da escola pÚblica paranaense 2009 - … · a definição de dislexia afirmada pela world...
TRANSCRIPT
O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Produção Didático-Pedagógica
Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE
VOLU
ME I
I
GOVERNO DO PARANÁSECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ
PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDEFORMAÇÃO CONTINUADA EM REDE
CADERNO TEMÁTICO
DISLEXIA DO DESENVOLVIMENTO: ALGUMAS CONTRIBUIÇÕES PEDAGÓGICAS
Professora PDE: Marilda Inêz Henke
Disciplina: Pedagogia
Professor Orientador:
Professora Mestra Thais de Sá Gomes
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE – UNICENTRO
PITANGA2010
1
Uma criança não é muito desejosa de aperfeiçoar o instrumento com o qual a atormentamos; mas fazei com que esse instrumento s irva aos seus prazeres e logo e la se interessar á por ele , apesar de vós . Fazemos muita questão de pesquisar os melhores métodos de ensinar a ler, inventamos as escr ivaninhas, os mapas, fazemos do aposento de uma crian ça uma ofic ina t ipográfica ( . . . ) . Que pitoresco! Um meio mais seguro que tudo isso e o que esquecemos sempre é o desejo de aprender. Dai à cr iança esse dese jo , depois penseis em vossas escrivaninhas ( . . . ) : qualquer método lhe será bom. O interesse presente; eis a grande motiva ção, a única que leva seguramente e longe. ( . . . ) Acrescentarei estas s imples palavras que constituem uma importante máxima; é que habitualmente obtemos muito segura e rapidamente aqui lo que n ão nos é press ionado a conquistar.(J . J . Rousseau, em Emile ou Trait é de L ’Education )
2
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................04
ALFABETIZAÇÃO............................................................................................06
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO...............................................................08
MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO...................................................................13
A FRAGMENTAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA......................................20
PRIMEIROS INDÍCIOS DE DISLEXIA..............................................................23
A IDENTIFICAÇÃO DA CRIANÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO.......................28
MODELOS DE RECONHECIMENTO DE PALAVRAS....................................35
TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA.............................41
MODELOS TEÓRICOS ATUAIS DA DISLEXIA DO DESENVOLVIMIENTO..47
DISLEXIA – INTERVENÇÕES……………………………………………………..58
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA......................................................................72
3
INTRODUÇÃO
A leitura é uma habilidade muito difícil e bastante complexa. É
necessário um extenso aprendizado para que seja completamente dominada,
pois envolve diversos mecanismos de comportamento: identificação das letras,
reconhecimento das palavras, acesso ao significado, integração sintática e
semântica. A aquisição da leitura e da escrita é especificamente uma
característica do ser humano.
Segundo Ellis (1992), o fenômeno de expectativa atual de uma
alfabetização universal é muito moderno. A maioria de nós vem de famílias que
quatro gerações atrás, não possuíam a capacidade de leitura. Nas sociedades
supostamente alfabetizadas do passado, ler e escrever estavam restritos a
uma pequena minoria consistida de religiosos e escribas profissionais. O
segredo da alfabetização era normalmente guardado a sete chaves por
aqueles que a possuíam. Apenas nos últimos 100 anos, ou algo em torno
disso, a alfabetização universal foi declarada um objetivo de muitas
sociedades. O fato é que as sociedades modernas presumem que seus
membros adultos podem ler. Ser analfabeto é estar em uma profunda
desvantagem no mundo moderno.
Considerando que apenas nos últimos 100 anos, surgiu o objetivo
da alfabetização universal, isso justifica o aparecimento dos primeiros relatos,
100 anos atrás, de crianças que, apesar de inteligência normal ou acima do
normal, audição e visão aparentemente normais, vida social favorável,
tivessem dificuldade incomum na aprendizagem da leitura e escrita.
Um percentual significativo de crianças pode apresentar
dificuldades com a aquisição da leitura e escrita, que não podem ser atribuídas:
à fraca visão, ou audição, baixa inteligência ou oportunidades educacionais
inadequadas. A definição de dislexia afirmada pela World Federation of
Neurology é que a “dislexia é um transtorno manifestado por dificuldade na
aprendizagem da leitura, apesar de instrução convencional, inteligência
adequada e oportunidade sócio-cultural” (Critcheley, 1975).
A dislexia trata-se, portanto, de um problema preocupante para a
sociedade e para o futuro de um grande número de crianças. Entre as causas
4
do fracasso escolar, os distúrbios de aprendizagem da leitura e da ortografia
dividem as responsabilidades.
Além dos indícios proporcionados pelas dificuldades da linguagem
verbal, sua própria história familiar pode oferecer indícios úteis em relação à
vulnerabilidade a um outro problema de leitura. A dislexia é comum em muitas
famílias, ter um parente ou um irmão disléxico aumenta a probabilidade de que
você também seja.
Considerando que o que causa a dificuldade de leitura nos
disléxicos do desenvolvimento é biológica, se faz necessário que nós
educadores conheçamos a influência do fator orgânico na aprendizagem
escolar e nos apropriemos do conhecimento produzido pelas neurociências,
para elaboração e aplicação de estratégias que facilitem e auxiliem no
desenvolvimento da leitura e consequentemente escrita de alunos disléxicos.
A organização deste Caderno Temático composto por textos com
abordagem do tema, tem como objetivo, subsidiar com conhecimento científico
atual, os professores de Salas de Recursos.
5
ALFABETIZAÇÃO
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
A alfabetização consiste no aprendizado do alfabeto e de sua
utilização como código de comunicação. De um modo mais abrangente, a
alfabetização é definida como um processo no qual o indivíduo constrói a
gramática e em suas variações. Esse processo não se resume apenas na
aquisição dessas habilidades mecânicas (codificação e decodificação) do acto
de ler, mas na capacidade de interpretar, compreender, criticar, resignificar e
produzir conhecimento.Todas essas capacidades citadas anteriormente só
serão concretizadas se os alunos tiverem acesso a todos os tipos de
portadores de textos. O aluno precisa encontrar os usos sociais da leitura e da
escrita. A alfabetização envolve também o desenvolvimento de novas formas
de compreensão e uso da linguagem de uma maneira geral. A alfabetização de
um indivíduo promove sua socialização, já que possibilita o estabelecimento de
novos tipos de trocas simbólicas com outros indivíduos, acesso a bens culturais
e a facilidades oferecidas pelas instituições sociais. A alfabetização é um fator
propulsor do exercício consciente da cidadania e do desenvolvimento da
sociedade como um todo.
Letramento
Letramento não é necessariamente o resultado de ensinar a ler e
a escrever. É o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um
indivíduo como conseqüência de ter-se apropriado da escrita (SOARES, 2003).
Surge, então, um novo sentido para o adjetivo letrado, que significava apenas
“que, ou o que é versado em letras ou literatura; literato” (MICHAELIS), e que
agora passa a caracterizar o indivíduo que, sabendo ler ou não, convive com
as práticas de leitura e escrita. Por exemplo, quando um pai ler uma história
para seu filho dormir, a criança está em um processo de letramento, está
convivendo com as práticas de leitura e escrita. Não se deve, portanto,
restringir a caracterização de um indivíduo letrado ao que domina apenas a
técnica de escrever(ser alfabetizado), mas sim aquele que utiliza a escrita e
6
sabe "responder às exigências de leitura e escrita que a sociedade faz
continuamente".
Leitura
O aprendizado da leitura é um momento importante na educação,
que começa na alfabetização e se estende por toda educação básica. Consiste
em garantir que o [estudante|aluno] consiga ler e compreender textos, em todo
e qualquer nível de complexidade. Depois da fase inicial de alfabetização, faz-
se necessária a prática da leitura e da interpretação de textos. Uma vez
alfabetizado, é possível o indivíduo ampliar seu nível de leitura e de letramento,
de forma a tornar-se um sujeito autônomo e consciente. Por outro lado, a
alfabetização por si só não assegura o desenvolvimento do cidadão, como uma
panacéia para todo e qualquer mal oriundo da falta do saber.
Aprendizado da leitura na escola
A alfabetização formal se fixa no primeiro e segundo anos do
ensino básico. A partir daí considera-se que o aluno já é um leitor e começa-se
um período de interpretação de textos que parte deste pressuposto.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o
Acesso em: 25/05/2010.
7
EMÍLIA FERREIRO EM UMA ENTREVISTA
À REVISTA NOVA ESCOLA
Emilia Ferreiro, radicada no México, psicóloga e pesquisadora
argentina, radicada no México, fez doutorado na Universidade de Genebra, sob
a orientação de Jean Piaget.
"Emilia Ferreiro aprofunda um aspecto importante no processo de
construção da leitura e escrita: problema cognitivo envolvido no
estabelecimento da relação entre o todo e as partes que o constituem. Emilia
nos mostra que a criança elabora uma série de hipóteses trabalhadas através
da construção de princípios organizadores, resultados não só de vivências
externas mas também por um processo interno. Mostra também como a
criança assimila seletivamente as informações disponíveis e como interpreta
textos escritos antes de compreender a relação entre as letras e os sons da
linguagem." (Emilia Ferreiro - Alfabetização em Processo - Cortez. Editora)
Desde os anos 1980, não é possível tratar de alfabetização sem
falar de Emilia Ferreiro. A psicolinguista argentina, discípula de Jean Piaget
revolucionou o conhecimento que se tinha sobre a aquisição da leitura e da
escrita quando lançou, com Ana Teberosky, o livro Psicogênese da Língua
Escrita em que descreve os estágios pelos quais as crianças passam, até
compreender o ler e o escrever. Crítica ferrenha da cartilha, ela defende que os
alunos, ainda analfabetos, devem ter contato com diversos tipos de texto.
Passadas mais de duas décadas, o tema permanece no centro dos interesses
da pesquisadora, que se indigna com quem defende o método fônico de
alfabetização, baseado em exercícios para treinar a correspondência entre
grafemas e fonemas. Professora do Centro de Investigação e Estudos
Avançados do Instituto Politécnico Nacional, do México, Emilia está à frente do
site www.chicosyescritores.org, em que estudantes escrevem em parceria com
autores renomados e publicam os próprios textos.
Repórter - O que é ser alfabetizado hoje?
8
Emília Ferreiro - Considero a alfabetização não um estado, mas um processo.
Ele tem início bem cedo e não termina nunca. Nós não somos igualmente
alfabetizados para qualquer situação de uso da língua escrita. Temos mais
facilidade para ler determinados textos e evitamos outros. O conceito também
muda de acordo com as épocas, as culturas e a chegada da tecnologia.
Repórter - A senhora sustenta a importância de levar o estudante a refletir
sobre a escrita, já que é assim que ele aprende. Qual sua opinião sobre o
método fônico (baseado no treinamento prévio da correspondência entre
grafemas e fonemas)?
Emília Ferreiro - Eu não aceito discutir alfabetização hoje nos mesmos termos
que se discutia nos anos 1920. Os defensores do método fônico não levam em
conta um dado que sabemos hoje ser fundamental, que é o nível de
conscientização da criança sobre a escrita. Ignorar que ela pensa e tem
condições de escrever desde muito cedo é um retrocesso. Eu não admito que a
proíbam de escrever. A tradição fônica sempre dominou nos países anglo-
saxões. E lá se aprende a ler antes de escrever. Felizmente não é o que
acontece nos países latinos. Repórter - O que é essa consciência fonológica?
Emília Ferreiro - É a possibilidade de fazer voluntariamente certas operações
com a oralidade que não são espontâneas. É possível dizer uma palavra,
"lado", por exemplo, e depois omitir o primeiro segmento fônico. "Ado" não
significa nada. Isso pode ser um jogo divertido. A língua tem a propriedade de
ser partida em unidades de distintos tipos até chegar às letras. Aí não posso
dividir mais. Essa é uma habilidade humana. A divisão em sílabas se dá
praticamente em todas as culturas.
"Ignorar que a criança pensa e tem condições de escrever desde muito
cedo é um retrocesso"
Repórter - De que maneira se adquire a consciência fonológica?
Emília Ferreiro - Desde pequenos participamos naturalmente de jogos em que
cada sílaba corresponde a uma palma, por exemplo. A única divisão que não
surge naturalmente no desenvolvimento é em unidades menores que uma
9
sílaba, ou seja, em fonemas. Um adulto analfabeto e uma criança analfabeta
não conseguem fazer isso de maneira espontânea. Quando eu adquiro a
linguagem oral, tenho uma certa capacidade de distinção fônica, senão não
distinguiria pata de bata. Mas parece que isso funciona num universo
completamente inconsciente.
Repórter - O que vem primeiro, a aquisição do sistema alfabético ou a
consciência fonológica?
Emília Ferreiro - À medida que a criança se aproxima da escrita alfabética, sua
capacidade de análise do oral também permite análises de pedaços cada vez
menores do que é falado. A discussão é a seguinte: já que as duas coisas
ocorrem ao mesmo tempo, tenho de desenvolver primeiro a consciência
fonológica esperando que ela se aplique à escrita? Ou posso introduzir o aluno
na escrita para que haja uma contribuição à sua consciência fonológica?
Acredito na segunda opção. Isso se dá em virtude do contato dele com os
textos, do seu esforço para escrever e do trabalho em pequenos grupos, onde
ele discute com os colegas a necessidade de utilizar determinadas letras.
Repórter - Essa relação entre a consciência fonológica e a aquisição do
sistema alfabético tem sido estudada por pesquisadores?
Emília Ferreiro - Publiquei um artigo em 1999 sobre um estudo realizado com
crianças com média de idade de 5 anos e 7 meses, no México. Eram passadas
tarefas que verificavam a consciência fonológica dos estudantes, isto é, se eles
eram capazes de analisar palavras em pedaços menores que sílabas. Ao
mesmo tempo, eles realizavam exercícios que investigavam seu nível de
conceituação da escrita. As crianças eram da pré-escola e não estavam sendo
alfabetizadas. Os resultados mostraram correlações altíssimas entre o nível de
conscientização da escrita e os recortes em contextos orais. Duas
pesquisadoras americanas acabaram de publicar um estudo com crianças
inglesas em que as mesmas conclusões são apresentadas.
10
Repórter - Com a internet, o perfil do leitor mudou. No contato com a rede, há
alguma diferença no desempenho dos estudantes alfabetizados nessas duas
metodologias?
Emília Ferreiro - Sempre defendi o acesso imediato da criança a jornais,
revistas, livros de literatura, dicionários, enciclopédias. A tendência de quem
não compartilha da minha opinião é ter livros com níveis de dificuldades
seriados. Com o advento da internet nasceu também o espaço mais intertextual
e mais variado que existe, mais até que uma biblioteca. Ou seja, quem está
alfabetizando com textos variados prepara sua turma muitíssimo mais para a
internet do que quem faz um trabalho mostrando primeiro uma letrinha e depois
a outra. Para utilizar o computador e a internet é preciso enfrentar todo o
alfabeto ao mesmo tempo. No teclado, as letras aparecem juntas — e, como se
não bastasse, fora de ordem.
"Letramento no lugar de alfabetização, tudo bem. A coexistência dos
dois termos é que não funciona"
Repórter - Além da alfabetização, hoje se fala muito em letramento. De onde
vem o termo?
Emília Ferreiro - A palavra letramento é tradução de literacy. Em sua origem,
ela significa alfabetização e muito mais. Se entrarmos em qualquer site de
busca e digitarmos "literacy" aparecem muitos endereços. Encontra-se uma
série de combinações com esse termo, como computer literacy, mostrando que
o significado atual dessa palavra em inglês é expertise, é ter conhecimento.
Mas é muito importante compreender que a expressão computer literacy não
designa a habilidade de usar a língua escrita por meio de um computador. Seu
significado é a habilidade para usar os comandos da máquina, para entrar num
processador de texto e nos programas elementares.
Repórter - Letramento é a melhor tradução para literacy?
Emília Ferreiro - Não. É cultura escrita. E isso não tem início depois da
aprendizagem do código. Acontece, por exemplo, no momento em que um
11
adulto lê em voz alta para uma criança — e nas famílias de classe média isso
ocorre muito antes do início da escolaridade. Ou seja, o processo de
alfabetização é desencadeado com o acesso à cultura escrita.
Repórter - O letramento representa um conceito novo ou é apenas um
modismo?
Emília Ferreiro - Há algum tempo, descobriram que no Brasil, podia usar a
expressão letramento. E o que aconteceu com a alfabetização? Virou sinônimo
de decodificação. Letramento passou a ser o estar em contato com distintos
tipos de texto, o compreender o que se lê. Isso é um retrocesso. Eu me nego a
aceitar um período de decodificação prévio àquele em que se passa a perceber
a função social do texto. Acreditar nisso é dar razão à velha consciência
fonológica.
Repórter - É indispensável usar o termo letramento, então?
Emília Ferreiro - Eu não uso a palavra letramento. Se houvesse uma votação e
ficasse decidido que preferimos usar letramento em vez de alfabetização, tudo
bem. A coexistência dos termos é que não dá.
Fonte: http://pedagogia.tripod.com/emilia_ferreiro.htm
Acesso: em 15/05/2010.
12
MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO Christianne Visvanathan
O melhor método para a alfabetização é um discussão antiga
entre os especialistas no assunto e também entre os pais quando vão escolher
uma escola para seus filhos começarem a ler as primeiras palavras e frases.
No caso brasileiro, com os elevados índices de analfabetismo e os graves
problemas estruturais na rede pública de ensino, especialistas debatem qual
seria o melhor método para revolucionar, ou pelo menos, melhorar a educação
brasileira. Ao longo das décadas, houve uma mudança da forma de pensar a
educação, que passou de ser vista da perspectiva de como o aluno aprende
e não como o professor ensina.
©
São muitas as formas de alfabetizar e cada uma delas destaca um aspecto no
aprendizado. Desde o método fônico, adotado na maioria dos países do
mundo, que faz associação entre as letras e sons, passando pelo método da
linguagem total, que não utiliza cartilhas, e o alfabético, que trabalha com o
soletramento, todos contribuem, de uma forma ou de outra, para o processo de
alfabetização.
Métodos sintéticos ou analíticos
13
Existem duas opções para o ensino da leitura: ou parte-se da parte para o todo,
que são os métodos sintéticos, ou parte-se do todo para as partes, os
chamados métodos analíticos. A partir desses métodos, é possível delinear
também como funcionam os métodos de alfabetização.
Método sintético
O método sintético estabelece uma correspondência entre o som e a grafia,
entre o oral e o escrito, através do aprendizado por letra por letra, ou sílaba
por sílaba e palavra por palavra. Os métodos sintéticos podem ser divididos em
três tipos: o alfabético, o fônico e o silábico. No alfabético, o estudante
aprende inicialmente as letras, depois forma as sílabas juntando as consoantes
com as vogais, para, depois, formar as palavras que que constroem o texto.
