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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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A trajetória da conquista do espaço feminino na literatura brasileira

MARINGÁ 2010

GOVERNO DO PARANÁ

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

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CLEUZA FELIPIN

CADERNO PEDAGÓGICO

A trajetória da conquista do espaço feminino na literatura brasileira

Orientadora: Profª. Dra Lúcia Osana Zolin

Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – 2009 IES: Universidade Estadual de Maringá – UEM

Disciplina/Área: Língua Portuguesa Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal

Série de Aplicação – 1º Série do Ensino Médio

MARINGÁ 2010

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: A história de Joana D’Arc – 1 ...............................................................................8

Figura 2: Indústria ................................................................................................................9

Figura 3: Congresso feminista...............................................................................................10

Figura 4: Sala de aula feminina............................................................................................12

Figura 5: Eleições – voto.......................................................................................................13

Figura 6: Eleições na Índia....................................................................................................13

Figura 7: Ditadura no Brasil – III .........................................................................................14

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ...............................................................................................................4

PARTE I – FUNDAMENTOS TEÓRICOS .......................................................................6

1 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MULHER......................................................................7

2 O MOVIMENTO FEMINISTA ..........................................................................................11

3 LITERATURA CANÔNICA..............................................................................................15

3.1 Iracema, de José de Alencar..........................................................................................16

3.2 Dom Casmurro, de Machado de Assis...........................................................................17

3.3 São Bernardo, de Graciliano Ramos.............................................................................18

4 CENSO LITERÁRIO: ESCRITORES & ESCRITORAS ..................................................21

5 LITERATURA DE AUTORIA FEMININA ......................................................................22

6 AS MARCAS DA TRAJETÓRIA ......................................................................................23

PARTE II – LEITURA & ANÁLISES ...............................................................................25

1 “A CAOLHA”, DE JÚLIA LOPES DE ALMEIDA...........................................................27

2 “UMA GALINHA”, DE CLARICE LISPECTOR .............................................................30

3 “AMOR”, DE CLARICE LISPECTOR..............................................................................32

4 “O JARDIM SELVAGEM”, DE LYGIA FAGUNDES TELLES......................................34

5 “ANTES DO BAILE VERDE”, DE LYGIA FAGUNDES TELLES ................................37

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................39

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APRESENTAÇÃO

Este Caderno Pedagógico tem como objetivo propor um estudo da literatura de autoria

feminina no Brasil, tendo em vista que, tradicionalmente, a mulher esteve excluída do cenário

da arte literária. Objetiva, também, desenvolver em nossos alunos o espírito crítico em relação

ao tema proposto para que se tornem sujeitos atuantes na sociedade contemporânea. Para

chegar a esses objetivos, propõe-se estratégias que possibilitem buscar caminhos possíveis

para entender o texto e proporciona ao aluno a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade

e no universo literário. Pretende-se, também, levar o educando a descobrir, por meio de

pesquisas e leituras, que a mulher, no decorrer da história, quis assumir o “direito de falar, de

pensar e de se expressar; enfim, de fazer parte da criação humana, já que ela não é só

testemunha, mas é partícipe da vida” (ZOLIN, 2003, p.88).

A concepção de leitura adotada nas análises propostas é a do sócio-interacionismo,

com foco na interação autor-texto-leitor, que auxilia o aluno-leitor na compreensão,

inferenciação e interpretação do texto, num processo de produção de sentidos mais

consistente. Nesta concepção, autor e leitor são sujeitos ativos que dialogam, que se

constroem e são construídos no texto, cujo tripé permite constantes reelaborações, com novas

informações e elaborações mentais. Para que essas estratégias de leitura se concretizem,

buscou-se aporte teórico nos autores Isabel Solé (1998) e Renilson Menegassi (1995 e 2005).

Composto de duas partes, este caderno visa proporcionar ao aluno conhecer a

trajetória histórica da mulher, marcada pela opressão, e a caminhada das conquistas

femininas. Bem como, ajuda-o, a partir de conceitos sobre feminismo, a refletir, construir

idéias e levantar hipóteses acerca de contos de autoria feminina de diferentes épocas.

A primeira parte, “Fundamentos teóricos”, está dividida em tópicos e proporciona ao

educando conhecer a trajetória histórica do papel da mulher, desde a antiguidade grega até os

dias atuais; conhecer a trajetória do movimento feminista no Brasil; bem como a

representação da mulher em obras da literatura canônica e da literatura de autoria feminina.

Na segunda parte, “Leitura & Análises”, propõe-se atividades para a análise dos

contos escolhidos a fim de compreender como as identidades das personagens femininas são

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construídas nas narrativas de autoria feminina e quais relações estão aí estabelecidas, levando

em conta o suporte teórico fornecido pela Crítica Literária Feminista. Primeiramente,

apresenta-se a proposta de análise do conto “A Caolha”, de Julia Lopes de Almeida, a fim de

observar as dificuldades vividas por uma mulher, que, dentre tantas outras, enfrentam as

responsabilidades de mãe e de trabalhadora, vivendo em uma sociedade que a discrimina

triplamente por ser mulher, pobre e caolha. Em seguida, propõe-se a análise dos contos de

Clarice Lispector, “Uma Galinha” e “Amor”, com a finalidade de acionar os conhecimentos

sobre as relações de gênero a partir de uma perspectiva feminista. Por último, os contos

“Jardim Selvagem” e “Antes do Baile Verde”, de Lygia Fagundes Telles, a fim de evidenciar

o posicionamento da autora em delinear as personagens femininas a procura de uma nova

identidade, consciência e determinação.

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PARTE I

– FUNDAMENTOS TEÓRICOS –

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1 A TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA MULHER

Pra começo de conversa...

- O que você conhece sobre a trajetória histórica da mulher?

- Ativando nossa memória, como a mulher era retratada na antiguidade, suas roupas, seu

corpo, sua fala?

- Quais direitos e deveres elas possuíam?

Um pouco da história...1

- Na Grécia Antiga a mulher possuía o mesmo status de um escravo e sua função primordial

era a reprodução da espécie humana e de tudo que estivesse ligado à subsistência do homem,

tais como fiação, tecelagem, alimentação, e trabalho agrícola, sendo excluída das fontes do

pensamento e de conhecimento.

- No século IV a.C., Xenofonte, filósofo grego, afirmava que “os Deuses criaram a mulher

para as funções domésticas, o homem para todas as outras”.

- A luta pelos direitos da mulher é bastante antiga. No ano 195 a.C., mulheres dirigiam-se ao

Senado Romano protestando contra sua exclusão ao uso do transporte público (privilégio dos

homens) e a obrigatoriedade de se locomoverem a pé. Porém o Senado alegou que se as

mulheres tivessem o mesmo direito que os homens, “imediatamente elas quererão subir às

suas costas para governá-los”, expressando assim, a relação de poder e submissão entre os

sexos.

- Durante os primeiros séculos da Idade Média, as mulheres gozavam de alguns direitos

garantidos por lei e pelos costumes, tais como: direito de propriedade e de sucessão.

1 ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 2003. p. 11-

27 (Coleção Primeiros Passos).

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- Estudos revelam que durante a Idade Média a mulher se vê obrigada a executar as tarefas

antes realizadas pelos homens. Isso ocorre por causa da ausência da figura masculina,

explicada pelas constantes viagens em busca de terras, das guerras e da vida monástica.

