a revista veja agora É ‘meme’ – uma anÁlise do dizer …

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International Congress of Critical Applied Linguistics Brasília, Brasil 19-21 Outubro 2015 128 A REVISTA VEJA AGORA É ‘MEME’ – UMA ANÁLISE DO DIZER COMO FAZER Larisse Carvalho de OLIVEIRA [email protected] Secretaria de Educação do Ceará Maria de Fátima de Sousa LOPES Secretaria de Educação do Município de Eusébio RESUMO Face ao grande fluxo de material disposto na Internet no último período eleitoral presidencial, e ainda pela repercussão de memes, charges e caricaturas que utilizaram como tema as eleições presidenciais do ano de 2014, objetivamos mostrar a intencionalidade deinternautas emcampo digital frente à publicação da revista Veja, edição nº 2397.Procuramos analisar,no presente trabalho,(i) que ações são ditas nos trechos de memesfeitos com base na edição da revista citada;(ii) quais as possíveis razões para tal promoção e(iii) que tipo de contexto é exposto ao leitor. Baseamos nossas discussões na teoria dos atos de fala, exposta por Austin (1990), e nos trabalhos de Oliveira (2006) e Levinson (2010) ligados a essa teoria. Os memes utilizados em nossa análise foram coletados diretamente da rede, selecionados por assunto e analisados um a um. Atentamo-nos parao material escrito, e também para o fotográfico. Com isso, empreendemos análise qualitativa de 10 capas criadas por internautas, atentando para os verbos usados nessas. Dessa forma, constatamos (i) que há uma recorrência de atos ilocucionários expositivos; (ii) que isso ocorre por essas expressões articularem um posicionamento a favor ou contra certo conteúdo(LEVINSON, 2010) e (iii) que o contexto dos memes é variável e o seu conhecimento por parte dos leitores é imprescindível para a construção de sentido, pois além de ser necessário o interlocutor ter a noção das figuras políticas em destaque no referido período, também é preciso que conheçam as outras figuras que os internautas relacionam para construir a sátira pretendida; sem esse conhecimento, a intenção do internauta fica comprometida. Assim, acreditamos que o conhecimento de mundo do leitor acerca dos memes tratados nas capas é indispensável para a compreensão dosatos expressos, entendendo, dessa forma, a importância que o contexto tem na construçãodo sentido, fazendo-se essencial e necessário para melhor compreender-se os enunciados. O próximo passo do trabalho se dará no uso desses memes em aulas de Língua Portuguesa, nas quais serão focalizadas a importância do conhecimento de mundo do leitor. Palavras-chave: Atos de fala; Gênero ‘meme’; Intencionalidade. 1. INTRODUÇÃO O acúmulo de tantas diferentes redes sociais em nossos dias fez com que o fluxo de informação crescesse indiscriminadamente. Essa eclosão fez novos gêneros, como é o caso do ‘meme’, obter quase um compartilhamento viral. Tal gênero pode ser

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Brasília, Brasil – 19-21 Outubro 2015

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A REVISTA VEJA AGORA É ‘MEME’ – UMA ANÁLISE DO DIZER COMO

FAZER

Larisse Carvalho de OLIVEIRA

[email protected]

Secretaria de Educação do Ceará

Maria de Fátima de Sousa LOPES

Secretaria de Educação do Município de Eusébio

RESUMO

Face ao grande fluxo de material disposto na Internet no último período eleitoral presidencial, e

ainda pela repercussão de memes, charges e caricaturas que utilizaram como tema as eleições

presidenciais do ano de 2014, objetivamos mostrar a intencionalidade deinternautas emcampo

digital frente à publicação da revista Veja, edição nº 2397.Procuramos analisar,no presente

trabalho,(i) que ações são ditas nos trechos de memesfeitos com base na edição da revista

citada;(ii) quais as possíveis razões para tal promoção e(iii) que tipo de contexto é exposto ao

leitor. Baseamos nossas discussões na teoria dos atos de fala, exposta por Austin (1990), e nos

trabalhos de Oliveira (2006) e Levinson (2010) ligados a essa teoria. Os memes utilizados em

nossa análise foram coletados diretamente da rede, selecionados por assunto e analisados um a

um. Atentamo-nos parao material escrito, e também para o fotográfico. Com isso,

empreendemos análise qualitativa de 10 capas criadas por internautas, atentando para os verbos

usados nessas. Dessa forma, constatamos (i) que há uma recorrência de atos ilocucionários

