tendência progressista libertária1

41
Tendência progressista libertária Papel da escola - A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A idéia básica é introduzir modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão "contaminando" todo o sistema. A escola instituirá, com basena participação grupal, mecanismos institucionais de mudança (assembléias,conselhos, eleições, reuniões, associações etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições "externas", leve para lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedagogia libertária, correlata à primeira, é – aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas autogestjonárias). Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma o indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivopedagógico quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais conhecida entrenós, a "pedagogia institucional", pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas, provas etc.), retirando a autonomia. Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação crítica. "Conhecimento" aqui não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um sistema de representações mentais, mas a descoberta de respostas às ncessidades e às exigências da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem indispensavelmente, as matérias de estudo. Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder. Trata-se de "colocar nas mãos dos alunos tudo o que for possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização, do trabalho no interior da escola (menos a elaboração dos programas ea decisão dos exames que não dependem nem dos docentes, nem dos

Upload: cassio-landher-alves

Post on 13-Jan-2015

373 views

Category:

Education


3 download

DESCRIPTION

libertaria

TRANSCRIPT

Page 1: Tendência progressista libertária1

 Tendência progressista libertária

Papel da escola - A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na

personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário. A idéia básica é introduzir

modificações institucionais, a partir dos níveis subalternos que, em seguida, vão

"contaminando" todo o sistema. A escola instituirá, com basena participação grupal,

mecanismos institucionais de mudança (assembléias,conselhos, eleições, reuniões,

associações etc.), de tal forma que o aluno, uma vez atuando nas instituições "externas", leve

para lá tudo o que aprendeu. Outra forma de atuação da pedagogia libertária, correlata à

primeira, é – aproveitando a margem de liberdade do sistema - criar grupos de pessoas com

princípios educativos autogestionários (associações, grupos informais, escolas

autogestjonárias). Há, portanto, um sentido expressamente político, à medida que se afirma o

indivíduo como produto do social e que o desenvolvimento individual somente se realiza no

coletivo. A autogestão é, assim, o conteúdo e o método; resume tanto o objetivopedagógico

quanto o político. A pedagogia libertária, na sua modalidade mais conhecida entrenós, a

"pedagogia institucional", pretende ser uma forma de resistência contra a burocracia como

instrumento da ação; dominadora do Estado, que tudo controla (professores, programas,

provas etc.), retirando a autonomia.

Conteúdos de ensino - As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são

exigidas. São um instrumento a mais, porque importante é o conhecimento que resulta das

experiências vividas pelo grupo, especialmente a vivência de mecanismos de participação

crítica. "Conhecimento" aqui não é a investigação cognitiva do real, para extrair dele um

sistema de representações mentais, mas a descoberta de respostas às ncessidades e às

exigências da vida social. Assim, os conteúdos propriamente ditos são os que resultam de

necessidades e interesses manifestos pelo grupo e que não são, necessária nem

indispensavelmente, as matérias de estudo.

Método de ensino - É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão

encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria “instituição”, graças à sua própria iniciativa

e sem qualquer forma de poder. Trata-se de "colocar nas mãos dos alunos tudo o que for

possível: o conjunto da vida, as atividades e a organização, do trabalho no interior da escola

(menos a elaboração dos programas ea decisão dos exames que não dependem nem dos

docentes, nem dos alunos)". Os alunos têm liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse

pedagógico na dependência de suas necessidades ou das do grupo.

O progresso da autonomia, excluída qualquer direção de fora do grupo, se dá num

"crescendo": primeiramente a oportunidade de contatos aberturas, relações informais entre os

alunos. Em seguida, o grupo começa a se organizar, de modo a que todos possam participar

de discussões, cooperativas, assembléias, isto é, diversas formas de participação e expressão

pela palavra; quem quiser fazer outra coisa, ou entra em acordo com o grupo, ou se retira. No

terceiro momento, ogrupo se organiza de forma mais efetiva e, finalmente, no quarto momento,

parte para a execução do trabalho. 

Page 2: Tendência progressista libertária1

Relação professor-aluno - A pedagogia institucional visa "em primeiro lugar, transformar a

relação professor-aluno no sentido da não-diretividade, isto é, considerar desde o início a

ineficácia e a nocividade de todos os métodos à base de obrigações e ameaças". Embora

professor e aluno sejam desiguais e diferentes, nada impede que o professor se ponha a

serviço do aluno, sem impor suas concepções e idéias, sem transformar o aluno em "objeto". O

professor é um orientador e um catalisador, ele se mistura ao grupo para uma reflexão em

comum.

Se os alunos são livres frente ao professor, também este o é em relação aos alunos (ele pode,

por exemplo, recusasse a responder uma pergunta, permanecendo em silêncio). Entretanto,

essa liberdade de decisão tem um sentido bastante claro: se um aluno resolve não participar, o

faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre este fato e vai se

colocar a questão; quando o professor se cala diante de uma pergunta, seu silêncio tem um

significado educativo que pode, por exemplo, ser uma ajuda para que o grupo assuma a

resposta ou a situação criada. No mais, ao professor cabe a função de "conselheiro" e outras

vezes, de instrutor-monitor à disposição do grupo. Em nenhum momento esses papéis do

professor se confundem com o de "modelo", pois a pedagogia libertária recusa qualquer forma

de poder ou autoridade. 

Pressupostos de aprendizagem - As formas burocráticas das instituições existentes, por seu

traço de impessoalidade, comprometem o crescimento pessoal. A ênfase na aprendizagem

informal, via grupo, e a negação de toda forma de repressão visam favorecer o

desenvolvimento de pessoas mais livres. A motivação está, portanto, no interesse em crescer

dentro da vivência grupal, pois supõe-se que o grupo devolva a cada um de seus membros a

satisfação de suas aspirações e necessidades.

Somente o vivido, o experimentado é incorporado e utilizável em situações novas. Assim, o

critério de relevância do saber sistematizado é seu possível uso prático. Por isso mesmo, não

faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos em termos de

conteúdo.

Outras tendências pedagógicas correlatas - A pedagogia libertária abrange quase todas as

tendências anti-autoritárias em educação, entre elas, a anarquista, a psicanalista, a dos

sociólogos, e também a dos professores progressistas. Embora Meill e Rogers não possam ser

considerados progressistas (conforme entendemos aqui), não deixam de influenciar alguns

libertários, como 12 Cf., a esse respeito, G SNYDERS, para onde vão as pedagogias não-

diretivas? Lobrot. Entre os estrangeiros devemos citar Vasquez e Oury entre os mais recentes,

Ferrer y Guardiã entre os mais antigos. Particularmente significativo é o trabalho de C. Freinet,

que tem sido muito estudado entre nós, existindo inclusive algumas escolas aplicando seu

método.

Entre os estudiosos e divulgadores da tendência libertária pode-se citar Mauricio Tragtemberg,

apesar da tônica de seus trabalhos não ser propriamente pedagógica, mas de crítica das

instituições em favor de um projeto autogestionário. Em termos propriamente pedagógicos,

inclusive com propostas efetivas de ação escolar, citamos Miguel Gonzales Arroyo.

3. Tendência progressista "crítico-social dos conteúdos"

Papel da escola - A difusão de conteúdos é a tarefa primordial. Não

Page 3: Tendência progressista libertária1

conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, portanto, indissociáveis das realidades sociais. A

valorização da escola como instrumento de apropriação do saber é o melhor serviço que se

presta aos interesses populares, já que a própria escola pode contribuir para eliminar a

seletividade social e torná-la democrática. Se a escola é parte integrante do todo social, agir

dentro dela é também agir no rumo da

transformação da sociedade. Se o que define uma pedagogia crítica é a consciência de seus

condicionantes histórico-sociais, a função da pedagogia "dos conteúdos" é dar um passo à

frente no papel transformador da escola, mas a partir das condições existentes. Assim, a

condição para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a todos um bom ensino,

isto é, a apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham ressonância na vida" dos

átimos. Entendida nesse sentido, a educação é "uma atividade mediadora no seio da prática

social global", ou seja, uma das mediações pela qual o aluno, pela intervenção do professor e

por sua própria participação ativa, passa de uma experiência inicialmente confusa e

fragmentada (sincrética), a uma visão sintética, mais organizada e unificada.

Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação do aluno para o mundo adulto e suas

contradições, fornecendo lhe um instrumental, por meio da aquisição de conteúdos e da

socialização, para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. 

Conteúdos de ensino - São os conteúdos culturais universais que se constituíram em

domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, mas

permanentemente reavaliados face às realidades sociais. Embora se aceite que os conteúdos

são realidades exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não simplesmente

reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais. Não basta que os

conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso que se liguem, de

forma indissociável, à sua significação humana e social.

Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não estabelece oposição entre cultura

erudita e cultura popular, ou espontânea, mas uma relação de continuidade em que,

progressivamente, se passa da experiência imediata e desorganizada ao conhecimento

sistematizado. Não que a primeira apreensão da realidade seja errada, mas é necessária à

ascensão a uma forma de elaboração superior, conseguida pelo próprio aluno, com a

intervenção do professor.

A postura da pedagogia "dos conteúdos" - Ao admitir um conhecimento relativamente

autônomo - assume o saber como tendo um conteúdo relativamente objetivo, mas, ao mesmo

tempo, introduz a possibilidade de uma reavaliação crítica frente a esse conteúdo. Como,

sintetiza Snvders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um lado, de obter o acesso

do aluno aos conteúdos, ligando-os com a experiência concreta dele - a continuidade; mas, de

outro, de proporcionar elementos de análise crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a

experiência, os estereótipos, as pressões difusas da ideologia dominante - é a ruptura.

Dessas considerações resulta claro que se pode ir do saber ao engajamento político, mas não

o inverso, sob o risco de se afetar a própria especificidade do saber e até cair-se numa forma

de pedagogia ideológica, que é o que se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.

Métodos de ensino - A questão dos métodos se subordina à dos conteúdos: se o objetivo é

privilegiar a aquisição do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é preciso que

os métodos favoreçam a correspondência dos conteúdos com os interesses dos alunos, e que

estes possam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de compreensão da

realidade (prática social).

Page 4: Tendência progressista libertária1

Assim, nem se trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da pedagogia

tradicional, nem da sua substituição pela descoberta, investigação ou livre expressão das

opiniões, como se o saber pudesse ser inventado pela criança, na concepção da pedagogia

renovada.

Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos conteúdos não partem, então, de um saber

artificial, depositado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de uma relação direta com

a experiência do aluno, confrontada com o saber e relaciona a prática vivida pelos alunos com

os conteúdos propostos pelo professor, momento em que se dará a "ruptura" em relação à

experiência pouco elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a introdução explícita, pelo

professor dos elementos novos de análise a serem aplicados criticamente à prática do aluno.

Em outras palavras, uma aula começa pela constatação da prática real, havendo, em seguida,

a consciência dessa prática no sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na forma

de um confronto entre a experiência e a explicação do professor. Vale dizer: vai-se da ação à

compreensão e da compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa senão a

unidade entre a teoria e a prática. 

Relação professor-aluno – Se, como mostramos anteriormente, o conhecimento resulta de

trocas que se estabelecem na interação entre o meio (natural, social, cultural) e o sujeito,

sendo o professor o mediador, então a relação pelica consiste no provimento das condições em

que professores e alunos possam colaborar para fazer progredir essas trocas. O papel do

adulto é insubstituível, mas acentua-se também a participação do aluno no processo. Ou seja,

o aluno, com sua experiência imediata num contexto cultural, participa na busca da verdade, ao

confrontá-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor. Mas esse esforço do

professor em orientar, em abrir perspectivas a partir dos conteúdos, implica um envolvimento

com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive dos contrastes entre sua própria

cultura e a do aluno. Não se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessidades e

carências; buscará despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de estudo,

exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com suas experiências

vividas, para que o aluno se mobilize para uma participação ativa.