No fônico, também conhecido como fonético, o aluno parte do som das letras,
unindo o som da consoante com o som da vogal, pronunciando a sílaba
formada. Já no silábico, ou silabação, o estudante aprende primeiro as sílabas
para formar as palavras. Por este método, a aprendizagem é feita primeiro
através de uma leitura mecânica do texto, através da decifração das palavras,
vindo posteriormente a sua leitura com compreensão. Neste método, as
cartilhas são utilizadas para orientar os alunos e professores no aprendizado,
apresentando um fonema e seu grafema correspondente por vez, evitando
confusões auditivas e visuais. Como este aprendizado é feito de forma
mecânica, através da repetição, o método sintético é tido pelos críticos como
mais cansativo e enfadonho para as crianças, pois é baseado apenas na
14
repetição e é fora da realidade da criança, que não cria nada, apenas age sem
autonomia.
Método Analítico
O método analítico, também conhecido como “método olhar-e-dizer”, defende
que a leitura é um ato global e audiovisual. Partindo deste princípio, os
seguidores do método começam a trabalhar a partir de unidades completas
de linguagem para depois dividi-las em partes menores. Por exemplo, a
criança parte da frase para extrair as palavras e depois, dividi-las em unidades
mais simples, as sílabas.
Este método pode ser divido em palavração, sentenciação ou global. Na
palavração, como o próprio nome diz, parte-se da palavra. Primeiro, existe o
contato com os vocábulos em uma seqüência que engloba todos os sons da
língua e, depois da aquisição
Com um número de palavras, inicia-se a formação das frases.
Na sentenciação, a unidade inicial do aprendizado é a frase, que é depois
dividida em palavras, de onde são extraídos os elementos mais simples: as
sílabas. Já no global, também conhecido como conto e estória, o método é
composto por várias unidades de leitura que têm começo, meio e fim, sendo
ligadas por frases com sentido para formar um enredo de interesse da criança.
Os críticos deste método dizem que a criança não aprende a ler, apenas
decora.
Método alfabético
Um dos mais antigos sistemas de alfabetização, o método alfabético, também
conhecido como soletração, tem como princípio de que a leitura parte da
decoração oral das letras do alfabeto, depois, todas as suas combinações
silábicas e, em seguida, as palavras. A partir daí, a criança começa a ler
sentenças curtas e vai evoluindo até conhecer histórias.
Por este processo, a criança vai soletrando as sílabas até decodificar a palavra.
Por exemplo, a palavra casa soletra-se assim c, a, ca, s, a, sa, casa. O
método Alfabético permite a utilização de cartilhas. As principais críticas a este
método estão relacionadas à repetição dos exercícios, o que o tornaria tedioso
para as crianças, além de não respeitar os conhecimentos adquiridos pelos
alunos antes de eles ingressarem na escola.
15
O método alfabético, apesar de não ser o indicado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais, ainda é muito utilizado em diversas cidades do interior
do Nordeste e Norte do país, já que é mais simples de ser aplicado por
professores leigos, através da repetição das Cartas de ABC, e na alfabetização
doméstica.
A velha cartilha Caminho Suave
Centro de Referência em Educação Mário Covas
Uma das primeiras capas da cartilhaA grande maioria dos brasileiros alfabetizados até os anos de 1970 e início dos 80 teve na cartilha Caminho Suave o seu primeiro passo para o aprendizado das letras. Com mais de 40 milhões de exemplares vendidos desde a sua criação, a cartilha idealizada pela educadora Branca Alves de Lima, que morreu em 2001, aos 90 anos, teve um grande sucesso devido à simplicidade de sua técnica.
Na tentativa de facilitar a memorização das letras, vogais e consoantes, e depois das sílabas para aprender a formar as palavras, a então professora Branca, no final da década de 40, criou uma série de desenhos que continham a inicial das palavras: o “A” no corpo da abelha, o “F” no cabo da faca, o “G”, no corpo do gato.
Por causa da facilidade no aprendizado por meio desta técnica, rapidamente a cartilha tornou-se o principal aliado na alfabetização brasileira até o início dos anos 80, quando o construtivismo começou a tomar forma. Em 1995, o Ministério da Educação retirou a cartilha do seu catálogo de livros. Apesar disto, estima-se que ainda são vendidas 10 mil cartilhas por ano no Brasil.
16
Método Fônico
O método fônico consiste no aprendizado através da associação entre fonemas
e grafemas, ou seja, sons e letras. Esse método de ensino permite primeiro
descobrir o princípio alfabético e, progressivamente, dominar o conhecimento
ortográfico próprio de sua língua, através de textos produzidos especificamente
para esse fim. O método é baseado no ensino do código alfabético de forma
dinâmica, ou seja, as relações entre sons e letras devem ser feitas através
do planejamento de atividades lúdicas para levar as crianças a aprender a
codificar a fala em escrita e a decodificar a escrita no fluxo da fala e do
pensamento.
O método fônico nasceu como uma crítica ao método da soletração ou
alfabético. Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais. Depois são
ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, estabelecidas relações mais
complexas. Cada letra é aprendida como um fonema que, juntamente com
outro, forma sílabas e palavras. São ensinadas primeiro as sílabas mais
simples e depois as mais complexas. Visando aproximar os alunos de algum
significado é que foram criadas variações do método fônico. O que difere uma
modalidade da outra é a maneira de apresentar os sons: seja a partir de uma
palavra significativa, de uma palavra vinculada à imagem e som, de um
personagem associado a um fonema, de uma onomatopéia ou de uma história
para dar sentido à apresentação dos fonemas. Um exemplo deste método é o
professor que escreve uma letra no quadro e apresenta imagens de objetos
que comecem com esta letra. Em seguida, escreve várias palavras no quadro e
pede para os alunos apontarem a letra inicialmente apresentada. A partir do
conhecimento já adquirido, o aluno pode apresentar outras palavras com esta
letra.
Os especialistas dizem que este método alfabetiza crianças, em média, no
período de quatro a seis meses. Este é o método mais recomendado nas
diretrizes curriculares dos países desenvolvidos que utilizam a linguagem
alfabética.
A maior crítica a este método é que não serve para trabalhar com as muitas
exceções da língua portuguesa. Por exemplo, como explicar que cassa e caça
têm a mesma pronúncia e se escrevem de maneira diferente?
17
Método da linguagem total
Também conhecido como “whole language”, a Linguagem Total, criada pelos
lingüistas Keneth e Yetta Goodman, tem como principal tese a idéia de que se
“aprende lendo”, e que, portanto, a utilização de imagens e sons deve ser
evitada. Por este método, o professor apresenta textos para os alunos e os lê
em voz alta, fazendo com que os estudantes acompanhem. A partir daí, a
criança começa a conhecer a linguagem escrita, aprendendo as palavras, as
sílabas e as letras.
Sem utilizar cartilhas, este método, que foi bastante disseminado nos Estados
Unidos, teve como principal crítica a falta de questões relacionadas à
compreensão da natureza alfabética do sistema de escrita e à aprendizagem
do valor sonoro do alfabeto. Embora em menor escala, este método ainda é
utilizado em estabelecimentos alternativos no Brasil.
Os parâmetros nacionais e o método construtivista
Os Parâmetros Curriculares Nacionais, também conhecido como PCN´s, são
uma espécie de manual para as escolas sobre como deveria ser a orientação
para o ensino, de acordo com o Ministério da Educação. Criado em 1998, este
documento tem como função orientar e garantir a coerência dos investimentos
no sistema educacional, socializando discussões, pesquisas e recomendações,
subsidiando a participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente
daqueles que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção
pedagógica atual.
Os PCNs propõem um currículo baseado no domínio das competências
básicas e que esteja em consonância com os diversos contextos de vida
dos alunos: "Mais do que reproduzir dados, denominar classificações ou
identificar símbolos, estar formado para a vida, num mundo como o atual, de
tão rápidas transformações e de tão difíceis contradições, significa saber se
informar, se comunicar, argumentar, compreender e agir, enfrentar problemas
de qualquer natureza, participar socialmente, de forma prática e solidária, ser
capaz de elaborar críticas ou propostas e, especialmente, adquirir uma atitude
de permanente aprendizado”. Diz o documento.
18
Os PCN´s foram estabelecidos a partir de uma série de encontros, reuniões e
de discussão realizados por especialistas e educadores de todo o país, de
acordo com as diretrizes gerais estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases.
Segundo o MEC, estes documentos foram feitos para ajudar o professor na
execução de seu trabalho, servindo de estímulo e apoio à reflexão sobre a sua
prática diária, ao planejamento das aulas e, sobretudo, ao desenvolvimento do
currículo da escola, formando jovens brasileiros para enfrentar a vida adulta
com mais segurança.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais defendem a linha construtivista como
método de alfabetização. Surgida na década de 80, a partir de estudiosas da
área como Ana Teberowsky e Emília Ferreiro, esta linha defende que a escola
deve valorizar o conhecimento que a criança tem antes de ingressar no
estabelecimento. A sua ênfase é na leitura e na língua escrita.
Os construtivistas são contra a elaboração de um material único para ser
aplicado a todas as crianças, como as cartilhas, e rejeitam a prioridade do
processo fônico. Por este método, as escolas, durante o processo de
alfabetização, devem utilizar textos que estejam próximos do universo da
criança.
Os defensores do método fônico culpam o construtivismo, base dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, pelos problemas de alfabetização no Brasil.
Segundo os críticos, a concepção construtivista, em muitos casos, ignora que
os estudantes de classe baixa, vindos de famílias menos letradas, trazem de
casa uma bagagem cultural muito pequena, dificultando a sua adaptação a
este método.
Fonte: http://pessoas.hsw.uol.com.br/metodo-de-alfabetizacao5.htm
Acesso em 24/05/2010.
19
A FRAGMENTAÇÃO DO CONCEITO DE DISLEXIA Bernadette Piérart
Há mais de quarenta anos, nos países de língua francesa, o
termo dislexia designa os distúrbios específicos de aprendizagem da leitura. Na
maior parte dos casos, é o fracasso escolar que revela esses distúrbios de
aprendizagem mais ou menos rapidamente, de acordo com os sistemas de
compensação utilizados pelas crianças. Não é, portanto, de se espantar que se
interesse por essas dificuldades os profissionais questionados sobre tal
fracasso, como professores, pedagogos, psicólogos escolares, bem como
médicos, particularmente os pediatras e os oftalmologistas, consultados por
que a criança não sabe ler, e fonoaudiólogos, solicitados para tratar essas
dificuldades.
Foi principalmente entre 1972 e 1980 que o conceito de dislexia
tornou-se progressivamente desacreditado, tanto sob a influência dos
progressos teóricos e metodológicos realizados em neuropsicologia, quanto à
luz das conclusões das pesquisas metodologicamente bem conduzidas na
corrente instrumental.
Em neuropsicologia do adulto, muitos autores chamam a atenção
para os subtipos de dislexia. Segundo uma metodologia de análise de casos,
Marshall & Newcomb (1966, 1973) dedicam-se a descrever os erros de leitura
específicos dos subtipos da dislexia. Distinguem três variedades nas
perturbações léxicas produzidas por seus pacientes: dislexia visual, em que as
palavras emitidas são graficamente semelhantes às palavras a serem lidas; a
dislexia de superfície, na qual os erros parecem se originar de uma má
aplicação das regras de correspondência grafema-fonema; a dislexia profunda,
em que os pacientes produzem erros semânticos (por exemplo, lêem capim por
grama). Esses primeiros trabalhos estimularam a análise minuciosa dos
distúrbios léxicos. Essa análise presta bastante atenção na influência das
variáveis ligadas ao material apresentado, assim como na atividade solicitada
ao indivíduo (compreensão, leitura em voz alta, tarefa de decisão lexical).
O interesse dessa abordagem e de outras que a seguiram é,
certamente, enriquecer a semiologia dos distúrbios adquiridos de leitura. No
domínio da dislexia infantil, sua vantagem – típica de uma abordagem
cognitivista da leitura – foi demonstrar que existem muitas vias possíveis para
20
acessar a significação de uma palavra escrita, enquanto modelos de leitura
elaborados até então levaram em conta apenas uma via: a codificação
grafema-fonema.
No plano teórico, o conceito de dislexia literalmente fragmentou-
se atualmente, dando nascimento a uma série de abordagens ao mesmo
tempo genéticas e comparativas. Estuda-se o desenvolvimento das habilidades
léxicas de crianças que dominam mais ou menos rapidamente, mais ou menos
bem diversas facetas do comportamento da leitura. Três dessas facetas
(Lecocq, 1991; Casalis & Lecocq, 1992) podem, atualmente, ser consideradas
decisivas na aprendizagem da leitura e desempenhar, portanto, um papel
crucial nos distúrbios de aprendizagem: a consciência fonética e a aptidão para
segmentar o material verbal em unidades menores que a sílaba; a rapidez de
denominação e de acesso ao léxico mental; a manutenção da informação
fonética na memória de trabalho.
Os novos modelos teóricos assimilam certas concepções dos
modelos anteriores que reconsideram. Interessa, portanto realizar uma escolha
entre as práticas avaliatórias ligadas aos modelos antigos e eliminar aquelas
que não mais fornecem a informação apropriada.
A avaliação clássica abrange, habitualmente, quatro domínios: o
funcionamento cognitivo, as aquisições escolares, os fatores instrumentais, a
personalidade.
Para avaliar o funcionamento cognitivo, utiliza-se, geralmente, o
WISC. Esse teste também faz parte do esquema de avaliação preconizado por
Debray-Ritzen e por Boder, devendo ser conservado em razão das
possibilidades oferecidas de interpretação dos perfis (Grégoire, 1992). Deve-
se, entretanto, ter o cuidado para utilizar a forma revisada (WISC-R) e basear-
se em padronizações mais recentes.
Para avaliar a leitura e ortografia, as provas simulando,
aparentemente, o saber ler (aqui compreendido o teste de Alouette,
Debray e Cols, 1972) são úteis para determinar rapidamente um nível de
leitura. Mas elas devem, de qualquer forma, ser complementadas por outras
avaliações da leitura, como a análise clínica dos erros, sem dedicar excessiva
atenção aos erros considerados típicos de dislexia: confusões em espelho
(Orton,1937, omissões, acréscimos, confusões diversas (Hinselwood, 1985;
21
Borel-Maisonny, 1950; Chassagny, 1996), confusões surdas-sonoras (Borel-
Maisonny, 1952), mas interessando-se, sobretudo, pelos erros que afetam
diversos tipos de material lingüístico (sucede-se a isso a via aberta pela
neuropsicologia).
A avaliação dos fatores instrumentais (ou associados) fornece
informações consideradas índices das funções cognitivas, no momento dos
exames foniátricos ou neuropediátricos minuciosos. Para fins de detecção ou
de exame rápido, as provas instrumentais são pouco indicativas, com exceção
das provas de ritmo. O exame da lateralização não é muito útil (Bonato&
Piérart, 1990). As crianças com dificuldades de leitura têm problemas para
distinguir a esquerda da direita (Vellutino, 1979; Bonato & piérart, 1990), mas
trata-se do “efeito Mathieu”, proposto por Stanovich (1986). A avaliação da
orientação espacial, como índice das representações hemisféricas cerebrais
(Orton, 1973; Bender, 1983) ou da maturidade cerebral (De Hirsh & Janski,
1968; Belmont & Birch, 1965), não é mais confiável: sua relação com o nível de
desempenho em leitura não é demonstrada (Piérart & bonato, 1988). A prova
de Stambak é complexa: constante inferioridade das crianças más leitoras
permite supor que envolva a memória seqüencial (Lecocq e Cols, 1983).
O exame da personalidade conserva toda a sua importância numa
perspectiva de reeducação. Com efeito, numerosos comportamentos de
crianças disléxicas muito graves, tais como as encontradas nos grupos de
fonoterapia (Dejong-Estienne, 1983), podem, frequentemente, ser
considerados como reações às dificuldades existentes anteriormente.
Os modelos teóricos atuais abrem novas perspectivas para os
projetos de avaliação. Para análise das dificuldades de leitura da criança,
tornou-se necessário dispor-se de provas analíticas, nas quais o material a ser
lido é cuidadosamente controlado, de provas que se dedicam a avaliar as
estratégias de compreensão e de provas que examinam os comportamentos
lingüísticos e metalingüísticos precursores da leitura. Muitas dessas provas já
existem. A maioria foi elaborada para fins de pesquisa, mas algumas foram
colocadas à disposição dos clínicos (Khomsi, 1990).
22
PRIMEIROS INDÍCIOS DE DISLEXIA Sally Shaywitz
O primeiro sinal indicativo de dislexia pode ser um atraso na fala.
As crianças vulneráveis à dislexia talvez não comecem a pronunciar as
primeiras palavras antes de aproximadamente 1 ano e 3 meses de idade e
também não pronunciem frases antes de completar 2 anos. Como o atraso é
modesto, geralmente é atribuído a um histórico familiar começar a falar mais
tarde. Embora um atraso aparentemente inocente ao falar possa ser de ordem
familiar, a dislexia também o é, podendo ser um sinal precoce de um futuro
problema de leitura – especialmente em uma família que tenha um histórico de
dislexia. Além disso, algumas crianças disléxicas podem não demonstrar um
atraso na fala ou então, tal atraso pode ser sutil e passar despercebido.
Tentativas de pronunciar uma nova palavra pela primeira vez ou
de dizer uma palavra longa e complicada podem revelar problemas relativos à
articulação. É como se houvesse um engarrafamento no aparelho articulatório
que compromete a linguagem verbal, e os fonemas se atropelam quando saem
da boca da criança.
Em pesquisa realizada com um grupo de crianças de 6 anos com
sinais de dificuldades, foi solicitado que repetissem uma série de palavras. Ao
acompanhar as palavras e a maneira como eram pronunciadas, podia-se sentir
a verdadeira confusão fonológica que ocorria à medida que cada uma delas
tentava utilizar os fonemas adequados e os pronunciavam em outra ordem.
A maior parte dos alunos da pré-escola adora brincar com sons e
com rimas. As crianças disléxicas, por outro lado, tem problemas quando
tentam penetrar na estrutura sonora das palavras e, consequentemente, são
menos sensíveis à rima. A familiaridade das crianças com as rimas infantis
acaba sendo um forte indicativo do sucesso na leitura, ao contrário, as crianças
que demonstram dificuldades de leitura podem ter sinais de insensibilidade às
rimas. No começo da pré-escola, quando maior a parte das crianças é capaz
de julgar se duas palavras rimam, as crianças disléxicas talvez ainda não
consigam demonstrar que identificam a rima. Não é uma questão de
inteligência, mas apenas uma insensibilidade à estrutura sonora da linguagem.
As crianças disléxicas costumam apontar em vez de falar, ou ficam com os
23
olhos cheios de lágrimas ou bravas, passando a se frustrar cada vez mais com
o fato de não conseguirem dizer a palavra que tem em mente.
À medida que a criança cresce, ela pode utilizar palavras vagas
como “coisa” ou “negócio” em vez do nome verdadeiro do objeto, para disfarçar
suas dificuldades. Nestes casos é difícil acompanhar a conversa de um
disléxico porque as frases são preenchidas por pronomes ou palavras que
precisam de especificidade: “Eu peguei o negócio e levei para lá. As coisas
estavam todas misturadas, mas eu consegui o negócio de qualquer jeito”. É
importante lembrar que o problema está na linguagem expressiva, e não no
pensamento. A criança sabe exatamente o que quer dizer, a dificuldade está
em buscar a palavra certa, a necessidade de produzir uma palavra adequada
que é problemática para ela. A criança disléxica pode ser quieta, parecer sem
articulação ou experimentar dificuldades de expressão, o que é padrão
freqüente, mas não é invariável, algumas crianças disléxicas podem ser
bastante articuladas quando falam.
