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2018 Renato Beneduzi INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL ALEMÃO Coleção Eduardo Espínola edição Revista, ampliada e atualizada

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Page 1: INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL ALEMÃO · A história do direito alemão, ... ruptura teórica que ela representou para toda uma nova ... Demonstram-no a ênfase que se dá à autonomia

2018

Renato Beneduzi

INTRODUÇÃO AO PROCESSO CIVIL

ALEMÃO

Coleção Eduardo Espínola

2ª ediçãoRevista, ampliada

e atualizada

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Capítulo 1

UMA BREVE HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL ALEMÃO E DE SUA RECEPÇÃO NO BRASIL

PROCESSO GERMÂNICO E PROCESSO CANÔNICO-ITALIANO

A história do direito alemão, e de seu processo civil, é essencial-mente a história do conflito, exacerbado em determinados momentos, amainado em outros, entre suas duas principais raízes históricas, entre duas tradições jurídicas inteiramente diferentes1: entre o seu elemento germânico, legado pelos diversos povos que habitavam o além-Reno ao tempo dos romanos, e o seu elemento romanístico, herdeiro do direito romano clássico mas modificado na Idade Média pelo direito canônico e pelo direito comum das cidades do norte da Itália2.

Enquanto o processo germânico tradicional se desenvolvia perante a assembleia do povo, marcado pela oralidade, pela concentração, pelo formalismo e pelos chamados juízos de Deus (ou ordálias3), caracterizava-se o processo canônico-italiano por ser escrito4,

1. rosenBerg/sChWaB/gottWald, Zivilprozessrecht (17ª ed. 2010), p. 16.

2. Chiovenda, Romanesimo e germanesimo nel processo civile, in: Saggi di diritto processuale civile, vol. I (1930), p. 221.

3. “Foram de fundo supersticioso ou místico as ordálias ou juízos de Deus, vigorantes espe-cialmente entre os antigos germânicos. Contava-se com a resposta divina, realizavam-se provas de destreza ou de força (duelos, prova per pugnam) e praticava-se o juramento, na crença, sincera ou não, de que esses fossem caminhos legítimos e confiáveis para a descoberta da verdade. A prova do fogo, a leitura do vôo dos pássaros ou o exame das vísceras de animais eram expedientes que revelariam os desígnios da divindade em favor de uma ou de outra parte do litígio” (dinaMarCo, Instituições de direito processual civil, vol. II (6ª ed. 2009), p. 102).

4. É exatamente neste contexto que surge o famoso brocardo “quod non est in actis, non est in mundo”. Aqui convém fazer-se uma advertência: nem todo brocardo redigido em

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procedimentalista e hierarquizado. Nele desaparecem as ordálias5, substituídas por um sistema mais evoluído, o sistema de prova legal, que não deixa ao arbítrio de juízes ou ao puro acaso a valoração da prova, mas que tarifa abstratamente sua admissibilidade e o peso que se deve dar a cada uma. É um processo de burocratas (Beamtenprozess6), que se desenrola sem a participação popular característica do processo germânico tradicional.

PROCESSO COMUM ALEMÃO

Este processo canônico-italiano será recebido na Alemanha nos séculos XIV e XV7, e da sua mistura com os diversos direitos locais germânicos nascerá o processo comum alemão (gemeiner Prozess) que sobreviverá até meados do século XIX. Típico deste mélange será o processo secreto e escrito perante o Reichskammergericht, tribunal estabelecido em 1495 como corte superior e permanente do Sacro Império Romano-Germânico.

Por alemão não se quer ainda dizer que este seja o processo de um Estado alemão, no sentido moderno do termo, que só nascerá em 1871 com a unificação dos diversos Estados alemães sob a liderança da Prússia, mas sim o processo de diversos Estados e Cidades-Estado reunidos nesta espécie de federação feudal de Estados (o Sacro Império), que não se confunde com o Nationalstaat que nascerá no século XIX8.

latim nasceu ao tempo de Roma. O latim, mesmo séculos e séculos depois da queda de Roma, continuou a ser a língua do direito até, grosso modo, a virada do século XVIII para o XIX.

