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Cacos do Infinito Shauara David

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Page 1: Cacos do infinito DIAGRAMA · Natal 2012 . Cacos do infinito Às pessoas não comuns que carregam consigo e emprestam ao mundo, ao menos, um pouco de originalidade. Prefácio “Cacos

Cacos do

Infinito

Shauara David

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Shauara David

Shauara David

Cacos do infinito

1°edição

Edição do Autor

Natal 2012

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Cacos do infinito

Às pessoas não comuns que carregam consigo e emprestam ao

mundo, ao menos, um pouco de originalidade.

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Prefácio

“Cacos do Infinito”, de Shauara David, é um livro abrupto. Sim, não esperem os românticos por uma poesia suave, nos moldes em que se enlevam os espíritos apaixonados em suas hastes de rosas ou nas agruras do amor. Não! É um soco no estômago. Um choque térmico.

Da mesma forma, é um livro que não pede o virar de suas páginas como se folheiam os periódicos de fim de semana. É necessário mergulhar com fôlego de atleta em cada um dos versos para viver, com profundidade, a singularidade que há neles, e cada poema, por sua vez, na totalidade do livro. Não à toa, Shauara dedica o seu livro “às pessoas não comuns que carregam consigo e emprestam ao mundo, ao menos, um pouco de originalidade”.

A meta da poetisa é um alvo fora dos padrões. A sua busca é o incomum: “O estranho nos guia; / esse caminho é aparentemente mais cômodo / só aparente”. (Unilateral).

Dotada de um realismo que impressiona, a autora é crítica na análise de uma sociedade que a incomoda: “É de boa serventia a gorjeta do Estado; / que tragédia a tal civilização! (...) inquietante tortura do dia / que não sara” (Sem saída); “Dá um nó na espinha os privilégios alheios” (Acontecimentos); “A falta da nobreza e o excesso / constrangem tanto a pobreza! / (...) que humanidade gravemente adoecida!” (Sarjeta); “O

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Cacos do infinito

mundo é surdo aos gritos dos homens / mas está atento aos alheios a ele” (Ascos); “não entendo tão claramente as / cidades como / entendo as chamas, as chagas e o óbvio” (Conversão); “O cadastro de pessoa física me reduz / a um número que sequer escolhi” (Caos).

Shauara escreve por pura necessidade e expõe seu manifesto a que todos saibam por intermédio de uma escrita nitidamente desesperada e vital: “A dor subdividiu minha escrita. / Praguejo contra a própria lealdade; / desistir dela é para os fracos / permanecer, para os desesperados” (Inércia).

Integrada à sua arte e propósito de escrever, dissolve-se, a poetisa, nos próprios versos que compõe, como em alguns metapoemas: “O poema tem uma voz que o circula / asmática, muda. (..) O poema senta no banco, / no supermercado, na praça (..) / e transgride / o próprio asilo” (O poema); “O poema transcorre uma voz específica / (...) enquanto isso, apenas ouço quieta / o que me diz a vida” (Retrato falado).

A despeito das dores reais no entorno da poetisa, a autora sobrepõe-se às fatalidades e impermeabiliza-se no confronto com as adversidades da vida, ao mesmo tempo em que questiona o próprio tempo: “Pra que preocupar o efêmero / se tudo é igual ao mesmo instante?”; “É a carência do apego ao passado / tão irrecuperável quanto o futuro; / duas pontes inexistentemente iguais” (Impermeável).

Daí, um compreensível esgotamento e uma dose mágica de desesperança no ato fatídico de viver: “Dentro de mim uma

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Shauara David

maratona / vai perdendo o fôlego e a vontade / de correr” (Desesperança). Isto, inegavelmente, centraliza o seu foco nos inevitáveis mas revigorados ciclos da própria natureza: “percebes a tragédia dos anos? / Repito - sequer seremos os mesmos! / E isso não muda nada” (São os fluxos), muito embora com esta confissão não consiga ocultar, de fato, possuir um espírito expectante: “Tenho medo da hora em que se aproxima / (...) um inimigo sem causa / vestindo as calças de amenizar o frio” (Consumir).

Pontificando a certeza de que tudo é inexoravelmente passageiro, a autora é peremptória ao compor um micropoena que, por si, comprova a inexatidão de tudo, ocasião em que o título é pouco mais extenso que a própria obra: “Amores vêm e(m) vão” (Não lute pelo seu amor).

Shauara levanta questões ainda mais do que as define, mas este é mesmo o ofício do poeta. A não ser, claro, ao tratar-se do óbvio e com toda a força de sua profecia: “Meus joelhos anunciam que uma frente fria / se aproxima onde não alcança a vista (...) Até porque o planeta flutua no universo” (Prenúncio).

