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  • 8/19/2019 Da heteronormatividade à Interseccionalidade: questões de gênerocontribuições a uma criminologia feminista

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    Da heteronormatividade à Interseccionalidade: questões de gênerocontribuições a uma criminologia feminista

    Wagner dos Reis Marques Araújo ∗

    RESU !

    Neste texto situamos a emergência de algumas questões apontadas pelosestudos de gênero e movimento feminista, sobre as representa ões da mul!er v"tima e#ou agente do crime na sociedade contempor$nea, com bases na irrup %ode uma criminologia feminista e da criminologia jur"dica& Nosso objetivo principal 'apontar as contribui ões da criminologia feminista (inspirada pela vontade dediscutir as assimetrias de gênero que atinge as mul!eres em todo mudo), que temassegurado a maior inclus%o do tema do abuso dos direitos relativos *s mul!eres&Nesse sentido, s%o recuperadas algumas questões postas pelo feminismo e,especialmente pelos estudos de +gênero & Notou-se, contudo, que no .rasil acriminologia jur"dica sofreu, durante muito tempo, de um d'ficit te/rico sobre asquestões de gênero que invisibili0ou as rela ões das +mul!eres com o sistema de justi a e com as demais questões ditas 1criminais &

    "alavras#chave: 2ênero3 !eteronormatividade3 criminologia feminista&

    $% I&'R!DU()!

    4 objeto desta discuss%o consiste situar a emergência de algumasquestões apontadas pelos estudos de gênero e movimento feminista, sobre asrepresenta ões da mul!er v"tima e#ou agente do crime na sociedadecontempor$nea, com bases na irrup %o de uma criminologia feminista e dacriminologia jur"dica& Nosso objetivo principal ' apontar as contribui ões da

    criminologia feminista (inspirada pela vontade de discutir as assimetrias de gêneroque atinge as mul!eres em todo mudo), que têm assegurado a maior inclus%o dotema do abuso dos direitos relativos *s +mul!eres & Nossa principal justificativa 'a relativa ausência de estudos sobre a criminologia feminista brasileira, devido aocar5ter fragment5rio de uma teoria feminista de matri0 brasileira consolidada& 6ste

    7 8il/sofo e 9ientista :ocial, Mestre em :ociedade e 9ultura (;;2:9A-

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    texto se propõe recuperar algumas questões postas pelo feminismo e,especialmente pelos estudos de +gênero &

    *% +riminologia, gênero e heteronormatividade

    N%o somente a criminologia jur"dica sofreu, durante muito tempo, umdéficit teórico sobre as questões de gênero como esse d'ficit te/rico invisibili0ou asrela ões das mul!eres com o sistema de justi a e com as demais questões ditas1criminais+& >erifica-se que na tradi %o jur"dico-penal brasileira, de poucos anosatr5s, constavam dispositivos jur"dicos marcados pelo falocentrismo (regime de

    poder#discurso) legitimavam a violência contra a mul!er& 4s marcos te/ricos dacriminologia jur"dica que permitiram esta proposi %o, consistem nas discussõesde .aratta (?@@ ), 9ampos (?@B?), 9ampos C 9arval!o (?@BB) e DoEnes C RocF(?@B?)&

    Gnicialmente, cabe uma observa %o a t"tulo de advertência& N%o 'exclusividade da 9riminologia o status de ciência androcêntricas com seuuniverso, at' ent%o, inteiramente centrado no masculino, seja pelo objeto do

    saber (o crime e os criminosos), seja pelos produtores do saber (os crimin/logos)3outras ciências tamb'm estiveram e#ou est%o estruturas por rela õesandrocêntricas de +poder#saber (84

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    estudos te/ricos, que ainda encontram em Hombroso e 8errero o suporte paraengendrar pesquisas dessa nature0a (Q6GD6N:4QN, ?@@?, p& J?)&