Tanto os pais como os professores podem ficar irritados com a
criança porque ela parece inteligente, mas não conseguem entender porque
ela pronuncia a palavra errada. No entanto a frustração dos adultos, não é
nada comparada à frustração e a vergonha vivenciada pela criança quando diz
a palavra errada. A busca por respostas imediatas, apenas serve para
aumentar a ansiedade, o que dificulta ainda mais a busca de palavras.
A criança disléxica vai crescendo, passa à vida adulta, mas sua
fala continua a dar provas das dificuldades que tem de chegar à estrutura
sonora das palavras. A fala está cheia de hesitações, com pausas muito
longas, talvez buscando a palavra certa, utilizando muitas palavras indiretas no
lugar da palavra correta, que não consegue encontrar (o que tecnicamente se
chama de circunlóquio). Ela não é loquaz nem fluente na linguagem verbal.
Quando lhe é oferecido uma possibilidade de escolha, o disléxico
quase sempre sabe reconhecer a palavra certa, exemplo: se lhe perguntam se
uma imagem fantasmagórica é uma aparição ou uma partição, o disléxico
provavelmente escolhe a palavra correta, aparição. Entretanto, quando tem a
necessidade de lembrar uma palavra, ou então é colocado no centro das
atenções, ele talvez busque em seu vocabulário uma palavra cujo som é
similar, e nesse exemplo poderia escolher partição no lugar de aparição. Pais e
24
professores têm que ter sempre em mente, que se trata apenas de deslizes
fonológicos e que a criança muito provavelmente sabe o significado das
palavras, mas não conseguem pronunciá-las. A criança ou o adulto talvez
digam “está na ponta da língua” ou “simplesmente não consigo dizer a palavra”.
E finalmente, os fonemas indistintamente interferem na
capacidade do leitor iniciante aprender os nomes e os sons das letras do
alfabeto. Essa série de realizações - saber o alfabeto, os nomes das letras e
depois os sons que elas faze - marca uma transição importante para o leitor em
formação. Pela primeira vez espera-se que a criança relacione os rabiscos que
chamamos de letras aos nomes que damos a elas e a seus sons. Isso é o
começo da leitura. É um fator necessário, se não o mais relevante, que deve
estar disponível para que a criança leia. A dificuldade em adquirir tais
habilidades é talvez um dos sinais de dificuldade de leitura que a criança venha
apresentar.
À medida que a criança cresce, adquire uma sensibilidade aos
pormenores da linguagem. Inicialmente a linguagem verbal é como um filme –
parece contínuo e sem cortes. Com o tempo, as crianças começam a perceber
a natureza segmentada da linguagem: da mesma forma como a película de um
filme, se olhada mais de perto, é composta de quadros individuais, seqüências
de fala que podem ser divididas em palavras separadas; estas por sua vez,
podem ser subdivididas em sílabas, e as sílabas em partículas menores – os
fonemas.
A sensibilidade crescente das crianças aos sons e à natureza
segmentada da linguagem pode ser observada na criança da creche.
Começando por volta dos 03 anos, os alunos da pré-escola adoram aprender e
a cantar o alfabeto. Nesse estágio é realmente uma lista indiferenciada que vai
de “A a Z”; as crianças em geral não se dão conta das letras em separado. Se
você pedir para um menino de 03 anos, pare de cantar no meio da sua canção
que ilustra o alfabeto e perguntar que letra vem depois da letra em que ele
parou, provavelmente terá que começar desde o início. Isso é perfeitamente
normal. Por volta dos 04 anos mais ou menos, a criança começa a reconhecer
e dar nome às letras; em geral, se interessa por aprender as letras de seu
nome. No momento em que estiver pronta para entrar na pré-escola, ela
saberá o nome da maioria, senão de todas as letras, maiúsculas ou
25
minúsculas. É claro que esse domínio pode variar, refletindo experiências
diferentes em casa e na escola. Certamente quando a criança tiver passado
por um ano inteiro de ensino na pré-escola, ela será capaz de reconhecer e
nomear todas as letras do alfabeto. Gradual e sequencialmente, a partir do
momento em que engatinham até o primeiro ano de educação formal, as
crianças se ocupam em adquirir a matéria-prima para o reconhecimento das
letras e a capacidade de associar os às letras. A falha ou o atraso em adquirir
tais habilidades é um sinal precoce de um problema de leitura.
Buscando pistas na genética – Além dos indícios proporcionados pelas
dificuldades da linguagem verbal, sua própria história familiar pode oferecer
indícios úteis em relação à vulnerabilidade a outro problema de leitura. A
dislexia é comum em muitas famílias, ter um parente ou um irmão disléxico
aumenta a probabilidade de que você também seja. Um número entre quatro e
metade das crianças cuja mãe ou pai é disléxico também são disléxicas. Se
uma criança da família é disléxica, quase a metade de seus irmãos
provavelmente também o serão. Não é de surpreender-se que, nos casos em
que uma criança é identificada como disléxica e seus pais são depois
avaliados, descubra-se que entre um terço e a metade dos pais também o são.
O escritor John Irving e o financista Charles Schwab descobriram que eram
disléxicos depois dos diagnósticos dos filhos.
Uma criança que tem um irmão ou parente disléxico deve ser
monitorada muito de perto para que sejam detectados indícios precoces da
dificuldade na linguagem oral. Esse é dos casos em que os pais devem
realmente estar atentos com a linguagem verbalizada pelos filhos. Saber que
uma criança tem um histórico familiar de problemas com a leitura é algo que
propicia uma oportunidade incomum para a identificação de irmãos que tenham
o problema.
Estudos recentes demonstraram que a dislexia não só está
presente em muitas famílias, como também é algo genético. Uma característica
familiar não precisa necessariamente passar às gerações seguintes por meio
de mecanismos genéticos. Elas também podem passar de uma geração à
outra, como resultado de uma exposição ambiental a certos comportamentos
ou hábitos. Mesmo se uma criança carregar o gene ou um conjunto de genes
que a predispõem à dislexia, isso só quer dizer que ela corre maior risco. Se a
26
dislexia fosse inteiramente genética, então dois gêmeos idênticos (que
compartilham os mesmos genes) teriam problemas de leitura. Na verdade, em
apenas 65% a 70% dos casos, ambos os gêmeos são disléxicos; em 30% a
35% dos casos, um dos gêmeos idênticos é disléxico.
Assim, a expressão final da dislexia depende de uma interação
entre a conformação genética e seu ambiente. Além dessa predisposição inata,
ter ouvido alguém ler em casa, brincar com rimas e, principalmente passar por
um ensino eficaz na escola determinará a espécie de leitor que teremos.
Com freqüência, perguntam-me se há algo a fazer para ajudar
alguém cuja dislexia é herdada. É claro que há. Saber que a criança tem um
problema de leitura que pode ser herdado de fato significa que ele tem de ser
levado a sério, podendo requerer um esforço muito forte para que se
construam suas habilidades.
Existe um gene para a dislexia? A complexidade do processo de
leitura sugere que nenhum gene dominante dá surgimento à dislexia; há vários
genes envolvidos. Hoje há pesquisas promissoras sobre vários deles. Alguns
desses genes podem aumentar a capacidade de leitura, enquanto outros a
diminuem. A genética da dislexia é uma área de pesquisa muito ativa, e os
cientistas estão descobrindo que a busca pelos genes responsáveis é mais
complicada do que previam.
Mitos e compreensões equivocadas sobre a dislexia – Ao estar alerta para
os indicativos da dislexia, é também importante estar ciente de alguns dos
mitos e equívocos que cercam o distúrbio. Muitas vezes o diagnóstico de uma
criança está errado ou atrasado porque ela não demonstra um ou mais dos
sintomas presumidos.
Um dos mais duradouros equívocos é que a criança disléxica vê
as letras e as palavras de trás para frente e escrever de maneira invertida é um
sinal disso. Embora seja verdade que as crianças disléxicas têm dificuldades
em rotular ou dar nomes adequados às letras e às palavras, não há provas de
que elas de fato vejam as palavras de trás para frente. Em estudo, pediu-se às
crianças das séries iniciais que tinham problemas de leitura e também a
tendência de escrever de trás para frente que copiassem uma série de palavras
e letras. Elas não tiveram dificuldades em fazê-lo. A dificuldade estava em
nomear as palavras com precisão. Outro equívoco parecido é escrever como
27
se estivessem diante de um espelho. Na verdade, escrever de trás para frente
e inverter letras e palavras são procedimentos comuns nos primeiros estágios
do desenvolvimento da criança.
Pelo fato de tais crenças sobre a dislexia prevalecerem, é que
muitas crianças disléxicas que não fazem a inversões não são diagnosticadas.
As inversões são irrelevantes para o diagnóstico da dislexia. Qualquer que
sejam os subgrupos de crianças com dislexia, está claro que a vasta maioria da
população de disléxicos, aproximadamente de 88% segundo nossa pesquisa,
compartilha uma deficiência fonológica.
A IDENTIFICAÇÃO DA CRIANÇA EM SITUAÇÃO DE RISCO
Sally Shaywitz
Na 3ª série, quando tinha 9 anos, e depois de ter sofrido três anos
de frustrações e de ficar cada vez mais para trás em relação a seus colegas,
diagnosticou-se que Ashley era disléxica. Nessa leitura você entenderá o
quanto esse padrão destrutivo de espera – a deficiência na leitura
acompanhada pela deficiência de reconhecê-la – é desnecessário para as
crianças com dislexia. Hoje é possível identificar confiavelmente as crianças
que estão em situação de alto risco de dislexia antes que elas fiquem para trás.
Dois tipos fundamentais de avaliação são utilizados para
identificar crianças pequenas em situações de risco no que diz respeito à
dislexia; a diferença básica entre as exigências para a triagem de um grande
número de crianças e a execução de uma avaliação em profundidade de uma
só criança devido a determinadas preocupações.
A triagem realizada pela escola para determinar quais crianças
parecem estar preparadas para a leitura e quais podem estar em situação de
risco. Essas triagens, frequentemente administradas por professores em sala
de aula, são muito breves.
A triagem na pré-escola tornou-se uma rotina d preparação para a
escola. Há bem pouco tempo, os programas de triagem eram extremamente
desfocados e representavam uma verdadeira miscelânea não científica das
assim chamadas medidas de prevenção, que se relacionavam muito pouco
com o futuro do leitor. Agora, testes confiáveis estão disponíveis e têm um alto
– ainda que não absoluto – grau de precisão. Seu propósito é identificar, ainda
28
que de maneira generalizada, um bom número de crianças, que depois
passarão por um teste mais detalhado. A explicação é que é melhor identificar
um número exagerado do que ignorar uma criança que esteja em situação de
risco e que seria beneficiada pelos programas de intervenção precoce.
As crianças chegam à escola com uma gama muito diferente de
experiências. Algumas vêm de casas em que as letras são notadas e fazem
parte da vida cotidiana em livros, jogos e letras com imãs para fixar na
geladeira. Outras, talvez não tenham passado nem pela menor das
experiências com letras ou livros do período pré-escola, quando a criança tem
5 anos e 6 meses ou 6 anos. Nesse ponto, todas as crianças já terão passado
por pelo menos um semestre de ensino formal e deveriam ter desenvolvido
algum grau de capacidade fonológica.
A abordagem avaliativa que descreverei aqui é uma avaliação em
profundidade das habilidades (especialmente as fonológicas) conhecidas por
estarem relacionadas ao sucesso na leitura. Essa avaliação é adequada para
as crianças do início e do final da pré-escola que demonstram sinais de um
problema potencial de leitura, sendo administrada individualmente por um
profissional que tenha conhecimento sobre leitura e dislexia: um
fonoaudiólogo, um especialista em dificuldade de aprendizagem ou um
psicólogo experiente. Os resultados dessa avaliação abrangente definem se a
criança está pronta ou não para a leitura, indicando com precisão habilidades e
dificuldades.
A capacidade fonológica das crianças segue uma progressão
natural e é de avaliação relativamente direta ao longo do desenvolvimento,
começando por volta dos 4 anos. A sensibilidade fonológica se refere à
capacidade de se concentrar mais nos sons do que no significado da palavra
falada. A criança sabe dizer qual palavra rima com cat (gato) em vez de
simplesmente dizer que se trata de um tipo de animal. Como já disse antes, as
habilidades fonológicas se desenvolvem gradualmente e de uma maneira
previsível e lógica. Conhecer essa sequência e o seu tempo faz com que seja
possível reconhecer quando uma criança apresenta problemas. A grande
novidade é que você pode identificar essa criança e ajudá-la a voltar ao
caminho antes que algum dano ocorra. Sabemos que, em geral, à medida que
uma criança desenvolve suas habilidades fonológicas, adquire a capacidade de
29
se concentrar em partes cada vez menores das palavras, e não só na palavra
como uma unidade inteira indivisível. Passa a trabalhar não só o final e o início
das palavras, mas também o seu interior. Em um primeiro momento, as
crianças conseguem separar apenas o som que inicia as palavras, depois os
sons finais e, finalmente, os sons mediais. Penetrar no interior da palavra é
muito mais difícil do que observar suas extremidades, e é a capacidade de
perceber e decodificar cada parte da palavra que revela um leitor hábil.
Ao descrever as habilidades fonológicas de uma criança, duas
expressões são frequentemente usadas: consciência fonológica ou consciência
fonêmica. Consciência Fonológica é uma expressão mais geral e inclusiva;
inclui todos os níveis de consciência que se tem da estrutura sonora das
palavras. Também é usada para fazer referência aos primeiros estágios de
desenvolvimento de uma consciência das partes das palavras, tais como a
sensibilidade à rima ou a observação de partes mais longas, como as sílabas.
Consciência fonêmica é uma expressão bem mais específica. Como se notou
anteriormente, ela se refere à capacidade mais avançada de observar, de
identificar e de manipular as menores partículas que compõem uma palavra: os
fonemas. A consciência fonêmica tem a mais estreita relação com a leitura
vindoura, e a maior parte dos testes concentra-se nesse nível. Os testes mais
úteis incluem três tipos de atividades a serem avaliadas: comparação,
segmentação e combinação sonoras.
Para a comparação sonora, nós pediríamos a uma criança para
dizer qual palavra começa com o mesmo som da palavra rat: man, sat ou run.
Para a segmentação, poderíamos pedir que a criança contasse ou
pronunciasse as partes isoladas unitárias de uma palavra, por exemplo: “Você
sabe contar os sons que ouve na palavra man?” (três). A outra hipótese seria
pedir à criança para combinar as partes de uma palavra que já tenham sido
separadas: “Que palavra os sons (s), (a) e (t) formam?” sat. Além disso, à
medida que desenvolve sua consciência fonêmica, podemos pedir a ela que
“acrescente, misture ou retire uma parte de uma palavra”: Que palavra resta
quando você retira o som (r) da palavra frog?” Fog.
As pesquisas abriram nossos olhos para o quanto é importante
que as habilidades fonológicas estejam bem desenvolvidas durante os
primeiros anos da escola. Ao final da 1ª série, a maior parte das crianças terá
30
acabado de dominar suas habilidades fonológicas básicas. A partir da 2ª série,
o desenvolvimento das competências é mais uma questão de aperfeiçoar e
obter maior eficiência ou automaticidade nas habilidades fonológicas
previamente adquiridas. E, como já dissemos, essas três habilidades
fonológicas influenciam a leitura desde o início. Na verdade, um grupo de
pesquisadores da Flórida demonstrou o profundo impacto que essas
habilidades têm na leitura.
Além dos testes de consciência fonêmica, há dois outros testes
que contribuem com informações valiosas para o fato de uma criança estar
pronta para ler. O primeiro que mede a memória fonológica, avalia a
capacidade de uma criança armazenar temporariamente uma série de números
ou palavras que são apenas apresentados oralmente a ela (tanto os números
falados e as palavras são armazenados como fonemas). Nesse tipo de teste,
pode-se pedir a uma criança que repita os números dados, tais como cinco,
sete, três, um, seis. Essa espécie de memória desempenha um papel
importante na leitura em todos os níveis, mesmo para um aluno da 1ª série que
estejam tentando pronunciar uma palavra. Quando a criança lê uma frase, tem
que guardar várias unidades de formação na mente para junta-las e entender o
que acabou de ler. Pense na processo: primeiro ela decodifica as letras em
sons, depois guarda esses sons na memória enquanto tenta decodificar as
letras restantes da palavra e, depois, pega esses sons armazenados, combina-
os e forma a palavra em questão. As palavras são principalmente armazenadas
com base em seus sons, de forma que a capacidade de guardar palavras
temporariamente é realmente uma espécie de habilidade fonológica. Quanto
mais bem articulados forem os fonemas, mais eficientemente as palavras serão
buscadas.
Um segundo tipo de teste, o RAN (Rapid Automatic Namnig Test),
teste de nomeação rápida e automática, examina outro aspecto do
comportamento fonológico, que se chama tecnicamente de acesso fonológico.
O RAN tenta determinar com que facilidade e rapidez uma criança consegue
buscar informações verbais (fonéticas) guardadas na memória de longo prazo.
Mostra-se em geral um cartão com várias fileiras de desenhos de objetos
familiares e se pede à criança que diga o nome dos objetos um atrás do outro
tão rapidamente quanto possível. Estímulos altamente familiares são utilizados
31
para que isso se torne um teste de vocabulário para a criança. Medem-se a
precisão e a velocidade. A facilidade que a criança tem de nomear os objetos
com rapidez se relaciona aos tipos de processo que ela deve que executar à
medida que lê, quando deve ser capaz de ir até a memória de longo prazo e
rapidamente buscar os fonemas lá armazenados. Vários estudos têm
demonstrado que quanto mais rapidamente a criança consegue nomear os
objetos (especialmente séries de letras ou números), melhor leitor
provavelmente será no futuro. Excelentes testes para toda a gama de
habilidades fonológicas estão disponíveis agora.
Teste* para avaliação das habilidades fonológicas e da aptidão
para a leitura, com aplicação para diferentes idades e séries:
- Comprehensive Test Phonological Processing in Reading
(CTOPP) (PROED. Inc), para a idade de 5 anos até a idade
adulta (teste padronizado;
- Lindamood Auditory Conceptulization Test (LAC) (PROED-
ED, Inc.), para a pré-escola até a 6ª série.
- Rosner Testo f Auditory Analysis (Walker & Company), da
pré-escola até a 6ª série.
- Test of Phonological Awareness (TOPA) (PRO_ED, Inc.) da
pré-escola até a 2ª série (teste padronizado).
- Yopp-Singer Test of Phoneme Segmentation (disponível em
“Atest
*N. de RT., no Brasil, já contamos com testes de consciência fonológica
padronizado para a nossa população escolar.
for assessing phonemic awareness in yong children”, de H.
Yopp, em The Reading Teacher 49 [1995], p. 20-29), da pré-
escola até a 1ª série.