Mas como fugir? Em seus versos, como reza a santa vontade de todo ser humano, Shauara David, muito embora a escamotear entrelinhas, também busca a sua merecida liberdade: “Então resolvo não decidir nada, / apenas ser simples / para que as palavras sejam tão livres / quanto não posso ser” (A música e a libélula).

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Cacos do infinito

"Cacos do Infinito" é um livro de estilo renovador que chega para permanecer vivo e disposto à cabeceira da cama do leitor.

Hilário Francisconi

Jun/2014

“É natural da capital do Estado de São Paulo. Licenciado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira- FACEN. Possui 10 livros publicados no site www.clubedeautores.com.br, entre eles crônicas, contos, teatro e cartas. Poeta e assina uma coluna de crônicas no Jornal Santa Rosa em Niterói- RJ. Aposentou-se em 2009, pelo Tribunal de Justiça/RJ, onde exerceu o cargo de Analista Judiciário. E-mail: [email protected]

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Shauara David

A hora e a vez de Shauara David*

Quanto mais verdadeiro, tanto mais poético.

Novalis

A poesia feminina norte-rio-grandense tem revelado ao longo de sua história admiráveis vozes líricas, dignas dos mais altos louvores. Poderíamos citar nomes como Auta de Souza, Adelle de Oliveira, Palmyra Wanderley, Myriam Coeli e Zila Mamede. Eis que nesta virada do milênio surge Shauara David, com qualidades perceptíveis onde destacamos o lirismo e a limpidez dos versos, além de uma concisão de linguagem, em poemas repletos de questões filosóficas, existenciais e outras temáticas.

Shauara David canta nos seus versos uma incessante busca pela perfeição da criação artística. O eu lírico revela preocupação no sentido filosófico da existência e demonstra a capacidade de transformação do bruto e doloroso em algo bucólico e suave. A plenitude da liberdade e esplendor nas palavras confere à poesia a possibilidade de uma transcendência, isto é, a superação da sua condição humana, sugerindo uma totalidade existencial do ser poeta, nos fazendo crer que não basta trazer a síntese do que é abstrato e concreto, e sim transfigurar-lhe em vida. Além de sentir essa perfeição, é na expressão poética que ela tem forte presença da subjetividade, da idealização e da fantasia.

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Cacos do infinito

Em Cacos do infinito é evidente a preocupação com o fazer poético, este que nos leva à reflexão, à atitude de questionamento e à tentativa de tradução do sentimento e do sentido, transportando os versos para a nossa realidade. Shauara caminha para a fusão da vida e da poesia nas estreitas veredas da maturidade artística. Nos seus poemas mantém a expressão de um lirismo atinado, ou seja, o sentimento e a emoção contêm-se nos limites do equilíbrio e da harmonia. A poetisa pertencente à novíssima geração da poesia potiguar – vale reafirmar - marcada por questões existenciais, filosóficas e pela ânsia de liberdade de expressão; como tal privilegia a riqueza do léxico, numa linguagem que explora símbolos e imagens.

Outro ponto interessante em sua poesia é a ousadia, tranquila e precisa com que desliza pelas fronteiras das palavras. Poderíamos dizer que se há uma conquista relevante, é, sem dúvida, a liberdade de movimento, ou melhor, de criação, uma forma peculiar de trabalhar com a linguagem. Dessa maneira nos oferece uma poesia competente e, sobretudo contemporânea, em um texto claro, fácil de compreender, mas também poeticamente denso, reflexivo, e bastante intrigante.

A leitura de Cacos do Infinito é uma acolhedora exploração sonora e visual das palavras e das formas poéticas. Os versos são extensos e ricos em gamas temáticas e um virtuosismo técnico que vem de uma obstinada atividade criativa. A maneira de a poetisa cantar a vida é de uma sensibilidade imaginativa em sintonia com a realidade física, na matéria-prima trabalhada- a palavra, num delicado trabalho de

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Shauara David

seleção e arrumação vocabular e vasta exploração de significados. Esse processo que caracteriza a linguagem poética é uma das propriedades mais significativas da poesia de Shauara David.

Vale salientar o caráter visual alcançado em alguns poemas minimalistas, que representam uma expansão no alcance e na imagem, pois além de ser lida a poesia necessita ser vista. Em outros, ela volta a sua atenção para o fazer poético e para várias concepções sobre o seu oficio; a função poética da linguagem e sua metalinguística, ou seja, em alguns casos ela utiliza a poesia para refletir sobre o próprio fazer poético. Por fim percebemos que sua experiência poética é fruto de um demorado processo de reflexão, uma avaliação sobre a vida, de modo especial.

