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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

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ENSINO E PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO HISTÓRICO

Autor: Ivair Schueroff¹

Orientador: Sandro Marlus Wambrier²

Resumo

O projeto tem como objetivo conscientizar os alunos que o conhecimento histórico é um processo infinito em busca da verdade e não um conhecimento pronto, acabado, estagnado, sem possibilidades de mudanças e com isso desestimulando a aprendizagem. Diante disso, os alunos foram motivados a ver a história não como um passado morto e sim como um conhecimento sempre em construção. A proposta foi aproximar o ensino e pesquisa, onde através do confronto de diferentes tipos de fontes históricas, os alunos iniciassem a produção de conhecimento. O objetivo foi tirar o hábito dos alunos de transformarem as pesquisas em cópias de fontes escritas, especialmente livros didáticos. Para a realização dessas produções foram utilizadas, além dos conhecimentos prévios, fontes escritas, filmes, imagens, fonte oral, música entre outras. O resultado do projeto foi uma mudança na postura dos alunos diante da disciplina de história. Através de suas produções se tornaram sujeitos do conhecimento e não meros receptores passivos de conteúdos que para eles, sem significado.

Palavras-chave: Ensino; pesquisa; verdade histórica;produção de conhecimento.

Abstract

The project aims to educate students that historical knowledge is an endless process in search of truth and knowledge not a ready made, stagnant, with no changes possible and thereby discourage learning. Given this, students were encouraged to see history not as a dead past, but as a knowledge always under construction. The proposal was to approach teaching and research, where through the confrontation of different types of historical sources, students initiate the production of knowledge. The goal was to get into the habit of students to transform research into copies of written sources, especially textbooks. To produce these products were used in addition to prior knowledge, written sources, movies, pictures, oral source, music and

¹ Pós Graduação na Área de Educação, Graduação e Filosofia com Licenciatura em História, Profº do Col. Est. Profª. Lindaura Ribeiro Lucas² Profº da Universidade Federal do Paraná - UFPR

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more. The project outcome was a change in attitude of the students on the discipline of history. Through his productions have become subjects of knowledge, not passive recipients of content that had no meaning for them.

Keywords: Teaching, research, historical truth, knowledge production.

1 Introdução

As reflexões desenvolvidas neste artigo são decorrentes das atividades do

projeto de intervenção pedagógica na escola . Este projeto teve sua origem ao

contemplar uma das exigências do Programa de Desenvolvimento Educacional

(PDE), programa de formação continuada da Secretaria de Estado da Educação do

Paraná.

O projeto foi pensado a partir da realidade da sala de aula, dos problemas

enfrentados no processo de ensino e aprendizagem na disciplina de História.

Participaram do projeto os alunos do Primeiro Ano do Ensino Médio do Colégio

Estadual Lindaura Ribeiro Lucas. Onde se percebia uma grande desmotivação

perante os conteúdos trabalhados em história. Era comum fazerem pergunta como;

"Pra que estudar isso"? Demonstrando que a forma como o conteúdo estava sendo

ensinado, não tinha nenhum significado para sua vida e, portanto não despertava

interesse.

A finalidade do projeto foi aproximar ensino e pesquisa. Foi conscientizar os

alunos, que a história está sempre em construção, e que não podemos analisar o

passado como algo morto, desconectado do presente. Para isso, foi usado como

referência Adam Schaff, que defende a evolução conhecimento histórico através de

"verdades parciais". Ele Critica o positivismo que acreditava que era possível

chegar a uma verdade absoluta e , sendo assim, não teríamos mais margens a

novas interpretações e novos conhecimentos. Diante disso, os alunos foram

motivados a pesquisar diferentes fontes históricas, mas não no sentido de analisar

essas fontes como "verdade absoluta”, e sim confrontar os conhecimentos adquiridos

junto as fontes objetivando uma síntese, ou seja, um novo conhecimento a partir das

observações e considerações dos alunos.

A primeira parte do projeto, que será explicitado no primeiro capítulo desse artigo,

consistiu num aprofundamento teórico, onde os alunos tomaram conhecimentos de

conceitos básicos que poderiam ajudá-los no projeto de pesquisa que viriam a fazer.

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Foram trabalhados as Ideias de Adam Schaff, já exemplificado acima, bem como

definição de fontes históricas e como utilizar fontes escritas, filmes, imagens e

outras. Os alunos foram orientados também a observar o caráter ideológico contido

nas fontes, vistos que essas são produções humanas e por isso passíveis de

diversos condicionantes.

O segundo capítulo desse artigo procurou relatar o trabalho de pesquisa e

produção de conhecimento, realizado pelos alunos. O objeto de pesquisa foi a

"Tortura na Idade Média" e a Tortura Durante a Ditadura Militar Brasileira". A escolha

desse tema se deu por chamar a atenção dos alunos, e pela facilidade de relacioná-

lo com práticas cotidianas. Durante o estudo do tema, teve-se o cuidado de partir

sempre dos conhecimentos prévios dos alunos e, partir daí buscar diferentes fontes

históricas que seriam confrontadas em suas produções.

Nas considerações finais, o artigo apresenta os resultados do projeto, bem como

as condições necessárias para que se torne uma prática constante em sala de aula.

Os resultados do projeto foram observados a partir das apresentações dos alunos e

a avaliação que fizeram de sua aprendizagem. O mais importante, foi observar a

mudança de postura dos alunos em relação à disciplina de história. Eles deixaram

de ser meros receptores de conteúdos, onde não encontravam nenhum significado,

para construírem conhecimentos, tornando-os sujeitos no processo de

aprendizagem.