Evidentemente o papel de mediação exercido em torno da análise dos conteúdos exclui a não-

diretividade como forma de orientação do trabalho escolar, porque o diálogo adulto-aluno é

desigual. O adulto tem mais experiência acerca das realidades sociais, dispõe de uma

formação (ao menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e a ele cabe fazer a

análise dos conteúdos em confronto com as realidades sociais. A não-diretividade abandona os

alunos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma tendência espontânea a alcançar

os objetivos da esperados da educação. Sabemos que as tendências espontâneas e naturais

não são o tributárias das condições de vida e do meio. Não são suficientes o amor, a aceitação,

para que os filhos dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de progredir; é

necessária a intervenção do professor para levar o aluna a acreditarnas suas possibilidades, a

ir mais longe, a prolongar a experiência vivida.

Pressupostos de aprendizagem - Por um esforço próprio, o aluno; se reconhece nos

conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua própria

experiência. O conhecimento novo se apóia numa estrutura cognitiva já existente, ou o

professor provê a estrutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envolvimento na

Page 5: Tendência progressista libertária1

aprendizagem depende tanto da prontidão e disposição do aluno, quanto do professor e do

contexto da sala de aula.

Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos, é desenvolver a capacidade de

processar informações e lidar com os estímulos, do ambiente, organizando os dados

disponíveis da experiência. Em conseqüência, admite-se o princípio da aprendizagem

significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor

precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o

que o professor procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem se má a partir do

momento da síntese,

isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e

unificadora.

Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser avaliado, não como julgamento

definitivo e dogmático do professor, mas como uma comprovação para o aluno do seu

progresso em direção a noções mais sistematizadas. 

Manifestações na prática escolar - O esforço de elaboração de uma pedagogia "dos

conteúdos" está em propor modelos de ensino voltados para a interação conteúdos-realidades

sociais; portanto, visando avançar em termos de uma articulação do político e do pedagógico,

aquele como extensão deste, ou seja, a educação "a serviço da transformação das relações de

produção". Ainda que a curto prazo se espere do professor maior conhecimento dos conteúdos

de sua matéria e o domínio de formas de transmissão, a fim de garantir maior competência

técnica, sua contribuição "será tanto mais seja eficaz quanto mais seja capaz de compreender

os vínculos de sua prática com a prática social global", tendo em vista (...) "a democratização

da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das camadas populares, a

transformação estrutural da sociedade brasileira".

Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar a experiência pioneira, mas mais

remota, do educador e escritor russo, Makarenko. Entre os autores atuais citamos B. Charlot,

Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial, G. Skyders, além dos autores brasileiros que

vêm desenvolvendo investigações relevantes, destacando-se Dermeval Saviani. Representam

também as propostas aqui apresentadas os inúmeros professores da rede escolar pública que

se ocupam, competentemente, de uma pedagogia de conteúdos articulada com a adoção de

métodos que garantam a participação do aluno que, muitas vezes sem saber, avançam na

democratização efetiva do ensino para as camadas populares.

A Soma é um processo terapêutico-pedagógico. Estas duas dimensões de nosso

trabalho estão em permanente articulação, onde a perspectiva terapêutica abre

descobertas pedagógicas e vice-versa. Neste sentido, observar como se dá este

processo, quais os fatores envolvidos e, sobretudo a ética e a política presentes nas

práticas terapêuticas e pedagógicas são de fundamental importância para nós.

Defendemos a idéia de uma metodologia que se apóia na pedagogia libertária como

paradigma de uma prática que busque combater os mecanismos de poder,

normalmente presentes nas relações de saber. Assim, para nós, as reflexões libertárias

presentes neste referencial de educação norteiam nosso trabalho.

Page 6: Tendência progressista libertária1

Durante um período em torno de 10 anos, realizamos nas cidades de São Paulo e do

Rio de Janeiro o “Curso de Pedagogia Libertária da SOMA”. Ele representou um

encontro onde buscávamos a construção de novos espaços de debate de idéias e de

experiências de convivência. Reunindo pessoas com desejo de ampliar seus

conhecimentos e suas ações, criamos coletivamente um processo de aprendizado

onde tentávamos fugir da mesmice da pedagogia tradicional autoritária. Neste período,

o Coletivo Anarquista Brancaleone organizou os temas do Curso a partir desta proposta

de renovação constante e dos interesses despertados na realidade cotidiana.

Convidamos pensadores e ativistas para discutirmos juntos o papel da psicologia na

atualidade, a visão libertária do amor, as manifestações anti-globalização, a arte

enquanto expressão da liberdade e outros importantes temas correlatos à prática da

Soma como terapia anarquista.

Leia abaixo o texto do escritor e somaterapeuta Roberto Freire sobre Pedagogia

Libertária. Este material foi extraído de seu livro que leva o mesmo nome, e que baseia-

se e retrata a experiência do curso que redimencionou a prática da Soma.

 

Pedagogia Libertária

por Roberto Freire

Nas ditaduras, o poder é tomado pelas armas, pela fome e pela morte. O capitalismo se

utiliza da democracia para chegar ao poder pela compra dos votos e pela corrupção da

justiça. De qualquer modo, sempre autoritarismo e violência na gênese do poder.

Mas a manutenção do poder do Estado nas ditaduras ou nas democracias capitalistas

é garantida não mais diretamente pelas armas e pelo dinheiro. Vem sendo garantida

pela família e pela escola, por meio da pedagogia autoritária, apoiada e estimulada pelo

Estado autoritário.

Wilhelm Reich dizia que “a familial burguesa capitalista espelha e reproduz o estado”. O

mesmo se pode dizer das escolas onde também se pratica a pedagogia autoritária.

Educadas dessa maneira, as crianças e os jovens tornam-se obedientes e submissos

aos pais, aos professores e ao Estado.

Em verdade, tanto a pedagogia doméstica quanto a escolar, quando autoritárias, visam

reprimir nas crianças e nos jovens o sentimento e a necessidade da liberdade como

condição fundamental da existência. Sem esse sentimento e sem essa necessidade,

desaparece nas pessoas o espírito crítico e o desejo de participação ativa na

sociedade. São os dependentes. Desgraçadamente, são a maioria.

Na vida familiar, três são as armas principais da pedagogia autoritária: primeiro, o pátrio

poder (os filhos devem obedecer aos pais, por lei, até a maioridade), o que é um abuso

Page 7: Tendência progressista libertária1

e uma violência tornados legais; segundo, o amor, sentimento natural de beleza e

gratidão que os pais transformam em instrumento de dominação e de posse sobre os

filhos, fazendo com que se submetam às suas vontades chantagísticas, usadas para

não sentirem a dor do remorso e a do abandono; terceiro, pela dependência dos filhos

ao dinheiro dos pais e pela ameaça, também chantagística, de afastá-los de casa sem

nenhum recurso financeiro.

Crianças que foram educadas sob uma dessas três formas (ou sob todas) de

autoritarismo entram na escola já deformadas e facilmente projetam nos professores o

poder dos pais sobre si. Não conseguem criticá-los e, se o fazem, não transformam a

crítica em ação, a não ser contra si mesmos, tornando-se indiferentes ao conhecimento

e apresentando baixo rendimento escolar.

Homens e mulheres criados no ambiente familiar e escolar autoritários são os que

garantem a manutenção das ditaduras e do capitalismo, bem como as falsas

democracias. Eles “espelham e reproduzem o Estado” são pessoas neuróticas, fracas,

despreparadas, incompetentes e impotentes para a vida pessoal plena e social

satisfatória. Servem apenas para se submeter, obedecer, entrar em linha de montagem

na produção, ser massificadas pela mídia e votar a favor dos poderosos, mostrando–se

indiferentes, se conseguem um trabalho que os sustente, à miséria da maioria. Como

conseguiu estudar ou trabalhar no sistema, pode suportar, indiferente, a convivência

com os setenta milhões de conterrâneos que vivem na mais completa miséria.

Diante de um quadro desses, torna-se necessário, absolutamente indispensável, refletir

sobre a possibilidade de interferência no sistema político burguês capitalista,

especialmente sobre a sua pedagogia autoritária. É urgente descobrir alguma forma de

atuação libertária em todos os níveis, desde as creches, passando pelas escolas

primárias e secundárias, chegando, por fim, à universidade.

A luta contra a pedagogia autoritária praticada pela família burguesa capitalista é algo

que estamos praticando há trinta anos, por meio da Soma. Hoje temos uma equipe de

somaterapeutas trabalhando no Brasil e na Europa, combatendo a pedagogia

autoritária das famílias e das escolas.

Em 1994, iniciamos na Casa da Soma, em São Paulo, um curso bimestral de

pedagogia libertária. A ele comparecem as pessoas ligadas à Soma. O curso tem a

duração de um fim de semana, e trabalham-se de oito a dez horas por dia, com a

prática diária da capoeira Angola. Vou procurar sintetizar neste capítulo os temas

debatidos e as experiências realizadas neste curso. Muitos dos conceitos expostos aqui

nasceram dos debates, das contribuições e das pesquisas dos participantes do Curso

de Pedagogia Libertária da Soma. Trata-se, pois, de um trabalho de produção

autogestiva que depende igualmente da criatividade individual e da coletiva, bem como

da interação dinâmica entre elas.

Page 8: Tendência progressista libertária1

Para o nosso primeiro encontro, colecionei algumas frases, e criei outras para servirem

de estímulo à discussão, buscando descobrir uma definição de pedagogia libertária em

oposição à pedagogia autoritária praticada no Brasil.

Vou colocar as frases uma depois da outra, como fiz no curso, quando foram escritas

em cartazes colados nas paredes da sala. O leitor deve ler as frases dando um tempo

para fazer a reflexão antes de fazer a leitura da seguinte.

Se não for libertária, toda pedagogia é autoritária.

Não há educação libertária que não seja auto-educação.

Precisamos aprender com os outros apenas o que não nos foi possível aprender

sozinho.

A necessidade de aprender é biológica, ela se faz sempre de dentro para fora.

O impulso pela busca do conhecimento é mais importante que a coisa conhecida.

Perguntar é o ato mais espontâneo e o único realmente indispensável na

formação cultural. Não se é livre para perguntar em ambiente autoritário.

Ensinar o que não foi perguntado, além de inútil, é uma espécie de estupro

cultural.

As teorias educativas consistem em tirar alguma coisa antes de dar, censurar

antes de oferecer modelos válidos, proibir e impor normas antes de socializar a

experiência.

Somos todos diferentes uns dos outros, inclusive pelo interesse em conhecer.

A criança aprende tudo sozinha. Basta não impedi-la. Só precisamos ensinar-lhe

detalhes tecnológicos.

A auto-educação pode receber ajuda, sugestão que se torna educativa na medida

em que ativa forças latente ou já em ação no indivíduo.

A pedagogia libertária se baseia no gosto espontâneo das crianças pelo

conhecimento e em sua capacidade natural de criticar o que lhes ensinam. A

pedagogia autoritária visa fundamentalmente destruir esse potencial crítico.

A necessidade de conhecimento é compulsiva, como a de liberdade e a de

oxigênio.

Cada pessoa, após a leitura, estabelece seu próprio conceito de pedagogia libertária.