A emoção despertada pelo encanto estético que a poesia de Shauara David provoca, faz com que cada poema seja um ser vivo, completo, articulado, coerente, mutável, ativamente em processo numa interminável metamorfose. Num eterno combate com as palavras. A autora parece almejar a plenitude expressiva das palavras na sua poesia projetada sobre o mundo, e faz justiça à famosa frase de Jorge Luís Borges, segundo a qual “cada palavra é uma obra poética”.

*Thiago Gonzaga

Especialista em Literatura Potiguar pela UFRN.

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Sumário

Unilateral, Sem saída, Acontecimentos, Inércia, Impermeável, Ready-made à la Duchamp, Desesperança, São os fluxos, Consumir, Lacunas, Tarde na grama, Envelhecer, Não lute pelo seu amor, Sarjeta, Dèjá-vu I, Dèjá-vu II, Particularmente, Ultraje, Núcleo, Cadeia, Fragmentos, Ruídos, Amálgama de unidades, Nós, Contradiz, Os vãos, O poema, Convite, Como as penas,

Academia, Ascos, Provisão, Recordações do amor, Anoitecer, Fantasia, Uma sutil aflição, Absorção, Ídolos, Ainda há filosofia, Conversão, Se tu soubesse..., Santidade, Seus olhos são a paisagem, Caos, Prenúncio, A música e a libélula, Retrato falado, Fatual, Divino,

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Unilateral Vamos dividir as náuseas, querido. Somos um casal sem expectativas de vida pior, sem chance de saída! Por isso querido, o estranho nos guia; esse caminho é aparentemente mais cômodo só aparentemente. Dividimos a cama: cada um tem seu aposento nos amamos sem querer regredir, se o gozo é a morte ainda não morremos inteiramente, nossos poucos sobrevivem aos fins restantes, me custa acreditar nisso! Em vez do fogo, vivemos na chuva em vez de música, cantamos pássaros em vez de sorte, nos apropriamos da lua. Como amar o sopro do teu perdão? Construímos nosso lar no frio, o largo vazio dos teus olhos me aquece.

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Cacos do infinito

Sem saída O mormaço da borracha desliza no asfalto. Sobre os pneus dos automóveis ninguém é livre: transitam entre si placas, cartazes e outras tolices; sem autenticidade dirigem pedantes, apenas o vento não foi projetado... Nas ruas encerram-se os gritos diurnos, o silêncio e o acúmulo das propagandas. É de boa serventia a gorjeta do Estado; que tragédia a tal civilização! Os carros têm uma pressa fria, inquietante tortura do dia que não sara.

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Shauara David

Acontecimentos Esqueço os nomes e seus temperamentos, cada limite no seu lugar: É preciso radicalizar meu desespero no dia em que erguer o dedo ou esquecer o tipo do meu sangue, terei de abandonar o tratamento. As horas inexatas inexistem, douradas, à margem das lembranças... Não há deleite na feiura das cópias nem há curso da língua dos mortos. Por que não acariciar torturas? para não romper o medo ou abrandar queimaduras? Dá um nó na espinha os privilégios alheios dá um frio na costela sabermo-nos velhos. A dentadura do meu avô flutua no copo há séculos submersa, sozinha, pesando. Um nojo.

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Cacos do infinito

Inércia Escuro absoluto. Mão destra cortada dos afazeres domésticos, o enjoo de ser ignorado ao calor insano dos fins de ano. Preguiça, desgosto, desinteresse, sentença; Não inspiração. Não estado de espírito elevado. Não fome de palavras louváveis. A dor subdividiu minha escrita. Praguejo contra a própria lealdade; desistir dela é para os fracos permanecer, para os desesperados. A noite invade e sem querer ser romântica cria monstros nas paredes. Se é prazer, é prazer o tempo todo? Bem te vi alterar o sorriso ausente depois tropeças, indiferente, no próprio ego.

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Shauara David

Impermeável Essa hora em que as pessoas dormem, por quê não descansam os corações? A plenitude da calma é a morte será ela mais inevitável que a vida? Não temos escolha alguma: o ar pesa feito de borracha quando percebo que também emborrachados, não precisamos mais de ar, água nada que escorra nem flutue só fotografias para constituir registros. É a carência do apego ao passado tão irrecuperável quanto o futuro; duas pontes inexistentemente iguais. Pra que preocupar o efêmero se tudo é igual ao mesmo instante? Por que tratar doentes, se médicos são “tão bem” enfermos? O mundo machuca mais que cura e nos orgulhamos pátrio-amados (embebidos) na própria ignorância.

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Ready-made à la Duchamp A bicicleta suicida enforcou o belo para entregar-se à arte pela outra arte. Tudo do nada outra vez.

