d a Á r e a d e jo g o À e x p e r i Ê n c i a d o s i m b

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP THAIS DUARTE LUNA MACHADO DA ÁREA DE JOGO À EXPERIÊNCIA DO SIMBOLIZAR: A FOTOGRAFIA COMO OBJETO DE MEDIAÇÃO NA CLÍNICA DO DISTÚRBIO PSICOSSOMÁTICO MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA SÃO PAULO 2020

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Page 1: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

THAIS DUARTE LUNA MACHADO

DA ÁREA DE JOGO À EXPERIÊNCIA DO SIMBOLIZAR: A FOTOGRAFIA

COMO OBJETO DE MEDIAÇÃO NA CLÍNICA DO DISTÚRBIO

PSICOSSOMÁTICO

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

SÃO PAULO

2020

Page 2: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

THAIS DUARTE LUNA MACHADO

DA ÁREA DE JOGO À EXPERIÊNCIA DO SIMBOLIZAR: A FOTOGRAFIA

COMO OBJETO DE MEDIAÇÃO NA CLÍNICA DO DISTÚRBIO

PSICOSSOMÁTICO

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, como requisito

parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica

sob a orientação do Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto

SÃO PAULO

2020

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BANCA EXAMINADORA

_____________________________________

_____________________________________

_____________________________________

Page 4: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

O presente trabalho foi realizado com o apoio do

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e

Tecnológico (CNPq) – Código de Financiamento

134275/2018-7.

Page 5: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, ao professor Alfredo Naffah Neto, por sua orientação e presença no meu

exercício de pensar, clinicar e pesquisar.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão

fundamental à pesquisa brasileira, que possibilitou a bolsa de estudos e o apoio financeiro

para a operacionalização deste estudo.

Aos Professores do Núcleo Método Psicanalítico e Formação da Cultura, especialmente à

Rosa Maria Tosta, pela primeira acolhida na Pós-Graduação, ao Luís Cláudio Figueiredo,

pelas aulas motrizes de um pensamento psicanalítico ampliado e à Elisa Maria de Ulhôa

Cintra, pela honestidade e dedicação no exercício da psicanálise, que me ajudou a bancar

caminhos genuínos.

Ao Alexandre Patricio de Almeida, que, com dedicação, tornou real a publicação do livro “A

pesquisa em psicanálise na universidade: um enfoque no método por meio de exemplos”

(2020), organizado por ele e pelo professor Alfredo Naffah Neto. Minha contribuição em um

dos capítulos foi fundante no processo de escrita desta pesquisa.

À Maria Carolina Signorelli, pela parceria e amizade durante os desafios da Pós-Graduação,

tornando o caminho mais leve.

À Cristiane Curi Abud, pela presença afetiva, pela disponibilidade e pela grande inspiração

clínica.

À equipe do Programa de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES-UNIFESP), pelo

constante diálogo, por sustentarem ricas trocas sobre os processos de somatização e por

abrirem o espaço para o campo clínico desta pesquisa.

À Maria Lúcia da Silva, que, ao meu lado, foi psicanalista do grupo durante o período

analisado nesta pesquisa. Agradeço pelas trocas intersubjetivas no pensamento clínico, pela

afetuosidade e por me ensinar com sua experiência de vida.

À Taís Guimarães e Marina Gonzaga, então estagiárias de psicologia do grupo durante o

período estudado neste trabalho. As cuidadosas transcrições e as sábias presenças clínicas

foram fundamentais no nosso caminhar.

Page 6: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

À Rosa Moyses e à Vanja David, que assumiram o lugar de co-terapeutas do grupo em 2020,

sustentando com parceria e sintonia o envelope psíquico grupal durante a pandemia de

Covid-19.

Aos colegas do Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações

Vinculares (NESME), sobretudo à Pablo Castanho, pelas trocas oferecidas no congresso em

Serra Negra.

Ao Instituto Recife de Atenção Integral às Dependências (RAID) e todos os colegas dessa

instituição, berço da minha trajetória na clínica ampliada e na psicanálise.

À Maria Consuêlo Passos, que, com seu saber, despertou em mim a admiração por Winnicott

e me inseriu na pesquisa acadêmica.

Ao Marcus Túlio Caldas, pelas primeiras orientações na escrita clínica e pela sensibilidade da

sua presença na psicologia e na psiquiatria.

À Edilene Queiroz, pelas primeiras ricas supervisões na clínica psicanalítica e à Ana Lúcia

Francisco, por me apresentar o fazer clínico ampliado.

À Maria Helena Fernandes, que nutriu e acolheu o meu percurso na psicanálise e aos demais

professores do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, fontes de imensos

saberes.

Aos colegas e amigos do curso de Psicanálise do Sedes, pela importante acolhida e pelas

trocas, especialmente à Thais Romana, Aparecida Miranda, Vanessa Santos, Paula Rojas,

Ana Luisa Suriani, Lucas Sessa, Silvia Menezes, Dedé Ribeiro, Thomas Ferrari, Silvia

Bicudo, Vera Criscuolo, Cláudio Oliveira, Gabriela Di Giacomo, Débora Albiero, Clarissa

Mota, Andréia Atilano e ao admirado Pedro Gabriel Coelho (in memorian), por tudo que

ensinou.

A Gesto Psicanálise e todos os colegas deste querido grupo, especialmente ao Luis Daló,

Arielle Natalício e Téo Araújo, pela escuta atenta das supervisões clínicas.

À Cláudia Mazur, pelo entusiasmo que abriu caminho para a Pós-Graduação e à Ana

Carolina, por me encorajar e compartilhar suas experiências na escrita.

À Nelma Madeira e à Cristiane Lopes, amigas do viver, pelas aberturas do fazer clínico na

psicanálise.

Aos amigos recifenses unidos em São Paulo, Mariana Corrêa, Eduardo Pinho, Cecília Masur

e Gustavo Carvalho, pelo afeto e cuidado, e ao pequeno Samuel, por trazer vida e esperança

no último ano da escrita deste trabalho.

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À Amanda Garcia, Jordana Costa e Sílvia Bicudo, amigas de muito afeto e potência feminina,

com quem dividi processos de amadurecimento.

À Socorro Soares, por ter sido a minha primeira referência na psicanálise e por sustentar com

vivacidade momentos importantes da minha infância ao lado da amiga Natália Soares.

Às amigas Fernanda Vasconcelos e Ligia Cireno, por todo afeto e pelos braços abertos, nos

quais posso existir genuinamente.

À Adna Gomes, Marian Félix, Milane Maiara, Josenir Santos, Afonso Celso, Júlia Maria,

Cíntia Rocha e Eunice Ribeiro, amigos da psicologia, com quem compartilhei experiências e

tanto aprendi.

À Júlia Maria, pela sensível ternura que tanto me inspira.

À Sílvia Galesso, minha leitora, por sua generosidade ao receber a escrita e a subjetividade

deste trabalho.

À Camila Flaborea, que me ofereceu sua pele ao recitar Adélia Prado em um momento

difícil: “Eu tenho a esperança que nada se perde. Tudo alguma coisa gera... O que parece

morto, abuda.... O que parece estático, espera”.

À Rosana Domingues, Eduardo Miranda, Maria Eduarda, Pedro Brandão e Laura Morais,

família que ganhei, pelo apoio e cuidado neste percurso.

Aos meus pais, Leonice Duarte e Leirton Machado, pela sensorialidade e sensibilidade que

trago em mim.

A Paulo Henrique, pelo companheirismo, no mais profundo significado da palavra, pelo amor

e pelos olhos que me enxergaram onde outrora duvidei chegar.

Finalmente, aos meus pacientes, pela entrega ao vínculo que move, por tudo que me ensinam

e pela matriz da criação.

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DA ÁREA DE JOGO À EXPERIÊNCIA DO SIMBOLIZAR: A FOTOGRAFIA

COMO OBJETO DE MEDIAÇÃO NA CLÍNICA DO DISTÚRBIO

PSICOSSOMÁTICO

Thais Duarte Luna Machado

RESUMO: A presente pesquisa buscou refletir sobre os efeitos do uso do objeto mediador da

fotografia em pacientes com distúrbio psicossomático, a partir da análise de um caso clínico.

A contribuição winnicottiana e a referência do método da Fotolinguagem©, conforme

utilizado por Claudine Vacheret, serviram de bases para o desenvolvimento do estudo. Para

atingir os objetivos específicos, foram acompanhadas sessões que utilizam a fotografia como

objeto de mediação em situação psicanalítica de grupo, com pacientes do Programa de

Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), vinculado ao Departamento de Psiquiatria

da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Buscou-se identificar e aprofundar

conceitos que possam embasar e potencializar a utilização desse dispositivo e compreender,

no caso clínico de uma das pacientes do grupo acompanhado, como esse recurso mediador

cria um espaço potencial para o encontro com experiências sensório-afetivo-motoras,

propulsoras de processos simbólicos. Na metodologia, utilizou-se a pesquisa-escuta e a

investigativa no olhar à singularidade da paciente, considerando a sua inserção no conjunto

grupal e as múltiplas transferências em jogo. Os fragmentos clínicos registraram o percurso

da paciente ao longo de um ano e a análise do material utilizou: 1) a memória flutuante da

analista e pesquisadora; 2) a transcrição das sessões, realizada por uma das estagiárias de

psicologia do grupo; 3) as discussões clínicas entre a dupla de analistas do grupo; 4) as

elaborações intersubjetivas nos espaços de supervisão da instituição. A pesquisa permitiu

destacar que, através do objeto mediador da fotografia utilizado no setting grupal, a paciente

analisada começou a construir uma caminho em direção à separação Eu não-Eu, emergindo

uma área de ambivalência sem grande ameaça de perda de partes de si mesma. Além disso, a

pesquisa mostrou que as fotos funcionaram como objetos transicionais pictóricos em direção

à linguagem, permitindo a construção de um espaço transicional, no qual as experiências

puderam ser sustentadas, legitimadas, atravessadas pela fala e, aos poucos, simbolizadas.

Palavras-chave: Psicanálise; Distúrbio Psicossomático; Fotografia como Objeto de Mediação;

Situação Psicanalítica de Grupo; Área da Experiência; Simbolização.

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FROM THE PLAY AREA TO THE SYMBOLIC EXPERIENCE: PHOTOGRAPHY

AS A MEDIATION OBJECT IN THE PSYCHOSOMATIC DISORDER CLINIC

Thais Duarte Luna Machado

ABSTRACT: This current research aims to reflect on the effects of using photography as a

mediation object in patients with a psychosomatic disorder, through the analysis of a clinical

case. Winnicott’s contributions and the reference of the Photolanguage© method, as used by

Claudine Vacheret, formed the base to develop this study. In order to achieve the specific

goals, group psychoanalysis sessions which use photography as a mediation object with

patients from the Somatization Studies and Therapy Program , connected to the Psychiatry 1

Department of the Federal University of São Paulo (UNIFESP), were analyzed. Concepts

were identified and elaborated in order to create a reference and to promote the use of this

device to understand, in the clinical case of one of the patients in the aforementioned group,

how this mediation resource creates a potential space for a meeting with the sensorial,

affective and motor experiences, which constitute engines for the symbolic processes. As for

the methodology, the listening-research and the investigation with a view on the patient’s

singularity were used, considering her insertion in the group and the multiple transferences at

stake. The clinical fragments registered the patient’s path along one year and the analysis of

this material used: 1) the analyst and researcher’s free-floating memory; 2) the session

transcriptions, carried out by one of the group’s psychology interns; 3) the clinical

discussions between the group’s two analysts; 4) the intersubjective elaborations in the

institution’s supervision spaces. The study could point out that, through the use of

photography as a mediation object in the group setting, the analyzed patient started to build a

path towards the Me – Not Me separation, creating an ambivalence area without a big threat

of losing some parts of herself. Moreover, the study showed that the photos worked as

pictorial transitional objects towards language, allowing her to build a transitional space

where the experiences could be supported, legitimated, intersected by the speech and

gradually symbolized.

Keywords: Psychoanalysis; Psychosomatic disorder; Photography as a mediation object;

Psychoanalytical group situation; Experience area; Symbolization

1 Translator’s note: ‘Programa de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES)’, in the original

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SUMÁRIO

TRAÇADOS INICIAIS…………………………………………………………………… 12

CAPÍTULO 1. TRANSTORNO PSICOSSOMÁTICO: VAZIO DA MORADA E DA

EXPERIÊNCIA…………………………………………………………………..………... 18

1. 1 A Morada da Psique no Soma…………………………………….……………. 19

1.2 Área da Experiência e Transicionalidade……………………………………. ….24

CAPÍTULO 2. MAIS AQUÉM E MAIS ALÉM DAS PALAVRAS: A FOTOGRAFIA

COMO MEDIAÇÃO TERAPÊUTICA……………………..…………………………… 31

2.1 Manejo Modificado e as Especificidades do Paciente com Transtorno

Psicossomático……………………………………………………..……………………….. 31

2.2 Mediação Terapêutica……………………………………....……………………

35

2.3 A Fotografia como Objeto de Mediação ………………....…………………….. 38

CAPÍTULO 3. LARA E O ENCONTRO COM AS TEMPERATURAS………....…… 43

3.1 Um Panorama………………………………………………….………………... 43

3.2 A trombose e as trombadas pela vida afora……………….…………………. ….49

3.3 Um recorte das sessões……………………………………..…………………… 50

3.3.1 O que é pertencer?................................................................................. 50

3.3.2 O que é recomeçar?................................................................................

52

3.3.3 O que é esquecer?.................................................................................. 53

3.3.4 O que é cortar e o que é costurar?......................................................... 57

Page 11: D A Á R E A D E JO G O À E X P E R I Ê N C I A D O S I M B

3.3.5 O que é estar presente e o que é estar ausente?.....................................

58

3.3.6 O que é aquecer e o que é esfriar?......................................................... 60

3.3.7 O que é o novo?...................................................................................... 65

3.3.8 Quando eu viajo………………………………………………...…….. 68

CAPÍTULO 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA FOTOGRAFIA COM NEBLINAS

SUTIS………………………………………………………………………………………. 73

REFERÊNCIAS………………………………………………………………………….... 79

ANEXOS………………………………………………………………………...…....……. 84

Foto 1……………………………………………………………………...……….... 84

Foto 2………………………………………………………………………....……... 85

Foto 3………………………………………………………………………....……... 86

Foto 4………………………………………………………………………....………87

Foto 5…………………………………………………………………………....…... 88

Foto 6……………………………………………………………………………....... 89

Foto 7………………………………………………………………………....……... 90

Foto 8………………………………………………………………………....……... 91

Foto 9………………………………………………………………………....……... 92

Foto 10………………………………………………………………………...……...93

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)............................................... 94

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12

TRAÇADOS INICIAIS

“Visão é recurso da imaginação para dar às palavras novas liberdades?”

(MANOEL DE BARROS, 2015, p. 59).

A trajetória que deu fruto a esta pesquisa traz as sementes de um momento inicial do

meu percurso clínico. Ainda durante a graduação em psicologia , trabalhei como 2

acompanhante terapêutica no Instituto Recife de Atenção Integral às Dependências (RAID),

albergue terapêutico de adesão voluntária, guiado pelo enfoque psicanalítico e pela linha de

redução de danos às drogas. Para além dos enlaces sociais e transgeracionais envoltos nessa

problemática, na época, fui fisgada pelas fragilidades psicossomáticas presentes nesses

indivíduos, muitas vezes distantes e desapropriados do próprio corpo.

Em 2013 me despedi de Recife e passei a cultivar a minha clínica nos solos da cidade

de São Paulo. No mesmo ano, iniciei o Curso de Psicanálise, ligado ao Departamento de

Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae e, ao longo de cinco anos, aprofundei meus estudos

na metapsicologia freudiana. Em paralelo, trabalhei em instituições do terceiro setor e me

dediquei ao consultório particular, sempre dirigindo um olhar atento ao corpo e sua relação

com a impossibilidade de alguns pacientes percorrerem caminhos genuínos, que libertam o

transitar pela vida afora.

No entanto, ao atuar no ano de 2017 em uma clínica médica especializada em cirurgia

bariátrica, fui impulsionada a frequentemente repensar o manejo clínico diante das

intensidades corporais. Nesse serviço, coordenei um grupo terapêutico com pacientes já

submetidos à operação e, muitas vezes, observei uma impermeabilidade a qualquer tentativa

de interpretação, percebendo em alguns casos um discurso racional e intelectualizado,

centrado na comida. Ao mesmo tempo, a instituição permanecia colada ao funcionamento

dos pacientes, o que me mobilizou dificuldades de sustentar o trabalho.

2 Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). 2007-2012.

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13

A partir dessa experiência, que me despertou inquietações quanto aos manejos

clínicos frente às angústias expressas no corpo, busquei, no ano de 2018, o curso

teórico/prático de Aperfeiçoamento em Psicossomática Psicanalítica ligado ao Programa de

Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), vinculado ao Departamento de Psiquiatria

da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). O Programa acolhe pacientes cuja problemática

da somatização é o elemento essencial do seu quadro clínico, além daqueles com diversos

diagnósticos de patologias concomitantes, que passam a “viver em função da sua doença, sem

que isto fosse esperado pela gravidade dos quadros admitidos para tratamento” (BOMBANA,

2015, p.65). A partir da psicanálise, o serviço busca estar atento às singularidades de cada

caso, reconhecendo necessidades diferenciadas para as modalidades de atendimento, seja

individual ou grupal.

A procura pelo curso surgiu em paralelo ao início do Mestrado, quando me deparei

com o desejo de aprofundar os estudos da clínica multifacetada e complexa dos processos

psicossomáticos. A percepção de que, com estes pacientes, o trabalho psicanalítico regido

pelas bases clássicas da interpretação, associação livre e transferência apresenta entraves

significativos, provocou o problema de pesquisa: afinal, quais os manejos clínicos

apropriados diante de fragilidades e cisões entre a psique e o soma? Como, em um contexto

institucional, é possível não repetir a cisão do paciente e oferecer uma clínica implicada?

Para me aprofundar nessas problemáticas teórico-clínicas, conduzi a pesquisa a

partir da experiência do navegador, conforme Fernando Rocha (2012) descreve de forma

sensível:

[...] Este pode até conhecer tudo sobre um caminho que irá percorrer – todas as paradas, todas as paisagens que encontrará –, porém jamais poderá prever como ocorrerá cada viagem, à semelhança do psicanalista, que embora conheça o caminho teórico que constitui o processo analítico, jamais poderá prever cada cena analítica. Em ambos os casos – do navegador e do analista –, a singularidade consiste na própria realização do percurso, que jamais poderá ser descrito antes de ser realizado (ROCHA, 2012, p. 15).

Por meio dessa perspectiva, na qual o percurso da clínica psicanalítica se revela com

o percorrer, podemos pensar que o exercício desta pesquisa também só pôde ser revelado em

ato e não foi possível prever de antemão todos os caminhos e pontos de ancoragem finais.

Nesse sentido, Naffah Neto e Cintra (2012, p. 40) nos lembram que “falar em pesquisa em

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14

psicanálise é quase um pleonasmo, já que o termo psicanálise já implica, por si só, o termo

pesquisa”.

A minha imersão conjunta na clínica e na pesquisa encontrou campo fértil durante a

práxis do curso no PAES, quando fui apresentada ao método da Fotolinguagem© , conforme 3

utilizado por Claudine Vacheret (2000/2014). Após o período de formação no método, passei

a coordenar, ao lado de uma colega psicanalista , um grupo terapêutico com pacientes 4

atravessados por distúrbios psicossomáticos, cuja estratégia de manejo clínico utiliza

fotografias como objetos de mediação.

Dentro dessa experiência clínica, os meus interesses de estudo ganharam forma

definida e o objetivo geral da pesquisa buscou refletir sobre os efeitos do uso do objeto

mediador da fotografia em pacientes com distúrbio psicossomático, a partir da análise de um

caso clínico. Os objetivos específicos foram: acompanhar sessões de grupo de pacientes com

distúrbio psicossomático, utilizando a fotografia como objeto de mediação; identificar e

aprofundar conceitos que possam embasar e potencializar a utilização desse dispositivo;

compreender, no caso clínico de uma das pacientes do grupo acompanhado, como esse

recurso mediador cria um espaço potencial para o encontro com experiências

sensório-afetivo-motoras, propulsoras de processos simbólicos.

O grupo contou com seis pacientes maiores de idade (cinco mulheres e um homem),

duas estagiárias de psicologia, além da dupla de analistas. Em revezamento semanal, uma das

estudantes ficou na posição de observadora, transcrevendo a sessão, enquanto a outra

participava das trocas do grupo. Essa metodologia é uma prática comum e estabelecida na

instituição pública de saúde a qual o grupo pertence.

O olhar à singularidade da paciente analisada foi inserido no conjunto grupal, o que

também implicou considerar as múltiplas transferências em jogo. Esta forma de análise foi

embasada nos três níveis lógicos do estudo da realidade psíquica do grupo, concebidos por

Kaës (2007/2011) como: o do grupo, o do vínculos entre seus participantes e o da dimensão

de cada um dos indivíduos, respeitados em sua singularidade. A análise do material clínico

3 As especificidades desse método são apresentadas no capítulo 2: “Mais aquém e mais além das palavras: a fotografia como mediação terapêutica”.