Além da fonologia, o conhecimento que a criança tem dos nomes
das letras e dos sons atua como um valioso guia para demonstrar o quanto ela
está pronta para ler. Testar seu conhecimento das letras é algo muito direto;
pode ser avaliado informalmente, pedindo à criança que nomeie as letras
apresentadas a ela, uma de cada vez. Da mesma forma testa-se o
conhecimento de letras e sons perguntando-lhe: “Você pode me dizer que som
esta letra tem?” Procedimentos mais formais podem ser obtidos pelo uso de
32
um teste de leitura que contenha uma sessão de identificação de letras, tais
como o American Guidance Service’s Woodcock Reading Mastery Test, edição
revisada e normativa.
Novos dados indicam que esses testes são bastante eficazes,
embora não sejam perfeitos. Os pesquisadores ainda necessitam improvisar
para organizar uma bateria de testes mais precisa. Hoje eu poderia dizer que
os testes mais valiosos para a predição da leitura - além dos fatores que
identifiquei – são o conhecimento dos nomes das letras e dos sons das letras e
a consciência fonêmica. Na pré-escola a capacidade de a criança nomear as
letras do alfabeto é o melhor indício de sua capacidade de leitura futura; na 1ª
série, é o conhecimento que tem dos sons das letras.
Os professores são muito importantes quando se tem que
identificar as crianças em situação de risco. Com muita freqüência, contudo,
seus insights particulares e a profundidade de sua experiência são mal
utilizados. As impressões de um professor de pré-escola ou da 1ª série quanto
às habilidades de um aluno relatado em breve questionário, o Multigrade
Inventory for Teacher, contribuem significativamente para prever quem passará
por problemas de leitura. Além disso é bom avaliar a familiaridade que uma
criança tem com as convenções da palavra impressa – por exemplo, que, nos
livros, há espaços entre as palavras e que se lê de cima para baixo e da
esquerda para a direita – para que nos certifiquemos de que a criança está
ciente do que são os livros e de como funcionam.
É interessante observar que os testes de QI aplicados às crianças
pequenas não são, comparativamente, bons indicadores de dificuldades
posteriores na leitura. Mais do que isso, o QI não é um indicador seguro de que
uma criança pequena responderá a programas de intervenção para leitura.
Portanto, não recomendo os testes de QI como algo essencial para
identificação precoce de crianças que estejam em situação de risco no que diz
respeito a dificuldades de leitura.
O que os pais podem fazer – aqui está o que acredito ser a
abordagem cientificamente mais confiável, preventiva e sensata para a
identificação de crianças pequenas em situação de risco antes que elas
evidenciem problemas de leitura.
33
- Observe o desenvolvimento da linguagem de seu filho. Esteja
alerta para problemas com rimas, pronúncia e busca de
palavras.
- Observe sua capacidade de conectar a palavra escrita à
linguagem. Observe se ele está começando a nomear e identificar
as letras isoladamente.
- Informe-se sobre a história de sua família. Esteja alerta para
problemas na fala, leitura, escrita, ortografia e aprendizagem de
língua estrangeira. Algumas famílias com um número maior de
disléxicos que a média parecem ter uma abundância de
fotógrafos, artistas, engenheiros, arquitetos, cientistas e
radiologistas. De alguma forma menos freqüente, mas em número
ainda impressionante, estão presentes grandes escritores,
empreendedores e juristas.
- Se houver indícios de problemas com a linguagem verbal, com a
aprendizagem de nomes das letras e especialmente se houver
histórico familiar, submeta sua criança a um teste.
Nesse aspecto, aqui está o que recomendo para que uma bateria
de testes sejam sensata e eficaz no reconhecimento de problemas de leitura.
Essa bateria incluiria testes de:
- Fonologia (consciência, memória e acesso);
- Letras (nomes e sons);
- Vocabulário (receptivo e expressivo);
- Convenções da palavra impressa;
- Compreensão auditiva;
- Leitura (palavras reais, palavras sem sentido e compreensão).
Testes de recepção de vocabulário (no qual a criança aponta para
o desenho que ilustra uma palavra que lhe é dita) e de compreensão auditiva (a
criança responde a questões depois de ouvir uma história) são importantes. Em
vez de servir como sondagens de deficiências, medem as habilidades da
criança disléxica e atuam como um lembrete do potencial de raciocínio de uma
criança quando ela não está limitada por suas dificuldades fonológicas e de
leitura. Em contra posição às dificuldades que encontram para obter
informações a partir da palavra escrita, as crianças disléxicas obtêm bons
34
resultados nesses testes. Incluí testes de leitura para as crianças da 1ª e 2ª
séries porque eles oferecem um indício da capacidade de leitura da criança em
comparação com seus colegas.
Todos os passos que recomendei aqui podem ajudar a julgar se
seu filho está apto para ler ou se ele necessita de atenção ou educação
especial para que comece a ler. Se seus testes indicarem que ele não está
totalmente preparado para ler, uma opção é aguardar um pouco mais de tempo
seu ingresso na pré-escola ou permitir que ele entre na pré-escola e participe
de programas intensivos de prevenção.
Recomendo, contudo que não atrase a entrada dele na pré-
escola; isso apenas adiará a ajuda de que seu filho precisará.
Embora muitos pais acreditem que uma criança responderá
melhor às demandas da pré-escola se tiver um ano a mais que seus colegas,
há provas de que ocorre o contrário. Grupos de pesquisadores aproveitaram
um experimento essencialmente natural para testar se é a maturidade biológica
ou exposição ao ensino da leitura que mais influenciava a leitura precoce.
Esses pesquisadores compararam dois grupos de crianças pequenas que
estavam justamente antes e depois da data de corte para entrar na pré-escola.
Um grupo havia nascido em uma data que permitia sua entrada na pré-escola,
o outro era similar em todos os aspectos, mas sua idade não permitia a entrada
na pré-escola, pois era um mês mais moços do que o primeiro grupo e tiveram
de esperar um ano para começar. Quando testados os alunos que entraram
mais cedo na pré-escola liam melhor do que o grupo que teve que esperar um
ano. Mais do que a idade e a maturidade, é o ensino da própria leitura que
estimula a ler melhor. As provas parecem claras: atrasar a entrada de uma
criança na escola não a ajuda a se tornar um melhor leitor.
Por outro lado, a identificação precoce, quando conectada a
programas eficazes de intervenção, pode fazer a diferença. Tal intervenção
pode garantir que a maior parte das crianças de hoje jamais tenha que passar
por problemas de leitura. O auxílio para a realização desse procedimento está
disponível hoje como nunca esteve antes.
MODELOS DE RECONHECIMENTO DE PALAVRAS
Andrew W. Ellis
35
O modelo que será apresentado não se afirma como original,
tendo sido extraído de diversos modelos em circulação atualmente. Ele tenta
extrair e salientar as áreas de amplo consenso e passar levemente sobre as
áreas de disputa.
A idéia por trás desses modelos é que o reconhecimento de
palavras é o produto de uma atividade orquestrada, que ocorre dentro de
diversos subsistemas cognitivos que operam, pelo menos em parte,
independentemente uns dos outros. Esses subsistemas cognitivos semi-
independentes ocasionalmente são chamados de “módulos” (Fodor, 1983). O
conceito de modalidade é importante. Por exemplo, se as diferentes operações
envolvidas no reconhecimento de palavras são realizadas por diferentes
módulos cognitivos, então o dano cerebral ou desenvolvimento anormal pode
resultar em leitores nos quais alguns aspectos da leitura são razoavelmente
normais, enquanto outros estão prejudicados. O padrão de aspectos intactos e
prejudicados de leitura pode diferir entre os indivíduos, produzindo diferentes
padrões de transtornos de leitura. Podemos, na verdade, ser capazes de
aprender algo acerca do modelo de leitura normal a partir de estudos dos
transtornos de leitura. Exploraremos esta possibilidade, à medida que ela
aplica-se à dislexia adquirida e a dislexia desenvolvimental.
O sistema de análise visual e o léxico de input visual - O
primeiro módulo cognitivo, envolvido no processamento de uma palavra
impressa, é o sistema de análise visual. Este sistema envolve dois deveres
principais. O primeiro é identificar os rabiscos em uma página impressa com
diferentes letras do alfabeto. O produto do sistema de análise visual pode
consistir de “identidades abstratas das letras” (Coltheart, 1981), que não devem
ser confundidas com nomes ou sons de letras. As identidades abstratas das
letras são representações que diferenciam uma letra de outra, enquanto
ignoram as diferentes formas que uma letra pode assumir. Portanto, o produto
de sistema de análise visual será o mesmo para desk, desk, DESK e DESK.
A segunda função do sistema de análise visual, relacionado ao
primeiro, é notar a posição de cada letra em uma palavra. Muitos pares de
palavras na língua inglesa são diferenciados apenas pela ordem na qual suas
letras ocorrem. Exemplos vão de POT e TOP a ORCHESTRA e CARTHORSE.
Apenas etiquetando cada identidade abstrata da letra com sua posição na
36
palavra na qual está embutido o sistema de leitura pode diferenciar entre esses
pares de palavras.
O sistema de análise visual deve codificar identidades e posições
das letras antes que o leitor determine se uma palavra que está sendo fixada é
familiar ou incomum e, se é familiar, que palavra é. As operações do sistema
de análise visual são necessárias, quer a cadeia de letras forme uma palavra
altamente familiar, real, mas visualmente incomum ou estranha, ou uma não
palavra inventada por um psicólogo.
A tarefa de identificação de cadeias de letras como palavras
familiares é a responsabilidade do léxico de input visual. Ele é uma espécie de
depósito mental de palavras, que contém representações das formas escritas
de todas as palavras familiares. As representações dentro de léxico de input
visual podem ser chamadas de “unidades de reconhecimento de palavras”.
Haverá uma unidade de reconhecimento visual de palavras para a palavra
familiar TOP, mas não para a não-palavra TEP, para MADE, mas não para
MAPE, e para FOX, mas não para PHOKS ou FEX. O léxico de input visual
serve como um portão para significados e pronúncias de palavras, mas não
contem em si mesmo, significados ou pronúncias.
A familiarização com novas palavras escritas envolve a criação de
novas unidades de reconhecimento para elas, no léxico de input visual, e a
formação de novas conexões associativas entre essas unidades e as
representações de significados e pronúncias. Essa é uma importante parte da
aprendizagem da leitura.
Além do léxico de input visual - No gráfico, a seta que conecta o sistema de
análise visual ao léxico de input visual é bidirecional. Isso visa a iniciar que as
informações não apenas podem chegar, vindas do sistema de análise visual,
mas também podem voltar na direção oposta. Isto é, a atividade dentro das
unidades de reconhecimento pode alimentar a identificação de letras e
influenciar esse processo. As palavras familiares têm unidades de
reconhecimento no léxico de input visual, o que não ocorre com não palavras.
De modo que o sistema de análise visual desfrutará do benefício do apoio
“descendente” do léxico , quando uma palavra familiar estiver sendo analisada,
mas não quando a cadeia de letras sendo processada é uma não palavra, as
letras nas palavras parecem ser percebidas mais facilmente do que as mesmas
37
letras embutidas em não palavras. O conceito de contribuição “descendente”
pelos processos e locais superiores de armazenagem (tais como o léxico de
input visual) para processos e locais de armazenagem inferiores (tais como o
sistema de análise visual) explica como esses efeitos podem surgir. A
simulação computadorizada de um reconhecimento de palavra de (McClelland
e Rumelhart, 1981) mostra como as superioridades perceptivas desfrutadas por
palavras sobre as não palavras, podem ser modeladas bastante apuradamente
com o auxílio dessas influências atuantes de forma descendente.
O léxico de input visual do gráfico apresenta dois produtos.
O produto para o componente rotulado como léxico de produção da fala tem a
ver com o acesso as pronúncias das palavras, e será discutido resumidamente.
O produto para o componente rotulado como sistema semântico é aquele de
interesse imediato, e tem a ver com o acesso ao significado de uma palavra
que está sendo lida. O sistema semântico é o depósito de todo o conhecimento
sobre os significados de palavras familiares. A discussão acerca do que
poderia estar envolvido nas representações internas dos significados das
palavras pode ser encontrada em (Garnham, 1985 e em Johnson, 1987).
Ao ler a palavra RAPOSA, o sistema de análise visual diz-
lhe que as letras são R1, A2, P3, O4, S5 E A6. O léxico de input visual diz que
você já encontrou esta cadeia de letras antes. Contudo, quem possui o
conhecimento de que RAPOSA é um mamífero de quatro patas, de tamanho
médio, com pelos avermelhados e uma cauda peluda, que vive em buracos, é
famosa por sua astúcia e significa más notícias para as galinhas, é o sistema
semântico. O objetivo da leitura normal é compreender o que está sendo lido, e
isto exige a ativação de significados das palavras no sistema semântico.
Presume-se, geralmente, que o mesmo sistema semântico está envolvido no
entendimento de palavras, tanto escritas quanto faladas (evitando o que, de
outro modo, seria uma imensa duplicação da informação semântica). A
operação do sistema semântico pode ser testada experimentalmente por uma
gama de tarefas, tais como pedir que os leitores decidam se uma palavra
pertence ou não a uma categoria pré-especificada (por exemplo: FRUTA-PERA
x FRUTA CERA) ou se duas palavras têm significados similares ou diferentes
(PRESENTE-DOAÇÃO x PRESENTE-VOCAÇÃO).
38
A conexão entre o léxico de input visual e o sistema
semântico é novamente bidimensional, permitindo influências descendentes
dos significados das palavras sobre identificação da palavra. Isso ajuda a
explicar os efeitos de contexto da sentença na identificação de palavras e na
preparação semântica. Suponha que você acabou de ler a palavra
ENFERMEIRA. Seu sistema de análise visual codificou corretamente as letras
como E1, N2, F3, E4, R5, M6, E7, I8, R9, A10, e esse input ativou
corretamente a unidade de reconhecimento para ENFERMEIRA, no léxico de
input visual. As conexões do léxico de input visual para o sistema semântico
fazem com que o significado de ENFERMEIRA seja ativado dentro do sistema
semântico. Uma suposição comum é que a ativação difunde-se lateralmente,
de um conceito para outros conceitos relacionados dentro do sistema
semântico (Collins & Loftus, 1975). Portanto, a ativação do significado de
ENFERMEIRA fará com que os significados de palavras relacionadas, tais
como HOSPITAL, MÉDICO e PACIENTE ativem-se. A ativação passará da
ligação do sistema semântico para o léxico de input visual e “aquecerá” as
unidades de reconhecimento para HOSPITAL, MÉDICO e PACIENTE. O
resultado é que, se a nova palavra a surgir for MÉDICO, será necessário
menos input do sistema de análise visual para identificá-la, e o reconhecimento
ocorrerá mais rapidamente. Este é o fenômeno de preparação semântica e
preparação de palavras em contextos apropriados de sentença.
Observa-se também, que as palavras encontradas
frequentemente na leitura podem ser reconhecidas com maior rapidez do que
as palavras encontradas com menor freqüência, e que apresentações repetidas
de palavras também facilitam o reconhecimento. Diversos relatos sobre o
reconhecimento de palavras propõem que esses dois fenômenos estão
relacionados e necessitam de uma única explicação. Morton sugeriu que os
“logogenes” individuais (seu nome para as unidades de reconhecimento de
palavras no léxico de input visual) têm limiares variáveis. O limiar de um
logogene determina a quantidade de atividades que deve estar presente dentro
de si, antes de se ativar e fazer com que uma palavra seja reconhecida. Morton
sugeriu ainda, que sempre que um logogene ativa-se, seu limiar é baixado,
retomando apenas gradualmente seu nível anterior. Se uma palavra é
encontrada pela segunda vez, antes do limiar em seu logogene ter voltado ao
39
nível de repouso, menos informações visuais serão necessárias para causar a
ativação do logogene e para que a palavra seja reconhecida. O limiar sobre o
logogene para uma palavra que, em razão de sua alta freqüência de ocorrência
na linguagem, é encontrada com freqüência, será mantido permanentemente
baixo do nível de repouso. Quanto mais freqüente a palavra, mais baixo será
seu limiar. Este é o efeito de freqüência da palavra.
O encontro com uma palavra de baixa freqüência pode
baixar substancialmente seu limiar, mas o limiar sobre o logogene para uma
palavra de alta freqüência pode ser tão baixo que um encontro adicional com a
palavra terá pouca ou nenhuma conseqüência capaz de ser medida. Esta é a
interação entre a repetição e a freqüência da palavra. O baixo limiar de
logogenes para palavras de alta freqüência (e o conseqüente alto estado de
prontidão) também servirá para diminuir o efeito da preparação semântica e
contextual. Notamos que freqüência interage com a preparação semântica e
contextual precisamente dessa forma.
O sistema semântico contém tudo o que você sabe sobre a
RAPOSA, exceto como pronunciar a palavra “raposa”. Esse conhecimento está
contido dentro de um depósito separado de palavras, o léxico de produção da
fala. Se você tivesse a fotografia de uma raposa, em vez da palavra escrita
RAPOSA, então você citaria o nome do animal ativando, primeiramente seu
depósito de reconhecimento semântico no sistema semântico, depois usando
as conexões entre o sistema semântico e o léxico de produção da fala para
recuperar o nome apropriado. Uma vez que uma raposa é uma criatura
razoavelmente familiar, você provavelmente não teria muita dificuldade para
recordar o nome, mas todos nós passamos pela experiência, de vez em
quando, a frustração de não sermos capazes de recordar o nome de algo cujo
significado é conhecido. Você sabe que conhece o nome, e ele pode estar –
enlouquecedoramente – na ponta língua, mas é incapaz, temporariamente, de
trazê-lo à mente. A experiência em si, serve para ilustrar a separação e
dissociação dos significados das palavras das suas formas.
Notamos que as palavras aprendidas quando somos crianças são
reproduzidas mais rapidamente, tanto na citação de nomes quanto na leitura
em voz alta. O léxico de produção da fala está envolvido nessas duas tarefas, e
foi sugerido que os efeitos da idade da aquisição surgem porque as
40
representações de palavras precocemente aprendidas no léxico de produção
da fala podem ser acessadas mais rapidamente do que as representações de
palavras tardiamente adquiridas (ver Brown & Watson, 1987; Gilholy & Watson,
1981).
TRANSTORNOS DO DESENVOLVIMENTO DA LEITURA
Andrew W. Ellis
Os primeiros relatos, 100 anos atrás, de crianças que apesar de
inteligência normal ou acima do normal, audição e visão aparentemente
normais, e vindas de lares adequados, tivessem uma dificuldade incomum na
aprendizagem da leitura e escrita. O crédito por esses relatos sistemáticos de
inesperada dificuldade de leitura em crianças, geralmente é compartilhado
entre dois médicos britânicos, James Kerr e Pringle Morgan, que apresentaram
publicamente suas ideias em 1896. Nenhum deles parece ter levado essas
observações mais além, mas a ideia foi levado a sério por um oftalmologista
escocês, James Hinshewood, cujo trabalho é resumido em Congenital Word-
blindness (1917).
