curso de direito do trabalho - ivan alemão

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 CURSO DE DIREITO DO TRABALHO (Uso exclusivo para alunos. Quase atualizado em 2009) Ivan Alemão Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF), Doutor em Ciências Humanas (UFRJ), Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF), Juiz do trabalho titular da 5ª Vara do Trabalho de Niterói-RJ 1. TRABALHO E DIREITO 1.1. Objeto do direito do trabalho: trabalho subordinado, livre, remunerado, contratado e produtivo 1.1.1. O trabalho em si 1.1.2. Trabalho subordinado, autônomo e explorado 1.1.3. O Trabalho livre 1.1.4. Trabalho remunerado e contratado 1.1.5. Trabalho produtivo 1.2. Trabalho não remunerado ou o não-trabalho 1.3. O trabalho informal e a regulamentação do trabalho 1.4. O desemprego 1.5. Direito de trabalhar e direito ao trabalho 1.6. Crise do trabalho 1.7. Direito social 1.8. Surgimento do direito do trabalho 1.9. Os motivos determinantes do direito do trabalho 1.10. Os mecanismos de dominação do empregador por meio da autotutela 1.10.1. A fórmula primeiro trabalho, depois salário 1.10.2. Uma explicação para a fórmula 1.10.3. A hipótese de extinção da fórmula  1.11. Internacionalização do direito do trabalho, a fase da guerra fria e a da globalização 1.12. Perspectivas do direito do trabalho

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CURSO DE DIREITO DO TRABALHO (Uso exclusivo para alunos. Quase atualizado em 2009)

Ivan Alemo Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense, Professor Permanente do Programa de Ps-Graduao em Sociologia e Direito (PPGSD-UFF), Doutor em Cincias Humanas (UFRJ), Mestre em Cincias Jurdicas e Sociais (UFF), Juiz do trabalho titular da 5 Vara do Trabalho de Niteri-RJ

1. TRABALHO E DIREITO 1.1. Objeto do direito do trabalho: trabalho subordinado, livre, remunerado, contratado e produtivo 1.1.1. O trabalho em si 1.1.2. Trabalho subordinado, autnomo e explorado 1.1.3. O Trabalho livre 1.1.4. Trabalho remunerado e contratado 1.1.5. Trabalho produtivo 1.2. Trabalho no remunerado ou o no-trabalho 1.3. O trabalho informal e a regulamentao do trabalho 1.4. O desemprego 1.5. Direito de trabalhar e direito ao trabalho 1.6. Crise do trabalho 1.7. Direito social 1.8. Surgimento do direito do trabalho 1.9. Os motivos determinantes do direito do trabalho 1.10. Os mecanismos de dominao do empregador por meio da autotutela 1.10.1. A frmula primeiro trabalho, depois salrio 1.10.2. Uma explicao para a frmula 1.10.3. A hiptese de extino da frmula 1.11. Internacionalizao do direito do trabalho, a fase da guerra fria e a da globalizao 1.12. Perspectivas do direito do trabalho

1.12.1. Corrente procedimental 1.12.2. Corrente que prega mudana da extenso dos protegidos pelo direito do trabalho 1.12.3. Corrente da garantia mnima das leis de ordem pblica 1.12.4. Perspectiva de aumentar a proteo do trabalhador no mercado 1.13. Conceito e denominao de direito do trabalho 1.14. Natureza jurdica 1.15. Lei de ordem pblica, norma de proteo, interesse pblico, direito indisponvel e direito irrenuncivel 1.16. Atos administrativos e sua legalidade

2. LEGISLAO DO TRABALHO E SUA APLICAO 2.1. Legislao do trabalho e a ideia de codificao 2.2. Primeiras leis do trabalho no Brasil 2.3. A lei do trabalho no espao 2.4. Diferena entre a interpretao da lei e a supresso de lacuna da lei 2.5. Processo de preenchimento da lacuna da lei 2.5.1. Direito Comum subsidirio 2.5.2. Costumes 2.5.3. Analogia 2.5.4. Princpios 2.5.5. Jurisprudncia 2.5.6. Equidade 2.5.7. Direito comparado 2.5.8. Doutrina 2.5.9. Clusulas coletivas e individuais 2.5.10. Regulamento de empresa e Plano de Cargos e Salrios 2.6. Tcnicas para interpretar a lei (no omissa) 2.6.1. Autntica 2.6.2. Gramatical 2.6.3. Teleolgica 2.6.4. Sistemtica 2.6.5. Histrica 2.7. Conflitos de normas equivalentes teoria da acumulao e teoria do conglobamento 3. TRABALHADORES E EMPREGADOS 3.1. Trabalhador 3.2. Empregado 3.2.1. Trabalho subordinado e trabalho autnomo 3.2.2. Salrio 3.2.3. Continuidade e eventualidade 3.2.4. Sistema de comparao 3.2.5. A discusso da relao de trabalho em contraposio relao de consumo 3.3. Condies especiais de emprego 3.3.1. Empregado exercendo cargo superior 3.3.2. Trabalho a domiclio e teletrabalho 3.3.3. Avulso 3.3.4. Empregado e trabalhador rural 3.3.5. Empregados da Administrao Pblica indireta

3.4 Empregados excludos da CLT 3.4.1 Intermediao de mo de obra 3.4.2. Empregado diretor de sociedade annima 3.4.3. Empregado domstico 3.4.3.1. Conceito legal do empregado e trabalhador domstico 3.4.3.2. Empregador domstico 3.4.3.2. Histrico de leis e de direitos 3.4.3.3. Normas subsidirias aplicadas aos trabalhadores domsticos 3.4.3.4. Prescrio 3.5. Trabalhadores no empregados 3.5.1. Servidores pblicos civis da Administrao direta, autrquica e fundacional 3.5.1.1. Regime estatutrio 3.5.1.2. Os cedidos 3.5.1.3. Cargo pblico em comisso 3.5.1.4. Contratado pelo Estado por tempo determinado 3.5.1.5. Agente Comunitrio de Sade e Agente de Combate s Endemias 3.5.1.6. Me Social 3.5.2. Trabalho voluntrio 3.5.3. Cooperado 3.5.4. Aprendiz 3.5.5. Estagirio 3.5.6. Impossibilidade de constituio do emprego 4. EMPREGADORES 4.1. Empresa e estabelecimento 4.2. Quem o empregador 4.3. Responsabilidade pelos crditos trabalhistas 4.3.1. Sucesso trabalhista 4.3.2. Despersonalizao do empregador e a doutrina da penetrao 4.4. Responsabilidade 4.4.1. Grupo econmico 4.4.2. Empreitada, terceirizao e intermediao de mo de obra 4.4.3. Administrao Pblica 4.4.4. Dono da obra 4.4.5. Responsabilidade trabalhista dos notrios de cartrio 5. CONSTITUIO E CARACTERSTICAS DO CONTRATO DE TRABALHO 5.1. A contratualidade na relao de emprego 5.2. Fronteiras entre o contrato de trabalho e outras relaes de trabalho 5.2.1. Prevalncia do contrato de trabalho 5.2.2. O contrato de prestao de servios do Cdigo Civil 5.2.3. A tese do contrato atpico 5.2.4. A tese da parassubordinao 5.2.5. Relao pr-contratual 5.3. Caractersticas do contrato de Trabalho 5.3.1. Poder punitivo 5.3.2.O problema do assdio moral 5.3.3. Direito de intimidade e revista de empregados 5.3.4. A integridade fsica do empregado (acidente de trabalho e doenas) 5.4. Regras bsicas de constituio do contrato de trabalho

5.4.1. Quanto forma (verbal e tcito) 5.4.2. Quanto prova (anotao da carteira de trabalho e reconhecimento do vnculo empregatcio) 5.4.3 Quanto ao tempo (determinado) 5.4.3.1. Contratos por tempo determinado da CLT em desuso 5.4.3.2. Contrato de Experincia 5.4.3.3. Outros contratos a prazo que no constam na CLT 6. NULIDADE DE ATOS NO CONTRATO DE TRABALHO.178 6.1. No-uso da anulabilidade 6.2. Quadro geral do estudo de nulidade no direito do trabalho 6.3.Validade dos atos unilaterais espontneos (renncia) 6.3.1. Atos unilaterais do empregador 6.3.2. Atos unilaterais do empregado 6.4. Validade dos atos bilaterais (transao na constituio do contrato) 6.5. Nulidade de atos exigidos por lei 6.6. Nulidade em funo de clusula coletiva (limites das clusulas in pejus e da flexibilizao) 7 . NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO 7.1. Teoria geral 7.2. Ilicitude do empregado 7.3. Ilicitude do empregador 7.4. Proibio do trabalho 7.5. Casos que a lei diz que no emprego 7.6. No enriquecimento sem causa 7.7. Estudo de casos de nulidade de trabalho 7.7.1. Crimes e contraveno 7.7.2. Menores 7.7.2.1. Menor com mais de 16 anos e menos de 18 anos 7.7.2.2. Menor com menos de 16 anos 7.7.3. Ausncia de concurso pblico 8. ALTERAO DO CONTRATO DO TRABALHO 8.1. Introduo 8.1.1. No aplicao do direito civil 8.1.2. Alterao obrigatria e voluntria 8.1.3. O direito adquirido e a perda histrica do trabalhador 8.2. Mtuo acordo (tcito e escrito) 8.2.1.Exceo ao mtuo acordo (Unilateralidades permitidas) 8.2.1.1."Ius variandi" 8.2.1.2. Teoria do abuso de direito e direito de resistncia 8.2.1.3. Teoria da impreviso 8.3. Prejudicialidade 8.3.1. Exceo prejudicalidade 8.4. Campo intermedirio: vantagem econmica com piora das condies de trabalho 8.5. Alterao unilateral do trabalhador para melhoria das condies de trabalho 8.6. Estudo de casos 8.6.1. Tipos de alteraes 8.6.2. Mudana s do salrio (redutibilidade)

8.6.3. Reduo do salrio acompanhada de reduo da jornada 8.6.4. Reduo do valor mensal das comisses em funo do preo da venda 8.6.5. Reduo do valor mensal do salrio do horista em funo da diminuio da jornada 8.6.6. Supresso dos salrios circunstanciais 8.6.6.1. Supresso do adicional de insalubridade 8.6.6.2. Supresso do adicional noturno 8.6.6.3. Supresso do adicional de transferncia 8.6.6.4. Supresso das horas extras 8.6.6.5. Supresso da gratificao de funo de confiana no caso de retorno (pargrafo nico do art. 468 da CLT) 8.6.7. Salrio provisrio em funo de substituio (art. 405 da CLT) 8.6.8. Aumento qualitativo do trabalho e consequncia no salrio 8.6.9. Alterao de cargo ou funo (aspecto qualitativo) 8.6.9.1. Promoo 8.6.9.2. Rebaixamento e readaptao 8.6.9.3. Retorno (ou reverso) 8.6.10. Alterao do local de trabalho com mudana de domiclio do empregado (aspecto qualitativo) 9. SUSPENSO E INTERRUPO DO CONTRATO E TRABALHO (a nojornada) 9.1. Extino do contrato durante a suspenso e a interrupo do contrato 9.2. Tempo de servio 9.3.Ausncia ao trabalho sem culpa do empregado 9.4. Estudo de casos 9.4.1. Faltas espordicas permitidas por lei com pagamento de salrio 9.4.2. Descansos obrigatrios 9.4.3. Afastamento por benefcio previdencirio 9.4.4. Licena gestante e adotante 9.4.5. Afastamento para exercer encargo pblico 9.4.6. Suspenso como falta disciplinar 9.4.7. Greve 9.4.8. Dirigente sindical convocado 9.4.9. Contrato suspenso art.476-A 10. DURAO DO TRABALHO (jornada de trabalho) 10.1. Introduo: aspectos legal e cultural 10.2. Conceitos de jornada e horrio 10.3. Perodo da jornada sem execuo de servio 10.3.1. Perodo com transporte (in itinere) 10.3.2. Sobreaviso e prontido 10.3.3. O empregado embarcado ou em viajem 10.4. Limites da jornada 10.4.1. Horas extras sem compensao, com remunerao extra 10.4.1.1. Restries s horas extras 10.4.1.2. Limites de horas suplementares 10.4.1.3. Hora extra por acordo 10.4.1.4. Horas extras por ato unilateral do empregador 10.4.2. Compensao de jornada, sem remunerao extra