    Naquela 'poca, a mul!er L considerada inferior e menos capa0, por ser +o

    sexo fr5gil L n%o era muito percebida como uma amea a social significativa, oupelo menos, por estar mais restrita * esfera privada (dom'stica), era vista comomais facilmente contida e 1domada1 que os !omens& :egundo 9aleiro (?@@?, p&SS)P +a preocupa %o com a ordem, no que tangia *s mul!eres, seria exercidamuito mais por institui ões como a fam"lia e a escola que promoviam ainteriori0a %o da ideologia masculina dominante, do que pelo aparel!o policial &

    Na 6uropa, daquele momento, os c/digos apresentavam crimes referentes

    * vagabundagem, * !omossexualidade e * prostitui %o& Assim, a figura daprostituta como degenerada moral e criminosa, aparece como a primeirarepresenta %o feminina de destaque nos discursos criminol/gicos& Nessesentindo, a discuss%o sobre o perigo da mul!er atraente e bela, a figura daprostituta era sempre ressaltada e estudada pelos te/ricos criminais&

    No livro The Female Offender , 9esare Hombroso classificou a mul!er criminosa emP criminosas natas, criminosas ocasionais, ofensoras !ist'ricas,

    criminosas de paix%o, suicidas, mul!eres criminosas& Na perspectiva deHombroso (BJKS), a docilidade 1inerente1 * mul!er poderia ser respons5vel peloaumento da sua periculosidade e, ao mesmo tempo, pela dificuldade dedeterminar uma conduta criminosa * mul!er& Nesse caso, ele classificou a mul!er criminosa emP criminosas natas, criminosas ocasionais, ofensoras !ist'ricas,criminosas de paix%o, suicidas, mul!eres criminosas lun5ticas, epil'pticas emoralmente insanas&

    Na obra 4 Nascimento da biopolítica (?@@K), 8oucault estuda o liberalismocomo quadro de biopol"tica mostrando que no s'culo O>GGG e, sobretudo, na viradapara o s'culo OGO, o 6stado j5 prevê a regula %o da sociedade atrav's denormati0a ões jur"dicas& 4s conceitos biopoder e biopol"tica, s%o formulados paravislumbrar o aparecimento de um poder disciplinador e normati0ador que j5 n%ose exercia sobre os corpos individuali0ados nem se encontrava disseminado notecido institucional da sociedade& Ial poder se concentrava, dir5 8oucault, nafigura do 6stado e se exercia a t"tulo de pol"tica estatal que pretendia administrar a vida e o corpo da população.

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    Neste mesmo per"odo a criminologia constituiu o !omem penalis & Ial fatoaponta para o nascimento da criminologia no s'culo OGO& 8oucault (?@@K)constatar5 que todo o cen5rio desse s'culo apresentar5 mudan as no

    comportamento dos indiv"duos em rela %o ao econ mico, pol"tico e cultural& Note-se, a partir de 8oucault, que !5 uma racionalidade do crime em conforma %o(diferentemente de Hombroso), o crime n%o ' algo inato (at5vico), ou seja, !5 umdeslocamento do bi/tipo (do biol/gico) que irrompendo para o racional&

    4 crime entra na pauta das a ões sociais (deixando de ser patol/gico),para dar lugar * violência que passa ser tratada como patologia& Acresce-se aisso que, as teorias criminol/gicas tradicionais (6scola ;ositivista e 6scola

    9l5ssica) e as tentativas de constru %o de teorias gerais do crime s%o permeadaspor grandes silêncios no que di0 respeito * mul!er autora de crimes (;GM6NI6H,?@@K)& Hembre-se, ainda, que +o sistema penal centrado no !omem(androcêntrico) produ0iu aquilo que posteriormente a criminologia feministaidentificou como dupla violência contra a mul!er , conforme afirmam 9ampos C9arval!o (?@BB, p& BT?)& 6stes aspectos confirmam aquilo que fora pontuadoanteriormente que n%o ' exclusividade da criminologia o status de ciência

    androcêntricas, com seu universo centrado no masculino, os operadores da leitamb'm o s%o&