2 Conceitos básicos desenvolvidos junto aos alunos

O professor de história tem buscado superar problemas didáticos e

metodológicos objetivando melhorar processo de ensino e aprendizagem. Mas isso

se torna muito difícil, diante da história positivista que esta enraizada nas escolas e

pela qual grande parte dos professores se formou e repassa aos alunos. Muitas

vezes os alunos recebem os conteúdos de história de forma passiva, acreditando

que a verdade está com o professor ou escrita nos livros didáticos. Para Adam

Schaff o historiador positivista se coloca,

… na qualidade de sujeito que conhece, capaz de imparcialidades não só

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no sentido corrente, quer dizer de superar diversas emoções, fobias ou predileções quando tem de apresentar um conhecimento histórico, mas também de ultrapassar e rejeitar todo o condicionamento social da sua percepção desses acontecimentos.” e ainda “ na concepção do positivismo clássico: basta juntar um número suficiente de fatos bem documentados, dos quais nasce espontaneamente a ciência da História.(Schaff,1987,P.102)

Esse projeto teve como finalidade, conscientizar nossos alunos que a história

não é uma ciência exata e que o passado é passível de diferentes interpretações.

Pois diante dos fatos históricos, não existe neutralidade, estamos condicionados a

diversos fatores, principalmente o social. Quando o historiador interpreta um fato

histórico, está inserido num contexto de época, valores, interesses de classes e

concepção de mundo. Portanto, o fato de o historiador juntar fatos históricos

documentados não significa, como pensavam os positivistas, que temos toda a

verdade sobre esse fato.

O projeto apresentou aos alunos uma história que não tem mais a pretensão

de trabalhar com verdades absolutas, pois para Adam Schaff(1978,Pag.66)” os

historiadores não só julgam e interpretam as mesmas questões e os mesmos

acontecimentos em termos diferentes, mais ainda selecionam e até mesmo

percebem e apresentam diferente os fatos”. Isso significa que podemos ter várias

verdades sobre um mesmo fato, dependendo do ponto de vista de quem o escreve.

O fato de não pensarmos em verdades absolutas, poderia se apresentar aos

alunos como uma ausência total da verdade, tornando-se tudo relativo e portanto

não seria necessário ser estudado como um conteúdo científico . Mas se

pensarmos o conhecimento como um processo histórico, trazê-los para as condições

históricas nas quais eles se desenrolaram, tornam-se verdades concretas. Para o

historicismo o caráter parcial em cada uma das fases do desenvolvimento, constitui

sempre uma verdade parcial, a objetividade da verdade é uma coisa a totalidade da

verdade é outra. A verdade parcial não é absoluta, mas é objetiva. Para W. Stark,

“ O fato que cada sociedade vê, possui e aprende um único aspecto da realidade objetiva, ou seja, uma parte da verdade, mas a tendência é considerar esta como toda a verdade. Cabe ao Historiador analisar a coerência das verdades parciais com os fatos e a partir daí produzir um novo conhecimento que também logo será uma verdade parcial”.(Stark, 1958,P.155)

Portanto, ao depararmos com fatos do passado, temos que analisar na

conjuntura de seu tempo, entendendo que aquela verdade parcial foi produzida por

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um historiador. Por ser uma verdade parcial cabem novas interpretações, não no

sentido de negar a verdade parcial produzida em seu tempo e em seu contexto, mas

objetivando a formação de uma síntese. Para Schaff,

As verdades parciais, fragmentárias, não são erros;constituem verdades objetivas, se bem que incompletas. Se a história nunca está definitivamente acabada, se está subordinada a constantes reinterpretações, daí resulta ser ela apenas um processo, e não uma imagem definitivamente acabada, não uma verdade absoluta. Desde o momento em que se toma o conhecimento histórico como processo e superação das verdades históricas – como verdades aditivas, cumulativas -, compreende-se o porquê da constante reinterpretação da história, da variabilidade da imagem histórica;variabilidade que, longe de negar a objetividade da verdade histórica, pelo contrário a confirma.(Schaff, 1978,P. 140)

O conhecimento histórico tem que estar sempre em construção. Sempre que

se encontram novas fontes, novas evidências temos a possibilidade de

aproximarmos um pouco mais da verdade histórica.

Neste contexto, os alunos do ensino médio do Colégio Estadual Lindaura

Ribeiro Lucas foram instigados a ver os fatos históricos como verdades parciais, que

precisam ser coordenados objetivando uma síntese, ou seja, um novo conhecimento.

Um conhecimento que deve ser construído , num processo cumulativo, que se

desenvolve no tempo num processo infinito. Para que isso fosse possível, a análise e

a interpretação de fontes históricas tornaram-se uma prática de sala de aula,

aproximando assim, ensino e pesquisa. Ensinar a pesquisar história permite

repensar e superar a ideia do conhecimento como algo pronto e acabado.

Esta primeira etapa do projeto procurou motivar os alunos a ver a história não

com um passado morto e imutável, sem reflexos em suas vidas, para analisar as

evidências, as memórias feitas no passado, que estão no presente. Ver uma história

dinâmica que precisa sempre ser reconstruída, ser interpretada e reinterpretada.

Observar os documentos e ver aspectos do presente contidos naquele passado,

analisando permanências e mudanças, formando nos alunos uma consciência

histórica.

