da escola pÚblica paranaense 2009 · pedagogia liberal e pedagogia progressista e suas...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
___________________________________________________________________
MARIA HELENA DE SOUZA
A IMPLEMENTAÇÃO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
NO CURRÍCULO ESCOLAR DO ENSINO FUNDAMENTAL
FLORESTOPOIS 2010
MARIA HELENA DE SOUZA
A IMPLEMENTAÇÃO DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
NO CURRÍCULO ESCOLAR DO ENSINO FUNDAMENTAL
Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria Estadual de Educação do Paraná – SEED.
Orientadora: Isabelle Fiorelli Silva
FLORESTOPOIS 2010
SOUZA ; Maria Helena de A Implementação da pedagogia histórico-crítica no currículo escolar do ensino fundamental. 2010. 28 f. Programa de Desenvolvimento Educacional. Secretaria Estadual de Educação do Paraná. Universidade Estadual de Londrina. Florestopolis, 2010
RESUMO
O objetivo deste artigo é propor uma reflexão e análise sobre as tendências
pedagógicas e um estudo mais direcionado sobre a Pedagogia Histórico-Crítica, sua
contribuição e implementação no currículo do ensino fundamental do Estado do
Paraná, por meio da formação destinada aos professores inclusos no Programa de
Desenvolvimento da Educação (PDE) da Secretaria Estadual de Educação do
Paraná (SEED), a fim de promover aos professores uma nova práxis educativa.
Palavras-chave: Tendências Pedagógicas, Currículo e Pedagogia Histórico-Crítica.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3
2 DESENVOLVIMENTO ......................................................................................... 5
2.1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL ................................................................ 5
2.2 PEDAGOGIA LIBERAL ............................................................................................ 5
2.3 PEDAGOGIA PROGRESSISTA ................................................................................. 7
2.4 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA .......................................................................... 8
2.5 A ESSÊNCIA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA – A DIALÉTICA ............................ 14
2.6 Os Cinco Passos da Metodologia Histórico-Crítica Segundo Saviani (1991)
e Gasparin (2007) ................................................................................................ 16
2.7 - A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CÍTICA NO CONTEXTO DO CURRÍCULO PARANAENSE ... 24
REFERÊNCIAS ................................................................................................... 26
3
INTRODUÇÃO
Este artigo faz parte da 2ª etapa do Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE), proposta de formação continuada pela Secretaria de Estado da
Educação do Paraná.
O objetivo é verificar os pressupostos de aprendizagem empregados
pelas diferentes tendências pedagógicas:
Pedagogia Liberal e Pedagogia Progressista e suas tendências:
tradicional, renovada progressista, renovada não-diretiva, tecnicista, libertadora,
libertária e crítico-social dos conteúdos ou seja Histórico-Crítica.
Estas tendências pedagógicas segundo Libâneo (1993, p.19) na
prática escolar, consiste na concretização das condições que asseguram a
realização do trabalho docente. Tais condições não se reduzem ao estritamente
“pedagógico”, já que a escola cumpre funções que lhe são dadas pela sociedade
concreta que, por sua vez, apresenta-se como constituída por classes sociais com
interesses antagônicos. A prática escolar, assim, tem atrás de si condicionantes
sociopolíticos que configuram diferentes concepções de homem e de sociedade;
consequentemente, diferentes pressupostos sobre o papel da escola, aprendizagem,
relações professor-aluno, técnicas pedagógicas etc. Fica claro que o modo como os
professores realizam seu trabalho, selecionam e organizam o conteúdo das
matérias, ou escolhem técnicas de ensino e avaliação, tem a ver com pressupostos
teórico-metodológicos explicita ou implicitamente.
A Pedagogia Histórico-Crítica é um marco no movimento
educacional brasileiro, porém pouco desenvolvida no cotidiano escolar. O foco de
estudo do presente trabalho, é a Pedagogia Histórico-Crítica. Pretende-se
demonstrar aos profissionais da educação, a viabilidade desta ser colocada em
prática em sala de aula, oportunizando assim uma prática docente comprometida
com o processo ensino/aprendizagem.
Segundo Saviani (1991, p. 95) o sentido básico da expressão
Histórico-Crítica é a articulação de uma proposta pedagógica que tenha o
compromisso não apenas de manter a sociedade, mas de transformá-la a partir da
compreensão dos condicionantes sociais e da visão que a sociedade exerce,
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determinação sobre a educação e esta reciprocamente, interfere sobre a sociedade
contribuindo para sua transformação.
Num primeiro momento serão apresentadas as tendências
pedagógicas e suas especificidades. Num segundo momento, serão esmiuçadas as
peculiaridades e etapas da pedagogia histórico-crítica e, por fim, será discorrido o
percurso de sua implementação na formação continuada dos professores da rede
estadual de ensino no Paraná.
Os autores que tratam da pedagogia histórico-crítica se referem com
muita propriedade a fundamentos, implicações sociais mais amplas, e estabelecem
conexão entre educação e sociedade; mas nem sempre explicitam as ações
didáticas necessárias para que os professores possam aplicar essa proposta
teórico-metodológica nos diversos campos de conhecimento.
Conclui-se que essa teoria responde aos três grandes passos do
método dialético de construção do conhecimento: prática-teoria-prática. Por isso,
entende-se que é viável a junção da pedagogia histórico-crítica com a Teoria
Histórico Cultural, na realidade da sala de aula. (GASPARIN, 2003, p. 151)
5
2 DESENVOLVIMENTO
2. 1 TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO BRASIL
O presente artigo se apóia em perspectiva discutida por Libâneo
(1993), Saviani (2005) e Gasparin (2003), além de outros autores, que se
preocupam ou se preocuparam em analisar as diversas teorias educacionais
existentes no Brasil.
Nos últimos anos, diversos autores têm se dedicado a pesquisar a história da educação do Brasil, suas relações com as tendências pedagógicas e a investigação do seu campo de conhecimento. Os autores, em geral, concordam em classificar as tendências pedagógicas em dois grupos: as de cunho liberal: Pedagogia Tradicional, Pedagogia Renovada, Pedagogia Renovada Não-Diretiva e Pedagogia Tecnicista; as de cunho progressista: Pedagogia Libertadora, Pedagogia Libertária e Pedagogia Histórico-Crítica. (LIBÂNEO, 1993, p. 64)
Para desenvolver a abordagem das tendências pedagógicas
utilizamos como critério a posição que cada tendência adota em relação às
finalidades sociais da escola.