10.4.2.1. Banco de horas 10.4.2.2. Compensao irregular 10.4.2.3. A compensao da jornada do menor 10.5. Perodo de descanso 10.5.1. Repouso semanal remunerado 10.5.1.1. Surgimento e natureza 10.5.1.2. Motivos justificados 10.5.1.3. Domingos preferenciais e feriados 10.5.1.4. Dobras 10.5.1.5. Dobro ou triplo 10.5.1.6. Dobras e horas extras 10.5.2. Intervalos intrajornada 10.5.3. Intervalo interjornada (entre jornadas) 10.5.3.1. O caso do turno de revezamento e a Smula n. 110 do TST 10.5.3.2. O desrespeito geral do intervalo entre jornadas e a OJ n. 355 - dobras 10.6. Trabalho noturno 10.6.1. Adicional noturno 10.6.2. Contagem do horrio noturno sete horas 10.7. Turno ininterrupto de revezamento 10.8. Controle de horrio 10.9. Os excludos das normas de durao do trabalho 10.9.1. Atividade externa 10.9.2. Gerentes 10.10. Trabalho em regime de tempo parcial 11. ESTABILIDADE, VEDAO DISPENSA ARBITRRIA E FGTS 11.1. Estabilidade propriamente dita 11.2. Surgimento do FGTS em 1966 11.3. Vedao dispensa arbitrria 11.4. Constituio de 1988 e a Conveno n. 158 da OIT 11.5. O atual regime do FGTS 11.6. Classificao dos limites liberdade de dispensa do empregador 11.7. Reintegrao sem estabilidade 11.8. Estudo de casos 11.8.1. Estabilidade do empregados da Administrao Pblica Direta, Autrquica e Fundacional. 11.8.2. Proteo do emprego em funo de cumprimento de mandato 11.8.2.1. Dirigente sindical 11.8.2.2. Dirigente de associaes de trabalhadores 11.8.2.3. Representante de empregados (art. 11 da CF) 11.8.2.4. Representante em rgos tripartites 11.8.2.5. Membro eleito da Cipa 11.8.3. Gestante 11.8.4. Acidente de trabalho 11.8.5. Estabilidade em funo de contrato ou sentena normativa 11.8.6. Vspera de eleio 12. SALRIOS E PAGAMENTOS (REGRAS GERAIS) 12.1. Introduo 12.2. Salrio justo

12.3.Proteo do salrio 12.4. Salrio mnimo e piso salarial 12.4.1. A lei natural do salrio mnimo e os tetos salariais 12.4.2. Salrio mnimo como indexador e a constitucionalidade duvidosa dos pisos profissionais 12.4.3. Piso salarial estadual 12.4.4. Salrio mnimo pago por hora 12.4.5. Salrio mnimo pago por tarefa 12.4.6. Salrio mnimo pago com outras parcelas salariais 12.4.7. Salrio mnimo pago por comisso 12.5. Salrio in natura 12.6. Pagamento em moeda do pas 12.7. Proibio do truck-system 12.8. Proteo quanto ao lugar do pagamento 12.9. Prazo do pagamento 12.10. Proibio de efetuar descontos (intangibilidade do salrio) 12.10.1. Crime de reteno salarial 12.10.2. Impenhorabilidade de bens de famlia 12.10.3. Descontos de danos causados pelo empregado 12.10.4. Descontos de servios utilizados pelo empregado 12.10.5. Descontos de emprstimos bancrios 12.11. Reajuste e aumentos salariais peridicos (irredutibilidade real do salrio) 12.11.1. Plano Cruzado (1986) 12.11.2. Plano Bresser (1987) 12.11.3. Plano Vero (janeiro de 1989) 12.11.4. Lei n. 7.788 de 1989 12.11.5. Plano Collor (1990) 12.11.6. Plano Real (1992) 12.12. Juros e correo monetria 12.13. Prova do salrio e de seu pagamento 13. SALRIOS E PAGAMENTOS (CONCEITOS E CLASSIFICAO) 13.1. Salrio-base com valor fixo e varivel (comisses) 13.2. Salrio circunstancial 13.2.1. Dirias para viagens + 50% do salrio 13.2.2. Gratificao ajustada 13.2.3. Abonos 13.2.4. Adicionais (de periculosidade e de insalubridade) 13.2.4.1. Adicional de periculosidade 13.2.4.2. Adicional de insalubridade 13.2.4.3. Acumulao de adicionais 13.3. Pagamentos e vantagens que no so salrios 13.3.1. Pagamentos feitos por terceiros 13.3.1.1. Gorjeta 13.3.1.2. Outros pagamentos feitos por terceiros 13.3.2. Gratificao no ajustada 13.3.3. Ajuda de custo e dirias para viagens com menos de 50% do salrio 13.3.4. Abono at 20 dias de salrios (arts. 143 e 144 da CLT) 13.3.5. Abono salarial do PIS 13.3.6. Participao nos lucros ou resultados

13.3.7. Ajuda compensatria mensal 13.3.8. Alimento do PAT 13.3.9. Vale-transporte 13.3.10. Seguro-desemprego 13.3.11. Benefcio da previdncia social em geral 13.3.12. Indenizao 13.4. Parcelas com natureza salarial 13.4.1. Aviso prvio indenizado 13.4.2. Frias 13.4.3. Abono obrigatrio de frias ou tero (art.7,XVII da CF) 13.4.4. Gratificao natalina 13.4.5. Repouso semanal remunerado 13.5. Complexo salarial (integrao, incorporao, habitualidade e reflexos das horas extras) 13.5.1. Salrio complessivo 13.5.2. Salrio de contribuio 14. ISONOMIA (equiparao) 14.1. A questo da igualdade no trabalho e salrio (equiparao salarial) 14.1.1. Mesmo empregador 14.1.2. Mesma funo 14.1.3. Igual valor do trabalho (produtividade e perfeio tcnica) 14.1.4. Tempo de servio 14.1.5. Contemporaneidade 14.1.6. Mesma localidade 14.1.7. Origem do valor do salrio do paradigma 14.1.8. Equiparao com empregado readaptado 14.1.9. Plano de cargos e salrios 14.2. Igualdade de condies de trabalho 14.3. Igualdade de normatizao 14.3.1. Trabalho manual e intelectual 14.3.2. Igualdade entre respectivos profissionais 14.3.3. Igualdade entre nacionais e estrangeiros 15. EXTINO DO CONTRATO DE TRABALHO 15.1. Homologao do termo de resciso do contrato 15.1.1. Finalidade da assistncia e sua nomenclatura 15.1.2. E feitos da homologao 15.1.3. Consequncia da quitao 15.2. Prazo do pagamento do termo de resciso 15.2.1. Multa moratria (8 do art.477 da CLT) 15.2.2. Multa processual (art.467 da CLT) e verbas rescisrias 15.3. Seguro-desemprego 15.4. Aviso prvio 15.4.1. Aviso prvio proporcional 15.4.2. Carter indenizatrio do aviso 15.4.3. Carter social do aviso prvio 15.4.4. Aviso prvio no caso de pedido de demisso 15.4.5. Aviso prvio trabalhado no caso de dispensa sem justa causa 15.5. Base de clculo das verbas rescisrias

15.5.1. Clculo das frias+1/3 e 13 salarial 15.5.2. A proporcionalidade das frias aps a ratificao da Conveno n. 132 da OIT 15.5.3. O tero constitucional 15.6. Modalidades de extino do contrato de trabalho 15.6.1. Impossibilidade de extino do contrato por acordo 15.6.2. Extino do contrato por tempo determinado 15.6.2.1. Antecipao pelo empregador 15.6.2.2. Antecipao pelo empregado 15.6.3. Extino do contrato por vontade do empregador 15.6.3.1. Dispensa sem justa causa 15.6.3.2. Demisso por justa causa 15.6.3.3. Por idade (faculdade do empregador) 15.6.4.Extino do contrato por vontade do empregado 15.6.4.1. Pedido de demisso 15.6.4.2. Resciso indireta (art.483 da CLT) 15.6.5. Por culpa recproca 15.6.6. Por motivo alheio vontade das partes 15.6.6.1. Morte do empregado 15.6.6.2. Por faculdade do juiz do trabalho (art.496 da CLT) 15.6.6.3. Por autoridade ou juiz de menores (art.407 da CLT) 15.6.6.4. Pelo responsvel do menor (art.408 da CLT) 15.6.6.5. Resgate de trabalho forado 15.6.6.6. Converso de regime obrigatria (S. 382, etc) 15.6.7. Casos polmicos sobre extino do contrato 15.6.7.1. A questo da fora maior (art.502 da CLT) 15.6.7.2. A questo da extino da empresa (art.485 da CLT) 15.6.7.3. A questo do fato do prncipe (factum principis) art.486 da CLT 15.6.7.4. A questo da falncia 15.6.7.5. A questo da aposentadoria voluntria 16. DIREITO DAS COLETIVIDADES 16.1. Introduo 16.2. Comparao entre o direito coletivo do Direito do Trabalho e o do Direito comum 16.3. Demandas judiciais coletivizadas promovidas pelo sindicato 16.3.1.Dissdio coletivo 16.3.2. Ao de Cumprimento 16.3.3. Ao Civil Pblica 16.3.4. Mandado de Segurana Coletivo 16.4. Direito sindical 16.5. Direito de greve 16.5.1. Direito de greve e direito coletivo 16.5.2. Histrico e fases da greve 16.5.3. Lei atual n. 7.783/89 16.5.4. Greve dos servidores 16.6. Liberdade profissional e regulamentao 16.6.1. A chamada regulamentao profissional 16.6.2. Classificao de normas de grupos ocupacionais 16.6.3. Normas de grupos ocupacionais voltadas para a reserva de mercado

16.6.3.1. Normas de reserva de mercado com vagas limitadas, baixa qualificao profissional e baixa regulamentao 16.6.3.2. Normas de reserva de mercado com vagas ilimitadas, com alta qualificao profissional e alta regulamentao 16.6.4. Normas de grupos ocupacionais voltadas apenas para o contrato 16.7. Regulamentos de empresa e planos de cargos e salrios 17. CONTRATAO COLETIVA 17.1. Nomenclatura (contrato coletivo e conveno coletiva) 17.2. Surgimento da contratao coletiva 17.3. Condies bsicas do contrato coletivo de trabalho 17.3.1. Conflitos coletivos 17.3.2. Normas abstratas para a coletividade 17.3.3. Regra extraestatal 17.4. Obrigatoriedade da participao do sindicato 17.4.1. Federaes e confederaes 17.5. Tipos de elaborao de normas coletivas 17.5.1. Contrato coletivo 17.5.2. Laudo arbitral 17.5.3. Sentena normativa e o poder normativo 17.6. Provocao da negociao coletiva 17.7. Abrangncia das normas coletivas 17.7.1. Vinculao da norma coletiva em funo da representao profissional do sindicato 17.7.2. Vinculao da norma coletiva em funo da base territorial do sindicato 17.7.3. Nome do sindicato enquanto parmetro de abrangncia 17.7.4. Conflito de representao entre sindicatos de trabalhadores 17.7.5. Afastamento individual do empregado da representao sindical 17.7.6. Extenso das normas coletivas 17.8. Contedo e instrumentalizao 17.8.1. Clusulas coletivas e acessrias 17.8.2. As chamadas clusulas obrigacionais 17.8.3. Assemblia dos interessados 17.8.4. Necessidade de documento escrito e o arquivamento 17.8.4.1. Negociao coletiva com empresas estatais 17.9. Limites temporais, setoriais e territoriais das normas coletivas 17.9.1. Arquivamento, vigncia e eficcia (vigorar) 17.9.2. Database 17.9.3. Prorrogao, denncia, revogao, reviso, renovao e da norma coletiva 17.9.4. Retroatividade 17.9.4.1. Situao dos demitidos 17.9.4.2. Situao dos acordos com quitao geral do contrato 17.9.4.3. Efeitos retroativos de sentenas normativas extintas sem julgamento do mrito sobre as aes de cumprimento em execuo 17.9.5. Ultratividade 17.9.6. Incorporao definitiva (alm do prazo de vigncia da norma) das clusulas coletivas benficas nos contratos individuais 17.10. Conflitos de condies entre acordos coletivos e convenes coletivas (art. 620 da CLT)