Então passamos a trabalhar as dificuldades e os caminhos possíveis para sua

realização na prática cotidiana. O professor José Maria Carvalho Ferreira, da

Page 9: Tendência progressista libertária1

Universidade Técnica de Lisboa – Portugal, participou de um dos cursos e nos deixou

um texto com suas contribuições. Dele vamos extrair os pontos que nos pareceram

mais importantes.

“A pedagogia pode ser entendida como um meio de aperfeiçoamento do

comportamento humano, nos domínios físico e cognitivo, de forma a potencializar a sua

capacidade de assimilação do conhecimento. Como um modelo educacional-

instrumental, a pedagogia serve fundamentalmente para melhorar os processos de

aprendizagem cultural e socializar o indivíduo e grupos que vivem nas instituições

escolares.

Hoje, embora mantenha laços de indissolubilidade, com o ser humano e a sociedade,

tende a funcionar como um mero instrumento de adaptação racional dos seres

humanos aos desígnios das instituições escolares, do Estado e do mercado. Torna-se

difícil circunscrever a função da pedagogia exclusivamente no indivíduo, prescindindo

de relacioná-la com todo envolvimento cultural, político, social e econômico.

Contemporaneamente, persiste uma grande dificuldade em descortinar o sentido e a

lógica de uma pedagogia que se ideologiza como espontânea, criativa e livre, quando

na maioria dos casos ela não é mais do que um fenômeno de castração do ser humano

a serviço da racionalidade instrumental do mercado e do Estado.

Comparando com a pedagogia libertária, pode-se dizer que de um lado temos a

individualidade, a liberdade e a espontaneidade e a criatividade dos indivíduos e, do

outro, a instrumentação e a racionalidade do mercado, do Estado, do poder e da

autoridade a agir e a intervir sobre o comportamento do indivíduo de forma tutelar e

hierarquizada.

Iniciando sua análise histórica sobre a pedagogia na Europa no período da Reforma e

do Renascimento, Ferreira mostra o importante papel da Igreja Católica atuando de

modo autoritário, no sentido em que a razão, a liberdade e a espontaneidade criativa

das crianças são impedidas desde a infância.

Quando em meados do século 18 irrompe o processo de industrialização e de

urbanização das sociedades, a pedagogia sofre grande transformação, passando a

preparar os cidadãos para as novas funções e tarefas industriais, comerciais e

agrícolas, assim como os transportes e as comunicações, qualificando mãos-de-obra

específicas. O mundo da produção, consumo e distribuição de mercadorias exigia um

tipo de conhecimento que não se adequava mais a um saber contemplativo da ordem

divina.

O Estado passou, assim, a se responsabilizar por uma educação científica e que

atendesse a seus interesses do mercado. E isso utilizando métodos e técnicas que

Page 10: Tendência progressista libertária1

potencializavam a percepção do conhecimento num sentido competitivo e hierárquico.

A posição do aluno passa para uma função de passividade e subalternidade criativa.

Essa pedagogia potencializava relações hierárquicas de dominação do professor sobre

os alunos no processo de aprendizagem de conhecimentos. Assim veio até hoje a

pedagogia autoritária refletindo a organização e o funcionamento dos Estados

capitalistas e formando cidadãos a ela adequados.

Nesses períodos históricos sempre apareceram na Europa experiências educacionais e

pedagógicas libertárias. Seus valores principais são: solidariedade, liberdade,

autogestão, espontaneidade e criatividade integrados num todo social harmônico. Elas

nunca separaram a educação e a pedagogia do todo social em que se integram. O

objetivo dessas teorias e experiências era a extinção das relações de dominação e de

exploração que subsistem entre professores, alunos e funcionários que trabalham e

vivem nas instituições escolares, de forma a permitir que a espontaneidade, a

liberdade, a criatividade e a responsabilidade natural dos indivíduos pudessem emergir

para configurações sociais integradas num modelo autogestionário de características

libertárias.

Na Europa Ocidental, as experiências históricas e as teorias emergiram desde o final

do século 18 até os nossos dias de pensadores anarquistas: William Godwin (1756-

1836), Max Stirner (1800-1856), Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), Mikhail Bakunin

(1814-1876), Paul Robin (1837-1912), Pyotr Kropotkin (1842-1921), Sebastien Faure

(1859-1909).

Para Godwin, nenhum Estado ou outro tipo de autoridade moral (professor, Deus etc.)

poderia pedagogicamente sobrepor-se aos desígnios soberanos do aluno como ser

essencialmente livre e criador. Para conquistar essa liberdade e felicidade criadoras ,é

preciso que o ser humano, desde criança, ganhe o hábito e crie o método de aprender

por si mesmo, sem depender de qualquer tutela moral, política ou religiosa. Godwin era

as escolas do Estado, porque isso lhes estimulava o poder sobre os alunos.

Para Stirner o que importava mais era a soberania absoluta do indivíduo em face de

todos os poderes ou autoridades exteriores a si mesmo. Só o ser humano, enquanto

entidade ontológica única poderia evoluir para uma soberania de indivíduos livres que

constituiriam e desenvolveriam pedagogias e educações múltiplas, mas

simultaneamente passíveis de se integrar numa mesma síntese societária anarquista.

Proudhon foi um dos autores anarquistas que mais preocupação tiveram em relação à

pedagogia libertária, na medida em que considerava o trabalho como fonte criadora da

ordem social econômica da sociedade futura. O seu projeto educacional e pedagógico

está muito ligado ao mundo da produção. Para libertar o trabalho pedagógico da

opressão e da exploração capitalista e estatal, numa sociedade libertária, a instrução e

a educação dos trabalhadores assumiam uma importância capital. Para ele haveria três

Page 11: Tendência progressista libertária1

modalidades para praticar a educação e o ensino: pelos pais nas famílias e domicílios,

pelas escolas privadas em obediências aos seus particularismos profissionais,

ideológicos e geográficos e, ainda, as escolas públicas com maior abrangência social,

baseadas em pressupostos federalistas. As relações entre professor e alunos

inscreviam-se num quadro estrutural autogestionário, mutualista e federativo. Proudhon

defendia a “escola-oficina”, que permitia um aprendizado politécnico.

Bakunin inscrevia a educação e a pedagogia como partes integrantes da revolução

social. Mais do que privilegiar as relações entre professor-aluno havia que abolir o

Estado e as relações capitalistas em níveis de toda sociedade e, logicamente, o tipo de

autoridade hierárquica de dominação que emerge da instituição escolar.

Para Kropotkin era importante formar jovens de forma a torna-los responsáveis e ativos

enquanto agentes de transformação radical da sociedade capitalista. A pedagogia e a

educação libertárias deveriam desenvolver-se em sintonia com a assimilação de um

conhecimento compatível com as necessidades de produção, de distribuição e de

consumo de bens e serviços inerentes ao funcionamento de uma sociedade libertária.

No campo das experiências libertárias, a primeira foi realizada por Paul Robin no

orfanato Cempuis, na França, entre 1880e 1894. Embora enquadrado

institucionalmente no sistema público da França, fundamentou-se na revisão libertária

de Robin como professor. Todos os princípios libertários foram postos em ação, mas tal

liberdade, tal criatividade e tal autogestão incomodaram a Igreja e o Estado. E a escola

do Cempuis foi fechada depois de ataques difamatórios.

Em 1904, Sebastien Faure criou uma escola denominada A Colméia. Militante

anarquista radical, ele procurou dar à sua escola um caráter nitidamente libertário,

sobretudo na autogestão. Criou também a cooperativa A Colméia, por meio da qual o

ensino tratava das relações de produção, de consumo e de educação por mecanismos

autogestionários e libertários. A coeducação e a relação de liberdade e de igualdade

entre rapazes e moças eram também estimuladas. Financiada por Faure e pelo

sindicalismo revolucionário francês, com o advento da Primeira Guerra Mundial A

Colméia teve que fechar as portas em princípio de 1917.

Francisco Ferrer foi sem dúvida a figura mais proeminente no campo da luta por uma

educação e uma pedagogia libertárias. Por sua perspectiva racionalista e laica, logo

recebeu com a criação da sua Escola Moderna a oposição da igreja. A escola começou

a funcionar em 1904, em Barcelona, depois seu projeto pedagógico ganhou vários

outros pontos da Espanha, chegando até o Brasil. Numa sociedade como a da

Espanha naquela época, modelada psicológica e fisicamente pelo poder de espírito

despótico do ensino clerical da Igreja Católica, criar e dinamizar um projeto educacional

e pedagógico libertário por todas as regiões da Espanha revelavam-se no mínimo um

perigo e uma afronta a todos os poderes instituídos: Estado, burguesia e Igreja. A

Page 12: Tendência progressista libertária1

escola era financiada pelos pais dos alunos e pelos alunos adultos, dependendo da

capacidade financeira de cada um.

Com o fuzilamento de Francisco Ferrer em 1909, em Barcelona, por ordem de Afonso

XIII, a experiência libertária da Escola Moderna sofreu um duro golpe. Mas isso não

impediria que a sua força simbólica no campo das experiências pedagógicas e

educacionais libertárias deixasse saldos para sempre no imaginário coletivo anarquista,

quer na Espanha, quer no resto do mundo.

Alguns impulsos importantes para o desenvolvimento da pedagogia libertária ocorreram

também durante a Revolução Espanhola de 1936. Houve o projeto pedagógico

apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores (CNT) no Congresso de

Saragoza, em maio de 1936.

Era o projeto da Escola Nova Unificada, que não conseguiu se realizar plenamente,

embora na região da Catalunha, onde a CNT exercia certa influência, tenha sido

implantado. A experiência da Escola Nova Unificada se encerrou junto com o epílogo

da Revolução Espanhola em 1939.

De todas as escolas libertárias européias, vale a pena ainda citar a criada por

Alexander Neil, iniciada em 1921, Summerhill (Inglaterra) e as Comunidades Escolares

de Hamburgo, iniciadas em 1919 na Alemanha e, finalmente, o Coletivo Paidéia em

Mérida (Espanha), mais recentemente”.

A Pedagogia Libertária

A educação ocupa um lugar estratégico no pensamento e prática anarquistas enquanto fundamento inerente ao processo de transformação da ordem capitalista e a fundação de uma nova ordem social. A preocupação em formar homens livres e conscientes, capazes de revolucionar a sociedade, é constante na obra dos maiores pensadores anarquistas.[1] Há, na tradição libertária, uma vinculação explícita entre educação e luta política. A educação é um objetivo em si para combater a ignorância e a miséria, e, simultaneamente, instrumento de atuação política e social contra os privilégios, as injustiças e todas as formas de opressão e exploração.[2]

A educação é concebida como parte do processo revolucionário, isto é, os anarquistas não imaginam que apenas através do ato educativo a Revolução tornar-se-á realidade, mas vêem a educação como fundamental. Trata-se, na concepção libertária, de romper o círculo vicioso entre a miséria, a ignorância e o preconceito, e, de formar seres humanos autônomos, críticos, solidários e amantes da liberdade. Os libertários questionam todas as relações de opressão, expressão das relações de dominação que envolvem todas as esferas sociais: família, escola, trabalho, religião etc.

O pensamento pedagógico libertário é crítico às relações de poder presentes no processo educativo e às estruturas que proporcionam as condições para que estas relações se reproduzam. Um dos seus princípios centrais é a rejeição de toda e qualquer forma de autoritarismo. Neste aspecto, a pedagogia libertária oscila entre a não-diretividade e a aceitação de processos educacionais diretivos, isto é, em que se manifeste formas de autoridade não-autoritárias.[3]

Page 13: Tendência progressista libertária1

De qualquer maneira, o questionamento do autoritarismo constitui o âmago da Pedagogia Libertária. Isto significa recusar quaisquer procedimentos que induzam à obediência cega às autoridades e expresse relações opressivas. Na perspectiva bakuninista, trata-se de ensinar a liberdade, o que pressupõe, em determinadas fases do processo educativo, a presença da autoridade. É ela que educa para a liberdade.