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Shauara David

Desesperança Elefantes tropeçam em meus ossos. Idosos, eles reclamam da necessidade que criei para compensar as dores. O vício em desuso não mata nem alivia. Dentro de mim uma maratona vai perdendo o fôlego e a vontade de correr; Como conter o rio que carrega a dor? Se bem posso exercer a liberdade que caminhos impostos, devo escolher? Refugiar-me de minha própria violência no labirinto que causa espanto nenhum. Ao menos hoje fui presa nos trilhos, o trem esmagou a esperança do viver.

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Cacos do infinito

São os fluxos... As pessoas aglomeram sobre as desgraças, eu deslizo em ti meu pensamento bobo, bom toda hora rompido, porém, por imagens vagalumes de tantos amores. Se me perguntasses, te diria tudo! Pestanejaria apenas nos detalhes porque racionalizaria, meu bem o universo pulsante de sentimento que veleja, pacientemente só por ti. Houve outro acidente na estrada carros superlotam nos arredores (sem nenhuma alvorada) eu desgraçando inconformada as flores dedico os transtornos a ninguém e a todo mundo. O desejo dos homens é movido ao que se insinua, veja bem a que mares me levas; importante é manter distância. Em pouco tempo não seremos os mesmos percebes a tragédia dos anos? Repito - sequer seremos os mesmos! E isso não muda nada.

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Consumir Tenho medo da hora em que se aproxima como se o futuro espreitasse ameaçador noturno, um inimigo sem causa vestindo as calças de amenizar o frio. É sexta de incenso, mirra e Beethoven; melodias sob medidas para conter a ansiedade. Até o passado é meio incerto, que tempo perspicaz! Corre habilidosamente, voraz e silencioso à festiva ilusão das contrações involuntárias: O corpo também tem seus assaltos. A hora continua se aproximando, distância perigosa que ainda não tropeçou no abismo mas conhece a sensação da queda. É sexta de julho, bom para recordar, isentar o cansaço dos últimos dias desunidos. Cada surto com seu ritmo.

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Cacos do infinito

Lacunas Não adianta brigar com o passado. Toda essa vida de relevos revela a lucidez e coerência (de cada lacuna) da loucura revelada nos córregos, nos tráfegos, nas pátrias a morte gera certa concentração; sua compaixão causa repugnância ao tédio da previsibilidade humana. O agora logo perde a realidade. O aterro desterra ossos de antigos vivos, sua estrutura é inanimada histórias bárbaras, lendas vivas, homens sem rostos nem rastros alcançáveis. Serão os loucos a base da humanidade?

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Shauara David

Tarde na grama Lá vem a criança com a bacia nas mãos, apoiada na barriga, verde e vazia com o peso sutil da ventania e a liberdade condicionada dos nãos. A grama agride minha capacidade de pensar logo ali, a rosa espinho escurece nas pontas, a pintura no prédio é humana, mas a chuva vem e desmorona a unidade da cor. Hora da sesta. Por sorte eles dormem, tempestuam onde havia calmaria em seguida levantam, em busca de conflitos. A criança brinca indiferente a isso. Largou longe a bacia (arremessar pedras é mais interessante) correr cansa. esperar crescer cansa. envelhecer cansa. Eu descanso na solidão.

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Cacos do infinito

Envelhecer Amadurece o tempo, encolhe a tarde, deteriora o termo. Apenas o texto continua intacto. Eterno. É imaterial essa conversa “solitária” tudo tão provido de deslizes! Quando soube que papel cortava, fiquei chocada! Mas a vida é mais cortante. Linda ferida em constante cicatrização. A partir dos quinze anos deixei de revidar meus quereres não faço caso aos empecilhos, mentira: logo desisto! Derreto junto à vida o cansaço previsto esqueço de respirar, às vezes, e isso dói; causa um descompasso no peito. Perco o ritmo da dança, me lanço na dor dos outros caramelizando minha própria ternura. Difícil é sobreviver à infância; a poesia envelhece a gente.

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Não lute pelo seu amor Amores vêm e(m) vão.

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Sarjeta Tragam-me um casaco, por favor e obrigada! O corpo desnudo impossibilita as companhias. Deixe-me ser comprimida pela pele... A falta da nobreza e o excesso constrangem tanto a pobreza! O medo corre para não perder a vaga. Que hora intransponível a da partida; que humanidade gravemente adoecida! É descartável também o século inteiro? Não me digam o que fazer da vida, sou tão vagabunda quanto assumida e se, por favor, me vi agredida não corrompa a estupidez com amor, suas lágrimas por mim fazem pressão nos tímpanos e retina.