Na América o conceito de “dislexia do desenvolvimento” foi
promovido por Samuel T. Orton em Writing and Speech Problems in Children,
publicado em 1937. Orton foi o primeiro a argumentar que a dislexia é mais
comum em indivíduos sem um domínio firme, nem da mão direita, nem da mão
esquerda. Embora essa afirmativa seja bastante conhecida, amplamente
validade e frequentemente repetida, na verdade, a obtenção de evidências
inequívocas amparando-a provou ser imensamente difícil (Bishop, 1990).
Junto ao conceito de dislexia do desenvolvimento está a ideia de
que algumas crianças podem experienciar dificuldades com a aquisição da
leitura e escrita que não podem ser atribuídas a fraca audição ou visão, baixa
inteligência ou oportunidades educacionais inadequadas. Esse conceito está
embutido nas várias definições de dislexia disponíveis nos círculos médicos
educacionais. Por exemplo, a definição de dislexia proferida pela World
Federation of Neurology afirma que a “dislexia é um transtorno manifestado por
dificuldade na aprendizagem da leitura, apesar de instrução convencional,
inteligência adequada e oportunidade sócio-cultural” (Critchley, 1975).
41
Alguns problemas com a definição da dislexia são imediatamente
aparentes. O que constitui a “inteligência normal”? Quanta dificuldade na
aprendizagem da leitura e da escrita precisa ser manifestada antes de uma
criança poder ser chamada de disléxica? Os pesquisadores que estudam a
dislexia, frequentemente adotam um conjunto de critérios tais como exigir de
uma criança com QI verbal de 90 ou mais, e uma idade de leitura pelo menos 2
anos atrás da idade real e cronológica da criança. Não devem existir prejuízos
auditivos ou visuais óbvios, e a criança deve ter tido uma oportunidade
adequada para aprender a ler. A ênfase está sobre identificar crianças que
presumidamente deveriam ter aprendido a ler e escrever sem uma dificuldade
indevida, dados seus dotes físicos e intelectuais gerais e seus antecedentes
sociais e educacionais.
Contudo, suponhamos que a criação de um menino ou menina
tenha sido tal que pudéssemos questionar, legitimamente, se seria razoável
esperarmos que ele ou ela tivesse aprendido a ler com fluência.
Nessas circunstâncias, um psicólogo pode detectar que a criança
está tendo problemas para aprender a ler e escrever, porque ela é
genuinamente disléxica e teria dificuldades, quaisquer que fossem seus
antecedentes. Mas o psicólogo também poderia abrigar a suspeita de que as
causas para o fracasso dessa criança inteligente para aprender a ler estão em
seu ambiente e na natureza de sua criação. Sob esta perspectiva, podemos
entender porque as crianças positivamente diagnosticadas como disléxicas
tendem ser produtos inteligentes de “bons” lares, que freqüentem “boas”
escolas. Não existem razões para supormos que a dislexia é, em qualquer
sentido real, uma doença da classe média; apenas esses casos tendem a ser
os quais os psicólogos sentem maior confiança para excluírem outras causas
óbvias de deficiência para a leitura.
Embora a definição de dislexia da World Federation of Neurology
afirma que ela “frequentemente é de origem constitucional”, na prática, os
critérios de definição psicológicos e sociais. Isso significa que questões como
“Qual é a freqüência da dislexia?” precisam ser abordadas com cautela. A fim
de ser qualificada como dislexia, o QI da criança deve apresentar um nível tal,
sua idade de leitura deve estar abaixo daquela que se esperaria para sua idade
e QI e sua bagagem doméstica e educacional deve passar por certas
42
exigências mínimas. Se escolhermos os critérios de um QI verbal de mais de
90 e uma idade de leitura pelo menos 2 anos abaixo da idade cronológica,
então, um levantamento da população escolar revelaria, uma porcentagem de
crianças que se qualificam como disléxicas (talvez em torno de 2-4%).
Entretanto, se adotamos critérios mais rígidos e exigimos um QI verbal de 100,
ou acima, e uma idade de leitura 30 meses abaixo da idade cronológica, então,
a porcentagem de crianças aparentemente disléxicas diminui dramaticamente.
A dislexia não é uma doença como o sarampo, que possa ser
claramente diagnosticada ou não. Existe uma variante, indo desde boa até má
leitura, e o ponto onde podemos traçar uma linha e dizer que as crianças
abaixo desta linha são candidatas ao rótulo de disléxicas (apenas candidatas,
porque outras causas de fraca leitura ainda devem ser consideradas) é
demasiadamente arbitrário. Se buscarmos por uma analogia médica, então, a
obesidade seria melhor que o sarampo (Ellis, 1985). As pessoas podem ser
dolorosamente magras, até muito gordas, passando pela média, mas o ponto
onde é traçada a linha que separa os obesos dos não obesos é arbitrário, até
certo ponto. Esse fato não invalida o conceito de obesidade, nem evita a
realização de boas pesquisas sobre suas causas. Similarmente, o
reconhecimento de que existe uma linha contínua, indo desde a boa leitura até
a leitura disléxica, não invalida o conceito de dislexia, ou evita que suas causas
sejam buscadas. O que isso deve fazer, entretanto, é tornar-nos suspeitosos
de afirmações de que percentual de crianças disléxicas na idade escolar seja
tão alto, uma vez que uma simples mudança de critérios pode mudar
radicalmente esta percentagem sem que qualquer coisa precise ser mudada no
mundo real.
Muitos psicólogos que trabalham com crianças disléxicas
chegaram a conclusão de que os disléxicos não são todos iguais, mas diferem
um dos outros de modos que precisam ser descritos e explicados. Uma
variedade de abordagens às diferenças individuais, pode ser colocada em um
de dois campos (Ellis, 1985). A primeira abordagem diferencia entre os
disléxicos em termos de outros problemas cognitivos que acompanham a fraca
leitura. Por exemplo: Mattis e seus colegas identificaram um grupo de crianças
que reunia os critérios para a dislexia, e então tentem classificá-las em termos
dos problemas adicionais que apresentavam (Mattis, 1981; Frech, & Rapin,
43
1975). O maior subgrupo, responsável por 60% de seus disléxicos, era o
“grupo de transtorno de linguagem”. Essas eram crianças que, além de sua
dislexia, tinham problemas para dar nomes a objetos, com a discriminação dos
sons na fala e na compreensão e repetição de sentenças faladas. Contudo,
além disso, existiam subgrupos menores cujos problemas tinham a ver com a
sequenciamento de fonemas, com a articulação e coordenação motora ou
percepção visual-especial. Cerca de 1% dos disléxicos não podiam ser
classificados facilmente, em vista da natureza múltipla e difusa de suas
dificuldades.
Essa abordagem pode ter utilidade, mas, uma vez que analisa o
desempenho de leitura e escrita em quaisquer detalhes, não podemos dizer,
exatamente, como essas dificuldades cognitivas mais amplas relacionam-se ao
padrão de problemas de leitura e escrita que um disléxico individual pode
apresentar. A abordagem alternativa às diferenças individuais focaliza-se sobre
diferenças no poder e deficiências dos vários processos componentes
envolvidos na leitura. Se a leitura e a escrita são habilidades com múltiplos
componentes, envolvendo sub-habilidades tais como, identificação de letras,
reconhecimento e produção de palavras, acesso semântico, e assim por diante,
as sub-habilidades estão relativamente intactas, ou deficientes. Esta é,
naturalmente, a abordagem à descrição e explicação das dislexias adquiridas.
Diversos psicólogos que trabalham com a dislexia do
desenvolvimento declaram-se intrigados pela noção de que podem existir
paralelos capazes de serem extraídos entre as variedades de dislexia do
desenvolvimento e as variedades de dislexia adquirida, observadas após um
dano cerebral na idade adulta. Embora possamos duvidar da sensatez de se
extrair paralelos simples entre as duas formas de dificuldades de leitura, é
válido notar que essa não é uma idéia nova: Hinshelwood (1917) intitulou seu
livro Congenital Word-blindness (“Cegueira Congênita para Palavras”)
precisamente para salientar o paralelo com a cegueira adquirida para palavras,
como a dislexia adquirida era então conhecida. Comparações entre a dislexia
do desenvolvimento e a dislexia adquirida devem ser feitas, entretanto, com
grande cautela. Em termos puramente teóricos poderíamos esperar, por
exemplo, que os déficits cognitivos na dislexia do desenvolvimento fossem
maiores do que aqueles vistos na dislexia adquirida. Além disso, as dislexias
44
adquiridas são explicadas em termos de modelos de reconhecimento adulto
capacitado de palavras, enquanto a moldura apropriada para o entendimento
da dislexia do desenvolvimento é da leitura normal da espécie (Frith, 1985;
Snowling, 1987).
Dislexia fonológica do desenvolvimento - Temple e Marshall
(1983) relataram o caso de uma menina de 17 anos, H. M., com dislexia do
desenvolvimento, que descreveram como uma “disléxica fonológica do
desenvolvimento”. Os pacientes com dislexia fonológica baseiam-se
maciçamente no reconhecimento de palavra completa, para materiais escritos.
Eles possuem um prejuízo nas habilidades fonológicas de leitura, e, portanto,
são muito deficientes para a leitura em voz alta de palavras não familiares e de
não palavras. Eles não mostram qualquer vantagem na leitura de palavras
regulares, comparadas com palavras irregulares, porque leem todas as
palavras como um todo, não tirando vantagens para a conversão sublexical de
letra para som, permitida por palavras com ortografias regulares. A leitura de
palavras reais dos pacientes com dislexia fonológica adquirida, entretanto, não
é perfeita. Em particular, eles estão propensos a erros visuais, quando lendo
palavras isoladas em voz alta.
Outro exemplo citado é de J. M. quando estava com 8 anos e 5
meses, seu QI era de 123 (faixa superior), poderíamos esperar que uma
criança com esta idade e QI, tivesse uma idade de leitura acima de 9 anos,
mas na verdade, a idade de leitura de J. M. estava apenas em torno dos 7
anos. Sua ortografia era ainda pior, estando no nível de uma criança normal de
6 anos e meio. J. M. era capaz de ler 37% de um conjunto de palavras reais,
mas nenhuma de um conjunto de não palavras, embora crianças normais mais
jovens com a mesma idade de leitura pudessem ler 50% das não palavras.
A memória visual de J. M. (para formas sem significado) provou
ser normal, mas seu desempenho em muitas tarefas fonológicas era fraco.
Embora ele seja descrito como um falante vivaz e desenvolto em conversas era
menos fluente do que o esperado de alguém com sua idade e inteligência, e
tinha dificuldades para articular longas palavras principalmente com
agrupamentos de consoantes. Entretanto, J. M., não estava igualmente
prejudicado em todas as tarefas nas quais se poderia pensar, no que tanga à
avaliação de capacidade ou conscientização fonológica. Embora ela tivesse
45
dificuldade para repetir não palavras, era bom na classificação de pares de
não-palavras faladas como iguais ou diferentes, mesmo quando as diferenças
eram mínimas. J. M. apresentava um déficit que afetava o desenvolvimento de
seu léxico de produção da fala e nível do fonema. Esses problemas faziam com
que tivesse algumas dificuldades para encontrar palavras ao falar e alguns
problemas com a articulação, mas não o suficiente para impedir que
participasse de conversas. Entretanto, o léxico de produção da fala e o nível do
fonema, exercem papéis tão cruciais no desenvolvimento da leitura e da
ortografia (tanto de palavras completas quanto sublexical) que os déficits em
seu funcionamento retardavam imensamente a aquisição normal da
alfabetização. A documentação do sucesso de indivíduos disléxicos pode
ajudar a convencer outros disléxicos inteligentes e aqueles que os ensinam de
que seus problemas não são insuperáveis, e, eles podem fazer muito para
atingirem seu potencial, apesar de sua dislexia.
Dislexia de superfície do desenvolvimento – os pacientes com
dislexia de superfície adquirida baseiam-se maciçamente nos procedimentos
fonológicos de conversão de letras em sons, quando tentam ler em voz alta.
Como resultado, eles lêem palavras regulares razoavelmente bem, mas
tendem em regularizar as palavras irregulares (lendo island como izland e
broad como brôde). Holmes (1973; 1978) observou erros similares de
regularização em quatro disléxicos desenvolvimentais e especulou sobre
possível similaridade entre a dislexia do desenvolvimento e a dislexia de
superfície adquirida.
Essa comparação foi levada avante por Coltheart et al. (1983) em
seu relato sobre uma menina com dislexia de superfície do desenvolvimento. A
menina em questão, C. D., tinha uma inteligência normal, tinha uma criação e
educação normal, tinha compreensão e produção completamente normais da
fala, nenhum defeito acentuado na memória de curto prazo e nenhuma
evidência de qualquer forma de anormalidade neurológica. Contudo aos 15
anos, sua idade de leitura estava apenas entre 10 e 11 anos. Ao receber um
conjunto de palavras regulares e irregulares para ler em voz alta, ela lia 35
dentre as 39 palavras regulares corretamente, mas apenas 26 de 39 palavras
irregulares. Esta vantagem das palavras regulares sobre irregulares não é vista
na dislexia fonológica do desenvolvimento e sugere uma contribuição da
46
conversão sublexical de letras para sons à sua leitura. Muitos erros de C. D.
eram regularizações de palavras irregulares (por exemplo: ler quay como kway,
come como kome, bear como beer).
No quadro abaixo podemos observar resumidamente os
subtipos de dislexia abordados por Ellis e Yong (1998):
Fonte: Elena Boder: Dislexia do Desenvolvimento (ou da Evolução): Uma Abordagem Diagnóstica Baseada sobre Três Padrões Atípicos de Leitura e Escrita Ortográfica.
MODELOS TEÓRICOS ATUAIS DA DISLEXIA DO
DESENVOLVIMENTO
CURRENT THEORETICAL MODELS OF
DEVELOPMENTAL DYSLEXIA
Olinda Teruki KAJIHARA
A leitura é uma habilidade especificamente humana, e a sua
aquisição deve ser realizada individualmente por cada criança. O mecanismo
biológico subjacente à leitura parece ser geral para diferentes sistemas
lingüísticos, e embora essa habilidade seja biologicamente consolidada, não
pode ser adquirida fora de um contexto social (GRI-GORENKO, 2003).
47
-Dislexia do Desenvolvimento: distúrbio neurológico, de base genética, e que prejudica, especificamente, a aprendizagem da leitura. não decorre de rebaixamento intelectual, de deficiências sensoriais ou de problemas pedagógicos, emocionais ou socioculturais.
Dislexia de Superfície:- não desenvolveu ou perdeu a rota lexical;
- dificuldades para ler palavras longas e comete erros de regularização.
Dislexia Fonológica: - perdeu ou não desenvolveu a rota sublexical;
- dificuldades para ler palavras inventadas, desconhecidas, não familiares
Dislexia Profunda:- problema nas duas rotas, não tem discrepância;
- dificuldades para ler palavras desconhecidas/ conhecidas, familiares/não familiares, inventadas.
Cerca de 3% a 10% da população apresentam dificuldades
específicas na leitura, apesar de terem inteligência, educação e condições
sociais adequadas. A dislexia do desenvolvimento é uma desordem
neurológica, de base genética (TAIPALE et al., 2003). Sua característica
fundamental é a imprecisão e/ou a dificuldade para adquirir fluência na leitura
de palavras (EDEN; MOATS, 2002; PUGH et al., 2000). Entretanto, o disléxico
pode não desenvolver fluência na leitura de textos, não adquirir um vocabulário
rico nem compreender o material lido (RAYNER et al., 2001).
Os primeiros especialistas que consideraram a dislexia do
desenvolvimento um distúrbio de base neurobiológica foram os oftalmologistas.
Em 1895, o oftalmologista inglês Hinshelwood observou a tendência hereditária
do distúrbio, registrando o caso de uma família com quatro pessoas disléxicas
(SCHAIN, 1978; TARNOPOL, 1981). Nos dois anos seguintes, o oftalmologista
Morgan e o médico escolar Kerr descreveram outros casos de crianças
disléxicas. Esses três pesquisadores examinaram jovens que tinham
inteligência normal e bom desempenho na matemática, mas que não
conseguiam aprender a ler nem mesmo o alfabeto (PIÉRART, 1997).
Samuel Orton, na década de 1930, propôs que a criança disléxica
tinha uma “cegueira para palavras" decorrente de uma disfunção visual que
impedia a representação das letras nos lobos occipitais do cérebro. Com o
tempo, a teoria de Orton caiu em descrédito. Entretanto, o avanço da
tecnologia de neuroimagem, no final do século XX, comprovou que os
disléxicos apresentam as anormalidades nas regiões posteriores do cérebro
apontadas por Orton (EDEN; MOATS, 2002). O estudo da base neurológica da
dislexia do desenvolvimento caminhou lentamente no decorrer do século XX.
Até a década de 1980, evidências de comprometimento cerebral em crianças
disléxicas só podiam ser obtidas por meio de autópsia. Essa técnica de
pesquisa foi utilizada por Galaburda et al. (1985) para escudar disléxicos de
desenvolvimento que tinham sido atendidos, na década de 1930, por Orton.
Modelos teóricos atuais da dislexia no desenvolvimento - As autópsias
revelaram anormalidades neuroanatômicas microscópicas e macroscópicas
nos cérebros dos disléxicos do desenvolvimento. Um grande passo na
compreensão da base biológica da dislexia do desenvolvimento foi dado com o
48
desenvolvimento, na década de 1990, de técnicas de neuroimagem funcional
que tornaram possível detectar, localizar e quantificar as funções cognitivas.
Considerando que a dislexia do desenvolvimento não decorre de lesão
cerebral, mas de um funcionamento anormal das estruturas cerebrais que
participam da leitura, as técnicas de neuroimagem têm permitido avaliar
sistematicamente os mecanismos cerebrais subjacentes ao distúrbio de leitura,
assim como estudar os perfis cerebrais de ativação específicos das pessoas
disléxicas (SIMOS et al., 2002).
Estudos realizados com Ressonância Magnética Funcional (fMRI),
Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET), Magnetoencefalografia (MEG) e
Imagem de Fonte Magnética (MSI) indicam que a atividade de leitura requer o
uso de uma via posterior localizada no hemisfério esquerdo e que apresenta
componentes dorsais e ventrais. As tarefas que exigem decodificação
fonológica, como, por exemplo, a leitura de palavras não-familiares ou
inventadas, leva ao aumento da ativação do circuito dorsal, localizado na
região têmporo-parietal, mais especificamente na porção posterior do lobo
temporal superior, na região angular e no giro supramarginal. As palavras reais
levam ao aumento da ativação da área occípito-temporal. Esse circuito ventral
parece participar do sistema de reconhecimento da forma visual (lexical) da
palavra. Um terceiro circuito, centralizado no giro frontal inferior esquerdo,
participa dos outputs fonológicos e articulatórios da leitura, e por isso está
envolvido na leitura silenciosa e na atividade de nomeação (PUGH et al., 2000;
SIMOS et al., 2002).