O antiautoritarismo não é patrimônio exclusivo da pedagogia inspirada na práxis anarquista. Neste sentido, é preciso considerar outras correntes pedagógicas que centram-se no interesse e experiência do educando.[4] Destacamos, por suas similitudes, a pedagogia libertadora de Paulo Freire[5] e outros educadores críticos que advogam uma pedagogia engajada, radical e crítica em relação aos processos educacionais fundados em bases opressoras e autoritárias.

A Pedagogia Libertária é legatária de um projeto de sociedade fundada na autogestão presente na Associação Internacional dos Trabalhadores (a I Internacional fundada em 1864). A autogestão tanto pode ser assimilada numa perspectiva não-diretiva quando diretiva. Segundo GALLO (1996):

“O que diferencia as duas perspectivas de aplicação da autogestão pedagógica no contexto libertário é que enquanto a primeira toma a autogestão como um meio, a segunda a toma por um fim; em outras palavras, na “tendência não-diretiva” a autogestão é tomada como metodologia de ensino, enquanto que na “tendência mainstream’ [diretiva] ela é assumida como o objetivo da ação pedagógica. Ou, ainda: educa-se pela liberdade ou para a liberdade”. [6]

Os princípios de autogestão e educação integral[7] nortearam várias experiências pedagógicas libertárias: Paul Robin e a organização e direção do orfanato de Cempuis[8]; Sébastien Faure e La ruche (A colméia)[9]; a Escola Moderna Racionalista de Francisco Ferrer, que influenciou os anarquistas brasileiros nas primeiras décadas do século XX[10]; a escola de Yasnaia Poliana, dirigida pelo russo Leon Tolstoi[11]; as práticas libertárias na Espanha, dirigidas pela Confederação Nacional do Trabalho (CNT), etc.

Os primeiros representantes desta pedagogia no Brasil foram os trabalhadores imigrantes — italianos, espanhóis, portugueses, etc. — que, em fins do século XIX, chegavam para trabalhar nas lavouras de café, em substituição à mão-de-obra escrava. Posteriormente, estes imigrantes constituíram uma parcela importante do nascente proletariado urbano brasileiro.[12]

Nas primeiras décadas do século XX, os sindicatos operários tomaram para si a tarefa de criar os espaços necessários para o desenvolvimento desta pedagogia crítica às instituições formais, à educação oficial, laica ou religiosa. Estes espaços alternativos são os centros de estudos sociais, as escolas modernas, as escolas operárias, a universidade popular, etc., onde se desenvolvem experiências fundadas na Pedagogia Libertária, no sentido de formar um novo homem e forjar a nova sociedade.

A Pedagogia Libertária está, portanto, associada ao movimento operário, às primeiras organizações dos trabalhadores, à luta dos trabalhadores, à ação anarquista e anarco-sindicalista contra o Estado, a Igreja e o capitalismo. Sua difusão se dá através da imprensa operária e da ação direta dos libertários. A partir dos anos 20, o ideário comunista, fortalecido pela vitória da Revolução Russa, passa a disputar a hegemonia com os libertários e, pouco a pouco, se imporá enquanto interlocutor dos trabalhadores frente às classes dirigentes. A fundação do Partido Comunista, em 1922, conta com o apoio de anarquistas convertidos ao bolchevismo, como é o caso de Astrogildo Pereira.

A ascensão do movimento comunista, aliado à criação de uma legislação sindical e legalização dos sindicatos durante o governo Vargas, reduz drasticamente a influência do pensamento libertário no movimento operário brasileiro. Evidentemente, a Pedagogia Libertária sofrerá os efeitos desta nova realidade.

Page 14: Tendência progressista libertária1

Neste caso, devemos considerar ainda que, do ponto de vista estritamente pedagógico, esta corrente teve que enfrentar, de um lado, aPedagogia Tradicional (associada às aspirações dos intelectuais ligadas às oligarquias dirigentes e à Igreja); e, por outro lado, a Pedagogia Nova(expressão das mudanças econômicas, políticas e sociais, isto é, a urbanização, industrialização e fortalecimento das classes médias e da burguesia, que buscavam modernizar o Estado e a sociedade brasileira).

A Pedagogia Libertária sobrevive enquanto projeto social vinculado à tradição anarquista. Ela está presente nas iniciativas de autodidatas e militantes vinculados às lutas sociais; nos centros de cultura que sobrevivem aos períodos de repressão política; no campo acadêmico através da atuação docente e produção de intelectuais engajados, que se identificam ou simpatizam com o pensamento acrático; em experiências isoladas, nas salas de aula de escolas de periferia ou em universidades.[13]

As experiências pedagógicas fundadas no pensamento libertário, internacionais ou no Brasil, apresentam características comuns, o fio condutor que possibilita identificar os fatores que orientam a sua práxis. Vejamos, em resumo:

LIBERDADE: Entendida como meio e fim, a liberdade é intrínseca à prática libertária. Não se trata da liberdade em abstrato ou no sentido liberal, mas da Liberdade construída socialmente e conquistada nas lutas sociais.

ANTIAUTORITARISMO: Essencial à prática pedagógica libertária. A idéia chave subjacente a este conceito é que não é possível combater o autoritarismo e a opressão presentes no Estado, família, escola, etc., sem que, concomitantemente, se formem homens livres; e, não se formam homens livres através de métodos autoritários e de controle.

EDUCAÇÃO INTEGRAL: Os educadores libertários não recusam a ciência e o saber especializado, mas advogam que, antes, o processo educativo se concentre na formação plena (dimensões física, intelectual e moral), que não separe o saber do saber fazer, isto é, que não se fundamente na divisão entre ação e pensamento (trabalho braçal e intelectual).

AUTOGESTÃO: A Pedagogia Libertária enfatiza que os recursos no processo educacional devem ser controlados e administrados pelos diretamente envolvidos e pela comunidade. Isto significa superar a dicotomia Estado/Sociedade e colocar a educação sob controle da sociedade/comunidade.

AUTONOMIA DO INDIVÍDUO: O processo educativo pedagógico centra-se no educando, com pleno respeito aos estágios do seu desenvolvimento e o estímulo para que ele tome o próprio destino em suas mãos. O educando não é tratado como objeto (meio), mas enquanto sujeito e fim em si mesmo.

EXEMPLO: A educação libertária pressupõe a busca da coerência entre o falar e o fazer (discurso e ação): os exemplos educam e falam mais do que as palavras; portanto, o educador deve estar sempre aberto a aprender, a se educar, a reconhecer os erros e dar o bom exemplo, a ser coerente em relação aos meios e fins, a teoria e prática; trata-se de, para além de assumir o pensamento anarquista, ter atitude, uma ética e um modo de seranarquistas.

CRÍTICA: O educador libertário é um educador crítico: dos conteúdos, dos programas e instituições oficiais, da sociedade e todas as esferas de reprodução de formas de opressão e, inclusive, de si mesmo.

COMPROMISSO E RESPONSABILIDADE SOCIAL: A Pedagogia Libertária é profundamente engajada, no sentido da crítica às estruturas de dominação e da formação de homens e mulheres capazes de atuarem como críticos e sujeitos ativos pela transformação das suas vidas e do meio social. Nesta perspectiva, não há lugar para a neutralidade da educação e do educador.

Page 15: Tendência progressista libertária1

Uma conseqüência lógica dessa maneira de conceber o processo educativo é o compromisso com os oprimidos, os deserdados.

SOLIDARIEDADE: Uma educação fundada em critérios solidários, de ajuda mútua, que recusa tanto os prêmios quanto os castigos e, portanto, os processos classificatórios (exames, notas, etc.) e as relações de ensino-aprendizagem fundadas em critérios competitivos.[14]

Estes princípios norteiam a atuação do educador libertário.[15] Observemos que vários destes princípios são compartilhados pela Pedagogia Crítica. Vejamos, de maneira resumida, em que consiste esta pedagogia.

 

A Pedagogia Crítica

“A pedagogia crítica ressoa com a sensibilidade do símbolo hebraico tikkun, que significa “curar”, consertar e transformar o mundo; todo o resto é comentário”. Ela fornece a direção histórica, cultural, política e ética para aqueles na educação que ainda ousam acreditar”. (MCLAREN, 1997: 192)

GIROUX (1999: 23), situa as origens da Pedagogia Crítica nos idos de 1976, “quando Samuel Bowles e Herbert Gintis publicaram seu inovador Schooling in Capitalist Society. Eu diria que esse livro, juntamente com algumas obras seminais em sociologia da educação, constitui a base de uma nova linguagem que foi além da tradição crítica radical de Dewey e seus colegas”.[16] Ele observa que “no início a maior parte do trabalho da educação radical dedicou-se à teoria da reprodução”, predominando o discurso marxista.

A Pedagogia Crítica se inspira no trabalho da Escola de Frankfurt.[17] GIROUX (1983), analisa suas implicações para o desenvolvimento da Pedagogia Crítica e nota que os autores frankfurtianos oferecem aportes importantes aos educadores críticos às concepções fundadas na racionalidade positivista:

“... a Escola de Frankfurt oferece uma análise histórica, bem como um arcabouço teórico penetrantes que condenam a cultura do positivismo em seu sentido mais amplo, enquanto, ao mesmo tempo, fornecem “insight” sobre como aquela cultura torna-se incorporada dentro do “ethos” e das práticas escolares. Embora, haja um crescente volume de literatura educacional que é crítica à racionalidade positivistas nas escolas, falta-lhes a sutileza teórica do trabalho de Horkheimer, Adorno e Marcuse”. (GIROUX, 1983: 24)

GIROUX assinala, ainda, que a teoria crítica propicia “um terreno epistemológico valioso sobre o qual se pode desenvolver formas de crítica que esclareçam a interação do social e do pessoal, de um lado, bem como da história e da experiência particular, de outro”. A importância desta dimensão da consciência histórica permite que se desenvolva um novo tipo de conhecimento que leve em conta a dialética das relações entre a cultura dominante e a dominada, isto é, que permita aos oprimidos e deserdados apropriarem-se “das dimensões mais progressistas de suas próprias histórias culturais e também como reestruturar e apropriar-se dos aspectos mais radicais da cultura burguesa”. (Id.: 24-25)

Trata-se de uma concepção crítica que não restringe o conhecimento a si, isto é, o saber não é ingênuo, não está “dado”, mas expressa e é legitimado por interesses inscritos nas relações sociais amplas. Conhecer se vincula a poder. Nesta perspectiva o poder é concebido de maneira dialética: com potencialidades negativas, mas também positivas. Desse modo, para a Pedagogia Crítica as relações sociais no locus da escola e da sociedade em geral não expressam apenas a dominação, mas também possibilidade de resistência e de ação contra-hegemônica. Por isso, o papel dos professores enquantointelectuais públicos e transformadores é fundamental.

