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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA DANIEL RIOS SILVA MEME OF THRONES: práticas de circulação de memes na comunidade Game of Thrones Brasil Niterói 2017

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL

CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

DANIEL RIOS SILVA

MEME OF THRONES:

práticas de circulação de memes na comunidade

Game of Thrones Brasil

Niterói

2017

1

Trabalho de conclusão de curso apresentado em 12 de

janeiro de 2017, como requisito parcial para a obtenção do

grau de bacharel em Estudos de Mídia pela Universidade

Federal Fluminense.

DANIEL RIOS SILVA

MEME OF THRONES:

práticas de circulação de memes na comunidade

Game of Thrones Brasil

Orientador Acadêmico

Prof. Dr. Viktor Henrique Carneiro de Souza Chagas

Niterói

2016/2

2

3

DANIEL RIOS SILVA

MEME OF THRONES:

práticas de circulação de memes na comunidade

Game of Thrones Brasil

Trabalho de conclusão de curso apresentado em 12 de

janeiro de 2016, como requisito parcial para a obtenção do

grau de bacharel em Estudos de Mídia pela Universidade

Federal Fluminense.

Trabalho aprovado em _____ de __________ de _____.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Viktor Henrique Carneiro de Souza Chagas (Orientador Acadêmico)

Universidade Federal Fluminense

Prof ª. Dr ª. Mayka Juliana Castellano Reis (Avaliadora)

Universidade Federal Fluminense

Prof ª. Dr ª. Beatriz Brandão Polivanov (Avaliadora)

Universidade Federal Fluminense

4

Aos meus pais, que estiveram sempre ao meu lado.

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, que me deram o apoio e a confiança necessária que eu tanto

precisava nesses últimos anos, apesar de todas as dificuldades. Concluir a graduação é

minha prova de amor a vocês.

Às amigas Alessandra, Daniela e Melina, que me apoiaram incansavelmente

na confecção deste trabalho. Todos os temakis que compartilhamos foram peças-

chave em nossas vidas. Obrigado por me incentivarem a seguir a carreira acadêmica.

Ao meu orientador Viktor Chagas, certo, que me apresentou o universo

mágico dos memes e me ensinou que estudá-los é coisa séria. Obrigado por acreditar

em mim.

À Dandara, que sempre que podia tomava um café comigo e escutava minhas

lamúrias.

Aos amigos Gisele, Iole, Juliana, Nerito, Raphael, Suzane, Yasmin, Zamp e

Zinsly, que estiveram sempre comigo sempre que eu precisava.

Ao curso de Estudos de Mídia e seus professores, que me foram fontes de

inspiração.

Ao #MEMECLUBE e Série Clube. Mais do que grupos de pesquisas, foram

espaços igualmente essenciais para minha formação. Tenho orgulho de ter conhecido

pessoas tão incríveis e esta pesquisa é reflexo do conhecimento gerado através de

nossas discussões, tanto nos encontros presenciais quanto na internet.

6

“O inverno chegou.”

(Sansa Stark, Game of Thrones – Temporada 6, Episódio 10)

7

RESUMO

RIOS, Daniel. Meme of Thrones práticas de circulação de memes na comunidade

Game of Thrones Brasil. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016.

(Monografia de Graduação.)

O foco deste estudo é entender a circulação de memes no contexto das comunidades

de fãs de ficção seriada. Para isso, serão analisadas as imagens postadas na

comunidade Game of Thrones Brasil durante as semanas em que a sexta temporada da

série televisiva Game of Thrones esteve em exibição. A hipótese levantada é que os

memes compartilhados no período em que a série está sendo exibida atuariam como

uma prática utilizada pelos fãs para preencher a lacuna temporal existente entre o

lançamento dos episódios.

Palavras-chaves: Memes. Ficção seriada. Fandom Online. Game of Thrones.

8

ABSTRACT

RIOS, Daniel. Meme of Thrones práticas de circulação de memes na comunidade

Game of Thrones Brasil. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2016.

(Monografia de Graduação.)

The focus of this study is to understand the circulation of memes in the context of

serialized fiction fan communities. Images posted on the Game of Thrones Brasil

group during the weeks in which the sixth season of the TV show was aired will be

analyzed. The main hypothesis is that memes shared during the broadcast period

would help fans fill the gap between the episodes' release.

Keywords: Memes. Serialized Fiction. Online Fandom. Game of Thrones.

9

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1.1 – Você não sabe de nada, Jon Snow ..................................... 24

Figura 1.2 – Sabe de nada, inocente!....................................................... 24

Figura 2.1 – Mensagem de um moderador.............................................. 37

Figura 2.2 – Regras da comunidade ....................................................... 38

Figura 2.3 – Imagem de George R.R. Martin compartilhada pelos fãs... 40

Figura 3.1 – Imagem marcada com o código EPS_ULTI....................... 44

Figura 3.2 – Imagem marcada com o código EPS_PROX...................... 45

Figura 3.3 – Imagem marcada com o código EPS_PASS....................... 45

Figura 3.4 – Imagem marcada com o código EPS_FUTU...................... 46

Figura 3.5 – Imagem marcada com o código ALU_INTER................... 47

Figura 3.6 – Imagem marcada com o código ALU_BRASIL................. 47

Figura 4.1 – A visão dos fãs sobre Cersei no decorrer das temporadas.. 51

Figura 4.2 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 3..................... 52

Figura 4.3 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 5..................... 53

Figura 4.4 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 8..................... 53

Figura 4.5 – Jon Snow está morto, extraída na Semana 1....................... 54

Figura 4.6 – Jon Snow está vivo, extraída na Semana 2......................... 54

Figura 4.7 – Jon Snow é Branca de Neve................................................ 56

Figura 4.8 – BÓTA U CASÁCU............................................................. 57

Figura 4.9 – ACERTÔ MISERAVI........................................................ 58

Figura 4.10 – House Rocha....................................................................... 59

Figura 4.11 – House Oliveira.................................................................... 59

Figura 4.12 – Trono de Ferro (1)............................................................... 60

Figura 4.13 – Trono de Ferro (2)............................................................... 60

10

LISTA DE TABELAS

Tabela 3.1 – Duração das semanas.......................................................... 41

Tabela 3.2 – Códigos utilizados............................................................. 43

Tabela 4.1 – Total de imagens coletadas................................................. 49

Tabela 4.2 – Relação entre os memes e os episódios de Game of

Thrones............................................................................... 50

Tabela 4.3 – Ocorrência de intertextualidade.......................................... 55

11

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................. 12

1 – REFERÊNCIAL TEÓRICO ........................................................ 17

1.1 – Cultura Fã…………......................................................................... 17

1.2 – Televisão e Convergência Midiática…………………...…………. 21

1.3 – Estudo dos Memes............................................................................ 24

2 – GAME OF THRONES: PRODUÇÃO E FANDOM................... 29

2.1 – A narrativa e economia política de Game of Thrones...................... 29

2.2 – O fandom Game of Thrones Brasil…............................................... 35

3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS................................. 41

4 – RESULTADOS............................................................................... 49

4.1 – Memes e Narrativa............................................................................ 49

4.2 – Memes e Intertextualidade................................................................ 55

5 – CONCLUSÃO ................................................................................ 62

REFERÊNCIAS ............................................................................. 64

12

INTRODUÇÃO

Com o início de sua sexta temporada em 2016, a série televisiva Game of

Thrones (HBO, 2011 - presente) retornou com uma imensa revelação para seus fãs.

Melisandre de Asshai, uma das personagens de destaque na série e que sempre foi

retratada como detentora de poderes mágicos concedidos pelo Deus de sua religião, é

vista pela primeira vez duvidando de sua fé. Nos últimos segundos do episódio,

vemos Melisandre retirar de seu pescoço o colar que sempre usa e, assim, revelar sua

verdadeira aparência: uma anciã de 400 anos de idade. Além do episódio confirmar

teorias criadas pelos fãs a respeito da idade de Melissandre e dos poderes do colar, a

cena também serviu de base para criação e compartilhamento de memes de internet

feitos pelos fãs que faziam piadas comparando o “antes” e o “depois” da personagem.

Essa comparação se caracteriza como um entre vários exemplos de memes de

internet que surgem a partir de cenas extraídas da série, como “O inverno está

chegando” e “Vergonha! Vergonha! Vergonha!”1. Além de servir como piada

geralmente pautadas na premissa de que as aparências enganam, esse meme se faz

presente como um lembrete de que este arco narrativo continua em aberto até o

próximo episódio.

Game of Thrones é uma série de fantasia medieval produzida por David

Benioff e D. B. Weiss para o canal de TV paga HBO e que busca abordar o gênero de

uma forma diferenciada, trazendo personagens ambíguos. O programa é uma

adaptação baseada na saga literária As Crônicas de Gelo e Fogo, de George R.R.

Martin, que se encontra atualmente em seu quinto livro lançado. Por ser baseada em

uma saga literária ainda incompleta, o episódio é importante pois marca o ponto

narrativo em que a produção televisiva ultrapassa a trama dos livros. Dessa forma, se

1 Ambas as expressões são extraídas de cenas da série e reproduzidas pelos fãs para gerar piadas.

13

antes os fãs que leram os livros já sabiam os caminhos que a produção tomaria, agora

os novos episódios passam a ser território inexplorado pela audiência. Ao longo das

temporadas, a série conquistou um grande número de fãs e isso se torna visível na

quantidade de comunidades virtuais criadas pelo fandom da narrativa, inclusive no

Brasil.

O conceito de fandom é uma nomenclatura criada a partir da junção das

palavras fan e kingdom e faz referência à comunidade de fãs que se formam em torno

de produtos culturais ou personalidades presentes na mídia, associados à cultura

popular em sociedades industriais e fazer parte de um fandom denota um senso de

participação e de autoidentificação com indivíduos que compartilham dos mesmos

gostos. (FISKE, 1992; BUSS, SANDAVOZ, 2007; PEARSON, 2010).

Embora a formação de comunidade de fãs date de bem antes da criação da

internet comercial, sua popularização teve um profundo impacto nas práticas

relacionadas ao fandom, modificando suas dinâmicas e dando espaço para novas

possibilidades de produção de conteúdo. O contexto da convergência midiática

acarretou em mudanças significativas nas relações entre fãs e a indústria, deixando

mais tênue a linha entre produtor e consumidor (JENKINS, 2009; PEARSON, 2010).

Henry Jenkins (2009) aponta para o fato dos fãs insistirem em ser participantes plenos

daquilo que consomem, se recusando a apenas aceitar o que a indústria os oferece.

Para o autor, “Nada disso é novo. O que mudou foi a visibilidade da cultura dos fãs. A

web proporciona um poderoso canal de distribuição para a produção cultural

amadora” (JENKINS, 2009, p. 188).