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Shauara David

Dèjá-vu I Há um batuque em meu esôfago da noite reunida, ontem, do lado de fora da janela. Corrompo a idade do que passou sem inebriar tanto a saudade, revivo o sentido de futuro na boca refratada da linguagem. Sim, temos a língua e os pensamentos, batemos os pés para mostrar que não estamos preocupados. É preocupante a humanidade: todos os absurdos lhe pertencem, naturalmente. A porta foi aberta e a estufa dos tambores explodiu os colchonetes; o bombardeio, imagine só, até alivia o cansaço, quem diria! Nós vestidos de branco combinando as cores dos dias, amarelando ao contemplar o vermelho azul da tarde; a fineza dos brindes combinados e o cuidado em não incomodar o outro. O amor se cabe devagarzinho, passivamente, e depois pede o troco.

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Cacos do infinito

Déjà-vu II A angústia não me pressiona mais, aprendemos uma convivência norteadora seguimos calmos, sorrindo manhosamente em função das luas. A solidão nos uniu, nos tornou inquietante parceria. Estou feliz por estar feliz... (quanta ingenuidade! meio falsa ela engana; a pureza está na angústia!) Toda pureza desperta angústia: o bocejo do recém-nascido a assiduidade do velho na praça aquela desabituada esquina. Será inveja que a felicidade se aproxima? Hoje lembrei de atravessar teu beijo assaltar teu momento, onde quer que estejas, nem me instiga saber. Realmente vou recuperando o sentido de frieza; Nós, na mesa, sem precisar falar para pedir a manteiga. Nós, muito mais velhos que ontem saboreando a malícia inculta dos meninos, isso insulta e alimenta o que sentimos.

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Particularmente Interessa como subestimo a comunhão das parcerias produtivas, se a ocasião é justamente contemplativa? Valorizo o encanto de permanecer calado melhor que cascavilhar debates, com o tempo percebi sua inútil façanha; vestir-se de opiniões e certezas na incerta consequência de tudo, as opiniões são tão inúteis! Se é tardio, insisto que não fico! É também agradável resgatar-se das boas companhias; deixar-se miseravelmente confortável com o espaço vazio logo ele vai se preenchendo de perguntas contidas, sem ar para circular.

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Ultraje Quebro coisas para não matar gente. Pesado pensar no assassinato que alivia. Da pior forma, aos poucos, me matam se o chão não é meu travesseiro, não peço mais asas, não quero voar. Lanço um tiro contra o peito e são os ossos dilacerados... Não há harmonia quando o corpo lateja. Naturalmente, imploro morrer a cada verão; ninguém responde. O sol não me percebe, nem ri, nem chora. A vida não apresenta cumplicidade mas a família oferece um problema vitalício; lá inexistem saídas de emergência. Não me culpem à violência, o tiro também comprometeu a alma, vazou o medo e assustou a humanidade desprotegida.

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Shauara David

Núcleo

Primeiro surgiu o deslumbre depois o espontâneo, descobriu-se a necessidade de regras alimentada pela ordem do bem geral afinal, casa só se constrói com disciplina. Então, nos foi dada uma pauta, logo ao nascer para evitar rupturas e afastar aos poucos a essência. Será que é preciso estender o momento, como costumamos nos portar? Toda essa gente aí não me justifica. É incômodo manter certas delicadezas, rudimentar os sentimentos para enfim, despejar os dejetos no lugar mais frequentado. Retiro-me da guerra envergonhada, porque nós construímos o inferno.

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Cadeia No sofrimento encontro o aconchego, no aconchego há solidão que permite muitas companhias.

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Fragmentos Alarme é uma palavra que não soa bem: condensa a sutileza do silêncio. É meia-noite de um dia antigo os sinos se aposentaram, vivem nos abrigos. Mas que charme tem as coisas partidas! Se tenho um infinito em mãos, por quê não acariciá-lo? O grito jamais cicatriza o corte. Estático, o sol amordaça meus calos, vai desmoronando as solidezes; café pequeno desistir de escapar da morte. Quero ver quem escala a vida criatura horrível, divina.

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Cacos do infinito

Ruídos Se me falas dessa dor, que tanto falo se falas, amor, desse amor que me cutuca, me transfigura e me cura se me falas, essa voz, e tão logo partirias; certifico se o céu ainda imita tua arte. O contraste nublado e o toque dourado que o sol empresta às nuvens descansa para nunca os planos sem fundamentos e atraem, saudosamente, a um passeio brando. Se tu logo voltasse, nos convidaríamos a abrandar o calor, lavaria teu dorso, querido; nos banharíamos de ervas e não falaria mais em dor, nem em desespero. Mas se preferes os ruídos, nem digo: bem sabes o quanto a música alta impede o fluxo da conversa; o teu silêncio conduz o ritmo que nos reveza.