5. A Igreja, desde muito cedo, combateu a prática das ordálias. O cânon 18 do Quarto Concílio de Latrão, realizado em 1215, por exemplo, interditava aos clérigos, peremp-toriamente, participar destes juízos de Deus (nomeadamente os juízos de água e fogo).

6. rosenBerg/sChWaB/gottWald, Zivilprozessrecht (17ª ed. 2010), p. 871.

7. Sobre o caráter erudito da recepção do direito comum na Alemanha: vogenauer, An Empire of Light? Learning and Lawmaking in the History of German Law, The Cambridge Law Journal 64 (2005), p. 484.

8. A natureza jurídica do Heiliges Römisches Reich Deutscher Nation é controversa. No final do século XVIII, pouco antes de sua extinção em 1806, costumava-se defini-lo com um “Estado composto de Estados”. Meder define-o como uma “construção estatal federalista com pluralidade política, cultural e religiosa” (Meder, Rechtsgeschichte (4ª. ed. 2011), p. 184).

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Capítulo 1 • UMA BREVE HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL ALEMÃO... 23

O processo comum alemão caracterizava-se por ser secreto, escrito, burocrático e por dividir-se em duas fases nitidamente dis-tintas (separadas em uma fase postulatória e outra instrutória pela Beweisinterlokut9). Nele vigiam o princípio dispositivo e a máxima da eventualidade das defesas. A valoração das provas não era livre, mas, superado o puro arbítrio dos juízos de Deus germânicos, vinculava-se a regras estritas (prova tarifada)10.

LEGISLAÇÃO IMPERIAL

O processo comum, resultado deste amálgama confuso de tradi-ções jurídicas diversas e, em larga medida, antagônicas, não escapou das críticas dos autores iluministas, preocupados em extrair da razão (Vernunft) um sistema jurídico (e também um sistema processual) coerente, lógico e, por assim dizer, ahistórico11.

Esta influência iluminista sobre o processo alemão será par-ticularmente visível nas regiões ocupadas pela França napoleônica (especialmente na Renânia) e pela consequente recepção forçada do Code de Procédure Civile francês de 1806, marcado pela valorização da iniciativa das partes, pela publicidade, pela oralidade e pelo princípio do livre convencimento na valoração probatória.

A primeira metade do século XIX verá também, em toda a Alemanha, o crescimento de um espírito nacional que, no plano político, contribuirá para a formação do Império na segunda metade do século e, no plano do direito, para a superação, através de uma codificação verdadeiramente nacional, deste amálgama confuso de

9. Decisão interlocutória, típica do processo comum, que dividia o procedimento em 1ª instância em duas fases rigidamente marcada: a primeira postulatória (Behauptungsverfahren), a segunda instrutória (Beweisverfahren). Apenas com o trânsito em julgado desta decisão, da qual cabia apelação, é que se iniciava a segunda fase. Sobre o ponto: hess, Carl Josef Anton Mittermaier – Zivilprozessrecht in Europa in Baldus/KronKe/Mager, Heidelberger Thesen zu Recht und Gerechtigkeit: Ringvorlesung der Juristischen Fakultät anlässlich der 625-Jahr-Feier 2011 (2013), p. 146.

10. Sobre o processo comum alemão: alvaro de oliveira, Do formalismo no processo civil (3ª ed. 2009), p. 32.

11. Sobre a influência do jusracionalismo iluminista sobre o processo civil: nörr, Naturrecht und Zivilprozess (1976), p. 51. Também vossius, Zu den dogmengeschichtlichen Grundlagen der Rechtsschutzlehre (1985), p. 27.

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direito comum, de direito prussiano e de direito napoleônico (de acordo com a máxima um povo, um direito). Sintomática desta luta pela unidade jurídica é a polêmica entre Savigny e Thibaut, conhe-cida como Kodifikationsstreit, sobre a conveniência da promulgação de um Código Civil nacional alemão12. Do esforço pela codificação do direito processual dá também testemunho a promulgação, por diversos Estados alemães ao longo do século XIX, antes da unifi-cação, de suas respectivas Zivilprozessordnungen, seus Códigos de Processo Civil (como o de Hannover e Braunschweig, por exemplo, em 1850, o de Baden em 1864, o de Württemberg em 1868 e o da Baviera em 1869).