Quando falamos especificamente de fãs de ficção seriada televisiva, também

deve-se ter em mente as mudanças ocorridas nas últimas décadas nas formas de se

produzir e de assistir televisão (JENKINS, 2006). A TV ainda se configura como um

espaço coletivo de discussão; entretanto, se antes essa discussão se dava nas salas de

cada casa, hoje em dia esse espaço é expandido para a internet (FLORITO, 2014).

Para o fã, assistir aos episódios da série só é o primeiro passo e, algumas vezes, pode

ser apenas uma etapa anterior para o verdadeiro entretenimento, que é conversar com

14

o restante do fandom a respeito do que assistiram (ANDREJEVIC, 2008; FLORITO,

2014).

Outro reflexo da convergência midiática, a ascensão dos sites de redes sociais

possibilitou um maior engajamento entre os indivíduos, conectando fãs de diferentes

localidades e construindo comunidades virtuais cada vez mais distintas. Através do

Facebook, por exemplo, é possível seguir fan pages ou participar de grupos de

discussão referentes a diversos produtos midiáticos. No caso de produtos da indústria

televisiva, esses “espaços” de discussão atuam como um local utilizado para

compartilhar notícias, discutir temas relacionado à narrativa e difundir produtos

culturais criados pelos fãs. Essas comunidades, entretanto, não podem ser enxergadas

como ambientes utópicos. Elas são marcadas pelas interações dos atores que as

constituem, carregadas de disputas, conflitos e relações de poder (CAMPANELLA,

2012).

Dentro das comunidades virtuais os fãs participam intensamente do

ecossistema em que se inserem os produtos culturais amadores derivados de séries

televisivas, como fan fictions2, fanzines3 e fan films4; que exploram a narrativa

canônica em busca de novos significados. Eles se empenham em criar e compartilhar

esses conteúdos com outros membros do fandom e, nesse sentido, também

poderíamos classificar memes de internet como uma dessas formas de produção

criativa feita pelos fãs.

Shifman (2014) define memes de internet como grupo de itens digitais que

compartilham características em comum. (SHIFMAN, 2014). Embora sejam vistos

como cultura “inútil” e superficial, memes podem servir como plataforma para

construção de identidades coletivas (MILTNER, 2011; CHAGAS, 2015). Dentro de

2 Fan fics são uma narrativas ficcionais feitas por fãs que se apropria de personagens e/ou enredos de

determinado produto midiático, como séries, filmes e artistas. 3 Semelhantes às fan fics, Fanzines são histórias em quadrinhos feitas por fãs baseadas em produtos

midiáticos 4 Fan films são produções independentes baseadas em produtos midiáticos. Podem ser feitos tanto

usando filmagens feitas por fãs quanto editadas a partir de produtos oficiais.

15

comunidades de fãs, percebe-se o uso do humor, da intertextualidade e da

justaposição como três padrões que contribuem para o sucesso na difusão de memes

de internet, contribuindo para a produção de significados e ressignificando elementos

da cultura popular (KNOBEL, LANKSHEAR, 2007; CHAGAS, 2014).

É neste contexto que se enquadra o grupo Game of Thrones Brasil. A

comunidade, criada em 2014, atualmente conta com mais de 152 mil membros, se

consolidando como a maior comunidade referente a séries no país. Assim como a

maioria de comunidades online voltada para produtos midiáticos, a comunidade

também se consolida como plataforma de compartilhamento de conteúdo referente a

Game of Thrones, seja ele material oficial ou produzido por fã. Dessa forma, ela

fornece um rico panorama para analisar a presença de memes de internet como prática

significativa para o contexto do fandom na era da convergência midiática.

Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho é entender as práticas de

circulação de memes na comunidade Game of Thrones Brasil enquanto a série está

em exibição e qual a relação dessas peças com os episódios exibidos. Também

pretende-se ressaltar a importância da interação dos fãs com esse conteúdo através da

comunidade online. Para isso, serão analisados os memes postados nas dez semanas

em que a sexta temporada esteve sendo exibida no canal. Como se dá a relação da

frequência de memes postados pelo fandom entre a exibição um episódio e outro?

Qual é a relação desses memes gerados por fãs brasileiros com os episódios exibidos

durante a temporada e com outros produtos midiáticos?

A hipótese norteadora deste estudo é que os memes produzidos no período em

que a série esteve em exibição atuariam como uma prática utilizada pelos fãs para

preencherem a lacuna temporal existente entre o lançamento dos episódios. Dessa

forma, grande parte das postagens fariam referências ao andamento dos arcos

narrativos que estão sendo movimentados, seja como piada, comentário e/ou crítica

referente ao desenrolar da narrativa ou do universo que permeia a produção. Além

disso, também espera-se que os fãs brasileiros utilizariam da intertextualidade para

gerar humor, mesclando elementos de Game of Thrones com outros produtos

16

midiáticos e/ou elementos culturais presentes no contexto do brasileiro. No primeiro

capítulo, será levantado o referencial teórico que abordaremos neste estudo,

enfatizando três conceitos principais. Primeiramente, o contexto de formação do

fandom e suas novas práticas na era digital, buscando entender as disputas, parcerias e

conflitos existentes dentro dessas comunidades virtuais. Além disso, o conceito de

segunda tela e sua posição dentro da convergência midiática. E, por fim, será

destrinchado o conceito de memes de internet, trazendo uma historicização do

conceito e suas diversas concepções dentro do campo de estudos da memética.

O segundo capítulo detalhará a série televisiva Game of Thrones e como se dá

a relação entre a HBO, canal estadunidense de TV paga que a produz, e os fãs da

produção. Além disso, também será descrito o funcionamento da Game of Thrones

Brasil, comunidade no site de rede social Facebook habitada por usuários brasileiros

que nasceu em torno deste produto cultural.

O terceiro capítulo detalha os métodos científicos aplicados para a confecção

deste trabalho. A pesquisa pretende fazer uma análise de conteúdo utilizando as

imagens coletadas durante o período em que a série esteve sendo exibida através de

seis variáveis criadas para responderem as hipóteses levantadas. Dessa forma, os

dados quantitativos serão somados às observações feitas a partir da imersão na

comunidade.

Por fim, o quarto capítulo visa expor os resultados encontrados durante a

pesquisa, procurando responder aos questionamentos sobre a circulação de memes da

série na comunidade. Dessa forma, o trabalho procura contribuir para um o melhor

entendimento de memes no contexto específico dos fãs de ficção seriada televisiva.

17

1. REFERENCIAL TEÓRICO

Para entender a respeito dos memes produzidos e circulados pelos fãs de

Game of Thrones no Brasil, antes é preciso que se tenha a dimensão social e histórica

sobre as práticas de produção de fãs de programas televisivos e da estruturação de

seus fandoms, bem como as transformações sofridas nas últimas décadas.

Portanto, neste capítulo será levantado o referencial teórico necessário para

abordarmos esses elementos. Serão abordados elementos da cultura fã, como o

conceito de fandom, suas formações organizacionais e suas práticas de produção de

conteúdo, junto ao contexto do surgimento da internet e das novas tecnologias da

comunicação. Além disso, será acerca das novas formas de se assistir televisão no

contexto de convergência midiática, bem como as práticas de consumo desses

programas televisivos pelos fãs. Por fim, será falado sobre os memes de internet e

como eles se caracterizam como uma prática de produção e compartilhamento de

conteúdo dentro de comunidades online de fãs.

1.1. Cultura Fã

Ser fã é algo cada vez mais comum no ambiente cultural e denota afinidade de

um indivíduo por um produto midiático (FLORITO, 2014). Eles são consumidores

especializados que não se restringem a apenas consumir seu objeto de desejo, e

insistem no direito de participar ativamente nos diversos níveis de produção

(JENKINS, 1992; 2008). Os fãs se organizam nos mais diferentes espaços, físicos e

virtuais, e podem utilizar seus conhecimentos e habilidades para produzirem

conteúdos, se apropriando de seus personagens e extrapolando a narrativa original.

Além disso, quando se fala de estudo de fãs, é preciso também ter em mente a

dimensão que o conceito de fandom carrega. O termo foi criado no início do século

XX e, atualmente, serve como para descrever formação de comunidades de fãs ao

redor de produtos culturais presentes na mídia, como sagas literárias, artistas da

18

indústria musical e séries televisas. Fandoms são espaços semiestruturados onde os

fãs discutem, debatem e negociam formas de interpretações (JENKINS, 1992).

Entretanto, nem sempre foi enxergado desta maneira. Nas últimas décadas, o

meio acadêmico sofreu uma enorme transformação na representação da figura do fã e

suas práticas. Se até meados da década de 1980 era comum associar a figura do fã a

um indivíduo passivo, facilmente manipulável e que geralmente partia da perspectiva

estereotipada que classificava o fã com algum tipo de desvio social (JENKINS, 1992;

JENSON, 1992; MONTEIRO, 2005); hoje ele é visto como um participante ativo

daquilo que consome, muitas vezes podendo influenciar no processo de produção

(JENKINS, 2006; PEARSON, 2010). Esta mudança é resultado do esforço de autores

que defendiam deixar de conceituar o fã como “outros” e passar a observá-los como

“um de nós”, para que assim pudéssemos entender as estruturas de fandoms como um

reflexo da sociedade moderna (JENKINS, 1992; JENSON, 1992).

Fazer parte de um fandom denota um senso de comunidade e pertencimento

pelo qual os indivíduos se conectam a partir de seus gostos e afinidades, além de

pressupor uma possível identificação com o objeto de consumo (BUSSE,

SANDVOSS, 2007 apud PEARSON, 2010; FLORITO, 2014). É importante ressaltar,

porém, que fandoms possuem práticas distintas entre si, podendo variar entre os

diferentes tipos de produtos culturais a qual ele é formado e também ao contexto

cultural e histórico em que ele está localizado. (HILLS, 2002; SANDVOSS, 2005).

Assim, as práticas e formas de organização de fãs estadunidenses de uma mesma série

televisiva, por exemplo, não são necessariamente igual a de fãs brasileiros.

A adoção do ambiente digital como um local de atuação do fandom

possibilitou a criação de milhares de sites e grupos de discussão, disponibilizando o

acesso de conteúdos feitos por fãs em diferentes tempo e espaço (PEARSON, 2010;

FLORITO, 2014).

A revolução digital teve um profundo impacto sobre o fandom,

emponderando e enfraquecendo, borrando as linhas entre produtores e

consumidores, criando relações simbióticas entre corporações poderosas e

19

fãs, e dando espaço para novas formas de produção cultural (PEARSON,

2010, p. 84).