A Pedagogia Crítica recusa a tese de que o conhecimento e a escola são neutros e que, portanto, os professores devem ter uma atitude neutra. “A escola é um

Page 16: Tendência progressista libertária1

processo político, não apenas porque contém uma mensagem política ou trata de tópicos políticos de ocasião, mas também porque é produzida e situada em um complexo de relações políticas e sociais das quais não pode ser abstraída”. (GIROUX, 1997: 88) Nas palavras de Paulo FREIRE (1997: 78):

“Não há nem jamais houve prática educativa em espaço-tempo nenhum de tal maneira neutra, comprometida apenas com idéias preponderantemente abstratas e intocáveis. Insistir nisso e convencer ou tentar convencer os incautos de que essa é a verdade é uma prática política indiscutível com que se pretende amaciar a possível rebeldia dos injustiçados. Tão política quanto a outra, a que não esconde, pelo contrário, proclama, sua politicidade”. [18]

Político, aqui, refere-se à compreensão da escola como um espaço passível de desenvolver uma política cultural. “Político, neste sentido, significa possuir os instrumentos cognitivos e intelectuais que permitam uma participação ativa em tal sociedade”, afirma GIROUX. (1997: 87)[19]

Com efeito, a concepção predominante na educação vê os professores como técnicos de alto nível, porém técnicos, transmissores de conteúdos (os especialistas pensam por eles); executores de planos de ensino, leis e projetos definidos pela burocracia e políticos. Nesta concepção, os problemas de cunho pedagógico-político são reduzidos ao caráter administrativo. Em tais condições, os professores terminam por legitimar e reproduzir o status quo.

A Pedagogia Crítica enfatiza a conexão entre valores e fatos; e, concebe a escola como locus não apenas voltado à instrução. Trata-se de politizar a pedagogia:

“Tornar o político mais pedagógico significa utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora; isto é, utilizar formas de pedagogia que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas”. (Id.: 163)

Neste contexto, os professores desempenham, queiram ou não, um papel pedagógico-político. Não há espaço para a neutralidade: esta se constitui em engodo. O mesmo professor que reproduz os valores da cultura dominante e contribui para manter a sua hegemonia, pode desempenhar um papel transformador e contra-hegemônico. Como salienta MCLAREN, no prefácio à obra de GIROUX (1997: XVIII):

“Sem duvida, o professor como intelectual transformador deve estar comprometido com o seguinte: ensino como prática emancipadora; criação de escolas como esferas públicas democráticas, restauração de uma comunidade de valores progressistas compartilhados; e fomentação de um discurso público comum ligado aos imperativos democráticos de igualdade e justiça social”.

A Pedagogia Crítica é, portanto, uma pedagogia engajada, responsável diante dos dilemas sociais. Ela “examina as escolas nos seus contextos históricos e também como parte do tecido social e político existente que caracteriza a sociedade dominante” (MCLAREN, 1997: 191). Por outro lado, incorpora as experiências de vida dos oprimidos, suas histórias e valores.[20]

A Pedagogia Crítica também inclui as contribuições das teorias reprodutivistas (social e cultural). Estas teorias, em oposição às vertentes liberais e funcionalistas, recusam a tese de que a escola é uma instituição neutra, que transmite conhecimentos imparciais capazes de instruir e elevar o nível cultural dos estudantes, gerando possibilidades iguais. A importância dessas teorias reside no fato delas desmistificarem a pretensa função equalizadora da escolarização, isolada da sociedade global, com suas contradições; de mostrarem que a principal função do sistema de ensino é reproduzir os fundamentos da sociedade desigual e injusta, é perpetuar o status quo.[21]

Page 17: Tendência progressista libertária1

A Pedagógica Crítica não constitui um corpo homogêneo de autores e idéias. “É mais correto dizer que os teóricos críticos estão unidos em seus objetivos: fortalecer aqueles sem poder e transformar desigualdades e injustiças sociais existentes”. (MCLAREN, 1997: 192) Embora vinculada à obra de educadores ingleses e americanos, a Pedagogia Crítica é fortemente influenciada pela Pedagogia Libertadora de Paulo Freire.[22] Não se trata, em nenhum dos casos, de transpor mecanicamente teorias do Brasil para a Europa e Estados Unidos, e vice-versa, mas sim de assimilação de conceitos básicos capazes de propiciar a reflexão sobre os problemas educacionais. GIROUX (1997: 145) assinala:

“Freire apropriou-se do legado abandonado de idéias emancipadoras e suas versões de filosofia secular e religiosa encontradas no corpus do pensamento burguês. Ele também integrou de maneira crítica em seu trabalho o legado do pensamento radical sem assimilar muitos dos problemas que historicamente o assolavam. Com efeito, Freire combina o que chamo de “linguagem da crítica” com a “linguagem da possibilidade”.[23]

Também MCLAREN (1997: 328) destaca que a obra freireana “constitui uma importante contribuição para a pedagogia crítica, não somente por seu refinamento teórico, mas por causa do sucesso de Freire em colocar a teoria na prática”.[24]

As citações e referências acima indicam temas e conceitos fundamentais à Pedagogia Crítica. Em resumo:

1. A escola e o processo de aprendizagem são analisados considerando-se os contextos históricos, os vínculos e relações com a sociedade mais ampla, os interesses políticos, econômicos, etc.

2. O processo de aprendizagem não se manifesta e se desenvolve apenas nas instituições formais, as escolas – a sociedade também educa;

3. A escolarização constitui um empreendimento de caráter eminentemente político e cultural e as escolas são concebidas enquanto locus de disputa política cultural.

4. As escolas reproduzem e legitimam as desigualdades sociais, de raça e gênero, mas também constituem espaços de contra-hegemonia.

5. A Pedagogia Crítica enfatiza que a reprodução destas desigualdades também se dá através do currículo oculto, isto é, as “conseqüências não intencionais do processo de escolarização”. (MCLAREN, 1997: 216)[25]

6. Afirma, portanto, que a idéia de que a escolarização promove mobilidade social é um mito amparado no darwinismo social e na ideologiameritocrática da classe média.

7. Isto significa reconhecer que a escolarização se apóia na transmissão de um determinado tipo de conhecimento legitimado pela cultura dominante, o que não apenas dificulta como desconsidera e desvaloriza os valores e habilidades dos estudantes economicamente desfavorecidos.

8. Trata-se, assim, de valorizar o capital cultural dos estudantes, seus conhecimentos e experiências – o educador crítico reconhece a necessidade de conferir poder aos estudantes.

9. Nesta pedagogia a história é uma possibilidade a ser construída e isto exige o resgate da esperança utópica.

10. É uma pedagogia que advoga uma política cultural que leve em consideração as dimensões raciais, de gênero e classe[26], na qual os professores atuem como intelectuais públicos transformadores, isto é, indivíduos que assumem os riscos de uma práxis voltada para a democracia e justiça social, que procuram se amparar em princípios éticos, solidários e na busca da coerência entre discurso e ação.

Page 18: Tendência progressista libertária1

 

Pedagogia Libertária e Pedagogia Crítica: aproximações

Seria um erro afirmar a identificação absoluta entre a Pedagogia Libertária e a Pedagogia Crítica. Parece-nos, entretanto, que é possível identificar algumas características comuns: a crítica à escolarização e à ideologia meritocrática; a crítica ao poder burocrático; reconhecimento do caráter essencialmente político da educação; a perspectiva democrática de conferir poder aos alunos[27] e à comunidade escolar (incluindo os pais); o combate à exclusão e aos mecanismos de exclusão reais e simbólicos (relacionados ao capital cultural); e, a idéia de que o conhecimento não é neutro.[28]

A crítica à função reprodutora da escola é fundamental. Contudo, o efeito negativo desta crítica é o pessimismo pedagógico, fundado num certo determinismo: a escola seria, por natureza, conservadora. Os educadores críticos ressaltam, contra esta concepção, que a redução da escola a meroaparelho ideológico do capital anula o discurso de possibilidade e esperança. Não obstante, eles incorporam esta análise.[29] É preciso salientar que asteorias reprodutivistas[30] cumprem um papel fundamental, na medida em que libertam a pedagogia do espaço meramente escolar, relacionando escola/educação com os aspectos políticos, econômicos e sociais da sociedade: a escola não se explica por si. Outra contribuição importante é a demonstração dos fatores culturais que a escola incorpora e reproduz.

A dinâmica no interior da escola está vinculada ao processo social geral. Assim, em determinadas conjunturas históricas, os professores podem desempenhar um papel transformador mais intenso e explícito; e, mesmo em conjunturas desfavoráveis, eles podem atuar como agentes da contra-hegemonia, enquanto intelectuais transformadores.[31] As próprias circunstâncias em que desempenham seu trabalho educativo levam-nos a refletir sobre a prática docente, as relações a que estão submetidos, o processo de proletarização e pauperização, sobre o que se espera deles, etc. Isto supõe compreender a escola não apenas como locus da reprodução, mas também como locus de possibilidades; significa reconhecer que os indivíduos têm escolhas a serem feitas, que podem agir também no sentido de mudar a realidade que os cercam. O mesmo espaço que produz comportamentos conformistas e conservadores, também produz a contestação. Dessa forma, o mesmo movimento que reforça o papel do professor e da educação enquanto reprodutores da ordem social vigente, “cria condições para a emergência de uma pedagogia antiburocrática”. (TRAGTENBERG, 1980: 57)

Se absolutizarmos a crítica à escola formal e reduzirmos o campo de ação docente ao espaço escolar, então, corremos o risco de restringi-la apenas à função reprodutora da sociedade de classes e, conseqüentemente, de não vermos as suas potencialidades.[32] Ora, a Pedagogia Libertária é uma aposta no futuro que se constrói no presente, a partir das escolhas humanas e dos gestos mais simples em todas as esferas da sociedade. É também umapedagogia de possibilidades, de esperança, pois encerra em si a utopia de um mundo diferente e melhor. A Pedagogia Crítica enfatiza o papel transformador que o professor pode cumprir enquanto intelectual. Isto pressupõe não apenas que os professores se engajem, mas que atuem em todos os espaços possíveis.

Os educadores libertários e críticos centram-se nos interesses destes. Eles recusam as práticas autoritárias e reconhecem que o educador também precisa ser educado; que a relação com o conhecimento não é uma relação meramente objetiva – na medida em que envolve as subjetividades do professor/aluno. Contudo, numa perspectiva pedagógica diretiva, o professor também admite que ele não é igual ao aluno: sua autoridade moral é dada pelo reconhecimento dos alunos. Estes, ao legitimarem a autoridade docente, reconhecem-no como um diferente – ainda que possam idealizá-lo como um igual, ou uma espécie de irmão mais velho ou a representação paterna. A relação educativa é, necessariamente, uma relação entre desiguais. Porém, o educador libertário e crítico estimula a autonomia do educando, ensina a liberdade com responsabilidade; sua autoridade não sufoca a liberdade do educando; sua atitude é de humildade e expressa o esforço em aceitar

Page 19: Tendência progressista libertária1

os alunos como agentes ativos, cujo capital cultural e subjetividade precisam ser respeitados.

As pedagogias libertária e crítica respeitam a linguagem e o saber do educando, isto é, o capital cultural que este traz para o espaço da educação formal. Não obstante, esta atitude nega a postura paternalista ou piegas[33] e supõe que se trabalhe para que os estudantes tenham condições de, a partir da sua própria linguagem, apreenderem o discurso legitimado pela cultura dominante; o contrário é reforçar a submissão e os aspectos que contribuem para a reprodução das desigualdades. Trata-se de desvelar o currículo oculto.

A Pedagogia Crítica parte da realidade dos educandos e toma os seus problemas e necessidades como ponto de partida. Os educadores críticos salientam “que qualquer prática pedagógica verdadeira exige um compromisso com a transformação social, em solidariedade com grupos subordinados e marginalizados. Isto transmite, necessariamente, uma opção preferencial pelo pobre e pela eliminação das condições que geram sofrimento humano”. (MCLAREN: 1997: 194)

 

Concluindo...