- Porém essa participação ativa da mulher na vida social e econômica, nesse período, não lhe

trouxe prestígio social, uma vez que o poder baseava-se na posse de terras e na ascendência

espiritual, privilégio da nobreza e do clero.

- A expressão “caça as bruxas”, se traduz num verdadeiro genocídio contra o sexo feminino,

que se iniciou na Idade Média e se estendeu durante o século XVII, com suas perseguições

infundadas e a matança de milhares de mulheres consideradas feiticeiras, visto que,

supostamente, possuíam conhecimentos que escapavam ao domínio masculino (no ano de

1515, em três meses, mataram 500 mulheres em Genebra; 600 na Alemanha; e 900 em

Wurtzburgo).

Figura 1: A história de Joana D’Arc – 1 Fonte: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcat.php?cid=10&min=410&orderby= titleD&show=10>. Acesso em: 12 jul. 2010.

- No Renascimento, o trabalho feminino volta a ser depreciado e desvalorizado. Não porque

houve afastamento da esfera de trabalho, mas porque as mulheres desempenham atividades

menos qualificadas e de mais baixa remuneração.

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- A partir do século XVII e durante o século XVIII, contingentes cada vez maiores de

mulheres passam a realizar trabalhos a domicílio, contratadas por intermediários. Este tipo de

trabalho até hoje é exercido pela mão-de-obra feminina, principalmente na indústria de

confecção.

- No século XIX, o Capitalismo trouxe consequências profundas para a produção e

organização do trabalho e, principalmente, para a mão-de-obra feminina, visto que as tarefas

antes executadas em casa foram transferidas para as fábricas, aumentando o assalariado

feminino e ocasionando o rebaixamento do nível salarial geral. O que causou repúdio por

parte dos sindicatos recém-formados, que passaram a ver as mulheres como “concorrentes

desleais”.

Figura 2: Indústria Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcat.php?cid=11&letter=I& min=40&orderby=titleA&show=10>. Acesso em: 12 jul. 2010.

- Esse contexto sofre pouca alteração ao longo dos séculos. As mudanças mais visíveis só vão

surgir a partir da década de 1960, com os movimentos feministas que começam a influenciar a

sociedade, contra a opressão e a discriminação da mulher.

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Figura 3: Congresso feminista Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/modules/mylinks/viewcat.php?cid=10&min= 240&orderby=titleA&show=10>. Acesso em: 13 jul. 2010.

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2 MOVIMENTO FEMINISTA

Pra começo de conversa...

- Para você, o que se expressa na palavra “Feminismo”?

- Em relação aos seus pensamentos, você se autoavalia como uma pessoa feminista ou

machista?

- Quais notícias você conhece sobre o movimento feminista no Brasil? E em Maringá?

Um pouco da história...2

- O Feminismo é um termo que envolve todo um processo que se desenvolveu ao longo da

história, e que continua se desenvolvendo em todos os espaços da vida social. Portanto, fica

difícil defini-lo e localizar o momento exato de seu início. Para entendermos melhor, vamos

conhecer um pouco da história do feminismo brasileiro.

- O “feminismo” pode ser compreendido como todo gesto ou ação que resulte em protesto

contra a discriminação e opressão a que a mulher vem sofrendo ao longo da história.

- Considerando que essa história teve início nas primeiras décadas do século XIX, Duarte

divide a história do feminismo brasileiro em quatro momentos, com cerca de cinquenta anos

entre um e outro, considerados como ondas porque “começam difusas e imperceptíveis e, aos

poucos se avolumam em direção ao clímax, o instante de maior envergadura, para então

refluir numa fase de aparente calmaria, e novamente recomeçar” (DUARTE, 2003, p.152).

São elas:

2 DUARTE, Constância Lima. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v.17, n.49,

p.151-172, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n49/ 18402.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2010.

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Primeira onda: (1830) as primeiras letras

Corresponde ao período em que a mulher luta pelos direitos primários, como o acesso à

educação, isto é, o direito básico de aprender a ler e escrever, até então reservado só aos

homens. A primeira legislação autorizando abertura de escolas públicas femininas data de

1827. As poucas mulheres que tiveram alguma instrução, antes desse período, eram em

poucos conventos ou em raras salas de aulas nas casas de professoras. Foram essas poucas

mulheres que tiveram educação, que levaram esse conhecimento às demais, abrindo escolas,

publicando livros e enfrentando a opinião pública que dizia que mulher não necessitava saber

ler e escrever. O primeiro nome a se destacar nesse período é de Nísia Floresta Brasileira

Augusta, uma das primeiras mulheres no Brasil a publicar um livro e a lutar pelo direito das

mulheres. Dizia ela que as mulheres eram inteligentes e merecedoras de respeito.

Figura 4: Sala de aula feminina Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/File/imagens/5pedagogia/7sala meninas.jpg>. Acesso em: 21 abr. 2010.

Segunda onda: (1870) ampliando a educação e sonhando com o voto

A segunda onda tem um cunho mais feminista e é considerado mais jornalístico que literário

pelo grande número de jornais e revistas com feição feminina. A imprensa, nesse período, foi

um veículo de suma importância. A principal reivindicação, nessa onda, foi o direito ao voto.

Um dos nomes que merece ser destacado, nesse momento, é de Francisca Senhorinha da Mota

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Diniz. Em seus artigos, ela alertava as mulheres sobre a ignorância de seus direitos e dizia que

apenas com instrução e conhecimento, isso poderia acabar.

Figura 5: Eleições – voto Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br//tvpendrive/arquivos/File/imagens/2010/historia/ eleicoes1.jpg>. Acesso em: 28 jul. 2010.

Terceira onda: (1920) rumo à cidadania

Caracteriza-se por continuar as exigências pelo direito ao voto somando com as

reivindicações da inserção da mulher no Ensino Superior e à ampliação do campo de trabalho,

pois lutavam não apenas para ser professoras, mas também para trabalhar no comércio, nas

repartições, nos hospitais e nas indústrias. Uma das personagens mais importante desse

período foi Bertha Lutz, que lutou, incansavelmente, pelo direito ao voto feminino e pela

igualdade de direitos entre os sexos.

Figura 6: Eleições na Índia Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/Image/conteudos/imagens/ sociologia/6eleind.jpg>. Acesso em: 21 abr. 2010.

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Quarta onda: (1970) revolução sexual e literatura

Foi um período de amadurecimento das mulheres escritoras. Nesse momento o movimento

feminista brasileiro teve marcas distintas e definitivas, pois as mulheres, além de abordarem

temas polêmicos como aborto, sexualidade, prazer e controle da natalidade, tiveram que se

posicionar contra a ditadura militar, contra a censura pela anistia e por melhores condições de

vida.

Figura 7: Ditadura no Brasil – III Fonte: Disponível em: <http://www.diaadia.pr.gov.br/tvpendrive/arquivos/Image/conteudos/imagens/3historia/ 3passeata682.jpg>. Acesso em: 28 jul.

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3 LITERATURA CANÔNICA

A mulher, durante séculos, foi retratada na literatura unicamente pelo homem

ocidental, branco, em condição social privilegiada, dentro de uma visão patriarcal. Trata-se da

literatura canônica, a qual se estabelece como um conjunto de obras-primas que representam

uma determinada cultura local, considerada como tradicional e modelo de escrita. Em outras

palavras, o cânone literário era, portanto, uma relação de obras e autores considerados

verdadeiros e universais, dignos de serem guardados para posteridade.