2.2 PEDAGOGIA LIBERAL
De acordo com a professora Maria Viana (2007):
A Pedagogia liberal – o termo liberal não tem o sentido de “avançado”, “democrático”, “aberto”, como costuma ser usado. A doutrina liberal apareceu como justificação do sistema capitalista que, ao defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais da sociedade, estabeleceu uma forma de organização social baseada na propriedade privada dos meios de produção, também denominada sociedade de classes. A pedagogia liberal, portanto, é uma manifestação própria desse tipo de sociedade.
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A educação brasileira, pelo menos nos últimos cinqüenta anos, tem
sido marcada pelas tendências liberais, nas suas formas ora conservadora, ora
renovada. Evidentemente tais tendências se manifestam, concretamente, nas
práticas escolares e no ideário pedagógico de muitos professores, ainda que estes
não se dêem conta dessa influência.
A pedagogia liberal sustenta a idéia de que a escola tem por função
preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as
aptidões individuais, por isso os indivíduos precisam aprender a se adaptar aos
valores e às normas vigentes na sociedade de classe, através do desenvolvimento
da cultura individual. A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das
diferenças de classes, pois, embora difunda a idéia de igualdade de oportunidades,
não leva em conta a desigualdade de condições. Historicamente, a educação liberal
iniciou-se com a pedagogia tradicional e, por razões de recomposição da hegemonia
da classe burguesa, evoluiu para a pedagogia renovada (também denominada
escola nova ou ativa), o que não significou a substituição de uma pela outra, pois
ambas conviveram e convivem na pratica escolar.
Na tendência tradicional, a pedagogia liberal se caracteriza por
acentuar o ensino humanístico, de cultura geral, no qual o aluno é educado para
atingir, pelo próprio esforço, sua plena realização como pessoa. Os conteúdos, os
procedimentos didáticos, a relação professor-aluno não tem nenhuma relação com o
cotidiano do aluno e muito menos com as realidades sociais. É a predominância da
palavra do professor, das regras impostas, do cultivo exclusivamente intelectual.
A tendência liberal renovada acentua, igualmente, o sentido da
cultura como desenvolvimento das aptidões individuais. Mas a educação, de acordo
com tal tendência, é um processo interno, não externo; ela parte das necessidades e
interesses individuais necessários para a adaptação ao meio. A educação é a vida
presente, é a parte da própria experiência humana. A escola renovada propõe um
ensino que valorize a auto-educação (o aluno como sujeito do conhecimento), a
experiência direta sobre o meio pela atividade; um ensino centrado no aluno e no
grupo. A tendência liberal renovada apresenta-se, entre nós, em duas versões
distintas: a renovada progressivista ou pragmatista, principalmente na forma
difundida pelos pioneiros da educação nova, entre os quais se destaca Anísio
Teixeira (deve-se destacar, também, a influência de Montessori, Decroly e, de certa
forma, Piaget); a renovada não-diretiva, orientada para os objetivos de auto-
7
realização (desenvolvimento pessoal) e para as relações interpessoais, na
formulação do psicólogo norte-americano Carl Rogers.
A tendência liberal tecnicista subordina a educação à sociedade,
tendo como função a preparação de “recursos humanos” (mão-de-obra para a
indústria). A sociedade industrial e tecnológica estabelece (cientificamente) as metas
econômicas, sociais e políticas. A educação treina (também cientificamente) nos
alunos, os comportamentos de ajustamento a estas metas. No tecnicismo acredita-
se que a realidade contém em si suas próprias leis, bastando aos homens descobri-
las e aplicá-las. Desta forma, o essencial não é o conteúdo da realidade, mas as
técnicas (forma) de descoberta e aplicação. A tecnologia (aproveitamento ordenado
de recursos, com base no conhecimento científico) é o meio eficaz de obter a
maximização da produção e garantir um ótimo funcionamento da sociedade. A
educação é um recurso tecnológico por excelência. Ela “é encarada como um
instrumento capaz de promover sem contradição, o desenvolvimento econômico
pela qualificação da mão-de-obra, pela redistribuição da renda, pela maximização da
produção e, ao mesmo tempo, pelo não desenvolvimento da „consciência política‟
indispensável à manutenção do Estado autoritário”. Utiliza-se basicamente do
enfoque sistêmico, da tecnologia educacional e da análise experimental do
comportamento.
2.3- PEDAGOGIA PROGRESSISTA
Pedagogia progressista – o termo “progressista”, emprestado de
Snyders, é usado aqui para designar as tendências que, partindo de uma análise
crítica das realidades sociais, sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas
da educação. Evidentemente a pedagogia progressista abrange entraves para
institucionalizar-se numa sociedade capitalista; daí ser ela um instrumento de luta
dos professores ao lado de outras práticas sociais.
A pedagogia progressista tem-se manifestado em três tendências: a
libertadora, mais conhecida como pedagogia de Paulo Freire; a libertária, que reúne
os defensores da autogestão pedagógica; a crítico-social dos conteúdos que,
8
diferentemente das anteriores, acentua a primazia dos conteúdos no seu confronto
com as realidades sociais.
As versões libertadora e libertária, têm em comum o antiautorismo, a
valorização da experiência vivida como base da relação educativa e a idéia de
autogestão pedagógica. Em função disto, dão mais valor ao processo de
aprendizagem grupal (participação em discussões, assembléias, votações) do que
aos conteúdos de ensino. Como decorrência, a prática educativa somente faz
sentido numa prática social junto ao povo, razão pela qual preferem as modalidades
de educação popular “não-formal”.
A tendência da pedagogia crítico-social dos conteúdos, propõe uma
síntese superadora das pedagogias tradicional e renovada, valorizando a ação
pedagógica enquanto inserida na prática social concreta. Entende a escola como
mediação entre o indivíduo e o social, exercendo aí a articulação entre a
transmissão dos conteúdos e a assimilação ativa por parte de um aluno concreto
(inserido num contexto de relações sociais); desta articulação resulta o saber
criticamente reelaborado.