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Shauara David

Fatual É novidade arriscar perder a solidão. Ainda escolho produzir encantos discretíssimos, como se arrancasse um pouco do chão em que se vai passando. Eis aí a mais expressiva contribuição: um mundo de conhecimento e eu, vagando superficialmente com sal e sede, insaciável, para engolir com os olhos as tais diversidades dos humanos. O caos não respeita suas observações. Emparedada, faço da minha bagunça uma repartição. Reflito. Canso. O nu é constrangimento, a lavagem é a salvação. Humanamente humanos espreitam. Percebo que sou eu, apenas eu, um plural de sentimentos rezando pela unidade do restante.

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Cacos do infinito

Divino Um pé de cajueiro é tão nostálgico quanto o dezembro presente. Em vão tento desembaraçar o que sinto; como explicar uma saudade do que não se lembra? Que recordação ousar se você derrete enlanguescido de imprecisão e escapa ao mínimo toque de apego sem, porém, dizer não?! Se bem o digo, sagrada é a harmonia; não exige, não apressa, não condena. Na lagoa pude entender melhor da divindade contrariando a gravidade, pus meu corpo à mercê de ser jogado por todo lado, olhos fechados e toda a sintonia: Apenas respirar recordação alguma pequena parte da própria existência.

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Shauara David

Amálgama de unidades Que sobrou de minhas escolhas? Selecionar grãos num mar de areia, tantos rituais perpetuando ideias! Impossível abraçar uma conclusão já que me descompleto sozinha. Melhores são os f-r-a-g-m-e-n-t-o-s; a pausa depois do tempero a pausa antes da missa a pausa durante o prazer. A reflexão a partir do silêncio contínuo enobrece as pausas? Ainda não organizei o restante de mim é sempre apressado acompanhar as horas; o que passou inexiste e ainda sobrevive sombra, na transpiração das coisas sem vida. Por que há obrigação em ser visto? Não poderia tornar-se invisível, até prudente, abolir os rótulos? A vida vai perdendo a graça sem qualquer motivo aparente.

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Cacos do infinito

Nós Não tomamos remédios para a contradição: brinco com palavras, você com sentimentos e nesse carrossel de ilusões nos anulamos, restritamente.

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Contradiz Os anjos adormecem facilmente, portanto, não escore na minha paciência só porque me apropriava um pouco do silêncio para produzir sensações. Ah, corações de pedra! Amolecem na sinceridade de si mesmos, que diabos são as relações? A vida não se questiona porque não exige respostas. Nós somos a resposta, submissos caminhando sob o sol. O que não é uma contradição? Contradizem-se os pássaros se cantam e longe repousam os devaneios. Contradizem-se as nuvens quando transformam seus templos em incompreensíveis imagens. Contradiz-se a própria vida quando confusos são seus destinos, distintos ímpares. Mas não se engane, nem seja pessimista, não foi o seu pé banhado em água fria?

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Os vãos Tudo pronto: a energia que me sobra para escrever, falta em minha casa. Fazer o quê? Os ruídos do escuro o movimento da chama o vento trazendo lembranças... Corro a ver se as estrelas insinuam de fato, algo interessante, logo queimam um capítulo do meu ego: teus olhos tiranos de adaga estendidos no varal a céu aberto travam o silêncio, desde então tornei-me trovão (mas não posso fazer chover com minha voz) antes abrigávamos no doce rio de nosso vão teu hálito pela sala, memorável! Ele controlava os dias de brigas. Agora que sou invisível não quero mais rezas... Teus olhos de espada na cozinha tragam a poesia da minha gravidez insepulta, antiga.

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O poema O poema tem uma voz que o circula asmática, muda. É o silêncio do grito voz segura em aguado sigilo... O poema chora a falta de lágrimas, sofre também de transtornos psíquicos; mas que coração o do Dr. Enélio Brito! Homem atribulado, salva a própria vida na desgraça alheia, por isso não me diferencio da poesia, um anzol no mar: radical surpresa ou rede vazia. Protejo-me quanto mais afundo, me arrisco. O poema não, senta no banco no supermercado, na praça, observa o sutil movimento e transgride o próprio asilo.

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Convite Não me exclua dos passeios só porque pareço estranha. Na verdade, sou um pouco pior. Mas isso não significa que vivo apenas em devaneios. Simplesmente me desaproprio dos prometidos e saio cautelosamente, para reafirmar o absurdo do passado. Por isso, a realidade enlouquece. Faz o convite. Realiza a festa. Lava os pratos. Depois amanhece no início da noite e percebe que ainda há um monstro embaixo da cama. Certa incompreensão os torna íntimos acontece uma inevitável particularidade: o monstro fica entediado. O medo do outro se revelou carente, obstinado como um cão em pleno exercício de sua natureza.