Deve-se enxergar a criação de fandoms online não apenas como extensão de

sua versão “offline”, uma vez que a internet possibilitou transformações nas práticas e

relações acerca das atividades exercidas pelos fãs (HILLS, 2002; PEARSON, 2010).

Muito além de apenas conectar pessoas em diversas partes do globo, ela também deu

margem para novas formas de interação, como o lurking5, e alterou dinâmicas de

práticas antigas, como o spoiling6 (HILLS, 2002).

O advento de sites de rede sociais e das novas tecnologias da comunicação,

como notebooks, tablets e smartphones, possibilitou novas formas de interação e

engajamento entre fãs e indústria, além de disponibilizarem novas ferramentas e

dinâmicas de organização de fandoms. Sites de redes sociais constituem um

interessante espaço, onde indivíduos de lugares distintos podem interagir em um

espaço discursivo compartilhado e interagir com outros perfis, sejam eles de pessoas

comuns, celebridades ou produtos midiáticos (GIGLIETTO, SELVA, 2014). Os fãs se

apropriam e até mesmo subvertem os mecanismos por esses serviços e os utilizam

para melhor se estruturarem, não sendo incomum vermos o mesmo grupo presente em

redes sociais distintas, cada uma delas para finalidades diferentes.

Através de serviços como o Facebook, os usuários podem compartilhar

conteúdos próprios ou materiais que achem interessante, sem necessitar de mídias

oficiais mediando essa circulação. Além disso, ele também oferece a possibilidade de

criar comunidades, que servem como espaço de espaços organizados para debate e

discussão. Entretanto, não podemos enxergar comunidades de fãs como ambientes

homogêneos e livres de disputas. Fandoms podem ser repletos de hierarquia e

relações de poder, e não necessariamente um lugar para construção coletiva de

conhecimento (CAMPANELLA, 2012).

5 Lurking é a prática de um indivíduo acompanhar discussões em ambientes online, mas nunca ou

raramente participar da discussão. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lurker 6 Spoiling é o ato de revelar um spoiler, ou seja, informar o final ou outros pontos futuros importantes

de uma narrativa. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Spoiler_(m%C3%ADdia)

20

Sites de rede social atuam como um poderoso espaço para dar visibilidade a

conteúdos criados por fãs. Como argumentado por Pearson (2010), produtores e

consumidores não podem mais serem vistos como categorias opostas. O fã explora a

narrativa principal e cria produtos culturais a partir dela, gerando novos sentidos para

além do canônico e a internet impacta como uma nova forma de circulação destes

materiais (JENKINS, 2009). Entretanto, a relação entre fãs e produção de conteúdo

varia de fã para fã. Há fãs que preferem apenas comentar sobre suas séries, há aqueles

que se engajam consumindo materiais feitos por fãs, e há aqueles que utilizam seus

conhecimentos e habilidades para criarem materiais que denotem sua relação com o

produto, como fan fics e fan arts.

Além disso, as indústrias também se apropriam das criações feitas por fãs,

podendo reutilizá-lo na obra oficial. Assim, não é incomum deparar-se com notícias

de produtores e roteiristas que transitam pelos sites de redes sociais para observarem a

popularidade de sua série entre os fãs.

A relação entre produção criativa de fãs e indústria, porém, nem sempre

acontece de maneira equilibrada. Embora haja corporações que estimulem essas

práticas, por agirem como formas de divulgação gratuita de seus produtos, outras se

mostram mais fechadas, acusando esse conteúdo como violação de direitos autorais.

De fato, como apontado por Jenkins (2006), as indústrias só permitem determinadas

práticas se estiverem alinhadas com seus interesses.

Algumas vezes eles [os interesses] se alinham. Algumas vezes entram em

conflito. As comunidades que, a um nível são as melhores aliadas das

produtoras, a outro podem ser suas piores inimigas (JENKINS, 2006, p.

58).

São inúmeros os casos de materiais produzidas por fãs que entram em conflito

com os interesses das grandes corporações. Em 2016, o fã e editor de vídeo Job

Willins lançou o fan film Man of Tomorrow7. Descontente com o resultado dos dois

7 Disponível em http://jobwillins.tumblr.com/post/148151789297/about-man-of-tomorrow

21

últimos filmes protagonizados pelo Superman, Man of Steel e Batman Vs. Superman,

Willins decidiu juntar os dois filmes em um único longa, que retratasse a ascensão e

queda do Homem de Aço sem o pessimismo da obra original. O resultado foi uma

produção de 2h30min de duração, excluindo e reorganizando cenas para criar um

novo sentido para a narrativa oficial. Meses depois, a Warner Bros., corporação

detentora dos direitos dos filmes, removeu Man of Tomorrow dos sites onde o filme

estava hospedado por pirataria. Podemos enxergar Man of Tomorrow como um

exemplo que demonstra a figura do fã tal qual descrita por Jenkins (1992, p.158),

como o indivíduo que clama para si a autoridade e o direito moral de reclamar quando

seu objeto de desejo não lhe agrada.

Dessa forma, pode-se observar que é complexa a relação entre fã e indústria,

principalmente quando se leva em consideração o desenvolvimento da internet em

nosso contexto cultural. Entretanto, o debate levantado para a produção de conteúdo

dentro do fandom tem repercussão não apenas para os estudos de fãs, mas também

para entender as práticas de produção e consumo no contexto digital (PEARSON,

2010).

1.2. Televisão e Convergência Midiática

Com o surgimento da internet, muito se falou no fim da TV. A premissa para

tal declaração se ancorava na ideia de que o computador e as novas tecnologias da

comunicação supririam as necessidades dos usuários e tornariam a televisão obsoleta

(FLORITO, 2014). Em Cultura da Convergência (2006), Henry Jenkins argumenta

que tal afirmação poderia ser nomeada como a “Falácia da Caixa Preta”, onde os

meios de comunicação vão sendo gradualmente substituídos para uma única “caixa”

e, ou seja, um único meio de comunicação. O autor rebate dizendo que, na verdade, o

que acontece é a convergência de conteúdos através de diferentes meios.

Os velhos meios de comunicação não estão sendo substituídos. Mais

propriamente, suas funções e status estão sendo transformados pela

introdução de novas tecnologias (JENKINS, 2006, p.41-42).

22

A partir daí Jenkins apresenta o processo de convergência midiática, um dos

pontos principais de seu livro. A convergência se refere ao complexo fluxo de

conteúdos através de múltiplas plataformas, à colaboração entre mercados midiáticos

e ao comportamento migratório de públicos dos meios de comunicação. Ela é um

processo que acontece de cima pra baixo, pela perspectiva da indústria, quanto de

baixo pra cima, pela perspectiva do consumidor; mudando as estruturas e estreitando

as relações entre pessoas e corporações (JENKINS, 2006). É importante olhar para a

convergência não apenas como uma questão tecnológica. Na verdade, ela é menos

sobre as tecnologias e mais sobre os usos e conteúdos que as perpassam. Os meios de

comunicação não morrem, pelo menos não necessariamente. O que acontece é a

mudança em seus conteúdos e em seu status social (JENKINS, 2006; FINGER, DE

SOUZA, 2012) .

A convergência das mídias é mais do que apenas uma mudança

tecnológica. A convergência altera a relação entre tecnologias existentes,

indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica

pela qual a indústria midiática opera e pela qual os consumidores

processam a notícia e o entretenimento (JENKINS, 2006, p.43).

Um dos reflexos da convergência midiática são os novos modos de assistir

televisão. Se no século passado ver TV significava se reunir em uma sala com a

família, atualmente percebemos um modo multifacetado de consumir programas

televisivos, passando por diversos outros aparelhos, como notebooks, tablets e

smartphones. No entanto, a televisão não entrou em extinção. Pelo contrário. Ela

passou por inúmeras transformações, tanto por partes de seus produtores quanto por

parte da audiência, que fortaleceram seu papel.

[O] campo dos meios de comunicação em que a televisão é integrado

também evoluiu profundamente – mais diretamente como resultado da

inovação digital e experiências do público com a computação. Várias

forças industriais, tecnológicas e culturais começaram a redefinir

radicalmente a televisão e, no entanto, paradoxalmente, ela persiste como

23

uma entidade ainda mais compreendida e identificada como "TV" (LOTZ,

2007, p.6).

Dessa forma, a TV ainda se configura atualmente como um espaço coletivo de

discussão, mesmo que essa discussão seja feita no ambiente virtual. É possível

perceber mudanças na produção do conteúdo televisivo que visam aumentar o

engajamento de sua audiência. Por exemplo, as emissoras cada vez mais incorporam o

uso de hashtags oficiais em seus programas e criam enquetes de opinião sobre

elementos da narrativa, para estimular a interação de seus espectadores e agrupar seus

comentários (GIGLIETTO; SELVA, 2014).

Como mencionado anteriormente, grande parte dessa mudança se dá pela

difusão na linha entre produtores e consumidores. Em Watching Television Without

Pity: The Productivity of Online Fans (2008), Mark Andrejevic debate sobre sua

pesquisa focada em um site criado por fãs para debate e crítica de diversas séries. A

página, que algumas vezes também era frequentada por produtores, servia como uma

plataforma de pesquisa para descobrir quais dos elementos de sua série que estavam

agradando aos fãs e quais aqueles que não estavam funcionando.

O resultado é a fusão de duas formas de participação de audiência: o

esforço que os telespectadores colocam para tornar o programa

interessante para si mesmos e o esforço que eles dedicam para assumir o

papel de assistentes de produção e tentar fornecer feedback aos escritores e

produtores (ANDREJEVIC, 2008, p. 26).

As práticas e organização dessa comunidade exemplificam a experiência do fã

dentro do fandom. Para muitos fãs, o consumo da série não termina quando o episódio

se encerra, mas sim se expande para o ambiente digital. Para alguns deles, assistir ao

episódio é apenas o precursor do verdadeiro entretenimento, que é conversar com

outros membros do fandom a respeito do que eles acabaram de assistir

(ANDREJEVIC, 2008; FLORITO, 2014).

A interação dos fãs com a série nas redes sociais, no entanto, nem sempre

acontece em tempo real. Dentro da comunidade analisada por Andrejevic, há uma

24

grande quantidade de membros que, quando não podem estar online enquanto

assistem TV, fazem anotações sobre os programas para se prepararem para seus posts

(ANDREJEVIC, 2008, p. 28). Assim, podemos observar que as conversas e

discussões em comunidades online continuam sendo alimentadas no decorrer do

tempo, principalmente quando consideramos o âmbito internacional, uma vez que

nem todos fãs têm disponibilidade de assistir aos episódios no mesmo dia.