Com a unificação da Alemanha em 1871, e a formação de um Estado monárquico e federal, a competência para legislar sobre processo civil, ao contrário daquela sobre direito civil, que só viria a sê-lo mais tarde, foi atribuída pela Constituição ao governo federal (ao Reich). Sucederam-se logo quatro projetos, o primeiro publicado ainda em 1871. O último, preparado por uma comissão do Reichstag (Justizkommission), transformou-se na Civilprozessordnung (CPO, com “c”, conforme a ortografia antiga, e não com “z”, conforme a moder-na), publicada em 27 de janeiro de 1877, mesmo dia em que também publicada a Gerichtsverfassungsgesetz (GVG – lei sobre a organização judiciária); em 1º de fevereiro do mesmo ano foi publicada ainda a Concursordnung (CO, com “c”, conforme a ortografia antiga, e não com “k”, conforme a atual – lei sobre o direito concursal, ou falimentar). Estas três leis, que entraram em vigor no dia 1º de outubro de 1879, são conhecidas, conjuntamente, como as Reichsjustizgesetze (leis sobre a justiça do Império)13.

A entrada em vigor da ZPO marca, sem dúvida alguma, o nas-cimento do moderno direito processual alemão, não apenas no plano puramente legislativo (como a primeira codificação verdadeiramente nacional do processo alemão), mas também em razão da radical ruptura teórica que ela representou para toda uma nova geração de processualistas formados em sua égide. Foi neste contexto de eferves-

12. Meder, Rechtsgeschichte (4ª ed. 2011), p. 295.

13. Para mais detalhes: nörr, Ein geschichtlicher Abriss des kontinentaleuropäischen Zivilprozesses (2015), p. 119.

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cência científica que se publicou, ainda em 1879, o primeiro volume da famosa revista Zeitschrift für deutschen Zivilprozess, desde 1942 apenas Zeitschrift für Zivilprozess (ZZP), até hoje editada.

O processo civil disciplinado pela ZPO, visivelmente influen-ciado pela legislação processual francesa, é eminentemente liberal. Demonstram-no a ênfase que se dá à autonomia conferida às partes e à ideia de que o exercício da jurisdição é um direito dos cidadãos, não a dispensa de uma graça especial pelo soberano (como na legis-lação prussiana do final do século XVIII, marcada por um extremado oficialismo14). Sugerem-no também a valorização da oralidade e a extinção da Beweisinterlokut e do procedimentalismo burocrático típicos do processo comum15.

A influência francesa não faz da ZPO, todavia, um subproduto do Code de Procédure Civile (como o foi, em larga medida, o Codice di Procedura Civile italiano de 186516). O que de mais notável se vê nesta geração de processualistas alemães é, com efeito, uma verdadeira revolução metodológica: para eles, o processo deixa de ser apenas procedimento, e a função dos estudiosos do processo deixa de ser apenas interpretar a lei (segundo o método exegético francês - mos gallicum). O processo, liberado das amarras do sincretismo do processo comum (do Aktionenprinzip), transforma-se numa verdadeira ciência; não se trata mais de estudar a procédure civile, ou a procedura civile, mas sim o Zivilprozessrecht, o direito processual civil. Esta transfor-mação radical, no processo civil, é sintoma também da importância da Pandectística (Pandektenwissenschaft), e de sua preocupação com a construção de uma ordem jurídica científica que tivesse por base um sistema ordenado de conceitos jurídicos, para o desenvolvimento do direito alemão como um todo.