17.10.1. Quando o acordo coletivo possui clusula in pejus e contraria a conveno coletiva 17.11. Conflitos hierrquicos entre normas coletivas e a lei ou a Constituio Federal 17.11.1. A discusso histrica da hierarquia entre a conveno coletiva e a lei ou a Constituio Federal 17.11.2. Confuso entre hierarquia e lei dispositiva 17.11.3. A discusso da hierarquia entre a conveno coletiva e a lei em funo do princpio da norma mais benfica 18. SINDICATO 18.1. Liberdade sindical 18.1.1. Liberdade de associao e o neocorporativismo 18.1.2. Autonomia sindical e o controle judicial 18.1.3. Liberdade de filiao 18.2. Prerrogativas do sindicato 18.3. Criao e registro sindical 18.4. Pluralismo e unicidade sindical 18.5. Centrais sindicais e o sistema confederativo 18.6. Contribuio financeira 18.6.1. Mensalidade do scio, preos de homologaes e negociaes em comisses e assistncia judiciria 18.6.2. Imposto sindical 18.6.3. Contribuio assistencial ou confederativa BIBLIOGRAFIA NDICE POR ASSUNTOS

1- TRABALHO E DIREITO

1.1. Objeto do direito do trabalho: trabalho subordinado, livre, remunerado, contratado e produtivo So muitos os objetos do direito do trabalho, porm o prprio trabalho desponta como o principal. Mas no qualquer trabalho e sim aquele que subordinado, livre, remunerado, contratado e produtivo.

1.1.1. O trabalho em si O conceito de trabalho muito amplo. Geralmente ele identificado com emprego ou mesmo esforo fsico, mas preferimos adotar aquele conceito que relaciona o trabalho com a atividade humana num sentido mais geral. O homem, quando

planeja o que vai fazer, se torna diferente dos demais animais. Estes podem ser at mais perfeitos, mas agem fundamentalmente pelo instinto1. Na Antiguidade, a compreenso sobre o trabalho se relacionava ao produto, ao servio ou ganho em funo dele. A entidade trabalho no tinha valor de estudo (Vernant, 1973, p. 217). A relao ntima entre trabalhador e objeto produzido por ele deu origem distino entre as profisses ainda na Antiguidade: padeiro, ferreiro, pedreiro, etc. A produo estava voltada to somente para a troca de valores de uso. Tudo indica que a preocupao com o trabalho como valor social, e no apenas individual, ganhou forma no Renascimento, com a prpria valorizao do homem. Porm, esse processo foi lento, principalmente em funo da manuteno da escravido, que sobreviveu durante sculos e que expunha uma contradio histrica. Como valorizar o trabalho social sem valorizar a pessoa escrava? A valorizao social do trabalho s ocorreu realmente com o trabalho livre.

1.1.2. Trabalho subordinado, autnomo e explorado O trabalho autnomo sempre existiu e se especializou com o surgimento da troca de bens, fruto da possibilidade de se ter excedente econmico em funo do desenvolvimento da agricultura e da pecuria. J o trabalho subordinado tem vrias origens, se destacando com o surgimento do trabalho coletivo. Muitos empreendimentos no poderiam ser realizados sem o trabalho coletivo, e este tecnicamente depende de um comando. A subordinao em si no significa explorao do homem pelo homem. O trabalho explorado est relacionado com a dominao de um segmento social sobre o outro, ou como se diz de forma genrica: explorao do homem pelo homem. Nem todo trabalho explorado oriundo de uma relao de subordinao, como ocorria, por exemplo, com a explorao dos meeiros e pequenos arrendatrios rurais. Mas natural que o trabalho explorado tenha enorme identidade com o trabalho subordinado, principalmente nos centros urbanos e industriais, pelas condies tcnicas do trabalho coletivo, pela facilidade da aplicao das punies, pela dependncia econmica e vrios outros fatores jurdicos e sociais.1

bem conhecida a citao de Marx feita em O Capital (Cap. V, Vol.1, L.1) sobre a distino entre o pior arquiteto e a melhor abelha, em funo daquele ter construdo o favo em sua imaginao antes de constru-lo em cera enquanto abelha age instintivamente.

O trabalho explorado de que falamos praticado legalmente, sendo a explorao basicamente econmica. No confundir com a explorao ilcita do trabalho, como a do trabalho forado. O art. 149 do Cdigo Penal, com a redao dada pela Lei n. 10.803 de 11.12.2003, considera crime reduzir algum condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto. Nossa legislao trabalhista absorveu a designao de trabalhador submetido a regime de trabalho forado ou reduzido condio anloga de escravo (art. 2-C da Lei n. 7.998/90 do seguro-desemprego includo pela Lei n. 10.608/02) por influncia das Convenes n. 29 e 105 da OIT. Trabalho forado ou obrigatrio conceituado como sendo aquele exercido sob ameaa de sano e para o qual o trabalhador no se tenha oferecido espontaneamente. As excees aceitas pela OIT so os trabalhos obrigatrios em funo de leis de servios militares, de obrigaes civis e condenaes judicirias (art. 2 da Conveno 29 da OIT). No obstante esse conceito dado pela OIT, que iguala trabalho forado e obrigatrio, entendemos que existe distino entre eles. O trabalho forado contra a vontade do trabalhador, e trabalho obrigatrio pode no ser. Este pode ser apenas uma previso cvica de norma jurdica, como ocorre ou ocorreu em muitas constituies de pases socialistas. A expresso trabalho escravo no juridicamente recomendvel para caracterizar o mero trabalho forado que ocorre quando o trabalhador no comercializado. O trabalho escravo depende do trfico, ou seja, da compra e venda de trabalhadores, e apenas um tipo de trabalho forado. O trabalho subordinado e, ao mesmo tempo, explorado legalmente era realizado basicamente pelos escravos, e depois passou a ser feito pelos assalariados. Tambm os companheiros da Idade Mdia eram subordinados e explorados. Na produo rural que, embora encontremos intensa explorao do trabalho alheio, a direo hierrquica da subordinao contratual no to intensa, seja pelas condies tcnicas, seja pelo fato de muitos trabalhadores rurais terem posse de bens, como ferramentas e terra de sua propriedade ou arrendada. Tambm sempre existiu o trabalho subordinado dos funcionrios do Estado, principalmente no exrcito. O funcionrio burocrtico surge com a formao dos Estados modernos no sculo XVIII, ganhando contornos definidos por meio dos estatutos criados no sculo XX. Basta ver que a prpria receita dos Estados antigos (Imprio Romano, Imprio Brasileiro, etc.) era

cobrada pelos arrecadadores particulares, conhecidos como dizimeiros, que eram contratados2, e no por funcionrios.

1.1.3. O trabalho livre O trabalho livre o mais antigo de todos. Surgido antes mesmo de qualquer civilizao, sobreviveu ao lado do trabalho escravo. O trabalho livre era exercido geralmente por profissionais especializados ou cultos, no afetos a escravos. Durante a Idade Mdia surgiram trabalhos intermedirios, entre o livre e o escravo: o servil nas regies rurais e o realizado nas corporaes de ofcio dos centros urbanos. Os trabalhos escravos e servis foram utilizados com sucesso na agricultura e pecuria, mas nos centros urbanos, onde o comrcio tinha preponderncia econmica, a lei da oferta e procura se sobrepunha fora fsica. O trabalho escravo nos centros urbanos no ia muito alm do trabalho domstico. Para a produo industrial, o trabalho escravo e o servil no eram adequados. No trabalho escravo, o trabalhador considerado coisa (res), de propriedade de outro homem. No trabalho servil, o trabalhador considerado parte da terra, no podendo se locomover sem permisso. Mas, por outro lado, o dono do escravo ou o dono da terra tinham a obrigao de sustent-lo. Essa despesa com o sustento dos escravos e servos passou a ser maior que os lucros quando a indstria se desenvolveu3. Nas corporaes medievais, aglutinadas nos centros urbanos, a relao de subordinao e dependncia aproximava-se da familiar: em tese o trabalhador era livre, mas sujeito a penalidades fsicas. Os mestres eram os proprietrios da matriaprima e ferramentas, e tinham direito ao lucro. Os companheiros eram os assalariados, geralmente aps terem sido aprendizes. As corporaes de ofcios estavam impedidas de crescer mais do que a demanda do mercado local, e este se fechava para o produto estrangeiro. O consumidor tambm estava preso a esse mercado fechado e um companheiro dificilmente teria sucesso sem a ajuda do mestre. Todavia, esse sistema fechado, que no necessitava de novidade, foi muito eficiente e durou mais de mil anos4.

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Ver Caio Prado Junior, 1976, p. 321. Ver Tocqueville, 1984a, p. 258 e Weber, 1999, p. 35, v. 2. 4 Ver Pirenne, 1963.

Com o surgimento da indstria, forando a abertura do mercado, essa relao semifamiliar das corporaes se desfez. Surgiu o mercado de trabalho com empregos rotativos e o apareceu o chamado exrcito industrial de reserva: quantidade de desempregados necessria para manter baixo o nvel do salrio, sem necessidade de norma jurdica imposta neste sentido, como ocorria na Idade Mdia. Para os industriais, usar as regras do mercado para a aquisio de mo de obra, segundo as quais se podia contratar, negociar salrios e demitir com facilidade, era mais econmico do que arcar com despesas de doena e alimento de escravos. Os problemas relativos sustentao e reproduo da mo de obra, que antes tinham que ser resolvidos pelos donos de escravos e de terras, no ocorriam com os industriais. Esse nus surgir mais tarde, a partir do final do sculo XIX, transferido para o Estado com a criao de direitos sociais: os benefcios de doenas, aposentadoria, acidentes, penses e desemprego. com o fim da escravido que o trabalho livre, agora assalariado, passa a ser o centro das atividades produtivas, dando origem ao modo de produo capitalista. O escravo deixa de ter um amo para ter um patro, deixa de receber alimentos e roupas e passa a receber um salrio. O pequeno agricultor e o arteso deixam de vender produtos para vender sua fora de trabalho. E o modelo jurdico dado ao trabalho livre, por excelncia, foi o contrato, tanto para os autnomos como para os subordinados, no primeiro caso o locatio condutio operis (empreitada), no segundo o locatio operarum (locao de servios).

1.1.4. Trabalho remunerado e contratado O trabalho em si tem um sentido demasiadamente amplo, como vimos, e pode ser subdividido em remunerado e no remunerado (ou no-trabalho, se considerarmos trabalho apenas o remunerado). O trabalho remunerado surge na sociedade primitiva por meio da troca, quando nasce a forma bem definida do valor de uso ao lado do valor de troca, ou seja, consumo ao lado de dinheiro. O valor de troca pode ser qualquer bem in natura, ou o moderno dinheiro, simblico apenas, sem valor de uso, que o que se consolidou no mercado. A funo social do trabalho remunerado a de propiciar meio de sobrevivncia e conforto. E a remunerao desde cedo teve carter alimentar. O trabalho um meio de se adquirir valor de uso e ao mesmo tempo o prprio valor de uso para quem o adquire (tomador de servios).