Inicialmente a proposta causou estranheza nos alunos acostumados a seguir

os textos do livro didático ou receber do professor um conteúdo pronto e acabado,

para ser apreendido.

Como forma de exemplificar as ideias expostas acima e questionar as

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“verdades históricas”, foi pedido a cinco alunos que contassem um fato que haviam

presenciado para o restante da turma. Esses relatos aconteceram individualmente

sem a presença dos outros quatro estudantes. O restante da turma pode observar

que mesmo sendo um único assunto, cada aluno apresentou detalhes , pontos de

vista, apresentando o fato de forma diferente. Este foi um exemplo prático para

mostrar que diante dos fatos não conseguimos ser imparciais, temos diversos

condicionantes. Numa segunda etapa da atividade, juntamos todos os relatos e

procuramos fazer uma síntese, com o objetivo de aproximarmos um pouco mais da

verdade em relação ao fato, entendendo que:

“O conhecimento é pois um processo infinito, mas um processo acumulando as verdades parciais que a humanidade estabelece nas diversas fases do seu desenvolvimento histórico:alargando, limitando, superando estas verdades parciais, o conhecimento baseia-se sempre nelas e toma-as como ponto de partida para um novo desenvolvimento” (Schaff,1987,P. 97)

Para os alunos ficou claro que, mesmo tendo juntado as 'verdades parciais' não teríamos toda a verdade sobre o fato. E que poderíamos ter novas informações que resultariam em uma nova síntese e assim num processo infinito. A partir dessa prática os alunos começaram a questionar os textos históricos com relação ao autor, a época, o contexto em que está inserido, a intencionalidade. E também o fato de a história ser contada pelos vencedores, relatando “as verdades” que lhes interessavam. Surgiram diversos exemplos, como a visão estadunidense sobre determinados fatos atuais. A visão dos colonizadores e dos povos colonizados, dos Romanos e dos povos bárbaros entre outros citados pelos alunos. O conhecimento histórico começou a ser visto não como um espelho fiel da realidade, mas uma representação, uma construção que deve ser questionada. Tratar a história como representação é questionar a ideia de verdade e investigar diferentes fontes sobre o tema em análise.

1.1 Tralhando com fontes históricas.

Para auxiliar na pesquisa e na produção de conhecimento histórico, tornou-se

necessário trabalhar as fontes históricas. Usamos algumas aulas para definir fontes

históricas, diferenciando as fontes primárias e secundárias. Entendendo como fonte

histórica tudo que nos remete ao passado, podendo ser os mais variados

documentos escritos, tanto oficiais como obras literárias e material jornalístico.

Também são fontes históricas as expressões artísticas como pinturas, música,

escultura, cinema,os cartoons e a fotografia. Tudo o que nos permite perceber

alguma coisa a respeito das pessoas que produziram o material torna-se um

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documento histórico. Até a memoria das pessoas é documento histórico. A fonte

histórica não pode ser usada somente para ilustrar, comprovar o que o professor

ensina, mas sim, dar estímulo ao aluno para despertar suas lembranças e

referências sobre o passado, tornando o ensino mais dinâmico. Ressaltamos que

trabalhar com fontes ou documentos, permite incorporar uma postura investigadora

no sujeito que aprende. No projeto foi priorizado os documentos primários por

falarem diretamente ao aluno pesquisador. Isso possibilita a recuperação das

experiências de diversos sujeitos sociais sem a intermediação da leitura elaborada

do historiador .Procuramos trabalhar com documentos de natureza e linguagens

diversas. Segundo as diretrizes curriculares de história para a educação básica “as

imagens, livros, jornais, história em quadrinhos, fotografias, pinturas, gravuras,

museus, filmes e músicas são documentos que podem ser transformados em

materiais didáticos de grande valia na constituição do conhecimento histórico”

(PARANÁ,2006,p.52).

Alguns tipos de fontes foram tratados de forma mais específica, por estarem

presente no material didático que foi aplicado. O objetivo do estudo dessas fontes,

era dar aos alunos uma capacidade maior de compreensão, tornando-os mais

produtivos ao analisá-las . Entre esses destacamos o uso de imagens, documentos

escritos e filmes.

No estudo de uma imagem destacamos a necessidade de se fazer uma

descrição atenta do que se está observando, enfatizando os traços importantes e

que podem ajudar no sentido geral da imagem. Observar as construções e as

paisagens e estabelecer ligações entre esses elementos e os personagens

retratados. Isso pode fornecer pistas para uma investigação mais profunda. É

importante interpretar o significado do que esta sendo representado, nesta hora é

importante fazer uso da imaginação. O título ou a legenda,o autor, o tipo de

imagem,a sua origem e a data que foi produzida, podem trazer informações

importantes. Quem são as pessoas que aparecem representadas? Que funções

podem ter os objetos que aparecem? O que o uso desses objetos pode indicar?

Como se relacionam com o contexto histórico em que foram produzidos? São

questões que podem auxiliar na interpretação da imagem.