Em seu ensaio intitulado “Cânon” (1992), Roberto Reis ressalta que o Cânone literário

está relacionado ao discurso dominante e às relações de poder, fundamentado em fatores

extraliterários, não se limitando às questões estéticas do texto, mas a outros fatores históricos

e sociais do autor, excluindo assim, da lista das obras tradicionais, todos aqueles que não

preenchem os critérios ideológicos determinados pela crítica literária tradicional. Reis

complementa dizendo que

[...] por trás de noções como linguagem, cultura, escrita e literatura, mesmo se não as tratarmos (como seria mais indicado) em termos históricos e menos abrangentes, se esconde a noção de poder. Para trabalhar o conceito de “cânon” é importante ter em mente este horizonte, pois o que se pretende, ao se questionar o processo de canonização de obras literárias é, em última instância, colocar em xeque os mecanismos de poder a ele subjacentes (REIS, 1992, p.68).

Percebe-se que o cânone literário, visto desta maneira, está a serviço de interesses

dominantes, do poder masculino e de ideologias patriarcais. Cabe a critica feminista

investigar e revisar os reais motivos que coibiram a mulher de produzir literatura. Bem como,

arrancar do esquecimento tantas obras de autoria feminina e levá-las a serem estudadas nas

salas de aulas e lidas pelo público em geral, atribuindo-lhes valor literário, já que a produção

feminina muito tem contribuído à nossa literatura. Os fragmentos a seguir pertencem a

algumas obras tradicionais canônicas, onde se pode verificar como as personagens femininas

estão nelas representadas.

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3.1 Iracema, de José de Alencar3

A obra Iracema, publicada no ano de 1865, contém 33 capítulos que podem ser

divididos em três partes: a primeira mostra o encontro dos protagonistas da história, Iracema e

Martim, e o grande amor que surge entre eles. Comparada, ora com elementos vegetais ora

com animais, Iracema é descrita como uma jovem virgem, bonita e selvagem, tornando-se

assim, a heroína perfeita no imaginário patriarcal brasileiro.

Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas (Cap.II, p.10).

Enquanto que Martim é descrito como um europeu, civilizado e dotado de valores

culturais superiores aos dos indígenas. Do encontro entre os dois, logo no início da narrativa,

percebe-se um choque cultural: de um lado o selvagem e do outro o civilizado.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar, nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo (Cap.II, p.11).

A segunda parte, narra a fuga de Iracema para viver seu amor com Martim, com

profunda saudade e angústia por abandonar seus valores culturais como Deus, terra, família,

liberdade. E a última parte conta o sofrimento da protagonista que por ter abandonado seu

povo e suas tradições, e, ao mesmo tempo, por não resistir a esse abandono, sofre calada e

prefere secar até a morte. O crítico Eduardo de Assis Duarte aponta que a partir da primeira

parte, a protagonista, ao se entregar ao inimigo de seu povo, entra em colisão com seus

valores culturais lançando sobre si o mito da criação sobre Eva:

3 DUARTE, Eduardo de Assis. Iracema: a expansão portuguesa sob o signo de Eva. In: RAMALHO, Cristina

(Org.). Literatura feminina : proposta teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: ELO, 1999. v.1, p.195-202.

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Deste ponto em diante, começa o calvário de Iracema: trai o Pai, deixa sua gente, segue o estrangeiro até ser por ele abandonada, dá à luz um filho e morre [...]. Da mesma forma, a história de Eva projeta-se sobre Iracema e demarca sua trajetória de transgressão-culpa-punição. Expulsa do paraíso tropical, ela conhecerá o abandono e irá “parir em dor”. Além disso, troca a liberdade das matas pela vida na cabana do amante, dele dependendo sua alegria, sua saúde e sua própria vida. Iracema, como tantas outras, carrega consigo o peso da culpa de Eva (DUARTE, 1999, p.199-200).

Percebe-se, nos excertos acima, a idealização da figura feminina por meio de

elementos da natureza mostrando, assim, uma heroína típica do Romantismo, virgem, exótica,

delicada, bela, capaz de se sacrificar pelo homem que ama. O ideal masculino de mulher que

se submete, se resigna e se anula em função da missão superior do homem. A própria mulher

dos sonhos, “ou, pelo menos, dos sonhos inscritos no imaginário patriarcal brasileiro”

(DUARTE, 1999, p.197).

Portanto, a obra narra o episódio amoroso entre Martim e Iracema desde o primeiro

encontro até à morte da protagonista, mostrando o longo sofrimento, a servidão voluntária e o

sacrifício também voluntário a que o amor submeteu a personagem Iracema, deixando claro

um exemplo de inferioridade da mulher em relação ao homem, ou seja, colocando homem e

mulher no velho lugar a eles destinado pela visão patriarcal.

3.2 Dom Casmurro, de Machado de Assis4

O romance Dom Casmurro, de Machado de Assis, é dividido em 148 capítulos em que

o personagem Bento conta a história de sua vida a partir de três momentos: o presente, quando

já está viúvo, sozinho em sua “casmurrice” e decide escrever um livro a fim de “reconstituir

os tempos idos”; o passado distante, sua infância, onde recorda descobertas de seu amor por

sua amiga Capitu; e por fim; um tempo passado posterior a este, em que Bento, já casado com

Capitu, começa com suas incertezas quanto à fidelidade de sua amada esposa.

A obra é narrada pelo próprio protagonista, sendo os fatos apresentados a partir de seu

ponto de vista. Sendo assim, a personagem feminina é uma mulher criada dentro de uma

sociedade patriarcal, onde a mulher, ao transgredir valores essenciais, deverá ser punida pela

4 MACHADO DE ASSIS, J.M. Dom Casmuro. São Paulo: Editora Egéria Ltda, 1979 (Obras Selecionadas, v.3).

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suas transgressões, de preferência com muito sofrimento ou com a morte, a fim de que seja

mantida a ordem na sociedade.

Fragmentos do romance Dom Casmurro de Machado de Assis.

Como vês, Capitu, aos quatorze anos, tinha já idéias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois, mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto [...] (Cap.XVIII, p.50).

Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e [...] Grande foi a sensação do beijo [...]; Capitu compôs-se depressa, tão depressa que, quando a mãe apontou à porta, ela abanava a cabeça e ria. Nenhum laivo amarelo, nenhuma contração de acanhamento, um riso espontâneo e claro [...] (Cap.XXXIII, p.72).

[...] mas Capitu, antes que o pai acabasse de entrar, fez um gesto inesperado, pousou a boca na minha boca, e deu de vontade o que estava a recusar à força [...] mas se conto aqui, tais quais, os dois lances de há quarenta anos, é para mostrar que Capitu não se dominava só em presença da mãe; o pai não lhe meteu mais medo (Cap.XXXVIII, p.79).