O trabalho remunerado fruto de um vnculo jurdico, onde existem direitos e deveres por parte do trabalhador, muitas vezes regulado por um contrato. Os deveres do trabalhador subordinado e remunerado consistem em prestar servios e ficar disposio do tomador de servios num certo espao de tempo a que chamamos jornada. O contrato formal ou informal pode ser o de emprego ou o de prestao de servio autnomo. J o trabalho subordinado remunerado e sem contrato tpico do estatutrio, que encontra seus direitos e deveres no estatuto, que uma lei. Entre os trabalhos remunerados, o que nos interessa mais o subordinado e, ao mesmo tempo, contratado. o chamado emprego, muito embora a lei ainda exija a continuidade. Esto excludos os estatutrios, por no possurem um contrato, e os autnomos, por no serem subordinados. Percebe-se um aparente paradoxo no contrato de trabalho, visto que uma parte subordinada. Pois, como negociar se uma parte subordinada a outra? Esse paradoxo , antes de tudo, um fato histrico em que o econmico se entrelaa com o jurdico. Uma lei abolindo a escravido propiciou a continuidade do trabalho subordinado por meio de negociao, em que no havia igualdade de foras. Da o direito do trabalho ser um grande esforo no sentido de conciliar vnculo jurdico entre cidados que, perante a lei, tm direitos iguais, mas no contrato no. E essa compensao de fato, ou aparente feita pelo dinheiro, a remunerao. Pelo esprito do direito civil, em que tudo ou quase se indeniza com dinheiro, a condio de subordinao compensada com salrio.

1.1.5. Trabalho produtivo O trabalho subordinado e explorado pode ser produtivo ou no. Trabalho produtivo no sinnimo daquele que produz algo. Os economistas (Turgot, Adam Smith, Marx) dividiam o trabalho entre produtivo e improdutivo. O produtivo era o destinado criao de bens que seriam vendidos, objetivando a mais-valia, ou seja, o ganho, a reproduo do capital. a frmula D-M-D, onde D (dinheiro) trocado por M (mercadoria) para gerar D (mais dinheiro). O acrscimo desse dinheiro () a maisvalia. O trabalho improdutivo, para os mesmos economistas, era aquele que no produzia bens para o mercado. Exemplo clssico era o trabalho domstico, feito por aqueles que s serviam ao amo, no produzindo para o mercado, embora tambm fossem explorados e pudessem ser produtivos no sentido vulgar.

Divergem os economistas clssicos sobre at que ponto outras funes so produtivas ou no, como as dos funcionrios pblicos, militares, bancrios, comerciantes etc., que agem no mercado ou na administrao pblica sem produzir bens materiais. Para os economistas fisiocratas (Turgot, etc.), s os agricultores produziam, o que refletia a poca da predominncia da agricultura. O aspecto produtivo estava relacionado com o produto material e mensurvel, sendo o resto mera circulao desse valor por meio do dinheiro. Para Adam Smith, defensor da indstria, o trabalho produtivo dependia da produo de bens materiais que, tendo certa durabilidade, podiam ser vendidos e render ganho. Marx vai alm, ao visualizar a possibilidade de trabalho produtivo de bens imateriais, como o do ator, professor, etc., mas tinha resistncia em aceitar como produtivo o trabalho do vendedor, estoquista e bancrio. Mas, em todo caso, ele considerava fundamental a existncia da mais-valia para caracterizar o trabalho produtivo. Marx chega a conceber o trabalhador coletivo, que incluiria os trabalhos braais e intelectuais, desde que elaborados coletivamente e produtivamente, como numa empresa, onde seria possvel distinguir os trabalhadores produtivos dos no produtivos. Marx j criticava o trabalho produtivo, apontando a explorao e a alienao que ele propiciava, demonstrando ainda que o aumento da produo no era acompanhado pela oferta de emprego, como defendiam os economistas de ento, muito pelo contrrio. As revolues socialistas do sculo XX assumiram o trabalho produtivo como forma de resolver o problema do consumo (planificao) sem, no entanto, conseguir reduzir a explorao e a alienao. Conseguiram, porm, acabar com o desemprego, embora de forma autoritria. A defesa do trabalho obrigatrio antes defendida por Marx no Manifesto Comunista chegou a fazer parte da Constituio da Repblica Sovitica de 1925. J a Constituio Sovitica de 1936 colocou o trabalho apenas como um direito, de modo semelhante s Constituies do Ocidente. Mas se por um lado os regimes socialistas garantiam emprego, por outro estabeleciam teto salarial. Como compensao, garantiam bens de consumo essenciais. Em meados do sculo XX, aps a grande crise do capitalismo de 1929, a II Guerra Mundial e as decepes com o socialismo real, surgem novas teorias com crticas demasiada importncia do trabalho produtivo, embora ainda se defendesse o trabalho como centro das atividades humanas. Expomos aqui duas correntes. A primeira a dos defensores do setor tercirio, de prestao geral de servios, a maioria abstrata, como o trabalho intelectual. Colin Clark, na dcada de

1940, criou a clssica diviso entre setor primrio, secundrio e tercirio. Ele sonhava com uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo, onde surgiria uma civilizao terciria ou sociedade terciria, sem as crises, o desemprego, as flutuaes de preos e a falncia, entre outros males. O trabalho se humanizaria com a reduo de empregados necessrios, aumentando o tempo livre das pessoas, que optariam por trabalhar menos. Se essa utopia no veio a existir, por outro lado verdade que a decadncia da grande indstria em relao ao setor tercirio um fato histrico. Como segunda teoria, encontramos Hannah Arendt (2000, p. 13), que j previa a falta de trabalho como o problema maior da humanidade. A autora critica os tericos do trabalho produtivo, ressaltando valores imateriais e at ecolgicos. O labor, que inerente ao animal laborans, valorizado pela autora em relao ao trabalho do homo faber. Em outros termos, ela valoriza o trabalho abstrato em relao ao trabalho fabril. Contra o trabalho produtivo, ainda temos os crticos do prprio trabalho, defensores do no-trabalho, do tempo livre, ou mesmo do cio: de Paul Lafargue (1980) do final do sculo XIX a Domenico De Masi (1999), do final do sculo XX. Com o avano do setor tercirio e a decadncia do produtivismo, a classificao entre trabalho produtivo e no produtivo perdeu um pouco a sua importncia, porm deixou influncia na legislao do trabalho, que exclui direitos aos domsticos e funcionrios do Estado (art. 7 da CLT), que prestam servios para tomadores que no tm a finalidade de gerar mais-valia, embora possam ser explorados. 1.2. Trabalho no remunerado ou o no-trabalho O trabalho no remunerado, para os que entendem ser o trabalho em si toda atividade humana, ou o no-trabalho, para os que entendem que o trabalho sempre o remunerado, corresponde ao perodo em que as pessoas no se encontram na jornada. certo que a jornada bem mais fcil de ser identificada quando o trabalho subordinado, pois esta condio que a define na relao de emprego. A jornada do trabalhador autnomo mais difcil de ser identificada, pois ele, principalmente, que a define e a disciplina, muito embora ela tambm dependa de condies alheias vontade do trabalhador, como o perodo de safra ou outras condies naturais, a oferta de trabalho e o interesse dos consumidores. O trabalho no remunerado ou o no-trabalho muito amplo e inclui desde os intervalos entre as jornadas e durante elas, que as suspendem, como as frias e os repousos, quando o trabalhador desenvolve atividades pessoais com a famlia,

religio, poltica, educao. Tambm ocorre com os afastamentos por motivos de sade, ou o prprio desemprego. Sendo assim, o no-trabalho ou trabalho no remunerado pode ser visto como algo bom ou ruim. Ruim, como o desemprego, bom, como as frias. Esses valores podem ser alterados conforme a poca histrica ou o ponto de vista filosfico. A polmica histrica entre trabalho x cio muito antiga, existe desde os gregos e permanece at os dias atuais. O cio foi muito bem estudado, enquanto valor especial, por Veblen (1984). Compete, no entanto, a cada sociedade delimitar seus valores, elegendo o que deve ser almejado e, ainda, propiciar ou no o acesso a esse bem. O direito do trabalho e a legislao do trabalho, ao disciplinarem as condies de trabalho, criam direitos ao no-trabalho (intervalos, repousos semanais, frias, licenas, etc). Dessa forma o direito ao no-trabalho passa a ser um direito adquirido do trabalhador. Todavia, quando o trabalhador no est empregado, o notrabalho ou trabalho no remunerado, ou ainda o trabalho espordico e precrio, passam a ser um mal terrvel, com enormes consequncias econmicas e psicolgicas. Dessa forma, o direito ao no-trabalho para a maioria dos trabalhadores uma consequncia do direito ao trabalho. E isso sempre foi muito bem demonstrado na luta histrica da reduo da jornada de trabalho. Antigos filsofos, como Thomas More (1984), Campanella (1984) e, mais tarde, Paul Lafargue (1980) j apontavam o montante de trs ou quatro horas necessrias para o trabalho remunerado, levando em conta o que j havia sido produzido no mundo. A antiga produo de excedentes provenientes do domnio do homem sobre os recursos naturais j propiciava essas condies. Tanto que as civilizaes antigas puderam construir monumentos aos deuses. Mas at hoje as condies econmicas e jurdicas no propiciaram um equilbrio satisfatrio que permita oferecer trabalho remunerado a todos por meio de pequenas jornadas. Mas no bastaria essa distribuio se o trabalho continuasse a ser alienado. E, mais, seria necessrio que a sociedade definisse o que deseja que os cidados faam no tempo em que no esto trabalhando de forma remunerada. Hoje a poltica eminentemente consumista, o que faz com que os cidados continuem a buscar trabalho remunerado nas horas vagas para consumirem mais. Essas questes, no entanto, extrapolam este curso; deixamos aqui apenas a indagao: qual a ocupao social que os cidados querem?5

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Ver Alemo (2002).

1.3. O trabalho informal e a regulamentao do trabalho Vejamos o trabalho informal pelo ngulo dos economistas e, depois, pelo dos juristas. Para os primeiros, aquele que no se encontra sintonizado com a circulao regular do capital, sendo muitas vezes chamado de subemprego, de subsistncia, trabalho precrio, domstico, improdutivo, autnomo pobre, eventual, marginalizado, excludo. So conceitos que se confundem e que so mais usados ou no em funo da poca ou da escola que os estuda. Marx talvez tenha sido um dos primeiros a fazer tais classificaes, ao analisar a composio do exrcito industrial de reserva formado por diversas faixas de trabalhadores6. Para Jakobsen, Martins e Dombrowski (2000), o critrio internacional de definio do setor informal previsto pela OIT (Recomendao aprovada na 15 Conferncia de Estatsticos do Trabalho, em 1993), que o caracteriza pela produo em pequena escala, pelo baixo nvel de organizao e pela quase inexistncia de separao entre capital e trabalho, alm da ausncia de carteira anotada. Incluem-se a os assalariados em empresas com at cinco empregados, com ou sem carteira anotada, assalariados sem carteira anotada em empresa acima de cinco empregados, donos de negcio familiar, autnomos que trabalham para o setor pblico ou para empresas, empregados domsticos e trabalhadores familiares. No preciso dizer que, se as instituies brasileiras seguissem tais recomendaes, o nmero de trabalhadores informais apurado seria muito maior. Os estatsticos tm englobado na categoria trabalho informal os empregados que no possuem carteira de trabalho anotada e os trabalhadores autnomos que atuam margem do mercado regulamentado. O IBGE realiza pesquisa sobre a mdia da participao dos empregados sem carteira assinada e os trabalhadores por conta prpria, nas regies metropolitanas do Rio de Janeiro, So Paulo, Porto Alegre, Bahia, Recife e Salvador. Pela Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE (PMEIBGE), as pessoas em situao de desemprego oculto pelo desalento so consideradas inativas, e