Os filmes, com as novas tendências históricas como a escola dos analles e a

nova história, deixaram de ser um instrumento de entretenimento, visto pelos alunos

como uma “aula diferente” e passaram a ser utilizados como fonte histórica. Fonte

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histórica que, como vimos anteriormente, não pode ser usada somente com

ilustração de um determinado conteúdo. Isso faria com que os alunos

compreendessem a imagem como um reflexo imediato do real e, portanto

traduziria a verdade dos fatos. As circunstâncias de produção, exibição e recepção

envolvem toda uma gama de variáveis importantes que devem ser consideradas

numa análise do filme. Para Kornis,

[Na] abertura da história para novos campos, o filme adquiriu de fato o estatuto de fonte preciosa para a compreensão dos comportamentos, das visões de mundo, dos valores, das identidades e das ideologias de uma sociedade ou de um momento histórico. Os vários tipos de registro fílmico - ficção, documentário, cinejornal e atualidades vistos como meio de representação da história, refletem contudo de forma particular sobre esses temas. Isto significa que o filme pode tornar-se um documento para a pesquisa histórica, na medida em que articula ao contexto histórico e social que o produziu um conjunto de elementos intrínsecos à própria expressão cinematográfica. Esta definição é o ponto de partida que permite retirar o filme do terreno das evidências: ele passa a ser visto como uma construção que, como tal, altera a realidade através de uma articulação entre a imagem, a palavra, o som e o movimento. Os vários elementos da confecção de um filme - a montagem, os enquadramentos, movimentos de câmera, a iluminação, a utilização ou não da cor - são elementos estéticos que formam a linguagem cinematográfica, conferindo-lhe um significado específico que transforma e interpreta aquilo que foi recortado do real. (KORNIS,1992, pag.240)

O filme é uma fonte histórica produzida, portanto não pode ser analisado pelo

aluno como uma verdade inquestionável, uma evidência sobre um determinado fato

histórico. Sendo assim, bastaria fazer um relatório contando a história do filme que

se teria todo o conhecimento sobre o fato. Temos que analisar o filme de forma

crítica, entendendo que todas as pessoas envolvidas em sua produção estão

inserido num contexto social e histórico e, portanto, condicionadas. Ao se fazer uso

do filme como fonte histórica tem, necessariamente, que responder a uma série de

indagações como: “ O que a imagem reflete? Ela é expressão da realidade ou uma

representação? Qual o grau possível da manipulação da imagem?”

(KORNIS,1992,P.1). No projeto, além desses cuidados citados acima, o filme foi

usado interagindo com outras fontes, para dar ao aluno a possibilidade de fazer

comparações, possibilitando assim a produção de um novo conhecimento.

Com relação as fontes escritas teve-se o cuidado de não transformar o projeto

em cópia da internet. Tentamos ampliar as oportunidades ao se trabalhar com textos

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escritos. Ou seja, se a historiografia do século XX ampliou o seu conceito de fonte

histórica para um mundo não-textual de possibilidades, também ampliou

extraordinariamente os tipos de documentação escrita com as quais podemos lidar.

Não podemos mais considerar apenas as fontes institucionais e diplomáticas ou as

crônicas oficiais que praticamente ocupavam todas as expectativas dos historiadores

do século XIX. Hoje qualquer texto pode ser constituído pelo historiador como fonte:

o diário de uma jovem desconhecida, uma obra da alta literatura ou da literatura de

cordel, as atas de reunião de um clube, as notícias de jornal, as propagandas de

uma revista, as letras de música, ou até mesmo uma simples receita de bolo. Não há

mais limites para os tipos de textos que podem servir como materiais para o

historiador. Houve uma mudança na postura do historiador para com estes textos.

Se antes os textos eram quase que exclusivamente utilizados como ‘testemunhos’

dos quais os historiadores do século XIX procuravam extrair informações mais ou

menos diretas (na maior parte dos casos de uma maneira ingênua que associava o

documento histórico a ideia de “prova”), hoje as fontes textuais são também

utilizadas como ‘discursos’ a serem decifrados em si mesmo. Com relação à leitura e

interpretação de documentos Le Goff nos esclarece que:

O documento não é inócuo. É, antes de mais nada, o resultado de uma montagem consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante os quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, que traz devem ser em primeiro lugar analisados desmistificando-lhe seu significado aparente.(Le Goff,2003,Pag.537-538)

Portanto, se utilizarmos os documentos escritos somente no sentido de

provarmos um determinado fato, ficaríamos como nos esclarece Le Goff, com seu

significado aparente. E ainda, daríamos ao documento o “status” de verdade

absoluto e imutável, descartando a possibilidade de se fazer uma análise

historiográfica mais detalhada, enquanto discurso de época a ser decifrado, a ser

compreendido, a ser questionado.

Enfim, nesta fase teórica do projeto, o objetivo foi fornecer aos alunos

conhecimentos que poderiam despertar um maior interesse pela pesquisa. Entre os

quais podemos sintetizar a ideia que não existem verdade absoluta acerca do fato

histórico e sim versões que não são necessariamente excludentes entre si. O

entendimento que o documento é um registro parcial, limitado e, portanto, passível

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de inúmeras interpretações onde o conhecimento pode acontecer num processo

dialético. Que além dos registros escritos e oficiais existem objetos e registros orais,

ou seja, outras fontes de informação a respeito do objeto a ser problematizado.

1.2 O caráter ideológico do conhecimento histórico.

Foi importante destacar o caráter ideológico da produção do conhecimento

histórico, ou seja, a classe social que produziu o documento e com que intenção.

