misticismo e ideologia no contexto cultural portugués

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  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    1/10

    M i g u e l E s t e v e s C a r d o s o

    *

    Anl ise

    Social ,

    vol.xviii (72-73-74),1982-3.-4.-5.,1399-1408

    Misticismo e ideologia

    no contexto cultural portugus:

    a saudade, o sebastianismo

    e o integralismo lusitano

    Servindo-me da metodologia relativista sugerida por Peter Winch em The

    Idea o f a Soc ia l Sc ience

    l

    para a anlise das aces sociais no co ntex to cultural a

    que naturalmente pertencem, quero servir-me da saudade e do sebastianismo

    como ideal types (no sentido heurstico que lhe deu Weber)

    2

    , para abord-los

    naquilo que ambos contm de ressonncia poltica.

    Apresentarei a doutrina do integralismo lusitano como exemplo til dum

    esforo de soluo ideolgica da contradio portuguesa entre a saudade

    (aqui expressa no medievalismo) e o sebastianismo (revelado no tema do

    Quinto Imprio). Para tal, servir-me-ei com especial realce do percurso doutri-

    nrio de Antnio Sardinha, que, como adiante se ver, oscilou e depois per-

    correu o espao entre as duas concepes propostas.

    Tanto a saudade como o sebastianismo so donos de um determinado tipo

    de discurso e pertencem, embora no hermeticamente, a um especial tempo

    verbal. Definamos ento ambos estes modos de ver naquilo que tm de assi-

    nalvel e til.

    A SAUDADE

    Tomou-se um lugar-comum isolar a saudade dentre aquelas caractersticas

    mais ou menos salientemente originais da nossa cultura. Embora tambm se

    possa dizer que os lugares-comuns fabricam, com a sua frequncia e assidui-

    dade,

    a sua prpria justificao de existncia e verd ade ; creio no ser d escabido

    tomar a saudade como tema obsessivo da nossa literatura e cultura.

    Para que seja me todolog icam ente til, necessrio defini-la en qu an to

    modo

    de ver

    (dirigido a pessoas, a lugares ou prpria histria), caracterizada por

    determinada

    mane ira de sen ti r

    que atribui um a escala de valores de acordo com

    uma concepo descontnua do tempo. O que se

    valoriza

    ento o passado

    custa do prese nte e, de certo mod o perverso, ma s coeren te, o prese nte custa do

    futuro. Dantes que era bom ser a expresso popular que sintetiza boal-

    mente a primeira contraposio e As coisas vo de mal a pior a segunda.

    Tal como S Carneiro escrevera, Para mim sempre ontem, tambm os

    integralistas da primeira gerao assim concentravam o seu olhar. A saudade

    no apenas, ou tanto, um olhar como um a

    relao

    entre olhares, comparao

    do mal de hoje com o bem de ontem.

    * GlS /Institu to de Cincias Sociais e Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa.

    1

    Peter Winch,

    The Idea o faSoc ia l S c i e nce ,

    Londres, 1958.

    Edward Shils e Henry A. Finch (eds.),

    The Methodologyo ftheSoc ia l S c i e nce s ,

    Glencoe, 1949.

    1399

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    2/10

    Tem interesse considerar, por instantes, a noo de

    saudade histrica, j

    poe-

    ticam ente em pregue por Fern and o Pessoa. Se cada olhar escolhe ou escolhido

    pelo o bjecto qu e o fascina, certo qu e, na obra integralista (e no s) existem

    dois focos onde se concentra a ateno saudosa. At porq ue a maior parte do tra-

    balho doutrinrio dos integralistas se destinava a reabil itarasfiguras e os pero-

    dos histricos que pensavam dever constituir a sua

    tradio

    e, neste sentido,

    creio ser lcito falar na construo , ou recon struo , dum

    passadod igno ,

    valo-

    rizao que no diferente, nem to-pouc o se distingue clara m ente, do processo

    de embelezamento dobemperdidoque est na natureza do fenmen o saudoso.

    Esses do is focos sero, no to grossomodocomo se poder partida pensar,

    o perodo quatrocentista, pr-Descobrimentos, entendido aqui como o ponto

    mais desejvel, mas ainda no desenvolvido, da Idade Mdia, e o perodo

    quinhentista, dos Descob rimentos, entendido aqui como

    o

    pon to menos desej-

    vel,

    mas ainda no decadente, da Renascena.

    Estes dois temposacarretam , no iderio histrico dos integralistas, conside-

    raes tomadas como consequncias ideolgicas sobre a Nao e o Estado

    portugus.

    Assim possvel distinguir os dois tipos de raa e os dois tipos de pas que

    pertencem a cada tempo:

    Por um lado, no temp o medieval,oPortugusum

    lavrador poeta

    maneira

    de D. Dinisapegado terra, suavemente catlico e supersticioso, de brandos

    costumesepaixes. Por

    outro,

    no tempo dos Descobrimentos,oPortugus um

    navegador guerreiro maneira de Albuquerque

    sedento de aventura, mais

    para o m ar do q ue para a terra, apaixonado , violento e dum a religiosidade terna-

    mente mstica.