Os exames de neuroimagem têm demonstrado que os disléxicos não
apresentam o padrão de ativação acima descrito. A Tomografia por Emissão de
Pósitrons (PET) revela que os disléxicos adultos apresentam um reduzido fluxo
sangüíneo na área têmporo-parietal esquerda quando realizam tarefas de
leitura e de processamento fonológico (RUMSEY et al., 1992; RUMSEY et al.,
1997). Esses resultados são concordantes com os obtidos com Ressonância
Magnética Funcional (fMRI), que evidenciam que os disléxicos, ao contrário
dos leitores fluentes, não apresentam aumento na ativação da região têmporo-
parietal esquerda quando é aumentada a demanda de análise fonológica na
tarefa. Além disso, os disléxicos apresentam um padrão reverso ao observado
49
nos leitores fluentes, ou seja, uma maior ativação da região temporal posterior
direita em relação à esquerda (SHAYWITS et al., 1998; TEMPLE et al., 2001).
É interessante observar que os padrões anormais de atividade
cerebral observados na dislexia são semelhantes em diferentes culturas.
Paulesu et al. (2001), por exemplo, avaliaram disléxicos italianos, franceses e
ingleses por meio de Tomografia por Emissão de Pósitrons e constataram que
o grupo com menor comprometimento na leitura foi o dos italianos. É possível
que isso se deva ao fato de a língua italiana ter uma ortografia mais
“transparente" (regular) do que o francês e o inglês. Apesar disso, os três
grupos apresentaram dificuldade em tarefas fonológicas e reduzida ativação do
hemisfério cerebral esquerdo (giro temporais médios, superior e inferior e giro
occipital médio). Portanto, a base neurocognitiva da dislexia do
desenvolvimento parece ser universal, mas o impacto da dislexia em países
que possuem sistemas ortográficos mais “transparentes" é menor, e por isso a
manifestação do distúrbio de leitura é menos severa do que em países que
possuem sistemas ortográficos mais complexos.
Há quatro anos, um grande avanço foi obtido no campo dos
distúrbios específicos de leitura: a caracterização do primeiro gene relacionado
com a dislexia do desenvolvimento. Taipale et al. (2003) estudaram uma família
cujo pai e três filhos eram disléxicos, e identificaram uma translocação no gene
DYX1C1, localizado no cromossomo 15q21. A translocação parece
desorganizar a função da proteína produzida por esse gene, que é observada
em vários tecidos, inclusive no cérebro.
Apesar do número significativo de evidências da origem biológica
da dislexia do desenvolvimento, ainda não há consenso sobre a natureza do
prejuízo. Sobre essa questão, há várias posições. Algumas dessas
abordagens, elaboradas a partir da década de 1980, possibilitaram um grande
avanço na compreensão da dislexia do desenvolvimento. Neste artigo, serão
apresentados dois desses novos modelos teóricos: a “neuropsicologia
cognitiva" e a “teoria magnocelular".
A NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA E AS DISLEXIAS DO
DESENVOLVIMIENTO
50
A neuropsicologia cognitiva é a ciência que estuda os transtornos
das funções cognitivas decorrentes de alterações estruturais e funcionais do
cérebro. Na década de 1970, os neuropsicólogos começaram a se dedicar ao
estudo da dislexia adquirida, ou seja, dos distúrbios de leitura adquiridos por
adultos alfabetizados após uma lesão cerebral. A neuropsicologia cognitiva não
objetiva localizar a área cerebral danificada, mas identificar as partes do
processo normal de leitura comprometidas ou perdidas no disléxico (ELLIS,
1995).
Para tornar isso possível, a neuropsicologia tem utilizado modelos
cognitivos que explicam o processo normal de leitura para investigar,
minuciosamente, os padrões de leitura das pessoas disléxicas. Os estudos
sobre dislexia adquirida levaram os pesquisadores a observar que os sintomas
exibidos pelos adultos eram semelhantes aos verificados nas crianças com
distúrbio específico de leitura, e por isso o termo dislexia do desenvolvimento
passou a ser utilizado (BADDELEY; LOGIE; ELLIS, 1988).
De acordo com a neuropsicologia cognitiva, existem, no mínimo,
duas rotas de leitura: a lexical e a sublexical. Cada uma dessas rotas é
formada por vários subsistemas cognitivos que atuam, pelo menos em parte,
de forma independente. A rota lexical permite reconhecer visualmente uma
palavra real e familiar, por meio do resgate de seu significado de um armazém
(memória). A rota sublexical permite ler uma palavra familiar, não-familiar ou
inventada, convertendo a palavra escrita em seu equivalente fonológico, ou
seja, fazendo a conversão grafema-fonema (ELLIS, 1995).
Uma das grandes contribuições da neuropsicologia cognitiva foi
ter demonstrado que o distúrbio específico de leitura não é homogêneo, ou
seja, que existem diferentes formas de dislexia, como, por exemplo, a
fonológica e a de superfície, que prejudicam ou incapacitam o uso das rotas,
respectivamente, sublexical e lexical (ELLIS, 1995). O primeiro caso de dislexia
fonológica adquirida foi descrito no final da década de 1970 (TEMPLE;
MARSHALL, 1983). O comprometimento da rota sublexical faz com que o
disléxico fonológico não consiga ler palavras não-familiares e palavras
inventadas. Ao tentar usar a rota lexical ele comete erros de lexicalização, troca
uma palavra inventada (ou não-familiar) por uma palavra visualmente
semelhante (ELLIS, 1995). Por exemplo, lê “tomape" como “tomate".
51
O uso da rota lexical faz com que o disléxico fonológico realize, também,
paralexias visuais e erros derivacionais. A paralexia visual consiste na troca de
uma palavra real por outra palavra real, visualmente parecida com a primeira.
O erro derivacional consiste na troca de uma palavra real por outra palavra
real, derivada da primeira (TEMPLE; MARSHALL, 1983). Um exemplo de
paralexia visual é a leitura de “tomada" como “tomate", e de erro derivacional, a
leitura de “sorvete" como “sorveteiro". A incidência de paralexias visuais e
derivacionais varia entre os disléxicos, e por isso Funnell (1983) acredita que
esses erros não façam parte das características fundamentais da dislexia
fonológica.
Outro tipo de erro freqüente no disléxico fonológico é o
neologismo: como tem dificuldade no uso da rota sublexical, quando é forçado
a ler uma palavra não-familiar ou inventada, comete erros na conversão
grafema-fonema (SNOWLING, 1983). Por exemplo, lê “poldro" como “boltro".
As semelhanças funcionais entre a dislexia fonológica adquirida e a dislexia
fonológica do desenvolvimento foram descritas, pela primeira vez, por Temple
e Marshall (1983), que avaliaram uma garota de 17 anos (H. M.), com
inteligência média e vocabulário oral acima da média. H. M. possuía uma idade
de leitura de 10 anos e 11 meses, e idade de escrita de 10 anos e 7 meses.
Apesar de não ter dificuldade na leitura de palavras familiares, era incapaz de
ler palavras inventadas longas e palavras reais não-familiares longas. H.M.
cometia um grande número de lexicalizações, de paralexias visuais e de erros
derivacionais.
Snowling e Hulme (1989) avaliaram um disléxico fonológico do
desenvolvimento (J. M.) de 10 anos e verificaram que ele tinha dificuldade em
ler palavras inventadas e que cometia erros visuais. J. M. recebeu atendimento
especializado por quatro anos, mas apresentou um avanço pequeno na leitura
e na escrita. Nessa época, os pesquisadores verificaram que o vocabulário
visual de J. M. aumentou, apesar de seu desempenho continuar sendo inferior
ao dos leitores fluentes. Cerca de 50% dos erros que ele cometia eram visuais.
Houve uma pequena melhora na capacidade de uso das regras de conversão
grafema-fonema, embora a leitura sublexical fosse lenta.
O termo dislexia de superfície foi proposto por Marshall e
Newcombe (1973), que registraram o caso um de um adulto com distúrbio na
52
rota lexical de leitura. Nas décadas de 1980 e 1990, vários casos de dislexia de
superfície foram publicados (CASTLES; COLTHEART, 1993; TEMPLE, 1987).
Os disléxicos de superfície conseguem utilizar a rota sublexical na leitura de
palavras não-familiares e de palavras inventadas. Eles empregam a rota
sublexical para decodificar palavras familiares, e por isso apresentam baixa
velocidade de leitura (ELLIS, 1995).
O uso da rota sublexical permite ao disléxico de superfície ler
palavras regulares, ou seja, que apresentam relações grafema-fonema
regulares (biunívocas). Entretanto, o dano na rota lexical compromete a leitura
de palavras irregulares, formadas por relações grafema-fonemas não
previsíveis por regras gramaticais (CASTLES; COLTHEART, 1993). Assim
sendo, o disléxico de superfície consegue ler a palavra “tatu", por ser regular,
mas tem dificuldade na leitura de “exame", por ser irregular. Tende a
regularizar as palavras irregulares; por exemplo, lê “echame" ao invés de
“exame". As primeiras evidências de semelhanças entre a dislexia de superfície
do desenvolvimento e a dislexia de superfície adquirida foram obtidas nos anos
70. Na década seguinte, Coltheart et al. (1983) descreveram o caso de C. D.,
uma garota de 17 anos, com inteligência superior a 100 e idade de leitura de 10
anos, que tinha bom desempenho na leitura em voz alta de palavras regulares,
dificuldade na leitura de palavras irregulares e cometia erros freqüentes de
regularização. Após a publicação desse caso, outros relatos de dislexia de
superfície do desenvolvimento foram apresentados (CASTLES; COLTHEART,
1993; COLTHEART, 1987; HANLEY; GARD,1995).
Os estudos sobre as dislexias adquiridas e do desenvolvimento
avançaram muito no final da década de 1990. Desde então, neuropsicólogos,
como, por exemplo, Cuetos, Valle-Arroyo e Suárez (1996), além de identificar a
rota de leitura comprometida, têm procurado localizar o(s) módulo(s)
danificado(s). Essa nova abordagem possibilitará avanços no tratamento dos
distúrbios específicos de leitura, visto que serão privilegiadas as necessidades
específicas de cada pessoa disléxica.
A TEORIA MAGNOCELULAR DA DISLEXIA DO DESENVOLVIMIENTO
53
As técnicas eletrofisiológicas e de neuroimagem desenvolvidas no
final do século XX forneceram subsídios para a formulação da teoria
magnocelular da dislexia do desenvolvimento, a qual propõe que o distúrbio de
leitura seja causado por um prejuízo nas células gigantes que formam a via de
processamento visual que se estende da retina até o cérebro (STEIN; WALSH,
1997).
A retina é formada por células ganglionares, 80% das quais são
parvocélulas, 10% são magnocélulas e as 10% restantes são células de vários
tipos, que não participam da visão (BAKER, 2000). Os axônios dessas células
ganglionares formam as fibras do nervo óptico (MACHADO, 1993), e enviam
impulsos nervosos para uma estação que retransmite a informação visual para
o cérebro, ou seja, para o corpo geniculado lateral, localizado no tálamo. Entre
as seis camadas do corpo geniculado lateral, duas são formadas por células
gigantes ou magnocélulas que dão origem à via magnocelular, e quatro
camadas são formadas por células pequenas que dão origem à via
parvocelular (BAKER, 2000; STEIN; TALCOTT, 1999).
Essas duas vias visuais são responsáveis pela percepção da
forma, da cor e do movimento dos objetos. A via magnocelular estende-se,
sucessivamente, do córtex visual primário para a área V5 (sulco temporal
superior) e para o córtex parietal posterior. Ela responde, com rapidez, aos
estímulos visuais de curta duração, assim como fornece informações sobre a
localização espacial, a profundidade e o movimento de objetos, e por isso é
denominada de via “onde.". Como as magnocélulas são sensíveis a baixos
níveis de luz e de contraste, a diferença de luz refletida entre uma figura e o
seu fundo não precisa ser grande. Essa via pode seguir mudanças rápidas de
luz, sendo sensível aos estímulos tremeluzentes. Entretanto, como a via
magnocelular não identifica cores e detalhes, não proporciona boa acuidade
visual (GREATREX; DRASDO, 1995; KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 1995;
STEIN, 2000; STEIN; TALCOTT, 1999; STEIN; TALCOTT; WALSH, 2000;
TALCOTT et al., 1998). As fibras da via magnocelular projetam-se para o
cérebro e fornecem o principal input para a estrutura do tronco cerebral
(colículo superior) responsável pelos movimentos reflexos dos olhos (STEIN;
TALCOTT, 1999).
54
A via parvocelular projeta-se da área visual primária (V1) para o
córtex temporal inferior. Essa via ventral fornece informações sobre as
propriedades estáticas do objeto, ou seja, sobre sua cor, forma e textura, mas
não é uma via rápida como a magnocelular. A via parvocelular é denominada
de via “o quê.", pois como é sensível aos detalhes visuais, permite identificar
objetos (STEIN, 2000; TALCOTT et al., 1998).
O primeiro registro de anormalidades estruturais e funcionais na via
magnocelular dos disléxicos foi realizado por Livingstone et al. (1991). Eles
utilizaram a técnica do Potencial Evocado Visual para examinar o corpo
geniculado lateral de adultos disléxicos e registraram respostas reduzidas para
estímulos rápidos ou de baixo contraste, mas respostas normais para estímulos
lentos ou de alto contraste. Esses resultados foram interpretados como
decorrentes de um déficit na via magnocelular visual. Esse grupo de
pesquisadores realizou, também, a análise histológica dos cérebros
autopsiados por Galaburda et al. (1985), e constatou que as camadas
parvocelulares do corpo geniculado lateral não apresentavam alterações
estruturais. Entretanto, as camadas magnocelulares dos disléxicos eram
desorganizadas e tinham corpos celulares menores. Os pesquisadores
formularam a hipótese de que os axônios das magnocélulas também deveriam
ser finos, e por isso conduziriam mais lentamente a informação visual.
Por que o comprometimento da via magnocelular prejudica a
leitura? Porque essa atividade requer um processamento rápido e preciso de
estímulos visuais (letras) e auditivos (fonemas) e, no âmbito do sistema
nervoso central, essa função é realizada pelas magnocélulas (STEIN;
TALCOTT, 1999). É possível, também, que a baixa sensibilidade ao movimento
prejudique a capacidade de o disléxico realizar, no decorrer da leitura, a análise
ortográfica das palavras. Essa hipótese foi levantada por Cornelissen et al.
(1998), que constataram que crianças disléxicas apresentavam baixa
sensibilidade ao movimento e muitos erros “visuais" na leitura. Resultados
semelhantes foram observados por Wilmer et al. (2004), que verificaram, em
adultos disléxicos, associação entre baixa sensibilidade ao movimento e falta
de precisão na leitura, assim como entre baixa percepção de velocidade e
lentidão na leitura.Outra hipótese sobre a influência do dano na via
magnocelular na leitura dos disléxicos foi proposta por Stein e Talcott (1999).
55
Eles argumentam que a leitura requer movimentos dos olhos
sobre a página. Somente a região central dos olhos (fóvea) fornece a alta
acuidade visual necessária para discriminar os pequenos detalhes das letras
de um texto. Ao focalizar uma determinada letra, o leitor somente percebe, com
clareza, as três letras que estão à esquerda do ponto de fixação, e as cinco
letras que estão à direita. Além disso, para percorrer uma linha da página, da
esquerda para a direita, precisa realizar uma série de movimentos sacádicos,
ou seja, movimentos rápidos dos olhos (30 milisegundos) entre as fixações
realizadas para a identificação das letras das palavras.
A projeção do sistema magnocelular para o colículo superior (tronco cerebral) é
responsável pelos movimentos reflexos dos olhos, assim como a projeção para
o córtex parietal posterior responde pelo controle dos movimentos voluntários
dos olhos.
Portanto, a via magnocelular desempenha um importante papel
na leitura, pois controla os movimentos sacádicos no texto a ser lido (STEIN;
TALCOTT, 1999). No decorrer de um movimento sacádico, o leitor normal não
tem uma visão borrada do texto porque o processamento visual é inibido, de
forma que ele vê muito pouco durante esse período (THILO et al., 2004). O
comprometimento na via magnocelular parece levar o disléxico, ao realizar um
movimento sacádico, a perseverar em fixações anteriores. Assim sendo, o
trecho a ser lido fica encoberto, o que torna difícil a identificação das letras e
das palavras (SLAGHUIS; LOVEGROVE, 1984).
Há indícios, também, de que déficits em outras funções
magnocelulares comprometam a leitura do disléxico do desenvolvimento.
Cornelissen et al. (1991) sustentam que o dano na via magnocelular provoca
instabilidade binocular, e essa, por sua vez, prejudica a percepção visual das
letras. Eles verificaram que crianças disléxicas com instabilidade binocular
apresentaram maior precisão na leitura de palavras escritas em fonte tamanho
24 do que em tamanho 12. Além disso, cometem erros “visuais", ou seja,
ortograficamente inconsistentes. A instabilidade binocular também pode
explicar a queixa dos disléxicos do desenvolvimento quando tentam ler: eles
dizem que vêem as palavras e as letras do texto movendo-se continuamente
na página ou as letras se misturando. É possível que os movimentos
56
descontrolados dos olhos sejam interpretados pelos disléxicos como
movimentos das letras.
Os defensores da teoria magnocelular acreditam que os déficits visuais dos
disléxicos do desenvolvimento sejam causados por anormalidades no
metabolismo dos ácidos graxos polissaturados de cadeia longa. Esses ácidos
são muito importantes para o desenvolvimento normal das estruturas e das
funções cerebrais. O feto e o recém-nascido dependem da placenta e do leite
materno para receber suprimentos de ácidos graxos, enquanto a criança e o
adulto dependem da dieta alimentar para conseguir essas substâncias
químicas. A deficiência de ácidos graxos prejudica a formação dos fosfolipídios
das membranas celulares, e é provável que esse impacto seja maior nas
células de maior superfície, como as magnocélulas. A deficiência nessa
substância química que forma as membranas celulares poderia levar ao não
crescimento dos neurônios magnocelulares, que poderiam, portanto, ficar
pequenos como os neurônios parvocelulares.
Os disléxicos apresentam uma elevada freqüência de sinais de
deficiência de ácidos graxos essenciais, tais como sede excessiva, urinação
freqüente, pele seca, cabelo ressecado, caspa, unhas fracas ou quebradiças e
ceratose folicular, os quais variam de acordo com a severidade da dislexia
(RICHARDSON et al., 2000; TAYLOR et al, 2000).
Em um estudo recente, realizado por Cyhlarova et al (2007),
verificou-se associação entre as habilidades de leitura e de escrita e as
concentrações dos ácidos graxos ômega-3 e ômega-6 nas membranas das
hemácias de disléxicos adultos. As concentrações totais de ômega-3
correlacionaram-se positivamente com o desempenho na leitura dos grupos de
disléxicos e de controle, o que significa que o baixo nível desse ácido pode
contribuir para o pobre desempenho na leitura.
Entretanto, houve forte relação inversa na proporção de ômega-
3/ômega – 6, no grupo dos disléxicos, o que sugere que o desequilíbrio nessa
proporção de ácidos graxos seja importante na dislexia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
57
A alta prevalência e a persistência da dislexia do desenvolvimento
durante a vida toda e os seus efeitos sobre a qualidade de vida tornam a
dislexia um dos problemas mais importantes de saúde pública (GRIGORENKO,
2003).