As formas de interação de fãs com seus programas, então, são um interessante

exemplo de como os modos de se consumir televisão mudaram, assim como a relação

entre emissoras e indivíduos. Essa relação é evidenciada de diversas maneiras,

transformando a experiência de se assistir TV em algo mais complexo e atrativo.

Assim, esses aspectos são fundamentais para entender o poder dos fandoms dentro do

contexto da convergência midiática.

1.3 – Estudo dos Memes

“You know nothing, Jon Snow”

(Ygritte, Game of Thrones – Temporada 2, Episódio 7)

A frase acima é recorrentemente usada dentro da série Game of Thrones e foi

apropriada e traduzida pelos fãs brasileiros de duas maneiras distintas. A primeira,

“Você não sabe nada, Jon Snow”, é a tradução literal e usada oficialmente na exibição

da série; já a segunda, “Sabe de nada, inocente”, é uma referência a um famoso

bordão do músico Cumpadi Washington8, tendo seu humor pautado na combinação

do contexto original com elementos da cultura brasileira. Ambas expressões circulam

através de sites de redes sociais nos mais diversos formatos, como imagens, vídeos e

textos, e muitas vezes carregadas com tons bem-humorados.

8 Cumpadi Washington é um dos integrantes do É o Tchan!, grupo musical que fez sucesso durante a

década de 1990. Em 20XX, o cantor participou de um comercial televisivo para uma empresa de

classificados online, no qual fala a frase “Sabe de nada, inocente!”. A expressão virou bordão e foi

apropriada pelos fãs de Game of Thrones para criação de memes.

25

FIGURA 1.1 – Você não sabe de nada,

Jon Snow

FIGURA 1.2 – Sabe de nada, inocente!

Fonte: Meme Generator Fonte: Boba Gento

O conceito de meme foi cunhado pelo biólogo Richard Dawkins em seu livro

O Gene Egoísta (1976). No último capítulo do livro, o autor argumenta que, assim

como os genes são replicadores de informações biológicas dos organismos vivos,

também poderia haver um outro tipo de replicador para transmitir conteúdos culturais.

O biólogo então define o termo como ideias que são passadas de pessoa pra pessoa

através de cópia e imitação. Assim, segundo Dawkins, memes se fazem presentes nos

mais diversos rituais e padrões culturais existentes, desde as ideias mais simples,

como melodias e slogans, até as mais complexas, como o conceito de deus e de vida

após a morte (DAWKINS, 1976).

Nas décadas seguintes, autores das mais diversas áreas do conhecimento

(BLACKMORE, 2000; RECUERO, 2007) começaram a discutir o conceito proposto

por Dawkins, de modo que podemos observar atualmente três perspectivas para

entendermos o fenômeno dos memes: a mentalista, a comportamental e a inclusiva

(SHIFMAN, 2013). A primeira, a qual o próprio Dawkins está inserido, enxerga

memes como unidades de reprodução e que precisam de um veículo para ser passado

adiante, como textos, artefatos ou rituais. Já a segunda, aborda memes como

comportamentos e artefatos, como piadas, moda e tradições. Nesta concepção, o

meme e seu veículo não podem ser enxergados separadamente. Já a terceira nasce da

junção das duas concepções anteriores, indicando que memes são “qualquer tipo de

26

informação que pode ser copiada por imitação deve ser chamada de meme”

(SHIFMAN, 2013, p.367).

Ao apontar as três visões existentes, Limor Shifman propõe um outro caminho

de análise, a partir da perspectiva da comunicação e focando sua atenção para os

memes de internet. Para a autora, não devemos olhar memes de internet como

unidades singulares de propagação, mas sim como

(a) um grupo de itens digitais que compartilham características em comum

de conteúdo, forma e/ou situação; (b) que são criados com o conhecimento

uns dos outros, e (c) são circulados, imitados e/ou transformados através

da internet por vários usuários (SHIFMAN, 2013, p. 7-8).

Shifman busca analisar o fenômeno dos memes de forma a abarcar o contexto

de reapropriação e ressignificação de conteúdo presente no ambiente digital em que

nos inserimos. Ao sugerir que memes de internet circulam através de processos de

imitação e remix, percebemos que só é possível encontrar sentido quando olhamos

para o conjunto de informações que os constituem. Desta forma, memes só podem ser

observados quando analisamos o conjunto de características que esses itens

compartilham entre si. Tendo em vista que o termo é datado da era pré-internet,

alguns autores argumentam que aqueles presentes no ambiente digital devem ser

analisados como uma categoria com elementos distintos dentro do conceito de meme,

pois possuem uma linguagem própria e, portanto, precisam de uma nova experiência

de letramento midiático para serem entendidos. (CHAGAS, 2014; SHIFMAN, 2013;

KNOBEL, LANKSHEAR, 2007).

Embora sejam tratados vistos como cultura “inútil” e superficial, é possível

notar que memes podem servir como plataforma para construção de identidades

coletivas (MILTNER, 2011; CHAGAS, 2015). Em A New Literacies Sampler,

Knobel e Lankshear (2007) destacam em sua pesquisa a presença de três padrões que

contribuem para o sucesso de difusão de um meme: (1) o humor, em suas mais

diversas formas, (2) a intertextualidade, seja ela de componentes da cultura popular

27

ou da vida cotidiana, e (3) a justaposição, na maioria das vezes de imagens. Esses

elementos-chave atuam em conjunto e contribuem para a produção de uma

multiplicidade de sentidos que se sobrepõem e ressignificam conteúdos da cultura

popular, sendo utilizados para os mais diversos objetivos, como brincadeiras e

críticas. (CHAGAS, 2015; SHIFMAN, LEVY, THELWALL, 2014).

Quando tratamos especificamente de memes criados dentro do contexto da

cultura de fãs de séries, é fácil perceber a presença desses elementos. Ao considerar

que os indivíduos geralmente não se restringem a serem fãs um único produto

cultural, mas sim transitam entre diferentes textos (JENKINS, 2009, p. 43), pode-se

observar que o humor, a intertextualidade e a justaposição atuam em conjunto para a

produção de memes dentro das comunidades de fãs. Além disso, memes de ficção

seriada evidenciam o envolvimento de fãs, discutindo e debatendo aspectos da

narrativa através de piadas, alterando o contexto original ou enfatizando pontos

específicos da trama.

Outro ponto importante a se observar são as traduções que ocorrem quando

um meme atravessa lugares que não falam a mesma língua, principalmente levando

em consideração que elas são geradas majoritariamente por usuários comuns de

internet.

A Internet torna a difusão internacional do humor mais fácil do que nunca

e, pelo menos tecnicamente pelo, também pode facilitar a disseminação de

versões de piadas traduzidas (SHIFMAN, 2014, p. 727).

Textos traduzidos, então, atuam como uma forma de negociação cultural,

tendo em vista que oa tradutores lidam tanto com os aspectos da língua original

quanto com os códigos culturais presentes na cultura traduzida (SHIFMAN, 2014).

Assim, imagens com as legendas “Você não sabe de nada, Jon Snow” e “Sabe de nada

inocente” fazem parte de uma mesma “família” de memes, onde os fãs adaptam a

narrativa de diferentes maneiras, negociando elementos específicos da cultura local e

construindo diferentes sentidos.

28

Dessa forma, memes atuam como uma forma de processo criativo

compartilhado, cujos códigos que só fazem sentido dentro de uma comunidade se

forem aceitos pelos seus membros. Assim, a partir do referencial teórico levantado, o

próximo capítulo tratará do objeto de estudo que foi analisado para este trabalho: a

série Game of Thrones e a comunidade online de fãs construída ao redor dela, a Game

of Thrones Br, no qual será exposta a estruturação do fandom e de sua produção de

conteúdo.

29

2 – GAME OF THRONES: PRODUÇÃO E FANDOM

Game of Thrones é uma série de fantasia medieval produzida pelo canal de TV

pago HBO e que estreou em 2011. Produzida por David Benioff e D. B. Weiss, a série

é baseada na saga literária ainda não concluída As Crônicas de Gelo e Fogo, escrita

por George R.R. Martin. Cada temporada possui dez episódios que são exibidos

semanalmente aos domingos, geralmente entre o segundo e quarto bimestre de cada

ano.

A série possui um número grande de fãs e isso se torna visível na quantidade

de espaços virtuais criados e organizados por fãs para debater sobre a série, inclusive

no Brasil. Dentre eles, escolhemos pesquisar o grupo Game of Thrones Brasil. A

comunidade faz parte de uma rede de páginas e perfis presentes estruturadas em

vários sites de redes sociais formada por fãs brasileiros dedicada a organizar espaços

onde os fãs da série podem compartilhar notícias, teorias e conteúdos produzidos por

eles. Dessa forma, no decorrer deste capítulo serão destrinchados a série televisiva e o

papel da HBO para sua produção, além de descrever a organização dos fãs para o

funcionamento da comunidade.

2.1 – A narrativa e economia política de Game of Thrones

Baseada na saga literária de George R.R. Martin, Game of Thrones é descrita

por seus produtores como "uma batalha épica por poder que se passa em um vasto e

violento reino de fantasia"9. A série aposta em uma visão diferente sobre o gênero de

fantasia, trazendo personagens complexos em uma narrativa permeada de alianças,

traições, reviravoltas e disputas sangrentas por poder. Atualmente em sua sexta

9 Disponível em: http://variety.com/2008/scene/markets-festivals/fantasy-sits-on-thrones-1117995693/.

Acesso em: ??

30

temporada, a produção é aclamada pela crítica, já tendo sido contemplada com 38

Emmys10; além de se consolidar como a maior audiência da história da HBO11.

A narrativa é situada em sua maior parte no continente fictício de Westeros,

uma vasta terra composta por sete reinos que, no passado, foram unificados sob

domínio da dinastia dos Targaryen. Dessa forma, a família construiu o Trono de

Ferro, símbolo máximo de autoridade real, e sua linhagem comandou os Setes Reinos

durante séculos. Entretanto, após uma rebelião, a maioria dos Targaryen foram

assassinados e o trono foi assumido pelo Robert Baratheon. A história começa treze

anos após a rebelião de Rei Robert e se divide em três arcos principais, cada um deles

possuindo diversos personagens de destaque e que se entrecruzam a medida em que a

trama se desdobra.

Primeiramente, temos os conflitos, conchavos e traições entre diversas

famílias nobres pelo domínio dos Sete Reinos. Em especial, temos os Stark e os

Lannister. A Casa Stark é inicialmente composta pelo casal Ned e Catelyn Stark, seus

filhos Robb, Sansa, Arya, Bran e Rickon, além de Jon Snow, filho bastardo de Ned. Já

a Casa Lannister são compostas principalmente por Jaime e Cersei Lannister, irmãos

gêmeos que possuem secretamente uma relação amorosa. Cersei, que é esposa de

Robert e rainha dos Sete Reinos, arquiteta a morte do marido e põe a culpa em Ned

Stark, que consequentemente é executado. Este evento desencadeia uma guerra civil

no reino, com cinco exércitos diferentes, conhecida como A Guerra dos Cinco Reis, e

é um dos panos de fundo que movem o restante da narrativa.