Parece-nos que é possível estabelecer aproximações entre as teorias que fundamentam a Pedagogia Crítica e os princípios que tradicionalmente caracterizam a Pedagogia Libertária. Com isso, não queremos afirmar que as especificidades de cada pedagogia se anulam ou que se sobrepõem uma à outra. Pelo contrário, há diferenças substanciais, como por exemplo, a inspiração cristã da Teologia da Libertação presente nas formulações de Paulo Freire, cuja obra, como salientamos, influi decisivamente sobre os educadores críticos; outra diferença fundamental é a ênfase da Pedagogia Libertária na autogestão, em especial nas suas interpretações pedagógicas não-diretivas. Os fundamentos filosóficos, as origens, evolução, etc., são diferenciados.

Contudo, tanto a Pedagogia Libertária quando a Pedagogia Crítica têm preocupações comuns com os deserdados e excluídos, tratam de temas comuns e oferecem um amplo leque de princípios norteadores para as práticas educativas. É possível, até mesmo, vislumbrar aproximações no que diz respeito à defesa da autogestão, em especial se considerarmos a contribuição teórica de Paulo Freire e a sua postura pela democratização da escola num sentido radical, isto é, envolvendo professores, alunos e funcionários nas decisões sobre os rumos da educação. Dessa maneira, é possível verificar similitudes, por exemplo, entre a pedagogia do oprimido e da esperança freireana e aspectos libertários, particularmente, em sua versão anarco-cristã tolstoiana.

Pedagogia libertáriaOrigem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Anarquismo

Vertentes [Expandir]

História [Expandir]

Page 20: Tendência progressista libertária1

Conceitos [Expandir]

Estratégias[Expandir]

Por região[Expandir]

Tópicos [Expandir]

Listas[Expandir]

Relacionados[Expandir]

Portal • Categoria

v • e

Podem-se definir três grupos de entendimento da educação na sociedade: educação como

redenção, educação como reprodução e educação como transformação. A pedagogia

libertária, assim como as demais pedagogias progressistas, segue a tendência filosófico-

política da educação como transformação da sociedade.

A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação

na personalidade dos alunos, num sentido libertário e autogestionário em que ela o institui,

com base na participação dos grupos, mecanismos institucionais de mudança, através de

assembléias, conselhos, eleições, reuniões e associações.

Índice

  [esconder] 

1   Pedagogia Libertária e as Matérias Escolares

2   Pedagogia Libertária e o Papel do Professor e do Grupo

3   Pedagogia Libertária e a Avaliação

4   Pedagogia Libertária e o Anarquismo

5   Principais Expoentes

6   Escolas Célebres

7   Ver também

Page 21: Tendência progressista libertária1

Pedagogia Libertária e as Matérias Escolares[editar | editar código-fonte]

As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um

instrumento a mais, porque o que realmente é importante para a pedagogia libertária é o

conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo. O método de ensino,

portanto, dá-se na vivência grupal, é na forma de autogestão que os alunos buscarão

encontrar as bases mais satisfatórias de sua própria aprendizagem, sem qualquer forma

de poder. Trata-se de colocar nas mãos do aluno tudo que for possível. Os alunos têm

liberdade de trabalhar ou não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas

necessidades ou das do grupo.

Pedagogia Libertária e o Papel do Professor e do Grupo[editar | editar código-fonte]

A pedagogia libertária considera desde o início a ineficácia e a nocividade de todos os

métodos à base de obrigações e ameaças. Nesse sentido, o professor deve se por a

serviço do aluno sem impor suas concepções e idéias, sem fazer do aluno um "objeto", ele

deve se misturar ao grupo para uma reflexão em comum.

Toda essa liberdade de decisão tem um sentido bem claro. Se um aluno resolve não

participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem responsabilidade sobre

esse fato e tem que colocar a questão em discussão.

Pedagogia Libertária e a Avaliação[editar | editar código-

fonte]

O critério de relevância do saber é seu possível uso prático. Por isso mesmo não faz

sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos não em termos de

conteúdo.

Pedagogia Libertária e o Anarquismo[editar | editar

código-fonte]

A pedagogia libertária abrange quase todas as tendência anti-autoritárias em educação,

dentre elas a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos e também a dos professores

progressistas.

Page 22: Tendência progressista libertária1

Principais Expoentes[editar | editar código-fonte]

Neill e Rogers são grandes influenciadores de libertários como Lobrot. Particularmente

significativo é o trabalho de Célestin Freinet, que tem sido muito estudado, existindo

muitas escolas no Brasil que aplicam seu método.

Escolas Célebres[editar | editar código-fonte]

"Paideia" Escola Livre

Orfanato Cempuis  (1880 - 1894), de Paul Robin

O movimento das Escolas Modernas (1901 - 1953), iniciado por Francesc Ferrer y

Guàrdia

A Colméia  (1904 - 1917), de Sébastien Faure

Summerhill  (1921 - atual), de A.S. Neill

Existem três grupos de entendimento da educação na sociedade: educação

como redenção, educação como reprodução e educação como transformação. A

pedagogia libertária, assim como as demais pedagogias progressistas, segue a

tendência filosófico-política da educação como transformação da sociedade.

A pedagogia libertária espera que a escola exerça uma transformação na

personalidade dos alunos, num sentido libertário e autogestionário (a escola

institui, com base na participação dos grupos, mecanismos institucionais de

mudança, através de assembleias, conselhos, eleições, reuniões e associações.

Pedagogia Libertária e as Matérias Escolares

As matérias são colocadas à disposição do aluno, mas não são exigidas. São um

instrumento a mais, porque o que realmente é importante para a pedagogia

libertária é o conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo. O

método de ensino, portanto, dá-se na vivência grupal, é na forma de

autogestão que os alunos buscarão encontrar as bases mais satisfatórias de sua

própria aprendizagem, sem qualquer forma de poder. Trata-se de colocar nas

mãos do aluno tudo que for possível. Os alunos têm liberdade de trabalhar ou

não, ficando o interesse pedagógico na dependência de suas necessidades ou

das do grupo.

Pedagogia Libertária e o Papel do Professor e do Grupo

Page 23: Tendência progressista libertária1

A pedagogia libertária considera desde o início a ineficácia e a nocividade de

todos os métodos à base de obrigações e ameaças. Nesse sentido, o professor

deve se por a serviço do aluno sem impor suas concepções e idéias, sem fazer

do aluno um “objeto”, ele deve se misturar ao grupo para uma reflexão em

comum.

Toda essa liberdade de decisão tem um sentido bem claro. Se um aluno resolve

não participar, o faz porque não se sente integrado, mas o grupo tem

responsabilidade sobre esse fato e tem que colocar a questão em discussão.

Pedagogia Libertária e a Avaliação

O critério de relevância do saber é seu possível uso prático. Por isso mesmo não

faz sentido qualquer tentativa de avaliação da aprendizagem, ao menos não em

termos de conteúdo.

Pedagogia Libertária e o Anarquismo

Pedagogia libertária Anarquismo

A pedagogia libertária abrange quase todas as tendência anti-autoritárias em

educação, dentre elas a anarquista, a psicanalista, a dos sociólogos e também a

dos professores progressistas.

Principais Expoentes

Page 24: Tendência progressista libertária1

Neil e Rogers são grandes influenciadores de libertários como Lobrot.

Particularmente significativo é o trabalho de Célestin Freinet, que tem sido

muito estudado, existindo muitas escolas no Brasil que aplicam seu método.

Escolas Célebres

“Paideia” Escola Livre

Orfanato Cempuis (1880 – 1894), de Paul Robin

O movimento das Escolas Modernas (1901 – 1953), iniciado por Francesc Ferrer

y Guàrdia

A Colméia (1904 – 1917), de Sébastien Faure

Summerhill (1921 – atual), de A.S. Neill

As experiências pedagógicas fundadas no pensamento libertário, internacionais

ou no Brasil, apresentam características comuns, o fio condutor que possibilita

identificar os fatores que orientam a sua práxis. Vejamos, em resumo:

LIBERDADE: Entendida como meio e fim, a liberdade é intrínseca à prática

libertária. Não se trata da liberdade em abstrato ou no sentido liberal, mas da

Liberdade construída socialmente e conquistada nas lutas sociais.

ANTIAUTORITARISMO: Essencial à prática pedagógica libertária. A idéia

chave subjacente a este conceito é que não é possível combater o autoritarismo

e a opressão presentes no Estado, família, escola, etc., sem que,

concomitantemente, se formem homens livres; e, não se formam homens livres

através de métodos autoritários e de controle.

EDUCAÇÃO INTEGRAL: Os educadores libertários não recusam a ciência e o

saber especializado, mas advogam que, antes, o processo educativo se

concentre na formação plena (dimensões física, intelectual e moral), que não

separe o saber do saber fazer, isto é, que não se fundamente na divisão entre

ação e pensamento (trabalho braçal e intelectual).

AUTOGESTÃO: A Pedagogia Libertária enfatiza que os recursos no processo

educacional devem ser controlados e administrados pelos diretamente

envolvidos e pela comunidade. Isto significa superar a dicotomia

Estado/Sociedade e colocar a educação sob controle da sociedade/comunidade.

AUTONOMIA DO INDIVÍDUO: O processo educativo pedagógico centra-se no

educando, com pleno respeito aos estágios do seu desenvolvimento e o

estímulo para que ele tome o próprio destino em suas mãos. O educando não é

tratado como objeto (meio), mas enquanto sujeito e fim em si mesmo.

EXEMPLO: A educação libertária pressupõe a busca da coerência entre o falar

e o fazer (discurso e ação): os exemplos educam e falam mais do que as

palavras; portanto, o educador deve estar sempre aberto a aprender, a se

educar, a reconhecer os erros e dar o bom exemplo, a ser coerente em relação

Page 25: Tendência progressista libertária1

aos meios e fins, a teoria e prática; trata-se de, para além de assumir o

pensamento anarquista, ter atitude, uma ética e um modo de ser anarquistas.

CRÍTICA: O educador libertário é um educador crítico: dos conteúdos, dos

programas e instituições oficiais, da sociedade e todas as esferas de

reprodução de formas de opressão e, inclusive, de si mesmo.

COMPROMISSO E RESPONSABILIDADE SOCIAL: A Pedagogia Libertária é

profundamente engajada, no sentido da crítica às estruturas de dominação e da

formação de homens e mulheres capazes de atuarem como críticos e sujeitos

ativos pela transformação das suas vidas e do meio social. Nesta perspectiva,

não há lugar para a neutralidade da educação e do educador. Uma

conseqüência lógica dessa maneira de conceber o processo educativo é o

compromisso com os oprimidos, os deserdados.

SOLIDARIEDADE: Uma educação fundada em critérios solidários, de ajuda

mútua, que recusa tanto os prêmios quanto os castigos e, portanto, os

processos classificatórios (exames, notas, etc.) e as relações de ensino-

aprendizagem fundadas em critérios competitivos.

William GODWIN (1756-1836) é considerado pioneiro. Ele advogou que o

aprendizado é determinado pela “vontade”, pelo interesse do aluno. “A melhor

motivação para aprender é a percepção do valor da coisa aprendida. A pior,

mesmo que não seja necessário decidir se devemos ou não recorrer a ela, será

a coerção e o medo”, escreveu. (In: WOODCOCK, 1986: 251)

A frase de KROPOTKIN, inscrita nos periódicos anarquistas no período da

Primeira República, sintetiza como os libertários vinculam educação e política:

“Nossa missão é semear o bem, difundir a luz por meio da instrução livre de

todos os preconceitos da rotina, criar corações que odeiem a tirania e que

desde a infância maldigam os exploradores”. (Citado in GHIRALDELLI JR., 1987:

104)

MORIYÓN (1989: 18-19) nota este aspecto: “Alguns, possivelmente a maioria,

querem ser radicais até o final e não admitem desviar um mínimo que seja do

respeito inicial concedido à criança; por isso mesmo insistirão no fato de que à

criança não se deve impor absolutamente nada, que se tem que deixar que

cresçam nelas os seus próprios interesses e opções sociais, inclusive correndo o

risco de que essas opções sejam contrárias ao processo ideário libertário.