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Ver Cap. XXIII, Livro I, O Capital. Toda forma de movimento da indstria moderna decorre, portanto, da constante transformao de parte da populao trabalhadora em braos desempregados ou semiempregados (p.201). Marx divide o exrcito industrial de reserva, tambm chamado por ele de superpopulao relativa, em trs faixas: a fluente, em que o desemprego ou subemprego oscila em funo das fases do ciclo industrial; a latente, constituda dos trabalhadores que saram do campo; e a do pauperismo ou chamada de lumpemproletariado, que vive margem da produo.

as que estejam realizando trabalho precrio so consideradas ocupadas, desde que tenham trabalhado uma hora por semana. O Dieese/Seade apura o desemprego oculto, que pode ser de dois tipos: por desalento ou por precariedade. Caracteriza-se como desalento a situao em que o indivduo interrompeu a procura de trabalho pela persistncia de condies adversas no mercado, mas continua querendo um emprego; o trabalho precrio traduz a situao em que a pessoa realiza alguma atividade sem os atributos de continuidade e assiduidade o chamado bico. Mas, em nosso entender, h substancial diferena entre empregados sem carteira assinada e os trabalhadores por conta prpria. Enquanto os primeiros no perdem direitos trabalhistas, pois podem recorrer ao Poder Judicirio, os autnomos, mesmo explorados por terceiros, normalmente no possuem direitos adquiridos propensos a serem cobrados. No caso do empregado sem carteira assinada, o que existe o obstculo criado para que ele goze seus direitos, ou como diria Paul Singer (2000, p. 104) os empregados informais no tm acesso aos direitos assegurados pela legislao trabalhista. Pochmann (2008), por sua vez, chega ao extremo de negar que o mero trabalho sem carteira anotada, embora ilegal, seja trabalho informal: No podemos confundir trabalho informal com trabalho ilegal. Ns temos, por exemplo, o trabalhador assalariado sem carteira. Isto no trabalho informal. Isto trabalho ilegal. A legislao probe que o trabalho assalariado no tenha proteo. Isso ilegal. A informalidade deve ser reconhecida no pela ilegalidade, mas pela ausncia da legalidade. Os informais so trabalhadores alegais. Eles esto margem do regime de proteo, porque no existe uma legislao apropriada para uma srie de formas de ocupao que no passa pelo assalariamento (Pochmann, 2008). Para Noronha (2000a) h casos de contratos formais que no cumprem a lei e h trabalhadores sem carteira anotada que recebem alguns direitos previstos em leis, como gozo de repouso, demonstrando ser insuficiente a dicotomia formal-informal como descrio dos padres contratuais ou de relaes de trabalho no Brasil. Para o autor, insuficiente a dicotomia regulamentar ou desregulamentar as relaes de trabalho, tal como ela aparece no debate atual. A lei, para ele, no o nico elemento a regular e, possivelmente, a criar rigidez no mercado de trabalho, nem o contrato coletivo a nica forma flexvel e democrtica de regulamentao do mercado, nem o poder discricionrio do empregador garante flexibilidade e plena racionalidade econmica.

O trabalho formal ou regulamentado surge na Idade Mdia e foi combatido duramente pela Revoluo burguesa e liberal. Para acabar com a regulamentao os franceses extinguiram as prprias corporaes, o que foi acompanhado por diversos outros pases que tenham feito ou no uma revoluo. Porm, ainda hoje, h enorme tendncia dos liberais em defender o trabalhador informal. E a expanso do neoliberalismo, incentivador da reduo de encargos sociais em detrimento do trabalhador, tem direta ou indiretamente valorizado o capital e trabalho informais. A informalidade vista como uma vlvula de escape at para tericos no liberais, por permitir uma fatia de trabalho. Para o presidente do Ipea, Marcio Pochmann (2008): A informalidade, na maior parte, no positiva, porque ela gera uma condio de competio no isonmica. Uma empresa, que paga impostos, contrata trabalhadores pela CLT, vai comercializar seus produtos com um custo maior que uma outra empresa irregular. No ajuda numa competio saudvel. Mas, olhando a realidade brasileira, a informalidade representa, por outro lado, uma espcie de colcho amortecedor da crise social. Sem a informalidade, o desemprego brasileiro seria muito maior. Porque a informalidade uma estratgia de sobrevivncia. No entanto, ela tambm expressa uma forma de acomodao social para um pas que no tem crescido suficiente para gerar empregos para todos. uma forma de acomodao que poderia ser temporria e que j est se transformando numa acomodao estrutural. Pode-se perceber que existe certa tolerncia com a informalidade, mesmo por parte de economistas que a combatem. No Brasil, a legislao do trabalho no recebeu uma dose ainda maior de desregulamentao, justamente porque muita dela foi praticada sob o manto da informalidade, de forma ilcita, assim como o a prpria informalidade. No podemos concordar com o ponto de vista de Marcio Pochmann (2008) sobre trabalho alegal quando analisamo-lo sob o prisma do direito. A ausncia da legalidade no difere da ausncia de regulamentao. Para o direito formal liberal mais fcil desregulamentar para no haver a ilegalidade formal. Assim, o trabalhador j no pode reclamar reparao de seu dano por inexistir a ilicitude. No fundo, esse o sonho liberal, o de retroagir ao tempo em que no existiam direitos trabalhistas e previdencirios.

A partir da dcada de 1970, e mais precisamente na dcada de 1990, houve enorme tendncia em se legalizar o trabalho informal, o que no deixa de ser um paradoxo. uma regulamentao precria, praticada no Brasil por influncia europia, na qual no existe a informalidade e sim a precariedade. Na Europa, a permisso da renovao sucessiva do contrato a prazo neutralizou a norma de proteo dispensa arbitrria. Neste caso, no se desregulamenta, mas torna-se legal o que antes era ilegal. De certa forma se acaba com o informal tornando-o formal. Referimo-nos a leis que passam a legalizar condies desvantajosas aos trabalhadores, permitindo a discriminao, como o trabalho temporrio, o parcial, o que reduz as estatsticas de infraes das leis trabalhistas sem resolver o problema social. A regulamentao precria pode coincidir com a desregulamentao, mas ela difere substancialmente na burocracia. Veja-se a burocracia que foi criada com o trabalho temporrio de 1998, com portarias ministeriais a ponto de assustar as empresas. J a flexibilizao, muito falada na dcada de 1990, tem como objetivo suspender a lei de ordem pblica por meio de negociao, normalmente coletiva mas eventualmente de forma individual. Os favorveis flexibilizao e desregulamentao clssica geralmente so a favor da diminuio da interferncia do Estado nas relaes econmicas e trabalhistas, se limitando regulamentao da previdncia e da educao. J a tendncia da regulamentao precria seguiu mais o tipo intervencionista dos Estados sociais em momento de crise. O trabalho informal pelo ngulo jurdico aquele que est fora do regulamento. Para os juristas, o trabalho informal o no registrado na forma da lei, aquele que no do conhecimento dos rgos pblicos e que no gera impostos, sendo vulgarmente chamado no Brasil de trabalho sem anotao da carteira de trabalho. Esse ltimo quesito pode ter importncia individual para o empregado, mas no basta a anotao em carteira, pois outras formalidades tm que ser cumpridas para que o trabalho deixe de ser caracterizado como informal. A carteira de trabalho no existe em muitos pases que valorizam o contrato escrito, sendo a carteira profissional7 a prova de uma habilitao profissional regulamentada. No Brasil, em muitos casos, mesmo

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Na verdade a carteira sempre foi fornecida para o trabalho, independentemente de existir ou no profisso. A carteira profissional, no Brasil, foi instituda pelo Decreto n. 21.175, de 21/3/1932, e o Decreto n. 21.580, de 29/6/1932. Com o Decreto-Lei n. 926, de 1969, passou a ser chamada de Carteira de Trabalho e Previdncia Social (famosa CTPS).

com a carteira anotada ainda existe a informalidade parcial, quando certas parcelas salariais so pagas por fora, inclusive horas extras. Quando falamos de trabalho informal na modernidade no podemos deixar de destacar que ele resultado do capital informal. A necessidade de se lavar o dinheiro em funo de ele ter sido obtido sem pagamento de tributos, o chamado caixa 2, um grande fator de incentivo s relaes trabalhistas informais. A no anotao de carteiras; as informalidades praticadas com os trabalhadores que as tm anotadas, como o pagamento de parte do salrio por fora (informal) e outras simulaes para no se recolher encargos sociais, tm como objetivo dar vaso a um capital informal represado. Entendemos que o trabalho informal s combatido efetivamente com o combate ao capital informal. A informalidade no surge apenas por uma necessidade de sobrevivncia de pequenos empregadores em dificuldade, mas de grande empresas em plena expanso. Muitas destas, para no serem consideras como irregulares, contratam empresas terceirizadas que praticam a irregularidade, por isso a informalidade tambm acaba tendo relao com o crescimento da terceirizao.

1.4. O desemprego A Constituio Federal prega a busca do pleno emprego (inciso VIII do art. 170). O pleno emprego no corresponde a 100% de emprego, o que seria impossvel. Admite-se o desemprego friccional, que corresponde a 3% de desempregados que esto em transio de um emprego para outro aps a extino do contrato8. O direito do trabalho no tem estudo desenvolvido sobre o desemprego, pois este reflete o estado em que o trabalhador no est contratado. Ora, se a maioria dos direitos trabalhistas so relativos aos ganhos contra o empregador, no desemprego praticamente no existem direitos trabalhistas, no mximo se busca evitar o desemprego com os institutos da estabilidade ou reparar as consequncias com a indenizao. Os direitos relacionados ao desemprego geralmente so dirigidos ao Estado, sendo considerados direitos sociais, principalmente o seguro-desemprego e a renda mnima. Assim, no mbito do direito do trabalho, a qualificao e comprovao de desempregado consistem em declaraes escritas pelo prprio empregado ou por8

O percentual de 3% foi defendido na dcada de 1940 por Beveridge (1947, p. 24), e continua sendo admitido como normal para o pleno emprego.

representantes do sindicato, a no anotao da carteira de trabalho por determinado tempo, ou outro indcio que nem sempre espelha um fato real. Os economistas e estatsticos possuem conceitos mais precisos de desemprego, apesar de estarem voltados para critrios de pesquisas, no havendo uniformidade doutrinria. No Brasil usam-se basicamente duas metodologias para medir o desemprego. Uma delas a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), realizada pelo IBGE em seis regies metropolitanas e que apura o desemprego aberto. At o ano de 2001 esta pesquisa considerava apenas a procura ativa de emprego em uma semana. Esse mtodo apresentava um ndice baixo de desemprego, pois quem estava desempregado h bastante tempo no fica diariamente procurando trabalho, no sendo, pois, detectado pela pesquisa. Depois do ano de 2001 o PME passou a identificar pessoas sem trabalho na semana de referncia, mas considerando aquelas que tomaram alguma providncia efetiva para conseguir um trabalho no perodo de 30 dias. O Dieese/Seade, por meio da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), surgiu procurando corrigir o mtodo utilizado pelo PME-IBGE antes de 2001 que s considerava como desempregado o que procurou emprego na ltima semana. O PED passou a apurar o desemprego aberto entre pessoas que no trabalharam nos sete dias anteriores entrevista e que procuravam emprego h pelo menos um ms. Esse mtodo ampliou o ndice de desemprego em relao ao antigo mtodo do IBGE (at 2001), uma vez que no exige a procura de emprego nos sete dias anteriores entrevista. Alm disso, contorna o carter vago da prpria expresso procurar emprego.