Além disso, acompanhamos a jornada de Jon Snow. O personagem é enviado

para a Muralha, fronteira do continente que separa os Sete Reinos do norte

desconhecido, para servir à Patrulha da Noite, uma instituição militar que protege o

reino das tribos selvagens que vivem ao norte. Entretanto, descobrimos que o

continente é ameaçado por forças ainda mais perigosas. Com a aproximação do

10 O Emmy Awards é uma premiação que seleciona os melhores programas e profissionais da televisão.

Dentre os arrecadados por Game of Thrones, estão dois de melhor série dramática, em 2015 e 2016. 11 http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/8216-game-of-thrones-8217-e-a-serie-de-maior-audiencia-

da-historia-da-hbo/

31

inverno, que na narrativa pode durar décadas, criaturas sobrenaturais conhecidas

como Os Outros juntam forças para invadir o continente.

O último arco central é o de Daenerys Targaryen. Depois que seu irmão foi

morto, ela se torna a última descendente da Casa Targaryen e detentora por direito de

se tornar a rainha dos Sete Reinos. Daenerys e seu irmão haviam sido exilados para o

continente de Essos, onde buscaram desde a infância formas de conseguir aliados para

reconquistar o Trono de Ferro. Os Targaryen são conhecidos por serem uma família

capaz de controlarem dragões e, durante a trama, a princesa encontra três ovos de

dragão e consegue chocá-los. A jornada de Daenerys segue a formação de seu

exército, com o qual ela domina as cidades escravocratas da região, libertando seus

escravos e se preparando para prosseguir para Westeros junto com seus dragões.

A história atraiu os olhares de Hollywood devido ao sucesso de outros títulos

de fantasia, como O Senhor dos Anéis12. No entanto, George R.R. Martin sempre se

opôs à ideia de adaptar sua saga para um filme, ou uma série de filmes, alegando que

sua trama seria muito complexa para ser reduzida à adaptação cinematográfica.

Martin conta que os estúdios geralmente o abordavam com uma das duas soluções13:

ou criar o primeiro filme para depois pensar na produção dos restantes, ou centralizar

a história em um único arco. Primeiramente, pensar numa produção cuja narrativa

ficasse em aberto geraria um risco da sequência nunca ser produzida caso o primeiro

não atingisse o sucesso esperado, como as adaptações de Eragon e A Bússola de

Ouro14. Além disso, As Crônicas de Gelo e Fogo possuem uma extensa quantidade de

arcos narrativos, e centralizar em um único personagem tiraria a densidade da

história.

12 Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/temporadas/produzindo-game-of-thrones/ 13 Disponível em: https://www.theguardian.com/tv-and-radio/tvandradioblog/2015/jun/10/george-rr-

martin-hollywood-would-have-ruined-game-of-thrones 14 Eragon e A Bússola de Ouro são, respectivamente, adaptações do primeiro livro das sagas literárias

Ciclo da Esperança, escrito por Christopher Paolini, e His Dark Materials, escrito por Philip Pullman.

Ambos os filmes foram criados para terem continuações, entretanto não fizeram sucesso de audiência e

foram cancelados.

32

O filme inteiro poderia ser sobre uma princesa exilada e ela daria a luz a

dragões. Isso poderia ser um bom filme e poderia ser interessante, mas não

seria minha história. Minha história é uma combinação de várias coisas.

(…) Eu não precisava do dinheiro, então tive o poder de falar a palavra

mais sexy de Hollywood – não15.

Dessa forma, em 2007, Martin decidiu ceder os direitos para a HBO produzir

uma série baseada em sua obra. Produzida por David Benioff e D.B. Weiss, a série

estreou no canal em abril de 2011 e foi encarregada de ser uma adaptação que atraísse

tanto os fãs da saga literária (e fãs de fantasia em geral), como também grandes

audiências. Com dez episódios em cada temporada, a produção conta com um elenco

de peso, com nomes como Sean Bean e Lena Headey, e aposta na abordagem escrita

por Martin para se representar a fantasia medieval de uma forma diferenciada.

Diferentemente de outras obras de fantasia clássica, como O Senhor dos Anéis

e Crônicas de Nárnia, que retratam batalhas épicas entre Bem e Mal, a narrativa se

destaca ao apostar em personagens ambíguos. Nas palavras de Weiss, “Não há

mocinhos e vilões. Há apenas pessoas perseguindo seus próprios interesses, como elas

os enxergam, e suas próprias versões de bem, como elas as veem” (WEISS, 2010,

p.189). Além disso, por mais que seja uma série de fantasia, os elementos mágicos

não são necessariamente o foco principal da trama. Embora repleto de dragões e

outras criaturas encantadas, são as artimanhas e disputas políticas que fazem a trama

se mover, despertando gradualmente no espectador a certeza de conflitos inevitáveis

ao longo das temporadas.

Um dos fatores que atrai fãs para Game of Thrones são as reviravoltas na

trama e a quebra de expectativa acerca do destino de seus personagens,

principalmente no que diz respeito a mortes de personagens centrais. Por exemplo, a

reta final da terceira temporada da série foi marcada pelo massacre que ficou

conhecido como Casamento Vermelho.

15 Disponível em https://www.theguardian.com/tv-and-radio/tvandradioblog/2015/jun/10/george-rr-

martin-hollywood-would-have-ruined-game-of-thrones.

33

Nas palavras de Weiss, o evento “começa como um raro momento de

felicidade que, no fim das contas, se transforma em uma das mais devastantes

sequências de história da série” (WEISS, 2014, p. 102). Para reconquistar o apoio da

Casa Frey depois de ter quebrado uma promessa, Robb Stark, que a essa altura é um

dos reis participantes da Guerra dos Cinco Reis, viaja para As Gêmeas para participar

do casamento de seu tio, junto a sua mãe, Catelyn, sua esposa, Talisa, e seu exército.

Permeado por um pretexto de segurança, o episódio é desenvolvido para passar tanto

aos personagens quanto aos espectadores um sentimento de que seria selada a aliança

entre os Stark e os Frey. No entanto, quando o casamento termina, as portas se

fecham e os Frey matam Robb, Catelyn, Talisa (que estava grávida) e a maioria dos

soldados Stark. O episódio foi um marco para os fãs da série, tanto aqueles que já

haviam lido os livros e esperavam pela adaptação quanto aqueles que foram pegos

desprevenidos pela morte de tantos personagens centrais.

Outro ponto importante para a história da série aconteceu no final de sua

quinta temporada, que deixou um imenso gancho narrativo. Jon Snow, recentemente

eleito Senhor Comandante da Patrulha da Noite e um dos poucos representantes da

família dos Starks ainda vivo, é atraído para uma emboscada arquitetada por alguns

de seus subordinados e recebe múltiplas facadas. Nos últimos segundos do episódio,

vemos os companheiros de patrulha de Jon partirem, enquanto ele é deixado na neve

pra morrer. A morte de Snow marca um ponto de virada para a produção da série.

Como Game of Thrones é baseada em uma saga literária que ainda está em

andamento, este episódio marca um ponto em que a maioria dos arcos narrativos

desenvolvidos alcançaram os presentes no quinto e último livro lançado até agora, A

Dança dos Dragões. Desde seu lançamento, em 2011, os fãs que leram os livros

teorizavam sobre o destino de Snow, tanto se ele iria sobreviver ou não, quanto se

haveria alguma forma mágica de trazê-lo de volta à vida, uma vez que isso já havia

acontecido.

Assim, Game of Thrones segue em sua sexta temporada como um ambiente

desconhecido para sua audiência, tanto para os fãs dos livros quanto para aqueles que

34

descobriram a narrativa a partir da série, e isso é refletido nas formas de interações e

discussões presentes no fandom, uma vez que não possuem mais os livros de Martin

para se embasarem.

Além disso, o fandom de Game of Thrones possui uma boa relação com com a

HBO. Diferentemente da Warner Bros., mencionada no capítulo anterior, a emissora

sempre se manteve positiva em relação às práticas dos fãs fandom da série, até mesmo

as mais controversas. Em 2015 Game of Thrones conquistou a posição de série mais

pirateada do mundo pelo quarto ano seguido, com o último episódio da quinta

temporada marcando 14,4 milhões de downloads ilegais. Entretanto, os executivos do

canal consideram isso como um elogio e que servem, de toda forma, para divulgação

da série.

A demanda está aí. E certamente não afetou negativamente as vendas de

DVD. [Pirataria é] algo que vem junto quando se tem um show bem

sucedido em uma rede de assinatura. (...) Eu provavelmente não deveria

dizer isso, mas de certa forma é um elogio16.

No entanto, a emissora vem sistematicamente procurando formas de diminuir

a pirataria, inclusive no Brasil. A grande crítica de fãs brasileiros era a diferença entre

o horário de exibição do episódio no país com o dos Estados Unidos, além da série

não estar no catálogo dos serviços de streaming disponíveis no país, como a Netflix.

Assim, em 2015 a HBO exibiu pela primeira vez todos os episódios da quinta

temporada da série simultaneamente no Brasil e nos outros países em que a emissora

está presente17. Além disso, em 2016, o canal estreou o HBO GO no Brasil, serviço de

streaming que oferece a possibilidade de assistir aos programas da emissora na hora

que o usuário preferir, através de vários dispositivos, como notebooks, tablets e

celulares.

16 Disponível em http://ew.com/article/2013/03/31/hbo-thrones-piracy/ 17 O Reino Unido foi o único local em que não houve transmissão simultânea da série. Disponível em

http://www.gameofthronesbr.com/2015/03/hbo-exibira-5a-temporada-de-game-of-thrones-

simultaneamente-em-170-paises.html

35

2.2 – O fandom Game of Thrones Brasil

Dentro de sites de redes sociais, é possível encontrar vários espaços para

discutirem sobre séries televisivas e quando falamos de Game of Thrones não é

diferente. A série possui um número considerável de fãs, tendo em sua página oficial

no Facebook mais de 19,6 milhões de curtidas. Além disso, uma rápida procura nesse

site de rede social já nos mostra inúmeros grupos e páginas construídas por fãs

especializadas na narrativa. Dentre elas se encontra a Game of Thrones Brasil18.

Criada em 2014, a comunidade possui atualmente mais de 152 mil membros, se

consolidando como a comunidade brasileira referente a esta série no Facebook com o

maior número de participantes.