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Como as penas Incrível ter sido tocada primeiramente pelas penas brancas, dançando ciranda em bandos diversos. Ali, já não me privava de nada, esqueci o que eu era... apenas deixei o corpo ir dançando ao som dos pássaros ambulantes, uivando os ventos que sopram barcos ao longe, as flores furta-cores não só as que ficaram embevecidas, com a soberania de suas roupagens discretas. Caminhei pelas nuvens frias da infância na mesma semana de tantas atividades enquanto pensava na grama; pra onde vão, meu Deus, as penas? Haverá um céu repleto delas para nos extraviar os problemas? A criança ainda se espanta com a clareza de nenhuma resposta, investi tempo a constatar o quanto o sol deixa mais dourada a brancura. Assim fui me penalizando, anuviada, sem a agonia dos pensamentos inúteis numa ladeirinha de mentira buscando a delicadeza da descida, no frio, rumo ao infinito particular do ocaso.

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Academia O cimento só ensina a reproduzir paredes, já não há o que aprender tudo que li, movimenta a mente. Como toda elegância do aprendizado: ausentemente preenchido.

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Ascos Diante dos pobres sem calçados ninguém se apruma, os mais comovidos arriscam-se ao vidro e educados, jogam moedas de médio valor. Hesitam com o inevitável cheiro de peixe (outrora enjoado pela grávida) mas cumpriram a cota do dia, junto aos bônus restantes da semana realizam a orientação excepcional duma vida besta. Em nosso tempo não há investimento. O mundo é surdo aos gritos dos homens, mas está atento aos alheios a ele. Isso me enjoa menos que a podridão dos peixes.

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Provisão Vai precisar de ajuda ainda, meu pai? Abandonei a vida, quando não mais divertida podei o teto, lixei a grama arei a sala, dei comida às plantas esperei para competir o choro com a chuva, bem como havias previsto! Nunca conseguimos entender as datas, nos agoniamos, pai, com as convenções. Percebi que a impaciência manda e o delírio é apenas uma herança fria. Antes, observava que íamos felizes pela dúvida do que viria, voltávamos conformados com a novidade (que também entedia). Não era insano falar em desespero quando, tão nítida, a sala sepulcral colocava os nossos pés na vida. Fizesse calor ou frio travestíamos tuas futilidades; a nudez explícita não compensa a piedade horrível da família.

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Recordações do amor A vida é recortada e só faz sentido nos instantes de amor. Que importa a felicidade, se a angústia de libertar o amor é a única forma de senti-lo, verdadeiramente? A denúncia suprema é não desejar, como alcançar tamanha indiferença? Então era puro egoísmo o amor... O máximo extraído da felicidade seria a serenidade da insatisfação porque ela de fato, não haveria. Dane-se a multipluralidade de sentimentos! Nada mais acontece senão aquilo que se passa na própria realidade. Quem garante que não? É preciso deitar no chão para acompanhar as nuvens, poder alcançá-las; O amor estará no percurso sereno como uma recordação.

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Anoitecer O tempo um vão a lua, única criatura.

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Fantasia Havia certa palidez na tarde estática dos últimos dias, retida naquele visual antigo cada vez menos secreta me despi de imunidade pedindo desculpas a ninguém apenas por chorar até senti na própria solidão um aconchego soturno, porém, sutilmente conformado. Em que ponta da retina se esconde a felicidade? Não consigo vê-la tão claramente como as dores e desenganos; dos sorrisos talhados das fotografias às notícias dos jornais nutrem casas e os baús antiquíssimos da tradição escondem uma ruína: A fantasia que nos é coagida na infância enfatiza a decepção adulta, há becos, mas toda escolha carrega uma solidão.

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Uma sutil aflição A asa que não possuo mais quebrou antes que pudesse aprender a voar. Agora rastejo tentando escoar os objetos inúteis da casa para longe de minha r(e)otina. Por enquanto, a alma fica encharcada de lama, mas sei que a chuva me esbarra qualquer dia desses para formar um rio sob os pés desprovidos de proteção. Não há razão para retornar aqui; estou farta de estar farta! A vida cansa pela dor futura e o corpo vai sucumbindo ao desejo de partir.

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Absorção A meia em desuso, pura poesia e pouco ressabida abriga no suor várias palavrinhas e pensamentos. Atrás da geladeira ela resseca os sentimentos que batem, sem porquê; essas coisas acontecem e deixam de acontecer.

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Ídolos Desde que fato é fato, ser divino não passa de uma idealização. Idolatrar aquilo que cuidadosamente criei (por puro descuido da criatividade) condena meu sentido às inverdades num inevitável estado de resignação; acontece que jurar controlar a vida é como prender o vento com a mão porque a verdade é a própria dúvida. Por ora, abandonei a eternidade numa pechincha infantil pelo ideal que nos permite, ao menos, uma ilusão. Fosse mais macio meu coração sucumbiria à dor da própria ternura, mas no fundo ninguém liga.