É evidente que tanto as tendências quanto suas manifestações, não
são puras nem mutuamente exclusivas o que, aliás, é a limitação principal de
qualquer tentativa de classificação. Em alguns casos as tendências se
complementam, em outros, divergem. De qualquer modo, a classificação e sua
descrição poderão funcionar como um instrumento de análise para o professor
avaliar a sua prática de sala de aula.
2.4 PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA
Quanto ao surgimento da pedagogia histórico-crítica, Saviani (2005,
p. 131) distingue duas coisas: de um lado, a emergência de um movimento
pedagógico; e, de outro lado, a escolha da nomenclatura. Enquanto movimento
pedagógico veio responder à necessidade de encontrar alternativa à pedagogia
dominante. Sua formação ocorre no final da década de 1970. Uma das marcas desta
década, foi o desenvolvimento das análises críticas da educação. Isto correspondia
a uma necessidade histórica, especialmente no caso brasileiro, em que tínhamos
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que fazer a crítica da pedagogia oficial, evidenciando o seu caráter reprodutor. Mas
era um movimento que não estava vinculado apenas à situação brasileira. Era um
movimento de caráter internacional, cujas teorias foram elaboradas no final da
década de 1960 e início da década de 1970. Conforme afirmou Saviani (2005, p.
131):
Costumo situar estas teorias como uma tentativa de compreender o fracasso do movimento de maio de 1968, ou mais amplamente dos movimentos da década de 1960, marcados pela rebelião dos jovens. Nessa mobilização, a escola, centro dos processos educativos e que basicamente se dirigia às novas gerações contestada e abalada.
Na busca da terminologia adequada, conclui-se que a expressão
histórico-crítica traduzia de modo pertinente o que estava sendo pensado. Porque
exatamente o problema das teorias crítico-reprodutivistas, era a falta de
enraizamento histórico, isto é, a apreensão do movimento histórico que se
desenvolve dialeticamente em suas contradições. A questão em causa, era
exatamente dar conta deste movimento e ver como a pedagogia se inseria no
processo da sociedade e de suas transformações. Então, a expressão histórico-
crítica, de certa forma, contrapõe-se à crítico-reprodutivista. É crítica, como esta,
mas, diferentemente dela, não é reprodutivista, mas enraizada na história. Foi assim
que surgiu a denominação. De acordo com a palestra ministrada por Saviani (2005,
p.140): “assim, atendendo à demanda dos alunos, ministrei, em 1984, a disciplina
histórico-crítica e, a partir desse ano, adotei essa nomenclatura para corrente
pedagógica que venha procurando desenvolver”.
Quanto às bases teóricas da pedagogia histórico-crítica, é óbvio que
a contribuição de Marx é fundamental. Quando se pensam os fundamentos teóricos,
observa-se que, de um lado, está a questão da dialética. Esta relação do movimento
e das transformações e, de outro, que não se trata de uma dialética idealista, uma
dialética entre os conceitos, mas de uma dialética do movimento real. Portanto,
trata-se de uma dialética histórica expressa no materialismo histórico, que é
justamente a concepção que procura compreender e explicar o todo desse
processo, abrangendo desde a forma como são produzidas as relações sociais e
suas condições de existência até a inserção da educação nesse processo.
Foi nesse sentido que Saviani (2005, p. 141) procurou elaborar o
significado de práxis a partir da contribuição de Sánchez Vázquez (1968),
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entendendo-a como um conceito sintético que articula a teoria e a prática. Em outros
termos, vê a práxis como uma prática fundamentada teoricamente. Se a teoria
desvinculada da prática se configura como contemplação, a prática desvinculada da
teoria é puro espontaneísmo. É o fazer pelo fazer. Se o idealismo é aquela
concepção que estabelece o primado da teoria sobre a prática, de tal modo que ela
se dissolve na teoria, o pragmatismo fará o contrário, estabelecendo o primado da
prática. Já a filosofia da práxis, tal como Gramsci chamava o marxismo, é
justamente a teoria que está empenhada em articular a teoria e a prática, unificando-
as na práxis. É um movimento prioritariamente prático, mas que se fundamenta
teoricamente, alimenta-se da teoria para esclarecer o sentido, para dar direção à
prática. Então, a prática tem primado sobre a teoria, na medida em que é originante.
A teoria é derivada. Isto significa que a prática é ao mesmo tempo, fundamento,
critério de verdade e finalidade da teoria. A prática, para desenvolver-se e produzir
suas consequências, necessita da teoria e precisa ser por ela iluminada.
Saviani salienta que:
O ponto que tenho trabalhado se reporta ao texto de MARX, “Método da economia política”, que está no livro Contribuição à crítica da economia política (MARX, 1973, pp. 228-237). Nele se explicita o movimento do conhecimento como a passagem do empírico ao concreto, pela mediação do abstrato. Ou a passagem da síncrese à síntese, pela mediação da análise. Procurei, de algum modo, compreender o método pedagógico com base nesses pressupostos (SAVIANI, 2005, p. 142).
No texto “Escola e democracia II – para além da teoria da curvatura
da vara” (SAVIANI, 2002, p. 66-76), sugere um movimento enquanto processo
pedagógico, que incorpora a categoria da mediação. Assim entendida, a educação é
vista como mediação no interior da prática social global. A prática é o ponto de
partida e o ponto de chegada. Essa mediação explicita-se por meio de três
momentos que SAVIANI chamou de problematização, instrumentação e catarse.
Assinala também que isto corresponde, no processo pedagógico, ao movimento que
se dá, no processo do conhecimento, em que se passa da síncrese à síntese pela
mediação da análise, ou, dizendo de outro modo, passa-se do empírico ao concreto
pela mediação do abstrato.