4 Maria Lúcia da Silva, a quem agradeço pela parceria e sintonia geradora dos espaços de fertilidade clínica.

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15

foi feita em consonância com o método psicanalítico e, além das transcrições das sessões,

realizadas com ajuda das estagiárias de psicologia, também foram utilizados os conteúdos das

discussões ocorridas entre a dupla de analistas e nos espaço de supervisão clínica da

instituição. Tudo isso, segundo o procedimento da escuta flutuante utilizado na clínica

psicanalítica, que deve ser:

[...] descentrada do tema central, intencionado; um recorte do texto privilegiando temas, expressões, brechas, palavras, ou quaisquer elementos que sirvam como cunha para desconstruir o texto; uma reconstrução deste texto que permita ao analista criar ali um sentido novo, inesperado (FIGUEIREDO e MINERBO, p. 263, 2006).

A abertura para este encontro com o inesperado foi fundada a partir dos cuidados

éticos com os indivíduos envolvidos na pesquisa e foram preservadas as exigências do

Sistema CEP/CONEP, através do registro feito na Plataforma Brasil, sistema oficial de

lançamento de pesquisas para monitoramento e análise deste conselho. Este estudo foi

orientado de acordo com a última atualização feita pelo Ministério da Saúde, que estabelece

os parâmetros a serem seguidos neste tipo de pesquisa, conforme a Resolução No 466, de 12

de dezembro de 2012. Dessa forma, foram submetidos ao Comitê de Ética os documentos de

assentimento e livre esclarecimento, em que constam os objetivos da pesquisa, método,

benefícios previstos, riscos possíveis e cuidados éticos.

Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo todas as

informações necessárias para o esclarecimento sobre a pesquisa, foi assinado e entregue a

cada participante do grupo. Os nomes reais dos participantes ou qualquer informação que

permita identificá-los foram omitidos na dissertação de Mestrado, prezando pela privacidade

e sigilo, assim como os dados e materiais coletados foram utilizados apenas para a finalidade

prevista e consentida por eles.

Portanto, tratou-se de uma pesquisa qualitativa, que teve como subtipo de

investigação a análise de caso clínico, diretamente ligada à metodologia psicanalítica. Naffah

Neto (2006, p. 280) utiliza o termo pesquisa-escuta para designar a prática clínica

psicanalítica, em que “a atenção flutuante do analista e as associações livres do analisando

contribuem para a produção de sentidos”. O autor afirma que também existe a

pesquisa-investigação, “pesquisa teórico-metodológica, responsável em última instância pelo

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crescimento e aperfeiçoamento da disciplina psicanalítica” (ibid), destacando a sua intrínseca

relação com a pesquisa clínica, completando-a e dando sustentação em uma dialética

inseparável.

De tal modo, a construção deste trabalho foi atravessada tanto pela

pesquisa-investigação, como pela pesquisa-escuta e, nesse sentido, intervenção e pesquisa

andaram juntas, já que, por meio da clínica – soberana – a teoria foi posta em movimento.

Para elaborar e ampliar as inquietações que moveram esta pesquisa, no primeiro

capítulo, “Distúrbio psicossomático: vazio da morada e da experiência”, busco compreender

os processos psicossomáticos, fazendo a escolha de traçar um recorte winnicottiano à

temática. Partindo da imagem de uma selva, surgida de um fragmento clínico, discuto as

condições necessárias para que a psique possa habitar o soma sem a marca de um vão entre

eles. Finalizo este capítulo apontando a idéia de transicionalidade e sua relação direta com a

área da experiência, pensando nos efeitos dessa dinâmica nos casos em que há dificuldades

de pertencimento ao próprio habitat.

Diante da especificidade clínica em questão, que desafia as premissas de um enquadre

psicanalítico tradicional, no segundo capítulo, intitulado “Mais aquém e mais além das

palavras: a fotografia como mediação terapêutica”, defendo a importância de um tipo de

presença clínica que considere modificações no manejo clássico. Em seguida, a partir dos

casos em que o trânsito pela área da experiência precisa ser construído, apresento a estratégia

terapêutica que utiliza objetos mediadores como forma de acessar uma comunicação

paraverbal, facilitando experiências sensório-afetivo-motoras. Finalmente, apresento a

fotografia como um objeto de mediação, baseado no método da Fotolinguagem©, buscando

criar a fundamentação teórica necessária para a experiência clínica analisada na pesquisa.

No terceiro capítulo, “Lara e o encontro com as temperaturas”, o estudo ganhou sua

maior singularidade, ao discutir os fragmentos clínicos que se destacaram na análise de uma

das pacientes do grupo atendido. A partir das especificidades do caso, foi possível

problematizar as transferências em jogo e as estratégias do manejo utilizado, entendendo

como o objeto de mediação das fotografias ajudou no encontro com “novas liberdades”.

Diferentemente dos capítulos anteriores, esse foi escrito na primeira pessoa do singular, por

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17

se tratar de uma experiência clínica permeada por minhas elaborações intersubjetivas como

psicanalista e pesquisadora.

Para alcançar as amarrações finais da pesquisa e abrir novas possibilidades de

investigação, ao longo do quarto e último capítulo, “Considerações finais: uma fotografia

com neblinas sutis”, realizei uma “fotografia” da dissertação, destacando a presença de

pontos que permanecem em constante estados de vir a serem revelados, intrínsecos à

singularidade clínica e ao ato de pesquisar.

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18

Capítulo 1

DISTÚRBIO PSICOSSOMÁTICO: VAZIO DA MORADA E DA

EXPERIÊNCIA

Antes de iniciarmos o embasamento teórico que apresentará o distúrbio

psicossomático por meio de uma leitura winnicottiana, nos deteremos em uma metáfora

evocada a partir de uma experiência clínica, que nos parece fundamental para referendar as

ideias que pretendemos desenvolver adiante.

Em sessão de grupo, uma paciente que trazia como queixa dores difusas pelo corpo

contou que, durante o trajeto a mais uma consulta médica, envolveu-se em uma situação de

violência dentro de um ônibus superlotado. Xingamentos selvagens foram trazidos à tona e

muitas intensidades circulavam, no entanto, ela narrou o ocorrido de forma distante, não se

colocando como parte da situação, insistindo em explicar racionalmente o episódio. A partir

desta cena viva, podemos evocar a imagem de uma selva ameaçadora, em que a paciente

parecia estar perdida, à procura de algo que não encontrava em lugar nenhum e, ao mesmo

tempo, em um estado de alerta, diante de algum perigo iminente.

O recurso metafórico da selva será aqui utilizado como símbolo dos territórios do

corpo e do mundo. Partiremos da ideia de que existe um processo envolvido para conhecer e

habitar tais espaços, transitando livremente entre eles. A selva pode tornar- se um lugar mais

seguro para a morada, caso suas trilhas sejam sentidas como próprias e se tenha desenvolvido

condições para enfrentar seus riscos. Todavia, pode não atingir status de habitat, quando

invadida por perigos internos e externos, e, assim, se transformar em constante excesso e

violência, exigindo uma organização defensiva.

O termo selvagem é uma derivação da palavra selva, sendo associado a algo

indomável, intenso, bruto, agressivo, com características que nos remetem ao aspecto

instintual do ser. Podemos ir adiante e logo encontramos a lógica da homeostase na selva, um

ambiente onde se nasce, se cresce e se vive naturalmente, sem a necessidade de cuidados

específicos. Porém, apesar de reconhecermos potência e criatividade inata no ser humano

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19

quando inicia a vida, evidencia-se um paradoxo ligado a tal naturalidade, uma vez que a

necessidade de contornos e cuidados específicos são fundantes para a sua condição humana,

que está além de uma mera sobrevivência natural.

Em meio ao contínuo cuidado oferecido pelo ambiente, podemos pensar nos processos

que estão envolvidos para a possibilidade da habitação na selva. Na tentativa de ilustrá-los,

recorremos à origem etimológica da palavra selva: silva em latim, que facilmente é associada

ao tão comum sobrenome brasileiro, Silva. Nesta passagem se evidenciam não só variações

linguísticas, mas também simbólicas, pois da selva ao Silva existe um caminho para

aquisição da letra maiúscula, ou seja, para a apropriação do próprio nome e da própria

história. Desta forma, habitar a própria selva tem a ver com o tornar-se si mesmo, e este

habitar não significa dominar e enclausurar, já que, na saúde, o espaço interno está aberto

para transitar livremente nos campos subjetivos e intersubjetivos.

A seguir, levantaremos pontos elucidativos de momentos teóricos do pensamento

winnicottiano que podem ajudar a pensar o ser psicossomático e as falhas nos processos de

habitação da psique no soma para, então, discutirmos o que está por trás da possibilidade de

transitar na própria selva a partir da sua apropriação como lugar de morada, permitindo a

experiência e o jogo simbólico.

1.1 A Morada da Psique no Soma

Em Freud, a noção do corpo não se confunde com a do organismo biológico da visão

médica: para ele o corpo é onde se apresentam as expressões do psíquico e do somático, é

onde o conjunto das funções orgânicas se desenrola e também é o lugar de realizações de

desejos inconscientes (FERNANDES, 2003). Todavia, Winnicott deixa claro que pensar o

corpo como lugar de inscrição do psíquico e do somático, como propõe Freud, não significa

dizer que a parceria psicossomática já está dada: ela é fruto de uma construção ao longo do

processo de amadurecimento do sujeito e nem sempre é atingida. Nessa construção, mesmo a

parceria tendo sido alcançada, ela pode ainda ser perdida, inclusive na saúde.

Winnicott (1988/1990) esclarece:

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O desenvolvimento psicossomático é uma aquisição gradual, e tem o seu próprio ritmo, e se o termo maturidade pode ser usado como uma referência etária, então maturidade é saúde e saúde é maturidade. Todo o processo de desenvolvimento tem que ser levado a cabo, qualquer salto ou falha no processo é uma distorção, e um pulo aqui ou um atraso ali deixam uma cicatriz (WINNICOTT,1988/1990, p.47).

Por meio desta perspectiva de processo e movimento, o psiquismo pode advir a partir

da experiência infantil, que acontece na interação entre as condições ambientais que a criança

encontra e a sua herança biológica, articuladas à criatividade primária do bebê, que Winnicott

entende como a possibilidade de vir-a-ser: “E, como, a criatividade primária do bebê, nesse

início de vida orienta-se pelas necessidades e funções biológicas do corpo, o psiquismo tem

de se criar apoiado nelas” (NAFFAH NETO, 2012, p.42).

Segundo Winnicott (1971/1975), a tendência inata à criatividade é própria da

condição humana, sendo de proposição universal e relacionada ao estar vivo. Ele também

pressupõe uma tendência inata à integração psicossomática, porém, é importante frisar que o

autor fala de tendências, ou seja, o alcance dessa integração dependerá da qualidade

relacional com o ambiente facilitador.

Em “Natureza Humana”, Winnicott (1988/1990, p. 136) postula que, no começo da

vida (provavelmente em alguma data anterior ao nascimento), existe um estado de

não-integração, em que há uma “ausência de globalidade, tanto no espaço, quanto no tempo”.

A partir daí, por breves períodos ou pequenos momentos se produz a integração e só

gradativamente ela pode se efetivar.

À medida que o self se constrói e o indivíduo se torna capaz de incorporar e reter lembranças do cuidado ambiental, e portanto de cuidar de si mesmo, a integração se transforma em um estado cada vez mas confiável. Desta forma, a dependência diminui gradualmente. Enquanto a integração vai se tornando um estado contínuo do indivíduo, a palavra desintegração revela-se mais apropriada para descrever o negativo da integração do que o termo não-integração (WINNICOTT, 1988/1990, p.137).

Nesse sentido, quando Winnicott fala de integração, não significa pensar em um

sujeito acabado, com fronteiras rígidas, afinal momentos de não-integração ao longo da vida

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fazem parte da saúde, como o sono, o relaxamento, o apaixonamento. Isso nos lembra o

famoso trecho de Charles Baudelaire (2010, p. 58): “Para não serem os escravos martirizados

do tempo, embriaguem-se; embriaguem-se sem descanso! Com vinho, poesia ou virtude, a

escolher”. Tomando esta embriaguez vital do poeta como representante dos momentos de

não-integração, compreendemos melhor a preferência de Winnicott pelo termo desintegração

para descrever o negativo da integração. Desta forma, será através da possibilidade de confiar

no ambiente de sustentação que os momentos de flexibilização das raias do eu poderão

ocorrer ao longo da vida.

Os processos de integração no tempo e no espaço, assim como do alojamento da

psique no corpo passam pela capacidade de elaboração imaginativa das funções corporais,

que é facilitada pelos cuidados ambientais, oferecidos de forma suficientemente boa. Desde o

início da vida, o pequeno sujeito, por meio de uma forma rudimentar de imaginação, pode

elaborar imaginativamente as funções corporais, utilizando-se de relações exploratórias com

os objetos, antes mesmo de descobrir a existência real deles. Para Winnicott, a função do

ambiente, que inclui o holding – o conjunto dos cuidados maternos capaz de dar sustentação à

criatividade primária do bebê, garantindo uma experiência de continuidade – deve oferecer

condições para que o próprio bebê dê sentido ao funcionamento do seu corpo (NAFFAH

NETO, 2012).

Oferecer tais condições significa sustentar os movimentos exploratórios do bebê de

maneira total e não mecanizada, para que ele próprio, com suas ferramentas rudimentares,

possa elaborá-lo imaginativamente. Desta forma, a instância da psique emerge da elaboração

imaginativa das funções corporais de todos os tipos, podendo, a partir dela, ligar passado,

presente, futuro e, por fim, falar em nome próprio, estando integrado espaço-temporalmente

(WINNICOTT, 1988/1990).

Loparic nos esclarece que a psicanálise winnicottiana não se prende ao lado mental,

mais precisamente representacional da existência humana, mas sim a coloca “diante da tarefa

primordial de ‘elaborar’ o corpo, e ‘elaborar’ não significa originariamente ‘simbolizar’, mas

‘alojar-se’ no corpo, fazendo dele a nossa primeira morada neste mundo” (LOPARIC, 2000,

p. 360). Ainda neste sentido:

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Aos poucos, o corpo torna-se soma e vai sendo estabelecida uma íntima conexão de complexidade crescente entre soma e psique, tornando real o caráter psicossomático da existência. A psique passa a habitar no corpo, tornando-o sua morada (DIAS, 2003, p. 209).

Mas e quando o trabalho de elaboração imaginativa das funções corporais é

prejudicado? Nesse processo, falhas ambientais na sustentação e/ou no manejo do bebê

podem provocar uma personalização precária, ou seja, quando o alojamento da psique no

corpo se dá de forma incerta ou mesmo não ocorre. Essa problemática nos remete ao caso da

paciente trazida no início do capítulo, que se queixava de fortes dores nos dedos e no braço e,

mesmo tendo passado por diversos especialistas, nenhum diagnóstico fora encontrado. A

paciente explicava o início de sua dor da seguinte maneira: “Fui dormir e acordei assim”. O

“dormir” não conotava a ela nenhum sentido metafórico ligado a ausência, relaxamento ou

sonho. O verbo estava relacionado ao ato concreto e nenhum tipo de associação psíquica era

realizado por ela, seja referente ao início das dores ou sobre seu desgaste em busca de

resposta médica.

Tal paciente praticamente toda semana procurava um pronto-socorro diferente e

parecia estar em busca de algo que ela não encontrava nunca. É possível ler esse fenômeno

baseando-se em Winnicott (1966/2005), pois, quando o trabalho da elaboração imaginativa

das funções corporais é retido, a psique é mantida em estado de alerta, é “mentalizada”. O

autor enfatiza que ocorre uma cisão patológica, uma defesa organizada, com a função de

manter separada a disfunção patológica e o conflito da psique.

Esta defesa pode ser pensada a partir do falso self cindido , que isola o self verdadeiro 5

e adapta-se às demandas ambientais, atuando por mimetização, como uma proteção criada

para se blindar contra os excessos, ou seja, intrusões ambientais e impulsos instintivos

intensos, incapazes de serem apropriados pelo self. Neste sentido, o excesso provocado pela

falta ou pela invasão serão traumáticos e, por sua vez, a experiência fica interrompida, assim

como a constituição do psiquismo (NAFFAH NETO, 2012).

Na dissociação psicossomática os significados de “eu” e “eu sou” são alterados. Dessa

forma, “o fracasso desenvolvimental nestes aspectos resulta na incerteza da ‘morada’, ou

conduz à despersonalização, na medida em que a morada tornou-se um aspecto que pode ser

5 Remeto o leitor ao texto “Distorção do ego em termos de falso e verdadeiro self” (WINNICOTT, 1960/1983).

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perdido” (WINNICOTT, 1966/2005, p. 89). O que está em jogo, portanto, é a ameaça

constante da perda da coesão psicossomática. Mas, Winnicott destaca um valor positivo, de

saúde, nesse distúrbio, entendendo-o como uma defesa que “implica uma cisão na

personalidade do indivíduo, com debilidade na vinculação entre psique e soma, ou uma cisão

organizada na mente, em defesa contra a perseguição generalizada do mundo repudiado”

(WINNICOTT, 1966/2005, p. 90). As falhas ambientais traumáticas têm como resposta a

ruptura da linha do ser e, para não ser mais atingido, o sujeito se defende em um estado

cindido, não podendo ser encontrado em lugar nenhum.

Podemos traduzir esse estado de coisas afirmando que essa cisão na personalidade

paralisa o processo de elaboração imaginativa das funções corporais – na medida em que

isola e encapsula o self verdadeiro, dificultando ou mesmo impedindo a sua alocação e

articulação com o corpo. Ou seja, um conjunto de sensações e emoções, sediado no corpo,

que não pode mais passar pela experiência – devido à cisão –, não pode ser elaborado e não

desenvolve qualquer sentido psíquico. Assim, não pode ser reconhecido como próprio, sendo

percebido como se “corpos estranhos” invadissem ou atacassem o soma, gerando processos

psicossomáticos que são interpretados como doença.

Na defesa inerente ao distúrbio psicossomático também pode estar em jogo um

cuidado dissociado, na medida em que o pequeno sujeito não é apresentado ao seu corpo,

nem recebe as devidas traduções do que se passa com ele. Assim, os prejuízos nas bases da

ligação entre soma e psique se passaram antes mesmo de o bebê conquistar uma identidade

unitária e “as ansiedades subjacentes à defesa são, pois, psicóticas (e não depressivas ou

neuróticas), relacionadas ao aniquilamento” (LAURENTIIS, 2016, p.362).

Winnicott (1963/2005), em “Medo do Colapso”, destaca que, nas defesas ligadas às

psiconeuroses, é a ansiedade de castração que está em jogo; já nas defesas inerentes aos

fenômenos mais psicóticos, o que está presente é um colapso do estabelecimento do self

unitário. Esta última defesa é bastante organizada e está relacionada a agonias impensáveis,

que o autor define como: o retorno a um estado de não-integração, cuja expressão é a

desintegração; a ameaça de cair para sempre em um vazio sem fim; a perda do sentido de

realidade; a perda da capacidade de se relacionar com objetos; a perda do conluio

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psicossomático, tendo como consequência um estranhamento em relação ao próprio corpo,

sentindo-o como não próprio.

No distúrbio psicossomático, a ausência de sustentação durante o período da

experiência de integração expõe o bebê a um excesso traumático o qual ainda não pode

suportar, ou seja, aproxima-o de uma agonia impensável. Portanto, o que se torna aniquilador

e gera defesas é a integração não sustentada entre psique e soma, portanto uma integração que

cai em um vazio (ausência de colo e de manuseio). Ao mesmo tempo, a defesa também age

contra a ameaça de dissociação completa entre soma e psique e estes indivíduos podem

apresentar despersonalização, falta de coesão interna, inúmeras dissociações ou,

simplesmente, uma cisão do corpo com o psiquismo como formas encontradas para a

sobrevivência (LAURENTIIS, 2016).

Estamos diante de uma clínica das fragilidades, na qual o despedaçamento do sujeito

aparece em carne viva, no corpo. Todavia, nosso olhar não está preso ao quadro manifesto ou

à patologia somática (alopécia, colite, fibromialgia, psoríase, trombose, dentre outras). O

diagnóstico diferencial da verdadeira enfermidade do distúrbio psicossomático consiste na

“persistência de uma cisão organizada do ego do paciente, ou de dissociações múltiplas”

(WINNICOTT, 1966/2005, p. 82). Portanto, a problemática que nos cerca não diz respeito à

sintomatologia da “doença” em si, pois qualquer pessoa pode ter afecções somáticas ligadas

às tensões e imposições da vida, mas ao vão que existe entre a psique e o soma, ao corpo não

habitado e ao vácuo de experiências.

Neste ponto o conjunto dos elementos que envolvem a área da experiência

revelam-se fundamentais para a apreensão do estofo clínico desenvolvido no terceiro

capítulo, “Lara e o encontro com as temperaturas”. Desta forma, a seguir, iremos nos deter ao

aprofundamento do tema.

1.2 Área da Experiência e Transicionalidade

Não encontramos o conceito de “experiência” claramente definido nos textos de

Winnicott, seu significado vai sendo absorvido a partir do uso que o autor faz ao longo da sua

obra. Dias (2003, p. 124), por meio de uma vasta pesquisa sobre a teoria winnicottiana do

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amadurecimento pessoal, nos ajuda a situar o termo e lembra que a capacidade para a

experiência está relacionada “à espontaneidade, à criatividade originária, à raiz do si-mesmo

verdadeiro, em suma, ao ser”.

Assim como a capacidade de integração e de criatividade originária, a capacidade

para experiência, apesar de inata, também precisa ser sustentada pelo ambiente de cuidado,

para, assim, se tornar genuína ao ser. Caso contrário, a área da experiência pode ser

paralisada, ou mesmo sucumbida. Desta forma, por meio da facilitação ambiental, todos os

estados do ser precisam ser experienciados e, caso não o sejam, corre-se o risco de

permanecerem não integrados à personalidade.