1.5. Direito de trabalhar e direito ao trabalho O direito ao trabalho surge de fato pouco antes da Revoluo Francesa, no final do antigo regime, quando o Estado reage com medidas efetivas contra as corporaes de ofcio. A Revoluo s veio a fortalecer e intensificar tais medidas, visando expanso das regras livres do mercado. A Revoluo Francesa combatera o chamado direito de trabalhar que consistia em privilgio que poderia ser vendido pelo rei. Ou seja, era um direito individual e vendvel. Esse direito ainda no o direito ao trabalho. O direito de trabalhar convive com a existncia das corporaes. Estas estabeleciam monoplios prejudiciais ao progresso das tecnologias e causavam revoltas. Segundo Tocqueville (1984b, p. 347/348), Luis XII estabelecera a venalidade dos ofcios, Henrique IV a

venda de ttulo hereditrio. Se no foi Henrique III quem deu origem ao mal, ou seja, venda do direito de trabalhar, por certo foi quem o generalizou, at Luis XVI, que o extirpou. A enorme fonte de recursos gerada pelas novas profisses a favor da coroa, com registros de patentes, cartas, etc., restringia a liberdade de profisso. O nmero de profisses era to grande que, segundo Tocqueville, conta-se que Richelieu aboliu 100 mil ofcios, que renasceram logo depois sob outros nomes. Por um pouco de dinheiro, o Estado privou-se do direito de dirigir, de controlar e de obrigar seus prprios agentes. Assim, pouco a pouco, montou-se uma mquina administrativa to grande, complicada, confusa e improdutiva que foi necessrio deix-la de certo modo sem funo real para construir fora dela um instrumento de governo simples e manejvel, por meio do qual se dava forma efetiva ao que os funcionrios deveriam fazer. O direito ao trabalho surge contra a venda de profisso. Segundo Robert Castel (1998, p. 232), a grande descoberta promovida no sculo XVIII no foi a necessidade do trabalho, mas a necessidade de liberdade do trabalho, o que rompe com os dois modos de organizao at ento existentes: o trabalho regulado e o trabalho forado. Esse processo inicia-se antes mesmo da Revoluo Francesa, quando Turgot, ainda no governo de Luis XVI, deu incio s reformas. A Revoluo burguesa proibiu as corporaes e instituiu a liberdade individual de o cidado exercer qualquer profisso, o que perdurou at o final do sculo XIX, quando as corporaes foram retomadas. No Brasil, foi com a Constituio de 1824, do Imprio, que se estabeleceu que: nenhum gnero de trabalho, de cultura, indstria e comrcio pode ser proibido, uma vez que no se oponha aos costumes pblicos, segurana e sade dos cidados (inciso 24 do art. 179). A partir da todas as Constituies brasileiras, nas disposies de direitos individuais, adotaram o direito ao trabalho, prevendo-o a Constituio de 1988 no art. 5, inciso XIII, sendo certo que agora se abre exceo s profisses regulamentadas, na forma da lei. A Constituio de 1988, surpreendentemente, tambm colocou o direito ao trabalho entre os direitos sociais (art. 6), tornando-o uma norma programtica.

1.6. Crise do trabalho A crise do trabalho remunerado, que gera o desemprego, chega a ser vista por alguns filsofos (Habermas, Claus Offe, etc.), como crise de identificao social do trabalho. O trabalho deixaria de ser centro das realizaes de cidadania, o que vem a ser chamado de descentralizao do trabalho (ver Ricardo Antunes, 2000). Esse

processo acompanhado, tambm, da descentralizao da indstria, pelo menos aquela nos moldes fordistas e institucionalistas. A automao dispensa grande parte de trabalhadores do setor produtivo, surgindo uma produo operada por poucos trabalhadores. Alguns tericos passam a considerar o trabalhador que se encontra contratado como um privilegiado em contraposio aos excludos. Perspectivas sombrias so formuladas aos que dependem do trabalho remunerado. O acmulo de riquezas to grande que a produo em si, nos moldes tradicionais de criao de mercadorias, j no encontra mercado fcil. Foram vrias as crises de superproduo no mundo. A alternativa tem sido aumentar o mercado de valores abstratos para uma elite consumista, fruto da m distribuio de renda mundial. Tambm entre os trabalhadores crescem as distines de segmentos. No se pode mais falar de uma classe trabalhadora uniforme, explorada e identificada entre si. A existncia dos colarinhos brancos, descritos por Wright Mills (1969) na dcada de 1950, empregados com altos salrios e tempo livre para gastar, um fato novo, ainda pouco levado em conta, como no direito brasileiro. O operrio tradicional que trabalhava quase a vida toda para um nico empregador, sendo promovido paulatinamente, substitudo por vrios tipos de trabalhadores, desde o lmpem, sem empregador definido, passando pelos atuais cooperados de cooperativas fraudulentas prestadoras de servios, at o empregado de empresa estatal com vrias vantagens salariais. A perspectiva de o contrato de trabalho durar quase toda a vida ativa do trabalhador, no qual ele ingressa ainda como ajudante e galga vrios cargos at se aposentar, cede lugar a contratos temporrios. Aumenta-se enormemente o trabalho autnomo e vulnervel, o trabalho informal e rotativo. o que veio a ser chamado de precarizao do trabalho. Hoje, o desafio do direito do trabalho bem maior, pois no existe apenas um contrato padro. Em pases como o Brasil, a legislao no faz distino entre trabalho intelectual e manual, porm existe uma srie de leis especiais, algumas at discriminatrias, que excluem direitos, como a Lei 6.019/74 do trabalho temporrio. Por outro lado, existem elites de trabalhadores, o que incentiva a enorme desproporo de nveis entre trabalhadores. Ao lado dos empregados vinculados ao mercado temos os estatutrios e, ainda, uma srie de regimes intermedirios, de contratos semiadministrativos e de empresas de intermediao de mo de obra. O acesso ao trabalho remunerado e a sua no alienao continuam a ser os grandes desafios das sociedades. O mercado propiciou o desenvolvimento do

trabalho, com sua especializao e produtividade. Mas, paradoxalmente, o mercado tambm o principal obstculo ao desenvolvimento do trabalho remunerado, sua distribuio e realizao individual.

1.7. Direito social No existe unanimidade sobre o conceito de direito social. Para alguns, como Georges Gurvitch, o direito social existe fora do Estado, sendo exemplo as convenes coletivas, o que foi rebatido por Orlando Gomes (1995) ainda na dcada de 1930. Mas na acepo mais moderna o direito social no contratual, oriundo da prpria cidadania. O direito social espelha a relao entre o Estado e o cidado, embora muitos direitos estejam relacionados ao fato deste estar ou no empregado. Os direitos mais conhecidos, neste sentido, so os previdencirios, o seguro-desemprego (que no Brasil no da Previdncia Social) e o direito a uma renda mnima9. Pela famosa classificao do socilogo T. H. Marshall, os direitos de cidadania inicialmente foram de natureza civil, depois poltica e, finalmente, social. O Estado historicamente deixa de apenas ter a possibilidade de ajudar o carente para ter obrigao. O dever do Estado passa a ser um direito adquirido e subjetivo do cidado. O direito social tpico do Estado-providncia, tambm chamado de Estado social ou Estado do bem-estar (wel-fare state), foi a grande novidade do final do sculo XIX e incio do sculo XX. Na Alemanha de Bismarck surgem as primeiras leis sociais (seguro-doena de 1883, acidente de trabalho de 1884, seguro-velhice de 1889). A Igreja catlica defende a criao do Estado Providncia na famosa Encclica Rerum9

O primeiro esboo de renda mnima garantida, segundo Rosanvallon (1997, p. 123), ocorreu com o Ato do Parlamento de Speenhamland (1795), que reconheceu o direito de todo homem a um mnimo de subsistncia: se s pudesse ganhar uma parte pelo seu trabalho, cabia sociedade fornecer-lhe o complemento. Os primeiros benefcios de Direito Social implantados no Brasil no condicionados relao de trabalho, ou a uma contribuio mensal do trabalhador, so posteriores Constituio de 1988, alguns deles estabelecidos por ela e depois regulamentados. Destaco os benefcios de prestaes continuadas de um salrio mnimo pessoa portadora de deficincia e ao idoso com 70 anos ou mais, que comprovem no possuir meios de prover a prpria manuteno e nem de t-la provida por sua famlia (art. 20 da Lei Orgnica da Assistncia Social Loas, Lei n 8.742 de 7 de dezembro de 1993); o Programa Nacional de Renda Mnima vinculado educao "Bolsa Escola", criado pela Lei n 10.219 de 11 de abril de 2001; o Programa Nacional de Acesso Alimentao PNAA, criado pela Lei n 10.689, de 13 de junho de 2003; o Programa Nacional de Renda Mnima vinculado Sade Bolsa Alimentao, institudo pela Medida Provisria n 2.206-1, de 6 de setembro de 2001, o Programa Auxlio-Gs, institudo pelo Decreto n 4.102, de 24 de janeiro de 2002. O governo Lula em 2004 unificou estes programas, criando o bolsa famlia, pela Lei n 19.836 de 9 de janeiro de 2004.

Novarum de Leo XIII, de 1891. Marx (1980), em sua crtica ao programa de transio ao comunismo (Programa de Gotha), escrito em 1875 e publicado pela primeira vez em 1891, j defendia a criao de fundos de reserva para aposentados, que passou a ser defendida pela social-democracia. Na Inglaterra surgiu a teoria do risco social, ou seja, a adoo pelo Estado da teoria da seguridade. Por essa teoria o empregador se liberta da responsabilidade judicial de acidente de trabalho e doenas profissionais. A responsabilidade passa a ser coletiva (solidria). D-se a incio ao chamado Estado protetor do cidado e a poltica de cidadania efetivamente desenvolvida pelo seu aspecto social. O auge do Estado-providncia ocorreu do final da Segunda Guerra Mundial at a crise do petrleo na dcada de 1970, os chamados 30 anos gloriosos. A ausncia do pleno emprego, no entanto, criou sucessivas crises de caixa nestes Estados, o que deu margem poltica neoliberal de reduzir encargos sociais. Tambm devemos ressaltar a criao dos Estados socialistas do Leste europeu, que edificaram Estados fortes de defesa do emprego, o que no mnimo forou os Estados ocidentais a estabelecerem direitos sociais para no perderem a Guerra Fria. A queda desses Estados socialistas no final da dcada de 1980 deu margem expanso da perda de direitos nos pases ocidentais. Nos Estados socialistas o trabalho era obrigatrio e o Estado era obrigado a garantir a prpria alimentao e moradia, no havendo propriedade privada particular. O sistema brasileiro de direito social calcado na previdncia social, que surgiu a partir de 1923 por categorias e foi unificada em 1966, com a criao do INPS. Os governos brasileiros sempre preferiram criar fundos de investimentos, fazendo crer que, fomentando o capital, por consequncia haveria estabilidade e distribuio de renda. So as chamadas polticas de primeiro fazer o bolo crescer para depois distribuir. S que as crises ocorrem antes de a distribuio chegar aos mais carentes. E no sem propiciar as conhecidas corrupes. Na dcada de 1960 foi criado o FGTS, desviando-se dinheiro que tradicionalmente seria da Previdncia Social para implementar a construo habitacional e fomentar o subemprego, com salrios baixos e empregos rotativos. Na dcada de 1990 criou-se o FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador, em princpio para sustentar o seguro-desemprego e a poltica de emprego (Proger Programa de Gerao de Emprego), porm esta verba tambm foi desviada para o setor imobilirio da construo civil. Em nome do trabalhador se incentiva o capital sem retorno garantido.