expositivos; (ii) que isso ocorre por essas expressões articularem um posicionamento a favor ou

contra certo conteúdo(LEVINSON, 2010) e (iii) que o contexto dos memes é variável e o seu

conhecimento por parte dos leitores é imprescindível para a construção de sentido, pois além de

ser necessário o interlocutor ter a noção das figuras políticas em destaque no referido período,

também é preciso que conheçam as outras figuras que os internautas relacionam para construir a

sátira pretendida; sem esse conhecimento, a intenção do internauta fica comprometida. Assim,

acreditamos que o conhecimento de mundo do leitor acerca dos memes tratados nas capas é

indispensável para a compreensão dosatos expressos, entendendo, dessa forma, a importância

que o contexto tem na construçãodo sentido, fazendo-se essencial e necessário para melhor

compreender-se os enunciados. O próximo passo do trabalho se dará no uso desses memes em

aulas de Língua Portuguesa, nas quais serão focalizadas a importância do conhecimento de

mundo do leitor.

Palavras-chave: Atos de fala; Gênero ‘meme’; Intencionalidade.

1. INTRODUÇÃO

O acúmulo de tantas diferentes redes sociais em nossos dias fez com que o

fluxo de informação crescesse indiscriminadamente. Essa eclosão fez novos gêneros,

como é o caso do ‘meme’, obter quase um compartilhamento viral. Tal gênero pode ser

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uma foto, um link, uma palavra, que é partilhada na rede, atingindo internautas de todo

o mundo; diferente da caricatura, que é geralmente retratada por meio de desenhos,

exagerando uma característica peculiar de alguém. Vale ressaltar que o termo meme

provém do grego μιμἐομαι ("mimema", que tem a mesma raiz de mimese, e significa,

portanto "imitação").

Com o período de eleições presidenciais vivido pelo Brasil, há pouco mais de

um mês, vários memes foram criados tendo como base as figuras dos presidenciáveis,

principalmente após os debates televisivos, que viabilizava a feitura de fotos daqueles.

Esse fenômeno nos chamou atenção pela sua grande quantidade e diversidade de seus

temas.

A capa da revista Veja, edição nº 2397 trouxe a foto da então candidata à

presidência, Dilma Rousseff, e do ex-presidente, seu principal apoiador de campanha,

Luiz Inácio Lula da Silva. A manchete explicita que os citados tinham conhecimento

sobre um esquema de corrupção na Petrobrás, estatal petrolífera brasileira.

Em resposta a edição supracitada, internautas produziram memes a partir da

capa da edição citada acima, ironizando, por meio do exagero, a credibilidade da

informação exposta pela revista Veja.

Vários memes/montagens1 foram criados com temas ‘diferenciados’, como a

abertura do mar vermelho por Moisés, o naufrágio do Titanic, o roubo do coelho da

Mônica,entre outros.Vale adicionar que o leitor deveria partilhar do mesmo universo de

seu escritor para fazer as conexões de sentido devidas entre a capa real e aquilo que lhe

estava sendo exposto.

Assim, tentava-se associar um fato a figura da então presidenciável,

agorareeleita Dilma Rousselff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sempre

incutindo a figura dos dois de uma ‘culpa’, ou uma compactuação.

Assim, o presente trabalho objetiva fazer uma análise qualitativa de

memes/montagens feitas por internautas a partir da polêmica causada por uma capa da

revista Veja publicada em período eleitoral. Consideraremos os memes, mas o que

vamos analisar de fato são as expressões presentes nessas imitações de capas,

interpretando os memes como uma demasiada colaboração para a construção do sentido.

1Os memes, ou montagens, que utilizaremos neste artigo foram retirados do site:

http://desesperodaveja.tumblr.com/. Acessado em 30 de outubro de 2014.

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Primeiramente, traremos do aparato teórico ao qual nos voltamos para tecer

nossas discussões. Esses são compostos pela teoria dos atos de fala de Austin (1990),

acompanhada dos conceitos compreendidos por Oliveira (2003) e por Levinson (2010)

acerca da teoria de Austin (1990). Apoiamo-nos em uma teoria pragmática porque

acreditamos ser essa a melhor qualificada para tratar dos atos de fala presentes nas capas

investigadas e por analisar o discurso de modo integrado, estudando a língua e o seu

contexto de uso.