Cada bebê vive de forma singular as passagens da vida, como o nascimento, os

estados tranquilos ou excitados, os encontros e frustrações, a solidão, o estado de amorfia do

início, as agonias impensáveis, os impulsos agressivos destrutivos, a continuidade de ser. É

necessário que haja uma adaptação ativa aos seus movimentos próprios para que ele possa

experienciar seus gestos espontâneos, aos poucos integrá-los à personalidade e, finalmente,

senti-los como próprios e verdadeiros (DIAS, 2003). No que diz respeito à adaptação ativa do

ambiente de cuidado ao pequeno bebê, não entendemos que se trata de uma adaptação total,

sem brechas ou furos, mas sim de uma adaptação suficientemente boa, que não retalie os seus

movimentos singulares e os impulsos agressivos destrutivos da criança, o que permitirá a

apropriação subjetiva de seu gesto espontâneo e da sua criatividade originária, para assim

poder viver suas experiências.

Na prática clínica com pacientes que apresentam distúrbios psicossomáticos,

percebemos um distanciamento de implicaçõe subjetivas com o que ocorre em seus corpos e

também é comum observarmos o que Dias (2003) descreve sobre pessoas em que o

sentimento de real é debilitado:

Registram o fato, numa memória de arquivo, mas nada, nelas, foi afetado ou se modificou. [...] talvez, seja ainda mais exato dizer que elas não são capazes de viver experiências: ao invés de estarem ali, no acontecimento presente, elas estão fora de si, ocupadas em defender-se de alguma invasão, de algum tipo de aprisionamento, prevenindo algum mal-estar que possa advir; tudo que ocorre é externo a elas, de modo que nada permanece (DIAS, 2003, p.124).

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O constante estado de alerta às ameaças de invasões nos remete à imagem da selva,

inicialmente apontada neste capítulo, trazida ao mesmo tempo como metáfora do corpo e do

ambiente. Nestes pacientes, parece estar vigente uma selva ameaçadora, que não foi

apropriada como um território que permite ser transitado. Portanto, experienciar suas trilhas

torna-se uma atividade difícil, haja vista que tal indivíduo está paralisado ou mesmo vagando

como alguém perdido – e não transitando como um habitante que constrói suas veredas,

aprecia o percurso e, quando se perde, pode criar novos caminhos em um movimento

dinâmico.

Para uma melhor apreensão do processo de transitar e experienciar o que ocorre no

próprio habitat, é fundamental recorrermos a um raro registro de Winnicott numa carta de

1952 dirigida à Money-Kyrle:

Você se lembrará de que a palavra intermediária me foi dada por você mesmo durante a discussão do ensaio sobre objetos e fenômenos transicionais. A palavra intermediária é certamente útil, mas a palavra transição implica movimento, e não posso perdê-la de vista, do contrário acabaremos por ver algum tipo de fenômeno estático sendo associado ao meu nome. Isso me lembra que, num parágrafo da versão do ensaio que fiz circular antes da discussão de sexta-feira, eu disse que, além da capacidade para relações interpessoais e da elaboração de fantasias a elas relativas, existe uma terceira coisa, igualmente importante, que é a experiência. A experiência é um trafegar constante na ilusão, uma repetida procura da interação entre a criatividade e aquilo que o mundo tem a oferecer. A experiência é uma conquista da maturidade do ego, à qual o ambiente fornece um ingrediente essencial. Não é, de modo algum, alcançada sempre (WINNICOTT, 1987/2017, p. 53, os itálicos são nossos).

A ideia de movimento que Winnicott faz questão de destacar diz respeito ao advir da

experiência como fruto da interação constante entre a criatividade primária do bebê e o seu

ambiente de cuidado. Além disso, na passagem acima, o autor traz a íntima relação entre a

possibilidade de poder viver experiências e os fenômenos transicionais. Estes pertencem ao

domínio da ilusão e estão na base do início da experiência. Um ambiente de cuidado

suficientemente bom poderá garantir que o bebê habite num mundo subjetivo, onde prevalece

a ilusão de onipotência, permitindo a ele a possibilidade de criar os objetos que encontra.

Caso isto não ocorra, estes objetos serão vividos como ameaçadores, ou seja, não serão

pautados pela sua criatividade primária.

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Por meio desse controle onipotente, o bebê passa a manipular o próprio corpo e seus

objetos, mordendo, sugando, puxando e, aos poucos, através de um brincar imaginativo e

criativo, vai surgindo a qualidade do objeto transicional. Este pode ser um substituto

simbólico da mãe, ou de partes dela, mas o seu valor está na sua existência real e não

simbólica, pois, só assim, vivo e com existência concreta, poderá ser usado pela criança como

um facilitador na passagem do subjetivo puro à objetividade da realidade externa.

Os objetos transicionais formam uma terceira zona ou espaço potencial, que consiste

na sobreposição entre mundo subjetivo e mundo objetivo e entre fantasia e realidade. Esta

área hipotética entre o bebê e o objeto (mãe ou parte desta) surge ao final do processo

fusional com o objeto primário: durante o período de repúdio do objeto como não-Eu

(WINNICOTT, 1971/1975). O espaço potencial só pode existir quando o objeto é usado de

forma criativa, ou seja, não defensiva. É esta criatividade que ajuda na digestão do excesso de

tensão que surge quando a criança entrar em contato com a realidade interna e externa. Como

bem resume Candi (2010, p. 131), “brincar é transformar o horror de uma realidade sempre

excessiva num mundo no qual se pode fantasiar e viver”.

Winnicott (1971/1975, p. 19) entende que a área dos fenômenos e objetos

transicionais comporta o espaço entre a fantasia e a realidade, sendo pensada não só como a

raiz do simbolismo, mas como a “raiz do simbolismo no tempo”. Desta forma, os objetos

transicionais abrem o mundo dos símbolos e são o prenúncio da capacidade simbólica, mas

esta só será realizada plenamente com a linguagem.

O holding sustenta a dimensão temporal dos próprios ritmos corporais e psíquicos da

criança, sendo fundamental para a desenvolvimento de processos de criação de sentidos,

presentes na capacidade de simbolização. É também ao longo do tempo que a criança adquire

a capacidade de estar só, que implica a internalização do ambiente de sustentação,

tornando-se capaz de aceitar diferença e similaridade.

Quando o processo dos fenômenos transicionais é invadido por traumas excessivos e a

criança não pode suportar a ausência da figura materna, não conseguindo lidar com sua

própria capacidade de estar só, ocorre que:

[...] o delicado equilíbrio da sensação de simultaneamente criar e descobrir seus objetos desmorona e é substituído pela fantasia

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onipotente. Esta não apenas impede o desenvolvimento da simbolização e a capacidade de reconhecer e fazer uso dos objetos externos, como envolve uma recusa em aceitar a externalidade do tempo. Conseqüentemente, a experiência de estar vivo não é mais contínua; ela ocorre em rajadas desconexas (OGDEN, 2010, p. 126).

Portanto, é dentro do espaço transicional que a experiência primeiro pode ser gerada,

e depois simbolizada. A questão temporal apresenta aí uma grande importância, já que dentro

do seu processo de criação, o bebê pode tolerar a ausência materna apenas por um período

relativo de tempo. Se a resposta da mãe vier em um prazo excessivo, maior do que a criança

pode suportar, ou mesmo se ocorrer por meio de um presença prolongada demais,

claustrofóbica, a angústia se torna excessiva e a criança vive um estado de agonia, que pode

se perpetuar a vida inteira. Candi (2010, p. 143), por meio de uma leitura greeniana da obra

de Winnicott, fala que uma das consequências possíveis é o desaparecimento da marca

representativa, que permite a antecipação e a realização alucinatória (ou seja, fazer aparecer,

dar vida ao objeto, mesmo na ausência real dele) e nos diz: “o não acontecido torna-se, então,

mais real e verdadeiro do que qualquer resposta que possa surgir posteriormente. O negativo

terá imprimido sua marca de maneira inesquecível ao psicossoma da criança ”.

Pela lógica dos excessos traumáticos são compreendidos os casos borderlines, ou

casos-limites. Estes pacientes encontram-se impossibilitados de transitar no espaço

intermediário entre o dentro e o fora, entre o soma e o mundo exterior. Dentro da esfera

psíquica, por meio de mecanismos do falso-self protetor, criam núcleos isolados, que também

não se comunicam entre si. A grande dificuldade está em transitar nos espaços do “entre” e

este é justamente o lugar no qual se poderiam simbolizar e conter os excessos traumáticos.

Com a possibilidade de realizar elaborações psíquicas prejudicada, as passagens ao ato ou as

somatizações acabam sendo as vias mais comuns de comunicação (CANDI, 2010).

Sem o espaço do entre, o brincar fica paralisado, assim como a possibilidade do jogo

simbólico. Nos casos-limites, circular entre os diversos territórios do mundo intrasubjetivo e

intersubjetivo se torna um movimento muito difícil e suas expressões aparecem mais por

meio de ações do que de palavras. Na prática clínica dos distúrbios psicossomáticos,

encontramos, sobretudo, movimentos expressos em ações, por meio do corpo em carne viva.

Nestes pacientes também percebemos uma dificuldade de realizar associações livres ou

ligações subjetivas por meio de palavras, e suas defesas operam na formação de cisões do ego

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ou dissociações múltiplas, o que nos permite identificar que, em muitos casos de distúrbio

psicossomático, está presente um funcionamento psíquico limite.

Os casos-limites são compreendidos em termos winnicottianos pelo seu caráter alheio,

não próprio, provocado pelas marcas de um ambiente que incidiu de forma intrusiva na

constituição psíquica do bebê, gerando rompimentos da continuidade de ser e produzindo um

falso self que oculta o que é genuinamente próprio. Podemos dizer que estes pacientes não

passaram pela experiência ou passaram de forma insuficiente, pois não tiveram sustentação

por meio de uma ambiente continente e responsivo à sua criatividade originária num nível

suficientemente bom. Assim, todo o sentimento de real a respeito de si próprio e do mundo

precisa, necessariamente, passar pela área da experiência (NAFFAH NETO, 2005).

Na clínica winnicottiana, especialmente na prática com pacientes limites, o que deve

prevalecer é uma relação terapêutica de sustentação para que regressões sucessivas possam

acontecer e, aos poucos, a função defensiva do falso self torne-se desnecessária, fazendo-o vir

a ocupar, paulatinamente, apenas o seu lugar funcional de mediação com o mundo social, ou

seja, como faceta social do self verdadeiro. Tendo como base esta premissa, Naffah Neto

(2005, p. 440), de forma sensível, define sucintamente a obra de Winnicott: “uma psicanálise

da experiência humana em seu devir próprio”. Ainda neste sentido, continua:

Esse é um processo eminentemente experiencial, no qual a questão primeira não é ligar nada, nem simbolizar nada, pelo ao menos por princípio. Trata-se – volto a repetir – de fazer passar pela área da experiência – portanto da criatividade originária – acontecimentos fundamentais ao processo de amadurecimento, que dela ficaram cindidos por falhas ambientais. Então, através disso, possibilitar que o self verdadeiro possa – no seu tempo e na sua forma próprios – vir a registrar esses acontecimentos e deles se apropriar paulatinamente (NAFFAH NETO, 2005, p. 450).

Dentro do espaço potencial que se desenrola entre analista e paciente, surge a

possibilidade de transitar pela área da experiência, e simbolizações poderão ser feitas pelo

indivíduo como uma consequência natural desse processo. Será sobre uma forma específica

de construir este espaço que vamos nos deter no capítulo seguinte, no qual apresentaremos o

uso do objeto de mediação da fotografia, utilizado em situação de grupo, como um

instrumento capaz de facilitar o retorno de situações traumáticas congeladas, promovendo a

rememoração das mesmas e a emergência dos afetos aí gerados. O instrumento da fotografia

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e sua utilização especial no setting terapêutico será apresentado como um recurso que aposta,

sobretudo, no “fazer passar pela área da experiência”.

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Capítulo 2

MAIS AQUÉM E MAIS ALÉM DAS PALAVRAS: A FOTOGRAFIA COMO

MEDIAÇÃO TERAPÊUTICA

“Eu gosto do absurdo divino das imagens”

(MANOEL DE BARROS, 2015, p.39)

A simplicidade e profundeza da poética de Manoel de Barros anuncia o tom “absurdo

e divino” presente nas imagens, sejam essas facilmente acessadas pelo aparelho ocular, como

no caso das fotografias, ou aquelas que mesmo no escuro reluzem, como as imagens

psíquicas. O absurdo pode denotar aquilo que é destituído de racionalidade, de lógica

pré-formada, e remete a “O estranho” de Freud (1919/1985), obra na qual desenvolve a idéia

de que, em um mesmo indivíduo, algo de familiar e estrangeiro convergem, cuja ambiguidade

absurda está na estranheza dos sintomas e repetições.

Barthes (1980/2018) em “A câmera clara”, nomeia de punctum o ponto da foto que,

como uma flecha, transpassa o espectador da imagem, podendo ser um “detalhe” que, ao

mesmo tempo, preenche toda a fotografia. O punctum é, portanto, “uma espécie de

extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela dá a ver”

(BARTHES, 1980/2018, p.53). Ora, não seria o punctum justamente o elemento absurdo e

divino das imagens? O ponto de convergência do fenômeno do estranho, de que fala Freud?

Para distinguir o punctum do elemento cultural que uma fotografia transmite, Barthes

(1980/2018) classifica como studium aquilo que faz parte das intenções do fotógrafo ao

capturar uma cena, bem como da leitura que o espectador tem da estética de uma foto,

gostando ou não do que vê, narrando e decodificando objetivamente o contexto da imagem.

Já o punctum é singular e ressoa no corpo de quem observa a foto: “é certeiro e no entanto

aterrissa em uma zona vaga de mim mesmo; é agudo e sufocado, grita em silêncio. Curiosa

contradição: é um raio que flutua” (BARTHES, 1980/2018, p.49).

A contradição apontada por Barthes (1980/2018), do punctum como um raio que

flutua, parece revelar um ponto de intersecção com o absurdo divino das imagens, de Manoel

de Barros (2015). Ao mesmo tempo que ambos apontam para uma intensidade avassaladora,

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tal como o raio e o absurdo, são também da ordem do sutil e do cuidado: flutuam como uma

espécie de divino imanente, que, mesmo em silêncio, pode trazer abertura a novos sentidos.

Tomemos como exemplo uma fotografia em preto e branco de um casal de idosos

sentados em uma sala. Sobre as pernas da mulher, encontra-se deitada, quase caindo, uma

criança de aproximadamente dois anos de idade. O homem e a criança olham para a câmara,

mas a mulher apresenta um olhar distante. Esta imagem foi escolhida por uma paciente

durante uma sessão de grupo que utiliza fotos como objeto de mediação. A paciente não fez

menção à presença da criança na imagem e só se deu conta de que ali existia um ser que

“quase cai” após o apontamento do grupo. O punctum da foto para aquela paciente parecia ser

justamente o elemento que não fora notado objetivamente no início e, por isso mesmo, está

na dimensão de algo que flutua. O bebê despercebido, mal posicionado nos braços da mulher

e quase caindo no chão, pode falar sobre uma “agonia primitiva” de “cair para sempre”

(WINNICOTT, 1963/2005) e, neste sentido, o punctum é da ordem do absurdo, como o

“colapso” marcado na foto.

As fotografias se inserem no mais aquém e no mais além das palavras, propiciando

ouvir o inaudível. No entanto, do ponto de vista clínico, como todas estas dimensões são

capazes de abrir caminhos subjetivos dentro de um contexto terapêutico? Pensar a utilização

do objeto de mediação da fotografia como um elemento do enquadre psicanalítico requer

considerar um manejo modificado que se diferencia da situação analisante tradicional, mas,

para tal, é necessário levar em conta as especificidades do paciente e, neste capítulo, nos

detemos a essas adaptações na clínica dos distúrbios psicossomáticos.

2.1 Manejo Modificado e as Especificidades do Paciente com Distúrbio

Psicossomático

Sabemos que o enquadre psicanalítico padrão, regido pela associação livre,

transferência e interpretação, tal como inaugurado por Freud, é pensado para pacientes

neuróticos. Segundo Figueiredo (2014), nestes casos, dentro do plano intersubjetivo da

relação paciente e analista, repete-se o que ocorre no plano intrapsíquico dos dois: o dentro e

o fora da situação analisante estão bem delimitados e, internamente, as separações entre o

inconsciente e a consciência funcionam com sucesso. Com pacientes neuróticos, o campo

analítico impulsiona os processos de elaboração da experiência emocional nos planos das

questões narcísicas, relações objetais e fantasias edípicas e, desse modo, “os processos

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33

terciários de mediação poderão ser ativados com relativa facilidade na constituição do campo

dinâmico intersubjetivo e intrapsíquico da situação analisante” (FIGUEIREDO, 2014, p.

120).

A noção de processos terciários foi inaugurada por André Green para destacar a sua

importante função de mediação no psiquismo, diferenciando-os dos processos primários

(representações-coisa) e secundários (representações-palavras), denominados por Freud.

Green (1976/2017) fala que existem duas áreas limites no aparelho psíquico. A primeira delas

é uma área intermediária existente no espaço do dentro e está entre o inconsciente e o

pré-consciente, tendo o sonho como expressão. Já quanto à segunda área intermediária, o

autor baseia-se em Winnicott para descrevê-la: ela situa-se entre o espaço do dentro e do fora

e é a área de jogo, de ilusão, ou seja, as criações do espaço potencial (GREEN, 1976/2017).

Em pacientes cujas condições dos processos terciários são bem sucedidas,

pressupomos que suas matrizes de ligação psicossomática foram alcançadas e, a partir daí,

representações e afetos podem ser ligados, assim “representações-palavra ficam disponíveis

para a associação com representações-coisa, integrando-se a redes associativas inconscientes

e conscientes” (FIGUEIREDO, 2014, p.119). Desta forma, a análise tende a fluir dando

palavras ao inconsciente recalcado, por meio de interpretações que surgem pela escuta

flutuante das associações livres do paciente.

Já sobre os casos de adoecimentos não-neuróticos, com fragilidades que podem dizer

de um despedaçamento vivo no corpo, Green (1976/2017, p. 130) afirma: “os casos limites

são caracterizados pela incapacidade funcional de criar derivados do espaço potencial; em

vez de fenômenos transicionais, eles criam sintomas que preenchem sua função”. Sendo

assim, estamos diante da necessidade de um tipo de presença analítica que leve em conta o

que Winnicott (1962/1983) denominou de psicanálise modificada. O autor reconhece

algumas condições nos pacientes para que este tipo de clínica seja pensada, são elas:

a) Quando o temor da loucura domina o quadro; b) Quando um falso self se torna bem-sucedido e a fachada de sucesso, mesmo brilhante, tem de ser demolida em alguma fase para a análise ter êxito; c) Quando, em um paciente, uma tendência anti-social, seja em forma de agressão, roubo ou armas, é o legado de uma privação; d) Quando não há vida cultural, somente uma realidade psíquica interna e um relacionamento com a realidade externa, estando as duas relativamente desconectadas; e) Quando uma figura paterna ou materna domina o quadro (WINNICOTT, 1962/1983, p. 154).

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Como exploramos no capítulo anterior, os pacientes com distúrbios psicossomáticos

apresentam ansiedades subjacentes às defesas psicóticas, relacionadas ao aniquilamento, e,

por meio de uma leitura winnicottiana, esta etiologia se relaciona a questões anteriores ao

alcance ou consolidação do eu, exigindo um manejo específico (LAURENTIIS, 2016).

No campo da associação livre, a prática permite observar que, no caso destes

pacientes, há um discurso concreto, com dificuldades de entender duplos sentidos, metáforas

e metonímias, o que, muitas vezes, dificulta a formação de uma cadeia associativa com livre

acesso ao plano abstrato.

Já a respeito da relação transferencial, tais pacientes também apresentam

especificidades. Na clínica individual pode ocorrer no analista uma sensação de cristalização,

dando a impressão de que o processo da análise fica paralisado. Vacheret (2015, p. 82) tenta

problematizar este fenômeno utilizando o termo “transferência por depósito”, pensando o

analista como “depositário inconsciente de uma parte indizível e irrepresentável da história

ou da experiência precoce do sujeito”.

Na esfera da interpretação, a clínica do distúrbio psicossomático nos ensina que os

modelos tradicionais, nos quais se interpretam defesas reprimidas, podem não só ser

ineficazes, sem fazer qualquer sentido para o paciente, como podem produzir prejuízos, e este

tipo de intervenção passa a ser sentida como mais um excesso, reeditando violências.

Nesses indivíduos, a linguagem está presente em estado de dissociação e/ou

fragmentação. Podem ser muito fluentes e ter uma excelente comunicação, mas apresentam

dificuldade de fazer contato com a dimensão emocional. Retomando Green (1976/2017), o

que falta a esta linguagem é justamente a função mediadora dos processos terciários, trazendo

consigo a necessidade de uma situação analisante modificada.

É possível observamos, nos pacientes cujo sofrimento circula nos transtornos

psicossomáticos, uma grande dificuldade de fazer contato com a experiência emocional, uma

vez que a função defensiva do falso self blinda o sentimento de si, mantendo-os distantes e

em estado de alerta aos sintomas do corpo, que são sentidos como invasões. Considerando

este quadro clínico, no qual o trânsito pela área da experiência precisa ser construído, a

utilização da arte com objetos mediadores surge na busca de criar um modo de comunicação

paraverbal que considere a associatividade própria à linguagem do corpo e do ato, cultivando

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35

os processos terciários a partir de um nível mais arcaico, que exigem uma presença viva e

expressiva do analista (BRUN, 2013b/2019; FIGUEIREDO, 2014).