Outros não pretendem chegar a tanto e concebem a educação antiautoritária

como um processo no qual se fomenta o espírito de rebelião nas crianças e se

lhes ensina a enfrentar o sistema social injusto em que nasceram, correndo

inclusive o risco de serem acusados de doutrinar mais do que educar as

crianças”.

GADOTTI (2001) resgata esta discussão e relata a experiência autogestionária

que viveu, entre 1974-1977, na Universidade de Genebra.

Page 26: Tendência progressista libertária1

São tendências pedagógicas liberais, progressistas e não-diretivas fundadas em

teorias desenvolvidas por autores como: John Dewey. Michel Lobrot, Celestin

Freinet, C. Rogers, A. Neill e Piaget.

“Paulo Freire foi um educador que se aproximou muito da concepção

de Godwin sobre educação. Ele não acreditava em revoluções radicais e

sangrentas como Bakunin. Concordava, ao seu modo, com a afirmação

de Proudhon que a propriedade é um roubo. Deixava-se perpassar pelas

inquietações de um adolescente como La Boétie mesmo aos setenta e alguns

anos. Foi, em suma, um educador desejoso por conversas que prezassem a

liberdade como valor mais precioso”, afirma PASSETTI. (1998: 11-12) Mais

adiante, ele reafirma: “Paulo não foi um anarquista no sentido amplo das ações,

mas criou com sua obra um legado libertário que deve ser lido e experimentado

por um anarquista livre de preconceitos e sabedor dos impactos históricos de

cada época sobre os indivíduos”. (Id.). E mais: “No período compreendido entre

o final dos anos 60 até sua morte, Paulo Freire construiu uma obra

antiautoritária, em muitos pontos libertária, aproximando-se, por diversas

vezes, do anarquismo cristão dos escritores Ernesto Sabato e Leon Tolstoi”. (Id.:

22)

Embora a autogestão seja um dos elementos centrais da Pedagogia Libertária,

esta não é a única a levá-la em conta. Como esclarece GALLO (1996): “Ao ser

anti-autoritária por definição, a educação anarquista sempre teve na

autogestão pedagógica seu foco central, implícita ou explicitamente. Não foi

apenas o anarquismo, porém, que assumiu a tendência autogestionária na

educação; a autogestão cabe a múltiplas interpretações políticas, do

anarquismo mais radical até o liberalismo laissez-faire mais reacionário. Assim,

muitas tendências pedagógicas acabaram por assumir práticas total ou

parcialmente ligadas ao princípio da autogestão, seja de forma consciente, seja

na sutil inocência – ou ignorância – que tudo permite. A autogestão está

presente, pois, de Cempuis a Summerhill, do racionalismo pedagógico de Ferrer

Page 27: Tendência progressista libertária1

i Guàrdia ao “escolanovismo” mais liberal, da pedagogia institucional às

técnicas de Freinet”. Este texto também foi publicado

in:http://www.hipernet.ufsc.br/foruns/autonomia/pedago/gallo/princ.htm;

acessado em 28.09.2003.

“O ensino deve ser igual para todos em todos os graus, por conseguinte deve

ser integral, quer dizer, deve preparar cada criança de ambos os sexos tanto

para a vida do pensamento como para o do trabalho, a fim de que todos

possam igualmente tornar-se homens completos”, afirma BAKUNIN. (Ver: “A

educação integral”, in: MORIYÓN, 1989: 34-49; a citação é da página 43).

“Podemos considerar o pedagogo Paul Robin (1837-1912) como o principal

nome da pedagogia libertária no século dezenove, por ter sido o primeiro a

conseguir trabalhar, na prática, as diversas questões educacionais e teóricas

que vinham sendo discutidas nos meios socialistas”, enfatiza GALLO (1995b:

87) GALLO analisa esta “primeira experiência prática de educação integral”,

que durou 14 anos. (Id.: 91). Ver também: “A educação integral”, de Paul Robin

(In: MORIYÓN, 1989: 88-109).

La ruche, “obra de solidariedade e educação”, se apóia na teoria de Piotr

Kropotkin (1842-1921) e foi implementada na França, entre os anos 1904-1917.

Kropotkin, em oposição ao darwinismo, parte do pressuposto de sobrevivência

humana depende da cooperação, solidariedade e ajuda mútua.

Ferrer, a rigor, não foi anarquista, mas sua pedagogia compartilha da tradição

vinculada à ilustração – a razão, o espírito da ciência, contra o obscurantismo

da ignorância que alimenta o preconceito e a miséria. Profundamente

racionalista e antiautoritária, a pedagogia de Ferrer bebe em fontes do

pensamento positivista, proporcionando uma simbiose interessante com o

pensamento anarquista.

MORIYÓN (1989: 19), observa que o escritor russo, a exemplo de Ferrer, “não

pode ser considerado propriamente um anarquista”. Suas concepções religiosas

o afastavam do anarquismo; mas, pedagogicamente, “seus conceitos

coincidiam substancialmente com a tradição pedagógica anarquista”. MORIYÓN

enfatiza: “A Escola de Yasnaia Poliana era tão radical e inovadora como a de

Robin e Faure e, inclusive, superava-as na aceitação até as últimas

conseqüências da liberdade das crianças, pois na sua escola nada era

obrigatório, nem horários, nem programas e nem normas disciplinares”.

Observe-se, no entanto, a tendência persistente presente na historiografia

sobre o movimento operário brasileiro em omitir a questão racial, reproduzindo

uma concepção branca e eurocêntrica, ao não pesquisar ou a atenuar a

presença negra nos movimentos políticos do início do século XX.

Algumas destas experiências são relatadas em LUENGO [et al] (2000). A obra

de GALLO (1995a e 1995b), também se insere nas iniciativas de reintroduzir a

Page 28: Tendência progressista libertária1

pedagogia libertária no contexto das práticas e teorias educacionais atuais,

como um paradigma a ser considerado e respeitado.

O projeto libertário objetiva a construção de uma sociedade solidária: “A

solidariedade é a chave de todo o projeto anarquista que, é lógico, também se

transforma em eixo do seu projeto pedagógico. Trata-se de ir além dos ideais

de fraternidade universal que haviam sido colocados em destaque pelos seus

antecessores ilustrados, mas que rapidamente caíram em desuso pela dinâmica

própria das sociedades burguesas e do modelo capitalista imposto por todo

lado”. MORIYÓN (1989: 26)

A pedagogia libertária: um resgate histórico

 

 

Profa. Dra. Maria Aparecida Macedo Pascal1

 

 

RESUMO

Este trabalho analisa a entrada no Brasil de imigrantes europeus em fins do século XIX como solução para a questão do trabalho. Discute o projeto da elite paulista de criar um modelo civilizatório e uma cidade branca e européia e as resistências encontradas a esta proposta pelos trabalhadores nacionais e imigrantes. Verifica-se a presença desta força de trabalho constituída 90% de estrangeiros, muitos deles portadores de uma visão libertária e de transformação da sociedade. Neste contexto, analisa-se a pedagogia libertária, a educação integral e as experiências escolares criadas na Europa.No Brasil, avalia-se a preocupação libertária com analfabetismo e a criação das escolas modernas nos bairros do Belenzinho e Brás. Discutem-se os métodos adotados, os educadores que se destacaram, dentre eles: João Penteado e Florentino de Carvalho. O trabalho busca recuperar a pedagogia libertária que tinha como projeto reabilitar a humanidade para uma vida coletiva, preservando a igualdade de gênero, garantindo o espírito crítico, abrindo caminho para a transformação social,constituindo-se assim nas raízes da pedagogia social no limiar do século XX.

Palavras-chave: imigração; pedagogia libertária; educação integral; João Penteado; História da Educação.

 

Page 29: Tendência progressista libertária1

 

A Pedagogia Libertária: um resgate histórico

As grandes desigualdades econômicas impostas pelo capitalismo industrial, levaram muitos pensadores a propor novas formas de organização e práticas de justiça social. Os idealistas do século XIX e início do século XX, pensavam em melhorar o bem estar da sociedade por meios coletivistas e conquistar o máximo de liberdade para o individuo.2

Este dilema coletivismo e individualismo, recebeu especial atenção dos anarquistas. Seus adeptos condenavam todo o governo baseado na força e consideravam o Estado coercitivo como incompatível com a liberdade humana.

A expressão Anarchos vem do grego e significa sem governante. Fato que pode ser entendido como ausência de governo ou que esta ausência seja desnecessária à preservação da ordem.3

O pai do anarquismo foi o inglês Willian Godwin (1756-1836). Neste sentido as teorias de Godwin, Kropotkin, Tolstoi e Max Stiner não tiveram jamais o objetivo de estabelecer o caos, mas os estereótipos desenvolvidos sobre os anarquistas se encarregaram de dar este significado.

Durante a Revolução Francesa, a expressão anarquia era usada de forma negativa, até como insulto por elementos de vários partidos, para difamar seus oponentes.

O girondino Brissot, em 1793, o utilizava contra os jacobinos. O Diretório também o utilizou contra os adeptos de Robespiérre. Nos dois contextos anarquia significava, condenação e crítica.

Proudhon em seu livro O que é a propriedade, dava a palavra anarquia um sentido positivo, referindo-se ao equilíbrio que atuando no interior da sociedade, repudiaria o autoritarismo.

Seus discípulos após o rompimento com Marx, passaram a denominar-se anarquistas. A associação do anarquismo ao Niilismo e a violência não é verdadeira. Tolstoi, Kropotkin e Godwin eram pacifistas e mesmo Bakunin que a aceitava, tinha momentos de dúvida, vendo os resultados da violência.

Bakunin e Kropotkin foram sem dúvida grandes expressões desse pensamento. Homens muito diferentes, embora ambos fossem russos e aristocratas ricos.

 

Anarquistas e o Brasil

Em fins do século XIX, a entrada de imigrantes europeus era vista como uma solução para a questão do trabalho, já que com a extinção do tráfico do tráfico em 1850, a Abolição da escravatura era uma questão inevitável. A idéia da elite paulista era de criar uma cidade branca, com um modelo civilizatório europeu. O imaginário dessa classe social e suas ações favoreciam a política imigratória tendo em vista a expansão da economia cafeeira.

Na Europa, as condições econômicas e políticas contribuíram para o processo de emigração: guerras, unificações, crises econômicas. A propaganda do governo

Page 30: Tendência progressista libertária1

brasileiro no exterior atraia para o Brasil esses imigrantes, que viam em nosso país, a terra das oportunidades.

Vinham alemães, austríacos, poloneses e uma grande maioria de italianos, portugueses e espanhóis (...) Entre 1884 e 1903, o Brasil recebeu mais de um milhão de italianos, número superior ao conjunto de todos os outros imigrantes dos demais países no mesmo período.4

No início do século XX 90% da força de trabalho em São Paulo era formada por estrangeiros. Portadores de um projeto de transformação da sociedade, os estrangeiros libertários, que aqui chegaram, encontraram forte resistência das elites, que com o apoio do Estado, polícia e leis, pretendiam impor uma disciplina baseada nos valores burgueses e mecanismos de controle e vigilância, dentro e fora das fábricas.