Já se passaram mais de cem anos desde que o primeiro caso de
dislexia do desenvolvimento foi descrito na literatura médica. Nos primeiros 70
anos de pesquisa foi possível descrever os problemas, principalmente
psicomotores, da criança disléxica. Entretanto, não havia evidências seguras
da base neurobiológica da dislexia do desenvolvimento, assim como não havia
subsídios para a compreensão do processo de leitura das crianças que
apresentam esse tipo de distúrbio.
Tal situação somente se modificou no final do século XX. A partir
da década de 1980, a neuropsicologia cognitiva demonstrou que a dislexia do
desenvolvimento não era um distúrbio homogêneo.
Aos poucos, cada tipo de dislexia começou a ser explicado, assim
como os aspectos da leitura danificados e os íntegros, nos disléxicos
fonológicos e de superfície. Esses conhecimentos abriram novos caminhos
para o ensino da criança disléxica.
O desenvolvimento de novas técnicas eletrofisiológicas e de
neuroimagem, a partir da década de 1980, forneceram as evidências
necessárias da base neurológica da dislexia do desenvolvimento. É possível,
atualmente, afirmar que as crianças disléxicas apresentam anormalidades
estruturais e funcionais do sistema nervoso central, assim como também é
possível localizar esses danos, como, por exemplo, nas magnocélulas da via
de processamento visual.
As contribuições da neuropsicologia cognitiva e da teoria
magnocelular demonstram a importância de o professor conhecer a influência
do fator orgânico na aprendizagem escolar. A análise ortográfica de uma
palavra, por exemplo, é uma etapa fundamental do processo de leitura.
Entretanto, a identificação das letras e a localização da posição de cada uma
delas em uma palavra somente vai é possível quando há integridade na via
magnocelular visual. O funcionamento neurológico adequado é condição
indispensável para que a criança possa reconhecer lexicalmente uma palavra
ou realizar conversão grafema-fonema ao ler sublexicalmente.
58
Os próximos anos prometem ser muito promissores, visto que a
compreensão da natureza da dislexia do desenvolvimento fornecerá os
conhecimentos de que os professores necessitam para atender às
necessidades educacionais especiais dos alunos disléxicos.
DISLEXIA – INTERVENÇÕES
Michael Farell
A seguir, as seções consideram as intervenções envolvendo as
dificuldades associadas à dislexia, isto é, intervenções para dificuldades
fonológicas: dificuldades de percepção auditiva e de processamento auditivo;
dificuldades visuais e de processamento visual; dificuldades de coordenação
motora; dificuldades de memória verbal de curto prazo; dificuldades de
sequência temporal (relacionados a sequencialização de informações e
eventos cronológicos ou atividades. A seguir, as intervenções específicas
diretamente voltadas para leitura, escrita e ortografia, apesar de levar em
conta, em certa extensão, a presença de dificuldades associadas e
outrasconsiderações. Por fim, outras intervenções são examinadas:
desenvolvimento da consciência metacognitiva, identificação e utilização das
potencialidades (levando em conta os estilos de aprendizagem e as
abordagens preferidas da aprendizagem).
Antes de exemplificar as intervenções que têm a ver com
dificuldades associadas, é útil situá-las no contexto. Um pouco importante em
relação às dificuldades associadas é que elas frequentemente se relacionam a
sub-habilidades de leitura, escrita e ortografia que precisam funcionar juntas
para que tais atividades sejam efetivas. Se uma ou várias sub-habilidades
forem disfuncionais, então o aluno pode achar difícil melhorar a habilidade
tendo, ao mesmo tempo, que manter as outras habilidades necessárias ao
letramento.
Para desenvolver habilidades de letramento, o aluno precisa:
- Processar aspectos fonológicos da fala;
- Processar o input auditivo como parte da aprendizagem (e
chupando esse modo não Foz muito eficiente, usar outros
modos para compensar);
59
- Reter informações na memória de curto prazo enquanto elas
São processadas;
- Usar movimentos coordenados para escrita manual;
- Organizar informações, por exemplo, quando estiver lendo;
- Sequenciar informações, por exemplo, palavras quando lê e
letras orientar corretamente as letras, por exemplo, para
escrever e soletrar;
- Focalizar visualmente as palavras de forma eficaz e rastrear
palavras através de uma página escrita;
- Discriminar, sequenciar, combinar e segmentar
auditivamente os sons das palavras.
Sem essas são habilidades básicas ou necessárias, talvez seja
difícil para o aluno melhorar uma delas enquanto mantém as outras. Por
exemplo, ao copiar um texto, o aluno pode achar difícil coordenar os
movimentos da escrita manual enquanto mantém a memória visual de palavras
recém lidas a fim de traduzi-las em escrita manual, e lembrar a sequência de
diferentes letras e palavras e traduzi-las em sequências escritas. Se a
combinação de habilidades faz com que seja difícil para o aluno concentrar-se
em um aspecto como a coordenação e melhorá-la, pode-se supor que as
habilidades associadas (isto é, as dificuldades associadas a elas) podem ser
abordadas distintamente.
Para ensinar e melhorar os movimentos coordenados de escrita
manual pode-se reduzir as demandas de outras sub-habilidades, como lembrar
e traduzir sequências de diferentes letras de uma página impressa. A tarefa
pode envolver, então, escrever e repetir uma forma de letra relacionada à
escrita manual.
Outra hipótese relativas as atividades terapêuticas é que a
dificuldade em uma habilidade pode ser mais geral do que sua manifestação
particular na leitura, na escrita e na ortografia. Por exemplo, uma dificuldade
em sequenciar letras do alfabeto, letras em palavras ou palavras em frases
pode estar associadas a outras dificuldades de senquencialização. Talvez haja
dificuldade em ordenar informações (por exemplo, número de telefone) ou
eventos cronológicos (lembrar uma seqüência de eventos em um dia escolar,
60
vestir-se ou despir-se na ordem correta). Se for esse o caso, a hipótese é que
melhorar as habilidades de sequencialização não só remediará áreas
importantes de habilidades como vestir-se e saber o dia da semana, como
também terá um efeito indireto nas habilidades de ordenação temporal
necessárias para o letramento. (Isso necessariamente não impõe, nem impede
que o trabalho direto com as habilidades relativas ao letramento, seja feito ao
mesmo tempo, de uma forma simplificada).
Às vezes, o trabalho envolvendo a associação entre
habilidades/dificuldades inclui compensar alguma dificuldade usando recursos.
Por exemplo, um auxílio concreto para a memória seria uma linha de letras do
alfabeto fixada à mesa do aluno para ajudá-lo a lembrar a ordem alfabética
quando usar o dicionário. Outras capacidades do aluno também podem ser
utilizadas de maneira compensatória, como quando suas dificuldades de
processamento auditivo, de combinação e de segmentação de sons nas
palavras forem compensadas por métodos multissensoriais, incluindo o ensino
da fônica mediante estímulos visuais e cinestésicos e relacionando aos sons
das palavras.
É com essas questões em mente que a seguinte seção sobre
dificuldades associadas deve ser leda. Conforma o leitor reconhecer os
exemplos de terapia e compensações das dificuldades, será capaz de
examinar e avaliar abordagens sugeridas em outro s livros e fontes para
melhorar habilidades e compensar dificuldades. Espera-se que isso leve a uma
análise mais coerente das intervenções.
Intervenções Relacionadas às dificuldades Associadas
Intervenções relacionadas às dificuldades fonológicas – O
aluno com dificuldades fonológicas pode ser ensinado a ter maior consciência
dos sons e seqüências de sons que transmitem significado na fala e a utilizá-la
na linguagem falada. Ao falar, ele pode praticar sons que frequentemente não
percebe, tais como em inícios e finais de palavras.
Da mesma forma, a prática da compreensão oral pode ser usada
para ajudar o aluno a perceber sons chave, que mudam o significado da
palavra. Por exemplo, o aluno pode ser ensinado a procurar ouvir e reconhecer
o som “s” no final da palavra quando ela sinaliza o plural, como e “gato” e
61
“gatos”. A compreensão oral pode ser facilitada por outros meios sensoriais,
tais como, figuras ou objetos; por exemplo, a figura de um único gato e outra de
vários gatos. Primeiro teríamos de esclarecer se a dificuldade é
predominantemente fonológica ou gramatical.
Para aumentar a consciência fonológica, o professor pode
incentivar o interesse dos alunos pela palavra ou frase quando introduz novo
vocabulário. O professor ensina e verifica o entendimento dos alunos sobre
vários aspectos do vocabulário. Esses aspectos incluem o semântico
(significados e origens das palavras), o gramatical e o fonológico. Os aspectos
fonológicos podem ser desenvolvidos através de perguntas: Como os sons da
palavra se dividem e se juntam novamente? Vocês conhecem outras palavras
com o mesmo som? Quais são as sílabas da palavra? (Os alunos mais jovens
podem gostar de bater palmas para marcar cada sílaba). Isso pode ser
realizado todos os dias de forma breve, junto com exemplos, quando forem
introduzidas palavras chaves no início da aula. Essa abordagem é usada com
eficácia tanto no ensino fundamental quando no ensino médio, e, assim como
os professores de inglês (no Brasil, português), especialistas em outras
matérias podem usar o método para reforçar novos vocabulários. Uma
abordagem que explora o interesse pelos sons da fala é o Metaphon (Howell e
Dean, 1994).
Quando os alunos apresentam dificuldades fonológicas graves,
um fonoaudiólogo deve ser consultado, e este pode trabalhar com o professor
e o coordenador de necessidades educacionais especiais para criar e
supervisionar um programa Adequado.
Intervenções relacionadas à percepção auditiva e dificuldade
de processamento auditivo – O ensino direto e a prática da discriminação
auditiva podem ser realizados incentivando o aluno a fazer discriminações
progressivamente mais sutis em tarefas e exercícios programados, tais como
reconhecer e discriminar sons, incluindo sons de letras através do gravador.
A segmentação e a combinação auditivas podem ser ensinadas e
praticadas diretamente, por exemplo, tocando-se uma fita em um gravador e
pedindo ao aluno que procure escutar certos sons (como “to”). A princípio, os
sons seriam óbvios e o ritmo lento, por exemplo, “I am going out Tomorrow” (Eu
62
vou sair amanhã). A combinação auditiva pode ser ensinada por meio de
abordagens fônicas, que introduz sons de letras e depois os combina no
ensino da leitura.
Escutar sons de consoantes em diferentes posições pode ser
ensinado e praticado. Por exemplo, o aluno escutaria a consoante final das
palavras dog, log e doll ou a consoante inicial em pit, pot, dot e identificaria a
consoante diferente.
O ensino e aprendizagem multissensorial pode ajudar nas
dificuldades de processamento auditivo. Se uma criança com dislexia acha
muito difícil aprender apenas ouvindo a linguagem falada, ela pode ser
acompanhada por informações que envolve outras modalidades, como visual,
cinestésica e tátil. Essa é uma boa prática para todos os aprendizes, mas pode
ser particularmente útil para os alunos com pontos fracos em um determinado
estilo de aprendizagem, pois outros modos podem reforçar a aprendizagem no
estilo menos eficiente.
Por exemplo, em termos visuais, podem ser usados mapas,
diagramas, ilustrações, videotapes, mapas mentais e planilhas para apresentar
e registrar informações, enquanto cores podem ser usadas para salientar
partes do texto. Em termos auditivos, a palavra falada pode ser suplementada
por recursos visuais e gestuais. A leitura pode ser complementada por uma
gravação em áudio (como é freqüentemente utilizado no estudo de línguas
estrangeiras)*. Em termos cisnestésicos, o desempenho de papéis, mímicas e
dramatização podem reforçar a aprendizagem. No estilo tátil, objetos para a
criança manusear podem ser úteis.
Intervenções relacionadas a dificuldades visuais e de
processamento visual – Lembremos que as dificuldades visuais que podem
estar associadas à dislexia relacionam-se a convergência, acomodação e
rastreamento.
Na convergência, os olhos convergem para as letras impressas
ou manuscritas a uma distância de aproximadamente trinta centímetros, para
garantir que o cérebro receba um quadro unificado das letras e palavras. A
acomodação se relaciona à habilidade de ajustar rapidamente o foco dos olhos
63
às mudanças nas circunstâncias, tais como as mudanças de distância entre as
letras impressas e os olhos à medida que estes descem pela pina escrita.
Quando a discriminação visual não é boa, o professor pode usar
um ou mais dos livros das atividades planejadas para incentivar a habilidade.
Por exemplo, mostrar várias figuras de objetos que incluem um que obviamente
é diferente e progredir para várias figuras em que a diferença vai ficando cada
vez mais sutil. Pode ser uma série de letras com uma letra obviamente
diferente, novamente avançando para diferenças sutis. A prática na
discriminação visual de letras também envolve “superaprender” uma letra, por
exemplo, “m” e depois introduzir uma letra com a qual é confundida, digamos
“n”. As diferenças formas das letras podem ser diferentes ensinadas aos alunos
(minúsculas e maiúsculas).
Podemos utilizar uma fileira de tijolos coloridos e pedir ao aluno
que os separe em conjuntos de dois ou três – ao espaçar os tijolos ele estará
praticando a segmentação visual. Letras do alfabeto impressas podem ser
usadas para formar palavras, e ele pode formar segmentos como “b” “at” (bat,
morcego) ou “su” “n” (sun, sol).O rastreamento tem a ver com a habilidade de
esquadrinhar uma linha de texto, palavra por palavra e linha por linha e,
simultaneamente, “manter-se no próprio lugar”. A prática dessa habilidade pode
ser obtida com exercícios que requerem que o aluno, ____________________
*N. de R.T.. Uma possibilidade para organizar um bom material de escuta é o
editor gratuito Audacity. (www.audacity.souceforge.net).
preste muita atenção no texto e o rastreie da esquerda para a direita. Por
exemplo, podemos pedir que ele esquadrinhe uma sentença ou sentenças,
marcando a primeira
letra “a”, depois a primeira lera “b”, depois “c”, e assim por diante (por
exemplo. The apple was big and cold and...).
Intervenções relacionadas a dificuldades na memória de
curto prazo - As dificuldades de memória visual de curto prazo podem ser
melhoradas encorajando-se o aluno a identificar os ambientes e as condições
que, na sua opinião, ajudam a memorizar melhor. Esses aspectos podem
64
incluir: concentrar-se ativamente na tarefa em questão e não tentar fazer outra
coisa ao mesmo tempo, escolher uma lugar tranqüilo para evitar distrações e
assim por diante. Se o aluno tiver dificuldades na memória verbal de curto
prazo, é mais provável que lembre instruções se elas forem dadas uma de
cada vez.
A fixação da memória (e a evocação pelo uso da memória de
longo prazo) será facilitada se o aluno estiver interessado e for capaz de
relacionar as novas informações ou ideias ao que já conhece. O professor e
outras pessoas que trabalham com a criança precisam saber quais são seus
interesses e discutir com ela, como as novas informações se relacionam a isso.
Ela pode aprender e lembrar melhor com o uso das abordagens
multissenssoriais já mencionadas. É importante que o material a ser lembrado
esteja bem organizado, que as anotações estejam em ordem e, se necessário,
divididas em seções mais manejáveis.
A recordação e o reconhecimento podem ser facilitados
explorando-se os estilos sensoriais e a maneira específica como eles foram
usados para mostrar, registrar e aprender as informações – por exemplo,
diagramas ou mnemônica. Estratégias práticas para apoiar a memória de modo
mais geral incluem um diário e software de computador que ajudam o aluno a
planejar sua carga de trabalho, temas de casa e outros prazos e fornecem
lembretes a respeito. Uma parte substancial dos chamados programas de
habilidades de estudo relaciona-se a desenvolver e ajudar as habilidades de
memória.
Intervenções relacionadas a dificuldades de
sequencialização (ordem temporal) – Claramente, a sequencialização é
importante para falar, ler, escrever e soletrar. A sequencialização se relaciona à
organização em aspectos como vestir-se, tomar notas e outras atividades que
necessitam seguir uma seqüência. Conforme indicado anteriormente, o aluno
pode ter dificuldade em sequenciar:
- informações (por exemplo, letras do alfabeto, números de
telefone);
- atividades e eventos cronológicos (por exemplo, lembrar uma
seqüência de eventos, saber os dias da semana, vestir-se em seqüência).
65
Informações
A aprendizagem de seqüências, como as letras do alfabeto, pode
ser facilitada usando-se um cartão para cada letra. O aluno coloca os cartões à
sua frente, formando um arco, com “a” à esquerda e “z” à direita. O ritmo da
aprendizagem das letras em blocos pode ajudar (de “a” até “g”, de “h” até “n”,
de “o” até “u” e de “v” até “z”). Veremos que manusear e dispor os cartões
utiliza a memória cinestésica, dizer os sons das letras e ouvir os outros dizerem
esses sons utiliza a memória auditiva, e enxergar as letras utiliza a memória
visual – tudo isso ajuda a estabelecer a seqüência (Pollock et al., 2004, p. 118-
119).
Quando é usado é usado um dicionário, as páginas podem ser
marcadas com anotações em post-it ou um artifício semelhante para separar a
sequência alfabética, como acontece se esperamos a sequência o alfabeto em
“g”, “n” e “u”, de modo que a palavra desejada fique mais fácil de encontrar.
Enciclopédias e outros livros de referência com verbetes alfabeticamente
organizados podem ser divididos da mesma maneira.
A prática em colocar informações em seqüência ou encontrar
informações já organizadas pode ser obtida utilizando-se o princípio de
começar com poucos itens e aumentar, gradualmente, o seu numero. Embora
sequências, como números de telefones, em geral sejam simplesmente
guardadas na memória de telefones celulares, o aluno provavelmente desejará
memorizar o próprio número de telefone, talvez acrescentando um algarismo
de cada vez.
Quando é difícil processar seqüências de instruções, o professor
deve fazer solicitações claras, uma de cada vez, verificando se a primeira foi
atendida antes de fazer a segunda. Se possível, as instruções devem ser
dadas na ordem em que serão executadas. Por exemplo: “por favor terminem o
exercício com a calculadora e depois entreguem a lição de casa” costuma ser
mais fácil de entender do que “antes de entregar a lição de casa, terminem o
exercício com a calculadora”. A prática em dar e compreender instruções pode
ser obtida por meio de dramatização, na qual são introduzidas instruções ou
informações progressivamente mais longas.
Tarefas, atividades e eventos cronológicos
66
Seqüências automáticas, como os dias da semana, podem ser
ensinadas diretamente utilizando-se um cartão para cada dia da semana.
Colocar um cartão com a palavra escrita, “segunda feira” sobre a mesa ao lado
(ou embaixo, se o aluno preferir) do cartão “terça feira” fornece uma estrutura
visual, cinestésica e auditiva (se o professor e o aluno dizem o dia em voz alta)
para auxiliar a memória. Os dias podem ser vinculados a figuras de atividades
associadas a eles, de acorda com os interesses do aluno. Uma abordagem
semelhante pode ajudar com as estações ou meses do ano.