1.8. Surgimento do direito do trabalho O direito do trabalho surge de forma antagnica ao direito ao trabalho, pois, enquanto este teve como objetivo a luta contra as corporaes e a regulamentao, em favor da abertura do mercado de trabalho, o direito do trabalho surge com a retomada dos sindicatos e a acumulao de direitos por categoria e segmentos profissionais e regionais. As fontes essenciais do direito do trabalho so a lei e as normas coletivas. Na Idade Mdia, nos centros urbanos, tivemos uma primeira experincia de regulamento de trabalho criado pelas corporaes de ofcio. Apesar de podermos questionar se a regulamentao do trabalho teve origem nas corporaes medievais, estas estavam pautadas em regras que se sobrepunham lei do mercado. E o direito do trabalho surgiu com essa vertente, embora no seja a nica: ignorar ou mesmo dominar as regras do mercado. Basta ver que o salrio no pode se desvalorizar totalmente com a lei da oferta e procura, sob pena de o trabalhador morrer de fome. Na Idade Mdia o exerccio do trabalho no era permitido a qualquer um, dependendo de autorizao da corte, o que o aproximava de um direito individual, por vezes um privilgio (direito de trabalhar). Os companheiros, embora dependentes, tinham certa garantia de trabalho, j que no existiam as oscilaes do mercado. Acreditamos que o direito do trabalho, em parte, seja decorrncia dessa primeira regulamentao, oriunda da preocupao corporativista de fechar o mercado. Mas com o advento do liberalismo econmico, surge uma regulamentao adequada ao mercado. E isso possvel com a vulgarizao dos contratos e com a fora jurdica que eles passam a ter na sociedade. A expanso do Cdigo Civil, estatuto maior do capitalismo, abre espao para a expanso posterior do cdigo do trabalho. O direito do trabalho correspondeu ao encontro desta segunda vertente, contratualista e individualista do direito civil, com as regras corporativistas de reserva de mercado, com razes na Idade Mdia. Mas isso s ocorreu no final do sculo XIX, quando os sindicatos foram legalizados e surgiram os Estados sociais. O direito do trabalho que hoje conhecemos combina o corporativismo regulacionista com o direito contratualista civilista e liberal. Esse encontro possibilita, ainda, o surgimento do direito coletivo, um contrato nunca imaginado antes, ou seja, um grande regulamento em forma de contrato, sobrepondo-se ao tradicional contrato individual.

O desnivelamento entre as partes contratantes no contrato individual de um lado o trabalhador pobre e desesperado para arrumar emprego, e de outro o patro rico e com farta opo de escolha de empregado no era preocupao do liberalismo dominante, arraigado na concepo de que todos so iguais perante a lei e que o mercado que dita as regras econmicas. O liberalismo dominante e seu Estado mnimo no possuam qualquer poltica social de proteo sade, moradia e s condies gerais de vida do trabalhador, entendendo que tais necessidades deveriam ser fornecidas pelos empreendimentos privados. Para o liberalismo o Estado poderia ajudar, mas esta no era uma obrigao, o que significaria criao de direitos adquiridos para os pobres, impossveis de serem cumpridos, alm de gerar distores e desigualdades de direitos. Para os liberais o direito deveria ser eminentemente formal, sem classes sociais, e no podia ser dado num dia e tirado no outro. Porm, no final do sculo XIX a prpria burguesia ter interesse em que o Estado assuma as responsabilidades para com acidente de trabalho, sade de modo geral e aposentadoria. E no Estado alemo, repressor dos movimentos operrios, que surgem as primeiras leis sociais. Nesta poca, tivemos o cenrio conhecido como a questo social, caracterizado pelas lutas sociais que punham em evidncia a explorao do trabalho. Os salrios correspondiam a um mnimo para a sobrevivncia do trabalhador, e a jornada de trabalho era alongada indefinidamente, aumentando os ganhos do empregador, o que Marx chama de mais-valia absoluta, em contraposio mais-valia relativa, que aumenta a produtividade com a tecnologia e, consequentemente, o ganho do empregador. Todavia, o direito do trabalho, como a doutrina que hoje conhecemos, s viria a se consolidar internacionalmente aps a I Guerra Mundial. Com o Tratado de Versalhes e o surgimento da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), a legislao do trabalho expandida mundialmente, com sucesso. A Revoluo Russa de 1917 surpreendeu o mundo ocidental capitalista, impulsionando-o a criar direitos sociais. So vrias as motivaes para o surgimento do direito do trabalho. Ressaltaremos trs aspectos: . Pelo lado do trabalho, as reivindicaes econmicas e sociais dos trabalhadores. Surge o direito de corporao. . Pelo lado do capital, a necessidade de disciplinar o mercado de trabalho, evitando a concorrncia desleal. Surge o contrato de trabalho.

. Pelo lado do Estado, o surgimento do Estado social e direito social.

1.9. Os motivos determinantes do direito do trabalho Seria o direito do trabalho uma conquista dos trabalhadores? Uma conquista dos empresrios? Um pacto conciliatrio? Uma mera regulamentao das relaes de trabalho? Quais os motivos determinantes do direito do trabalho? No podemos dizer que h correntes de opinio bem formadas a respeito. Um processo histrico no tem uma explicao simplista, at porque uma norma ou teoria pode ter um resultado positivo para o trabalhador em determinada poca ou lugar, mas ser bem diferente quando aplicada em outra circunstncia. Alguns tericos, como Mario de la Cueva do Mxico, e Dlio Maranho (1991, p. 151-52), do Brasil, entendem que o direito do trabalho nasceu da presso dos trabalhadores e da concesso da burguesia para acalmar a inquietao das classes trabalhadoras e obter a paz social. Victor Russomano (1997) d maior nfase finalidade do direito do trabalho de conciliar a luta de classe. Ou seja, o direito do trabalho pode ser visto como resultado da luta de classe ou, ainda, como meio de conciliar essa mesma luta. Ainda por estas teorias, a forma de conciliar dar proteo ao trabalhador para compensar a desigualdade diante do empregador. Ainda em outros termos, necessrio um direito desigual para enfrentar a desigualdade. uma teoria com base em compensaes. Outra corrente terica v o direito do trabalho como mero regulador nas relaes de trabalho, sem nfase na proteo do trabalhador por parte do Estado. O direito do trabalho estaria mais relacionado com o mercado, as condies objetivas da economia e o mercado de trabalho. Essa uma doutrina que comeou a crescer na dcada de 1990, embora seja de influncia liberal. Romita (1981, p. 38/39 e 1998, p.115/119), neste sentido, afirma que o direito do trabalho, apesar de ter origem na proteo, no se apresenta mais com exclusividade ao trabalhador, uma vez que passou a ter em mira, tambm, a normatizao das relaes entre empregados e empregadores, de modo a assegurar a paz social. Em sua proposta, o autor defende mais um direito regulador que um direito protetor. Entendemos que o direito do trabalho engloba o lado protetor e o lado de regulamentao das relaes de trabalho oriundas do mercado, que, como j expusemos, o lado da influncia do corporativismo medieval e agora sindical, e o lado de contratualizao do Cdigo Civil. Na verdade, mais uma construo histrica do

que uma elaborao tcnica. O direito do trabalho no programa de um partido nem criao de um gnio, mas uma realidade fruto de uma situao que envolve as foras econmicas e as intelectuais sob um cenrio muito pouco controlado. Alguns institutos so meramente absorvidos da prtica, como a subordinao nas relaes do trabalho, porm outros so mera criao de um legislador, como a gratificao natalina ou o fundo de garantia. Estas ltimas pequenas vantagens so concedidas ou suprimidas pelo legislador com o objetivo de atualizar ou modernizar o direito do trabalho, sem, contudo, conseguir alterar as condies bsicas da relao de trabalho, que so histricas. Alguns direitos so criados em benefcio do empregador, da comunidade, da concorrncia entre empregadores, enfim, so muitos os motivos da criao de uma lei. Mas, o direito do trabalho, enquanto disciplina jurdica, tem sido elaborado por estudiosos que procuram atenuar as condies de vida dos trabalhadores assalariados. O Estado e o Direito vm incorporando em seu ordenamento jurdico interesses at certo ponto antagnicos com o objetivo de realizar um programa social. Se o direito do trabalho se apresenta como protetor do trabalhador, por outro lado no podemos esquecer que um direito germinado nas sociedades capitalistas. Contudo, interessante observar que os pases socialistas absorveram os princpios gerais do direito do trabalho. Se por um lado combatem o capitalista e a propriedade privada, por outro mantm a empresa enquanto empregador e o prprio contrato de subordinao. Por este aspecto, o direito do trabalho tem conotao universal, apesar de as leis do trabalho terem variaes em cada pas. Todavia, foroso reconhecer que apenas o direito do trabalho, protetor ou conciliador, apesar de influenciador de leis em todos os pases, no tem sido suficiente para evitar o desemprego, a fome e a misria. Mesmo as chamadas "grandes conquistas operrias" ainda esto longe de se efetivarem por completo. A principal luta operria espontnea, a da reduo da jornada de trabalho, s foi possvel de ser transformada em lei em face do incremento de tcnicas de produo, quando era desnecessria a explorao da mais-valia absoluta (apenas sobre o tempo de servio), propiciando a mais-valia relativa, na qual o tempo de servio no era mais o fator determinante do aumento da produo. Porm, os limites legais atuais da jornada de trabalho so relativos, tal a generalizada permisso para o exerccio de horas extras. Fcil perceber que as principais reivindicaes operrias (reduo da jornada e aumento salarial), em pases como o nosso, apesar de constarem em lei, no possuem eficcia

plena. Alm do baixo salrio e da jornada longa, a falta de oportunidade de trabalho continua sendo uma constante. No consta que os trabalhadores propugnassem por um direito do trabalho nos moldes do que hoje definido doutrinariamente. Os movimentos operrios conscientizados defendiam o fim do Estado, das classes, do prprio sistema assalariado, da propriedade privada, e, ainda, negavam qualquer conciliao de classe, defendendo a tomada do poder por via revolucionria. Nenhuma reivindicao essencial foi atendida. Por outro lado, o direito do trabalho implantou-se de cima para baixo sob regimes autoritrios e fascistas, como o da Itlia, Alemanha, etc. O direito do trabalho, alm da conotao protetora ou conciliatria, surge legalizando a explorao econmica do trabalho; a hora extra; a autotutela do empregador quando pratica a reteno salarial; a subordinao jurdica; o desemprego abundante; a burocratizao de suas associaes de classe; as punies ao trabalhador pelo poder privado; a total ausncia de participao dos empregados na gerncia da empresa, o que intensifica a alienao do trabalho; a funo do Estado em prover a assistncia social de acordo com o nvel mnimo de renda assalariada; os contratos coletivos como forma de negociao de conflitos; a permisso de greves sob regras bitoladas; etc. O direito do trabalho til aos empregadores para disciplinar sua prpria concorrncia, quando so criados patamares mnimos. A proteo do trabalhador tambm a proteo do sistema capitalista, pois o caos no lhe serve. O cdigo do trabalho tambm o cdigo do empregador. Se o direito do trabalho fosse apenas consequncia da presso dos trabalhadores, suas condies de vida teriam melhorado substancialmente, o que no ocorreu na maioria dos pases. O que realmente ocorre, e no pode ser generalizado, o fato de algumas leis corresponderem s conquistas dos trabalhadores, como a da reduo da jornada de trabalho em seu aspecto formal (sem a prtica de horas extras). Muitas conquistas incorporadas nas leis so de grupos ocupacionais, que no chegam a ser generalizadas. O direito protetor significa, portanto, que se procura proteger o trabalhador, o que no significa emancip-lo. No negamos, assim, a conotao de proteo do direito do trabalho, porm dentro de marcos muito estreitos. A proteo s vezes no vai muito alm do impedir que o empregador individualmente explore ou abuse do empregado.

O neoliberalismo hoje o grande crtico do direito protetor. Os neoliberais afirmam que o direito protetor na verdade desprotege. Mas at hoje o neoliberalismo tambm no demonstrou que o mercado pode proteger o trabalhador.