Nos trechos acima percebe-se que a personagem Capitu, aos olhos do narrador, foge

ao que é comum na cultura feminina da época, ou melhor, deixa de reproduzir padrões

impostos numa sociedade patriarcal. Capitu, ao ter “ideias atrevidas” para a época, toma a

iniciativa do primeiro beijo e depois do segundo, assumindo o papel masculino, invertendo as

posições, coisa incomum para o padrão de moça recatada e religiosa do século XIX,

ocasionando, assim, sua ida à Suíça, e lá sua morte, como punição à sua conduta

transgressora. Observa-se que os fatos narrados são filtrados pelo olhar ciumento e, portanto,

suspeito do narrador personagem. O leitor, todavia, não tem acesso à verdade dos fatos, mas,

apenas, à versão contada pelo marido ciumento.

3.3 São Bernardo, de Graciliano Ramos5

A obra São Bernardo, de Graciliano Ramos é também narrada em primeira pessoa,

tendo como narrador o próprio protagonista da história, Paulo Honório, que narra a história a

5 GRACILIANO RAMOS. São Bernardo. 78.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

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partir de seu ponto de vista. No excerto abaixo observa-se os valores de uma sociedade

patriarcal que estão presentes na visão de Paulo Honório quanto a concepção de casamento:

Amanheci um dia pensando em casar. Foi uma idéia que me veio sem que nenhum rabo-de-saia a provocasse. Não me ocupo com amores, devem ter notado, e sempre me pareceu que mulher é um bicho esquisito, difícil de governar.

A que eu conhecia era Rosa do Marciano, muito ordinária. Havia conhecido também a Germana e outras dessa laia. Por elas eu julgava todas. Não me sentia, pois, inclinado para nenhuma: o que sentia era desejo de preparar um herdeiro para as terras de S. Bernardo (p.67).

Observa-se, portanto, que as expectativas iniciais do personagem quanto à ideia de ter

um lar e de casar é apenas um meio de “preparar um herdeiro para as terras de S. Bernardo”.

Para conseguir o seu objetivo, teria que encontrar alguém que fosse uma boa administradora

do lar, comprovando, assim, uma concepção machista e patriarcal presente na obra.

─ Está aí. Resolvi escolher uma companheira. E como a senhora me quadra... Sim, como me engracei da senhora quando a vi pela primeira vez [...] (p.101).

[...] A senhora, pelo que mostra e pelas informações que peguei, é sisuda, econômica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boa mãe de família (p.102).

No trecho seguinte nota-se a postura condenatória do narrador protagonista quanto à

educação de Madalena, já que a mesma é professora:

Não gosto de mulheres sabidas. Chamam-se intelectuais e são horríveis. Tenho visto alguma que recitam versos no teatro, fazem conferências e conduzem um marido ou coisa que o valha (p.158).

Madalena não agia sob as imposições do patriarcalismo para Paulo Honório, ela lutava

pela sua profissão, não se enquadrava no papel de mulher religiosa, o que era condenável para

o marido. Esse caráter transgressor da protagonista passa a ser alvo de fortes crises de ciúmes

do marido, levando-o a agir com brutalidade frente à esposa, conduzindo a mesma ao suicídio.

A partir do filme São Bernardo, baseado na obra de Graciliano Ramos, pode-se ter uma

melhor visão da representação da personagem feminina, Madalena, bem como a concepção

machista e patriarcal aliada ao forte autoritarismo característico do narrador protagonista.

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Na literatura canônica a mulher é representada a partir de repetições de estereótipos

culturais: o da mulher anjo, bela e indefesa, capaz de sacrificar pelos que a cercam, ou a

mulher sedutora, perigosa, imoral e megera, remetendo-nos a uma rejeição ou antipatia.

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4 CENSO LITERÁRIO: ESCRITORES & ESCRITORAS

No ano de 2007, a Revista Época (24 set. 2007, Sociedade, edição 488), publicou um

censo literário mostrando que escritores e escritoras divergem nos critérios de elaboração das

personagens femininas. Regina Dalcastagnè, professora de Literatura da Universidade de

Brasília (UnB), juntamente com sua equipe, criou um banco de dados a partir de 258

romances publicados entre 1990 a 2004. O objetivo da pesquisa, segundo Dalcastagnè (apud

BRUM, 2007, p.116) não é saber “se mulheres escrevem melhor sobre mulheres que os

homens”, mas “a questão é que a literatura tem sexo, além de cor e classe social”. E continua

“o que se chama de literatura universal é a escrita por homens brancos, urbanos, de classe

média ou elite”.

A tabela abaixo, publicada na íntegra, nessa mesma revista, mostra as diferenças das

personagens femininas criados por homens e por mulheres.

ELE DISSE

ELA DISSE

As mulheres deles

As mulheres delas

Beleza Característica principal Inteligência

Loiras, cabelos mais longos e relativamente magras

Descrição predominante Morenas, cabelos mais curtos e magras ou dentro do peso

Jovens Idade Várias faixas etárias, da infância à velhice

Pouca escolaridade Educação A maioria tem nível superior

Em número significativo, são doentes ou dependentes químicas

Saúde Bem mais saudáveis que as personagens construídas por homens

Quando as personagens têm filhos, os pais estão presentes, não só financeiramente, mas também emocionalmente

Paternidade É menor o número de mulheres com filhos e, quando têm, os pais são totalmente ausentes

Construir família Sonho mais frequente Ter uma vida tranquila

Fonte: Personagens do Romance Brasileiro Contemporâneo (DALCASTAGNÈ, apud BRUM, 2007).

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5 LITERATURA DE AUTORIA FEMININA

Até poucas décadas atrás, a função da mulher era quase que totalmente dedicada às

tarefas domésticas. Graças aos movimentos feministas, iniciados no século XIX, essa posição

se alterou e, a cada década, as mulheres vêm conquistando espaços no âmbito social, político,

econômico e cultural. Com os avanços à emancipação feminina, as mulheres adentraram no

mundo literário e, dessa forma, suas produções começaram a ganhar destaque no mundo das

letras. De acordo com Zolin (2009, p.328)

O novo lugar que a mulher passa a ocupar na sociedade em decorrência do feminismo fez-se refletir (e não poderia ser diferente) nesse status quo. De um lado, a crítica literária, antes de domínio exclusivamente masculino, passou a ser praticada por mulheres; de outro, estas passaram a escrever mais literatas, livres dos temores da rejeição e do escândalo.

É importante que os alunos saibam que a dificuldade de buscar uma escrita feminina

com identidade própria foi um processo lento, assim como todas as conquistas femininas da

história. As dificuldades encontradas no campo literário foram muitas, mas escritoras

tomaram consciência de seu papel social e foram à luta em busca de uma escrita que retratasse

suas vivências, suas particularidades e que apresentasse um ponto de vista de um sujeito

consciente de seu papel social, contribuindo assim, para a literatura mundial.

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6 AS MARCAS DA TRAJETÓRIA

A trajetória da literatura de autoria feminina no Brasil é marcada por grandes

transformações e, se hoje temos uma visão diferenciada do papel da mulher na sociedade, é

graças às lutas de muitas mulheres que se lançaram no mundo da escrita, desenvolvendo,

assim, seu direito de expressão. Durante o século XIX, a mulher que passou a se dedicar à

escrita, enfrentou muitas limitações, tanto de ordem social como cultural. Porém, mesmo com

essas limitações, sempre houve autores “feministas” deixando suas marcas e descrevendo suas

peculiaridades dentro do contexto de suas épocas.