2.2 Mediação Terapêutica

Apesar da questão da cura analítica, tal como concebida por Freud, ser fundada pelo

verbal, o interesse pelo campo artístico e sua interação com a psicanálise foi muito vivo em

seus escritos. A fim de tentar explicitar o processo criador da obra, Freud deu à arte

fundamentos sexuais e corporais, interrogando os destinos pulsionais na criação (BRUN,

2013a/2019).

Segundo Brun (2013a/2019), na origem da psicanálise com crianças, Anna Freud

utilizava o desenho como um recurso de comunicação e estabelecia uma técnica próxima à

análise de adultos através dos movimentos associativos. Anna Freud não estabeleceu um

elemento particular sobre seu método de interpretação, nem sobre os sentidos transferenciais

da utilização do desenho. Já Melanie Klein também utilizava os desenhos como modo de

associação livre, mas os considerava como meios de expressão de tendências reparatórias,

capazes de sublimar as pulsões destrutivas, e estas são entendidas por ela como a “fonte do

ímpeto criador” (BRUN, 2013a/2019, p.20, tradução nossa). 6

No entanto, foi Winnicott, a partir do “Jogo do rabisco” (1968/2005), que trouxe uma

originalidade à utilização do desenho na psicanálise com crianças. No jogo, o analista faz um

rabisco para que a criança o transforme e, em seguida, o analista transforma o rabisco da

criança, instaurando-se uma brincadeira dinâmica. Desta forma, a intervenção terapêutica não

acontece através de um brincar a ser decifrado pela interpretação, mas por meio da

possibilidade do analista ocupar um lugar no brincar do paciente. Brun (2013a/2019)

considera que a novidade de Winnicott consiste em integrar a transferência e a

contratransferência no mesmo processo e o aponta como o precursor das práticas que utilizam

objetos mediadores na psicanálise contemporânea.

6 Diferentemente de Klein, que considera a criatividade enraizada na compulsão à reparar, própria da posição depressiva, Winnicott entende a criatividade como uma tendência inata, e seu alcance dependerá da qualidade relacional com o ambiente facilitador.

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Em “O brincar e a realidade”, Winnicott (1971/1975) apresenta como um princípio

geral a idéia de que “a psicoterapia é efetuada na sobreposição de duas áreas lúdicas, a do

paciente e a do analista. Se o analista não pode brincar, então ele não se adapta ao trabalho.

Se é o paciente que não pode, então algo precisa ser feito para ajudá-lo a tornar-se capaz de

brincar” (WINNICOTT, 1971/1975, p. 80, itálicos do autor). Mais adiante o autor completa:

“É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e

utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre seu

eu (self)” (Ibid., p. 80).

A área lúdica está intimamente relacionada à raiz do si mesmo verdadeiro, em que os

gestos espontâneos podem surgir de modo livre. Quando Winnicott fala que, em certos casos,

se faz necessário ajudar o indivíduo a tornar-se capaz de brincar, entendemos que este

processo requer um ambiente clínico com capacidade de sustentar e se moldar às

necessidades do paciente. Neste sentido, Roussillon (2006), apoiado no conceito de Marion

Milner de meio maleável, fala que a função clínica, assim como a função materna, deve

conter propriedades maleáveis, que permitam a introjeção da experiência e a sua integração

pelo indivíduo. O meio maleável é, portanto, “simultaneamente, o solo para o trabalho de

simbolização e o espelho que permite simbolizar o processo simbolizante” (SCHOR, 2017,

p.177).

Sobre as características do meio maleável, Roussillon (2012/2019) entende que este

deve ser:

suficientemente disponível; alcançável e apreensível; previsível, posto que suficientemente constante, mas transformável e adaptável – isto é, o sujeito deve poder sentir que pode exercer sobre ele uma ação, mas que ela obedecerá a determinadas leis. Ele deve ser suficientemente sensível e receptivo para que o sujeito possa vislumbrar transmitir a ele um quinhão de sua própria vivência, mas suficientemente não destrutivo nem demasiado confuso para que se o comunique e se o transmita; suficientemente sensível e paciente, também, para que o sujeito sinta que é o seu próprio tempo, o seu próprio “passo” que está no centro e não o do objeto (ROUSSILLON, 2012/2019, p. 232).

Assim, ao considerar pacientes cujo processo de integração psicossomática se deu de

forma rudimentar, o encontro clínico deve funcionar como um meio maleável, oferecendo um

ambiente seguro para que as experiências possam ser vividas e posteriormente simbolizadas.

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37

Para tal, Roussillon entende que as “necessidades do eu” destes pacientes exigem que a

situação clínica proporcione comunicações pré ou paraverbais, ligadas a um nível arcaico, no

campo do sensorial, abrindo caminho para os processos de simbolização (FIGUEIREDO,

2014).

É considerando este quadro clínico que a utilização do dispositivo psicanalítico com

objetos mediadores ligados à sensorialidade surge como uma estratégia bastante apropriada e,

atualmente, vem sendo um campo aprofundado de pesquisa psicanalítica, sobretudo na

França (Universidade de Lyon 2). Muitos podem ser os objetos de mediação que funcionam

como uma matéria do meio maleável (fotografia, pintura, argila, massa de modelar, música,

colagem, máscara, escrita e leitura, etc.), mas cada um terá propriedades cruciais a serem

consideradas na indicação ao paciente.

Brun (2013b/2019), em seu vasto trabalho sobre as mediações terapêuticas, entende

que a propriedade sensorial dos objetos mediadores associada ao encontro clínico tende a

desencadear “um processo de reativação de vivências somato-psíquicas impensáveis,

frequentemente da ordem das agonias primitivas; elas se impõem ao paciente sob a forma de

uma vivência alucinatória, que encontra eco na manipulação do ‘meio maleável’” (BRUN,

2013b/2019, p. 145, tradução nossa).

Vale repetir que as agonias primitivas estão relacionadas ao retorno a um estado de

não-integração, cuja expressão é a desintegração; a ameaça de cair para sempre em um vazio

sem fim; a perda do sentido de realidade; a perda da capacidade de se relacionar com objetos;

a perda do conluio psicossomático, tendo como consequência um estranhamento em relação

ao próprio corpo, sentindo-o como não próprio (WINNICOTT, 1963/2005). Desta forma:

“essas experiências primitivas catastróficas nunca puderam ser representadas, jamais

figuradas, pois elas não foram de alguma maneira sentidas pelo sujeito, que se retirou da

experiência” (BRUN, 2013b/2019, p. 145, tradução nossa).

A aposta de Brun (2013b/2019) nos recursos de mediação terapêuticos consiste na

reativação, por meio do encontro com o meio maleável, das experiências subjetivas primitivas

que nunca foram integradas pelo self verdadeiro e não puderam ser traduzidas em linguagem

verbal, possibilitando, assim, o surgimento de uma linguagem do ato e do corpo. Ou seja,

tudo isto é engendrado pelo vínculo transferencial com o meio, que é ao mesmo tempo a

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propriedade material e o entorno clínico, capaz de facilitar revivescências de experiências

primitivas, até então blindadas de experimentação, pois o indivíduo se retirou da experiência

para não ser confrontado com as agonias primitivas.

Na medida em que a situação clínica oferece uma mediação que possibilita o acesso

às experiências sensório-afetivo-motoras, tais sensações alucinadas tomam forma no objeto

mediador e este, graças a sua propriedade plástica e maleável, ajuda a torná-las figuráveis e

transformáveis.

2.3 A Fotografia como Objeto de Mediação

A experiência clínica na qual este trabalho se funda utiliza como objeto de mediação a

fotografia, baseando-se no instrumento da Fotolinguagem©, conforme elaborado pela

psicanalista Claudine Vacheret. Este método foi criado em Lyon, França, no ano de 1965, por

psicólogos e psicossociólogos – C. Bélise e A. Baptiste – que, de maneira intuitiva,

propuseram a utilização de fotos para servir de suporte à fala em um grupo de adolescentes

com dificuldades de expressão. Eles observaram que, a partir das imagens, as trocas se

desenvolviam. Em seguida, a idéia foi aplicada ao domínio da formação de adultos, em

empresas e no campo social. Mas foi fora desse campo que, a partir da década de 1990,

Claudine Vacheret e demais psicanalistas lioneses passaram a utilizar a Fotolinguagem© na

esfera do cuidado (VACHERET, 2008).

Na prática clínica institucional em que este estudo se baseou, utilizou-se um conjunto

de fotos da cultura brasileira, com imagens diversas, em preto e branco e coloridas, com

temáticas abstratas e que envolvem pessoas, grupos, famílias, natureza, animais, etc.

Portanto, trata-se de um dossiê fotográfico diferente do material francês, o que não nos

autoriza a usar o termo registrado Fotolinguagem©, apesar do método empregado nas sessões

ser baseado nele. Este dossiê brasileiro foi montado pela psicanalista Cristiane Abud e pela

fotógrafa Luiza Sigulem, entre os anos de 2014 e 2015, que o nomearam de dossiê

“Fotossíntese”, trazendo cor às sessões através dos tons negros, indígenas e mestiços (ABUD

e SIGULEM, 2017).

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O jogo se divide em dois momentos. No primeiro, o analista provoca o grupo com 7

uma pergunta que deve ser simples, objetiva e normalmente formulada previamente a partir

da sessão anterior. Os participantes, incluindo o analista (ou analistas), em silêncio e

individualmente, devem escolher com o olhar uma das fotos que responda à pergunta 8

formulada. O “código” sinalizador de que a foto foi escolhida é se dirigir para sua cadeira.

Quando todos, no seu tempo, já tiverem escolhido a foto, o analista convida o grupo a pegar a

fotografia eleita e conduzi-la para a roda. Caso a mesma imagem seja escolhida por mais de

um participante, o analista esclarece que não há problema, pois cada um, na sua vez, poderá

se apropriar da foto escolhida.

No segundo momento da brincadeira, quando todos já estão em roda e com a foto

escolhida nas mãos, o grupo é convidado a um espaço de trocas. O analista provoca o grupo,

perguntando quem pode começar falando sobre a foto escolhida e, em seguida, a partir do que

foi falado pelo detentor/representante da foto, todos devem comentar o que viram de

semelhante e de diferente. Cada membro do grupo fala quando assim desejar, e nenhuma

interpretação – no sentido psicanalítico do termo – é feita pelo analista, que participa do jogo

ativamente.

A utilização da fotografia como objeto de mediação se propõe a ser um instrumento

desencadeante de processos associativos que, por meio do espaço de jogo, pode oferecer um

caminho que conduz da imagem à palavra. O grupo é um elemento fundamental e se faz

presente de maneira viva e expressiva, permitindo a cada integrante todas as possibilidades de

identificações. Ao falar de sua foto, o sujeito delega ao grupo um trabalho psíquico de

transformação, que só é possível pela pluralidade de imaginários postos em cena e pelas

transferências colaterais. Béjnaro (1972, Apud BRUN, 2013a/2019) considera que, no

contexto grupal, está em jogo a transferência com o psicanalista (transferência central), com

os outros participantes (transferências laterais), com o grupo (transferência grupal) e com os

7 Na minha prática clínica, o grupo é composto por seis pacientes fixos, duas analistas e duas estagiárias. As sessões ocorrem uma vez por semana.

8 Ao todo são aproximadamente duzentas e cinquenta fotos que compõem o conjunto de imagens utilizado. As fotos operadas a cada sessão são previamente selecionadas pelas analistas e variam a cada encontro. O critério de escolha busca incluir fotos de cenários diversos. O número de fotos a serem operadas a cada sessão é proporcional ao número de integrantes do grupo (em torno de dez imagens por participante).

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objetos externos ao grupo. Chouvier (2000/2004, Apud CASTANHO, 2015) completa esta

ideia e defende que também existe a transferência com o objeto de mediação.

Voltamos a lembrar que o método é proposto a pacientes difíceis, cujo sofrimento

circula nos “inundamentos indizíveis da violência interna” (KAËS, 2000/2014, p.16), e a

mediação supõe:

[...] uma disjunção ou uma desunião, e é sobre a natureza (quiçá a causa) desta desunião ou desta não união que se produz a eficácia do processo de mediação. Não é o meio, o objeto em si, que é mediador, mas sim a função mediadora que o meio realiza (KAËS, 2000/2014, p. 12, tradução nossa).

Nos casos de distúrbio psicossomático, destaca-se a ausência de uma área limitadora,

que liga o mundo interno e o mundo externo, chamada por Winnicott (1971/1975) de espaço

potencial, lugar em que a separação com o objeto é preenchida criativamente com o brincar e

com as trocas culturais. Desta forma, sem a ideia de espaço e de separação com a mãe (ou

quem ocupa a função materna), estes indivíduos apresentam uma dificuldade de distinção

entre o dentro e o fora, defendendo-se por meio de uma fusão com o objeto. Abud e Sigulem

(2017) lembram que estes pacientes fazem um movimento brusco, ativo e maciço em direção

ao objeto, muitas vezes estabelecendo uma relação homogênea e indiferenciada.

A partir da mediação com as fotografias, instala-se um jogo especular entre as

imagens de si, percebidas subjetivamente, e as imagens reenviadas em espelhos pelo

grupo. Não é aleatória a provocação que o analista faz ao grupo: falar o que viu de

semelhante e de diferente na foto de cada participante, construindo elementos para o acesso

ao campo da ambivalência, em um movimento de diferenciação, contrário à fusão objetal.

O jogo se dá de forma sutil: as falas giram em torno das imagens fotográficas e do que

pode ser visto e compartilhado sobre cada uma delas e não buscam fazer interpretações. Esta

experiência reedita a do espelho, na medida que o grupo, incluindo o analista, devolve ao

paciente as imagens de si por meio do que foi visto de semelhante e de diferente na foto.

Sobre a tarefa da análise, Winnicott (1971/1975, p. 161) define tratar-se de “um derivado

complexo do rosto que reflete o que há para ser visto” . No jogo especular com o grupo e com

as fotografias, pretende-se instalar um ambiente suficientemente bom para que cada paciente

descubra suas próprias imagens e o seu próprio eu, para que sejam capazes de existir e

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sentirem-se reais. “Sentir-se real é mais do que existir; é descobrir um modo de existir como

si mesmo, relacionar-se com os objetos como eles mesmos e ter um eu (self) ao qual pode se

retirar para o relaxamento” (WINNICOTT, 1971/2005, p.158, tradução nossa).

Winnicott (1971/1975, p. 125) deixa claro que só é possível reconhecer o objeto como

uma entidade outra quando o indivíduo é capaz de fazer “uso do objeto”. “Entre o

relacionamento e o uso existe a colocação, pelo sujeito, do objeto fora da área do seu controle

onipotente, isto é, a percepção, pelo sujeito, do objeto como um fenômeno externo, não como

entidade projetiva”. Para que isto ocorra, durante o processo de transicionalidade, o indivíduo

destrói o objeto e este precisa sobreviver, se fazer vivo, o que significa sustentar os ataques e

não os retaliar. É sobrevivendo que o objeto desenvolve sua própria autonomia e vida,

contribuindo para que o bebê o coloque fora da sua área de controle onipotente e, então, o

objeto pode fazer parte de uma realidade compartilhada.

É a partir deste jogo de destruição e sobrevivência do objeto que o indivíduo pode

começar a viver uma vida no mundo dos objetos. Por meio deste pressuposto Winnicottiano,

Roussillon (2006) destaca que a mais fundamental propriedade do meio maleável deve ser a

sua indestrutibilidade: o objeto deve poder ser atingido pelos impulsos agressivos destrutivos,

mas deve sobreviver aos ataques, ou seja, não retaliar. Isto não significa que o meio deve

funcionar como uma superfície dura, incapaz de ser afetado pelas investidas do indivíduo, ao

contrário, precisa ter uma natureza maleável e plástica que reage ao ser tocado, mas

permanece sensível, transformável, disponível e vivo.

Aqui se insere a maleabilidade da mediação com as fotografias, afinal, o que está em

questão não é a interpretação das projeções nas imagens, mas sim a dinâmica que a

brincadeira instaura, na qual o analista e o grupo podem continuamente transformar os

conteúdos das imagens. Além disso, a foto sobrevive aos ataques destrutivos dirigidos a ela e,

em seguida, pode sofrer metamorfoses de sentidos a partir das trocas em grupo.

A função mediadora que a fotografia realiza ocorre por meio de uma multiplicidade

de lugares de jogo. As fotos são objetos culturais comuns a todos e podem oferecer a

experiência de criação de sentidos, ao mobilizarem o imaginário do indivíduo e do grupo,

abrindo acesso a uma função de transicionalidade.

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Os grupos de mediação indicam um trabalho psíquico de ligadura, prévio a toda tomada de consciência simbolizante que possa ser autenticamente investida. [...] Construir a trama associativa não é um fim em si mesmo, mas estas experiências tendem a mobilizar o sujeito em direção a descoberta de suas competências lúdicas e criativas (VACHERET, 2000/2014, p. 263. Tradução nossa).

A partir do jogo com as fotografias, alguns pacientes rememoram situações

traumáticas vividas e podem dar sentido a estas experiências. No entanto, muitas vezes isto

não é possível, visto que o trauma sequer chegou a passar pela área da experiência. Nestes

casos, pensamos que o punctum da fotografia atravessa o corpo do paciente, podendo,

inclusive, provocar reações de mal-estar durante a sessão. Cabe ao analista, por meio do

envelope psíquico grupal (ANZIEU, 1993), garantir um ambiente seguro, sustentando a

experiência vivida e facilitando que o paciente tenha o seu olhar da fotografia legitimado,

mas que também este possa ser reinvestido por novas perspectivas. Isto é fazer passar pela

área da experiência (WINNICOTT, 1987/2017), ou seja, a espontaneidade pode advir e ser

sentida como própria, fruto da criatividade originária e do si-mesmo verdadeiro.

Esse tipo de trabalho terapêutico e suas condições especiais de setting, por meio da

criação de uma zona intermediária, visa oferecer um ambiente para que aquilo que não foi

experienciado possa o ser. Para tal, é necessário que o analista esteja pronto a “garantir o

ambiente”, favorecendo a “sinergia” que ocorre entre os processos psíquicos trazidos pelo

grupo e pelo objeto mediador (VACHERET, 2015, p.103). É neste sentido que, por mais

pertinente que o dispositivo das fotografias seja aos pacientes com distúrbios

psicossomáticos, ele não deve constituir uma prática isolada em si, deve ser o entorno e não o

centro: “o centro é o modo de presença do clínico, seu modo de intervenção, seu modo de

resposta à associatividade do sujeito, à disposição de espírito que o guia” (ROUSSILLON,

2012/2019, p. 241).

No campo do jogo com as fotografias, os movimentos simultâneos de criação e

sobrevivência do objeto mediador favorecem o trabalho psíquico e, pela via da experiência,

pode surgir um campo para a autoria do si-mesmo e do próprio corpo e, a partir daí,

simbolizações podem advir. A delicadeza deste trabalho está na possibilidade de tornar real o

caráter psicossomático da existência, para que a psique possa habitar o corpo, tornando-o sua

morada.

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Capítulo 3

LARA E O ENCONTRO COM AS TEMPERATURAS

A pele, de não roçar em outra pele, vai se rachando...

Os lábios, de não roçar em outros lábios, vão se secando...

Os olhos, de não olhar outros olhos, vão se fechando...

O corpo, de não sentir outro corpo perto, vai se esquecendo...

A alma, de não se entregar com toda a alma, vai morrendo...

“A pele”, Bertolt Brecht (1997, p. 38)

3.1 Um Panorama

Em “A pele”, Bertolt Brecht evoca o toque, o olhar, os lábios, a sensorialidade e o

encontro com o outro como matrizes vitais que sustentam a integralidade de um corpo. No

poema, a alma, sucumbida ao não encontrar outra pele, tem a morte anunciada, e esta imagem

nos faz remeter aos distúrbios psicossomáticos, marcados por vãos nos primeiros encontros

de pele, dos quais e com os quais o indivíduo defende-se, permanecendo longe da experiência

emocional, preso na ameaça que o trânsito entre o mundo interno e externo representam.

A importância da pele é destacada por Anzieu (1985/1989), que aponta uma origem

epidérmica do Eu, designando três funções orgânicas e imaginárias a ela: a primeira consiste

em uma espécie de bolsa que armazena o bom, o pleno, como a amamentação, o toque dos

cuidados e as palavras que os enredam. A segunda função marca o limite com o fora e

protege das invasões que o exterior pode oferecer. Já a terceira função da pele é associada à

boca, sendo um “meio primário de comunicação com os outros, de estabelecimento de

relações significantes; e, além disso, uma superfície de inscrição de traços deixados por tais

relações” (ANZIEU, 1985/1989, p. 62). Compreendendo que toda atividade psíquica se

estabelece através de uma função biológica, o autor desenvolve a ideia de um Eu-pele que,

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apoiado nas experiências da superfície do corpo, encontra representação de si mesmo como

Eu e cria a possibilidade do pensamento.

A pele aqui é tomada não apenas como o órgão corporal, mas como metáfora de um

lugar de proteção da individualidade e, ao mesmo tempo, instrumento de trocas com o mundo

externo. Nesse sentido, a clínica dos distúrbios psicossomáticos evidencia uma pele frágil,

que exige atenção à ordem sensorial e uma presença viva do analista. Por este motivo,

debruçar-me à escrita destas linhas requereu certo desnudamento, afinal estava em jogo a

presença expressiva da minha “pele” no encontro com as “peles” feridas dessa clínica. Assim,

o uso da primeira pessoa do singular é adotado no presente capítulo, a fim de analisar a

singularidade da minha experiência prática nos encontros de “peles” e na busca pela

construção de membranas mais seguras que permitam o transitar. Essa análise singular

permite adquirir conhecimentos e traçar procedimentos no trabalho com fotografias como

objeto de mediação na situação psicanalítica de grupo com pacientes cuja morada da psique

no soma é fragilizada.