    Ao primeiro portugus corresponde um Portugal-quinta, a piquena casa

    lusitana de que falava Cam es; e ao segundo um P ortugal-im prio, aquele que

    dera novos mundos ao mundo.

    Na historiografia integralista, estes dois modelos

    cham emos-lhes

    assim servem e so servidos na construo das respostas perenes sobre a

    naturezae odes t inode Portugal e dos Portugu eses; ou seja, aquilo qu e Portugal

    e os Portug ueses eram man i fe s tamen te e so agoran o fundo aqui lo que j foram

    ou poderiam ter sido e agora deveriam finalmente assumir. Esta questo, que

    Sardinha circunscreveu com as palavras A Verdade Portuguesa,encontra-se

    evidentemente na base de todas as interrogaes que se fizeram, se fazem e

    decerto continuaro a fazer-se sobre a identidade interior e exterior do Pas

    lugar dos Portugueses e de Portugal, e de uns e outro, no mundo.

    possvel dividir as fontes desta reconstruo do passado, como saudade

    histjica, de acordo com o seu fundamento na realidade perceptvel e interpre-

    tveLA ssim com o a saudade

    toutcourt

    pode co nter um m aior ou me nor grau de

    embelezamento

    e

    transformao (ao pon to de

    o

    letrista An bal Naz ar ter excla-

    ma do que at os tempo s mau s, na saudade, pareciam bo ns)

    3

    , tamb m a saudade

    histrica se pode ap roximar m ais, ou men os, dum a tentativa sincera de conhe -

    cer o passado , seleccionado o mais fielmente possvel, na escolha e no estudo de

    uma tradio.

    Chamando real idadehistricao conjunto de dados mais ou me nos verifica-

    dos e comprovados q ue so plausivelmente interpretados e inter-relacionados,

    pode fazer-se a seguinte discriminao:

    1. Real idade histrica

    Um a interpretao razoavelm ente optimista desta.

    3

    Dotempo da mocidade /S a saudade icou.. . IChega agen te a ter saudade /Dashorasms que

    1400 passou

    (Mascarenhas Barreto,

    Fado,

    Lisboa, s. d.)

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    2.

    Re al idade histrica modif icada-

    Aqui se situa o tratamento dado por

    Sardinha e pelos outros integralistas a mitos e lenda s, com o sejam, mais gritan-

    temente, o Milagre de Ourique e a lenda sebstica. Alfredo Pimenta, alis,

    definiu com honestidade o relativismo que presidia sua viso e reviso da

    histria.

    Tal como Antnio Sardinha dissera que no podemos hoje encarar a

    questo do milagre de Ourique com o critrio exterior, todo pio e circunscrito,

    atravs do qual Alexandre Herculano a encarou

    4

    , tambm Alfredo Pimenta

    escreveu corajosamente:

    A v erdade a verdad e? . Mas a verdad e, fora da Revelao, no existe.

    Se tenh o de tom ar um a verdade relativa, adopto

    a

    verdade que serve a minha

    Ptria, e no a que pode prejudic-la ou dim inu-la. Porisso,tenho para m im,

    sinto-o e proclamo-o, que a minha Ptria a mais bela, a mais nobre, a

    maior de todas as Ptrias, e que so estas que devem servir a m inha , e no a

    minha que deve servir a dos outros

    A batalha de Aljubarrota contada pela Histria de Portugal uma; a

    mesma batalha contada pela Histria de Castela outra. Qual delas a ver-

    dadeira? No mundo das transcendncias, se calhar, nem uma nem outra;

    mas,

    como eu vivo neste mu ndo , no hesito: A verdadeira a dos portugue-

    ses,porque nos exalta, e nos distende os nervos em estmulos de herosmo.

    N um a palavra: em histria de Portugal verdad eiro tudo qu anto glorifique a

    Nao P ortuguesa; falso tud o qu anto a deprima, a dim inua, a enerve e a

    enxovalhe.

    Por isso, eu, historiador, se fosse historiador, seria um historiador objec-

    tivo com a reserva acima indicada

    5

    .

    3. Real idade histricahipotticaTrata-se de um a curiosa forma de his-

    tria, freque ntem ente feita pelos integralistas, que consistia em tecer conside-

    raes baseadas numa premissa condicional pretrita, na forma da proposio

    Se isto [no] tivesse acontecido [...] ento [...]. Pressupe, implicitamente,

    uma situao de encruzilhada na qual dois ou mais caminhos poderiam ter sido

    escolhidos, tendo embo ra sido historicamente seleccionados um, ou o, cam inho

    menos desejvel.