Em seguida, detalhamos como se deu a análise de tais memes, desde a coleta, a

escolha, até a análise qualitativa final. Logo após, expomos os resultados alcançados e

discutimos as marcas intencionais que qualificam o falante por trás da ‘capa-meme’.

Encerramos com nossas considerações finais sobre as nossas conclusões acerca da

singela investigação.

2. ACERCA DOS ATOS DE FALA

Tomaremos como base para esta análise a concepção de John Austin acerca

dos atos de fala. De acordo com Armengaud (2006, p. 99), “a unidade mínima de

comunicação humana não é nem a frase nem qualquer outra expressão. É a realização

(performance) de alguns tipos de ato”. Esse ato será desmistificado por Austin, que cria

a teoria dos atos de fala.

Como pretendemos chegar à compreensão dos atos realizados através das

expressões ditas nos memes/montagens feitas por internautas a partir da exposição de

uma capa polêmica da revista Veja, pretendemos decodificar os atos de fala exposto nas

capas, a aparente intenção desses internautas, e ainda identificar outros fatores como a

ironia, o humor, e o teor referencial.

Oliveira (2006) cita que a teoria dos atos de fala proposta por Austin pretende,

em última análise, esclarecer a tese de Wittgenstein de que a significação das expressões

linguísticas consiste em seu uso, ou seja, na:

[...] determinação do sentido das expressões é, de agora em diante, o

próprio uso das palavras, seu aparecimento nos diferentes jogos de

linguagem, que são a expressão de diferentes formas de vida [...] se

trata do novo “critério do sentido”: o uso. (OLIVEIRA, 2006 p. 149)

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Esta consideração é a base da nossa proposta investigativa, uma vez que o

significado nos foi proporcionado devido ao uso das expressões em consonância com

uso dos memes. Austin (1990) entende que a linguagem deve ser tratada essencialmente

como uma forma de ação e não de representação da realidade. Ele ainda aponta que o

conceito de significado se dissolve, dando lugar a uma concepção de linguagem como

um complexo que envolve elementos do contexto, convenções de uso e intenções do

falante. Desta forma:

Os atos que executamos por meio dos enunciados performativos

executam ações convencionais, ou seja, são executados na medida em

que cumprem normas intersubjetivamente estabelecidas. Eles são atos

precisamente na medida em que cumprem essas normas e não em

virtude de intenções próprias do sujeito. (OLIVEIRA, 2006 p.154)

Identificamo-nos com o ponto de vista teórico de Austin porque levamos em

consideração o contexto político em que foram realizadas imitações das capas, a escolha

linguística para organização das expressões, assim como as possíveis intenções

demonstradas pelos internautas.

Com isso, entendemos quenos estudos linguísticos um ato de fala qualquer é

muito mais amplo do que se imaginava. As sentenças além de exprimir um significado

realizam uma ação, na concepção de Austin (1990). Essas sentenças são nomeadas pelo

teórico como performativas, uma vez que um enunciado ao ser proferido não se

apresenta como verdadeiro ou falso, mas como uma ação. Por isso, o teórico detém-se

aos atos de fala ilocucionários, pois estes são que exprimem ações enquanto são ditos.

Sobre estes, explicitaremos abaixo. A partir dessa concepção, analisaremos os atos de

fala enunciados nos memes representativos da capa já citada da revista da Veja,

considerando outros fatores envolvidos, como o contexto e as intenções do

falante/enunciador.

Com a abordagem dos atos de fala, Austin detém-se ao ato ilocucionário, que

consiste na “realização de um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato de

dizer algo” (AUSTIN, 1990, p.89). Os demais atos são abordados pelo teórico, embora

não tenha focado neles, são os atos locucionários e perlocucionários. O primeiro

consiste no ato de dizer algo na acepção normal e completa, de acordo com Austin

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(1990). Levinson (2010), por sua vez, classifica este ato como a enunciação de uma

sentença com sentido e referência determinados. O segundo consiste no ato de causar

efeitos no público por meio da enunciação da sentença, (OLIVEIRA, 2006; AUSTIN,

1990). Em linhas gerais, o ato locucionário é a própria sentença com sua estrutura

fônica, fática e rética, enquanto o ato perlocucionário é o efeito que o ato ao dizer algo

gera no público-alvo.