Cabe aqui ressaltar que a produção literária de autoria feminina, segundo a teórica norte-

amareicana Eliane Showalter (1985 apud ZOLIN, 2009, p.329), em seu livro A Literature of

their Own: British womem Novelists from Brontë to Lessing, foi, a princípio, um grupo

minoritário em que as escritoras construíram uma espécie de subcultura com formas próprias

de expressão em relação à sociedade dominante em que estão inseridas. Segundo a ensaísta, a

literatura de autoria feminina inglesa percorre três grandes fases: feminina, feminista e fêmea

respectivamente. Ao invés de isoladas, é possível encontrar todas elas presente na obra de um

mesmo autor ou em um só trabalho literário. Quanto à literatura, esse percurso sofre alguma

modificação no que tange à cronologia, inclusive na literatura de autoria feminina brasileira.

No entender da ensaísta, as três fases podem ser assim classificadas:

• Primeira fase – feminina – corresponderia a escrita feminina imitando a masculina,

caracterizada pela repetição dos padrões culturais dominantes ou, em outras palavras,

pela imitação do modelo patriarcal;

• Segunda fase – feminista – é marcada por uma escrita de protesto e pela ruptura em

relação aos modelos e valores dominantes;

• Terceira fase – fêmea (ou mulher) denota uma escrita marcada pela conscientização

da autoafirmação da escrita da mulher, seria a busca da identidade própria, a

autodescoberta, pois a vivência da mulher é diferente do homem e, portanto, seu

discurso e, consequentemente sua escrita, será diferente.

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No Brasil, a escritora Elódia Xavier (1998 apud ZOLIN, 2009, p.331) seleciona algumas

autoras e obras como marco inicial dessas etapas. A fase feminina, marcada pela reprodução

dos valores dominantes de uma sociedade patriarcal, teria iniciado em 1859, com a publicação

do romance Úrsula, de Maria Firmina dos Reis; em seguida A falência (1902) e A intrusa

(1908), de Júlia Lopes de Almeida; A Sucessora (1934), de Carolina Nabuco, e se estendido

até 1944, quando Clarice Lispector inaugura, com a publicação de sua obra Perto do coração

selvagem, uma nova fase na trajetória da literatura brasileira de autoria feminina no Brasil – a

feminista – que, segundo Zolin (2009, p.332), significa o momento de ruptura aos valores

patriarcais dominantes, tornando-se, assim, visível a repressão feminina as práticas sociais.

Seguiram sua trilha nessa nova maneira de narrar, outras escritoras que passaram a

trabalhar a problemática da mulher inserida em uma sociedade patriarcal, tais como: Lya Luft,

Helena Parente Cunha, Sonia Coutinho e Lygia Fagundes Telles. A partir da década de 1990,

começaram a surgir romances escritos por mulheres, inaugurando a fase fêmea da literatura de

autoria feminina que é marcada pela construção de uma nova imagem feminina, livre do peso

da tradição patriarcal. Elódia Xavier (1998 apud ZOLIN, 2003, p.85) classifica duas obras

como representante dessa terceira fase: O homem da mão seca, de Adélia Prado, e A

sentinela, de Lya Luft, ambas publicadas em 1994.

Nesse momento, o professor deve fazer uma retomada de todas as questões

anteriormente discutidas e que são relevantes para direcionar as propostas de análises a seguir,

tais como: relembrar como as personagens femininas estão representadas em obras da

literatura canônica. Relembrar, também, que, embora de maneira lenta, transformações

sociais, políticas e culturais importantes aconteceram e modificaram a estrutura da sociedade.

A literatura sofreu consequências com essas transformações sociais, modificando-se também

à medida que a sociedade se alterava. A entrada das mulheres no mundo das letras

representou não só um desafio a essas mulheres escritoras, mas um ganho a todos nós que

pudemos presenciar o reconhecimento institucional da literatura escrita por mulheres como

objeto legítimo de pesquisa.

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PARTE II

– LEITURA & ANÁLISES –

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PARTE II – LEITURA & ANÁLISES

A seguir passar-se-á a proposta de análise de contos de literatura de autoria feminina

com o objetivo de compreender melhor a representação da mulher na literatura. Os contos

propostos para a análise são: “A Caolha”, de Júlia Lopes de Almeida, representando a fase

feminina da literatura. “Uma Galinha” e “Amor”, de Clarice Lispector, “O Jardim Selvagem”

e “Antes do Baile Verde” de Lygia Fagundes Telles, representantes da fase feminista, que

trazem à tona a problemática da mulher inserida em uma sociedade regulada pela ideologia

patriarcal.

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1 “A CAOLHA”, DE JÚLIA LOPES DE ALMEIDA

A Autora...

Júlia Lopes de Almeida

JÚLIA Valentim da Silveira LOPES DE ALMEIDA nasceu em 24/09/1862 no Rio de Janeiro e morreu em 30/05/1934 na mesma cidade. Passou parte da infância em Campinas-SP. Casou-se com o poeta português Felinto de Almeida e seus filhos Afonso Lopes de Almeida, Albano Lopes de Almeida e Margarida Lopes de Almeida também se tornaram escritores. Desde cedo mostrou forte inclinação pelas letras, embora no seu tempo de moça não fosse de bom-tom nem de agrado dos pais, uma mulher dedicar-se a literatura. Seu primeiro livro - Traços e Iluminuras - foi publicado aos 24 anos, em Lisboa. Antes disso já publicara artigos na imprensa, tendo sido uma das primeiras mulheres a escrever para jornais, colaborando com a Tribuna Liberal, A Semana, O País, Gazeta de Notícias, Jornal do Comércio, Ilustração Brasileira, entre outros. Com Felinto de Almeida escreveu, a quatro mãos, o romance A Casa Verde, em 1932, vindo a falecer dois anos depois. Com uma linguagem leve, simples, cativou seu público: escreveu e publicou mais de 40 volumes entre romances, contos, narrativas, literatura infantil, crônicas e artigos. Foi abolicionista e republicana além de mostrar, em suas obras, idéias feministas e ecológicas. Fonte: Portal São Francisco (Biografia de Júlia Lopes de Almeida – Biografias, 2010).

ANTES DA LEITURA DO CONTO

A CAOLHA (1903)

Ponderando sobre o título...

1. O que esse título sugere?

Após ativar o conhecimento prévio do aluno sobre o título do conto, fazer previsões e

inferências passar-se-á a leitura do mesmo a fim de descobrir sobre o que realmente trata o texto.

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A Caolha

Júlia Lopes de Almeida

A caolha era uma mulher magra, alta, macilenta, peito fundo, busto arqueado, braços compridos, delgados, largos nos cotovelos, grossos nos pulsos; mãos grandes, ossudas, estragadas pelo reumatismo e pelo trabalho; unhas grossas, chatas e cinzentas, cabelo crespo, de uma cor indecisa entre o branco sujo e o louro grisalho, desse cabelo cujo contato parece dever ser áspero e espinhento; boca descaída, numa expressão de desprezo, pescoço longo, engelhado, como o pescoço dos urubus; dentes falhos e cariados.

O seu aspecto infundia terror às crianças e repulsão aos adultos; não tanto pela sua altura e extraordinária magreza, mas porque a desgraçada tinha um defeito horrível: haviam lhe extraído o olho esquerdo; a pálpebra descera mirrada, deixando, contudo, junto ao lacrimal, uma fístula continuamente porejante.