    Encontramos aqui as conjecturas do tipo Se no tivssemos perdido a

    batalha de Alccer Q uibir..., Se no tivssemo s partido para a ndia... ou Se

    D.

    Miguel tivesse podido continuar como rei de Portugal...

    Este tipo de anlise contm dois aspectos diversos. O primeiro a recons-

    truo do presente surgindo de um passado corrigido (conve nientem ente alte-

    rado); e o segundo uma espcie de autocompaixo nacional resultante da

    conscincia de oportunidades perdidas e da avaliao negativa do presente tal

    qual ele . Evide ntem ente, imp utam-se responsabilidades pela utopia gorada e

    tiram-se ilaes segundo a proposio O que poderamos ser se....

    Os integralistas, na sua primeira fase, utilizavam esta realidade histrica

    hipott ica sobretudo em relao aos Descobrimentos-aquilo que Portugal

    poderia ter sido se no tivesse empreendido essa ambio. o que Alberto

    Monsaraz diz no primeiro nmero da Nao Portuguesa:

    Se a voz do Velho do Restelo fosse ouv ida, as ma deiras d as naus seriam

    arados para lavrar a terra fecunda e semear a alegria, a abund nc ia e a paz

    6

    .

    4

    Antnio Sardinha,

    NaFeirados Mitos ,

    Lisboa, 1926, p. 145.

    5

    Alfredo Pimenta,

    N ovos Estudos Filosficos e Crticos ,

    Lisboa, 1935, pp. 106-107.

    6

    A. M , O nosso rei, in

    NaoPortuguesa ,

    l.

    a

    srie, n.3, Junho de 1914, p. 67. 14 1

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    4.

    Real idade histrica

    imaginr ia Esta fonte inclui todas as explicaes

    patentemente absurdasemredordeperodo s cuja distncianot empoefaltade

    documentosseprestamespeculaoe inveno. Na grande maioriadoscasos

    trata-se

    de

    responder

    a

    perguntas sobre

    a

    origem

    da

    nacionalidade p ortuguesa

    com teorias mais

    ou

    menos mitopoticas, como

    foi a

    descendncia

    dos

    Portu-

    gueses, traada por An tnio Sardinhaem

    O Va lorda

    Raa,at aos habitan tesda

    ilha lendria

    de

    A tlntida

    7

    .

    ,

    contudo,

    uma

    manipulao pouco popular

    na

    generalidade dosescritores integ ralistas.

    So estas, portanto,

    as

    fontes

    de que se

    servem

    os

    integralistas para reco ns-

    truir

    o

    passado digno

    de

    Portugal.

    Incidindo sobretudo sobre

    a

    poca

    de

    Quatrocentos,

    os

    integralistas cons-

    truram um paraso medieval portugus,

    contra

    a viso do imprio que lhe

    sucederia.

    Segundo esta viso, de um Portugal tranquilo, pacatamente prspero e

    tradicional, a Idade Mdia ter sido o ponto alto da histria portuguesa, a

    acalmia antesda tempestadedandia,e todaela tem ocarcter duma saudade,

    de embelezamento do passado, de arrependimento, de dolorosa e doce lem-

    brana.

    Lus

    de

    Almeida Braga, escrevendo

    em

    1931, dizia

    que

    verdadeiramente

    no havia entoclasses

    pobres;

    s osindivduoso podiam ser, por virtude

    de cir-

    cunstncias excepcionais efortuitas

    incndios, pestes,asgrandes fomes,as

    doenas longas. Mas esses tinham nos mosteiros hospitalidade generosa e

    terna

    8

    .

    Mais adiante,

    e

    repare-se

    na

    especial nfase

    da

    linguagem , toda

    ela

    tingida

    de saudade:

    A ningum faltava

    uma

    pedra redonda para erguer

    o

    lume,

    nem

    havia

    quem

    no

    tivesse onde abrigar-se

    noite.

    As

    matas

    da

    Coroa davam lenh a

    a

    uns,

    a

    outros madeira para rbicas

    de

    arados

    e

    para caibros [...]

    9

    No faltam

    na

    obra integralista descries deste tipo.

    A

    ideia dominante

    duma beleza interrompida. Como explica Antnio Sardinha

    na

    Teoria

    das

    Cortes Gerais, utilizando

    os

    dois conceitos

    de

    concrdia

    e de

    imperiumpara

    o

    efeito (descrever

    os

    conflitos

    da

    concrdia

    com o

    imperium

    descrever, quase

    clinicamente,

    o

    pathos atrofiador

    da

    Nacionalidade)

    10

    ,

    a

    interrupo

    dos

    Descobrimentos

    ps fim

    possiblidade

    de uma

    harmonia econmica, social

    e

    poltica quase atingida:

    Cortadoameiodasua jorn ad a histrica,no pde P ortugal, pela pertur-

    bao cosmopolita deQu inhentos, seguira linha naturalda sua formao.