Seguindo o pensamento de Marilena CHAUÍ, a produção ideológica de uma classe

social se dá em três momentos. Primeiro se inicia como um conjunto sistemático de

ideias de uma classe em ascensão cuidando para que os interesses desta legitime a

representação de todos os interesses da sociedade por ela. Num segundo momento

se espraia no senso comum, ou seja, passa a se popularizar, passa a ser um

conjunto de ideias e conceitos aceitos por todos que são contrários à dominação

existente. Uma vez assim estabelecida a ideologia se mantém, mesmo após a

chegada da nova classe ao poder, que é então a classe dominante, os interesses de

todos que eram os não dominantes passam a ser negados pela realidade da nova

dominação. Portanto, se as ideias que prevalessem em uma sociedade é da classe

dominante, então devemos estar atentos ao caráter ideológico das verdades parciais

que estão presentes nos documentos. Diante disso, devemos confrontar diferentes

tipos de documentos que expressam a ideia dos diferentes grupos sociais, para não

corrermos o risco de adotarmos a ideologia da classe dominante como verdade. O

projeto de implementação não teve como objetivo estudar a ideologia em todos os

seus aspectos, mas a sua presença nas fontes históricas, visto que estas são

produzidas pelos homens que estão inseridos em uma determinada sociedade. Para

terminarmos essa breve análise sobre ideologia cito a definição dado por Adam

Schaff que entende por

“ ideologia” pontos de vistas baseados num sistema de valores e relativos aos problemas colocados pelo objetivo desejado do desenvolvimento social; pontos de vista que determinam as atitudes dos homens, ou seja, a sua disposição para adotar certos comportamentos em situações determinadas, bem como o seu comportamento efetivo nas questões sociais. Pode igualmente dar-se a esta definição uma formulação genêtico-funcional por

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“ideologia”, entendendo as opiniões sobre os problemas colocados pelo objetivo do desenvolvimento social, as quais se formam sobre a base de interesses de classe determinados e servem para defendê-los. (Shaff,1987 Pag.176)

3 Trabalhando com pesquisa: Tema “tortura”

A parte prática do projeto de implementação tinha como objetivo um trabalho

de pesquisa que seria realizado pelos alunos, utilizando como tema “a tortura”.

Como é um tema amplo, pois essa prática esteve presente em diversos momentos

da história da humanidade, optamos por dois recortes históricos, a “tortura na Idade

Média” e a “tortura durante a Ditadura Militar brasileira”. A escolha desses dois

momentos históricos se deu por fazerem parte da proposta curricular do ensino

médio e também por despertar interesse nos alunos, acreditando que isso os

motivaria a pesquisa. Outro fator de escolha foi por se tratar de um momento

histórico distante da realidade( Idade Média) e outro momento histórico mais

próximo, onde se pudesse usar fontes históricas primárias como depoimentos oral e

escritos, fotos e outros. Teríamos também a possibilidade de estudar a relação

passado- presente analisando as permanências e mudanças.

Entendendo que o objetivo principal do projeto, era fazer com que os alunos

deixassem de lado a posição confortável e passiva de meros receptores de

conteúdos, muitas vezes copiados durante várias aulas de uma lousa, para juntos

com o professor iniciar um processo de produção de conhecimento. Deixando claro

que a história não pode ser vista como um passado morto, um conhecimento

acabado, que faz com que grande parte dos alunos se sentem desestimulados a

estudá-la.

3.1 Definição de tortura utilizando conhecimentos prévios

Ao estudar o tema “tortura”, fez se necessário fazer uma sondagem sobre os

conhecimentos prévios dos alunos, para que se pudesse conhecer a anterioridade à

experiência da nova aprendizagem. O conhecimento prévio conceituado por Ausubel

(2003, p. 85) “é aquele caracterizado como declarativo, mas pressupõe um conjunto

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de outros conhecimentos procedimentais, afetivos e contextuais, que igualmente

configuram a estrutura cognitiva prévia do aluno que aprende”. Nessa perspectiva, a

proposta foi dar relevância e consideração aos conhecimentos que os alunos

carregam consigo para a sala de aula e acompanhar a evolução desse

conhecimento após o estudo aprofundado do tema. Para Peter Lee(2001,Pag.15)

“...Era necessário haver algo que as crianças aprendessem progressivamente, que

se operassem mudanças de ideias e que elas conseguissem perceber essas

mudanças”. Diante disso, foi proposto, para os alunos do primeiro ano do ensino

médio, que através de um breve texto definissem o que é a tortura , se conheciam

algum método de tortura ou algum período da história que a tortura tenha sido

usada. A atividade foi realizada por quarenta alunos e a grande maioria definiu

“tortura” relacionando aos fatos cotidianos, como por exemplo, “assistir a uma

determinada aula”, “conviver com os pais”, a “abordagem dos policiais” . Outros

definiram como “castigos físicos ou psicológicos” mas sem caracterizá-la como

forma de obter informação, declaração ou confissão, ou mesmo pelo prazer da

pessoa que tortura. Poucos alunos conseguiram citar momentos históricos em que a

tortura tenha sido mais utilizadas, bem como os métodos e instrumentos.

Após ter abordado os conhecimentos prévios dos alunos, foi utilizado como

fonte para a definição de tortura, a resolução 39/46 da Assembleia Geral das Nações

Unidas em seu Artigo 1º onde,

“O termo "tortura" designa qualquer acto pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de Ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam conseqüência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.O presente artigo não será interpretado de maneira a restringir qualquer instrumento internacional ou legislação nacional que contenha ou possa conter dispositivos de alcance mais amplo”.