O grupo é um dos braços de uma rede de perfis geridos pelos mesmos

moderadores. Além dele, também há uma página no Facebook19 e uma conta no

Instagram20 onde são postados conteúdos referentes à série. A grande diferença na

dinâmica do grupo está nas funcionalidades distintas quando comparado aos outros

perfis dessa rede. Em uma página de Facebook ou em uma conta do Instagram, as

postagens são feitas apenas pelos moderadores e seus seguidores podem apenas curtir,

compartilhar e/ou comentar; já no grupo, as postagens podem ser feitas por todos os

participantes da comunidade. Entretanto, é importante ressaltar que o Facebook

também disponibiliza mecanismos para os moderadores do grupo regularem os

conteúdos postados e banirem membros da comunidade, caso queiram.

É importante ressaltar que dentro do Facebook há a possibilidade de se criar

três tipos distintos de grupos: os “abertos”, os “fechados” e os “secretos”. Nos

abertos, qualquer usuário consegue acessar a comunidade e pode visualizar seus

conteúdos. Nos fechados, é possível acessar a comunidade, porém é preciso da

aprovação de outro membro para visualizar seus conteúdos. Já nos secretos, a

18 Disponível em https://www.facebook.com/groups/grupogotbrasiloficial 19 Disponível em https://www.facebook.com/GOTBrasil 20 Disponível em https://www.instagram.com/gameofthrones.brasil/

36

comunidade não fica listada nas buscas da rede social, só sendo possível acessar e

visualizar seus conteúdos caso o usuário seja convidado por algum outro perfil já

participante.

Desta forma, a Game of Thrones Brasil se consolida como um grupo fechado e

oferece uma visão sobre as práticas de fãs que criam e coordenam espaços virtuais e a

relação entre esses indivíduos e os demais fãs, além de se mostrar como um local

onde é possível observar as novas formas de se relacionar com programas de ficção

seriada televisiva. Devido às particularidades nas dinâmicas dos grupos do Facebook,

este trabalho optou por focar apenas esse grupo, ao invés de também analisar a fan

page e a conta no Instagram da rede. Entretanto, é importante frisar que o fato da

comunidade participar de uma rede maior geridas por fãs reflete diretamente nas

formas de estruturação deste fandom.

No entanto, apesar das restrições da comunidade, ainda há bastante fluxo de

conteúdo dentro da Game of Thrones Brasil. Os fãs se engajam a criar, compartilhar e

discutir teorias sobre o destino da série, utilizando o conteúdo presente nos livros, as

gravações dos sets de filmagens e os materiais promocionais divulgados; montam

enquetes sobre personagens favoritos; e disponibilizam textos auxiliares referentes ao

universo do programa. Além disso, há diversos outros tipos de conteúdos produzidos

por fãs e circulados no grupo, como fan arts e as imagens de cosplays21 feitas pelos

membros da comunidade.

Na época em que a temporada está sendo exibida, é possível notar algumas

outras práticas criadas pelos moderadores. Horas antes da exibição dos episódios, são

disponibilizados links de streaming para que os membros que não possuem assinatura

do canal HBO possam assistir. Minutos antes do episódio começar, é criado um post

que serve como um espaço onde os fãs podem comentar em tempo real, debatendo

sobre o episódio e especulando sobre o futuro dos personagens. Além disso, os

moderadores também utilizam outro mecanismo do Facebook, que permite que as

21 Cosplay é a abreviação de “costume play” e pode ser definido como a prática de se fantasiar em um

personagem específico. Fonte: https://en.wikipedia.org/wiki/Cosplay

37

postagens de outros membros só sejam liberadas para visualização geral do público

depois de serem aceitas por um administrador. Dessa forma, eles acionam este

mecanismo nas noites de domingo, quanto o episódio é exibido, e desativam às terças.

O principal motivo dado é a quantidade de posts com os mesmos assuntos.

FIGURA 2.1 – Mensagem de um moderador22

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

Além disso, os moderadores da página também criaram políticas de conduta a

serem seguidas pelos membros. Dentro da comunidade há álbum de fotos intitulado

“LEIA ANTES DE USAR O GRUPO” onde ficam as regras gerais do grupo (ver

Figura 2.2.2). Nelas, os administradores reforçam a finalidade do grupo ser dedicado

22 Na imagem, um moderador tira dúvidas dos membros e explica que a comunidade fica fechada entre

domingo e terça-feira.

38

apenas à Game of Thrones e conteúdos relacionados e que qualquer integrante que

descumpra a regra pode ser expulso. Tendo em vista essa tentativa dos moderadores

de manter ao máximo o propósito inicialmente criado pela comunidade, é importante

pontuar que a relação entre moderadores e demais fãs possui uma distinta linha

hierárquica, principalmente pelo forte controle de conteúdo presente no grupo.

Figura 2.2 – Regras da comunidade23

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

Apesar das regras criadas para a “boa convivência” dos membros da

comunidade, ainda podemos perceber muitas conflitos dentro do fandom. Os que mais

se destacam são os que têm como ponto principal as diferenças entre a série e os

23 Dentro da comunidade existem cinco regras principais: (1) a comunidade possui postagens

específicas para determinados temas, como fanarts, e é solicitado que não se criem novas publicações

para os mesmos assuntos ; (2) manter a educação e o respeito com outros membros; (3) apenas postar

conteúdos referentes a Game of Thrones; (4) não fazer publicações para divulgar outros canais ou

vendas de produtos sem a permissão dos moderadores; e (5) saber que todo conteúdo postado está

sujeito ao julgamento dos moderadores.

39

livros e, principalmente, se essas diferenças deslegitimam a produção televisiva em

relação à obra original. Devido ao fato de Game of Thrones ser uma adaptação, no

decorrer das temporadas muitos personagens e arcos narrativos presentes na saga

literária foram alterados ou completamente excluídos da série.

Dessa forma, dentro do fandom há discussões sobre como essas diferenças

impactam na qualidade da série, uma vez que se distancia daquilo que os fãs que já

leram os livros esperavam ver. Entretanto, outros fãs se ancoram na premissa de que

tanto a série quanto o livro são produtos midiáticos diferentes e, portanto, podem

seguir caminhos diferentes.

Além disso, vale frisar que a Game of Thrones Brasil é formada por fãs que

possuem relações com o universo da série televisiva muito diferentes entre si. Por

exemplo, nem todos os participantes leram – ou têm vontade de ler – a saga de livros.

Da mesma forma, há fãs que conhecem os livros desde a época em que foram

lançados. Assim, embora seja focada especificamente em Game of Thrones, a

comunidade pode ser descrita como um ambiente heterogêneo onde os fãs são

engajados a participar por motivações distintas.

Outro ponto presente dentro do fandom da série é a relação que os fãs possuem

com o George R.R. Martin. O autor é conhecido pelos fãs pelo número excessivo de

mortes em seus livros, principalmente de personagens centrais para a trama, e isso

acaba sendo refletido na série. De acordo com uma pesquisa feita por um fã24, durante

as cinco primeiras temporadas de Game of Thrones morreram um total de 704

personagens, sendo 19 referentes a personagens centrais e 44 de personagens

secundários. Embora Martin não seja diretamente responsável pela produção dos

episódios25, é comum encontrar no fandom postagens que expressem pelo autor uma

24 Disponível em: http://ew.com/article/2016/12/08/game-thrones-walking-dead-deaths/ 25 Até a quarta temporada, Martin prestava consultoria para os produtores e escrevia alguns roteiros,

entretanto a partir de 2015 o autor se afastou para se dedicar ao próximo livro da saga. Disponível em

http://www.blastr.com/2015-4-6/bryan-cogman-gives-full-rundown-how-they-write-each-season-

game-thrones

40

relação de amor e ódio por parte dos fãs, por gostarem de sua narrativa ao mesmo que

detestam ver um personagem querido morrer.

Figura 2.3 – Imagem de George R.R. Martin compartilhada pelos fãs

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

Dentro da comunidade, também verificamos a circulação de conteúdos

postados por fãs diferentes mas que, conforme observávamos o contexto geral em que

estavam inseridas, percebíamos características em comum compartilhadas entre elas.

Portanto, essas imagens podem ser classificadas como memes de internet. Dessa

forma, nos próximos capítulos será feito um esforço para analisar os memes

compartilhados na Game of Thrones Brasil a partir da relação dos fãs com o universo

da série.

41

3 – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Como mencionado, este trabalho tem como objetivo analisar o circuito de

produção, distribuição e apropriação de memes dentro da comunidade Game of

Thrones Brasil a fim de verificar a frequência de memes circulados no grupo entre a

exibição de um episódio e outro; além de analisar o conteúdo dessas imagens e como

eles se relacionam com a trama. Durante a pesquisa, optou-se por uma abordagem

“lurker”, que consiste em imergir na comunidade como membro e observar as

publicações e comportamentos dos outros participantes, sem participar ativamente.

Para isso, foram coletadas as imagens postadas dentro desse grupo específico

de fãs no período em que a sexta temporada da série estava sendo exibida. Durante a

coleta, os dados foram separados de acordo com a data de publicação na comunidade

e agrupados em dez semanas, cada uma relacionada a um episódio da temporada.

Como Game of Thrones é exibido aos domingos, elas foram divididas de forma que as

semanas começassem no domingo em que o episódio era exibido e terminassem no

sábado seguinte.

Sendo assim, foram coletadas as imagens postadas entre 24 de abril, data de

estreia da emporada, e 02 de julho, uma semana após a exibição do último episódio,

conforme mostra a Tabela 3.1. Dessa forma, esse recorte temporal foi escolhido

visando fazer uma investigação sobre as formas que os fãs utilizam para comentarem

o episódio anterior ao mesmo tempo em que se preparam para o próximo.

TABELA 3.1 – Duração das semanas

semana 1 24/abr a 30/abr

semana 2 01/mai a 07/mai

semana 3 08/mai a 14/mai

42

semana 4 15/mai a 21/mai

semana 5 22/mai a 28/mai

semana 6 29/mai a 04/jun

semana 7 05/jun a 11/jun

semana 8 12/jun a 18/jul

semana 9 19/jun a 25/jul

semana 10 26/jun a 02/jul FONTE: O autor.

No total, foram coletadas 3.342 imagens. Portanto, esta pesquisa pretende

fazer uma análise de conteúdo utilizando como corpus as imagens coletadas dentro da

comunidade Game of Thrones Brasil interpretadas por meio de seis variáveis

objetivas. Assim, o trabalho busca gerar dados quantitativos e serem somados com os

dados qualitativos gerados durante a imersão na comunidade. Além disso, as variáveis

utilizadas foram criadas especificamente para esta pesquisa e têm como intuito testar

as hipóteses apresentadas para este trabalho. Entretanto, elas podem ser reutilizadas

caso se queira reproduzir questões semelhantes aplicando-as a outros fandoms de

produtos televisivos.