    No primeiro momento, o sistema penal invisibili0ava ou subvalori0ava asviolências de gênero decorrentes das rela ões afetivo-familiares (!omic"dios,lesões corporais, amea as, injúrias estupros, c5rcere privado, etc&) das quais asmul!eres s%o v"timas3 posteriormente, quando a mul!er aparece enquanto sujeitoativo do delito, assiste-se o agravamento das formas de execu %o das penas

    aplicadas *s mul!eres&U neste sentido que ao tornar a perspectiva feminista tem5tica dos estudos

    criminol/gicos, consequentemente, a criminologia feminista n%o somentedenunciou as violências produ0idas pelas formas de interpreta %o e aplica %oandrocêntrica do direito penal, como evidenciou o conjunto de +metarregras queaumentam da puni %o e#ou o agravamento das formas de execu %o das penasem ra0%o da condi %o de gênero (9AM;4: C 9AR>AHQ4, ?@BB)&

    -% .eminismo, criminologia feminista e interseccionalidade

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    Nos anos de BJ @ as teorias feministas de tendência liberal e radicalconseguiram tornar vis"vel a posi %o desigual da mul!er perante o direito penalgan!a visibilidade, seja na condi %o de v"tima, seja na condi %o de criminosa& Ialtema n%o ', contudo, novo para o feminismo e surge da necessidadede revisar interpreta ões e pr5ticas jur"dicas (e n%o jur"dicas) de naturali0a %o da violênciade gênero (9AM;4:, ?@B?)& Note-se, tanto o feminismo quanto a criminologiacr"tica constru"ram narrativas explicativas para a domina %o, opress%o esubordina %o das mul!eres detendo-se, a segunda, de forma acurada, nocrime#criminoso, tendo por referência o marxismo&

    Nos anos de BJK@, 2aVle Rubin (BJJS), baseando-se no sistema sexo-gênero, afirma que n%o existe nen!uma teoria que dê conta da opress%o dasmul!eres L na sua variedade ao longo da cultura e da !ist/ria L, +com o mesmopoder que a teoria marxista da opress%o de classes (p& S)& 6ntretanto, aaproxima %o dessa autora de Marx e 8reud, a partir de H'vi-:trauss e Hacan,para explicar a +domestica %o das mul!eres atrav's da troca nos sistemas deparentesco recebeu cr"ticas ferren!as de feministas Afro-americanas& >ê-se,

    portanto, que o feminismo dos anos oitenta floresce do acirramento, isto ', comoexpress%o de um acirramento de contradi ões vividas no sistema sexo-gênero&

    Nos anos de BJK@ essa vertente te/rica surge nos 6stados

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    das mul!eres e o papel de gênero nas teorias do desvio, em geral, recebiamaten %o insuficiente por parte dos criminologistas tradicionais e novos&

    Naquele contexto, come a-se a criticar as teorias tradicionais,

    questionando os estere/tipos sexistas que alimentavam essas teorias e, tamb'm,os limites de uma criminologia positivista& As an5lises de gênero permitiram,portanto, ol!ar as ciências criminais atrav's de uma lente que possibilita verificar como o sistema jur"dico trabal!a, constr/i#desconstr/i as rela ões de gênero (pelovi's da criminologia critica e do feminismo)& 8ormas +femininas de criminalidade(aborto e infantic"dio), consequentemente, deixam a marginalidade acadêmica epassam a ocupar lugar central em importantes e polêmicas discussões

    (.ARAIIA, BJJJ)&Nos meados dos anos de BJK@, com a a %o feminista e dos avan os nos

    estudos de gênero, ' que essas interpreta ões passam a ser questionadas e,portanto, a interven %o do 6stado no $mbito da fam"lia para proteger as mul!erespassa a ser uma exigência& ;recisamente, antes disso, a violência contramul!eres era considerada delito de menor potencial ofensivo, assim, teses,categorias e interpreta ões jur"dicas criavam sujeitos de direito distintos,

    conceitos jur"dicos e campos que limitavam a interven %o na +vida privada e nos+costumes (9AM;4:, ?@B?)& Iornava-se dif"cil qualificar a violência dom'sticacontra mul!eres, bem como os cometidos no $mbito da esfera do lar&