A questão do método pedagógico é algo que procurei sempre explicar a partir dos próprios fundamentos teóricos da concepção do
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materialismo histórico. Aí aparecem outras questões como o conteúdo, o conhecimento e a ação do professor. Nesse caso faz-se necessário compreender o problema das relações sociais. Se a educação é mediação no seio da prática social global, e se a humanidade se desenvolve historicamente, isto significa que uma determinada geração herda da anterior um modo de produção com os respectivos meios de produção e relações de produção. E à nova geração, por sua vez, impõe-se a tarefa de desenvolver e transformar as relações herdadas das gerações anteriores. Nesse sentido, ela é determinada pelas gerações anteriores e depende delas. Mas é uma determinação que não anula a sua iniciativa histórica, que se expressa justamente pelo desenvolvimento e pelas transformações que ela opera sobre a base das produções anteriores. À educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais. (SAVIANI, 2005, p. 142-143)
Saviani (2005) procurou explorar alguns desdobramentos desta
concepção ao evidenciar a diferença entre o aluno empírico e o aluno concreto.
Mostra o aluno concreto e apresenta o concreto como a síntese de múltiplas
determinações definidas enquanto relações sociais. Portanto, o que é do interesse
deste aluno concreto, diz respeito às condições em que se encontra e que ele não
escolheu. Assim, também as gerações atuais não escolhem os meios e as relações
de produção que herdam da geração anterior, e a sua criatividade não é absoluta,
mas faz-se presente. A sua criatividade vai expressar-se na forma como ela assimila
estas relações e as transforma. Então, os educandos, enquanto concretos, também
sintetizam relações sociais que eles não escolheram. Isto anula a idéia de que o
aluno pode fazer tudo pela sua própria escolha. Esta ideia não corresponde à
realidade humana. Daí a grande importância de distinguir, na compreensão dos
interesses dos alunos, entre o aluno empírico e o aluno concreto, firmando-se o
princípio de que o atendimento aos interesses dos alunos deve corresponder
sempre aos interesses do aluno concreto. O aluno empírico pode querer
determinadas coisas, pode ter interesses que não necessariamente correspondem
aos seus interesses, enquanto aluno concreto. É neste âmbito que se situa o
problema do conhecimento sistematizado, que é produzido historicamente e, de
certa forma, integra o conjunto dos meios de produção. Este conhecimento
sistematizado pode não ser do interesse do aluno empírico, ou seja, o aluno, em
termos imediatos, pode não ter interesse no domínio desse conhecimento, mas, ele
corresponde diretamente aos interesses do aluno concreto, pois, enquanto síntese
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das relações sociais, ele está situado numa sociedade que põe a exigência do
domínio deste tipo de conhecimento. E é, sem dúvida, tarefa precípua de a
educação viabilizar o acesso a este tipo de saber.
Eis como a questão do conhecimento e a mediação do professor se
põem. Porque o professor, enquanto alguém que, de certo modo, apreendeu as
relações sociais de forma sintética, é posto na condição de viabilizar esta apreensão
por parte dos alunos, realizando a mediação entre o aluno e o conhecimento que se
desenvolveu socialmente.
Outra distinção que introduzi no texto “Para além da teoria da curvatura da vara” é a diferença entre o modo como o professor se relaciona com a sociedade e o processo educativo e o modo como o aluno se relaciona. Situo que a relação do aluno se dá, predominantemente, de forma sincrética, enquanto a relação do professor se dá de forma sintética. O processo pedagógico permitiria que no ponto de chegada o aluno se aproximasse do professor, podendo, também ele, estabelecer uma relação sintética com o conhecimento da sociedade. (SAVIANI, 2005, p. 144)
É nesse contexto que cabe considerar a relação entre conteúdo e
forma. Do ponto de vista teórico, forma e conteúdo relacionam-se. Uma concepção
dialética está empenhada justamente em fazer esta articulação, estabelecer esta
relação entre conteúdo e método. A separação destes aspectos é própria de uma
lógica não-dialética, da lógica formal, pela qual se pode separar, pela abstração, um
elemento do outro.
Quando se insiste na importância dos conteúdos, o que se está
frisando aí é a necessidade de trabalhar a educação em concreto e não de forma
abstrata. Com efeito, a lógica formal é a lógica das formas e, como o próprio nome
está dizendo, abstrata. A lógica dialética é uma lógica concreta. É a lógica dos
conteúdos. Não, porém, dos conteúdos informes, mas dos conteúdos em sua
articulação com as formas.
Infelizmente, quando se expõe uma concepção, imediatamente esta
se contrapõe a outra. Aí ela está sempre sendo reduzida. Saviani enfatiza várias
vezes a prioridade dos conteúdos sem perder de vista que a questão pedagógica,
em sua essência, é a questão das formas. Estas, porém, nunca podem ser
consideradas em si mesmas. E a diferenciação sempre se dará pelo conteúdo. Se
for feita a abstração dos conteúdos, fica-se com a pura forma. Aí ocorre a
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indiferenciação. É neste sentido que os conteúdos são importantes. Tratar as formas
em concreto e não em abstrato é tratá-las pela via dos conteúdos. Isso pode ser
constatado de modo claro quando consideramos as disciplinas que compõem o
currículo escolar. Tome-se, por exemplo, o caso da História. Se o fundamental é que
o aluno aprenda o método, ou seja, como se situar historicamente, como apreender
o movimento da história, então se trata aí do método da história. E ele só irá
apreender isto, através da familiaridade com a história propriamente dita. Logo, com
os conteúdos históricos.
Os conteúdos históricos sempre serão importantes e, de certo
ângulo, determinantes, porque é pelo caminho deles que se apreende a perspectiva
histórica, o modo de situar-se historicamente. De fato, como proceder segundo o
método histórico fazendo abstração da história? Algo semelhante ocorre com as
demais disciplinas.
Considerando-se que a divisão do conhecimento em disciplinas
corresponde, de certo modo, ao momento analítico, é preciso considerar a questão
da síntese, isto é, a articulação das disciplinas numa visão de totalidade, o que
envolve o problema de se determinar mais precisamente em que grau as disciplinas
são necessárias e em que grau são resultantes de uma estrutura social centrada na
divisão do trabalho. Se consideramos a diferenciação por disciplinas, no campo do
conhecimento, da ciência, e também na educação, como a reprodução da divisão do
trabalho que se dá no processo produtivo, à medida que tentamos superar esta
divisão e chegar a uma produção coletiva, também estamos procurando caminhar
na mesma direção de chegar ao conhecimento produzido coletivamente, a um
conhecimento global, articulado numa visão de totalidade, superando as
especializações.