Símbolo desta transformação, no processo, são o surgimento do conceito de relação jurídica processual (Prozessrechtsverhältnis), diversa da relação de direito material cuja existência é afirmada no processo, e a dissolução (Auflösung) ou decomposição (Zerlegung) da

14. BloMeyer, Zivilprozessrecht (2ª ed. 1985), p. 8.

15. unger, Adolf Wach (1843-1926) und das liberale Zivilprozessrecht (2005), p. 155. Também tarello, Dottrine del processo civile (1989), p. 124.

16. taruFFo, La giustizia civile in Italia dal ´700 a oggi (1980), p. 109.

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actio do direito comum em pretensão material (Anspruch), do lado do direito civil, e em ação (Klagrecht), do lado do processo17.

ENTREGUERRAS E O OCASO DO PROCESSO LIBERAL

O processo alemão sofrerá, na primeira década do século XX, e mais marcadamente após o fim da Primeira Guerra, a influência do processo austríaco (de que símbolo o Código de Franz Klein, entrado em vigor em 1898)18. Este novo processo afasta-se dos cânones liberais que inspiraram a promulgação da ZPO de 1877 e seus primeiros intérpretes (como Adolf Wach) e caracteriza-se pela restrição da au-tonomia das partes (Parteiherrschaft) e pelo correspondente aumento dos poderes do juiz19. Põe-se também em evidência a função social do processo, em contraposição à ideia liberal de que ele deve servir, essencialmente, à tutela de direitos individuais20.

Consequências práticas desta onda antiliberal no direito processual são a chamada Emminger-Novelle de 192421, que Rosenberg define como o momento de ruptura do processo alemão com as concepções liberais que o haviam moldado22, e a novela de 1933, por meio da qual se estabeleceu o dever das partes de dizer a verdade (Wahrheitspflicht).

É preciso reconhecer, todavia, que o regime nazista (Unrechtsstaat) não alterou o direito processual alemão com a mesma intensidade com que o fez em outras áreas do direito (como no constitucional, de que é eloquente exemplo a Gesetz zur Behebung der Not von Volk und Reich de 1933, também conhecida como Ermächtigungsgesetz,

17. Para uma descrição detalhada de como esta Auflösung se deu na segunda metade do século XIX, confira-se a minha tese de doutorado (Beneduzi, Actio und Klagrecht bei Theodor Muther (2017). Também Baldus, Anspruch und Verjährung in Verjährung in Europa – zwischen Bewährung und Reform (2011), p. 11.

18. Sobre o código austríaco de 1895 e sua influência na Alemanha, confira-se nörr, Ein geschichtlicher Abriss des kontinentaleuropäischen Zivilprozesses (2015), p. 133.

19. alvaro de oliveira, Do formalismo no processo civil (3ª ed. 2009), p. 55.

20. unger, Adolf Wach (1843-1926) und das liberale Zivilprozessrecht (2005), p. 272.

21. Limitou-se a autonomia das partes, aumentaram-se os poderes dos juízes, criou-se a figura do juiz único nos Landgerichte (juízos de 1ª instância) e reduziu-se de cinco para três o número de juízes por turma julgadora nos Oberlandesgerichte (juízos de 2ª instância).

22. rosenBerg/sChWaB/gottWald, Zivilprozessrecht (17ª ed. 2010), p. 16.

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através do qual o parlamento alemão transferiu para o Führer todos os seus poderes legislativos)23. O controle nazista sobre o processo acabou se dando de modo predominantemente indireto, através da nomeação de juízes fiéis à ideologia nazista, da demissão de infiéis, da supervisão estrita dos que restaram e da sua integral submissão, na interpretação da lei substancial, aos cânones do regime24.

O PÓS-GUERRA E A LEI FUNDAMENTAL

No dia 8 de maio de 1945, dia da capitulação do exército alemão (Bedingungslose Kapitulation der Wehrmacht), a Alemanha estava em ruínas, economicamente destruída, militarmente ocupada, politica-mente em frangalhos e, com a implosão do Estado nazista, também em situação de quase total anomia.