Evidentemente, nem tudo se passa como se imagina para realizar estas utopias reformadoras, as classes dominantes enfrentam resistências tenazes de trabalhadores que preservam suas tradições, sistemas de valores e costumes(...) E além disso, que progressivamente aderem às bandeiras de luta levantadas pelos anarquistas e anarco-sindicalistas(...)5

O anarquismo que veio para o Brasil era inspirado nas idéias de Bakunin e sua influência após o rompimento com Marx, era muito forte na península Ibérica e Itália. De lá vieram Erico Malatesta e Oreste Ristori, exilados na Argentina tomaram o destino de São Paulo, aqui fundando o jornal La Battaglia em 1904.

O anarquismo entendia que a propaganda através dos jornais, das revistas, do teatro e das escolas libertárias, era a forma de exercer a ação direta, ou seja a construção de outra sociedade pela própria população, pelas massas que tomariam consciência da realidade social.

Ristori era considerado um grande difusor das idéias libertárias do Brasil, realizou inúmeras palestras, falando na porta das fábricas e fazendas e salões operários. Comparava a situação brasileira com a Europa, nas cidades, o contexto era quase igual (salários e jornada) e nas fazendas terrivelmente pior do que no continente europeu. Gigi Damiani foi grande colaborador de Ristori em La Battaglia. Chegara ao Brasil em 1899, passou pela Colônia Cecília sendo preso pelas idéias anarquistas. Ao sair da prisão morou no Paraná e com a ajuda de companheiros que falavam português, fundou o jornal O Direito, em Curitiba. Em São Paulo, trabalhou com cenários de teatro e colaborando no jornal de Ristori.

Everardo Dias e Florentino de Carvalho, eram imigrantes espanhóis, ainda crianças quando aqui chegaram. Com Ristori, Everardo dirigiu o Livre Pensador, um periódico publicado em 1902. Florentino foi estivador e tipógrafo em Santos, chamada na época, a Barcelona do Brasil. Tornou-se líder sindical e passou a ser perseguido pela polícia. Autodidata, ensinava os operários em seu tempo livre.

Dentre os libertários portugueses destaca-se Neno Vasco, formado em Direito pela Universidade de Coimbra, de família abastada, colaborava em vários jornais operários dentre eles: Terra Livre, que dirigiu com Edgard Leuenroth, publicado em São Paulo e Rio de Janeiro entre 1905 e 1910.

Outro importante jornal anarquista foi A Lanterna cujo diretor Benjamim Mota contava como colaboradores com Ristori, Everardo Dias e Neno Vasco. Edgard Leuenroth o dirigiu entre 1909 e 1916; era tipógrafo, filho de imigrantes alemães foi bibliotecário da União dos Trabalhadores Gráficos.

Page 31: Tendência progressista libertária1

Dentre os grandes intelectuais filiados ao movimento libertário menciona-se José Oiticica, professor do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. Lingüista, filólogo, escritor e jornalista, colaborador do jornal A Lanterna, figura humana inconfundível na defesa dos trabalhadores.

Martins Fontes, médico e poeta, anarquista, ajudou a fundar a Universidade Popular de Ensino em 1904 no Rio de Janeiro, com Fábio Luz, também médico e Rocha Pombo, historiador. Outro aspecto relevante da ação anarquista no Brasil foi a pedagogia libertária.

 

Pedagogia Libertária

A memória da Pedagogia Libertária no Brasil foi sempre deficiente de registros e documentos, até para proteger os militantes, num período de intensa repressão. A pedagogia oficial muitas vezes em função da oposição às idéias anarquistas deixou no esquecimento esta importante contribuição. Por sua vez, como os libertários opunham-se tanto as formas de produção capitalistas como ao comunismo autoritário, contestando a existência do próprio Estado, e propondo a autogestão. A pedagogia libertária neste contexto tinha enorme importância já que contribuía para a consciência e emancipação da classe trabalhadora.

A construção de uma nova sociedade apoiava-se em grande parte nas idéias de uma educação nova, feita em outras bases e valores, tais como o respeito à liberdade, à individualidade e sobretudo à criança.

A pedagogia anarquista denunciava a escola oficial como reprodutora dos interesses da Igreja e do Estado enquanto promovia uma renovação dos métodos e valores.

Educar é tornar o homem mais capaz possível de aproveitar, do melhor modo, as energias física, mental, moral, prática e social. Educação física é o cultivo da robustez não da força, da saúde, da agilidade. Educação mental é a formação da inteligência, seu desenvolvimento racional e harmônico, erudição, cultura, arte.6

O respeito à liberdade nas escolas anarquistas estava configurado nas salas de aulas para ambos os sexos, aberta a todas as classes sociais e ensino racional e integral. Nesta época, isto representava uma contestação à educação do período, baseada em preconceitos, estereótipos e dogmas.

Durante a Comuna de Paris, as propostas libertárias no campo da educação ganharam enorme expressão.

Herdadas das idéias de Proudhon e Blanqui, entre outros , representavam um momento importante na luta pela laicização do ensino, processo iniciado um século antes pela Revolução Francesa e que interessava ao proletariado ampliar.7

O precursor da pedagogia libertária foi o francês Paul Robin. Entre 1880 e 1894, Robin sistematizou suas teses nos congressos da Associação Internacional dos Trabalhadores. No Orfanato Prévost, situado nos arredores de Paris, Robin iniciou a aplicação de seus princípios de educação integral. Considerava que a educação compreendia a formação intelectual e a construção dos próprios saberes a partir das experiências.

A educação física era nesta metodologia uma proposta que não visava a competição, mas a solidariedade. A educação manual se desdobrava numa

Page 32: Tendência progressista libertária1

politecnia e a educação moral se configurava numa preparação para a vida em liberdade, a partir dos relacionamentos entre professores, funcionários e educandos.

Educação moral é o cultivo da vontade, sua direção na realização do bem estar comum. Educação prática é o treino da habilidade técnica ou vocação profissional. Educação social é o aperfeiçoamento da solidariedade como multiplicador de energias.8

Em Barcelona, o professor catalão Ferrer i Guardiã criou a Escola Moderna no período compreendido entre 1901 e 1905. Ferrer desenvolveu o método racional, enfatizando as ciências naturais com certa influência positivista, privilegiando a educação integral. Propõe uma metodologia baseada na cooperação e respeito mútuo. Sua escola deveria ser freqüentada por crianças de ambos os sexos para desfrutarem de uma relação de igualdade desde cedo.

A concepção burguesa de castigos, repressão, submissão e obediência, deveria ser substituída pela teoria libertária, de formação do novo homem e da nova mulher. Ferrer considerava que o cientificismo não era um saber neutro. Aqueles que tem o poder se esforçam por legitimá-lo através de teses científicas.

Em 1909, Ferrer foi preso e condenado ao fuzilamento pelo governo monárquico espanhol. Posteriormente, com a ascensão do fascismo na Espanha em 1939, as escolas criadas por Ferrer foram fechadas. Contudo, suas idéias levaram à criação de outras escolas nas Américas e sobretudo no Brasil.9

Com a morte de Ferrer em 1909 na Espanha, os anarquistas brasileiros criaram o Comitê pró Escola-Moderna com o objetivo de incentivar o mesmo modelo de escola em nosso país. A preocupação dos libertários com o analfabetismo no movimento operário era grande. O jornal O amigo do povo declarava: "É necessário que o povo saiba, aprenda [...] Por isso nós queremos ensinar, principiar no presente a construção do futuro [...] Não há liberdade possível onde está a ignorância, onde assenta o fanatismo, onde se crê em fantasmas, onde reside a torpeza."10

Em 1895, surge no Rio Grande do Sul, a Escola União Operária. Na cidade de São Paulo foram criadas duas escolas modernas. A primeira, em 1912 para ambos os sexos, organizada pelo Prof. João Penteado e situada na Rua Saldanha Marinho. A segunda, no Brás, na Rua Muller. Ambas as experiências tiveram curta duração pela pressão dos setores conservadores. Na construção dessa pedagogia libertária tiveram importante papel João Penteado e outros intelectuais, dentre eles: Adelino de Pinho e Florentino de Carvalho.

Penteado defendia a igualdade de todos livres sobre a terra livre, visão que ia de encontro ao objetivo da escola racionalista, ou seja reabilitar a humanidade para a vida em harmonia e fraternidade.11

No Brasil, as escolas de educação libertária além de contestarem a pedagogia tradicional, constituíam-se numa das poucas opções de educação da classe trabalhadora, tendo em vista a omissão do Estado neste aspecto.

A educação de adultos e o ensino profissional eram atendidas também pelas escolas libertárias.

Os Centros de Cultura Social realizavam cursos, palestras aos domingos e à noite, para atender os trabalhadores. Os jornais eram utilizados em sala de aula, servindo para divulgar as idéias libertárias e conhecer as experiências educacionais desta linha em outros paises.

Page 33: Tendência progressista libertária1

Nas oficinas a imprensa era uma das possibilidades de profissionalização, tendo como objetivo de todo educando, a educação integral.12

Os trabalhadores haviam abandonado a escola pela fábrica aos seis ou sete anos de idade, daí o analfabetismo.

Por isso, os mais ilustrados tinham que ler os jornais e prospectos em voz alta em grupo nos locais e horas de almoço (...) para que os analfabetos pudessem ouvir, compreender as idéias, os métodos de luta, memorizá-los e assimilá-los.13

Os libertários consideravam que a educação e a profissionalização permitiam estruturar melhor as formas de luta e resistência dos trabalhadores, evidenciando sua importância na revolução social.

Até 1920, pode-se dizer que os libertários fizeram mais pela educação operária e excluídos do que o ensino oficial.

Aproveitava-se todo tempo livre: o horário de almoço, os finais de semana, as noites, todos preenchidos com palestras, debates, teatro,cursos, jornais. Desde a formação do Comitê Pró Escola Moderna, em 1909, previa-se a criação de uma editora para livros escolares que deveriam ser cedidos ou vendidos a baixo preço,.14

A metodologia destas escolas enfatizava a co-educação dos sexos a convivência diferentes das classes sociais, a formação moral, e o ensino não dogmático, baseado nas ciências naturais, fato que gerou uma certa crítica pelo caráter acentuado da teoria positivista.

A transformação da sociedade e o propósito da revolução social alimentavam a educação libertária. O educador João Penteado considerava que algumas instituições eram obstáculos à felicidade do povo e a educação deveria desenvolver a crítica a esta situação, abrindo caminho para a transformação social.

Estas experiências educacionais se repetiram em vários estados brasileiros. Os anarquistas preocupavam-se em atingir todos os segmentos etários da infância à educação de adultos, passando pela Universidade Popular de Ensino, organizada de forma temática, para que os alunos mesmo perdendo algumas palestras pudessem seguir o curso sem graves prejuízos.15

Em São Paulo, as Escolas Modernas foram fechadas pela polícia em 1919, acusadas de propagar perigosa ideologia, num momento em que o movimento libertário sofria extrema repressão do Estado Brasileiro. Combatidos pelo capitalismo e comunismo, consideravam que a educação criando uma nova consciência, mudaria as relações cotidianas e representações sociais, estruturando uma outra sociedade, na qual a hierarquia, as diferenças sociais e formas de poder não sobreviveriam.

O resgate dessas idéias na sociedade atual torna-se importante não só para preservar a memória libertária, mas também para discutir suas propostas que guardam uma impressionante atualidade com os anseios e necessidades da sociedade brasileira contemporânea.