    Abastardou-se

    s

    a

    realeza, corrompeu-se

    o

    Municpio,

    as

    classes,

    de

    ncleos

    necessrios

    resistncia

    da

    Nao, mudaram-se,

    com o

    andar

    dos

    tempos,

    em simples caritides

    do

    poder

    11

    .

    7

    Ver o

    captulo O esprito

    de

    Atlntida

    em

    O

    Valor daRaa,

    Lisboa, 1915,pp. 72-102, sobre-

    tudo pp. 80-94. Depois

    de

    tentar estabelecer

    a

    existncia

    da

    Atlntida, Sardinha traa

    as

    origens

    do

    qu e

    ele

    chama H.-Atlanticus quela ilha.

    8

    Lus

    de

    Almeida Braga, Dos tempos ureos,

    inIn tegra l i smo Lus i tano ,

    vol.

    i,

    fasc. vi, Setem-

    br o

    de

    1932, p.

    285.

    9

    Id.,

    ibid.

    p. 286.

    10

    Antnio Sardinha, Teoria

    das

    Cortes Gerais, prefcio

    edio

    de 1924 das Me mr ias

    e

    A lguns Documen tos para

    a

    His tria

    e

    Teoria

    das

    Cortes Gerais

    [...]

    Ordenadas

    e

    Compos tas

    em

    1824

    pe lo

    2.

    Visconde

    de

    Santarm,

    Imprensa

    de

    Portugal-Brasil, Lisboa,

    p .

    cxxxi.

    14 2

    n

    Id.

    ibid.

    p.

    cxiv.

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    5/10

    O SEBASTIANISMO

    Por ser conhe cida a viso que de Qu atrocentos tin ham os integralistas, cujo

    lema era, prec isam ente , restaurar, no sculo XX, a Mona rquia de Qua-

    trocentos

    12

    possvel compar-la com a outra viso dos integralistas, que j

    no visava Quatrocentos, mas sim Q uinhen tos, que j no amb icionava aconcr-

    dia ,

    mas sim o

    imperium.

    Estoutra viso sucede primeira, nom eadam ente no

    percurso ideolgico de Antnio Sardinha, rejeitada mais ou m enos completa-

    mente pelos seus companheiros da primeira gerao (Hiplito Raposo, Lus de

    Alm eida Braga, Jos Pequito R ebelo), mas b em acolhida pela segunda gerao

    (Marcelo Ca etano , M anue l M rias, Pedro Teotn io Pereira), a qual iria ajudar

    a

    implantar o Estado Novo.

    Se primeira viso de saudadepertencia um a imagem idilicamen te

    med ieval de P ortugal, alicerando-se a a dou trina poltica integralista, de tradi-

    cionalismo, nacionalismo isolacionista, descentralizao e anti-imp erialismo,

    segunda

    sebas t ian i s ta

    correspondia um a imagem g loriosamente pica, que

    praticamente invertia aqueles valores anteriores, optando agora pelo interven-

    cionismo, pelo peninsularismo, pelo imperialismo e, necessariamente, pelacentralizao.

    Como metforas sugestivas destas duas posies temos, de um lado (o da

    saudade , A s Lricasde Cames e o antagonismo em relao Espanha e, de ou-

    tro (o do sebas t ianismo , O s Lusadas e a proposta de aliana peninsular, base

    para o ambicionado Quinto Im prio, o Ibero-Am ericano, que reuniria os pases

    ocidentais de expresso castelhana

    e

    portugu esa e faria do ocean o Atlntic o, nas

    palavras de Antnio Sardinha, um lago portugus.

    So dois tipos de discursos diferentes. Basta comparar a linguagem de

    Sardinha na Teoria das Cortes Gerais, uma exaltao de

    concrdia ,

    com a

    exaltao de

    imperium

    que m arca os editoriais da 2.

    a

    srie da revista

    Nao

    Por-

    tuguesa

    e colectneas como

    A A l i a na Pen i n su la r .

    O discurso sebastianista,

    plenamente assumido e reconhecido, vemo-lo na seguinte passagem de Sar-

    dinha:

    Talvez que uma secreta voz nos grite que a Portugal o Senhor reserve,

    pela paixo e morte que est padecendo, a misso sacratssima do restau-

    rador da Christanda de desfeita. A nossa peq uen ez, a destruio en tre ns de

    tud o qua nto se conve ncionou cham ar o existente [...] represe ntam , ou no

    representam , sinais de predestinao indubitvel?S e,pelo desvio do eixo da

    civilizao do Med iterrne o para

    o

    Atlntico, a idade mo derna se deve a Por-

    tugal e se Portugal, em mais de uma jorn ada de epope ia, salvou a Euro pa da

    onda islam ita, porq ue n o acreditarmo s no milagre que h-de vir n o mila-

    gre de que a misria actual o preo de o haverm os me recido no s desgnios

    profundos de Deus?