Logo após o fim da Guerra, assim, ocuparam-se os aliados com a urgente reconstrução da Alemanha, de que parte fundamental a sua desnazificação (Entnazifizierung). Ela consistiu, essencialmente, no afastamento de funções públicas daqueles mais identificados com o antigo regime, a punição dos criminosos de guerra e a desconstrução de todo o arcabouço jurídico nazista (marcado, por exemplo, pela aludida Ermächtigungsgesetz25).

A divisão da Alemanha, consumada com a criação da República Democrática Alemã (DDR) na zona de ocupação soviética, e sob seus auspícios, provocou também a divisão do país em duas ordens jurídicas distintas; esta socialista, outra democrática, marcada pela promulgação, em 1949, da Lei Fundamental (Grundgesetz). Com ela

23. WilloWeit, Deutsche Verfassungsgeschichte (7ª ed. 2013), p. 338 e FrotsCher/pieroth, Verfassungsgeschichte (13ª ed. 2014), p. 305.

24. Sobre a influência do nazismo sobre o direito processual civil alemão, a obra seminal de popp, Die nationalsozialistische Sicht einiger Institute des Zivilprozess- und Gerichtsverfassungsrechts: dargestellt am Beispiel des Gesetzes über die Mitwirkung des Staatsanwalts in Bürgerlichen Rechtssachen vom 15.7.1941 (1986). Também Meder, Rechtsgeschichte (4ª ed. 2011), p. 420.

25. Exemplos outros da perversidade da legislação nazista são inúmeros. Limitando-se a apenas um, basta lembrar da lei destinada “à proteção do sangue alemão e da honra alemã“ (Zum Schutze des deutschen Blutes und der deutschen Ehre), uma das assim cha-madas Leis de Nuremberg, que proibia o casamento e a prática de atividades sexuais entre arianos e não-arianos.

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revigoram-se os valores democráticos e a centralidade, para o direito, da proteção de direitos fundamentais, e inalienáveis, do homem. Vive--se, na ciência jurídica, o renascimento do direito natural.

Em 1950, ZPO e GVG voltam a vigorar na Alemanha ocidental. Também na Alemanha oriental reconhece-se a vigência da ZPO, com a ressalva de que sua aceitação pelo regime socialista “não significou a continuação do direito burguês, mas que esta legislação recebeu, com sua recepção, um novo conteúdo de classe, de direito democrático e antifascista e, depois, de direito socialista”26, como explica o autor socialista Horst Kellner. A ZPO só viria a ser substituída na DDR por um Código genuinamente socialista em 197527.

A explicação deste autor socialista para a conservação, durante tanto tempo, de uma legislação nascida no seio do liberalismo é, efe-tivamente, quase ininteligível; mas o fato é que, em ambas as partes da Alemanha, a legislação processual permaneceu essencialmente a mesma, ainda que inteiramente diferentes os cânones interpretativos que norteariam sua aplicação. De um lado, a construção do socia-lismo; de outro, uma certa constitucionalização do processo civil (embora menos intensa do que aquela experimentada no Brasil nas últimas décadas). Esta Konstitutionalisierung do direito processual é visível, por exemplo, na construção dogmática de certos direitos processuais fundamentais, como o direito à outorga da jurisdição (Justizgewährungsanspruch28).

Esta divisão formal só acabaria com a Reunificação, em 1990 (reunificação esta que, juridicamente, significou a extinção da DDR e o ingresso, dos Bundesländer que a constituíam, na República Federal; não, a rigor, uma fusão entre dois Estados). É por isso que, com a reunificação, a ZPO de 1877 voltou a vigorar em toda a Alemanha, inclusive nos estados que integravam a antiga DDR.

A partir da década de 70 acentua-se a preocupação com a sim-plificação (Vereinfachung) e aceleração (Beschleunigung) dos processos e com a garantia do acesso à justiça. Com a Vereinfachungsnovelle de 1976 introduziram-se no processo alemão a execução provisória

26. Kellner, Zivilprozessrecht (1980), p. 45.

27. Kellner, ibidem, p. 48.

28. haBsCheid, Der Anspruch auf Rechtspflege ZZP 67 (1954), p. 189.