De acordo com Saviani (2005, p. 9):
“A pedagogia Histórico-Crítica no quadro das tendências críticas da educação brasileira”, observa-se que todas as objeções examinadas na forma de dicotomias estão referidas ao problema do saber. E em “A Pedagogia Histórico-Crítica e a Educação Escolar”, reitera-se que “o saber é objeto específico do trabalho escolar”.
Scheibe (1994, p. 168) aponta alguns autores que contribuem na
fundamentação teórica de Saviani (Marx, Gramsci e Snyders) e seu posicionamento
14
enfático e polêmico “na busca de um pensamento crítico dialético para a educação”
Oliveira (1994, p. 107), afirma nessa ocasião que a obra de Saviani
está sempre estreitamente vinculada ao seu ato de pensar os problemas da educação,sejam aqueles relativos à política educacional, ao ideário pedagógico, às diversas práticas educativas etc. Sua obra, portanto, tem uma peculiaridade: caracteriza-se pelo ato de pensar os problemas da educação brasileira, tendo uma fundamentação teórica que, de fato, opera como base e orientação desse pensar. Oliveira (1994, p. 107)
A explicitação dos alicerces teóricos da pedagogia histórico-crítica,
no entanto, não podem ser mais bem citados do que pelo próprio Saviani (2007, p.
420):
A fundamentação teórica da pedagogia histórico-crítica nos aspectos filosóficos, econômicos e político-sociais propõe-se explicitamente a seguir as trilhas abertas pelas agudas investigações desenvolvidas por Marx sobre as condições históricas de produção da existência humana que resultaram na forma da sociedade atual dominada pelo capital. É, pois, no espírito de suas investigações que essa proposta pedagógica se inspira. Frise-se: é de inspiração que se trata e não de extrair dos clássicos do marxismo uma teoria pedagógica. Pois, como se sabe, nem Marx, nem Engels, Lênin ou Gramsci desenvolveram teoria pedagógica em sentido próprio. Assim, quando esses autores são citados, o que está em causa não é a transposição de seus textos para a pedagogia e, nem mesmo, a aplicação de suas análises ao contexto pedagógico. Aquilo que está em causa é a elaboração de uma concepção pedagógica em consonância com a concepção de mundo e de homem própria do materialismo histórico.
2.5 A ESSÊNCIA DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA – A DIALÉTICA
Propor etapas, passos a se seguir no processo pedagógico facilita,
sem dúvida o trabalho docente. Entretanto, põe-se como fundamental, também, que
haja uma teorização mais aprofundada daquilo que realmente fundamenta tal
tendência. No caso da Pedagogia histórico-crítica, os pressupostos de Marx sobre a
educação e a dialética prática – teoria – prática.
Segundo Engels e Marx (2004, p.48),
15
“a universalidade do indivíduo não se realiza já no pensamento nem na imaginação; está viva nas relações teóricas e práticas. Encontra-se, pois, em condições de apreender sua própria história como uma processo e de conceber a natureza, com a qual forma realmente corpo, de maneira científica (o que lhe permite dominá-la na prática)”.
Assim, não é possível a emancipação do sujeito, sem a apropriação
pelo mesmo dos conhecimentos historicamente construídos e socialmente
necessários e sistematizados, tendo como partida e de chegada a prática social
vivida pelo educando, respeitando “as três fases do método dialético de construção
do conhecimento – prática, teoria, prática” (Gasparin, 2007, p.8). Entende-se desse
modo, a Pedagogia históricocrítica, como a pedagogia dialética.
Segundo SAVIANI (1992, p.74),
“A denominação 'tendência histórico-crítica' eu iria introduzir depois, porque a denominação dialética também gerava algumas dificuldades: há um entendimento idealista da dialética [...]. Cunhei então, a expressão 'concepção histórico-crítica, onde eu procurava reter o caráter crítico de articulação com as condicionantes sociais que a visão reprodutivista possui, vinculado porém à dimensão histórica que o reprodutivismo perde de vista.”
Assim, a Pedagogia Histórico-crítica e seu processo de ensino tem,
indubitavelmente, como seu elemento fundante, a dialética – prática – teoria –
prática. E é nesse ponto que o trabalho docente, que pretende ser histórico-crítico
deve se focar.
Scalcon (2002, p. 123) destaca que:
O método de ensino preconizado pela pedagogia histórico-crítica,
considerado um meio de apropriação do conhecimento (Wachowicz, 1991), inspira-
se na concepção dialética da ciência e assume a forma de uma trajetória a ser
percorrida, um caminho cujos momentos particulares são vistos como passos
dinamizadores de um movimento único e orgânico, pois funda-se na dialeticidade da
realidade e mantém permanentemente o vínculo entre educação e sociedade,
realçando a necessidade da educação de ter objetivamente um ponto de partida e
um ponto de chegada.
Baseado neste entendimento é que Saviani (1985 apud SCALCON,
(2002, p. 77): definiu cinco passos fundamentais dos métodos preconizados pela
pedagogia histórico-crítica, os quais têm como critério de cientificidade e orientação
16
“[...] da concepção dialética da ciência tal como explicitou Marx no método da
economia política” prática social, problematização, instrumentalização, catarse e
prática social.
2.6 Os Cinco Passos da Metodologia Histórico-Crítica Segundo Saviani (1991) e
Gasparin (2007)
A fim de mais claramente visualizarmos o processo pedagógico que
levamos a efeito no estudo teórico-prático desta teoria, descreveremos,
resumidamente, cada uma das cinco fases em que se divide a proposta
metodológica da Pedagogia Histórico-Crítica, evidenciando como entendemos que
cada um desses passos deva ser traduzido para a prática escolar.
1- Prática social inicial – Saviani (1991, p. 79) ao explicitar esta
primeira fase de seu método pedagógico afirma que ela é o ponto de partida de todo
o trabalho docente.
