as percepções dos lugares contidas neste espaço ribeirinho e

construídas no âmbito das relações sociais que são tecidas desde a infância.

Todavia, entende-se que o mapa mental é uma forma significativa de linguagem

no universo ribeirinho, através dele buscar-se-á conhecer o mundo cultural dos alunos

que refletem o modo de vida deles no ambiente amazônico repleto de mitos e

estetizações.

Essas contribuições dos autores são valiosas para o entendimento das percepções

dos alunos, uma vez que o conhecimento construído tem este caráter dialógico.

3 Pelo Projeto Fluviário-Mirim: conhecendo o universo dialógico dos alunos

ribeirinhos

Este projeto surgiu da constatação, durante a realização de pesquisas no rio

Madeira, de que os passageiros que dependiam do transporte fluvial, a exemplo das

crianças, adultos e pessoas da terceira idade desconheciam a utilização dos

equipamentos básicos de segurança: coletes salva-vidas, bóia circular1, balsa rígida2,

além de não obterem informações de como utilizá-los em caso de acidentes.

Tal cenário encontrado nos motivou a pensar em uma proposta interdisciplinar de

trabalho que atendesse diretamente aos passageiros e barqueiros, desencadeando um

processo de orientação e de conscientização em sete embarcações as quais faziam os

trechos Porto Velho-Calama/ Porto Velho - Manicoré e Manaus.

Assim, o referido Projeto Fluviário-Mirim foi desenvolvido num período de 12

meses, contou com a parceria de diversas empresas de navegação e instituições

governamentais. Neste projeto, foram beneficiadas vinte crianças e adolescentes em

situação de risco, isto é, alunos das duas escolas supracitadas e moradores dos bairros

adjacentes do Cai n’água3. O trabalho desses fluviários-mirins nas embarcações

1 Equipamento que serve para puxar para bordo alguém que tenha caído na água. 2 É uma embarcação utilizada no salvamento de várias pessoas, muitas vezes, é colocada no teto da embarcação. 3 Local sem infra-estrutura adequada para embarque e desembarque de passageiros e cargas no município de Porto Velho - RO.

contribuiu para aguçar uma visão crítica a respeito da prática da navegação praticada no

rio Madeira visando, sobretudo, a prevenção de acidentes, mediante esse processo de

orientação a bordo dos barcos, chamando atenção para a importância das políticas

públicas para os barcos recreios.

No decorrer do projeto, tornou-se importante mostrar o “desconforto” que o

desconhecimento das orientações básicas e práticas quanto à utilização dos

equipamentos de salvatagem causam aos passageiros durante as viagens, sendo

imprescindíveis na tentativa de se evitar os naufrágios, lembrando-se de que o rio

Madeira não apresenta canal definido, os obstáculos como pedras, tocos, bancos de

areia, pauzadas aparecem dependendo das épocas: cheias e vazantes, por isso, justificou

o trabalho de orientação e de conscientização desenvolvido nas embarcações.

4 Alunos envolvidos e as escolas participantes do Projeto

Neste projeto trabalhos com alunos da Escola Municipalizada Domingos Sávio,

localiza-se às margens do rio Madeira na comunidade de São Sebastião. Os moradores

possuem pouca escolaridade, a maioria das pessoas trabalha na pescaria, na agricultura

ou nos afazeres de casa. Uns dos traços marcantes para os alunos e pais referem-se ao

aspecto da religiosidade. Há uma devoção ao padroeiro da comunidade que é São

Sebastião.

A outra escola envolvida (Antonio Augusto Vasconcelos) encontra-se também

localizada a margem do rio Madeira, atende uma clientela diversificada de alunos, será

totalmente alagada com a construção da primeira usina hidrelétrica.

Os alunos participantes do projeto nasceram às margens do rio Madeira,

dependem do transporte da canoa, da voadeira para chegarem à escola. Além disso,

costumavam viajar a bordo dos barcos recreios com os seus familiares, convivendo com

a falta de informação em relação à utilização dos equipamentos de segurança.

Como critérios de seleção foram utilizados os seguintes: crianças em situação de

risco com renda familiar de até um salário mínimo com comprovação, o candidato

deveria estar matriculado e freqüentando o ensino fundamental (5ª ao 9ª ano), faixa

etária variava de 10 a 14 anos e morador dos bairros próximos ao Cai n’água, no

município de Porto Velho.

Após esta fase primeira de verificação de documentação, o candidato participou

da segunda fase em que consistiu nas atividades práticas voltadas à leitura, escrita e

confecção de mapas mentais relacionados ao tema: Como é o rio Madeira? nessa

tentativa de saber qual era a percepção dos alunos em relação ao principal rio do Estado

de Rondônia.

Os objetivos do projeto se pautaram em capacitar 20 crianças e adolescentes, na

condição de fluviários-mirins, para que pudessem desenvolver atividades de orientação

junto aos passageiros nas embarcações denominadas de recreio (barco-motor); envolver

alunos, moradores de bairros próximos ao rio Madeira para participarem do projeto e,

por fim, formar esses fluviários-mirins dentro de uma metodologia interdisciplinar do

“Círculo de Conscientização”.