Nesse sentido, compreendemos essas imagens como construções culturais que

ganham espaço quando divulgadas pelos membros da comunidade. Assim,

consideramos que todas elas podem ser chamadas de memes, uma vez que são

formadas por um complexo de significados e estruturas articulados e entendidos por

estes usuários (CHAGAS et al, 2014). Portanto, a pesquisa utilizou todas as imagens

circuladas, principalmente para identificar comportamentos e códigos compartilhados

pelos membros deste grupo e que poderiam passar desapercebidos.

Ao definir memes de internet não como unidades singulares de

propagação, mas como grupos de itens com características semelhantes,

podemos estudá-los como reflexões de coletivos culturais e sociais

(SHIFMAN, 2014, p. 171).

Entretanto, este trabalho não visa propriamente analisar o “sucesso” desses

memes pelos membros da comunidade, seja pela mensuração do número de curtidas

43

ou de comentários. Ao invés disso, procura-se verificar os elementos discursivos

presentes nos dados coletados, assim como a metodologia utilizada por Chagas et al.

(2014).

Depois de coletados, os memes foram analisados através do software Atlas.TI.

O programa é desenvolvido pra ser uma ferramenta de análise qualitativa de dados,

uma vez que permite atribuir códigos criados pelo pesquisador a arquivos de texto,

imagem, áudio e vídeo; além de possibilitar o gerenciamento, comparação e

visualização de uma larga quantidade de dados de forma sistemática.

Dessa forma, foram criadas seis variáveis binárias e não-excludentes entre si

para podermos conferir a hipótese deste trabalho, tomando como referência a data em

que o episódio foi exibido e o conteúdo que ele apresenta. Nesse sentido, estamos

interessados em saber se o meme faz menção ao último episódio a partir da data de

publicação da imagem. De forma semelhante, também procuramos verificar se o

meme faz menção ao episódio seguinte a data de publicação. Seguindo a mesma

lógica, também analisaremos se há elementos de episódios passados da série, sejam

eles da mesma temporada ou das anteriores; e se há menção a arcos futuros,

geralmente criados a partir de teorias, imagens da gravação e/ou materiais

promocionais.

Além disso, também buscamos verificar os aspectos culturais presentes nessas

imagens a partir de dois olhares. O primeiro visa descobrir quando há a referência de

elementos da cultura popular para além de Game of Thrones, como outras séries,

filmes e artistas. Já o segundo busca analisar quando o meme faz alusão a

regionalismos e apropriação da linguagem específicas da cultura brasileira. Dessa

forma, a Tabela a seguir apresenta de forma esquematizada os códigos criados para

esta análise.

TABELA 3.2 - Códigos utilizados

Código Descrição

44

EPS_ULTI É utilizado quando o meme faz referência ao último episódio

exibido a partir da data em que a imagem foi postada.

EPS_PROX É utilizado quando o meme faz referência ao próximo episódio

exibido a partir da data em que a imagem foi postada.

EPS_PASS É utilizado quando o meme faz referência a episódios passados,

seja da mesma temporada ou de temporadas anteriores.

EPS_FUTU É utilizada quando o meme faz previsões sobre arcos narrativos que

ainda não passaram na série.

ALU_INTER É utilizado quando há a referência a elementos da cultura popular,

como personagens, programas e artistas.

ALU_BRASIL É utilizado quando o meme faz alusão a regionalismos ou

contextos específicos da cultura brasileira.

FONTE: O autor

FIGURA 3.1 – Imagem marcada com o código EPS_ULTI26

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

26 A imagem foi extraída na Semana 1 e menciona o episódio exibido nessa semana, fazendo piada com

a revelação da verdadeira aparência da personagem Melisandre. Por isso, foi marcada com o código

EPS_ULTI.

45

FIGURA 3.2 – Imagem marcada com o código EPS_PROX27

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

FIGURA 3.3 – Imagem marcada com o código EPS_PASS28

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

27 A imagem foi extraída na Semana 5 e é uma teoria dos fãs a partir do trailer divulgado pela HBO.

Pela cena estar presente no episódio seguinte, a imagem foi marcada com o código EPS_PROX. 28 A imagem faz uma recapitulação trajetória da personagem Arya Stark e a compara com a

protagonista da série Xena, a Princesa Guerreira. Por falar sobre as temporadas anteriores da série, a

imagem foi marcada com o código EPS_PASS.

46

FIGURA 3.4 – Imagem marcada com o código EPS_FUTU29

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

29 Dentro da comunidade, há diversas previsões feitas pelos fãs sobre como a série irá acabar. Dentre

elas, extraímos esta teoria na Semana 7 que fala sobre uma possível aliança entre os personagens Jon

Snow, Daenerys Targaryen e Tyrion Lannister. Por este assunto não ser mencionado no episódio

seguinte, ela foi marcada com o cófigo EPS_FUTU.

47

FIGURA 3.5 – Imagem marcada com o código ALU_INTER30

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil..

FIGURA 3.6 – Imagem marcada com o código ALU_BRASIL31

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

30 A imagem foi marcada com o código ALU_INTER pois faz referência à animação Dragon Ball. 31 No episódio, descobre-se que o nome do personagem Hodor é na verdade uma contração da frase “Hold the door!”. Dessa forma, a imagem faz piada com a dublagem para a língua portuguesa feita pela emissora.

48

A partir dessa análise, serão apresentados no próximo capítulo os resultados

obtidos através da codificação das imagens e das observações verificadas na Game of

Thrones Brasil.

49

4 – RESULTADOS

4.1 – Memes e Episódios

Como mencionado, a pesquisa reuniu 3.342 imagens postadas na comunidade

Game of Thrones Brasil entre 24 de abril e 02 de julho. Assim, essas peças foram

analisadas com a ajuda do software para análise de dados Atlas.TI a partir de seis

variáveis binárias, tendo como referência o último episódio de Game of Thrones

exibido a partir da data em que a imagem foi coletada. O trabalho mensurou a

frequência de postagens que contivessem imagens e as separou entre as dez semanas

em que a série esteve sendo exibidas, conforme pode-se observar na Tabela 4.1.

TABELA 4.1 – Total de imagens coletadas

Semana 1 382

Semana 2 320

Semana 3 296

Semana 4 479

Semana 5 418

Semana 6 336

Semana 7 337

Semana 8 337

Semana 9 211

Semana 10 226

Total 3.342

FONTE: O autor.

Para responder sobre como se dá a relação entre os memes e os episódios da

série, a pesquisa analisou o conteúdo das imagens compartilhadas na comunidade e os

comparou com os episódios exibidos a partir da semana em que foram postadas.

Dessa forma, buscamos verificar a ocorrência de peças que fazem menção tanto aos

50

episódios já lançados quanto a ocorrência de imagens que fazem previsões sobre os

episódios futuros, como pode-se observar na Tabela 4.2.

TABELA 4.2 – Relação entre os memes e os episódios de Game of Thrones

Memes que

mencionam o

último episódio

Memes que

mencionam o

próximo

episódio

Memes que

mencionam

episódios

anteriores

Memes que

mencionam

episódios ainda

não exibidos

Semana 1 85 4 72 20

Semana 2 77 8 51 16

Semana 3 59 8 49 14

Semana 4 127 6 132 26

Semana 5 189 5 74 15

Semana 6 74 2 86 11

Semana 7 130 7 46 10

Semana 8 58 51 54 9

Semana 9 137 11 43 2

Semana 10 107 0 42 11

Total 1043 102 649 134

FONTE: O autor

Como pode ser observado, quase um terço dos memes compartilhados na

comunidade fazem referência ao último episódio exibido, reforçando a ideia de que os

acontecimentos presentes nesses episódios movimentam os conteúdos das postagens

da página. Inclusive, foi observada a ocorrência de imagens que, simultaneamente,

apresentam elementos do último episódio e episódios de temporadas passadas. Essas

imagens se utilizam de arcos narrativos e personagens de outras temporadas para criar

o contexto para as piadas, como mostra a Figura 4.1. Nela, a piada é feita a partir da

trajetória narrativa da personagem Cersei Lannister, uma das antagonistas de Game of

Thrones, durante as seis temporadas da série.

51

FIGURA 4.1 – A visão dos fãs sobre Cersei no decorrer das temporadas

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

Entretanto, ao contrário do que se esperava, poucos memes encontrados fazem

referência ao próximo episódio a ser exibido. O que foi observado é que os membros

da comunidade se ancoravam nos materiais divulgados referentes a série para fazerem

52

previsões sobre os caminhos que a narrativa tomaria, como o trailer que fora exibido

no início da temporada, as imagens dos sets de gravações divulgadas e os

acontecimentos presentes nos livros; porém, nem sempre essas projeções eram

acionadas logo no episódio seguinte. De toda forma, os fãs se empenharam para criar

e discutir imagens que traziam teorias para o futuro do programa e de seus

personagens, de forma que isso pode ser observado na frequência de memes que

fazem menção aos arcos narrativos futuros (ver Tabela 4.2).

A exceção é a Semana 8, com 58 imagens que fazem menção aos

acontecimentos do nono episódio da temporada. Isso é decorrente do fato do episódio

9 ser marcado pelo clímax do arco narrativo do personagem Jon Snow na sexta

temporada. No episódio, intitulado “The Battle of the Bastards”, o exército

comandado por Snow trava uma batalha com o de Ramsay Bolton, outro antagonista

da série, e era esperado que ambos os personagens se enfrentassem. Esse episódio

havia sido amplamente divulgado pela HBO e esperado pelos fãs da comunidade

desde o início da temporada, de forma que encontramos imagens que fazem referência

a esta batalha desde as primeiras semanas de coleta.

FIGURA 4.2 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 3

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

53

FIGURA 4.3 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 5

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

FIGURA 4.4 – Batalha dos Bastardos, extraída na Semana 8

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

54

É importante ressaltar as menção à outros produtos midiáticos nessas peças,

como os filmes Batman Vs. Superman e Capitão América: Guerra Civil, e o evento

Super Bowl32. Dessa forma, os fãs se apropriam da ideia de batalha presente nesses

produtos e a Semana 8 denota o final desse momento aguardado pelos fãs.

Outro ponto interessante a se observar é a evolução na composição dos memes

conforme os episódios foram sendo exibidos e, consequentemente, a narrativa se

desenrolando. Um exemplo a se destacar é a sequência de semanas em que Jon Snow

estava morto.