Na situação psicanalítica de grupo que trago neste capítulo, a minha “pele” encontrou

a parceria da psicóloga e psicanalista Maria Lúcia da Silva, que também ofereceu a sua

“pele” ao grupo, ocupando o lugar de coordenadora ao meu lado. As nossas diferenças, com

tons particulares, ajudaram a constituir uma camada mestiça, que facilitou a sustentação das

demais “peles” dos pacientes do grupo. Além disso, a sintonia entre a dupla de analistas foi

fundamental na construção do envelope psíquico grupal. Este último conceito de Anzieu

(1993) é relacionado ao Eu-pele e discorre sobre a necessidade de, no aparelho psíquico, seja

individual ou grupal, constituir-se um envelope que o contenha, delimite, proteja e permita as

trocas com o exterior. Desta forma, o envelope psíquico grupal é um organizador que marca a

diferença entre o exterior e o interior, separando-os e instaurando câmbios.

O grupo como um invólucro, um corpo, é também uma idéia desenvolvida por Kaës

(1976/2017, p. 97), que traz a tentativa de “ser-corpo” como a base que organiza o grupo:

“fazer-corpo é dar uma forma à existência do corpo exposto à divisão, a fim de unificá-lo”.

Durante o curso de Aperfeiçoamento em Psicossomática Psicanalítica, ligado ao Programa de

Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), vinculado ao Departamento de Psiquiatria

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da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP), surgiu o desejo e a possibilidade de constituir

um grupo que se fizesse corpo e ele foi composto no início do ano de 2018.

O PAES acolhe pacientes cuja problemática da somatização é o elemento essencial do

seu quadro clínico, além daqueles com diversos diagnósticos de patologias concomitantes,

passando a “viver em função da sua doença, sem que isto fosse esperado pela gravidade dos

quadros admitidos para tratamento” (BOMBANA, 2015, p.65). Os pacientes são, em maioria,

de um nível socioeconômico baixo, com uma parcela significativa de migrantes de outros

estados brasileiros, sobretudo do Nordeste. Normalmente chegam por meio de

encaminhamentos dos outros serviços de saúde da UNIFESP e passam por uma triagem

realizada por profissionais do Programa atentos às singularidades de cada caso. O PAES

reconhece as necessidades diferenciadas para as modalidades de atendimento (individual ou

grupal) e vem se constituindo como uma referência no trabalho com grupos que utilizam

objetos mediadores, muito influenciado pelo trabalho da psicanalista Cristiane Abud, então

coordenadora do Programa, uma das pioneiras no uso da Fotolinguagem© no país.

Em 2018, o PAES enfrentava a mudança de prédio de atendimento, causando

desconforto à equipe, uma vez que a nova alocação não foi tratada com cuidado pela

instituição. Havia, por exemplo, a incerteza da garantia de salas de atendimentos para todos

os terapeutas e, sem dúvida, esta perda de lugar também foi sentida pelos pacientes. Com este

cenário e diante da necessidade de acolher os pacientes que já haviam sido triados por outros

colegas do Programa, eu e Maria Lúcia decidimos dar início ao grupo durante o período de

transição para o novo endereço.

Recém chegadas ao Programa, ainda estabelecíamos o nosso lugar e sentíamos a

mudança de prédio de forma mais orgânica. No entanto, decidimos esperar a alocação no

novo espaço, no qual o grupo pudesse se constituir fortalecido, com a garantia de uma sala

ampla e com mesas de apoio, para então passarmos a utilizar o recurso das fotografias como

mediação. Desta forma, as três primeiras sessões do grupo foram realizadas em salas

improvisadas e utilizamos este período como um lugar de acolhimento e apresentações.

Nem todos os pacientes dessa fase inicial continuaram, mas, após a estabilidade no

novo prédio, seis pacientes (cinco mulheres e um homem, com idades variadas – entre 27 e

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60 anos) passaram a compor o grupo. Com sessões semanais, com duração de 1 hora e quinze

minutos, e sem rotatividade de pacientes, estabeleceu-se um grupo fechado. Também faziam

parte do grupo duas estagiárias de psicologia da UNIFESP. Em revezamento semanal, uma

das estudantes ocupava a posição de observadora, transcrevendo a sessão, enquanto a outra

participava das trocas do grupo. Essa metodologia é uma prática comum e estabelecida na

instituição pública de saúde a qual o grupo pertence.

Os pacientes do PAES costumam estabelecer uma transferência forte com a

instituição. No entanto, em alguns casos, justificam o não comparecimento às sessões em

função de dificuldades financeiras para o transporte, quando são direcionados ao Serviço

Social. Também é comum faltarem às sessões em função de crises no corpo. O trabalho do

estabelecimento de um grupo com presenças frequentes demandou investimentos que

implicaram na necessidade de sobreviver às ausências. Para isso, foi preciso compreender que

as faltas não se resumiam à resistência à análise, mas diziam, sobretudo, do funcionamento

psíquico dos pacientes, assim como de uma realidade social. No manejo grupal, as cadeiras

de todos os integrantes são deixadas à postos, com isso, as faltas ficam marcadas e, de certo

modo, todos se fazem presentes, ainda que seja por suas ausências.

Já no novo prédio de atendimentos, em uma sala permanente e adequada, a partir da

quarta sessão do grupo, passamos a usar as fotografias como objeto de mediação. Este

recurso foi fundamental diante das inconstâncias iniciais atravessadas pelo grupo, pois as

fotos sobreviveram aos ataques destrutivos dirigidos a elas e funcionaram como um dos

aparatos que nos ajudou a sobreviver no lugar de analistas. Vacheret (2015) destaca que o

objeto de mediação, com sua materialidade e concretude, recebe e absorve tudo, favorecendo

que os pacientes do grupo percebam que podem depositar tudo nele, especialmente os seus

impulsos agressivos e destrutivos, sem sentir que correm o risco de destruir os analistas, o

grupo, os outros participantes ou a si mesmos.

Também encontramos suporte nos espaços de discussões clínicas realizadas ao final

de cada sessão, assim como nas supervisões com a equipe da instituição. Estas trocas entre as

analistas visavam restituir a dimensão complementar das vivências contratransferenciais que

cada uma sentia, uma vez que a presença das duas coordenadoras e das estagiárias difrata a

transferência central. Além disso, estava em jogo a percepção de que, na relação entre as

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analistas, existia um campo de transferências e contratransferências mútuas. Todas essas

dimensões das inter-relações são chamadas por Kaës (1982, Apud CASTANHO, 2018) de

intertransferência e inclui a contratransferência de cada analista na situação de grupo e sua

transferência sobre seus colegas, a equipe e a instituição (CASTANHO, 2018).

Além da intertransferência, vale retomar que, no contexto da situação psicanalítica de

grupo, precisam ser consideradas as transferências com os psicanalistas (transferência

central), com os outros participantes (transferências laterais), com o grupo (transferência

grupal) e com os objetos externos a ele (BÉJNARO, 1972, Apud BRUN, 2013a/2019). Já no

contexto de grupos com mediação, existe mais uma transferência, a com o objeto mediador

(CHOUVIER, 2002/2004, Apud CASTANHO, 2015). Todas essas dimensões são

consideradas, mas, para os propósitos da discussão clínica desenvolvida na seção seguinte,

busquei, sobretudo, destacar a transferência com as fotos como objetos de mediação.

Na minha experiência prática com o uso do objeto mediador das fotografias, baseada

no método da Fotolinguagem© descrito no capítulo anterior, a formulação da pergunta

mobilizadora da sessão representa um dos momentos mais complexos e delicados do manejo.

É necessário encontrar uma sintaxe, elegendo e agenciando as palavras, de forma que a

pergunta seja o disparador que ponha o grupo em marcha, para que, quando anunciada

durante o primeiro momento do jogo, ajude no despertar de “imagens internas, que vão

buscar um suporte, um corpo na eleição de uma foto” (GIULIANI; MOLHO, 2000/2014,

p.108, tradução nossa).

A formulação das perguntas mobilizadoras das sessões normalmente acontece durante

a discussão clínica, após o horário do grupo. Nesse espaço de elaboração, pensamos o grupo

em sua grupalidade e os pacientes em sua singularidade. No entanto, tal formulação prévia

funciona como um norteador e não como um determinante imutável, ou seja, o “aqui e agora”

da sessão pode exigir uma mudança da pergunta antes planejada. Esse tom intuitivo também

se manifesta na escolha das fotos a serem levadas às sessões, mas sempre buscamos

diversificar o repertório com imagens em preto e branco e coloridas, de cenários distintos,

que envolvam pessoas, grupos, famílias, natureza, animais, imagens abstratas, etc. No dossiê

Fotossíntese, brasileiro, ao todo são aproximadamente duzentas e cinquenta fotos e a

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quantidade a ser operada a cada sessão procura ser proporcional ao número de integrantes do

grupo, por volta de dez imagens por participante.

Estas linhas introdutórias buscam localizar o contexto em que se insere o caso clínico

apresentado adiante, a respeito de uma das pacientes deste grupo que constituímos, o qual

utiliza a fotografia como objeto de mediação. No entanto, antes do aprofundamento na

experiência clínica, faz-se necessário elucidar brevemente o embasamento teórico que

sustenta o grupo em questão.

Na situação psicanalítica de grupo é imprescindível considerar as forças do

inconsciente de cada indivíduo e também as transmissões inconscientes dos conjuntos

intersubjetivos, afinal o Eu é ao mesmo tempo singular e plural (KAËS, 2007/2011). Estas

proposições de Kaës trazem como consequência o apontamento de alguns lugares psíquicos

inacessíveis por meio do método psicanalítico clássico, pois não estão inseridos no campo

intrapsíquico e dificilmente podem ser encontrados na relação intersubjetiva com o analista.

Diante dos pares no grupo, surge um espaço psíquico comum e partilhado, que Kaës nomeia

de “aparelho psíquico grupal”, mas este não é uma extensão do aparelho psíquico individual:

possui uma lógica própria. Nas palavras do autor:

Os grupos internos tais como os fantasmas originários, os imagos, os complexos ou os sistemas de relações de objeto são, em graus diversos, sempre mobilizados na construção do aparelho psíquico grupal. Este funciona como apoio mútuo e recíproco nas formações grupais do psiquismo de cada um dos participantes. Não há só uma correlação de indivíduos, mas um grupo, com fenômenos específicos, quando se operou entre os indivíduos constituintes deste grupo uma construção psíquica comum, comportando um nível indiferenciado e um nível diferenciado de relações (KAËS, 1999/2003, p. 68).

Desta forma, o aparelho psíquico grupal estende a compreensão psicanalítica para três

realidades psíquicas, descritas por Kaës (2007/2011, p. 54) pelos níveis “do grupo; dos

vínculos entre os sujeitos que o compõem e aquele de cada sujeito considerado na sua

singularidade”. Partindo desse princípio, torna-se possível compreender o caso clínico de

uma das pacientes do grupo considerada em sua singularidade e, ao mesmo tempo, inserida

no conjunto grupal.

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A seguir apresento a discussão clínica, tomando como base recortes de sessões

ocorridas ao longo do primeiro ano do grupo, nas quais a paciente em questão esteve

presente. Lara , como aqui a chamarei, através dos elementos singulares e plurais, revela o 9

próprio grupo, mas também ajuda a fundamentar o uso do objeto de mediação das fotografias

na situação psicanalítica de grupo com pacientes cujo distúrbio psicossomático paralisa a

vida.

3.2 A trombose e as trombadas pela vida afora

Todos os pacientes já haviam entrado na sala, mas, ao longe, Lara ainda caminhava,

lentamente. Seus passos eram auxiliados por uma bengala e, ao seu lado, com olhar atento,

vinha sua companheira. No início eu ainda não sabia quem era a mulher que a acompanhava,

mas a destreza nos cuidados indicava tratar-se de um comportamento materno.

Apesar da bengala, sua voz baixa, de tom suave, assim como suas camisetas de temas

infantis, marcavam a presença de um corpo de criança. No entanto, Lara tinha 42 anos

quando passou a participar do grupo.

Na sua apresentação inicial, Lara logo trouxe a queixa de não encontrar explicação

médica suficiente para todos os seus sintomas. Contou que, por volta dos 33 anos, trabalhava

normalmente como cuidadora de idosos, quando passou a sentir dores no joelho. Foi afastada

por alguns dias, mas depois começou a ter fortes dores de cabeça. Em uma das idas ao pronto

socorro, foi diagnosticada com uma trombose do seio venoso. A partir de então, diversas

complicações surgiram, como fibromialgia, pressão alta e diabetes. Um ano após a trombose,

teve um AVC, adquirindo uma sequela motora do lado esquerdo. Ainda que usasse uma

bengala e apresentasse um andar mais vagaroso, a sequela narrada não foi encontrada por

mim ao olhar seu corpo. O que me chamava atenção era a disritmia entre o uso da bengala e

suas camisetas com personagens infantis, assim como a melodia doce de sua voz, seu tom

baixo e o uso do diminutivo ao falar.

9 Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), com as informações necessárias para o esclarecimento sobre o estudo, foi assinado e entregue a cada participante do grupo. Todos os cuidados com a privacidade e sigilo foram tomados, baseados na ética psicanalítica.

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“Estava tudo bem comigo, mas, do nada, tive a trombose e minha vida passou a ficar

parada”. Esta foi a fala inaugural de Lara ao se apresentar para o grupo. A paciente

alongou-se narrando os detalhes do episódio da trombose, citando os remédios que tomou, as

internações no hospital, as falas dos médicos. Contou sobre sua dificuldade em manter o

emprego, o que culminou na aposentadoria por invalidez. Parecia muito difícil para ela

acessar qualquer possibilidade de ligação entre os acontecimentos do corpo e sua história de

vida. Havia uma grande dificuldade de se aprofundar. Além disso, ao longo dos primeiros

seis meses do grupo, a frequência de Lara às sessões foi irregular, mas ela sempre atribuía a

ausência às dores ou ao período menstrual, cuja intensidade do sangramento a deixava com

sinais de fraqueza.

No período em que ainda não utilizávamos as fotos como objeto de mediação,

intervenções minhas ou da colega Maria Lúcia que buscassem trazer outros conteúdos

psíquicos diante da fala de Lara sobre a trombose, como o cometário “quanta pressão na sua

cabeça!”, eram simplesmente ignoradas por Lara; afinal, quando a linguagem do paciente não

tem valor simbólico, metáforas não são acessadas e, por isso, a interpretação do analista não

tem valor. Já o grupo parecia muito interessado na sua narrativa, estabelecendo

identificações, sobretudo no aspecto repentino do surgimento dos sintomas.

3.3 Um recorte das sessões

Depois deste breve enunciado sobre a paciente, a seguir, serão apresentados

fragmentos de algumas sessões, nos quais a problemática do caso pode ser aprofundada. Por

meio da minha leitura das transcrições das sessões e da minha memória flutuante, me

preocuparei em dividir com o leitor apenas parte da experiência vivida, pinçando alguns

trechos clínicos que mobilizam e põem a refletir as especificidades desta pesquisa.

3.3.1 O que é pertencer?

Na ocasião de uma das primeiras sessões utilizando o objeto de mediação das

fotografias, formulamos a pergunta “O que é pertencer?”. Com esta questão buscávamos

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cuidar do momento atual do grupo, que necessitava encontrar pertencimento como tal, assim

como no novo território da instituição. A dinâmica foi recebida pelos pacientes com

curiosidade e logo entraram no jogo.

Lara escolheu uma foto colorida de uma enorme cachoeira, apresentando-a ao grupo 10

da seguinte forma: “É como se eu pertencesse ao milagre da natureza”, e continuou contando

sobre o milagre de ter sobrevivido à trombose. O grupo foi estimulado a falar o que viu de

semelhante e de diferente, e alguém apontou sobre a força da água. A partir dessa observação,

outra paciente comentou: “Nossa, eu não teria coragem de ficar embaixo dessa queda

d’água”.

Naquele momento, o grupo já havia sido tomado pela intensidade que a imagem trazia

e o meu comentário buscou ratificar essa percepção: “Está tão forte que parece uma tromba

d’água”. Na sequência da minha fala, Lara disse: “É mesmo. Na verdade eu tenho medo de

água. Quando eu tinha oito anos de idade quase morri afogada. Minha mãe tentou me tirar

do mar, mas foram os bombeiros quem me salvaram”.

Diferentemente da intervenção utilizada quando as fotos ainda não eram um recurso

do grupo, desta vez, através do jogo, foi possível tocar de modo tangencial na intensidade que

a trombose parecia denunciar. Estou me referindo ao comentário: “Quanta pressão na sua

cabeça!”, que, com tom interpretativo, buscava furar algo no discurso de Lara; entretanto, na

sessão “O que é pertencer?”, as falas estavam dirigidas à fotografia. Por meio das

observações de outros pacientes, houve a possibilidade de trazer à tona a força da água

disforme e, só então, Lara acessou um difícil conteúdo da história infantil. A partir desse

momento, podemos supor que algo da experiência emocional começou a ser vivido.

A minha alusão a respeito da semelhança da foto com uma tromba d’água, surgida na

associação grupal, dando sequência ao comentário espantoso da outra paciente, pretendia

tentar romper com o tom milagroso, idealizado, no qual o discurso de Lara se fixava.

Todavia, só a partir do espaço de discussão clínica, a posteriori, me dei conta que toquei no

trombo de sangue por meio da tromba d’água. Essa sessão parecia indicar a violência dos

trombos que constituíram seu psiquismo e, a partir de então, contratansferencialmente, fui

10 Ver foto 1 nos anexos, página 84.

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tomada pela imagem da paciente debaixo de uma violenta cachoeira, em um ambiente

perigoso, cuja força da água é maior do que se pode suportar ou conter.

Naquele momento, me dei conta da delicadeza do trabalho que precisaria desenvolver,

afinal a fotografia do jorro da cachoeira parecia falar da falta de pertencimento de Lara ao

próprio corpo. O jorrar da sua emocionalidade e destrutividade, típicos do processo primário,

não encontraram a continência que possibilita o pertencimento ao corpo-natureza-selvagem

sem ser morta ou afogada por esse jorro.

Após esta sessão, Lara faltou às duas seguintes, mas, antes do horário do grupo,

avisou sobre a ausência, justificando sentir fortes cólicas do período menstrual.

3.3.2 O que é recomeçar?

Assim como Lara, outras três pacientes haviam faltado às sessões anteriores em

função das queixas no corpo, mas avisaram que estariam presentes neste encontro. Desta

forma, em discussão prévia, pensamos que caberia a pergunta “O que é recomeçar?”, afinal,

com os últimos desfalques, percebemos que o grupo necessitava recomeçar sua vinculação.

Quando todos se sentaram, Lara começou justificando sua ausência e contou sobre as

dificuldades durante o período menstrual. Além das dores, dizia sentir muita irritação,

ficando incomodada por qualquer tipo de barulho, como latido de cachorro ou choro de

criança. Envolvida com o tema lançado, uma outra paciente falou sobre a menstruação da

filha, que teve a menarca aos 9 anos. Então, Lara lembrou que menstruou aos 10 anos de

idade e achou que “estava acontecendo alguma ferida” no seu corpo, mas especificou que só

a partir dos 13 anos passou a sentir cólicas.

Após essa conversa inicial, convidamos o grupo a iniciar a brincadeira com as fotos e

a pergunta “O que é recomeçar?” foi lançada. Lara escolheu uma foto colorida de uma 11

mulher negra alisando o cabelo de uma menina, também negra. Ao apresentar a fotografia ao

11 Ver foto 2 nos anexos, página 85.

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grupo, disse: “Essa foto me lembra a minha mãe, quando eu era pequena. Depois da morte

dela, está sendo difícil recomeçar. Eu sempre fui muito apegada a ela. Sinto muita falta”.

Em seguida, o grupo entrou no jogo e uma das pacientes falou o que percebeu: “A

garota está contente, sorrindo, mas a mãe está assim… Querendo chorar”. Lara, que

segurava a foto para que o grupo tivesse visibilidade, voltou a imagem para si na tentativa de

observar melhor. Nesse momento, uma outra participante disse: “A mãe está com cara de

preocupada”. A fim de enfatizar o desencontro entre mãe e filha percebido pelo grupo na

imagem, falei: “Já a garota parece que não faz ideia do que se passa com a mãe”. Depois de

certo silêncio, Lara voltou a falar sobre a falta que sentia da mãe, falecida há 3 anos e meio.

O grupo sinaliza a existência de uma mãe que parece estar triste, preocupada, e de

uma filha que não entende o que acontece. Tratou-se de uma sessão cujo aspecto da mãe

envolta em um funcionamento diferente ao da filha foi apresentado. Apesar de terem surgido

falas que apontavam certo desencontro entre mãe e filha, Lara permanecia fixada na simbiose

idealizada. Todavia, o movimento atravessado pela imagem indicou que o trabalho com o

grupo poderia abrir algum caminho subjetivo na paciente.

A pluralidade de imaginários oferecidos pelo grupo ajuda na construção de uma

narrativa histórica que, aos poucos, pode vir a ser apropriada por Lara. Com a narratividade

ganhada através da foto, surgiu a imagem de uma mãe triste, que parecia estar em um ritmo

diferente ao da filha. Essa imagem se opõe à mãe idealizada e introjetada, possivelmente

criada como defesa à mãe insuficientemente boa. No entanto, essa idealização foi necessária

para a sobrevivência de Lara e não poderia ser destruída de modo descuidado. Por meio da

mediação com as fotos e do método utilizado, sem uso de interpretações, Lara poderá romper

com tal colagem, no tempo propício.