Este passo consiste no primeiro contato que o aluno mantém com o
conteúdo que será trabalhado pelo professor. É a percepção que o educando possui
sobre o tema de estudo. Freqüentemente é uma visão de senso comum, empírica,
geral, um tanto confusa, sincrética, onde tudo, de certa forma, aparece como natural.
O professor, por seu lado, posiciona-se em relação à mesma
realidade de maneira mais clara e, ao mesmo tempo, com uma visão mais sintética.
A diferença entre os dois posicionamentos deve-se, entre outras
razões, ao fato de o professor, antes de iniciar seu trabalho com os alunos, já ter
realizado o planejamento de suas atividades, no qual vislumbrou todo o caminho a
ser percorrido. Isso lhe possibilita conduzir o processo pedagógico com segurança
dentro de uma visão de totalidade.
Esse passo se caracteriza por ser uma preparação e uma
mobilização do aluno para a construção do conhecimento. É uma primeira leitura da
realidade, ou seja, o contato inicial com o tema a ser estudado (VASCONCELOS,
1993 apud SAVIANI, 1991, p. 79).
17
O professor anuncia aos alunos o conteúdo que será trabalhado.
Dialoga com eles sobre este tema buscando verificar qual o domínio que já possuem
e que uso fazem na prática social cotidiana.
Realiza um levantamento de questões ou problemas envolvendo
essa temática; mostra aos alunos o quanto já conhecem, ainda que de forma
caótica, a respeito do conteúdo que será trabalhado; evidencia que qualquer assunto
a ser desenvolvido em aula, já está presente na prática social como parte
constitutiva dela.
Esta fase consiste em desafiar os alunos a mostrarem o que já
sabem sobre cada um dos itens que serão estudados.
O levantamento sobre a prática social do conteúdo é sempre feito a
partir do referencial dos alunos.
Esta forma de encaminhamento mostra aos educandos que eles já
conhecem na prática o conteúdo que a escola pretende lhes ensinar.
A prática social inicial é sempre uma contextualização do conteúdo.
É a conscientização do que ocorre na sociedade relativamente àquele tópico a ser
trabalhado.
Mas como trabalhar com a prática social, com esta leitura da
realidade, em cada campo específico do conhecimento?
Entendemos que esta é uma tarefa que cada professor, em sua
área, deve aos poucos descobrir a fim de criar um clima favorável para a construção
do conhecimento.
Para a realização desta primeira fase, os cursistas constituem
equipes de estudo por disciplinas ou áreas afins. Sua primeira tarefa consiste na
definição dos conteúdos (unidade, tópicos e subtópicos) que seriam trabalhados
posteriormente com seus alunos.
Ainda que na sequência formal do plano os conteúdos apareçam
listados na segunda fase do processo, ou seja, na Instrumentalização, na prática
escolar, porém, eles são o ponto inicial do trabalho pedagógico.
De posse dos itens de conteúdo que efetivamente se espera
desenvolver, cada equipe inicia a elaboração de uma grande quantidade de
perguntas sobre cada tópico a ser estudado. Na prática cotidiana essa tarefa será
realizada pelo professor e seus respectivos alunos em sala de aula.
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Para a construção dessas questões, no momento de planejamento,
os professores colocam-se no papel de alunos, buscando prever quais perguntas
eles fariam, levando em conta o domínio e uso do conteúdo na vida social dos
educandos.
Este trabalho consiste no levantamento e listagem de questões da
vivência cotidiana do educando sobre o conteúdo a ser ministrado. É a
demonstração daquilo que o aluno já sabe e a explicitação de que já existe em sua
prática social o conteúdo escolar. É a mobilização do aluno para a construção do
conhecimento. É sua visão sobre o conteúdo até aquele momento.
2- Problematização – Este passo se constitui o elo entre a Prática
Social e a Instrumentalização. É a “identificação dos principais problemas postos
pela prática social. [...] Trata-se de detectar que questões precisam ser resolvidas no
âmbito da Prática Social e, em consequência, que conhecimento é necessário
dominar” (SAVIANI, 1991, p. 80).
O conhecimento de que estamos falando são os conteúdos
historicizados.
Para fins desse estudo, delimitamos e entendemos que os principais
problemas postos pela prática social são os relativos aos conteúdos que estão
sendo trabalhados numa determinada unidade do programa.
Os “principais problemas” são as questões fundamentais que foram
apreendidas pelo professor e pelos alunos e que precisam ser resolvidas, não pela
escola, ou na escola, mas no âmbito da sociedade como um todo. Para isto se torna
necessário definir quais conteúdos os educadores e os educandos precisam
dominar para resolver tais problemas, ainda que, inicialmente, na esfera intelectual.
A problematização tem como finalidade selecionar as principais
questões levantadas na pratica social a respeito de determinado conteúdo. Estas
questões orientam todo o trabalho a ser desenvolvido pelo professor e pelos alunos.
Esta fase consiste, na verdade, em selecionar e discutir problemas
que têm sua origem na prática social, descrita no primeiro passo desse método, mas
que se ligam e procedem ao mesmo tempo também do conteúdo a ser trabalhado.
Serão, portanto, grandes questões sociais, mas limitadas ao conteúdo da unidade
que está sendo trabalhada pelo professor.
19
A problematização é o questionamento do conteúdo relacionado à
pratica social, em função dos problemas que precisam ser resolvidos no cotidiano
das pessoas.
Relacionando o conteúdo com a prática social definem-se as
questões que, através deste conteúdo específico, podem ser encaminhadas e
resolvidas. Elabora-se uma série de perguntas que orientam a análise e apropriação
do conteúdo.
O processo ensino-aprendizagem, neste caso, está em função das
questões levantadas na prática social e retomadas de forma mais profunda e
sistematizada nessa segunda fase.
Nesta etapa do processo duas são as tarefas principais:
1. Determinação dos conteúdos em suas dimensões científica,
social e histórica.
2. Levantamento, em cada tópico ou subtópico, das principais
questões da prática social, diretamente relacionadas aos conteúdos,
levando em conta as três dimensões apontadas.
Para a execução de cada um destes passos há que tomar o
conteúdo do programa elaborado e levantar junto com os alunos as questões sociais
básicas que abrangem o conteúdo a ser desenvolvido.