Como mencionado anteriormente, Snow havia sido atacado no final da quinta

temporada e, naquela época, os fãs não sabiam ao certo se o personagem tinha

morrido. Com a volta da sexta temporada, descobrimos que Jon havia de fato

morrido, mas ainda existia a possibilidade de que alguém fosse ressuscitá-lo usando

magia, o que só foi acontecer no final do segundo episódio. Dessa forma, verificamos

uma mudança na narrativa das imagens referentes ao personagem durante as duas

primeiras semanas analisadas: quando Jon estava morto (Figura 4.5) e quando ele

volta a vida (Figura 4.6).

FIGURA 4.5– Jon Snow está morto,

extraída na Semana 1

FIGURA 4.6 – Jon Snow está vivo,

extraída na Semana 2

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones

Brasil.

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

32 O Super Bowl é uma partida do campeonato da NFL, liga principal de futebol americano dos Estados

Unidos, que decide o campeão da temporada. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Super_Bowl

55

Assim, podemos observar que os memes circulados na comunidade se

apropriam dos elementos presentes na série para gerarem piadas que são

compartilhadas e entendidas pelos membros daquela comunidade. Além disso, esses

memes são atualizados e ressignificados à medida que os episódios vão sendo

exibidos e a narrativa vai se desenvolvendo.

4.2 - Memes e intertextualidade

Conforme fomos analisando as imagens coletadas da comunidade, nos

deparamos com a presença de peças que se utilizavam de elementos intertextuais para

criarem humor. Durante a coleta, verificamos a esses elementos sob duas

perspectivas, conforme visto na Tabela 4.3: a menção de elementos da cultura

popular, como personagens, programas e artistas; e a presença de regionalismos e

apropriação da linguagem popular específica da cultura brasileira. Assim, um meme

que trouxesse um personagem popular como Batman ou Capitão América poderia ser

enquadrado como uma imagem que dispõe de elemento da cultura pop, enquanto um

meme que faz uso de um regionalismo como “oxente mainha” ou “guria” poderia ser

classificado como uma imagem que faz referência à cultura brasileira.

TABELA 4.3 – Ocorrência de intertextualidade

Imagens com elementos de

cultura popular

Imagens com elementos linguísticos e

culturais brasileiros

Semana 1 40 25

Semana 2 58 28

Semana 3 71 13

Semana 4 90 15

Semana 5 66 16

Semana 6 47 14

Semana 7 64 14

Semana 8 46 27

Semana 9 33 4

Semana 10 39 12

Total 554 168

56

Fonte: O autor.

A ocorrência de 554 memes com menção à cultura popular e 168 à cultura

brasileira nos faz compreender melhor o contexto cultural em que se inserem os

membros da comunidade. Quanto ao que diz respeito aos elementos de

intertextualidade desses memes, é possível notar a menção de diversos produtos

midiáticos, tanto os nacionais quanto estrangeiros.

Assim como os memes que tratam de episódios de temporadas passadas,

mencionados anteriormente, essas imagens se apropriam de outros filmes, séries e

artistas e fazem paralelos com os personagens e acontecimentos de Game of Thrones,

como podemos ver na Figura 4.2. A piada compara a situação de Jon Snow com o

conto popular da Branca de Neve e foi circulada logo depois do primeiro episódio da

temporada, época em que o personagem ainda estava morto e os fãs esperavam que

alguém o trouxesse de volta a vida.

FIGURA 4.7 – Jon Snow é Branca de Neve

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

57

Ao analisar os memes que possuem elementos específicos da cultura brasileira

encontramos uma estrutura um pouco diferente para confecção das piadas. Embora

muitas dessas imagens também façam referências a outros produtos midiáticos, o que

foi percebido é que as piadas se baseavam muito mais em formas de linguagem

regionais e no contexto cultural do brasileiro, como visto na Figura 4.8 e na Figura

4.9.

FIGURA 4.8 – BÓTA U CASÁCU

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

58

FIGURA 4.9 – ACERTÔ MISERAVI

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones Brasil.

Dessa forma, elas se apoiam no entendimento compartilhado pelos fãs

brasileiros dos usos e apropriações da língua portuguesa mesclando-as com os

personagens e situações presentes na série, negociando aspectos próprios da cultura

brasileira e construindo diferentes sentidos.

Além disso, também podemos destacar três outras práticas observadas no

decorrer da pesquisa e que denotam a relação dos membros da comunidade Game of

Thrones Brasil com a série televisiva.

59

Primeiramente, um ponto bastante presente na comunidade é a circulação de

imagens com brasões de famílias brasileiras. Dentro de Game of Thrones, cada Casa

nobre possue um símbolo, um lema e cores oficiais, que são usadas para identificá-

las. Usando essa característica da série, o fã Rafael Oliveira criou o site GOT

Brazilian Houses33, onde ele cria e divulga periodicamente versões de identidades

visuais para sobrenomes brasileiros. Embora não sejam necessariamente criadas para

gerarem humor, essas imagens são apropriadas e compartilhadas na Game of Thrones

Brasil como forma de identificação dos fãs com a série.

FIGURA 4.10 – House Rocha FIGURA 4.11 – House Oliveira

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones

Brasil.

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones

Brasil.

Além disso, observamos a presença considerável de fotos de vasos sanitários

modificados para se assemelharem ao Trono de Ferro, trono onde se senta o rei dos

Sete Reinos de Westeros, e elemento utilizado na série para simbolizar força e

33 Fonte: www.got-brazilianhouses.tumblr.com

60

autoridade. O meme em questão, na verdade, é uma piada compartilhada por muitas

comunidades de fãs estrangeiras da série, tendo em vista que a comparação entre

trono e vasos sanitários também ocorre na língua inglesa. Nesse sentido, os fãs

brasileiros se apropriam dessas imagens e as circulam pela comunidade. Além disso,

embora sejam compartilhadas para gerarem humor, essas imagens geralmente são

postadas com legendas que reforçam a ideia dos membros da comunidade quererem

possuir aquele item de consumo.

FIGURA 4.12 – Trono de Ferro (1) FIGURA 4.13 - Trono de Ferro (2)

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones

Brasil.

Fonte: Imagem extraída da Game of Thrones

Brasil.

Por último, há um número considerável de pessoas que compartilham imagens

de seus animais de estimação, em sua maioria cachorros34. A hipótese levantada por

esta pesquisa é, pela série abordar relações muito próximas entre humanos e seus

“animais” – os Starks possuem lobos e Daenerys possui dragões – isso acabaria

34 Como durante a confecção deste trabalho não entramos em contato com os participantes da

comunidade, optamos por não inserir as imagens dos animais de estimação que coletamos.

61

encorajamdo as pessoas a exibirem seus bichos. Entretanto, é necessário uma pesquisa

mais aprofundada dentro da comunidade para comprovar esta teoria.

Com os dados analisados, é possível perceber a relação do andamento da série com

conteúdo imagético compartilhado por esses fãs, geralmente em forma de piadas.

Além disso, também podemos perceber que a circulação dessas imagens são

diretamente atravessadas pela cultura a qual esses fãs estão inseridos.

62

5 – CONCLUSÃO

Por meio da análise das imagens publicadas no grupo Game of Thrones Brasil,

buscamos compreender a circulação de memes dentro da comunidade formada por fãs

brasileiros de Game of Thrones no período em que a sexta temporada da série esteve

em exibição, com o intuito de entender a relação entre os conteúdos que foram

compartilhados a medida em que os episódios da sexta temporada foram sendo

exibidos.

A Game of Thrones Brasil nos oferece uma visão sobre a estruturação de

fandom em espaços virtuais, e se mostra como um local onde os fãs discutem,

debatem e negociam formas de interpretações sobre a série (JENKINS, 1992). É uma

comunidade criada e organizada pelos fãs e o modo de discutir os episódios através

das imagens postadas podem ser classificadas como um reflexo das transformações

sofridas nas formas de se assistir programas televisivos nas últimas décadas

(ANDREJEVIC, 2008). O espaço coletivo de discussão que a TV propicia, que antes

se limitava ao ambiente físico, agora encontra na internet um espaço que possibilita a

interação de pessoas de lugares distintos através de um objeto de consumo em

comum.

O grupo dá visibilidade a conteúdos criados pelos fãs, que se apropriam da

narrativa para criar peças que geram novos sentidos para além do canônico

(JENKINS, 2009). Isso se torna visível quando observamos memes que mesclam

aspectos da série com outros elementos culturais, como o “Sabe de nada, inocente!”.

Assim, é importante analisar memes de internet como um conjunto de itens que

compartilham características entre si, para podermos abarcar esse contexto de

reapropriação e ressignificação de conteúdo.

63

Dessa forma, as 3.342 imagens coletadas na Game of Thrones Brasil durante

as dez semanas em que a série estava sendo exibida nos apontam em direção à

hipótese levantada de que esses memes serviriam para preencher o tempo entre a

exibição dos episódios, principalmente quando se leva em consideração que quase um

terço deles fazem menção ao último episódio exibido. Em contraste, o pouco diálogo

com os episódios seguintes nos fazem enxergar um pouco melhor o comportamento

dos membros da comunidade, que estão mais engajados a comentarem com o fandom

os episódios que assistiram. Todavia, ainda é preciso uma investigação mais profunda

para entender exatamente quais as motivações que levam os usuários a

compartilharem determinados tipos de conteúdo.

É inegável o fato de fãs que se apropriam da linguagem e dos elementos

específicos da série para gerarem humor. O humor, em suas várias formas possíveis, é

um elemento acionado em grande parte da produção de memes e contribui para gerar

múltiplos sentidos que transformam conteúdos da cultura popular (KNOBEL &

LANKSHEAR, 2007; CHAGAS, 2015; SHIFMAN, LEVY, THELWALL, 2014). O

mesmo acontece com as peças que apresentam referência a outros produtos midiáticos

ou as que possuem elementos da cultura brasileira. Há aqui uma camada de

significados que só é possível de ser acessada e compreendida caso se tenha

conhecimento dos outros produtos comparados. Assim, essas referências a filmes e

gêneros midiáticos claramente só são difundidos pois fazem parte de um ambiente

que reconhece e aprecia essa intertextualidade (KNOBEL & LANKSHEAR, 2007).

Embora não estivesse nas hipóteses iniciais, a notável presença do uso intenso da

linguagem intertextual nos memes circulados denota um comportamento de fãs que

não se restringem a assistir apenas Game of Thrones, mas que também compartilham

o consumo de uma série de outros produtos midiáticos.

Assim, este trabalho visou contribuir para o entendimento de memes no

contexto dos fãs de ficção seriada televisiva e como o fandom se articula para criar e

difundir essas peças. Para o futuro, espera-se que a metodologia aplicada seja

aprimorada para possibilitar pesquisas semelhantes com séries e fandoms distintos.

64

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