3.3.3 O que é esquecer?

Ao final da última sessão, em função das demandas institucionais, não tivemos o

tempo necessário de discussão clínica, mas havíamos percebido que o grupo vinha trazendo

elementos de um encapsulamento, narrando uma vida que gira em torno dos sintomas e

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fechada a novos investimentos afetivos. Dessa forma, elaboramos a pergunta “O que é abrir?”

para conduzir o encontro.

Assim que todos entraram na sala, uma das pacientes contou que havia acabado de

receber a notícia do falecimento de um tio. Estava triste, pois apesar de não ter muita

proximidade com ele, tal fato a fez lembrar do dia da morte de sua mãe. Emocionada, Lara

disse que também se remetia ao dia da morte da mãe: “Parece que foi ontem. Não tem como

esquecer”.

O grupo demandava falar sobre o luto e, naquele instante, senti que a pergunta

previamente formulada para a sessão, “O que é abrir?”, poderia não ser a melhor escolha,

afinal os pacientes indicavam a necessidade de tocar primeiramente naquilo que precisava ser

fechado. Talvez coubesse reformular a pergunta, acrescentando o tema do fechamento, como

por exemplo, propondo a questão: “O que é fechar e o que é abrir?”. Entretanto, estas

conjecturas só foram elaboradas por mim no momento da escrita do caso e, durante a sessão,

fui tomada pela necessidade de ser rápida e de ouvir a minha sensibilidade clínica,

oferecendo espaço para que o tema da perda fosse trazido.

Entendendo que o acontecer clínico é constantemente atravessado por rupturas, um

enrijecimento do analista diante dos conteúdos psíquicos pode obstruir o surgimento do gesto

espontâneo dos pacientes. Considerando essa premissa, somada à sintonia existente entre a

dupla de analistas do grupo, tive a liberdade de modificar a pergunta durante a sessão, mesmo

sem discutir a decisão com Maria Lúcia. Essa autonomia no manejo clínico foi um dos

aspectos facilitadores para a sustentação que oferecemos uma a outra e também aos pacientes.

Diante disso, interpelada pela fala “Não tem como esquecer”, dita por Lara, indicando

ser a porta-voz do grupo, propus a questão “O que é esquecer?” para mobilizar a sessão. Ao

sustentar esta mudança, havia a aposta de que o grupo poderia encontrar brechas para

trabalhar o inesquecível, aquilo que permanece intenso e vivo no psicossoma.

Lara foi a primeira a falar e apresentou uma fotografia colorida de uma espécie de 12

procissão religiosa no Pelourinho, Salvador. Disse: “Essa foto me faz lembrar as doutrinas,

que ao invés de ajudarem, te prejudicam. Me faz lembrar coisas que já passei. Quando eu

12 Ver foto 3 nos anexos, página 86.

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tinha uns dez ou doze anos, quase me internaram em uma clínica de doidos. Achavam que eu

estava louca, mas eu não estava. Na doutrina eu só piorei, mas tive forças para sair, graças

a Deus”.

Essa fala de Lara me provocou um grande desejo de investigar os detalhes do que

brevemente foi apontado. De quais doutrinas ela falava? Como foi prejudicada? O que isso

significava? Quem quis interná-la em uma clínica psiquiátrica? Por qual motivo? O que se

passava na sua vida nessa época? Estes e outros questionamentos ficaram em aberto nesta

sessão. A aposta no instrumento de mediação e no grupo precisava ser feita e não caberia a

pressa de uma investigação acumuladora de dados clínicos. Foi necessário voltar à

brincadeira e o olhar à imagem, estimulando o grupo a falar o que viu de semelhante e de

diferente naquela fotografia a partir da fala de Lara.

Entretanto, um silêncio se instaurou. Uma das pacientes comentou: “Eu estou ruim

para falar hoje, só sei que tem dias que você está tranquila e, do nada, vem alguma coisa que

te faz lembrar momentos ruins, um peso tão grande”. A terapeuta Lúcia falou em seguida:

“Por que será que tem tanta coisa que a gente não esquece, assim como nesta foto, com

tantas pessoas que povoam este lugar?”. Na tentativa de mergulhar na fotografia falei: “Este

lugar lembra o Pelourinho. Na foto, as pessoas parecem ser do nosso tempo, mas os prédios

são muito antigos. Alguns estão cuidados, pintados, outros estão abandonados, mas nada foi

derrubado. Fico pensando como estas pessoas convivem com as histórias destes prédios”.

Depois dessa pontuação, Lara colocou: “Isso que você disse parece a minha vida, tem lugares

descuidados, como uma ruína por dentro”.

A partir da última fala de Lara, podemos fazer alusão ao falso self protetor, que

disfarça a ruína interna. Através da sua metáfora da foto, por meio da linguagem, Lara

pareceu olhar para um dos seus aspectos genuínos, indicando algum movimento de

simbolização.

Aquela parecia uma sessão difícil, enigmática, e minha fala tentou resgatar o peso que

algumas ruínas podem deixar como marcas. Lara escolheu uma foto com enquadramento de

grande amplitude, retratando um evento religioso no centro histórico de Salvador, Pelourinho.

Curioso observar que, nesse território, negros escravizados foram expostos e violentados

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quando ousavam lutar pela liberdade. Todas essas percepções me vieram a posteriori e, no

momento da sessão, eu e todo o grupo parecíamos tomados por um silenciamento. Todavia, o

episódio de enlouquecimento que Lara anunciou ter vivido pôde ser falado a partir daquela

imagem, que trazia elementos de um coletivo marcado por enlaces transgeracionais.

Demos prosseguimento ao encontro e os demais participantes passaram a falar sobre

suas fotos escolhidas. A última paciente a apresentar trouxe uma fotografia em preto e 13

branco de uma mulher atrás de uma tela gradeada e disse: “Esta moça está muito pensativa,

acho que ela está encurralada, presa numa grade e muito pensativa, não sabe o que fazer”.

Os pacientes também apontaram a percepção de ver uma mulher atrás das grades e Lara

falou: “Ela está presa nos pensamentos que não esquece”. Em seguida, começou a passar

mal, sentindo tontura, falta de ar e enjoo. Logo os outros pacientes manifestaram

preocupação, instalando-se uma conversa sobre medicações e doenças que poderiam estar

relacionadas aos sintomas.

Naquele instante, por meio da manifestação concreta do processo psicossomático de

Lara, todo o grupo atuou sua dificuldade de realizar um movimento simbólico que pudesse

relacionar a tontura, a falta de ar ou o enjoo ao conteúdo psíquico ligado a estar preso.

Possivelmente qualquer interpretação que buscasse trazer esse apontamento seria refutada

com justificativas médicas. Então, após oferecermos um copo de água a Lara, tentei trazer o

grupo de volta à fotografia em questão e falei: “Estar preso deve ser muito sufocante, mas

não sei se esta mulher realmente está. Não dá para saber se ela está do lado de dentro ou do

lado de fora da grade; ou talvez ela esteja justamente entre os dois lados”. Com esta fala, os

pacientes passaram a observar que, na foto, as grades não indicam necessariamente a prisão e,

em seguida, a sessão foi encerrada. O meu comentário sobre a foto foi movido pela

preocupação de dar ao grupo uma outra visão, menos angustiante sobre a imagem, para que

assim o encontro fosse finalizado de forma mais segura.

No término da sessão, ficamos com a impressão de que a pergunta “O que é

esquecer?” talvez tivesse sido intensa para aquele momento. Todavia, a partir dela, foi

possível acessar conteúdos primitivos, ainda não traduzidos em palavras ou em uma clara

narrativa histórica. O meu último apontamento sobre a foto de uma das pacientes também

13 Ver foto 4 nos anexos, página 87.

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destacava o lugar de trânsito, o entre, que possibilita uma condição de movimento, distinta do

aprisionamento. Houve a aposta de que esta sessão abrisse caminho para futuras costuras.

3.3.4 O que é cortar e o que é costurar?

Percebemos que temas cortantes foram tocados na última sessão e uma construção

precisava ser traçada a partir de então. Dessa forma, após discussão prévia entre a dupla de

analistas, formulamos a pergunta “O que é cortar e o que é costurar?” para conduzir o

encontro.

Lara escolheu uma foto em preto e branco dos pés de um bebê sendo segurados por 14

duas mãos: “Essa foto me lembra meu pai, que me segurava assim. Era uma época boa, mas

o laço foi cortado quando eu tinha uns 7 anos. Meu pai e minha mãe foram muito bons,

nunca me bateram. Tenho saudade de ser pequenininha. Caminhar com as próprias pernas é

isto: ter que cortar o laço”.

Em seguida, pela associação livre grupal, outra paciente falou que, diferente dos seus

irmãos, foi a única filha em quem os pais não bateram, pois “desde criança já vivia doente”.

O tema da agressão de pais aos filhos invadiu o grupo e mais uma das participantes contou

sobre os episódios recorrentes de violência provocados pelo seu pai, narrando que, ainda

pequena, chegou a fugir de casa para os matagais da redondeza. O pai, ao procurá-la, dava

“tiros ao vento” e um deles atingiu a bananeira onde ela se escondia. Naquele instante, esta

paciente parecia ser a porta-voz da violência que constitui os demais indivíduos do grupo.

O aspecto da violência só foi despertado no grupo a partir da foto escolhida por Lara,

que, apesar da aparente doçura, trazia o corte do laço afetivo. Na tentativa de ajudá-los a

costurar os conteúdos psíquicos que foram lançados, busquei fazer uma intervenção ao que

estava sendo dito por meio da seguinte pontuação sobre a foto em questão: “As mãos deste

adulto seguram apenas os pés do bebê, tão pequenino. Parece que faltou segurar o restante

do corpo para que o neném estivesse realmente protegido”. De forma sutil, eu pretendia

ligar a violência à ausência de um ambiente de sustentação seguro.

14 Ver foto 5 nos anexos, página 88.

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A partir de então, Lara contou que, quando criança, também foi criada por um casal

de vizinhos, por quem nutre muito carinho. A sua mãe viajava bastante e sempre a deixava

sob os cuidados do casal amigo. Lara é a única filha da mãe e tem irmãos por parte do pai,

mas nunca os conheceu. O pouco contato que teve com o pai se deu até os 7 anos, depois ele

desapareceu inesperadamente. Nunca soube o motivo do sumiço, mas desconfia que seja

devido ao fato de sua mãe, uma mulher negra, não ser aceita na família paterna. Contou que,

aos 18 anos, decidiu procurar o pai, mas logo após o breve reencontro, ele faleceu em um

trágico acidente na linha do trem. A violência destas experiências vividas parecia ganhar

lugar a partir desta sessão.

Em sua fala inicial, Lara menciona uma saudade de ser pequenina. Seria este um

desejo de ter a oportunidade de confiar em um colo seguro? Ou seja, um colo indestrutível,

porém sensível, transformável, disponível e vivo – conforme as propriedades do meio

maleável descritas por Roussillon. Ora, essa saudade parece apontar uma contradição e uma

denegação na sua afirmativa de ter tido pais muito bons: “nunca me bateram”. Foi a partir

dos deslocamentos psíquicos provocados pelo grupo que a paciente acessou a violência dos

constantes cortes de laços afetivos, denunciando a fragilidade do seu ambiente de

sustentação. Contudo, ao tocar nesses temas por meio do objeto de mediação e da proteção do

setting terapêutico, Lara pôde costurar a sua experiência.

3.3.5 O que é estar presente e o que é estar ausente?

Para a formulação da pergunta desta sessão, nos baseamos na inconstante frequência

de alguns pacientes, que costumam trazer como justificativa das faltas as idas aos médicos e

as indisposições corporais. Além disso, na semana anterior, notamos que o tema lançado por

Lara sobre a incerteza dos laços afetivos familiares, ora presentes, ora ausentes, atravessava

todo o grupo. De forma mais abrangente, a pergunta também pretendia acessar o núcleo

comum dos pacientes, cuja problemática denuncia a ausência de integração psicossomática.

Ou seja, tangencialmente estávamos falando sobre um corpo ao mesmo tempo presente e

ausente, assim como do acesso ao simbólico – quando na ausência é possível tocar no que

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está presente e vice-versa. Portanto, a pergunta elaborada para a sessão foi: “O que é estar

presente e o que é estar ausente?”.

Lara escolheu uma foto colorida de uma mulher negra , com expressão séria, rodeada 15

por crianças. Apresentou ao grupo da seguinte forma: “Esta foto me faz lembrar a minha mãe

e os meus primos. Eu penso nela porque sinto sua falta, mas mentalmente sinto a presença

dela. Estou tentando superar, mas não está fácil. Preciso lembrar que ela só morreu neste

plano. Tanta coisa está ausente e queríamos que estivesse presente”.

O grupo foi estimulado a trazer o que viu de semelhante e diferente na foto a partir da

fala de Lara. Uma das pacientes disse: “A gente vê uma família bonita, mas depois de um

tempo isto fica só na lembrança”. Em seguida, o único paciente homem do grupo, por meio

dos efeitos da transferência lateral e grupal, trouxe um apontamento importante: “Parece uma

família. Uma família completa. Só falta o homem”.

A fala marcada pelo paciente, a respeito da ausência masculina na foto escolhida por

Lara, foi fundamental e deu legitimidade ao que foi trazido sobre a história do seu pai na

sessão anterior. Na tentativa de trazer mais peso para esta percepção, falei: “Realmente, falta

o pai. Mas, quase não há espaço vazio na foto. [...] E também me parece que o olhar desta

mulher está tão distante, ausente”. A minha pontuação sobre não sobrar espaços na foto

pretendia trazer à tona a mãe onipresente, que, mesmo tendo falecido há 3 anos, continuava

habitando de forma intensa o investimento afetivo de Lara.

Já o meu apontamento sobre o olhar distante da mulher da foto buscava questionar a

qualidade da presença que esta apresentava diante das crianças. Nesse ponto, a terapeuta

Lúcia comentou: “Mas com tantas crianças para cuidar, tanto peso, talvez ela precise mesmo

se ausentar”. Esta intervenção, realizada através do jogo, tentava dar lugar à mãe, que pelos

atravessamentos da vida não pôde estar presente da forma que Lara necessitava.

Lara estava atenta a todas as falas e concordou com o que foi cuidadosamente trazido,

porém não fez outros comentários. Ali, mais uma vez depositamos a aposta de que, a partir

15 Ver foto 6 nos anexos, página 89.

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dos deslocamentos atravessados pela foto, aos poucos, a paciente também poderia encontrar

caminhos para as próprias travessias subjetivas.

No decorrer do encontro, destacou-se também a foto escolhida por outra 16

participante, na qual se ressalta um palito de fósforo e sua enorme chama amarela sobre um

fundo preto. Esta paciente apresentou a foto dizendo: “Na verdade estar presente e ausente é

isto, acontece ao mesmo tempo. Eu fico ausente quando uma coisa não me agrada. Mas,

mesmo ausente, tem uma luz que me chama de volta”. Nessa hora, Lara comentou: “É a

chama da vida”. Uma das participantes concordou e completou: “Isso mesmo, até na

escuridão tem luz”.

A partir do que foi falado, fiz o meu comentário a respeito da foto: “Vejo um palito de

fósforo, mas com uma chama muito alta. O que se destaca para mim na foto é o fogo”. Esta

pontuação pretendia trazer uma oposição diante dos conteúdos levantados pelas pacientes,

destacando o perigo de combustão causado pela condição de se estar ausente do próprio

corpo. O grupo, que até então não havia falado sobre o fogo, passou a brincar com o tema.

Um dos pacientes disse: “Tem que chamar os bombeiros”. Ora, não seriam os médicos que

muitas vezes entram neste lugar, tentando apagar chamas de focos desconhecidos?

Ainda a respeito da foto anterior, Lara fez o seguinte comentário: “Minha avó dizia

que onde há fumaça há fogo”. Todavia, o grupo não deu seguimento à temática do fogo ou do

que pode queimar subjetivamente e a sessão foi encerrada com a fala de Lara.

3.3.6 O que é aquecer e o que é esfriar?

Ao final da sessão anterior, ficamos tomadas pelo paradoxo do pequeno palito de

fósforo e da sua chama alta. Sentimos que o grupo apresentava certa resistência de entrar em

conteúdos difíceis, com falas que não se aprofundavam, protegidas em clichês, “frias”. Na

tentativa de preparar o espaço para uma maior aproximação à intensidade de temas “quentes”,

para conduzir o encontro, previamente formulamos a pergunta: “O que é aquecer e o que é

esfriar?”.

16 Ver foto 7 nos anexos, página 90.

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Assim que lançamos a questão, Lara repetiu várias vezes em voz alta: “O que é

aquecer e o que é esfriar?”. Em seguida, começou a passar mal, sentindo tontura e falta de ar.

Disse que precisava sair da sala, solicitando que chamássemos sua companheira.

Acompanhei Lara ao corredor enquanto esperávamos por sua parceira, que logo

chegou com olhar assustado, demonstrando muita preocupação. Sugeri que Lara tomasse

água, respirasse um ar fresco e esperasse um pouco para voltar ao grupo, mas minha fala não

foi suficiente e ela insistiu ao dizer que não estava bem, precisando ir para casa. Nessa hora, a

companheira falou: “Melhor mesmo irmos para casa! Lá dou um banhinho nela e coloco

suas perninhas pra cima”. Dessa forma, Lara foi embora, não participou da sessão e faltou às

duas seguintes, justificando que ainda estava muito instável, sentindo tonturas e sem

condições de sair de casa. Neste período, também entrou em contato para avisar que os

médicos fizeram exames e nada foi encontrado.

Este episódio mobilizou todos do grupo, mas conseguimos dar continuidade à sessão.

Uma das pacientes, a partir da fotografia de uma idosa cozinhando em um fogão à lenha, 17

remeteu-se à infância, quando sua avó, sempre que a via chorando, a tomava nos braços,

balançando-a fortemente na tentativa de acalmá-la. Hoje sempre que tem dores no corpo se

balança, pois sente que fica aquecida, associando à época em que sua avó fazia tais

movimentos.

O relato da paciente nos fez pensar sobre a sustentação ambiental que não oferece

espaço para que a relação entre a psique e o soma se constitua fortalecida, integrada. A

paciente parecia falar sobre um colo que a acolheu de modo a não nomear o sentido do seu

pranto, mas que conseguia fazê-la parar de chorar através da sensação corporal do

aquecimento. O choro sinaliza uma experiência excitada, que precisa ser elaborada para que a

constituição e união entre soma e psique ocorram. Todavia, se tratando de um ego ainda sem

bordas consistentes, as excitações do id podem ser traumáticas se o bebê não encontra um

ambiente suficientemente bom, que o ajude a incorporar tais experiências por meio da

elaboração imaginativa das funções corporais (WINNICOTT, 1960/1983).

17 Ver foto 8 nos anexos, página 91.

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A partir dessas impressões sobre o desenvolvimento da sessão, sobretudo com o

episódio trazido pela última paciente, passamos a dar maior sentido ao que ocorreu no início

do grupo com Lara.

A pergunta sugerida – “O que é aquecer e o que é esfriar?” – trouxe elementos

abstratos e sensoriais que, naquele momento, foram intensos e disruptivos para Lara. Teria

aquecido ou esfriado demasiadamente, a ponto de instaurar um colapso corporal que indica

sua grande dificuldade simbólica? A paciente, por meio de uma linguagem do ato e do corpo,

pareceu atualizar uma experiência subjetiva primitiva, da ordem das agonias impensáveis

(WINNICOTT, 1963/2005), que nunca foram integradas pelo Eu. No entanto, durante a

sessão, por meio dos vínculos transferenciais e contratransferenciais, não conseguimos

oferecer espaço para que tais experiências fossem apropriadas e encontrassem uma

linguagem verbal que lhes desse sentido. Naquele instante, Lara estava regredida a um

estágio de dependência e precisava de colo. Aceitar que a companheira a levasse para casa,

ligar para Lara procurando saber notícias e transmitir a ela a preocupação do grupo foram

maneiras que encontramos de oferecer os braços que ela necessitava.

A forma de cuidado que pudemos oferecer à Lara naquela ocasião, permitiu que,

meses depois, em um dia frio, ela revelasse ao grupo ter nascido com hipotermia: “Minha

mãe falava que eu era uma bebê muito magra, pura pelanca. Eu chorava muito, ficava roxa,

mas não era de dor, era de frio mesmo. Mas ela demorou pra perceber e só descobriu no

médico. Hoje eu preciso ligar o aquecedor em casa, caso contrário começa a me dar

tremedeira e eu entro em choque”. Sua fala nos mostrou uma função materna dissociada, não

conectada às necessidades básicas do bebê. Podemos imaginar que, diante de um ambiente de

sustentação falha, Lara teve o seu processo de elaboração imaginativa das funções corporais

prejudicado, dificultando a atribuição de um sentido psíquico às suas sensações corporais.

Desta forma, a intensidade sensorial acessada por meio da pergunta “O que é aquecer e o que

é esfriar?” tocou em algo da ordem do excesso e se tornou ameaçadora.