Como o conteúdo será trabalhado levando-se em conta as
dimensões científica, social e histórica, as perguntas que forem elaboradas devem
expressar a mesma perspectiva.
Como forma prática para selecionar as questões fundamentais
proceda-se da seguinte maneira: repita-se cada item do conteúdo e, em seguida,
formule-se junto com os alunos, questões que abranjam a totalidade desse tópico
nas dimensões assinaladas.
As perguntas selecionadas serão respondidas na fase da
Instrumentalização quando os alunos estarão efetivamente construindo de forma
mais elaborada seu conhecimento.
A Problematização é o fio condutor de todas as atividades que os
alunos desenvolverão no processo de construção do conhecimento.
3- Instrumentalização – Esta fase, segundo Saviani (1991, p. 103)
consiste na apreensão:
20
[...] dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas detectados na prática social. [...] Trata-se da apropriação pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta que travam diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem.
É o momento de evidenciar que o estudo dos conteúdos propostos
está em função das respostas a serem dadas às questões da prática social que
foram consideradas fundamentais na fase da Problematização.
A tarefa do professor e dos alunos desenvolver-se-á através de
ações didático-pedagógicas necessárias à efetiva construção conjunta do
conhecimento nas dimensões científica, social e histórica.
Em cada área de conhecimento, os professores utilizarão as formas
e os instrumentos mais adequados para a apropriação construtiva dos conteúdos.
Em sentido prático, retomam-se os conteúdos e, a cada tópico,
especificam-se os processos e os recursos que serão utilizados para a efetiva
incorporação dos conteúdos, não apenas como exercício mental, mas como uma
necessidade social.
Cada tópico que vai sendo trabalhado deverá responder às questões
que a partir dele foram levantadas e selecionadas na Problematização.
Este é o momento do método que faz passar da síncrese à síntese a
visão do aluno sobre o conteúdo escolar presente em sua vida social.
Esta etapa consiste em realizar as operações mentais de analisar,
comparar, criticar, levantar hipóteses, julgar, classificar, conceituar, deduzir,
generalizar, discutir, explicar, etc.
Na Instrumentalização o educando e o professor efetivam o
processo dialético de construção do conhecimento que vai do empírico ao abstrato
para o concreto.
4- Catarse – Uma vez incorporados os conteúdos e os processos de
sua construção, ainda que de forma provisória, é chegado o momento em que o
aluno é solicitado a mostrar o quanto se aproximou da solução dos problemas
anteriormente levantados sobre o tema em questão.
Esta é a fase em que o educando manifesta que assimilou, que
assemelhou a si mesmo, os conteúdos e os métodos de trabalho em função das
questões anteriormente enunciadas.
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Agora ele traduz oralmente ou por escrito a compreensão que teve
de todo o processo de trabalho. Expressa sua nova maneira de ver a prática social.
É capaz de entendê-la em um novo patamar, mais elevado, mais consistente e
estruturado. É a síntese que o aluno efetua, marcando sua nova posição em relação
ao conteúdo e à forma de sua construção no todo social.
O educando mostra que, de uma síncrese inicial sobre a realidade
social do conteúdo que foi trabalhado, chega agora a uma síntese, que é o momento
em que ele estrutura, em nova forma, seu pensamento sobre as questões que
conduziram a construção do conhecimento. Esta é a nova maneira de entender a
prática social. É o momento em que o aluno evidencia se de fato incorporou ou não
os conteúdos trabalhados.
Segundo Saviani (1991, p.80-81):
Catarse é a expressão elaborada da nova forma de entendimento da prática social a que se ascendeu. [...]. O momento catártico pode ser considerado como o ponto culminante do processo educativo, já que á aí que se realiza pela mediação da análise levada a cabo no processo de ensino, a passagem da síncrese à síntese.
Conforme Wachowicz (apud SAVIANI, 1991, p.80), a catarse “é a
verdadeira apropriação do saber por parte dos alunos”.
Na catarse, o aluno mostrará que a realidade que ele conhecia antes
como “natural”, não é exatamente desta forma, mas é “histórica”, porque produzida
pelos homens em determinado tempo e lugar, com intenções políticas implícitas ou
explícitas, atendendo a necessidades sócio-econômicas históricas, situadas, desses
mesmos homens.
Este é o momento da avaliação que traduz o crescimento do aluno,
que expressa como se apropriou do conteúdo, como resolveu as questões
propostas, como reconstituiu seu processo de concepção da realidade social e,
como, enfim, passou da síncrese à síntese.
É a avaliação da aprendizagem do conteúdo, entendido como
instrumento de transformação social.
Como o aluno mostrará que aprendeu?
Neste momento são montados os instrumentos e definidos os
critérios que mostram o quanto o aluno se apropriou de um conteúdo particular como
uma parte do todo social.
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Conforme as circunstâncias, a avaliação pode ser realizada de
maneira informal, ou formal. No primeiro caso, o aluno, por iniciativa própria,
manifesta se incorporou ou não os conteúdos e os métodos na perspectiva proposta
pelas questões da Problematização. No segundo, o professor elabora as questões
que deverão oferecer ao educando a oportunidade de se manifestar sobre o
conteúdo aprendido.
5- Prática social final – O ponto de chegada do processo
pedagógico na perspectiva histórico-crítica, é o retorno à Prática Social.
Conforme Saviani (1991, p. 82), a prática social inicial e final é a
mesma, embora não o seja. É a mesma enquanto se constitui “o suporte e o
contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica.
E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior
se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica...”.
Professor e alunos se modificaram intelectual e qualitativamente em
relação a suas concepções sobre o conteúdo que reconstruíam, passando de um
estágio de menor compreensão científica, social e histórica a uma fase de maior
clareza e compreensão dessas mesmas concepções dentro da totalidade.
Este é o momento em que docente e educandos elaborarão um
plano de ação a partir do conteúdo que foi trabalhado. É a previsão do que o aluno
fará e como o desempenhará por ter aprendido um determinado conteúdo. É o seu
compromisso com a prática social, uma vez que esse método de estudo tem como
pressuposto a articulação entre educação e sociedade.