    No bojo dos dispositivos jur"dicos-penais, aceitava-se naturalmente a +teseda defesa da !onra masculina para absolver !omens que assassinavam suasmul!eres em suposto adult'rio3 absurdamente, o estupro para ser pun"vel exigiauma determinada condi %o da v"tima (!onesta, de boa fam"lia, etc&), cuja

    punibilidade era extinta se a v"tima casasse com o estuprador&Nos dias atuais, vislumbra-se o desenvolvimento de uma +teoria feminista

    do direito , composta de estudos cr"ticos ao Direito produ0idos por feministas ouque partem predominantemente de referenciais te/ricos feministas& Q5controv'rsias por parte de algumas te/ricas do direito de que alguns estudoscr"ticos produ0idos sobre temas trabal!ados pelo feminismo, reali0ados por !omens, ap/iem ou valori0em o projeto feminista em si dentro da academia, masvalori0am e legitimam certas posi ões dentro do feminismo acadêmico&

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    :egundo 9ampos (?@B?), estudos cr"ticos, +como ' o caso da violênciapraticada por parceiros "ntimos ou da violência dom'stica (que n%o sejamreali0ados por feministas ou que n%o utili0em referenciais te/ricos feministas)

    podem ser caracteri0ados como estudos de gênero, mas n%o necessariamenteestudos feministas (p& S )& Ial afirmativa leva-nos a colocar a quest%oPSeráverdade ue somente as feministas !em ra"ão de suas e#peri$ncias e ob%etivação

    da cate&oria' podem falar de dominação( opressão e e#ploração da mulher sob o

    viés feminista)

    As feministas Afro-americanas, durante os anos BJK@, mostram os limitesde uma epistemologia branca ao afirmando que somente mul!eres negras

    poderiam falar da experiência de mul!eres negras& Naquele contesto, apegar-se amaterialidade (a metaf"sica da experiência) foi uma aposta pol"tica provocoumudan as dentro do feminismo, denunciando que marcadores sociais dediferen as (gênero, classe, ra a#etnia, educa %o, etc&) tornavam as mul!eresnegras em situa %o de desigualdade dentro do feminismo branco norte-americanoe do europeu&

    Nos 6stados

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    interessa a criminali"ação do aborto) 6m ra0%o destas questões, cabe discutir asimplica ões de gênero de uma pr5tica social ou de uma norma jur"dica& 6ntender,ainda, de que maneira as experiências das mul!eres ficaram marginali0adas e

    como seria poss"vel incorpor5-las novamente * leitura jur"dica (9AM;4:, ?@B?)&Nem a categoria feminismo e nem t%o pouco categoria gênero s%o

    entidades !omogêneas capa0es de manter uma unidade entre si& 4 feminismo j5n%o pode falar em nome da +mul!er , deste macro conceito enquanto umacategoria unit5ria, !omogênea e, portanto, sujeita *s mesmas formas dedomina %o, opress%o e subordina %o&

    Ial cr"tica, como vimos, foi lan ada pela primeira ve0 por feministas negras

    Afro-americanas que, ao inv's desta categoria, amalgamaram o conceito deinterseccionalidade para pensar como as diferentes formas de inclus%o#exclus%ov%o ocorrer em experiências distintas& 6m s"ntese, foram elas as primeiras aacusar o feminismo branco e o europeu de elitismo e exclus%o, de ter ocultadoquestões e silenciado vo0es que s%o marginali0adas por outras ra0ões para al'mdo gênero e que, portanto, têm demandas distintas e#ou muitas ve0es conflituosascom as das mul!eres +brancas do movimento feminista norte-americano e o

    europeu&9rens!aE (?@@@) tamb'm defende que as questões classe, ra a e gênero

    (sistemas de subordina %o) s%o essenciali0adas para compor o lugar do sujeito,portanto, ela utili0a estas três categorias para pensar a interseccionalidade quepossibilita intercru0amentos de subcategorias& Defini %o cuja abrangência temalcan ado ecos dentro do movimento feministas, especialmente, por conter dentrodesta categoria n%o est5tica, as diferentes experiências e orienta ões de gênero&

    Iais sistemas frequentemente, se sobrepõem e se cru0am, criando intersec õesnas quais dois ou mais eixos se cru0am, constituindo aspectos din$micos ouativos do desempoderamento, conforme problemati0a 9rens!aE (?@@@)&