    13

    Sardinha, embora sempre u m m stico, havia conden ado o misticismo na sua

    infncia doutrinria positivista e maurrasiana, dando-a por caracterstica da

    alma castelhana, naturalm ente oposta portuguesa. No entanto , num dos seus

    momentos mais lcidos assinala a viragem e, influenciado por Sorel, exalta o

    que ele pensa ser o valor dos m itos, entre os quais o sebstico ocupa ria lugar de

    especial realce:

    Sem um poder mstico que unifique, as sociedades no perduram.

    O m ilagre deOuriquefoi para ns o sentido oc ulto de um a vocao imortal a

    12

    Ns, integralistas, muito dispostos a ressuscitar neste sculo vigsimo do nascimento de

    Nosso Senhor Jesus Cristo a monarquia quatrocentista de El-Rei D. Joo II (Antnio Sardinha,

    Glossr io dos Tempos ,

    Lisboa, 1942, p. 103).

    13

    Nao

    Portuguesa

    2.

    a

    srie, n. 1,

    p

    5. 14 3

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    6/10

    cumprirfoi uma finalidade que nos comunicou segurana e altivez nas

    grandes jornada s da nossa histria. Desde que o mito esm oreceu n os hori-

    zontes da vida portuguesa, nunca mais arrancmos jornada direita, nem

    soubemos que destino realizar. A nossa histria tomou-se ento, na frase

    incisiva de algum, uma histria de ocasies perdidas. O que a misria

    presente explica-se bem pela ausncia duma fduma crena , que nos

    estimule as vontades e obtenha assim a vontade que a Nao nopossui

    14

    .

    Compare-se este depoimento com aquela famosa passagem de Fernando

    Pessoa em qu e se faz como que um convite auto-sebastianiza o daliteinte-

    lectual portuguesa, para se compreender a funo do sebastianismo nas

    doutrinas nacionalistas da I Repblica, das quais o integralismo lusitano ser a

    mais importante:

    Temos, felizmente, o mytho sebastianista, com razes profundas no

    passado e na alma portuguesa. Nosso trabalho pois mais fcil; no temos

    que criar um my tho, seno que renov-lo. Com ecem os por nos em beb edar

    d esse

    son ho, por o integrar e m ns, por o incarnar. F eito isso, por cada um

    de ns independentemente e a ss consigo, o sonho se derramar sem

    esforo em tudo que dissermos ou escrevermos, e a atmosphera estar

    creada, em q ue todos os outros, com o ns, o respirem . Ent o se dar na alma

    da Nao, o phenmeno imprevisvel de onde nascero as Novas Desco-

    bertas, a Creao do Mu ndo

    Novo,

    o Qu into Imp rio. Ter regressado El-Rei

    D. Sebastio

    15

    .

    Na bibliografia do integralismo vemos que o sebastianismo aproveitado

    das seguintes formas:

    1.

    Como caracterstica racial.

    2.

    Como forma de nacionalismo.

    3.

    Como justificao de misso divina.

    4.

    Como justificao do imperialismo.

    1.A p rimeira, j tratad a por O liveira M artins e Teixeira de Pa scoais, encon-

    tra eco em Sardinha: NoSebas t ian i smo se conden sa, pelo e xposto , a filosofia

    inata da alma portugu esa

    l6

    , e deve com preend er-se como a afirmao esperan-

    osa, ela prpria talvez sebastianista, de um a reserva mstica ex istente na pop u-

    lao portuguesa, a qual os integralistas esperavam vir a recorrer para pr em

    prtica os seus planos polticos.

    2.

    A segunda , tam b m inspirada pela conhe cida opinio de Oliveira Martins

    segundo a qual o sebastianismo teria sido uma prova pstuma da Nacionali-

    dade,

    segue-se logicam ente prime ira, servindo de base m tica ideologia inte-

    gralista que Sardinha adoptou depois do seu exlio em Espanha e que entrava

    em conflito com aquela estabelecida inicialmente.

    Curiosamente, Sardinha utiliza-a de uma maneira diferente

    ou seja, no

    v o sebastianismo j como uma afirmao de nacionalidade contra a nacio-

    nalidade castelhana, mas como uma forma superior, universal, da aspirao

    nacional.

    14

    Antnio Sardinha,

    Glos sr io dos Tempos ,

    Lisboa, 1942, p. 115.

    15

    Fernando Pessoa, Portugal-imprio: um inqurito nacional,

    in

    Petrus,

    Re gres so ao Sebas-

    t ian i smo,

    p. 108.

    14 4

    16

    Antnio Sardinha,

    A A l i a na Pen i n su la r,

    4.

    a

    ed., Lisboa, 1974, p. 95.