O passo final desta proposta didático-pedagógica consiste
basicamente de dois pontos:
a) Nova postura mental do aluno frente à realidade estudada. É a
nova maneira de compreender o conteúdo estudado situando-o de maneira
histórico-concreta na totalidade.
b) Proposta concreta de ação por ter aprendido um determinado
conteúdo. É o compromisso concreto do aluno. É o que ele fará na vida prática, em
seu cotidiano, tanto individualmente como coletivamente. Essa proposta de trabalho
pode referir-se tanto a ações intelectuais quanto a trabalhos manuais, físicos.
A prática social final é o momento da ação consciente do educando
na realidade em que vive.
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A proposta metodológica da Pedagogia histórico-crítica é um
caminho de apropriação e de reconstrução do conhecimento sistematizado
buscando evidenciar que todo o conteúdo que é trabalhado na escola é uma
expressão de necessidades sociais historicamente situadas.
Este conteúdo é reapropriado e reelaborado pelo aluno através do
processo pedagógico e retorna agora, de maneira nova e compromissada, para o
cotidiano social a fim de ser nele um instrumento a mais na transformação da
realidade.
Os passos pedagógicos de construção do conhecimento escolar,
apresentados aqui de maneira formal, aparecem como se fossem independentes e
estanques, mas, na realidade prática eles constituem um todo indissociável e
dinâmico, onde cada fase interpenetra as demais.
Assim, a Prática Social Inicial e Final são o contexto de onde provém
e para onde retoma o conteúdo reelaborado pelo processo escolar. A
Problematização, a Instrumentalização e a Catarse são os três passos de efetiva
construção do conhecimento na e para a prática social.
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2.7 - A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA NO CONTEXTO DO CURRÍCULO PARANAENSE
A concepção teórica da Pedagogia Histórico-Crítica está
sistematicamente presente no Estado do Paraná desde 1990, por meio do
documento “Currículo Básico para a Escola Pública do Estado do Paraná”, conforme
é exposto no trecho deste, na página 12: “os princípios da pedagogia histórico-
crítica, que fundamentam teoricamente esta proposta”. A elaboração do documento
surge da necessidade de consolidar princípios de uma educação democrática, de
qualidade, fundamentada na aquisição dos instrumentos culturais que possibilitem o
acesso ao saber elaborado (ciência) pelos educandos. Neste documento evidencia-
se claramente sobre as bases epistemológicas da pedagogia histórico-crítica
Para esta compreensão pedagógica cabe à escola dosar e sequenciar o saber sistematizado, o conhecimento científico, tendo em vista o processo de sua transmissão-assimilação.... Isto implica dosá-lo e sequenciá-lo de modo que a criança passe do seu não domínio para o seu domínio...A mediação da escola visa a passagem do saber difuso, parcial, desarticulado que a criança apresenta no início do processo de escolarização para o saber sistematizado, mais organicamente articulado ao final da escolarização do aluno favorecendo, desta forma, a compreensão das relações sociais nas quais está inserido e instrumentalizando-o, ainda que parcialmente, para nela atuar. O acesso à cultura erudita \ possibilita a apropriação de novas formas através das quais se pode expressar os próprios conteúdos do saber popular. Cabe pois, não perder de vista o caráter derivado da cultura erudita por referência à cultura popular cuja primazia não é destronada. Importa tornar a escola, nossa escola concreta, como local de apropriação do conhecimento científico, por parte de todos que dela participam. (PARANÁ, 1990, p. 15)
No período de 1995 a 2002 o Paraná teve uma orientação dispare
daquela imersa no Currículo Básico para a Escola Pública de 1990 e experimenta
uma proposta eficientista. Somente a partir de 2004 inicia-se um processo de
retomada da pedagogia histórico-crítica por meio das capacitações dos profissionais
da educação e da construção de documentos norteadores da política educacional
paranaense. Atualmente as Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Paraná
(2008), compartilham da mesma concepção filosófica na qual a Pedagogia Histórico-
Crítica se fundamenta no materialismo histórico e na perspectiva dialética.
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É possível que a tarefa que se propõe à pedagogia Histórico-Crítica
em relação à educação escolar implique:
Identificação das formas mais desenvolvidas em que se expressa
o saber objetivo produzido historicamente, reconhecendo as
condições de sua produção e compreendendo as suas principais
manifestações, bem como as tendências atuais de transformação;
Conversão do saber objetivo escolar, de modo que se torne
assimilável pelos alunos no espaço e tempo escolares;
Provimento dos meios necessários para que os alunos não
apenas assimilem o saber objetivo enquanto resultado, mas
aprendam o processo de sua produção, bem como as tendências
de sua transformação.
Conforme Diretriz Curricular do Ensino Fundamental (2008, p. 18):
Destaca-se que o conhecimento científico dos conteúdos, assim como todos os demais saberes, não é algo pronto, acabado e inquestionável, mas em constante transformação. Esse processo de elaboração e transformação do conhecimento ocorre em função das necessidades humanas, uma vez que a Ciência é construída por homens e mulheres, portanto, falível e inseparável dos processos sociais, políticos e econômicos.
Cabe considerar que o estudo teórico dos pressupostos da
Pedagogia Histórico-Crítica na Educação Paranaense, será de fundamental
relevância na ação docente dos professores numa mudança de postura ao
desenvolverem o planejamento e os conteúdos escolares e, através de uma reflexão
mais profunda concretizar uma práxis pedagógica, exercendo assim uma função
formadora nos educandos.
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REFERÊNCIAS
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27
SCHEIBE, L. A compreensão histórico-crítica da educação. IN: SILVA JÚNIOR, C. A. Dermeval Saviani e a educação brasileira: o simpósio de Marília. São Paulo: Cortez, 1994. p. 167-179. VASCONCELOS, C. dos. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo: Libertad – Centro de Formação e Assessoria Pedagógica, 1993. VIANA, M. Concurso público professor – governo do estado do Paraná. Pedagogo. Curitiba: GS/SEED, 2007. Apostila Lógica. WACHOWICZ, L. A. O método dialética na didática. Campinas: Papirus, 1989.