Era essa pinta amarela sobre o fundo denegrido da olheira, era essa destilação incessante de pus que a tornava repulsiva aos olhos de toda gente.

Morava numa casa pequena, paga pelo filho único, operário numa fábrica de alfaiate; ela lavava a roupa para os hospitais e dava conta de todo o serviço da casa inclusive cozinha. [...]

(ALMEIDA, Júlia Lopes de. A Caolha. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores

contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.49-54).

DURANTE A LEITURA

Confirmando ou refutando idéias...

1. O que você imaginou encontrar nesse texto se confirmou?

2. Quais outras impressões e sensações novas surgiram com a primeira leitura?

No endereço abaixo, podemos apreciar o conto A Caolha, de Júlia Lopes de Almeida,

interpretado pela atriz Marília Pêra. O vídeo na íntegra está disponível no youtube, acessando

o site: <http://www.youtube.com/watch?v=A3yFqsii84k>, acessado em: 30 dez. 2009.

Ampliando os conhecimentos do texto...

1. Qual é a descrição física que o narrador faz da protagonista?

2. Qual sua caracterização psicológica?

3. Ao descrever a protagonista, o narrador deixa por último a descrição principal. Qual é ela

e por que ele faz isso?

4. De acordo com a maneira como o narrador descreve a protagonista no início do texto, o

que se pode depreender acerca de seu modo de estar na sociedade/família?

5. Logo no início do conto, a personagem mãe é apresentada como um ser feio, repulsivo e

asqueroso. Essa imagem continua até o final do conto?

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APÓS A LEITURA

Avaliando os conhecimentos...

1. Que sentimentos nos despertam a situação vivida pelas personagens?

2. Quanto ao papel da mulher representada no conto, ela permanece igual do início ao final

da narrativa? Como você percebe isso?

3. Qual a visão da mulher que o texto revela?

4. Quais razões levaram as personagens a agir como agiram?

5. Qual é o papel da mulher retratada no texto? Ela tem identidade própria? Explique.

6. A personagem feminina do conto vive banida do meio social porque sua aparência física

causa repugnância em todos que a veem. Diante disso, que comparações você faria com

fatos retirados da nossa realidade?

7. Existe alguma semelhança dessa história narrada no texto com alguma que você conhece?

8. Se esse conto fosse escrito hoje, como você acha que a protagonista agiria? Justifique.

9. Você concorda com o fato de a personagem ser triplamente oprimida, como mulher, pobre

e caolha? Justifique.

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2 “UMA GALINHA”, DE CLARICE LISPECTOR

A Autora...

Clarice Lispector

Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, no dia 10/12/1920, tendo recebido o nome de Haia Lispector, terceira filha de Pinkouss e Mania Lispector. Seu nascimento ocorre durante a viagem de imigração em direção à América. Em 1922, chegou com a família ao Brasil. Por iniciativa de seu pai, à exceção de uma irmã, todos mudam de nome, e Haia passa a se chamar Clarice. Passou sua infância em Recife e em 1935 mudou-se para o Rio de Janeiro, com o pai e as irmãs, onde se formou em direito. Estreou na literatura ainda muito jovem, em 1942, com 22 anos, recebeu seu primeiro registro profissional, como redatora do Jornal “A Noite”. Escreveu seu primeiro romance “Perto do coração selvagem”, Recebeu o prêmio Graça Aranha da Academia Brasileira de Letras, em 1944, por ter sido considerado o melhor romance de 1943. Em 1960, publicou seu primeiro livro de contos, “Laços de Família”, que recebeu o prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, no ano seguinte. Em 1964, publicou o livro de contos “A legião estrangeira” e o romance “A Paixão Segundo G. H.”, considerado um marco na literatura brasileira. Em 1977 publicou seu romance “A hora da estrela”, que foi adaptado para o cinema em 1985. Morreu no Rio de Janeiro em 09/12/1977.

Fonte: Releituras (“Os melhores textos dos melhores escritores” – Biografias, 2010).

ANTES DA LEITURA DO CONTO

UMA GALINHA (1960)

Ponderando sobre o título...

1. O que esse título sugere?

Uma Galinha

Clarice Lispector

Era uma galinha de domingo. Ainda viva porque não passava de nove horas da manhã. Parecia calma. Desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para

ninguém, ninguém olhava para ela. Mesmo quando a escolheram, apalpando sua intimidade com indiferença, não souberam dizer se era gorda ou magra. Nunca se adivinharia nela um anseio.

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Foi pois uma surpresa quando a viram abrir as asas de curto vôo, inchar o peito e, em dois ou três lances, alcançar a murada do terraço. Um instante ainda vacilou – o tempo da cozinheira dar um grito – e em breve estava no terraço do vizinho, de onde, em outro vôo desajeitado, alcançou um telhado. Lá ficou em adorno deslocado, hesitando ora num, ora noutro pé. [...]

Até que um dia mataram-na, comeram-na e passaram-se anos.

(LISPECTOR, Clarice Uma galinha. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.258-260).

DURANTE A LEITURA

Confirmando ou refutando ideias...

1. Quais das suas expectativas o texto confirmou? Quais refutou? Por quê?

2. Quais outras impressões e sensações novas surgiram com a primeira leitura?

Ampliando os conhecimentos do texto...

1. Quais as características da galinha?

2. Qual a temática desenvolvida no conto?

3. Quem é a protagonista da narrativa? Como você chegou a essa conclusão?

APÓS A LEITURA

Avaliando conhecimentos...

1. “Parecia calma, desde sábado encolhera-se num canto da cozinha. Não olhava para

ninguém, ninguém olhava para ela...” Se começássemos a ler o conto a partir do segundo

parágrafo daria para perceber que se tratava de uma ave “galinha”? Justifique.

2. Daria para associar a personagem galinha a uma espécie de alegoria da condição

feminina? Justifique.

3. Tomando a personagem “galinha” como uma forma de representação da mulher na

sociedade, que mulher seria essa? Como ela é tratada? O que se espera dela?

4. De que modo pode-se vislumbrar aí a ideologia patriarcal?

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3 AMOR, DE CLARICE LISPECTOR

O conto foi escrito muito antes de sua publicação em 1982, portanto, faz alusão a

sociedade da época da década de 1960 para 1970.

ANTES DA LEITURA DO CONTO

AMOR (1982)

Ponderando sobre o título...

1. O que esse título lhe sugere?

2. Que tipo de narrativa você espera encontrar nesse conto?

Amor

Clarice Lispector

Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde. Depositou o volume no colo e o bonde começou a andar. Recostou-se então no banco procurando conforto, num suspiro de meia satisfação.

Os filhos de Ana eram bons, uma coisa verdadeira e sumarenta. Cresciam, tomavam banho, exigiam para si, malcriados, instantes cada vez mais completos. A cozinha era enfim espaçosa, o fogão enguiçado dava estouros. O calor era forte no apartamento que estavam aos poucos pagando. Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte. Como um lavrador. Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam árvores. Crescia sua rápida conversa com o cobrador de luz, crescia a água enchendo o tanque, cresciam seus filhos, crescia a mesa com comidas, o marido chegando com os jornais e sorrindo de fome, o canto importuno das empregadas do edifício. Ana dava a tudo, tranquilamente, sua mão pequena e forte, sua corrente de vida.