As sentenças performativas, como exposto acima, enquadram o ato

ilocucionário, ato este que Austin (1990) se detém com mais atenção. Assim, ele faz

uma divisão desses atos em classes, atribuindo-lhe as seguintes denominações:

expressões veridictivas, exercitivas, comissivas, conductivas e expositivas. De forma

geral, Austin (1990) denomina as expressões veridictivas como a expressão de um

juízo a respeito de valores ou de fatos com base em material de prova e evidenciais ou

em argumentação, acerca de um fato ou valor; as exercitivas têm relação com o ato de

decidir-se a favor ou contra certo comportamento; as comissivas consistem no

comprometimento do locutor com um comportamento determinado, ou com uma ordem

de ações; as conductivas, como uma reação ao comportamento e ao destino de outras

pessoas e de atitude ou expressão de atitude diante do comportamento passado ou

iminente de um outro indivíduo; e as expositivas com a finalidade de tornar claro em

que sentido as expressões devem ser consideradas, visando expor concepções e o

desenvolvimento de argumentação.

Com base nessa exposição, deixamos claro que analisaremos as referidas

expressões encontradas nos memes da revista Veja com base nessa classificação do ato

ilocucionário.

3. PERCURSO METODOLÓGICO

Serão expostos nesta seção, os passos metodológicos que foram seguidos

durante o desenvolvimento de nosso estudo e principalmente na análise dos dados. Para

tanto, julgamos necessário considerar os critérios explicitados por Lakatos (1991, 2003)

e Gil (2008) quanto aos passos metodológicos que foram usados, para melhor

compreensão por parte do leitor.

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Desta forma, classificamos o nosso método de abordagem como método de

abordagem indutivo/descritivo, declarando quenosso estudo teve como base, inicial, a

análise e a descrição dos dados de nosso corpus, dez (10) capas criadas por internautas

em ‘resposta’ a uma edição da revista Veja que gerou grandes polêmicas, para assim

conseguirmos, cientificamente, pela análise dos meios linguísticos, amparar

empiricamente nossos resultados.

De acordo com a classificação de Gil (2008) e Lakatos & Marconi (2003),

incluiremos nossos estudos no campo das pesquisas descritivas e bibliográficas. Como

nosso objetivo é analisar e descrever expressões linguísticas levando em consideração o

valor intencional dessas a partir dos atos de fala que carregam.

Assim, admitimos que a língua é passível de relacionar-se em variadas facetas,

o que nos fez possível avaliar que ações podem ser realizadas nos enunciados presentes

nos memes, fundamentamos nossa análise em Austin (1990), uma vez que este

desenvolve um excelente trabalho no que se refere aos atos de fala. Em comunhão com

os estudos do autor citado, sempre que necessário voltaremo-nos para Oliveira (2006) e

Levinson (2007).

Os memes de que trataremos neste estudo, têm como base uma publicação da

revista Veja, especificamente a de edição nº 2397. Já citada na seção anterior.É

importante ressaltarmos que as discussões sobre o gênero ‘meme’ ainda são poucas, ou

quase inexistentes. No entanto, é certo afirmarmos que tais produções são virais, ou

seja, têm o poder de alcançar um grande número de compartilhamentos na web. Um

exemplo seriam as criações feitas com algo de grande repercussão atual, ou inspiradas

em um personagem ou ator famosos, como é o caso da página minhas vilãs favoritas2,

no facebook, ou ‘Callango nerd’3.

Selecionamos as capas feitas, todas retiradas de uma página da web denominada

Desespero da Veja, que começou a coletar tais expressões após grande

compartilhamento de informações nas redes sociais. A página, então, passou a

2Disponível em: https://www.facebook.com/MinhasVIlasFavoritas/?fref=ts. Acessado em 17 de

novembro de 2015. Tal página usa fotos de personagens de novelas brasileiras ou filmes,

brasileiros ou não, que tenham chamado a atenção do público pela sua maldade, para a produção

de seus memes. 3Disponível em: https://www.facebook.com/CalangoNerd/?fref=ts. Assim como a página citada

anteriormente, essa, usa cenas de filmes, no entanto, seu cunho é humorístico. Os autores da

página usam o linguagem nordestino e suas gírias para fazer memes, ou ‘redublar’ cenas de

filmes.

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disponibilizar uma espécie de molde para que qualquer internauta pudesse criar o seu

‘meme’. O assunto que perpassa em todas as capas é o mesmo, o escândalo na

Petrobrás, grande estatal petrolífera do Brasil, o que as difere é a forma como o assunto

é exposto e a figura comparativa, ou carnavalesca, que os internautas utilizaram para

enfatizar o sentido agregado à expressão “Eles (Lula e Dilma) sabiam de tudo”.