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e o Mahnverfahren (procedimento assemelhado ao monitório), reestruturando-se também o procedimento em 1ª instância, para torná-lo mais concentrado; em 1980 reformaram-se inteiramente as regras de assistência judiciária, com a substituição do Armenrecht pela Prozesskostenhilfe; em 2001 foi a vez da reforma do recursos, com a ênfase no julgamento monocrático, na simplificação pro-cedimental e na transformação da apelação num Instrument zur Fehlerkontrolle (instrumento para o controle de erros)29. A entrada em vigor da Mediationsgesetz (Lei da mediação), em 2012, revela também a preocupação do processo alemão com a desjudicialização da solução de litígios.

O PROCESSO ALEMÃO HOJE

O processo alemão, como já se disse, é rápido, barato e confiável. Por isso ele não está em crise, e talvez também por isso não se debata seriamente a criação de um novo Código.

Mas isso não quer dizer, naturalmente, que ele não precise de mudanças, e nem tampouco que mudanças importantes não con-tinuem a ser feitas. A valorização dos julgamentos em 1ª instância é uma tendência cujos desdobramentos parecem ainda não ter se encerrado; a ZPO tem sido também alterada nos últimos anos para adaptar-se às inovações tecnológicas (como em relação à comunicação eletrônica dos atos processuais). O desenvolvimento da arbitragem e da mediação é também um indício desta constante evolução do processo civil alemão.

São visíveis também a influência do direito americano, especial-mente em algumas áreas do direito probatório (como, por exemplo, na superação paulatina da resistência alemã ao depoimento pessoal da parte como legítimo meio de prova; ou em relação ao dever das partes, e mesmo de terceiros, de exibir determinados documentos, desde que detalhadamente descritos e identificados, acrescentado à ZPO em

29. Afastando-se a ZPO, como observou Barbosa Moreira, “em certa medida, do modelo que faz da segunda instância um novum iudicium, e não mero instrumento de controle e eventual correção de erros porventura cometidos na primeira (revisio prioris instantiae)” (BarBosa Moreira, Breve notícia sobre a reforma do processo civil alemão, in: Temas de direito processual – oitava série (2004), p. 204).

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200230), e a do direito comunitário europeu, que não é relevante apenas para o assim chamado processo civil internacional europeu (que regula o processo civil entre pessoas de diferentes países-membro da União, especialmente em relação à fixação de competência, comunicação dos atos processuais, litispendência e coisa julgada), mas também para o processo nacional alemão, submetido a diversas diretrizes europeias que dizem respeito ao processo, ditando-lhe standards mínimos, e tam-bém à jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia, com sede em Luxemburgo. Esta influência é sentida tanto no plano do direito positivo (por exemplo, no estímulo comunitário ao desenvolvimento do processo coletivo, ainda incipiente na Alemanha) quanto no plano propriamente dogmático (o conceito tradicional de Streitgegenstand vem sendo reavaliado na Alemanha exatamente à luz do direito europeu).

RECEPÇÃO DO PROCESSO ALEMÃO NO BRASIL

A legislação processual brasileira, com a independência, continuou sendo, essencialmente, a lusitana (mantendo-se inalteradas as regras previstas no livro terceiro das Ordenações Filipinas)31.

Este direito processual recebido em 1822, é verdade, tem algumas de suas raízes longínquas no antigo processo germânico que alanos, vândalos, suevos e especialmente visigodos trouxeram consigo para a península ibérica durante o período das invasões bárbaras32. Ele deve também alguma coisa à influência do usus modernus pandectarum alemão, recebido em Portugal através das reformas pombalinas da segunda metade do século XVIII33. Mas nada disso torna determi-nante a influência alemã na formação do direito processual lusitano herdado pelo Império do Brasil34.

Este panorama não se alterará muito ao longo do século XIX, período ao longo do qual o processo civil brasileiro continuará fun-

30. Jauernig/hess, Zivilprozessrecht (30ª ed. 2011), p. 224.

31. loBo da Costa, Breve notícia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua literatura (1970), p. 2.

32. alMeida Costa, História do direito português (3ª ed. 2007), p. 101 ss.