Certa hora da tarde era mais perigosa. Certa hora da tarde as árvores que plantara riam dela. Quando nada mais precisava de sua força, inquietava-se. No entanto sentia-se mais sólida do que nunca, seu corpo engrossara um pouco e era de se ver o modo como cortava blusas para os meninos, a grande tesoura dando estalidos na fazenda. Todo o seu desejo vagamente artístico encaminhara-se há muito no sentido de tornar os dias realizados e belos; com o tempo, seu gosto pelo decorativo se desenvolvera e suplantara a íntima desordem. Parecia ter descoberto que tudo era passível de aperfeiçoamento, a cada coisa se emprestaria uma aparência harmoniosa; a vida podia ser feita pela mão do homem. [...]

(LISPECTOR, Clarice. Amor. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.212-219).

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DURANTE A LEITURA

Confirmando ou refutando ideias...

1. Quais das suas expectativas o texto confirmou? Quais refutou? Por quê?

2. Quais outras impressões e sensações novas surgiram com a primeira leitura?

Ampliando os conhecimentos do texto...

1. Um título deve ser a expressão sintética do tema a ser discutido e deve, se possível, ser

sugestivo e atraente. O título escolhido pela autora tem essas propriedades? Explique sua

resposta.

2. Qual a temática abordada no conto que acabamos de ler?

3. Na sua opinião, qual a relação entre o título do conto e o que se passa na narrativa?

4. Descreva como era a protagonista no início da narrativa.

APÓS A LEITURA

Avaliando conhecimentos...

1. Quanto ao papel da mulher representada no conto, ela permanece igual do início ao final

da narrativa? Como você percebe isso?

2. As atitudes da protagonista correspondem ao que se espera da mulher no modelo de

sociedade patriarcal? Justifique.

3. Podemos perceber que a autora faz uma crítica à sociedade patriarcal através da

personagem Ana. Qual a crítica presente nesse conto?

4. Podemos afirmar que a protagonista, ao final da narrativa, consegue se libertar das

convenções sociais a que está integrada e se tornar sujeito das próprias ações? Justifique.

5. Como você avalia a postura da personagem principal na história narrada?

Os dois últimos contos pertencem à obra intitulada Laços de Família. Esta obra está

entre os melhores livros de contos de nossa literatura. São 13 contos centrados, tematicamente, no cotidiano, pois, em várias narrativas, a personagem feminina vivencia experiências cotidianas, partindo de casos aparentemente banais tem revelações fundamentais para sua vida interior. O três contos mais conhecidos são: Amor, Uma Galinha, e Feliz Aniversário.

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4 O JARDIM SELVAGEM, DE LYGIA FAGUNDES TELLES

A Autora...

Lygia Fagundes Telles

Lygia Fagundes Telles nasceu em São Paulo, no Bairro Santa Cecília, em 19/04/1923. Foi a terceira mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras em 12/05/1987, ocupando a cadeira número 16. Morou em várias cidades do interior, já que seu pai era promotor público e constantemente vivia mudando. Iniciou sua carreira como escritora, inicialmente como contista, em 1938, quando publicou “Porão e Sobrado”, composto de 12 contos. Em 1941 conclui o curso de Educação Física e inicia o curso de Direito. Publica outras coletâneas de contos, porém, apesar do sucesso desses trabalhos, não os reedita mais, pois os considera superados. Escreve seu primeiro romance, intitulado “Ciranda de Pedra”, publicado em 1954, ano do nascimento de seu filho Goffredo. Em 1967, em parceira com Salles Gomes, faz a adaptação para o cinema do romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis que foi publicado em 1993, sob o título de “Capitu”. Em 1970, publica a seleção de contos “Antes do Baile Verde”. Sua obra versa sobre as experiências humanas, sobretudo as experiências interiores. Alguns de seus trabalhos: “As meninas” (1973); “Seminário dos ratos” (1977); “As horas nuas” (1989); e em 2005 recebe o Prêmio Camões, o mais importante da literatura de língua portuguesa. Fonte: Portal São Francisco (Biografia de Lygia Fagundes Telles – Biografias, 2010).

ANTES DA LEITURA DO CONTO

O JARDIM SELVAGEM (1965)

Ponderando sobre o título...

1. O que esse título lhe sugere?

O Jardim Selvagem

Lygia Fagundes Telles

Daniela é assim como um jardim selvagem ─ disse tio Ed olhando para o teto. ─ Como um jardim selvagem...

Tia Pombinha concordou fazendo uma cara muito esperta. E foi correndo buscar o maldito licor de cacau feito em casa. Passei a mão na tampa da caixa de marron glacê que ele

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trouxera. Era a segunda ou terceira vez que a presenteava com uma caixa igual, eu já sabia que aquele nome era como o papel dourado embrulhando simples castanhas açucaradas. Mas, e um jardim selvagem? O que era um jardim selvagem?

Foi o que lhe perguntei. Ele me olhou com um ar de gigante da montanha falando com a formiguinha.

─ Jardim selvagem é um jardim selvagem, menina. ─ Ah, bom ─ eu disse. E aproveitei a entrada de tia Pombinha para fugir da sala. A tal

caixa estava mesmo fechada, tão cedo não seria aberta. E o licor de cacau era tão ruim que eu já tinha visto uma visita guardá-lo na boca para depois cuspir. Na bacia, fingindo lavar as mãos.

Mais tarde, quando eu já enfiava a camisola para dormir, tia Pombinha entrou no meu quarto. Sentou-se na cama. A caixa de doces já devia estar enfurnada em alguma gaveta. Sovina, sovina.

─ O Ed casado, imagine! Até parece mentira, o meu querido Ed casado há mais de uma semana. Mas por que não me avisou, Cristo-Rei! [...]

(TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. São Paulo: Editora

Ática, 2003, p.43-50).

DURANTE A LEITURA

Confirmando ou refutando ideias...

1. Quais das suas expectativas o texto confirmou? Quais refutou? Por quê?

2. Quais outras impressões e sensações novas surgiram com a primeira leitura?

Ampliando os conhecimentos do texto...

1. Quem são as personagens femininas representadas nesse conto?

2. Quem é a narradora? Como você a descreveria?

3. Como você justificaria o título do texto?

4. Qual é o tema abordado neste conto?

5. A figura de Daniela surge, aos olhos da narradora Ducha, ora retratada como alguém

encantador, ora como alguém dado a acessos de loucura (pelo discurso de tia Pombinha),

possibilitando ao leitor construir uma figura extremamente ambígua. Como podemos

comprovar essas afirmações?

APÓS A LEITURA

Avaliando conhecimentos...

1. Afinal, o que é um jardim selvagem?

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2. A personagem Daniela não aparece diretamente na narrativa, porém sua imagem nos é

repassada por outras personagens do texto, o que nos permite caracterizá-la. Assim, como

era Daniela?

3. Além de Daniela, temos outra personagem feminina muito presente na vida de Ducha, tia

Pombinha. Caracterize-a.

4. O conto “O Jardim Selvagem” foi escrito em 1965. Considerando o período em que esse

conto foi escrito, meados do século XX, como você caracterizaria a personalidade de

Daniela?