Ser capaz de ler as horas em relógio analógico envolve
compreender seqüências de números e relações espaciais. Um princípio que
pode ser usado é começar com atividades que envolvem itens relacionados ao
posicionamento do próprio corpo do aluno. No chão do corredor ou no pátio da
escola são colocados cones com números de 1 a 12. O aluno os dispõe como
um mostrador de relógio, começando pelo numeral 12 e depois posicionando o
número 6 em ralação a ele, e a seguir os números restantes são, então,
colocados em suas posições relativas. Depois que o aluno tiver uma clara
memória de cada número em ralação aos outros, pode ser usada uma escala
menor. Ele utiliza um mostrador de relógio simulado, sem números, e aprende
a colocar os números em sua posição correta. Depois volta ao corredor ou ao
pátio e aprende a marcar, no relógio do chão, cinco minutos depois de, dez
minutos depois de. Então marca essas “horas” antes de trabalhar no relógio
menor com ponteiros. Ele pode “caminhar” pelo relógio grande para aprender
os minutos que faltam para a hora – por exemplo, 25 minutos e 20 minutos
para, antes de retornará escala pequena. O professor precisará explicar
conceitos como um quarto de hora depois de, um quarto de hora para, e dar ao
aluno oportunidades para praticar.
Sequenciar atividades específicas pode ser difícil, e atividades
regularmente requeridas, como vestir-se e despir-se, podem ser ensinadas
diretamente e praticar tanto em casa quanto na escola. Talvez seja necessário
dar mais tempo para atividades como despir-se para a educação física e vestir-
se novamente, devido à dificuldade em lembrar a seqüência em que as roupas
são colocadas e tiradas.
Intervenções para a leitura
67
A eficácia de vários programas de intervenção foi revisada e
avaliada por Brooks (2002). Seu relatório, What orks for children with reading
difficulties? (O que funciona para crianças com dificuldades de leitura?),
procurou responder a duas perguntas: A primeira: “Que programas de
intervenção foram usados no Reino Unido para tentar melhorar o desempenho
em leitura e ortografia ou o desempenho global em escrita dos alunos com
desempenho inferior em pelo menos um dos anos 1 a 6, e quais foram
avaliados quantitativamente aqui?”. A segunda pergunta a que o relatório
procurou responder era: ”Como são os programas e qual sua eficácia?” (p. 1).
Entre as intervenções examinadas estavam o Phono-grafhix e a Reading
Intervention (Intervenção de Leitura), que serão considerados a seguir para
ilustrar abordagens à leitura.
Os criadores do Phono-graphix consideraram importante o fato de
que, na ortografia inglesa, assim como na língua portuguesa, o alfabeto serve
para representar originalmente e em princípio, cada som distinto da fala por
meio de um símbolo. Correspondentemente, o Phono-graphix desenvolve a
noção de que o inglês escrito é um “código fonêmico” em cada som de uma
palavra falada é representado por alguma parte de uma versão escrita. Ele
ensina as habilidades fonológicas necessárias para usar um código fonêmico:
combinar, segmentar e manipular fonemas. A abordagem ensina
explicitamente correspondências nas relações som-letra. As chamadas
“medidas de impacto” dos dados sobre a abordagem incluem o maior índice de
ganhos de todos os estudos revisados no relatório de Brook. Um estudo em
pequena escala envolveu 12 alunos de uma escola independente de Surrey,
especializada em alunos com dislexia. Uma intervenção de 26 semanas de uso
do Phono-graphix levou a um aumento em relação ao escore médio de leitura
em um pré-teste com o Macmillan Graded Word Reading, de 6,4 anos e um
escore médio pós-teste de 8,7 anos – um índice de ganho de 4,5.
A Reading Intervention era anteriormente chamada de Cumbria
Reading with Phonology Project. Ela combina treinamento fonológico e leitura.
Os alunos isolam fonemas dentro de palavras para poder reconhecer quais
sons, é comum entre palavras e que sons específicos podem ser apresentados
por certas letras. Em um estudo, os maus leitores do 2º ano foram
aleatóriamente designados a um de quatro grupos:
68
1. Recebeu treinamento sistemático em habilidades fonológicas
para promover a consciência fonológica e ajudar a
aprender a ler, uma abordagem semelhante à utilizada na
Reading Recovery;
2. Recebeu treinamento apenas em leitura, novamente seguindo
a linha de Reading Recovery;
3. Recebeu ensino apenas em habilidades fonológicas;
4. Recebeu ensino normal (grupo-controle).
Os grupos experimentais de 1 a 3 tiveram 40 sessões de ensino
durante 30 minutos ao longo de um período de 20 semanas. No grupo
experimental 1, as sessões foram divididas em três partes. Na primeira, o aluno
lia um livro conhecido, de modo a encontrar palavras conhecidas em diferentes
contextos, enquanto o professor observava e registrava aspectos de sua leitura
além de atividades fonológicas e identificação de letras, com o uso de uma
abordagem multissensorial de sentimento, escrita e nomeação.. A segunda
parte de sessão envolvia escrever uma história e dividi-la em várias partes. A
terceira parte envolvia a leitura de um novo livro. Descobriu-se que o grupo
apenas de leitura, (grupo 2), e o grupo apenas de habilidades fonológicas
(grupo 3), fizeram um processo semelhante ao do grupo-controle de ensino
normal (grupo 4). Entretanto, o grupo de leitura e fonologia (grupo 1) fez um
progresso significativamente maior do que o dos ouros três (Hatcher 2000).
Brooks (2002, p. 39) afirma que novas pesquisas indicam que a iniciativa
continua sendo eficaz para a generalidade dos maus leitores “e mesmo para
crianças com dificuldades de aprendizagem moderadas ou dislexia”.
Entre as intervenções para melhorar a leitura com o uso de
métodos multissensoriais estão as enciclopédias faladas. Elas fornecem
informações complementadas por outros recursos, incluindo ilustrações e
videoclipes. Enciclopédias não-faladas podem ser acessadas por softwares
como o textHelp, que possui recursos de fala, previsão de palavras e outros
aspectos.
Intervenções para a escrita
Em termos mais gerais, o formato de letras para a escrita manual
deve ser ensinado com letra cursiva, e o professor pode fornecer um quadro
69
como lembrete da forma de cada letra. Foi sugerido (Pollock et al., 2004) que a
letra “c” bem desenhada seja um bom ponto de partida. As letras individuais
devem ser escritas com um traço de saída, de modo que possam ser unidas a
outras letras. Isso leva ao ensino das letras aa, dd, gg e ee. Essas unidades,
então, podem ser o foco inicial da prática de exercícios de caligrafia, mesmo
que outras letras sejam usadas na escrita geral. O grupo seguinte é de letras
que determinam a inclinação da escrita, tais como lll e jjj. A seguir, estão letras
que são uma combinação de curvas e ângulos, como bbb e fff. Finalmente, as
letras que podem ser desenhadas de mais uma maneira, por exemplo, KK
(Pollock et al.,2004, p. 109-111).
Outra forma de melhorar a escrita é ajudar o aluno em trabalhos
escritos fornecendo palavras-chave e outras estruturas. O Inspiration é um
software para ajudar o usuário e desenvolver e organizar idéias usando
diagramas. Ele permite que as idéias sejam reorganizadas, o que pode ajudar
na estrutura de textos. Existem modelos para diferentes matérias, incluindo
ciências e história. Ele é publicado pela IANSYST Ltd. (ver “Endereços”). Se
um aluno estiver redigindo um texto mais longo, como uma dissertação ou um
relatório de pesquisa, ensinar explicitamente os passos de apresentação do
texto provavelmente ajudará todos os alunos, especialmente aqueles com
dislexia. Juntamente com estratégias para auxiliar a memória, incluindo
organizar informações e garantir que elas sejam compreendidas e fixadas, as
habilidades de apresentação são uma parte central dos programas de práticas
de estudo. Fornecer as palavras-chave que provavelmente serão utilizadas,
ajuda a apresentação. Isso permite que o aluno se concentre no que quer
dizer, sem perder tempo ou se distrair indevidamente pelo fato de buscar,
mental ou fisicamente (usando um dicionário), as palavras necessárias. O
professor pode fornecer uma estrutura padrão para os requisitos do texto
escrito mais extenso para todos os alunos, sendo especialmente útil para os
disléxicos. Por exemplo, em um trabalho do curso de sociologia, o professor
pode dar a todos os alunos um cronograma indicando quando as diferentes
partes do trabalho deverão ser entregues. Isso será complementado por
exigências estruturadas e seqüenciadas de cada seção. Por exemplo, na parte
inicial da pesquisa pode solicitar que o aluno estabeleça a hipótese, os
70
objetivos da pesquisa e o que foi pesquisado por outros na mesma área.Uma
folha de orientação daria exemplos do que é solicitado.
Tomar notas é outro aspecto importante para a escrita. Quando
anotações ditadas são difíceis devido à dificuldade gráfica, o aluno costuma ter
dificuldade em se concentrar no conteúdo do que está sendo ditado e,
simultaneamente, escrever de modo legível. Depois, no final do ditado, o
professor dará ao aluno uma cópia de suas anotações para que ele possa ler e
salientar as palavras-chave que identificou. Isso funciona como revisão e base
na leitura das anotações.
Programas de processamento de texto, como o Microsoft Word,
são úteis nos diferentes estágios da redação de um texto: planejamento,
composição, verificação, correção e impressão (ver Blum, 2004, p. 89-90 para
um lembrete útil desses processos). Processadores de texto falados permitem
que o usuário ouça, por meio da fala sintetizada, as palavras ou sentenças que
está digitando. Isso pode ajudar a reassegurar o aluno de que aquilo que está
escrevendo faz sentido e, quando não faz, permite que ele retorne e verifique a
exatidão. Alguns programas fornecem frases parciais ou completas para apoiar
a escrita e permitem a criação de exercícios personalizados de completar
espaços em branco com a palavra adequada. Um desses programas é o Cliker,
produzido pela Crick Software Ltd.
Intervenções para a ortografia
Pollock e colaboradores (2004, p. 76-84) sugerem algumas
abordagens muito úteis para ensinar ortografia usando métodos
multissensoriais. Por exemplo, para ensinar os sons das primeiras letras, o
professor poderia incluir a primeira letra do nome da criança, digamos “p”.
Outras letras poderiam ser “m” para mum, “t” para tiger e a para apple. Elas
seriam ensinadas de acordo com o som que a letra faz, e não como a
pronúncia do nome da letra. Por exemplo, “a” seria pronunciada como “a”, para
rimar com o som do “a” em pan, e não como “ei”, para rimar com o “a” de
“pane”. O professor discutiria com a criança o som e a forma da letra colando
cartões com as letras escritas. Isso levaria a construção básica de palavras,
71
por exemplo, pat e mat, dependendo das primeiras letras que foram
introduzidas.
O trabalho inicial voltado para o reconhecimento visual pode
começar encorajando-se a recordação visual de objetos. Isso pode começar
com um objeto a ser observado em sala de aula (por exemplo, uma concha),
que depois e coberto e os alunos devem descrever com o máximo possível de
detalhes. Depois, são mostradas palavras, e os alunos se concentram na
palavra para lembrar dela o máximo possível. O professor faz perguntas como:
“Quantas letras existem na palavra?” ou “Havia letras repetidas?” para
estimular a recordação.
A recordação auditiva de palavras pode ser incentivada com jogos
como bater palmas para marcar as sílabas das palavras ou agrupar palavras
de acordo com seu som, como em dog, log, bog, e assim por diante. Rimas,
poemas e musicas certamente ajudam a salientar os sons das palavras.
Conforme salientam Macintyre e Deponio (2003, p. 7), a criança com
dificuldade auditiva talvez não escute a semelhança das palavras ensinadas
em agrupamentos destinados a ensinar a ortografia (vish, dish). Portanto, o
professor precisa garantir que a rima comum, ish, seja percebida.
Várias abordagens utilizam a memória cinestésica , geralmente
junto com outros estilos sensoriais. Por exemplo, na soletração oral
simultânea , o aluno diz as letras conforme as escreve, unindo assim, a
memória cinestésica e a memória auditiva.
Entre os programas usados para desenvolver a ortografia está o
Wordshark (que também pode ajudar na leitura fonêmica). Ele permite ao
usuário decidir como as palavras serão agrupadas e adicionar palavras de sua
escolha. O programa inclui jogos e estratégias para ajudar a melhorar a
ortografia. O Wordshark é produzido pela White Space Ltd. O Starspell
emprega a abordagem “olhar, tapar, escrever e verificar se acertou”. As
palavras vêm em famílias , ou grupos por assunto, mas também podem ser
feitas listas personalizadas. Ele está disponível no site da Fisher-Marriott. Um
verificador de ortografia, é claro, faz parte do Microsoft Windows.
Outras intervenções
Desenvolvendo a consciência metacognitiva
72
Estratégias que tornam conhecida a matéria como a pessoa
aprende e lembra informações podem ser úteis para os alunos com dislexia –
na verdade, para todos os alunos. Para capacitar o aluno a aplicar princípios de
aprendizagem efetiva que funcionam para ele, é necessário primeiro ajuda-lo a
ter consciência do que é aprender e pensar – “pensar sobre pensar”, como às
vezes dizemos.
O professor pode começar discutindo com o aluno sua maneira de
pensar e aprender eficientemente como as tarefas podem ser abordadas de
formas diferentes. Por exemplo, se o aluno precisa aprender informações para
o trabalho de geografia, como ele pode primeiro ter uma visão geral
significativa? O que, essencialmente, ele está sendo solicitado a fazer: lembrar
informações, comentá-las e interpretá-las? Como o trabalho se relaciona ao
que ele já sabe? É possível dividir o trabalho em partes mais manejáveis sem
perder significado? Fazer diagramas ou destacar aspectos importantes
ajudará? Onde ele vai estudar? Ele vai ler em voz alta ou silenciosamente? Vai
gravar alguém lendo as informações ou ele próprio as gravará e ouvirá a
gravação enquanto relê o texto? Tomará notas a partir daquilo que lê? Como
vai se lembrar das informações? Lembrando uma série de títulos? Usando uma
lista ou diagrama? (Isso, é claro, relaciona-se ao processamento da
informação, mas o ponto aqui é que o aluno está começando a pensar sobre o
que habitualmente faz, e extensão em que isso dá certo e que outras
abordagens seriam adequadas.)
Por meio dessas discussões, o professor obtém informações
proveitosas sobre as estratégias de aprendizagem do aluno, e este é
gradualmente encorajado a internalizar a consciência crítica sobre pensar e
aprender o que as perguntas implicam e começar a desenvolver ele próprio,
estratégias para pensar e aprender. Identificando e aproveitando forças.
Evidentemente, é preciso que todos os alunos com professores e
outros, estejam cientes da importância de aumentar a auto-estima do aluno.
Para os alunos com NEE, incluindo aqueles com dislexia, é particularmente
importante que as habilidades, e não só as dificuldades, sejam reconhecidas.
Por isso, é proveitoso identificar áreas do currículo e atividades em que o aluno
pode ter um bom desempenho e reconhecer as suas realizações. Por exemplo,
um aluno com dislexia pode ser bom em habilidades de pensamento (tais como
73
solucionar problemas e tomar decisões) e, se elas estiverem presentes sem
que o aluno precise ler ou escrever muito, podem constituir áreas de sucesso.
Podem ser propostas tarefas de final aberto, abordadas por meio de
discussões.
Essas realizações podem ser usadas para aumentar a confiança
do aluno, motivá-lo a continuar esforçando-se em áreas que consideram
difíceis e funcionam como pontes para apoiar áreas em que há dificuldades de
aprendizagem. O aluno que se sai bem em arte e design poderia ser motivado
a ler e escrever sobre um artista, ou quadro favorito, por exemplo.
Um aspecto para aproveitar as forças é levar em conta os estilos
e as abordagens preferidas de aprendizagem. O estilo de aprendizagem refere-
se às preferências, habilidades e capacidades para aprender de maneiras
específicas. Isso se relaciona às abordagens multissensoriais de ensino e
aprendizagem em que a preferência por aprender por algum estilo sensorial em
vez de outro é considerada um aspecto do estilo de aprendizagem. Outra
perspectiva em relação aos estilos de aprendizagem é a dos estilos analítico ou
holístico (por exemplo, Miles e Miles, 2004), Muitos alunos usam ambas as
abordagens, mas alguns podem preferir apenas uma. Isso permite que o
professor utilize as forças da cada estratégia e apresente ao aluno outras
maneiras de lidar com a aprendizagem. Na prática, o professor pode
apresentar as informações de ambas a maneiras, talvez começando a aula
com uma visão geral (holística) e depois para as etapas que a constituem
(analítica).
Foi feita uma tentativa de relacionar estratégias de aprendizagem
e “estilo cognitivo” (Riding e Rainer, 1998), em que o estilo cognitivo é
entendido em termos de como (sentimento), o comportamento e a cognição
são estruturados e organizados. Outra abordagem envolve um modelo de
estilos de aprendizagem, incluindo (Given, 1998):
• Aprendizagem, emocional (a necessidade de ser motivado
pelos próprios interesses);
• Aprendizagem social (a necessidade de ser parte de um grupo
compatível);
• Aprendizagem cognitiva (a necessidade de saber o mesmo
que seus pares);
74
• Aprendizagem física (a necessidade de “fazer” e de ser ativo
na aprendizagem);
• Aprendizagem reflexiva (a necessidade de experimentar e
explorar para descobrir o que facilita novas aprendizagens).
Uma maneira prática de levar em conta as abordagens eficazes e
de preferidas de aprendizagem para o aluno é primeiro conversar com ele e
coletar observações sobre suas preferências de aprendizagem. Por exemplo, a
criança prefere trabalhar individualmente, com outra pessoa ou em um
pequeno grupo? Às vezes, a tarefa determina o contexto social em que deve
ser ensinada (ensinar conversação como uma sessão de estudo individual e
privada seria um pouco difícil). Mas, geralmente, o aspecto social da
aprendizagem pode ser modificado. Se o aluno aprende melhor em dupla, com
quem pode conversar sobre a tarefa, esse arranjo de ser usado como
alternativa ao estudo privado ou à discussão em grupo.
75
Referência Bibliográfica:
ELLIS, Andrew W. Leitura, escrita e dislexia: uma análise cognitiva. Tradução de Dayse Batista. 2.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
FARRELL, Michael. Dislexia e outras dificuldades de aprendizagem específica: Guia do professor; tradução Maria Adriana Veríssimo Veronese. – Porto Alegre: Artmed, 2008.
GRÉGOIRE, J.; PIÉRART, B. Avaliação dos problemas de leitura: os novos modelos teóricos e suas implicações diagnósticas; trad. Maria Regina Borges Osório. – Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
KAJIHARA, O. T. EVIDÊNCIAS DE DÉFICIT NO SISTEMA MAGNOCELULAR VISUAL DAS CRIANÇAS DISLÉXICAS. In: II CONGRESSO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2004, CAMPO LARGO. ANAIS DO II CONGRESSO BRASILEIRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES, 2004. p. 110.
SHAYWITZ, S. E. Entendendo a Dislexia. Porto Alegre: Artes Médicas, 2006.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Alfabetiza%C3%A7%C3%A3o
http://pedagogia.tripod.com/emilia_ferreiro.htm
http://pessoas.hsw.uol.com.br/metodo-de-alfabetizacao5.htm
76