4. ANÁLISE E RESULTADOS

Nesta seção, expomos os resultados da referida análise, no entanto, antes disso,

vale fazer algumas ressalvas acerca da capa a qual motivou os internautas a produzirem

os memes, foco do nosso trabalho. Na capa real da revista Veja é dada aos leitores que

Dilma e Lula ‘sabiam’ de tudo. Vale ressaltar que Austin (1990, p. 130) enquadra o

verbo “saber” no grupo dos atos ilocucionários expositivos, uma vez que são utilizados

nos atos de exposição que consistem em expressar opinião, conduzir debates e

esclarecer usos e referências. Assim, a própria capa já atribui uma ação aos acusados,

impondo maiores responsabilidades aos mesmos pelo ocorrido.

Vejamos abaixo, na figura 1, a capa da revista Veja que motivou o surgimento

dosmemesaqui em questão:

Figura 1

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Como é possível visualizar, a informação que a capa da revista traz é de

acusação ao atual governo pela corrupção ocorrida dentro da empresa Petrobrás. O

enunciado ‘eles sabiam de tudo’ leva o leitor a crer que os acusados haviam omitido

saber da situação. Outro ponto instigador também trazido pela revista foi a expressão

facial de ambos os acusados, uma vez que vê-se um aspecto maldoso na face de ambos.

Com isso, damos início as nossas analises e resultados. Primeiramente,

apresentamos abaixo rapidamente uma síntese dos resultados. Vejamos a tabela de

ocorrências abaixo:

Atos de fala ilocucionários Verbos Frequência de

ocorrência

Total

Expositivos Saber 6

Exercitivos Mandar 2

Comissivos Armar 1

Comportamentais Emocionar 1

10

Tabela 1: Quantidade de ocorrências referente aos atos de fala ilocucionários

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Dessa forma, podemos visualizar uma recorrência dos atos ilocucionários

expositivos. Acreditamos que este se dá porque, essas expressões articulam um juízo a

respeito de valores ou de fatos com base em material de prova ou mesmo em

argumentação, como explica Levinson (2010). Com isso, percebemos que a aparente

intenção das capas é realmente fazer um julgamento aos já antes acusados pela revista

Veja, no entanto, a significação toma outro viés quando interpretamos o caráter

humorístico das capas incorporadas de uma sólida ironia, beirando a carnavalização.

Entendemos por ironia o fato de dizer o contrário do que pensamos, mas dando a

entender o tom irônico, geralmente, com a intenção de obter uma reação do leitor,

ouvinte ou interlocutor, ou seja, perturbá-lo. A ironia estabelece um contraste entre o

que se pensa e seu conteúdo. No caso analisado, não temos o tom irônico, mas

contamos com os memes, que já nos passa informações necessárias para a compreensão

da presença da ironia, seja pelas informações verbais ou não-verbais, que será reforçada

pelo conhecimento de mundo do leitor.

Com isso, vejamos algumas das capas publicadas na internet, baseadas na

referida capa exposta acima. Voltemos nossa atenção para a figura 2, que traz um

personagem bem conhecido da televisão brasileira, mesmo tendo sido importado da TV

mexicana:

Figura 2

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A capa simulada acima nos remete a um episódio do seriado televisivo Chaves

(El Chavo del Ocho), produzido no México (1971-1979) e televisionado no Brasil até os

dias atuais. No episódio, o personagem principal – Chaves – um garoto de ruaé

incriminado por roubo. Como podemos ver, o fato está relacionado ao tema corrupção

na Petrobrás, o mesmo da capa real que motivou essas outras aqui em questão. Ao

enunciar que Lula e Dilma armaram para incriminar Chaves, os autores dessa

capamostrama temática da corrupção de maneira humorística e irônica, utilizando-se de

uma hipérbole, figura de linguagem que consiste em exagerar uma expressão afim de

impressionar o interlocutor, uma vez que apontam Lula e Dilma como culpados de

qualquer situação que envolva roubo, até a do personagem Chaves. Além da construção

linguística, temos a foto dos acusados que já não é a mesma da capa ‘fonte’, agora eles

aparecem de modo a esquematizar algo, a aparência de ambos é suspeita, realçada pelo

modo como a senhora Rousseff aparece, pedindo silencio ao companheiro.