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    7/10

    Assim possvel destrinar trs aspectos desta aplicao do sebastianismo,

    metaforicamente ligados ao desejo de independncia durante a monarquia

    filipina:

    a A afirmao e descrio da decadncia presente;

    b

    A culpabilizao dos responsveis pela presente misria;

    c A possibilidade de redeno e seus agentes.

    A ligao, que j vimos estabelecida por Sardinha, e que tambm Afonso

    Lopes Vieira usou largamen te, entre a mx ima misria do presente e a mxim a

    glria possvel do futuro evidentemente pertinente e interessante, porque

    paradoxal e apenas racionalizvel num plano mstico:

    Talvez que, nas derrotas sobre derrotas em que parecemos ir a pique,

    D eus esteja a pagan do para construir connosco algum a coisa de mais slido e

    de melhor. Tenhamos f. No Portugal um re ino de mi lagre , segundo

    Garrett, nosso mestre? Se o , porque no havemos de acreditar no milagre

    de Ourique?

    17

    3.

    O sebastianismo aplicado com o justificao de uma m isso divina, de um

    destino, s se explica com a referncia memria histrica da grandeza dos

    Descobrimentos. Recorde-se que o integralismo puro repudiava e culpabili-

    zava os Descobrimentos, enquanto o revisionismo de Sardinha, to sebastia-

    nista como o outro era saudoso, os tomava precisamente como seu fulcro te-

    rico justificativo.

    Neste sentido, tambm Afonso Lopes Vieira escrevia:

    A maior revoluo da Histria [...] tem a sua maior razo na fatalidade

    mstica qu e a arma, e que fez com que esta sociedade

    n oqueiraser sa lva .

    [...-]

    E, vindo da sua Histria, da sua Dor, das qualidade s do rm entes mas raras do

    seu Povo, Portugal po de e deve ser, outra vez ainda, heri e guia. Esta derra-

    deira esperana, a mais alta e a mais curta, ilumina-se e cresce por cima de

    todo o lixo morto das coisas e das almas, e finalmente significa

    a lt ima

    en carnao do Encoberto

    18

    .

    A ntima ligao en tre a verificao da decadn cia e a certeza da glria futura

    uma das componentes essenciais do sebastianismo

    quanto pior , melhor

    h-de ser, e tam b m esta se encontra no s textos integralistas da segunda fase.

    Antnio Sardinha, em cujo percurso se assinala a passagem de um discurso

    saudoso para outro, sebastianista, explicitou esta paradoxal relao entre mis-ria presente e glria futura:

    A nossa pequenez, a destruio entre ns de tudo quanto se conven-

    cionou chamar o existente, e, para mais, a nossa posio privilegiada

    de varandim da Europa, lanado de encontro s terras moas do Oci-

    dente, representam, ou no representam, sinais de predestinao indubi-

    tvel?

    19

    Repare-se que neste pargrafo existem duas razes msticas (a destruio

    do existente e a pequenez de Portugal) e uma positiva (a posio geogrfica

    de Portugal). O sonho de tornar o Atlntico um lago portugus encontra depois

    17

    Antnio Sardinha,

    Glos sr io dos Tempos ,

    pp. 118-119.

    18

    Afonso Lopes Vieira,

    Em Demanda do Graa l ,

    Lisboa, 1922, pp. 323-325.

    19

    Antnio Sardinha,

    A Pro l do Comum,

    Lisboa, 1934, p. 173.

    1405

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    8/10

    eco no imperialismo da segunda gerao de integralistas, como adiante

    veremos.

    4.

    A misso divina de Portugal justam ente a criao dum a verso m oderna

    do Qu into Imp rio. Se a prim eira gerao de integralistas fala nela metaforica-

    m ente , ou, como mais tarde faria Ferna ndo Pessoa, como um im prio espiritual,

    j a segunda gerao se no cobe de lhe dar forma prtica, nomeadamente

    atravs da apologia do Imprio Portugus fsico e tangvel, tanto em frica

    como noutros continentes.

    Assim, Augusto da Costa, responsvel pela famosa frase Imperialistas?

    Porque no? , que, nas pginas da

    Nao Portuguesa,

    assinala a viragem do

    movimento, anteriormente pacato e isolacionista, retoma o mote de Sardinha

    para afirmar, no artigo Apologia do Imprio Portugus, que a posio

    geogrfica de Portugal dar-nos-, mais tarde ou mais cedo, sozinhos ou acom-

    panhados,ahegemoniadoAtlntico

    20

    . N o difcil reparar no apro veitam ento

    pragmtico, literalmente oportunista, que o Estado Novo faria, em bora incom-

    ple tam ente , do revisionismo integralista iniciado por Sardinha. alis possvel

    sugerir, embora para tanto se no preste esta breve comunicao, que o EstadoNovo aproveitou do primeiro integralismo

    integralismo saudo so e do

    segundo integralismo sebastianista apenas aqueles aspectos parciais que

    poderiam convir a um regime republicano ditatorial como foi o de Salazar,

    empenhado em comear a explorao colonial e pretendendo estimular um

    discreto capitalismo monopolista.