Foi ao longo do processo terapêutico de Lara que entendemos o quanto a sessão sobre

aquecer e esfriar foi feroz para ela. A sensorialidade despertada nos mostrou que estávamos

diante de um acontecimento de cunho traumático, que permanecia sem sentido psíquico

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evocável, aspecto tratado por Naffah Neto (2014), ao afirmar que o falso self protetor, por

meio de cisões, impede que tais traumatismos:

[...] adquiram estatuto psíquico, bloqueando a sua experiência e consequente elaboração imaginativa (permanecendo esses acontecimentos numa condição de puras marcas corporais desprovidas de sentido). Além disso, se o acontecimento ocorre num período em que a criança ainda não é capaz de dar forma a ele via pensamento, ele permanece num estado não configurável, não representável. Assim, somente pode vir a adquirir uma configuração e um sentido psíquico na relação transferencial com o analista (NAFFAH NETO, 2014, p. 88).

Ao longo do processo terapêutico e por meio das múltiplas transferências em jogo,

vêm sendo possível oferecer um ambiente mais seguro, no qual Lara pode tocar de forma

protegida nos “trombos” violentos que acompanham a sua história, possibilitando o

surgimento de novas experiências.

Outra dimensão despertada na sessão “O que é aquecer e o que é esfriar?”, que só nos

fez sentido posteriormente, diz respeito à relação estabelecida entre Lara e a companheira.

Até aquele momento, não era claro para nós qual o papel dela, pois Lara havia dito apenas

que moravam juntas desde o falecimento de sua mãe. No entanto, semanas depois desta

sessão, quando a instituição demandou uma atualização de cadastros, a paciente revelou que

são casadas oficialmente. Falou com tranquilidade, mas justificou que a união se deu por

conta de alguns benefícios legais adquiridos com a certidão de casamento. Não entrou em

maiores detalhes, mas a forma como se referiu à companheira nos deu a impressão de que se

tratava menos de uma verdadeira apropriação do laço homoafetivo e mais de uma relação

fusional entre mãe e filha. Isso faz sentido ao lembrarmos que a mãe interna de Lara, naquele

momento, permanecia muito idealizada e introjetada, ocupando o lugar central de objeto de

amor, sem abrir espaço para que outros objetos a substituíssem.

Esse dado clínico sobre a relação de Lara com a companheira pode ser pensado a

partir do que Naffah Neto (2014) chama de “sexualidade falsa”, descrevendo um tipo de

sexualidade pertencente ao falso self patológico, que se forma de “fora para dentro”, por

imposições e invasões ambientais. Esta noção do autor parte de Winnicott, que entende a

sexualidade como verdadeira somente quando constituída de “dentro para fora”, por meio da

própria experiência do bebê. Em indivíduos cujo self verdadeiro é isolado e o contato

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ambiental se dá através do falso self patológico, o resultado acaba sendo o de uma

experiência emocional cessada. Nas palavras do autor:

Ora, a experiência cessando, não se pode formar nenhuma sexualidade verdadeira, já que cessa também a elaboração imaginativa das funções corporais, capaz de produzir, gradativamente, a transformação de impulsos de cunho biológico em experiências pessoais. No entanto, pode formar-se outro tipo de “sexualidade”, a partir da mimetização de traços ambientais pelo falso self, criando um padrão falso, com finalidades mais primárias do que a busca de prazer (NAFFAH NETO, 2014, p. 91).

A forma como a parceira de Lara respondeu à formação dos sintomas, que expressam

claramente a desordem psicossomática da paciente, indica tratar-se de uma união alimentada

para suprir a necessidade primária desta, de holding e handling (sustentação e manuseio). Por

isso, Lara precisou de uma companheira que oferece seu corpo e sua pele nos momentos em

que regride à estágios de dependência, como ocorrido naquela ocasião. Sem dúvida, as

formações de sintomas de Lara também devem ocupar um lugar de necessidade no psiquismo

de sua companheira. O peso dessa relação só foi elaborado por mim durante a escrita do caso

e, a partir disso, entendo ser importante oferecer um outro espaço terapêutico à parceira de

Lara. Penso que este trabalho deve ser realizado por colegas da instituição, que possam estar

atentos à sua possível necessidade de forçar regressões em Lara, quando, por exemplo, a

infantiliza.

Por meio do que observamos nesta sessão, passamos a imprimir um cuidado ainda

maior nas escolhas das perguntas, estando atentas ao que o grupo consegue suportar, a fim de

oferecer um ambiente seguro e com uma “temperatura” suficientemente boa, nem

demasiadamente quente, nem absolutamente fria. Todavia, embora Lara não tenha

conseguido permanecer na sessão, esta parece ter sido essencial para ela e para o grupo.

Naquele momento, mesmo sem ter alcançado um sentido psíquico para sua linguagem do ato

e do corpo, Lara viveu algo da ordem da experiência dentro do espaço transferencial do

grupo, que ofereceu um outro olhar ao vivido, possibilitando ressonâncias na continuidade do

processo.

A seguir, darei um salto para uma importante sessão ocorrida meses depois desta

última e que se mostrou fundamental ao processo clínico de Lara.

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3.3.7 O que é o novo?

Uma semana antes da sessão narrada a seguir, havíamos acolhido uma nova paciente

no grupo e, como uma maneira de recebê-la bem, todos elegeram uma foto para se apresentar.

Na ocasião, os contratos também foram retomados, a fim de marcar o enquadre grupal.

Diante desta nova configuração, para conduzir a sessão seguinte, formulamos previamente a

pergunta “O que é o novo?”. Além de abrir espaço para a chegada da nova participante, ao

introduzir este tema, também pretendíamos, de forma implícita, falar sobre o arcaico, o

repetitivo, que muitas vezes aparece cristalizado, impedindo novos movimentos.

Lara escolheu uma foto em preto e branco de uma menina com um bicho preguiça 18

abraçado nas costas e apresentou ao grupo da seguinte forma: “Escolhi esta foto, quase

peguei outra, mas acabei com esta. Tem um bicho preguiça e eu fiquei pensando na preguiça

de começar uma coisa nova. A criança está levando a preguiça, carregando. É como

naqueles dias iguais aos de hoje, quando chove bastante. Tem dias que a gente não quer

nada novo, mas precisa fazer”.

Na sequência da fala de Lara, uma das estagiárias comentou: “Pra mim, parece que a

menina está em um barco, remando, e a preguiça está pegando carona com ela. Tenho a

impressão de que estão em harmonia, como se depois a menina fosse deixar a preguiça na

árvore e seguir o caminho dela”. O deslocamento apontado pela estagiária me pareceu

fundamental, e dei sequência falando: “Verdade! No canto da fotografia, dá para perceber

que a menina segura em um remo. Eu vejo um movimento nesta foto”.

A partir deste momento, Lara comentou: “Antes eu não tinha pensado nisso, mas

agora vejo que eu tenho um pouco de medo desse novo, ele me assusta. Por exemplo, minha

tia está muito doente e eu não sei se consigo ir visitá-la. Me faz mal vê-la assim, pois lembro

da minha mãe”.

Após certo silêncio, seguindo o jogo, a nova paciente do grupo falou sobre a foto em

questão: “O bicho preguiça e a menina parecem ter muita intimidade, agarrados num só”.

18 Ver foto 9 nos anexos, página 92.

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De modo dinâmico, outro paciente comentou: “Eu acho que essa menina está ajudando o

animal, dando um apoio para ele. E o bicho preguiça está protegendo as costas da menina”.

Interessante perceber a primeira observação de Lara, quando disse que quase pegou

outra fotografia, mas escolheu aquela. A paciente pareceu fisgada pela imagem, evidenciando

que o movimento da escolha não é pautado por uma ação planejada em absoluto, consciente,

ou seja, evidenciou o que destaca Barthes (1980/2018, p. 53), ao chamar de punctum o ponto

da imagem que “lança o desejo para além daquilo que ela dá a ver”. É possível que, para

Lara, o punctum da foto escolhida tenha sido o braço do bicho preguiça sobre o pescoço da

garota, aparecendo aqui uma transferência mais arcaica com o objeto mediador, elucidada no

animal e no ambiente de selva.

Apesar de Lara nomear a existência do bicho preguiça na foto, sua descrição desliza

do adjetivo que dá nome ao animal ao substantivo abstrato “a preguiça”: “A criança está

levando a preguiça, carregando”. Nesse ponto, os dois personagens da foto (garota e animal)

se tornam indiferenciados e podemos associar esta mistura à presença viva da mãe, que Lara

carrega nas costas, agindo como um peso, dificultando a saída para o novo.

Por meio da brincadeira, a partir do fundamental apontamento da estagiária de

psicologia, foi possível diferenciar a menina do bicho preguiça. Além disso, a criança passa a

ser protagonista: em um barco, com o remo na mão, está dando carona ao animal, que logo

seguirá seu caminho. Nesse ponto a fotografia se modificou e ganhou um movimento que

anteriormente não havia sido percebido por Lara. Só a partir daí a paciente se deu conta do

seu medo do novo, que então passa a não estar mais colado na condição de ser preguiçosa,

mas sim no fato de se perceber assustada, indicando um processo de simbolização.

Lara parecia falar do medo de se deparar com um novo Eu, que se desenhava na

criação da terceira zona transicional. Nessa área intermediária, que pertence simultaneamente

a uma realidade interna e externa (compartilhada), constitui-se a maior parte da experiência

do bebê, ou seja, o gesto espontâneo pode operar e o sentir-se real advém. No entanto, isso só

se torna possível caso haja uma adaptação – por parte de quem ocupa o lugar de mãe – às

necessidades do bebê, permitindo-lhe a ilusão de que aquilo que cria realmente existe

(WINNICOTT, 1971/1975). Na sessão, Lara viveu a experiência do medo através da imagem

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e, além de poder expressá-lo de forma genuína, foi atentamente ouvida por todos do grupo,

que a legitimou, dando existência real ao que sentia, e apontou movimentações que não

tornaram o medo cristalizado.

Ao mesmo tempo, com a chegada da nova integrante, através da foto, de certa forma,

Lara falou sobre o medo desta nova presença não oferecer o mesmo abraço suficientemente

aquecido, protetor da hipotermia, que os outros membros do grupo lhe dão. Porém, no

desencadeamento da associação livre grupal, surgiu a fala da nova paciente, que destacou a

intimidade dos personagens da foto, agarrados num só. Essa pontuação marcou uma

identificação entre elas e sinalizou a Lara que poderia confiar na participante que estava

chegando. Além disso, também aludiu ao que Lara vive em relação à mãe, “agarradas numa

só”. Em seguida, surgiu outra colocação de mais um participante, que voltou a diferenciar a

menina do bicho preguiça, apontando sobre a função de proteção exercida pelo animal. Este

apontamento tocou tangencialmente no funcionamento defensivo/protetor de Lara às

intrusões de um ambiente traumatogênico, mas também ofereceu a ideia de que, para

atravessar o “rio da vida”, é preciso experienciar outro tipo de proteção e, naquele momento,

o grupo foi o bicho preguiça suplente do colo que protege.

Na foto escolhida por Lara, a princípio, evidenciamos a presença do bicho preguiça

como uma mãe incorporada, que abraça a ponto de sufocar e impede o movimento. Mas, na

medida em que a foto atravessou modificações no grupo, houve uma diferenciação e a dupla

foi posta dentro de um barco em travessia. Ciente que, do ponto de vista da transferência

central, a minha fala adquire no grupo um peso de outra ordem, muitas vezes dando

legitimidade ao que é dito, destaquei a presença do remo na mão da garota que conduz o

barco. Contratransferencialmente, devo ter sido fisgada pela imagem do remo em função do

meu desejo, que buscava substituir simbolicamente a bengala utilizada por Lara pelo uso de

um instrumento que possibilita movimentos. Neste ponto, o meu desejo significou um

investimento no corpo de Lara e funcionou como a pele que protege e contém sua

individualidade, ajudando na diferenciação entre o dentro e o fora, entre o Eu e o não-Eu:

processos que pertencem à transicionalidade.

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3.3.8 Quando eu viajo…

A partir do fragmento trazido sobre a última sessão, é possível perceber que o olhar

do grupo ajudou a evoluir sensivelmente a percepção de Lara sobre a foto, que passou a

adquirir um movimento. Esta particularidade do método permite que a fotografia atinja um

status de imagem, por sua vez, constitutiva de um imaginário acompanhado de afetos, que

favorece o acesso a outra dimensão subjetiva (VACHERET, 2008).

Todavia, a pluralidade de imaginários postos em cena durante uma sessão pode gerar

um movimento mortífero, no qual um paciente expresse com violência o seu imaginário a

respeito da foto do outro. Por exemplo, em um dos grupos, uma paciente apontou ter visto,

em uma das fotos, um garoto boiando em água tranquila, ao passo que um dos participantes

insistiu que se tratava de um corpo morto sendo levado pelo rio. Apesar de esse movimento

vir protegido pelo objeto de mediação, pois se fala da foto e não diretamente do indivíduo,

cabe ao analista ajudar o grupo a fazer circular as formas de figurabilidade que atingem cada

paciente. Isso pode se processar durante a sessão, mas também é garantido pela continuidade

do grupo. Ao digerir cada encontro e preparar previamente a pergunta que conduzirá o

seguinte, os analistas podem oferecer uma continência ao que transborda durante as sessões.

Por esta razão, quando se trata de uma sessão que antecede um período de férias, não

realizamos o momento das trocas em grupo, a fim de evitar possíveis choques entre os

imaginários carregados de intensidades. Desta forma, nessas situações, lançamos a pergunta,

os participantes elegem uma foto e apresentam ao grupo, que, por sua vez, não comenta o que

viu de semelhante e de diferente. Essa estratégia visa minimizar possíveis conflitos psíquicos

gerados na sessão que não possam ser contidos e trabalhados durante o período de recesso.

Além disso, considerando pacientes de fragilidades constitucionais que revelam um

psiquismo marcado pela dimensão da experiência traumática, é necessário um enorme

cuidado para que o manejo clínico não ocorra de forma invasiva. Portanto, na ocasião de

sessões que antecedem um período de separação do grupo e dos analistas, utilizamos essa

estratégia de modo que os pacientes saiam da sessão com uma imagem na qual possam se

apoiar.

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Caso contrário, se a imagem invade a ponto de provocar mobilizações intensas, não

oferece a sustentação necessária para o período de afastamento. A questão formulada também

deve proporcionar certa continência, de modo a favorecer o luto da separação, como, por

exemplo: eleja a foto que você mais gosta; escolha uma foto que traga a recordação de um

momento bom; dentre outras.

A sessão apontada a seguir ocorreu na sequência da anteriormente descrita e tratou-se

do último encontro antes das férias institucionais. Percebemos que os pacientes já se

aproximavam de forma mais segura do lado figurativo do jogo e da vida e, portanto, fizemos

a aposta de formular uma questão que, de alguma forma, trouxesse à tona a noção de

movimento, aberta no encontro anterior. Para tal, não lançamos uma pergunta direta, mas sim

uma proposição: “Quando viajo eu… Eleja uma foto para completar esta frase”.

Ao trazer este tema, procurávamos tocar na ideia de deslocamento, tanto geográfico,

como subjetivo, e na possibilidade de ir e voltar, que conota o ciclo de uma viagem. De fato,

os pacientes conseguiram trazer fotos por meio das quais surgiram falas que não estavam

ligadas a viagens concretas, mas sim ao sentido metafórico do viajar, como ações de ler,

ouvir música, relaxar na praia.

A foto escolhida por Lara foi de uma enorme rocha com um arco-íris colorido no 19

céu. Apresentou ao grupo da seguinte forma: “Também gosto de viajar nos pensamentos.

Nada como o tempo, viajar no tempo… Aqui na cidade é difícil ver belezas naturais, são

muitos prédios. Quando eu estava com a trombose sentia muita dor e me davam até morfina.

Eu adormecia e ia pra um lugar diferente, tinham várias escadas. Eu estava em uma maca e

alguém me dava uma água para tomar. Eu queria voltar, mas não conseguia. E quando

voltava, já estava sem dor. Parece papo de maluco, mas aconteceu mais de uma vez. Então,

eu penso em viagem nesse sentido. Mas, quando a gente viaja mesmo é bom. Conhecer

outros lugares, outras pessoas…”.

O grupo a ouviu atentamente e Lara pareceu à vontade, quando pediu para falar mais

uma coisa: “Teve um tempo que eu não estava nada bem. Nesta época, por volta dos 10, 12

anos, minha mãe queria me internar em um hospício. Eu ouvia vozes e sonhava que algo iria

acontecer, mas, ao passar alguns dias, realmente acontecia. Fui levada para a doutrina e lá

19 Ver foto 10 nos anexos, página 93.

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eles queriam tirar proveito do meu dom. Sofri muito, mas consegui sair. Eu guardava tudo

para mim, não contava para ninguém e esta é a primeira vez que consigo falar sobre tudo

isso”.

A última fala de Lara revela um limite tênue com a loucura. Faz sentido que na idade

da puberdade, quando o corpo de Lara atravessava modificações, tenha se manifestado uma

alucinação como defesa de tipo psicótico. Porém, no seu relato, consegue distinguir as

viagens concretas e metafóricas, apresenta sonhos. Nesse sentido, seria isso o que permitiu a

não instalação do surto psicótico? Sua história parece indicar que a dinâmica psicótica foi

encoberta pelo falso self protetor e pelas manifestações dos sintomas psicossomáticos,

operando uma cisão e um acobertamento dos afetos.

Esta sessão foi muito significativa, afinal Lara retoma o tema da doutrina, que foi

brevemente trazido na sessão “O que é esquecer?”. Aqui é possível perceber que a paciente

nomeia a mãe como a que queria interná-la em um “hospício”. Já na ocasião antecedente,

havia falado de forma genérica: “quase me internaram em uma clínica de doidos”. De

alguma forma, estava sendo possível falar de uma mãe que a chama de louca e a nega,

avançando para um lugar não mais idealizado de forma absoluta. Na situação psicanalítica de

grupo foi possível acessar esta experiência, legitimada através de um “recordar junto”.

Foi a partir do encontro anterior, “O que é o novo?”, no qual a menina e o bicho

preguiça atravessaram uma diferenciação, que na sessão “Quando eu viajo…” o começo de

uma separação entre Lara e a mãe foi expressada. Só então a paciente vem conseguindo tocar

em uma área de ambivalência, podendo desidealizar a mãe e viver o luto da sua morte, sem

que isso implique em uma ameaça de perda de partes de si mesma.

Para Winnicott a ambivalência se instaura depois do alcance da identidade

psicossomática, ao longo do que chamou de estágio do concernimento . Nesse estágio, o 20

processo de elaboração e integração das funções orais e digestivas pode ocorrer e,

paulatinamente, a criança passa a se preocupar com o outro, responsabilizando-se por sua

agressividade, seus impulsos, ações e pensamentos. Em um ambiente suficientemente bom,

até aproximadamente 8 meses de idade, a criança constrói a região transicional e, em torno de

20 O neologismo “concernimento” foi proposto por Elsa Oliveira Dias para traduzir o termo winnicottiano “concern” (NAFFAH NETO, 2019).

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1 ano de idade, já cria um dentro e um fora, um Eu razoavelmente integrado e pode entrar em

um ciclo benigno de ataque, culpa e reparação. Portanto, a criança só está preparada para

elaborar o luto dos seus objetos significativos depois de atravessar o estágio do

concernimento: “podendo deprimir temporariamente sem que isto acarrete perda de partes de

si mesmo, ou seja, sem distorção da imagem psicossomática” (LAURENTIIS, 2016, p.414).

Será por meio da repetição das experiências ocorridas durante o ciclo benigno que a

criança poderá liberar e integrar os seus instintos, acomodando em si o próprio esquema

corpóreo e os sentimentos de amor e ódio pela mesma pessoa. O espaço para Lara “odiar” a

mãe, sem que isto cause a perda do seu amor por esta, vem sendo alcançado por meio das

sessões, afinal o método toca tangencialmente nessas questões, permitindo que a

desidealização ocorra no seu tempo, caso contrário pode ressoar tão violenta e subitamente

quanto o desaparecimento do seu pai.

O grupo e o objeto de mediação das fotografias sobrevivem aos ataques de Lara

(quando passa mal e demanda a atenção de todos, quando falta às sessões, quando fala sobre

uma foto do modo mortífero e a mesma adquire outro sentido ou reaparece depois). Desta

forma, sem retaliar e aceitando as reparações, o grupo e as fotos mantêm-se vivos e sustentam

este processo, abrindo espaço para o brincar, o construir, o criar, o viajar.

Lara chegou ao grupo com seu processo de amadurecimento congelado, à espera de

um ambiente suficientemente bom, que oferecesse sustentação às suas experiências sensoriais

e emocionais para que elas adquirissem alguma integração e coerência. No processo saudável

do amadurecimento, a possibilidade de viver experiências está relacionada à

transicionalidade, quando a criança cria os objetos que encontra e caminha na direção da

simbolização, via linguagem. De forma análoga, na situação psicanalítica de grupo com uso

da mediação fotográfica, a experiência pode advir pelo objeto mediador, que age em partes

obscuras do self ou em lembranças inacessíveis. Todavia, é só através da passagem da

experiência pela linguagem que a simbolização – no sentido mais forte do termo – advém,

quando o indivíduo passa a ter recursos verbais para lidar com a experiência.

Tendo tido o desenvolvimento interrompido na etapa dos fenômenos transicionais, e

estando ainda construindo uma discriminação entre o dentro e o fora, entre Eu e não-Eu,

podemos supor que o funcionamento psíquico de Lara é de tipo borderline. O grupo e as

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fotos, que funcionam como objetos transicionais pictóricos em direção à linguagem, estão

ajudando na construção de uma terceira área, intermediária, e, aos poucos, a paciente vem

elaborando os processo de diferenciações e de acesso à simbolização pela construção do

espaço transicional.