Assim, toda a construção do enunciado é ancorada em uma ironia que resulta

em humor, mas que se utilizam da hipérbole para gerar esse efeito de sentido. No

entanto, o aspecto principal que estamos aqui analisando é ação expressa por essas

produções, no caso pelos enunciados.

Por conseguinte, no que diz respeito aos atos de fala tratados por Austin

(1990), percebemos que a expressão Lula e Dilma armaram para incriminar Chaves

consiste, primeiramente, num ato locucionário, ou seja, consiste na sentença

propriamente dita, com aspectos fônico, fático e rético, mas condiz principalmente com

um ato ilocucionário, uma vez queé expressa uma açãopela sentença. Assim, o verbo

armaramexposto na capa possui o sentido de planejar no intuito de provocar alguma

maldade. Conforme Austin(1990), o verbo planejar encaixa-se na classe das

sentençascomissivas, pois comprometem quem o usa a uma determinada linha de ação.

Percebemos, assim, que os autores dessa capa querem comprometer Lula e Dilma em

agir de má vontade contra o personagem Chaves. Vale ressaltar que esse ato se trata de

uma ironia frente à polêmica ocorrida em torno da revista Vejaao incriminar o partido

da atual presidente.

Vejamos mais um exemplo das capas abordadas:

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Figura 3

A capa exposta acima traz a seguinte expressão Após minha casa, minha vida,

Dilma e Lula se recusam a criar o ‘bolsa’ telefone. Nesta sentença, temos como

símbolo da ação o verbo recusar. Dentro da nomenclatura proposta por Austin (1996), o

referido verbo consiste num ato ilocucionário exercitivo, uma vez que consiste

natomada de uma decisão a favor ou contra um determinado curso da ação. Dessa

forma, os autores querem passar aos interlocutores que Lula e Dilma se posicionam

contra a criação do bolsa telefone. A ironia é criada em torno do programa minha casa,

minha vida da atual presidente, deixando vários entendimentos ao interlocutor, inclusive

que o atual governo criou muitos programas sociais para a população.

Destarte, concluímos uma maior frequência do ato ilocucionário

expositivo, denominado por Austin (1990) como os verbos utilizados para expressar

opiniões ou esclarecer usos. Isso nos faz deduzir que a intenção do locutor era, de fato,

expressar um posicionamento contra a revista Veja, que se mostrou partidária,

incriminando a todo custo a candidata à presidência da república Dilma Rousseff.

Consideremos também o jogo de ironia e humor que as capas passam aos interlocutores,

promovendo além de reflexões boas risadas nos leitores.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na primeira seção deste trabalho vimos o arcabouço teórico que utilizamos,

que em sua maioria apoiou-se nos trabalhos de Austin (1990). Tratamos dos atos de

fala, e de suas classificações, para que pudéssemos na seção seguinte, expor as capas

analisadas e os resultados obtidos.

Assim, percebemos que os memes feitos em resposta a capa da revista Veja traz

consideráveis reflexões acerca da conexão entre as ações ditas nas expressões das capas,

a presença constante da ironia, que nos leva a compreensão real das expressões, e o uso

bem elaborado das hipérboles, fazendo-nos entender a real intenção dos produtores.

Percebemos também que o conhecimento do leitor acerca das imagens tratadas nas

capas é fundamental para a compreensão dos atos expressos.

Finalmente, nossa pequena investigação nos mostrou que as expressões

expositivas foram preponderantes no corpus analisado, visto que almejam tornar claro

em que sentido as expressões devem ser consideradas, levando-nos a crer na culpa dos

acusados. No entanto, com a compreensão do contexto, é perceptível que a informação

intencionada é reversa. Isso nos faz refletir sobre a importância que o contexto tem na

construção do sentido, fazendo-se essencial e necessário para uma melhor compreensão

dos enunciados.

REFERÊNCIAS

ARMENGAUD, F. A pragmática. São Paulo: Parábola Editorial, 2006.

AUSTIN, J. L. Quando dizer e fazer; palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. 136p.

GIL, A. C. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2008.

LAKATOS, E. M; MARCONI, M. A. Metodologia científica. São Paulo: Atlas, 1991.

______; Fundamentos de metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

LEVINSON, S. C. Pragmática. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Xiv, 548 p.

OLIVEIRA, M. A. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 3.ed. São

Paulo, SP: Loyola, 2006. 427 p.

Capas analisadas, disponível em: http://desesperodaveja.tumblr.com/. Acessado em 17 de

novembro de 2015.