1.10. Os mecanismos de dominao do empregador por meio da autotutela 1.10.1. A frmula primeiro trabalho, depois salrio Os contratos de trabalho, desde seu nascimento histrico, so regidos da seguinte forma: primeiro o trabalhador presta o servio, depois, geralmente no final do ms, recebe o salrio. Essa frmula, que pode ser resumida em primeiro trabalho, depois salrio, j foi apontada por Marx, em Salrio, Preo e Lucro (1985, p. 84) e em O Capital (1983)10. Assim, exposta a importncia de o trabalho ser pago aps a prestao dos servios do trabalhador, muito embora Marx no tenha procurado desenvolver como essa relao se dava juridicamente. No entanto, para que essa frmula tenha legitimidade na sociedade, a sua regulamentao legal foi importante. O prprio prolongamento histrico do capitalismo, para alm do que Marx esperava, foi possvel, em parte, por essa legitimidade da explorao, com o surgimento das leis trabalhistas. Se as normas jurdicas de proteo do trabalhador que foram surgindo aliviavam a explorao do trabalhador, por outro lado, essa relao foi sendo legitimada socialmente. O capitalismo foi ficando mais humano sem alterar sua essncia. A frmula primeiro trabalho, depois salrio, em seu mbito mais jurdico, coloca o trabalhador na condio de credor e o empregador na condio de devedor. Aps o empregado ter cumprido sua obrigao no contrato (de prestar servio), aguarda o empregador cumprir a sua (pagar o salrio). Mas a frmula, vista por este ngulo jurdico, revela diferenas em relao viso econmica. Nesta imprescindvel que o trabalhador produtivo preste o servio antes do pagamento, pois, caso contrrio, em tese, no haveria de onde sair o dinheiro para o salrio. O capital, no entanto, possui uma folga possvel de ceder certos direitos ou at renunciar formula inicial at certo limite11. No mbito da lgica10

No captulo XVII do Vol. I, p. 131, Marx destaca que o trabalhador pago depois de fornecido o trabalho, e no captulo XXI do mesmo Livro I, p. 154, afirma que o trabalhador, porm, s pago depois de sua fora de trabalho ter se efetivado e realizado tanto seu prprio valor como a mais-valia, em mercadorias. 11 difcil imaginar at que ponto o capital resiste hiptese da inverso da frmula, permitindo que todos os trabalhadores recebam antes de trabalhar. Acreditamos que o

jurdica, por sua vez, indiferente o pagamento ser feito antes ou depois da jornada de trabalho, desde que se cumpra o que foi pactuado. No entanto, para responder explorao econmica, a lei estabeleceu a regra geral de que o pagamento feito depois do trabalho, ressalvando, porm, a possibilidade de ser pactuado o contrrio12. O que ocorre na prtica que os empregadores acabam utilizando a regra geral, mas a lei oferece a outra possibilidade sem ferir a lgica jurdica. Dessa forma, o que se convencionou chamar de adiantamento de salrio pode no ser uma verdadeira antecipao. Pelo ngulo jurdico, quando o empregador adianta parte do salrio no meio do ms, ele est renunciando ao seu direito de pagar a dvida no final do ms. Esse nobre ato interpretado como uma liberalidade do patro, por ele ter renunciado ao seu direito de aguardar at o final do ms13. J no mbito econmico, podemos afirmar que essa antecipao salarial j parte do pagamento de trabalho prestado, pelo menos o efetuado at o meio do ms. O prazo do empregador para pagar o salrio pode ir at dias depois de o empregado j ter cumprido a sua obrigao. Atualmente, no Brasil, o empregador goza do direito de pagar sua dvida at cinco dias teis depois de o seu empregado j ter trabalhado durante o ms. O empregado, por ter cumprido sua obrigao mensal, adquire o direito ao salrio, mas ainda no adquire direito a receber o salrio. Esses cinco dias teis correspondem tolerncia que a lei concedeu ao empregador,

capitalismo resiste bastante a essa inverso da frmula, mas desde que crie outros mecanismos compensatrios, o que sem dvida j seria uma grande novidade jurdica no campo do direito do trabalho e, principalmente, no mbito do Poder Judicirio que deixaria de receber grandes volumes de aes trabalhistas. 12 Essa regra existe no Cdigo Civil (art. 597) e na CLT, art. 459. 13 Para Pl Roriguez (1982, p. 145) todo trabalho merece sua remunerao. Ele enftico em afirmar que o trabalhador s tem direito ao salrio quando a prestao do servio foi realizada. Para ele o fato da execuo do servio que condiciona o pagamento do salrio. Por conseguinte, a execuo do servio cria um crdito proporcional de salrio e a noexecuo do trabalho justifica a negao correlativa do salrio correspondente. Para confirmar essa tese, o autor lembra que a jurisprudncia considera que o direito ao salrio existe pelo fato de o trabalho ter sido realizado, ainda que o contrato fosse nulo. Ou seja, independentemente da validade do contrato, todo trabalho merece sua remunerao. O argumento bem inteligente, mas demasiadamente economicista quando toma a execuo do trabalho como um valor de troca em contraposio ao salrio. Esse argumento no resiste complexidade jurdica, como hiptese de o empregado receber salrio sem ter trabalhado em funo de doena. O que gera o direito, em nosso entender, no o trabalho no seu sentido material, mas a lei em seu sentido abstrato, caso contrrio o escravo teria direito remunerao. O salrio do servio prestado deve ser pago quando o contrato nulo no porque houve o trabalho, mas para combater o no enriquecimento sem causa, que era uma construo jurisprudencial e hoje lei (Cdigo Civil de 2002, art. 884).

estendendo-lhe o prazo. Embora j exista o incontestvel atraso pelo ngulo econmico, o mesmo no ocorre pelo ngulo jurdico. Esse prazo de tolerncia uma ilustrao do abuso da dominao e seu requinte, e de como a sociedade o aceita com naturalidade. Ele no , no entanto, fundamental, pois basta o empregador pagar no final do ms para manter a dominao. A dificuldade de se inverter a frmula, para que o trabalhador receba antes de prestar o trabalho, como dissemos, concentra-se no fato de a mais-valia depender do resultado do trabalho (o produto ou o servio), completando todo o ciclo de explorao. No podemos esquecer que o salrio uma parte do que o trabalhador produziu. Em outras palavras, se o trabalhador receber o salrio e no trabalhar, no existe a mais-valia. A pergunta que agora fazemos se a frmula primeiro salrio, depois trabalho, no campo jurdico, serve apenas como um legitimador da relao de explorao econmica. Acreditamos que no. Ela tem uma importante funo na relao de dominao. Se na relao jurdica o tempo decorrido entre a realizao do trabalho e o pagamento do salrio no importa, podendo at ser pactuada de forma contrria, por que ento, invariavelmente, os empregadores insistem em pagar o salrio aps a prestao dos servios? Seria apenas uma questo econmica da explorao do trabalho? Achamos que no. Prova disso que os trabalhadores do setor pblico que tm seus salrios garantidos pelo oramento do Estado ou os trabalhadores domsticos tambm recebem seus salrios efetivamente no final do ms. Os salrios desses trabalhadores, considerados por Marx como improdutivos, no dependem da produo ou de resultados positivos ou lucrativos. Se at ento ainda no tnhamos feito, pelo menos de forma enftica, a distino entre explorao econmica e dominao jurdica, agora no podemos fugir a ela. Se na poca de Marx a explorao econmica era mais evidente, nos tempos atuais as relaes de dominao esto aperfeioadas e do legitimidade quela. Mas, a dominao jurdica no uma mera consequncia da explorao econmica, pois esta sempre existiu, antes mesmo do capital, e se estende para os sentimentos mais remotos dos homen. interessante lembrar um fato curioso. Qualquer pessoa tende a querer ser credor e no devedor, at porque o credor considerado, no direito comum, como parte forte na relao contratual. Existem at mesmo normas de proteo do devedor por ser ele considerado fraco na relao jurdica, como o princpio segundo o

qual, em caso de dvida, prevalece o seu argumento. No entanto, os empregadores se sentem mais confortveis no papel de devedores. Essa uma pista de nossa investigao. As explicaes para o fenmeno de o empregador, mesmo sendo mais forte que o seu empregado, se sentir bem na condio de devedor pode ter muitas justificaes, porm uma deve ser destacada. Neste caso, a explicao econmica no suficiente. Se dissssemos que melhor o empregador pagar o salrio aps receber o dinheiro relativo venda do produto, estaramos sendo parciais. Alguns tericos do direito do trabalho justificam a frmula dizendo que melhor o trabalhador receber no final do ms para evitar que ele gaste tudo antes de pagar suas contas14. Por este ngulo, o prprio trabalhador estaria sendo protegido pela frmula de receber aps ter prestado sua obrigao. Por outro lado, podemos afirmar que h uma injustia nesse raciocnio, pois o trabalhador precisa se alimentar e suprir suas demais necessidades materiais at o final do ms. Diramos, ainda, que o pagamento no final do ms pode propiciar calote do empregador. Usamos aqui o ngulo do risco. Se o pagamento adiantado pode propiciar que o trabalhador fuja com o dinheiro, sem cumprir sua obrigao, tambm o empregador pode no cumprir sua obrigao. No deixam de ser hipteses possveis, muito embora no caso de o empregado fugir, porque ele no est mais interessado no emprego. No caso do empregador, ele pode especular financeiramente com o dinheiro do empregado, ou simplesmente fraudar ou quebrar. Esses casos tm aumentado com a terceirizao, ou mesmo com a quebra de grandes empresas, como as de aviao, que no Brasil comeou de forma marcante com a quebra da Vasp na dcada de 1990 e da Varig, mais recentemente. A justificativa do risco s demonstra a consequncia de uma correlao de foras desfavorvel ao trabalhador, o que no novidade.

10.1.2. Uma explicao para a frmula H uma outra explicao, alm dessas, que mais importante para a solidificao da dominao e que est relacionada mais diretamente com a instituio da justia. A possibilidade de o empregador ser o credor lhe possibilita praticar a

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Gomes, Orlando e Gottschalk, lson (1996b, p. 268) afirmam que o empregado no deve dispor antecipadamente do produto de seu trabalho. No basta, portanto, proteger o salrio contra os abusos do empregador, necessrio se torna a proteo contra a imprevidncia do empregado. Ser que o gasto no final do ms torna o empregado mais previdente?

autotutela, quer dizer, fazer a justia com as prprias mos. Se o empregado no agir conforme manda o empregador e como determina a lei, se no executar corretamente os servios, ele corre o risco de no receber o salrio ou parte dele no final do ms. O convencimento verbal e as punies disciplinares nem sempre so suficientes para impor o ritmo da produo, desde que o chicote foi abolido. A ameaa de no pagar o salrio um elemento eficaz para a garantia da normalidade desejada pelo empregador em seu territrio. Essa reteno salarial pode ser legal, dentro dos parmetros permitidos pela lei, ou de forma abusiva como uma punio extra, pois o trabalhador-credor no possui mecanismos eficazes e rpidos para impor o seu direito. Dessa forma, o empregador no precisa ajuizar uma ao na Justia para depois ter que executar o trabalhador, lembrando que geralmente este no tem patrimnio para arcar com dvidas. O mesmo no acontece com o empregado: se o seu crdito no tem garantia e se no foram criadas condies para que o empregadordevedor cumpra com sua obrigao, sob efetiva ameaa patrimonial, s lhe resta buscar socorro na justia. E aqui que surge o papel do Poder Judicirio como elo na relao de explorao e de dominao. O Poder Judicirio contribui para a viabilidade da explorao, procurando atenuar a sua consequncia nefasta. Ele legitima a explorao quando combate apenas os seus abusos. Ele faz com que a frmula seja cumprida sem questionar a prpria frmula. Com isso queremos dizer que o Poder Judicirio recebe as demandas dos empregados para compensar a autotutela do trabalhador. A Justia evita que o trabalhador pratique a justia com as prprias mos como o faz o empregador legalmente. Muitos empregadores ainda reclamam que o trabalhador quase sempre sai ganhando na Justia do Trabalho, quando sequer conhecemos significativas aes ajuizadas por eles. Uma vez que o credor a parte forte nas relaes comerciais, foi necessrio que se criassem normas prprias no contrato de trabalho, para que um crdito sem garantia pudesse ser aceito no mercado. O direito do trabalho conseguiu fazer com que o devedor tenha o status