    De qualquer modo, so os dois discursos conflituosos que encontramos no

    integralismo, o da saudade e o do sebastianismo, que o perm item determina r

    ideologicamente.Ointegralismo lusitan o, o que aqui se prop e, foi um a te nta-

    tiva de conciliar a saudade, com o lemb rana obsessiva de um p assado , e o sebas-

    tianismo, como ensaio mstico de um futuro. O nexo entre os dois fornecido

    pela epopeia dos Descob rimentosa glria passada que seria eventualmente o

    modelo da glria futura.

    Sumarizando, com um simplismo que as dimenses desta comunicao no

    pod eriam proibir, possvel isolar teoricam ente os dois conceitos e o que signi-

    ficavam no iderio integralista (ver quadro da pgina seguinte).

    Em bora estejam, na turalm ente, exagerados os aspectos isolados no quadro,

    correspondem sinteticam ente s formas que encontram os no todo da bibliogra-

    fia integralista.

    Como ideologia poltica, o integralismo, inspirando a sua imagem de Portu-

    gal e da sua potencialidade num a d eterminad a viso rom ntica do passado, teria

    de encontrar a sua ideologia prpria.

    Se ,

    no integralismo saudoso, o modelo do Portugal qua trocentista pr-Des-

    cobrim entos e a atitude em relao Espa nha hostil, no integralismo sebastia-

    nista o modelo do Portugal imperial e descobridor de Quinhentos e a atitude

    em relao Espanha benvola e interessada. Revela-se a diferena entre os

    dois integralismos no juz o que am bos fazem de Os Lusadascomo metfora dos

    Descobrimentos e do no isolamento, estando o primeiro solidrio com a

    atitude do Velho do Restelo e o segundo com a do jovem D. Sebastio.

    No caso de Antnio Sardinha, a transio clara, assim como certo que

    Hiplito Raposo e Lus de Alm eida Braga nunca a band onaram o integralismo

    saudoso , original. Jos Pequ ito Rebe lo, que no partilhava do pendo r mstico de

    Sardinha, situava-se nu m a rea interm dia, dan do-se f do conflito entre as duas

    20

    Augusto da Costa, Apologia do Imprio Portugus, in

    NaoPortuguesa ,

    7.

    a

    srie, n. 8,

    1406

    1933,

    p.

    66.

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    9/10

    posies. Falando do Pinhal de Leiria como tendo o carcter especial de um

    lugar de transio e de ntimo c ontacto entre a terra

    e o

    mar, en tre a agricultura e

    a navegao, escreveu:

    s vezes a tentao martima que triunfa, doutras vezes O Velho do

    Restelo geme e suspira e a Ptria, naufragada na sua paixo trgico-mar-tima, tem saudades do ruralismo [...]

    21

    .

    Filosofia

    Religio

    Esttica

    f nacional

    Economia 1

    l internacional

    Poltica

    Saudade

    Olha para o passado, passiva

    Inspirao historicista

    Relativista^

    . Pessimista, nostlgica

    Catlica romana, tolerante

    Lrica

    Sentimental, gentil, feminina

    pequenino, velhinho, bonito

    . Rural, buclica

    Auto-sufcincia agrria

    Descentralizao

    Municipalismo, comunalismo

    Isolacionismo, proteccionismo

    Tradio

    Populismo paternalista

    Nacionalismo, sem alianas

    Monarquia

    Antimessianismo

    Antipeninsularismo

    Sebastianismo

    Olha para o futuro, activo

    Inspirao mstica

    Absolutista

    Optimista, esperanoso

    Cristo, agressivo

    pico

    Apaixonado, violento, masculino

    grande, novo, belo

    Martimo, herico

    Explorao colonialista

    Centralismo imperial

    Estadismo, dirigismo

    Imperialismo

    Revoluo

    Elitismo autoritrio

    Internacionalismo, alianas

    Monarquia ou repblica

    Messianismo

    Peninsularismo

    Pequito Rebelo tentou resolver a contradio entre a saudade e o sebastia-

    nismo, entre a ruralidade buclica e o colonialismo aventureiro. Por um lado

    h o ruralismo de Pequito Rebelo:

    A todos eu desejava ter dado a noo da terra portuguesa, como ela ,

    como ela deve ser, este jard im florido e frondejante, que d boca

    o

    po bas-

    tante e ao olhar o recreio da sua beleza, esta

    pequena casa lus i tana ,

    que eu

    chamaria antes esta pequena herdade portuguesa, to perfeita na sua forma,

    to rica na sua vegetao, no am oleced oram ente frtil, para nos obrigar ao

    trabalho educativo e civilizador, contendo ainda tantos tesouros por explo-

    rar; terra que vale princip alm ente p elo Sol benfico q ue a ilum ina

    e

    pela grei

    to laboriosa e boa qu e a hab ita;esteconsrciodaTerra de Portugal e dagente

    portuguesa s ob a ben o do Sol das mais fe l izes unies que tem visto o

    mundo; o verdadeiro rural ismo

    [sublinhados meu s]

    22

    .