O curso de Capacitação abrangeu os seguintes conteúdos: aspectos teóricos e

práticos de navegação, atividades turísticas, cidadania e meio ambiente, valorizando,

sobretudo, a linguagem, a cultura e experiências dos sujeitos envolvidos. As aulas,

ministradas por civis, militares e voluntários ligados a diversas atividades profissionais,

versavam sobre os seguintes temas: relações humanas, noções básicas de navegação,

direitos e deveres dos passageiros, a questão do lixo nas embarcações, valorização do

idoso e preservação do meio ambiente.

A bordo da embarcação, os alunos em duplas se aproximavam dos passageiros

pedindo licença para prestarem orientações de como utilizar os equipamentos de

segurança; nesse momento em torno das crianças se juntavam em média de quatro a oito

pessoas, constituindo assim o chamado Círculo de Conscientização, pois os passageiros

ouviam as explicações, tiravam as suas dúvidas e usavam o colete salva-vidas da forma

mais indicada.

As atividades, incluindo as de treinamento e as práticas, isto é, oficinas, foram

realizadas durante o período de 12 meses nos quais os fluviários-mirins tiveram a

oportunidade de contribuir para amenizar problemas detectados quanto à navegação

praticada no rio Madeira, colaborando para uma prática mais segura nesses barcos de

madeira, sendo uma oportunidade de compartilhar saberes, exercer a cidadania e

participar de um projeto social voltado à melhoria da qualidade de vida de quem

depende exclusivamente de transporte fluvial.

5 Detalhamento das análises

Como parte desses resultados, trouxemos como recorte a parte de utilização dos

mapas mentais, aliado a um trabalho de produção de textos com os alunos em relação as

suas percepções sobre o rio Madeira. Através desse trabalho, visualizamos o quanto os

mapas mentais colaboram para o entendimento do mundo vivido de alunos em áreas

ribeirinhas da Amazônia.

Uma outra coisa, não dá pra enfocar os mapas mentais sem priorizar o trabalho

com a linguagem, pois ela é caracteriza e marca o homem enquanto sujeito social,

permitindo que os alunos sejam autores de seus próprios textos.

Abaixo, faremos uma análise das produções de texto e dos mapas mentais. Os

alunos evidenciam nos seus textos a presença de interlocutores, mostram a relação

afetiva com o rio, a sua importância econômica, os seus problemas ambientais e

aspectos afetivos que mantém com o lugar.

Texto Escrito 1:

Aluno: Anderson, 14 anos.

Mapa Mental 1:

Aluna: Juliane, 12 anos

Texto Escrito 2:

Aluna: Michele, 13 anos

Na análise em questão devemos considerar:

a) Oralidade: traz à tona as percepções individuais, as experiências que o

aluno adquire da vida. A oralidade é uma prática de interação, por meio dela,

vimos a presença do dialogismo bakhtiniano e as relações afetivas que os alunos

constroem com o lugar;

b) Relação de gênero: havendo percepções diferenciadas entre os alunos;

c) Os problemas ambientais que aumentam: o lixo, a garimpagem de ouro, a

pesca predatória, entre outros aspectos;

d) Modo de vida dos moradores de suas comunidades que dependem da

pesca, além do lugar de lazer: as praias que aparecem durante a época da

vazante.

Nesse contexto social, nos deparamos com os significados atribuídos pelos

alunos em relação ao rio Madeira. Ter a oportunidade de registrar essas percepções nos

leva a compreender mais a realidade dos alunos que residem em áreas ribeirinhas na

Amazônia.

Os alunos enfatizam nos seus textos e mapas os lugares, o modo de vida,

elementos geográficos, o vocabulário utilizado, evidenciando as marcas da subjetividade.

E é nesse dialogismo que os alunos mostram suas percepções e subjetividades.

Para Amaral (2007, p. 301): “a memória discursiva e o imaginário social se

fazem presentes, transformando-se em discurso heterogêneo, conforme o dialogismo

bakhtiniano: é no discurso do outro que o sujeito se constitui”. O rio é marcadamente

presente nos textos. Através das produções escritas vimos as percepções significativas

para os alunos de áreas ribeirinhas.

6 Considerações Finais

As atividades desenvolvidas em sala, mediante a realização do Projeto Fluviário-

Mirim e através das escolas municipalizadas Domingos Sávio e Antonio Augusto

Vasconcelos, oportunizaram pensar sobre a importância dos estudos de percepção na

disciplina de Geografia nas séries iniciais, levando em consideração a diversidade

sociocultural encontrada.

Sem dúvida, o trabalho do professor de Geografia, como de outras áreas, é

fundamental na construção de uma escola engajada com a realidade sociocultural do

aluno, ainda mais no contexto da Amazônia com toda a sua complexidade e desafios.

O texto acima chama atenção para a importância de se trabalhar com temas

significativos à experiência dos alunos, dessa forma, se rompe o silêncio social,

individual, tornando possível o encontro com o outro, o dialogismo defendido por

Bakhtin.

Pelo que se observa, a leitura do mundo (vivência dos alunos na Amazônia), a

utilização de mapas mentais e as produções escritas estão dinamicamente juntas porque

o ensino de Geografia deve partir de temas significativos à experiência dos alunos e do

seu espaço vivido.

Diante de nossas afirmações, conclui-se que os estudos da percepção se tornam

fundamentais no sentido de se entender o mundo vivido dos alunos, as relações

estabelecidas com o lugar, com a natureza.

REFERÊNCIAS

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