Esta definição deu suporte à uma ampla discusão, onde foram retomada as

definições elaboradas pelo alunos, num sentido de aprofundá-las. Essa

compreensão ampla da definição de tortura, se fez necessário para que os alunos

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tivessem um bom aproveitamento do estudo desse tema, nos dois recortes históricos

selecionados e citados acima.

3.2 A tortura na Idade Média.

Ao trabalhar a tortura na Idade Media, seguindo as ideias de Adam Shaff de

“verdades parciais”, foram selecionados algumas fontes Históricas para que fossem

analizadas pelos alunos. O objetivo foi fazer com que confrontassem o conteúdo

das fontes, com o conhecimento já elaborado e explicitados nos livros didáticos, para

a partir daí produzir um novo conhecimento. Visto que os alunos tinham pouco

conhecimento sobre a conjuntura da Idade Média, fez se necessário a interferência

do professor através de aula expositiva, passando alguns conceitos básicos,

principalmente relacionado ao poder da igreja nesse período.

As fontes históricas utilzadas foram imagens que apresentavam os

instrumentos de tortura, documentos escritos e filme. O filme utilizado foi “O poço e

o pêndulo” que é uma adaptação de um conto de Edgar Allan Poe. Ele retrata a

inquisição espanhola, onde um casal se vê em apuros quando um poderoso

inquisidor se apaixona pela jovem esposa. Acreditando que a tentação é obra do

demônio, ele acusa o casal de bruxaria e os prende para torturá-los. O filme apesar

de fantasioso, apresenta claramente quem eram torturadores, os perseguidos pela

inquisição, a forma de julgamento, as principais acusações, as formas de tortura

utilizadas bem como seus objetivos e os instrumentos de tortura. Outra análise que

pôde ser feita é com relação a afetividade envolvendo os membros da igreja. Os

alunos demonstraram grande interesse pelo filme, tornando possível congelar a

imagem diversas vezes para que se podesse observar melhor o que estava em

segundo plano, como imagens nas paredes, símbolos, intrumentos utilizados para

tortura e outros.

Foram feita comparações entre fontes escritas, imagens retiradas da internet

e livros e o filme. O objetivo era fazer com que a partir dessas fontes, os alunos

produzissem um novo conhecimento. A forma utilizada para expressar a

aprendizagem foi a elaboração de uma narrativa histórica. Entendendo que a

narrativa histórica, deve necessariamente mobilizar experiências passadas,

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possuirem uma organização através das três dimensões temporais- passado,

presente e futuro e ainda, possuirem uma ideia de continuidade. O que se percebeu,

foi a grande dificuldade com relação ao tempo. As narrativas produzidas traziam

observações interessantes sobre as fontes, mas poucos remeteram-se ao tempo,

fazendo relações passado-presente. Muitas narrativas davam a entender que

aquelas fontes retratavam somente o presente, ou seja , analizaram as fontes

históricas com “olhos” do presente. Pôde ser observado ainda, que alguns alunos

continuaram com a ideia de simplesmente reproduzir as fontes escritas e com isso

não conseguiram relacionar as imagens e o filme em suas narrativas. Devido a

essas dificuldades, a presença do professor se fez necessário, para auxiliá-los e

orientá-los em suas produções. Produções essas que tinham como objetivo fazer

com que os alunos expressassem os conhecimentos adquiridos junto as fontes

históricas. Portanto, sem a preocupação em elaborar um conhecimento científico. A

validade do projeto está na forma de aprendizagem, onde se deixou de lado um

ensino que enfatizava a memorização dos fatos históricos, para um ensino que

valoriza a pesquisa, a interpretação e a compreenção dos fatos, tornando os alunos

sujeitos no processo ensino-aprendizagem.

3.3 A narrativa como forma de expressar conhecimento histórico.

A escolha da narrativa histórica para a realização dessa primeira atividade de

produção do conhecimento realizado pelos alunos, ocorreu após ampla discução no

GTR, ( Grupo de trabalho em rede) onde os professores da rede Estadual do Paraná

envolvidos, consideraram a narrativa como uma modalidade de escrita histórica, que

pode ser usada em sala de aula. A Obra Tempo e Narrativa, de Paul Ricoeur,

ressalta que toda produção historiográfica, seja ela “tradicional”, estruturalista ou

marxista, é regulado por princípios narrativos, na medida em que os elementos com

quais o historiador trabalha como mentalidades, sociedade, memória coletiva ou

eventos pontuais, são como personagens de um enredo. Paul Ricoeur considera a

narrativa fundamental por ter a capacidade de articular os traços da experiência

temporal, onde o tempo só se mostra inteligível para o homem na medida que é

pensado de modo narrativo.

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Para uma melhor compreensão, podemos fazer uma distinção entre narrativa

histórica e narrativa literária. Na narrativa literária, o escritor pode imaginar seus

acontecimento e criar seus personagens, enquanto o historiador baseia-se em

provas, isto é vestígios do passado que não podem ser forjados. Entendendo que

essas provas, seguindo o pensamento de Adam Shaff desenvolvido no capítulo

anterior, não são reflexos de toda a realidade e, por conseguinte, não são verdades

absolutas, como pensavam os positivistas. As fontes históricas constituem um

elemento empírico, que o historiador necessita para construir sua narrativa, mas não

pode ser vista como prova cabal do fato histórico. Se pensarmos conhecimento

histórico como “verdade parcial”, necessariamente ele deve ser repensado,

reconstruído, enquanto a “verdade” engessa o conhecimento.