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Ainda há filosofia... A loucura também exige lapidação, por isso não me perguntem mais o que faço. Além do que pretende vir primeiro - o ovo ou a galinha - contemplo o outro lado da vida (do fruto ao esterco) e isso não diz absolutamente nada. Estou cada vez mais dispersa na fatal ilusão de tudo, portanto, não perguntem o que não quero saber. Uma certa necessidade de qualquer coisa torna meu foco um passeio lúdico o mundo anda mais maluco e o restante a filosofia não resolve; Ah, como é miserável a condição humana! Questionar é subversivo; mascarar é preciso. Sem progresso, sem objetivo, sem premissa, deixa perto de mim os cobertores e as transformações; um protege do frio, outro da mesmice, o conhecimento tem seus desconfortos.

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Conversão A que momentos devemo-nos à vida? Seria agressivo abdicar dos trilhos e alimentar as esquinas? Porque não entendo tão claramente as cidades como entendo as chamas, as chagas e o óbvio. Cada um confirma a si mesmo quando executa algum de seus vícios! É a autoimunidade das mudanças... Veja bem o quanto amo o enigma dos primeiros encontros, enquanto os espanto em desequilíbrio contra a iminência do acaso. É caso para psicólogo, bem entendo, a independência das minhas exigências. Não me incomodam os cacos e os vãos; espaços abandonados são tão subversivos! São outros mundos em transformação.

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Se tu soubesses... A sabedoria admirável dos ancestrais não te cabe mais, o amor invejável escapa à irmandade de tua estrada nova. Acreditava no conteúdo da tua perspicácia mas qual? Escolho palavras e tu as assassina! Por um discreto impenetrável gelo ignorar cuidados e anseios, como se a sagacidade te bastasse. Além do menos, minha fidelidade não te dá chance de fuga, é comum adoecermos à prestação. Se tu soubesses como é ingrata a solidão! Atravessaria por ti a juventude cega e a impregnada lembrança do não. Ah, se tu soubesses das verdades de verdade... Mas a vida é tão dramática! Uns preferem o palco outros, a arquibancada.

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Santidade A miserável condição de amor me traz o peso da humanidade inteira nas mãos de uma criança, porém, culpa não há: É uma prerrogativa, um merecimento póstumo, uma tolice. Perceber é diferente, em algum momento a dor se acostuma com a gente. Ainda há, Deus, magia nas coisas? Se a angústia precede a alegria a melhor realidade é aquela em que se idealiza. Ainda temos o cheiro da noite ao nos acompanharmos de lua, quem sabe isso não explica nada? Que princípio coaduna fantasia e realidade? Fiquemos no mais completo silêncio porque a felicidade está na paz e o reino dos sonhos é que é santo.

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Seus olhos são a paisagem... A mesma janela que dá para uma ruína esconde uma linda praça florida:

tudo depende da perspectiva.

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Caos A fortaleza mantém o foco da conquista; aprisionar almas do passado na consciência futura e desumanizar toda a geração vindoura, nascida de guerra resiste às partilhas regidas de esperança divina, em nome do Espírito Santo. Amém. Nascer é um pacto vacinado no braço direito, quando ninguém vê.

O cadastro de pessoa física me reduz a um número que sequer escolhi. Não podemos revidar os dardos à base de drogas de consumo lícitos. É do vício que surge o objetivo e eles nunca são originais, as cópias transbordam o lixo sem a competência da reciclagem.

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Prenúncio Meus joelhos anunciam que uma frente fria se aproxima onde não alcança a vista. Alguns animais se escondem, outros aparecem em bandos como para proteger-se de uma iminente tragédia. A chuva alivia e torna o barulho do mundo uma unidade espetacular de aplausos divinos. Dizem que é o choro de Deus santificando o martírio com a dádiva - parecida com o fim. Outro dia sonhei que não seria nem água, nem fogo. A humanidade se engolia (hora desesperada, hora entediada) procurando suprir a carência decadente na época das impossíveis invenções. Até porque o planeta flutua no universo da loucura, sem atrasos ou previsões.

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A música e a libélula A música já vai começar e isso me causa imensa ansiedade. O conflito dá lugar à emoção, em sinal de respeito e louvor. A manhã age preguiçosamente e, pouco a pouco o sol cutuca a paciência nos olhos e acende a necessidade de um cigarro de palha, para dispersar o mau humor dos outros. A música pausa e uma onda de melancolia torna a solidão incrivelmente bela... Certa vez, uma libélula me acompanhava - verde, amável, misteriosa - me ensinou que a maturidade chega a certo ponto em que nada importa. Então resolvo não decidir nada, apenas ser simples para que as palavras sejam tão livres quanto não posso ser.

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Shauara David

Retrato falado O poema transcorre uma voz específica o mundo não profere palavra alguma, enquanto isso, apenas ouço quieta o que me diz a vida.