    21

    J o s P e q u i t o R e b e l o , Em Louvor e Defesa da Terra, L i s b o a , 1 9 4 9 , p . 3 7 .

    22

    I d . , A Terra Portuguesa, L i s b o a , 1929 , p . 67 .

    1407

  • 7/25/2019 Misticismo e ideologia no contexto cultural portugus

    10/10

    E do outro lado, revelado primeiro quando da Guerra Civil de Espanha,

    altura em que ele preconizava um grande empenho de Portugal com vista a

    pode r fortalecer a posio de Portugal na P ennsu la

    23

    , e depois quando comeou

    a resistncia armada em Angola, Pequito Rebelo aceita a natureza herica e

    colonizadora de Portugal no mundo.

    Ainda em 1980, escrevendo no

    Templr io ,

    o autor, num artigo intitulado

    Integralismo hoje?, sintetiza a dualidade saudade/sebastianismo:

    Longe no passado e tamb m longe no Futuro, essa Mo narquia C rist das

    liberd ade s que am bicio nam os [...] Passado e futuro [...] Saud ade e espe -

    rana [...] Nesta man h de nevoeiro apocalptico um be m portug us sebas-

    tianismo q ue deseja o Heri e mais ainda o ideal por ele encarna do [...]

    Ideal, pois, m uito longn quo, tanto no passado inspirador co mo no futuro

    realizador [...] Mas no ser esta me sm a distncia razo para com a maior

    urgncia pormos as mos ao trabalho de reconstruo? [...]

    24

    CONCLUSO

    A aventura doutrinria do integralismo, sugere-se, foi precisamente dar

    corpo poltico quilo que viam ser a alma a mb gua da cu ltura portugu esa, resol-

    ver a luta travada e ntre

    Q

    impulso obsessivodopassadoe apredisposio mstica

    para o futuro, no campo actual do presente. Por um lado, o desejado medieva-

    lismo, cordato e lrico, e, por outro, a ambio do Quinto Imprio, ousada e

    pica.

    A conciliao preten dida atingir-se-ia atravs de um ap roveitam ento da sau-

    dade j antevisto por Pascoais (ao tentar definir a saudad e com o um fenm eno

    essencialmente esperanoso). Do passado j no viria o modelo original dos

    integralistas Portugal no limiar dos Descobrimentos, mas a poca gran-

    diosa que se lhe seguiria. M od erna m ente , prete ndia m Sardinha e os seus segui-

    dores uma imitac|o contempornea daquela grandeza que viam em Quinhen-

    tos, alicerada sobre uma aliana incompleta com a Espanha e centrada no

    Atlntico Oeste. Neste sentido se desenvolveram as conhecidas camp anhas de

    aproximao entre Portugal e Espanha, por um lado, e Portugal e Brasil, por

    outro.

    Tom ando o sebastianismo duma m esma mane ira activa, possivelmente to

    contrria ao seu significado (de

    espera

    aptica e resignao) com o a forma com

    que encararam a saudade (de lembrana, desinteressada no presente e com

    desconfiana do futuro), eles viram no seb astianismo um a possvel fonte rcica

    de grandes energias con strutivas. Se a saudade fornecia o fim, o seb astianism o

    fornecia o meio. A primeira inspirava, o segundo mobilizava.

    Se certo que o misticismo dos integralistas sebastianistas no era sin-

    cerona medida em que a sua preparao intelectual lhes proibia a crena em

    milagres de Ourique ou certezas de Quinto Imprio , tam bm verdade q ue,

    influenciados pelo trabalho de Sorel sobre o valor social e a potencialidade

    mobilizadora dos mitos, caram numa outra espcie de misticismo, que foi

    acreditar que o povo portugus fosse sempre o mesmo, o mesmo da Recon-

    quista, o mesmo dos Descobrimentos, o mesmo da Restaurao.

    Foi talvez a sua viso inflexvel da cultura poltica portuguesa , toma da com o

    um valor com a permanncia de uma caracterstica rcica, e logo resistente

    histria e imune s suas experincias, que os deitou a perder na aplicao pr-

    tica da sua ideologia. Era isso que a

    lite

    que ria, mas, pelos vistos, no era isso

    que Portugal era.

    23

    Ver, por exemplo,

    A Ideia de Portugal Forte ,

    Lisboa, 1940.

    1408

    24

    Recorte oferecido pelo autor, sem indicao de data.