    Noutras palavras, significa di0er que a interseccionalidade ' umaconceitua %o que busca capturar as consequências estruturais e din$micas daintera %o entre dois ou mais eixos da subordina %o, tratando especificamente daforma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opress%o de classe, entre outrossistemas discriminat/rios criam desigualdades estruturais relativas *s mul!eres,ra as, etnias, classes e outras (9R6N:QAW, ?@@@)&

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    Zudit! .utler (?@@T) teori0a a respeito desse problema em seu primeiro livrode grande repercuss%o, +;roblemas de 2êneroP , argumentando que a identidadeda mul!er no movimento feminista, assim como qualquer outra, ' reducionista e

    excludente, uma ve0 que n%o !5 caracter"sticas !umanas suficientementeest5veis e abrangentes, pois, as pol"ticas de identidade n%o s%o perme5veis *multiplicidade de interesses e demandas dos integrantes do grupo que pretenderepresentar (.

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    s%o categori0adas como prostitutas traficadas por redes internacionais do sexo&>ê-se, portanto, nessas criminali0a ões, uma !ipersexuali0a %o que tem umaraciali0a %o e um car5ter de classe muito forte3 s%o mul!eres latino-americanas

    oriundas de classes sociais inferiores e com baixa escolaridade&Na acep %o de DoEnes C RocF (?@B?), a prostitui %o ', talve0, o exemplo

    mais not5vel de dois pesos e duas medidas, com uma longa !ist/ria dedesqualifica %o marcada pela lei e pelos estere/tiposP +Has Xprostitutas comunesYson mujeres XperdidasYP los !ombres, sean prostitutos o clientes, escapam aambas formas de censura (p& SS)& :e se trata de incluir, +certo grau deinvisibilidade envolve questões relativas a mul!eres marginali0adas, mesmo

    naquelas circunst$ncias em que se tem certo con!ecimento sobre seusproblemas ou condi ões de vida (9R6N:QAW, ?@@?, B B)3 por'm, se trata deexplorar a criminalidade das mul!eres, a redu %o da viola %o da lei e a aplica %ode penas ou diminuir o estigma das delinquentes, vê-se que os +sistemas desubordina %o (gênero, classe, ra a#etnia) s%o acionados de forma !iperb/lica&

    N%o podemos deixar de ressaltar que nas últimas três d'cadas, a produ %ono campo do direito no .rasil acompan!ou o pensamento feminista em outras

    5reas, colocando problemas espec"ficos da atua %o do sistema de justi a emrela %o *s mul!eres& N%o muito tempo atr5s, assistia-se a completa falta deprote %o da mul!er pelo sistema de justi a penal diante da violência masculina&Nisso, a Hei Maria da ;en!a (Hei BB&S @#?@@ ), resultado de um amplo processode discuss%o pol"tica do qual estiveram engajados diversos atores sociais Lfeministas, operadores do direito, setores governamentais, academia, parlamento,etc& L, deu causa a muitos debates e tensões tanto no judici5rio como na

    sociedade civil& [uestionam-se a sua legalidade&No que se refere * aplica %o desse estatuto jur"dico, +muitos magistrados

    continuaram a aplicar o instituto da suspens%o condicional do processo previstona Hei J&@JJ#JT, outros a exigir a representa %o nos casos de les%o corporal denature0a leve, apenas para citar alguns exemplos (9AM;4:, ?@B?, p& ST)& No$mbito da interpreta %o comum, a Hei tem sido objeto de diferentes leituras umave0 que o seu aspecto discutido ' o da penali0a %o do agressor& Mas ignora-seque este estatuto legal ten!a um sentido simb/lico& 6m especial, ela tem umsentido mais amplo que visa * preven %o da violência dom'stica&

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    >ê-se que L apesar dos avan os do feminismo e das teorias de gênero L, adelinquência feminina ' constru"da a partir de estere/tipos de pap'is sexuais e detipos espec"ficos (delitos de gênero), os s%o resqu"cios da teoria lombrosiana&