5. Diante das informações obtidas nas questões anteriores, sobre o universo feminino da

narrativa, pode-se perceber que a narradora busca por modelos de mulher, já que a mesma

não definiu ainda seu próprio papel. Diante disso, para você, em qual personagem Ducha

irá se espelhar: Daniela ou tia Pombinha? Por quê?

6. Os contos de Lygia Fagundes Telles são caracterizados pelo final vago, deixando o

desfecho aberto a várias possibilidades de encerramento. Como você terminaria esse

conto?

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5 ANTES DO BAILE VERDE, DE LYGIA FAGUNDES TELLES

ANTES DA LEITURA DO CONTO

ANTES DO BAILE VERDE (1970)

Ponderando sobre o título...

1. O que esse título lhe sugere?

Antes do baile verde

Lygia Fagundes Telles

O rancho azul e branco desfilava com seus passistas vestidos à Luís XV e sua porta-estandarte de peruca prateada em forma de pirâmide, os cachos desabados na testa, a cauda do vestido de cetim arrastando-se enxovalhada pelo asfalto. O negro do bumbo fez uma profunda reverência diante das duas mulheres debruçadas na janela e prosseguiu com seu chapéu de três bicos, fazendo rodar a capa encharcada de suor.

— Ele gostou de você — disse a jovem, voltando-se para a mulher que ainda aplaudia. — O cumprimento foi na sua direção, viu que chique?

A preta deu uma risadinha. — Meu homem é mil vezes mais bonito, pelo menos na minha opinião. E já deve estar

chegando, ficou de me pegar às dez na esquina. Se me atraso, ele começa a encher a caveira e pronto, não sai mais nada.

A jovem tomou-a pelo braço e arrastou-a até a mesa-de-cabeceira. O quarto estava revolvido como se um ladrão tivesse passado por ali e despejado caixas e gavetas.

— Estou atrasadíssima, Lu! Essa fantasia é fogo… Tenha paciência, mas você vai me ajudar um pouquinho.

— Mas você ainda não acabou? Sentando-se na cama, a jovem abriu sobre os joelhos o saiote verde. Usava biquíni e

meias rendadas também verdes. — Acabei o quê! falta pregar tudo isso ainda, olha aí… Fui inventar um raio de

pierrete dificílima! A preta aproximou-se, alisando com as mãos o quimono de seda brilhante. Espetado

na carapinha trazia um crisântemo de papel crepom vermelho. Sentou-se ao lado da moça. — O Raimundo já deve estar chegando, ele fica uma onça se me atraso. A gente vai

ver os ranchos, hoje quero ver todos. [...]

(TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. São Paulo: Editora Ática, 2003. p.60-69).

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DURANTE A LEITURA

Confirmando ou refutando ideias...

1. Quais das suas expectativas o texto confirmou? Quais refutou? Por quê?

2. Quais outras impressões e sensações novas surgiram com a primeira leitura?

Ampliando os conhecimentos do texto...

1. Qual é a temática abordada nesse conto?

2. A narrativa se desenrola num diálogo entre duas personagens: Tatisa e Lu. Como você

descreveria essas personagens?

3. Os trechos narrados no conto levam o leitor a refletir sobre as inquietações vividas pela

protagonista. Assim, a personagem Tatisa luta consigo mesma porque está dividida entre

os valores da ideologia dominante ou do senso-comum e seus próprios desejos. Quais são

esses valores e desejos?

APÓS A LEITURA

Avaliando os conhecimentos...

1. Como você avalia a postura da personagem Tatisa na história narrada?

2. Que tipos de mulheres estão representadas nesse conto?

3. Percebe-se que a protagonista se divide entre o dever para com o pai moribundo e o desejo

de se divertir livremente. Ao final da narrativa, pode-se afirmar que a protagonista

consegue se libertar desses medos tornando-se sujeito das próprias ações? Justifique.

4. Se você estivesse no lugar da personagem Tatisa, o que faria? Por quê?

5. A história narra um dos momentos mais angustiante da vida humana. Esta angústia é

passada ao leitor ao final do conto. A que ideia remeteria a desfecho do conto?

6. Diante das reflexões apresentas com as leituras dos contos, responda as questões abaixo:

a) Como a mulher tem sido retratada na literatura através dos tempos?

b) Em qual dos contos lidos você visualiza melhor a mulher de hoje? Por quê?

c) Você acredita que as mulheres de hoje ainda têm muito a conquistar? O quê?

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REFERÊNCIAS

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ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 2003 (Coleção Primeiros Passos).

BRUM, Eliane. Quem são essas mulheres? Revista Época, São Paulo, Sociedade, n.488, p.116, 24 set. 2007.

CONTOS DA MEIA-NOITE. A Caolha. Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v= A3yFqsii84k>. Acesso em: 30 dez. 2009.

DUARTE, Constância Lima. Feminismo e Literatura no Brasil. Estudos Avançados, São Paulo, v.17, n.49, p.151-172, 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ea/v17n49/ 18402.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2010.

DUARTE, Eduardo de Assis. Iracema: a expansão portuguesa sob o signo de Eva. In: RAMALHO, Cristina (Org.). Literatura feminina : proposta teóricas e reflexões críticas. Rio de Janeiro: ELO, 1999. v.1, p.195-202.

GRACILIANO RAMOS. São Bernardo. 78.ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

LIPSECTOR, Clarice. Amor. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.212-219.

LISPECTOR, Clarice Uma galinha. In: MORICONI, Ítalo (Org.). Os cem melhores contos brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.258-260.

MACHADO DE ASSIS, J. M. Dom Casmuro. São Paulo: Editora Egéria Ltda, 1979 (Obras Selecionadas, v.3).

MENEGASSI, R. J. Compreensão e Interpretação no processo de ensino: noções básicas ao professor. Unimar , Maringá: UEM, v.17, ano 1, p.85-94, 1995.

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MENEGASSI, R. J. (Org.). Leitura e ensino: formação de professores EAD, 19. Maringá: EDUEM, 2005.

PORTAL SÃO FRANCISCO. Biografia de Júlia Lopes de Almeida. Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/julia-lopes-de-almeida/julia-lopes-de-almeida.php>. Acesso em: 16 jun. 2010.

PORTAL SÃO FRANCISCO. Biografia de Lygia Fagundes Telles. Disponível em: <http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/lygia-fagundes/lygia-fagundes-2.php>. Acesso em: 11 maio 2010.

REIS, Roberto. Cânon. In: JOBIM, José L. Palavras da crítica: tendências e conceitos no estudo da literatura. Rio de Janeiro: Imago, 1992. p.65-77.

RELEITURAS. “Os melhores textos dos melhores escritores”. Biografias. Disponível em: <http://www.releituras.com/clispector_bio.asp >. Acesso em: 11 maio 2010.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. 6.ed. Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr-do-sol e outros contos. 19.ed. São Paulo: Ática, 2003.

ZOLIN, Lúcia Osana. Desconstruindo a opressão: a imagem feminina em a república dos sonhos de Nélida Piñon. Maringá: Eduem, 2003.

ZOLIN, Lúcia Osana. Literatura de autoria feminina. In: BONNICI, T. ZOLIN, L. O. (Org.). Teoria Literária : abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3.ed. Maringá: Eduem, 2009. Cap.18, p.327-335.