3.4 A tortura na ditadura militar brasileira

Para trabalhar a tortura durante a ditadura militar brasileira, foi pedido aos

alunos que entrevistassem as pessoas mais velhas de sua família. Para isso foi

elaborado um questionário que contemplava as seguintes perguntas.

1)O que voçê sabe sobre a ditadura militar brasileira?

2)Como era sua vida durante esse período?

3)Voçê ouviu falar sobre as torturas existentes nessa época?

Não houve uma preocupação em tabular os dados dessa pesquisa

quantitativamente. A estratégia era fazer com que os alunos trouxessem o

conhecimento, mesmo que voltadas ao senso cumum, para ser utilizado como ponto

de partida para o desenvolvimento do tema. De forma geral, pôde ser percebido na

questão 1, que o conhecimento apresentado pelas pessoas que viveram esse

período, foi adquirido após o seu término. Isso se ratificou com frases utilizadas

como: “Ouvi falar que naquele tempo...”, demonstrando talvez o pouco acesso as

informações, seja pelos poucos meios de comunicações existentes na época, seja

pela censura que era imposta. Na questão 2, percebeu-se que a grande maioria dos

entrevistados viviam no campo e não tinham muitas informações sobre os

movimentos de resistência ao regime. Classificaram o período com certo grau de

saudozismo, por considerarem que podiam “viver em paz” “sem maloqueiros” “não

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haviam tantos roubos” etc... Um dos intrevistados trouxe a tona uma das ideologias

existentes na época, ao dizer que: “ouvia falar sobre comunistas que comiam

criancinhas, por isso aconselhavam as crianças a não aceitar balas de estranhos”.

Na questão 3, todos tinham ouvido falar sobre as torturas que existiam na época,

mas não na época em que essas ocorriam. Tomaram conhecimento pelos meios de

comunicação, após a queda do regime.

Os alunos trouxeram muitas outras informações, que foram debatidas em sala

de aula. Esses conhecimentos foram confrontados com conteúdos didatizados e com

outras fontes históricas. Uma das fontes utilizadas foi trexos do depoimento do ex-

tenente Marcelo Paixão de Araujo, que serviu o exército entre 1968 a 1971, dadas a

revista veja em 09/12/98, onde o ex-tenente confessa ter torturado trinta pessoas.

Outra fonte utilizada foi o filme de Bruno Barreto: “O que é isso companheiro” , que

retrata o golpe militar e o Ato Constitucional nº 5, que nada mais era que o golpe

dentro do golpe, pois acabava com a liberdade de imprensa e os direitos civis. Isso

levou vários estudantes abraçam a luta armada, entrando na clandestinidade, e em

1969 militantes do MR-8 elaboraram um plano para sequestrar o embaixador dos

Estados Unidos para trocá-lo por prisioneiros políticos, que eram torturados nos

porões da ditadura. Foram analisados no filme diversos aspectos, como a

organização e os ideais dos movimentos de resistência, a motivação das torturas,

os objetos e como eram feita as torturas e os torturadores, entre outros.

Como conclusão do estudo sobre a 'tortura na ditadura militar brasileira', os

alunos produziram um texto, relacionando a entrevista que haviam feito, com as

fontes históricas utilizadas, juntamente com os debates realizados em sala de aula.O

objetivo era reunir as 'verdade parciais' de cada fonte, em um conhecimento

produzido pelo aluno. Através desse texto, pôde-se observar que os alunos

adotaram uma postura de 'sujeitos' do conhecimento ao compreender, analisar,

relacionar, opinar e criticar as fontes históricas. É importante salientar, que nessa

atividade, também foi pedido aos alunos que não fizessem reproduções de livros. O

importante era apresentarem os resultados de suas pesquisas.

Após terem produzido uma narrativa histórica sobre a 'Tortura na Idade Média'

e um texto analisando diversas fontes históricas sobre 'Tortura durante a Ditadura

Brasileira' os alunos tiveram oportunidade de apresenterem os resultados de suas

pesquisas. As apresentações foram interessantes, pois os alunos buscaram

diferentes recursos didáticos como: a tv pendrive (presente em todas as sala de aula

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dos colégios públicos do Paraná), o data show, cartazes, maquetes dos instrumentos

de tortura, fotografias, charges, música ('Pra não dizer que não falei das flores' de

Geraldo Vandré) entre outros. As apresentações não aconteceram através de uma

fala decorada ou da leitura de um texto. Os alunos apresentavam as fontes históricas

pesquisadas e depois os resultados de suas análises. A proposta foi fazer um a

comparação entre os dois períodos estudados, percebendo as pemanências e

mudanças . Foram feitas comparações, por exemplo, quanto as formas de tortura; os

objetos de tortura utilizados; quem eram os torturadores; quem eram os torturados; a

finalidade da tortura em cada período. Outro foco de análise foi a postura da igreja

perante a tortura, nesses dois períodos. O filme “O poço e o Pêndulo” já citado

acima, foi a fonte utlizada para estudar a participação da igreja na “Tortura na Idade

Média”. A posição da igreja perante a “Tortura durante a ditadura militar brasileira”, foi

analisada através do livro de Serbin, "Diálogos na sombra:bispos e militares, tortura

e justiça social na ditadura", do qual foram selecionados alguns trechos dos quais

destaco aqui o seguinte:

" Uma contagem parcial feita pela igreja entre 1968 e 1978 documentou a prisão de centenas de padres, sete mortes e numerosos casos de tortura. Trinta bispos foram vitimas de repressão. Padres enfrentavam processos por causa de seus sermões e críticas ao governo, alegadas participações em organizações subversivas, por darem guarida a fugitivos, por defenderem os direitos humanos, por seus trabalhos pastorais em movimentos populares e outras atividades. Além disso, a igreja sofreu constantes ataques verbais de autoridades do regime" (Serbin, 2001, Pag. 112)

Os alunos conseguiram perceber claramente as diferenças em relação a

posição da igreja nesses períodos. Alguns ainda apontaram em suas análise as

atitudes da igreja hoje, perante as injustiças sociais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A implementação do projeto teve resultados satisfatórios. Isto ocorreu devido

a diversos fatores, como por exemplo, a ampla participação dos alunos, os

resultados obtidos no processo ensino-aprendizagem, a percepção clara de

mudança dos alunos envolvidos frente a disciplina de História.

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Podemos destacar ainda, alguns aspéctos estruturais importantes. As turmas

envolvidas no projeto, excepcionalmente tinham vinte alunos por sala. Isso

proporcionou um contato mais próximo entre professor e aluno. Tornando evidente,

que a bandeira defendida pelos educadores de redução do número de alunos por

turma, só vem a beneficiar o processo educativo. Outro fator importante é o tempo

disponibilizado ao educador para prepar suas aulas. Durante a implementação do

projeto o professor PDE teve um afastamento de vinte e cinco por cento de sala de

aula. Isso correspondia a um dia por semana disponibilizados para estudos e

preparação de materiais didáticos pedagógicos. A 'hora atividade' de pelo menos

trinta e três por cento, que está no 'Plano Nacional de Educação', se implementada

poderia fazer com que esse projeto se tornasse uma prática cotidiana em sala de

aula, pois buscar diferentes tipos de fontes históricas, exige uma pesquisa muito

grande de alunos e professores. Com quarenta alunos em sala e uma jornada de

trabalho de no mínimo dez aula por dia, o professor não consegue fazer um

acompanhamento individual adequado das peaquisas e produções realizadas pelos

alunos.

Com certeza o objetivo principal do projeto, que era mudar a postura do aluno

perante a disciplina de história foi alcançado, quase em sua totalidade. Isso se

expressa num trecho da avalição do projeto feito por Bruna(15 anos), onde escreve

que, “ estudar história usando diferentes fontes e produzindo textos é mais difícil do

que só decorar os assuntos da prova, mas eu nunca mais vou me esquecer do que

aprendi sobre tortura”. Mostrando que uma aprendizagem que coloca o aluno como

sujeito do conhecimento tem muito mais significado. Camila(15anos) em sua

avaliação, destaca que “ o mais importante que aprendi é não considerar a história

como uma única verdade, que a história pode ser contada de diferentes maneiras,

dependendo do interesse” .Outros alunos fizeram observações semelhantes

demonstrando o senso crítico diante das ideologias que envolvem o conhecimento

histórico. Thiago(16 anos) descreve “ o bom é que cada dia tem uma novidade, a

gente não precisa ficar toda aula copindo matéria do quadro” . A 'novidade' descrita

pelo alunos são as diferentes fontes utilizadas, bem como os recursos didádicos

usados para explorá-la. O professor, por melhor que seja, com um livro didádico e

um giz, dificilmente conseguirá despertar interesse dos alunos pelo conteúdo. Para

Felipe(15 anos), “ quando gente faz a pesquisa aprende muito mais do que só ouvir

o professor” . Isso aponta a necessidade da aproximação entre ensino e pesquisa no

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ensino médio. Foram citados apenas o primeiro nome dos alunos para preservar

suas identidades.

Poderíamos analisar outros depoimentos, mas de forma geral , os alunos

fizeram uma avaliação positiva do projeto, destacando principalmente a

aprendizagem que tiveram sobre a “tortura na Idade média” e a “tortura na ditadura

militar brasileira”, objeto de pesquisa na implementação. Isso demonstra que a parte

teorica do projeto, onde foi desenvolvido a idéia de produzir conhecimentos a partir

das “verdades parciais” referendadas em Adam Schaff, onde se torna possível

transformar o conhecimento histórico num processo dialético e contínuo, foi bem

assimilado pelos alunos. Também, o estudo feito dos diferentes tipos de fontes e da

forma como estas poderiam ser utilizadas, deixou-os mais preparados para extrair as

informações contidas nas fontes. As produções dos alunos demonstraram o

empenho em não reproduzir conhecimentos. O que se percebe nos anos de prática

em sala de aula, que antes das internet, era comum os trabalhos de pesquisa se

transformarem em longas cópias manuscritas dos livros didáticos. Agora com o

advento da internet, se utiliza as teclas “ctrl c” “ctrl v” nos teclados do computador

para copiar o trabalho, muitas vezes sem leitura prévia. O trabalho de pesquisa

realizado no projeto não consistia na utilização de uma única fonte. O objetivo era

buscar o conhecimento confrontando diferentes tipos de fontes.

O projeto pretendia realizar ainda um estudo sobre o Bullying, que é um

problema de violência vivenciado pelos alunos. Este tema seria confrontado com a

tortura nos dois outros períodos. Infelizmente devido ao pouco tempo da

implementação, não foi possível realizar o estudo desse tema. No material didádico

que foi produzido para a implementação do projeto este tema também foi

contemplado. Fica as referências bibliogŕaficas para um estudo posterior.

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