    9oncordamos com DoEnes C RocF (?@B?, p& ?B), ao afirmarem: +la persistenciadel legado lombrosiano en relaci/n com la criminalidade femenino se debesimplementesino que es in!erente a las prescriciones de larga data acerca delpapel feminino V de la XesenciaY de la nature0a de las mujeres (p& ?B)& Noutraspalavras, significa di0er que tra os da cultura do patriarcado subsistem tantoquanto a posi %o da mul!er em rela %o aos pares dicot micosP ra0%o#emo %o,sexo#gênero e nature0a#cultura&

    Nesse caso, conforme .utler (?@B?)P +A no %o de um patriarcado universaltem sido amplamente criticada em anos recentes, por seu fracasso em explicar osmecanismos da opress%o de gênero nos contextos culturais concretos em que elaexiste (p& ??), dir5 ainda, +as supostas universalidade e unidade do sujeito dofeminismo s%o de fato minadas pelas restri ões do discurso representacional emque funcionam (p& ?S)& Ial constata %o ' uma das contribui ões que,nomeadamente, consideramos mais significativas para o feminismo dos anos de

    BJJ@&

    +onclus/o

    Nestas últimas lin!as conclusivas, pode-se afirmar que apesar dos avan osdo feminismo, os estudos de gênero têm demonstrado que muitas ve0es esse temficado preso * quest%o das mul!eres de uma forma essencialista, ao substituir o

    sistema +sexo-gênero , de 2aVle Ribin, por +mul!eres ou +identidade de gênero &Ial quest%o foi amplamente debatida, primeiro pelas feministas Afro-americanase, posteriormente pelas feministas da c!amada terceira onda&

    :e a criminologia adquire o status de ciência nos fins do s'culo BJ e seocupa do estudo do delito, do delinquente, da v"tima e do controle social formal einformal, foi, mais exatamente, a partir dos anos de BJ @ e BJK@, que atrav's dofeminismo, ela passa a situar o d'ficit te/rico sobre as questões de gênero estaciência sofrera, durante muito tempo& 9abe ressaltar, por'm, que a criminologiacr"tica (base da criminologia feminista daquele per"odo) n%o pode mais sustentar-

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    se em bases exclusivamente marxistas para explicar o fen meno dodelito#delinquência& 4s sistemas de diferen a s%o !ierarqui0ados na ra a#etnia,nacionalidade, sexo e classe que est%o entrela ados, portanto produ0em teorias

    sobre o posicionamento social da mul!er que !ora as incluem, !ora as excluem& Apossibilidade de uma criminologia feminista ' a possibilidade de se pensar ainterseccionalidade destes sistemas de diferencia %o que, pensamos, podemtornar-se, quando mal utili0ados, +uma faca de dois gumes &

    RE.ER0&+I1S

    ANDRAD6, >era Regina ;ereira de&+riminologia e feminismo: da mul!er como

    v"tima * mul!er como sujeito& GnP 9AM;4:, 9armen Qein de (org&)& 9riminologia efeminismo& ;orto AlegreP :ulina, BJJJ& p& B@T-BB

    .ARAIIA, Alessandro& ! 2aradigma de gênero: da quest%o criminal * quest%o!umana& GnP 9AM;4:, 9armen Qein de (org&)& 9riminologia e feminismo& ;orto AlegreP :ulina, BJJJ& p& BJ - K@&

    .

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    DG6I6R, Maur"cio :tegemann&"ol7tica +riminal 1tuarial: a criminologia do fimda !ist/ria& B\ ed& L Rio de Zaneiro: 6ditora Revan, ?@BS&

    D4WN6:, David C R49^, ;aul& Sociolog7a de la desviaci8n & 9olecci/n de9riminolog"a& 2edisa editorial, ?@B?&

    8ARGA:, I!a"s Dumêt&1 ulher e a +riminologia +riminosa P rela ões eparalelos entre a !ist/ria da criminologia e da mul!er no .rasil& Gn& Anais do OGO6ncontro Nacional do 94N;6DG# 8ortale0a - 96 nos dias @J, B@, BB e B? deZun!o de ?@B@&

    84