Por estar lidando com a área do fenômenos transicionais, é natural que surjam

momentos de maior fusão objetal e outros de discriminação. No entanto, esta dinâmica só

aparece como fruto do processo terapêutico, que aposta em um posterior atravessamento do

estágio do concernimento, quando poderão ser integrados os impulsos agressivos destrutivos

com os impulsos eróticos. Só desta forma, Lara terá condições de enfrentar a problemática

edipiana, de forma a poder elaborá-la adequadamente.

Lara continua o seu processo terapêutico neste grupo e vem encontrando espaço para

a intensidade dos seus trombos e trombadas recebidas pela vida afora: uma mãe que não

conseguiu se fazer presente da maneira que necessitou, um pai que sumiu e depois morreu

tragicamente, um ambiente de sustentação inconstante, uma condição socioeconômica e

cultural que a submete, um peso transgeracional que dá sinais de cristalizações. Através do

jogo, estas experiências podem ser vividas, legitimadas e atravessadas pela área intermediária

e simbólica, produzindo em Lara uma pele menos devastada.

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Capítulo 4

CONSIDERAÇÕES FINAIS: UMA FOTOGRAFIA COM NEBLINAS SUTIS

Para digerir as palavras finais desta dissertação de Mestrado, foi preciso olhar para o

seu todo a partir da perspectiva de uma fotógrafa que mobiliza o espectador/leitor diante dos

conteúdos enquadrados, mas que também flagra movimentos instauradores da possibilidade

de continuar a narrativa vivida. Observando a fotografia desta pesquisa, percebo uma neblina

sutil atravessando o conjunto da obra. Não se trata de uma presença nebulosa, mas sim

marcada pela sutileza, que dá à imagem a sensação de movimento e apresenta pontos da cena

que estão no constante estado de vir a serem revelados.

A neblina sutil à qual me refiro faz parte da experiência clínica que conduz tanto a

minha escuta, como também a minha escrita e, neste fazer atravessado pela psicanálise, o céu

não é límpido, ao contrário, é constituído de pontos com neblinas que habitam paisagens

ainda não acessíveis aos olhos. Zygouris (2006) aponta que uma psicanálise “pura” não

passa de “um modelo teórico que é uma especulação e que nunca pode ser encontrado em

estado realizado. É uma ficção que não só não pode ser usada tal e qual, como pode se revelar

perigosa” (ZYGOURIS, 2006, p.15).

Escrever sobre a própria clínica exige aceitar a presença das neblinas e compreender

que elas estão na singularidade do caso estudado. Para iluminar o cenário foi necessário

percorrer as bases teóricas que fundamentaram e sustentaram a minha prática e, então, na

terceira parte desta pesquisa, a atmosfera da clínica viva encontrou o seu espaço de

elaboração. Todavia, este processo não foi fruto de um trabalho solitário, haja vista que as

trocas entre mim, Maria Lúcia da Silva e as estagiárias de psicologia ao final de cada 21

sessão, assim como os espaços de discussão clínica e das supervisões ocorridas no Programa

de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), vinculado ao Departamento de

Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) , ajudaram a dar lugar à 22

intertransferência (KAËS, 1982), incluindo todas as dimensões das inter-relações que operam

no grupo.

21 Psicanalista e também coordenadora do grupo do qual a paciente analisada no capítulo 3 participa. 22 O caso clínico analisado nesta pesquisa é atendido nesse Programa.

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A análise de uma das pacientes do grupo se tornou possível ao considerar que o

espaço psíquico comum e partilhado inclui a realidade psíquica do grupo, dos vínculos dos

indivíduos que o compõe, assim como da singularidade de cada um deles. Dentro dessas

dimensões, os movimentos atravessados pela paciente emergiram. Seus processos psíquicos

foram orientados pela cadeia associativa grupal, propulsora de transformações que ajudam as

fotos a ganharem um status de imagem e figurabilidade dentro da narrativa intersubjetiva.

A sensorialidade despertada pelas fotografias favoreceu na paciente uma aproximação

de experiências corporais ligadas a uma forma de regressão ao espaço do mundo primário. A

partir de Winnicott (1960/1983, 1988/1990), podemos pensar que a cisão na sua

personalidade isola e encapsula o self verdadeiro, dificultando a sua alocação e articulação

com o soma, bem como o seu processo de elaboração imaginativa das funções corporais. No

entanto, por meio do jogo em grupo com as fotos, um conjunto de experiências

sensório-afetivo-motoras puderam ser vividos, permitindo o acesso a lembranças esquecidas

e aos traumas atualizados no corpo, que, paulatinamente, adquirem legitimidade e inscrição

no aparelho psíquico.

No que concerne às especificidades do dispositivo, a prática analisada mostrou que a

formulação da pergunta mobilizadora do setting foi um dos grandes desafios clínicos, tendo

em vista o seu poder de instaurar processos sensoriais disruptivos, como observamos durante

o encontro que teve como pergunta “O que é aquecer e o que é esfriar?”. Permanecer na

sessão foi insuportável para paciente Lara , que deparou-se com um acontecimento de cunho 23

traumático, sem sentido psíquico evocável, expressando claramente sua desordem

psicossomática. No entanto, esta vivência transformou-se em um processo essencial para ela

e para o grupo, pois, mesmo sem ter alcançado naquele momento um sentido psíquico para

sua linguagem do ato e do corpo, Lara tocou em algo da ordem da experiência dentro do

espaço transferencial do grupo, que ofereceu sustentação através de um outro olhar às

“trombas d’água” e às intensidades violentas que a constituíram. 24

Essa sensorialidade é experimentada antes da linguagem verbal e sua inscrição parte

da linguagem do corpo e dos afetos. No entanto, como afirma Brun (2013a/2019, p. 41,

23 Nome fictício. 24 Metáfora que faz referência à foto da cachoeira que a paciente Lara escolheu na sessão “O que é pertencer?”, cuja associação grupal conduz à imagem de uma “tromba d'água” ameaçadora. E, ao mesmo tempo, a intensidade violenta da “tromba d’água” faz referência ao “trombo de sangue”, símbolo da trombose e do seu distúrbio psicossomático.

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tradução nossa), “trata-se de ativar os processos de passagem do registro perceptivo e

sensório-motor ao figurável, mantendo ao mesmo tempo um lugar privilegiado para a

verbalização”. Desta forma, a continuidade do processo terapêutico de Lara permitiu que, por

meio das fotos, uma narrativa começasse a ser construída em direção à separação Eu não-Eu,

emergindo uma área de ambivalência sem a ameaça de perda de partes de si mesma. As fotos

funcionam para a paciente analisada como objetos transicionais pictóricos em direção à

linguagem, permitindo a construção de um espaço transicional, no qual as experiências

podem ser sustentadas, legitimadas, atravessadas pela fala e, assim, constituir processos de

simbolização.

A sintonia entre a dupla de analistas ajudou o grupo a ganhar corpo e contorno, e se

construiu a partir da necessidade de oferecer aos pacientes uma temperatura suficientemente

boa, nem demasiadamente quente, nem absolutamente fria. Este reconhecimento exigiu um

cuidado ainda maior para a formulação das perguntas, mas não impediu que os caminhos

intuitivos do “aqui e agora” da sessão pudessem emergir. Isso permitiu que, em algumas

situações, a pergunta previamente formulada para mobilizar o grupo fosse trocada durante o

encontro, considerando a percepção da necessidade dos pacientes. O trabalho desenvolvido

com o uso do objeto mediador da fotografia, baseado no método da Fotolinguagem©

(VACHERET, 2000/2014), sustentou a prática, mas não enrijeceu a sensibilidade clínica, que

buscou funcionar como um meio maleável, cuja natureza plástica permite ser tocada e reage

permanecendo sensível, transformável, disponível e viva. Foi dessa maneira que o uso do

objeto de mediação funcionou como o entorno da prática, e o centro dela foi o nosso modo de

presença clínica (ROUSSILLON, 2012/2019).

O grupo se mostrou fundamental, não só pela pluralidade de imaginários, pelas

identificações múltiplas e pelo espaço de difrações de transferência, mas também como um

lugar de continência e sustentação para que a área de jogo pudesse emergir. Ou seja, a partir

da criação da área intermediária de jogo, os fenômenos transicionais puderam ser criados,

experienciados e, então, simbolizados. Esta é uma área intermediária, na qual os processos

terciários asseguram a construção de um espaço potencial para que os fenômenos

transicionais possam ser criados, experienciados e paulatinamente simbolizados (GREEN,

1976/2017; WINNICOTT, 1971/1975). Aqui, é possível retomar o indagamento poético que

Manoel de Barros (2015, p. 59) provoca na epígrafe introdutória desta pesquisa: “visão é

recurso da imaginação para dar às palavras novas liberdades?”, afinal a mediação oferecida

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pelas fotografias tocou na sensorialidade corporal através da visão, o grupo emprestou a

imaginação e, aos poucos, as palavras encontraram novas liberdades e caminhos simbólicos.

A situação psicanalítica de grupo com o uso de objetos de mediação é uma estratégia

que considera as especificidades dos pacientes cujo acesso aos processos simbólicos é

prejudicado, e esta pesquisa ganhou o terreno fértil do PAES, que fundamenta sua clínica

grupal pelo rigor metapsicológico e não como uma saída que busca apenas responder à

grande demanda do sistema público de saúde mental. Nesse campo ético encontrei o espaço

intermediário entre a escrita desta dissertação e a sustentação da prática clínica, afinal os

encontros com a equipe funcionaram como uma atividade transicional que ajudaram na

elaboração subjetiva da pesquisa.

Os fragmentos clínicos analisados no terceiro capítulo ocorreram entre os anos de

2018 e 2019, mas o grupo se mantém até os dias atuais e permaneci como sua analista após

concluir o curso teórico/prático de Aperfeiçoamento em Psicossomática Psicanalítica – ligado

ao PAES, ao ser convidada para integrar a equipe fixa do Programa como psicóloga

voluntária. Foi dentro deste vínculo que, em função do confinamento exigido pela pandemia

de COVID-19, eclodida no Brasil em 2020, decidimos dar continuidade de forma remota às

atividades institucionais, considerando a urgência psíquica demandante da situação.

Apesar de já ter experiência em atendimentos on-lines individuais, aquela foi a

primeira vez que conduzi um grupo terapêutico nesse formato. Os desafios incluíram as

angústias, medos e incertezas ligados à pandemia, que me atravessavam e também ao grupo,

pacientes e colegas da equipe. Ao mesmo tempo, foi preciso lidar com a baixa qualidade de

conexão à internet de alguns pacientes e com a necessidade de reinventar a estratégia de

mediação utilizada.

Mesmo diante dessas condições, todos os pacientes do grupo aderiram ao novo

formato e percebemos que a vinculação se manifestou de forma ainda mais consistente. A

frequência semanal dos integrantes, que antes da pandemia apresentava várias inconstâncias,

passou a ser firme e observamos que, frente a ocasiões em que o corpo comumente impediria

o deslocamento à instituição, eles se fizeram presentes de suas camas. Mais uma vez,

estávamos diante de um enquadre fora do clássico, operando a partir de uma presença clínica

que Winnicott (1962/1983) chamou de “psicanálise modificada”.

O atendimento remoto se torna uma estratégia potente quando considera a

necessidade de manter um enquadre que garanta a continuidade do envelope psíquico grupal,

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assim como o que Figueiredo (2020) chamou de “enquadre interior” do analista, que deve se

manter vivo, seja no manejo presencial ou remoto, preservando uma presença implicada e

reservada. Além disso, o autor defende que a dimensão virtual está presente no dispositivo

psicanalítico, independente da modalidade de atendimento, pois este trabalho instala e

sustenta uma realidade ao mesmo tempo real e fictícia, verdadeira e ilusória, chamada por

Winnicott (1971/1975) de espaço potencial.

Foi nesse cenário que, parafraseando Figueiredo (2020), precisei escutar as neblinas

dessa clínica de forma “polifônica”, atitude que não se reduz à atenção flutuante da

associação livre verbal dos pacientes. Este modo de escuta “oferece continência e sustentação

a totalidades embrionárias e processos de vir a ser, uma escuta com mais implicação e menos

reserva do analista” (FIGUEIREDO, 2020, p. 66).

O formato remoto me demandou uma implicação capaz de sustentar o grupo

praticando uma espécie de marabalismo, afinal nem todos os pacientes conseguiram acessar

as plataformas mais indicadas para a manutenção das sessões (Zoom/Google Meets). O

recurso mais fácil e democrático para todos (WhatsApp vídeo), na época, não comportava

todos os integrantes do grupo. Desta forma, eu funcionei como um elo para o grupo: pelo

computador me conectei através do Zoom com uma parte dos pacientes e, sincronicamente,

pelo celular, contactei com os demais, que só conseguiram acessar o WhatsApp vídeo.

Assim, através da filmagem e do viva-voz, as duas plataformas se ligaram simultaneamente.

No início, este formato foi muito cansativo para mim e para equipe, mas percebemos

que os pacientes estavam cada vez mais vinculados ao processo terapêutico, o que nos

despertou desejo e investimento para a continuidade. A primeira sessão funcionou como um

espaço de acolhimento diante da nova configuração e da desorganização imposta pela

pandemia, mas logo percebemos que seria necessário reinventar a utilização do objeto de

mediação. Como nem todos os integrantes do grupo tinham acesso às plataformas mais

apropriadas para o compartilhamento de tela, não foi possível utilizar as fotos do dossiê

Fotossíntese e manter a dinâmica mais próxima da metodologia baseada na Fotolinguagem©

(VACHERET, 2000/2014). Além disso, oferecer as fotos do dossiê através do WhatsApp

significava deixá-las com os pacientes para além do espaço protegido do grupo e

consideramos este manejo delicado.

Mais uma vez, as discussões em equipe foram frutíferas e surgiu a ideia da seguinte

proposição ao grupo: “Produza uma foto que fale sobre você”. Desta forma, cada participante

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(incluindo as analistas), ao longo da semana, fotografa algo que busque responder a

provocação e, durante a sessão, a produção é compartilhada pelo grupo de WhatsApp. O

manejo segue primeiro ouvindo o autor da foto e em seguida todos falam o que percebem de

semelhante e de diferente. Essa provocação foi fundada a partir da aposta de que os pacientes,

após dois anos de trabalho terapêutico, já haviam traçado um caminho que os conduzia da

imagem à palavra e também já conseguiam falar em nome próprio de forma mais apropriada.

Aos poucos, os pacientes conseguiram uma maior adaptação tecnológica, que os

integra em uma única plataforma digital, sem exigir o marabalismo exaustivo, e, assim, o

confinamento (seja o da pandemia ou o do psiquismo encapsulado) vem sendo atravessado

por espaços potentes de criações. Sem dúvida, este manejo tem implicações que ainda

precisam ser elaboradas, e questionamentos permanecem abertos: quais as diferenças

subjetivas entre este recurso mediador e o que utiliza o dossiê de fotos anteriormente

empregado? Como este novo recurso mobiliza os pacientes? Além das produções

fotográficas, o meio tecnológico é também uma medição a ser pensada transferencialmente?

Até onde as analistas devem ir ao expor a produção de suas fotos? Nesta clínica, qual a

importância das analistas oferecerem uma parte de si ao grupo? Quais os efeitos das fotos dos

outros participantes e das analistas nos psiquismos singulares e plurais?

Estas são apenas algumas proposições que esta experiência clínica suscita ao abrir

campos para novos espaços de pesquisas. Refletir sobre a própria prática exige elaborar as

neblinas intrínsecas do caminho, assim como encarar os conflitos e limitações com a

capacidade de autocrítica, motriz do amadurecimento. Observo a fotografia final deste

trabalho e acolho a neblina sutil que lhe imprime a própria singularidade – o desafio

constante que implica o fazer clínico e, também, a arte de pesquisar.

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ANEXOS

FOTO 1

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é pertencer?”:

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FOTO 2

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é recomeçar?”:

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FOTO 3

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é esquecer?”:

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FOTO 4

Fotografia escolhida por uma das pacientes do grupo na sessão “O que é esquecer?”:

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FOTO 5

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é cortar e o que é costurar?”:

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FOTO 6

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é estar presente e o que é estar ausente?”:

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FOTO 7

Fotografia escolhida por uma das pacientes do grupo na sessão “O que é estar presente e o

que é estar ausente?”:

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FOTO 8

Fotografia escolhida por uma das pacientes do grupo na sessão “O que é aquecer e o que é

esfriar?”:

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FOTO 9

Fotografia escolhida por Lara na sessão “O que é o novo?”:

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FOTO 10

Fotografia escolhida por Lara na sessão “Quando eu viajo…”:

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

Comitê de Ética em Pesquisa

CONVITE

Você está sendo convidado(a) a participar como voluntário(a) de uma pesquisa autorizada pela PUC-SP. Agradecemos por sua disposição em contribuir para a construção de novos conhecimentos. A identificação da pesquisa, da Pesquisadora e de seu Orientador estão descritos abaixo. Leia atentamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, a seguir. Se você estiver de acordo, inteiramente esclarecido(a), e se dispuser voluntariamente a participar, agradeceremos por sua importante colaboração.

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

IDENTIFICAÇÃO DA PESQUISA Título da Pesquisa: Da Área de Jogo à Experiência do Simbolizar: a fotografia como objeto de mediação na clínica do distúrbio psicossomático. Objetivo Geral: Refletir sobre os efeitos do uso do objeto mediador da fotografia em pacientes com distúrbio psicossomático, a partir da análise de um caso clínico. Objetivos Específicos: Acompanhar sessões de grupo de pacientes com distúrbio psicossomático, que utilizam a fotografia como objeto de mediação; Identificar e aprofundar conceitos que possam embasar e potencializar a utilização desse dispositivo; Compreender como este recurso mediador cria um espaço potencial para o encontro com experiências sensório-afetivo-motoras, propulsoras de processos simbólicos. Esta pesquisa está relacionada à elaboração de uma Dissertação de Mestrado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica, da PUC-SP. Pesquisadora responsável: Thais Duarte Luna Machado Curso de vínculo do Pesquisador: Mestrado em Psicologia Clínica Orientador da Pesquisa: Prof. Dr. Alfredo Naffah Neto

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FORMA DE PARTICIPAÇÃO NA PESQUISA Estou ciente de que a minha participação nessa pesquisa será enquanto paciente do grupo psicoterápico realizado Programa de Atendimento e Estudos de Somatização (PAES), vinculado ao Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP). RISCOS E BENEFÍCIOS Fui esclarecido(a) que esta pesquisa espera alcançar, com seus resultados, importantes benefícios para os seres humanos, a comunidade e a sociedade. Estou ciente de que é possível que aconteçam alguns desconfortos ou riscos para mim, como estar diante de questões que eu não saiba responder, ou acerca das quais eu não tenha conhecimento suficiente ou aprofundado. Estou ciente de que a Pesquisadora tudo fará para a redução desses desconfortos, principalmente mediante a disponibilização prévia de todos os esclarecimentos necessários. Sobretudo, não serei privado(a) nem limitado(a) em qualquer dos meus direitos, nem intimidado(a) a qualquer tipo de participação com a qual eu não concorde.

SIGILO E PRIVACIDADE

Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, que meu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de alguma forma, me identificar, será mantido em sigilo pela Pesquisadora, que se responsabilizará pela guarda dos dados, bem como pela não exposição das fontes dos dados da pesquisa. As informações e dados resultantes desta pesquisa serão divulgados apenas em eventos ou publicações científicas, sem identificação dos participantes. AUTONOMIA Estou ciente de que me é assegurada toda a assistência necessária durante toda a pesquisa, bem como me é garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre a pesquisa e suas consequências e tudo mais que eu queira saber, antes, durante e depois da minha participação. Também fui informado(a) de que posso me recusar a participar da pesquisa, ou retirar meu consentimento, a qualquer momento, sem precisar me justificar, e que, se eu me retirar da pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo na assistência a que tenho direito. RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO Estou ciente de que não há despesas pessoais para o/a participante em qualquer fase do estudo. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será absorvida pelo orçamento da pesquisa. CONTATO Estou ciente de que a Pesquisadora responsável por este projeto é Thais Duarte Luna Machado, e com ela poderei manter contato a qualquer momento pelo telefone (11)951450010, ou pelo E-mail [email protected].

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Estou ciente, enfim, de que o Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP é composto por profissionais qualificados daquela universidade, que trabalham para garantir que meus direitos como participante de pesquisa sejam respeitados, avaliando se a pesquisa foi planejada e está sendo executada de forma ética. Se eu achar que a pesquisa não está sendo realizada da forma como imaginei, ou estiver sendo prejudicado(a) de alguma forma, poderei entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP, à Rua Ministro Godói, 969, Térreo, Sala 63C, Perdizes, São Paulo/SP, CEP 05015-001, Tel. (11) 3670-8466,e-mail [email protected] DECLARAÇÃO Declaro que li e entendi todas as informações presentes neste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e que tive a oportunidade de discutir e esclarecer todas as informações deste termo com a Pesquisadora. Todas as minhas perguntas foram respondidas e eu estou satisfeito(a) com as respostas. Entendo que receberei uma via assinada e datada deste documento e que outra via assinada e datada será arquivada pela Pesquisadora. Enfim, tendo sido orientado(a) quanto ao teor de tudo aqui mencionado tendo compreendido a natureza, a justificativa, os objetivos e o método desta pesquisa, manifesto meu consentimento livre e esclarecido em participar voluntariamente, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor econômico a receber ou a pagar por minha participação. Autorizo o uso das informações e dados resultantes de minha participação exclusivamente à redação e publicação da pesquisa.

Identificação do(a) Participante da pesquisa

Nome: E-mail:

Telefone:

São Paulo, ___ de _________ de 20__

Assinatura do(a) Participante da pesquisa Assinatura da Pesquisadora

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