33. tuCCi/azevedo, Lições de história do processo civil lusitano (2009), p. 141 ss.

34. Sobre este direito: taruFFo/Mitidiero, A justiça civil – da Itália ao Brasil, dos setecentos até hoje (no prelo), especialmente o primeiro capítulo.

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Capítulo 1 • UMA BREVE HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL ALEMÃO... 31

damentalmente lusitano, a despeito da entrada em vigor, em 1850, do Regulamento 737 e, a seu reboque, do início da “formação de uma consciência processual brasileira”35. Embora ainda essencialmente lusi-tano, com efeito, o processo brasileiro começará a sentir a influência francesa logo nos primeiros anos da Independência (nomeadamente na reforma processual de 183236), influência esta que continuará a ser sentida durante todo o Império37.

O direito alemão não chegará primeiro ao Brasil através do processo, mas sim por meio do direito civil, mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil alemão (Bürgerliches Gesetzbuch – BGB) em 190038. Disto dão testemunho o enorme valor que Teixeira de Freitas, talvez o maior dos civilistas brasileiros do século XIX, deu à pandectística alemã e, mais especialmente, à obra de Savigny39, e também a importância para o direito brasileiro da “Escola Alemã de Recife” de Tobias Barreto e Clóvis Beviláqua40, este o autor do projeto, de 1899, que viria a ser o Código Civil brasileiro de 191641.

Não se deve esquecer que o sincretismo entre processo e direito material de que só se libertaria o direito processual brasileiro em meados do século XX facilitaria a propagação, do direito civil para o processo, ainda na segunda metade do século XIX, de conceitos pandectísticos como direito subjetivo e relação jurídica. A recepção da Pandectística alemã foi decisiva, com efeito, para familiarizar os juristas brasileiros com este arcabouço teórico sobre o que se sus-

35. loBo da Costa, Breve notícia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua literatura (1970), p. 51.

36. paCheCo, Evolução do processo civil brasileiro (2ª ed. 1999), p. 99.

37. Como exemplifica a obra de Paula Baptista, talvez o mais profícuo dos processualistas brasileiros do século XIX. Na 3ª edição, de 1872, de seu “Compêndio de teoria e prática do processo civil comparado com o comercial”, cita Paula Baptista, em algumas passagens, processualistas franceses como Carré e Bonnier e o próprio Code de procédure civile. Dos alemães, ao contrário, pouquíssima coisa (Struvius e Savigny, por exemplo), mas nada de processo (paula Baptista, Compêndio de teoria e prática do processo civil comparado com o comercial (3ª ed. 1872), pp. 35, 45, 64, 86, 87, 91, 110 e 194).

38. rodrigues Júnior, A influência do BGB e da doutrina alemã no direito civil brasileiro do século XX, Revista dos Tribunais 938 (2013), p. 84 ss.

39. liMa Marques, Cem anos de Código Civil alemão: o BGB de 1896 e o Código Civil brasileiro de 1916, Revista dos Tribunais 741 (1997), p. 18.

40. sChMidt, Zivilrechtskodifikation in Brasilien (2009), p. 44.

41. liMa Marques, ibidem, p. 22.

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tentava o moderno processo alemão, acabando por servir também para preparar terreno, antes mesmo de autores como Muther, Bülow e Wach começarem a ser conhecidos no Brasil, para a recepção do Zivilprozessrecht que só ocorreria décadas depois.

Após a proclamação da República, estendem-se ao “processo, julgamento e execução das causas cíveis em geral as disposições do regu-lamento n. 737”, conforme o art. 1º do Regulamento 763, de 189042. A Constituição de 1891, no entanto, atribuiu aos estados a competência para legislar sobre processo civil, razão pela qual o Regulamento 737 foi paulatinamente substituído pelos respectivos códigos estaduais de processo civil, embora sem que eles representassem algo de substancial e verdadeiramente novo em relação à legislação herdada do Império43. Este panorama só mudará em 1939, com a promulgação do Código de Processo Civil nacional.

É neste período que a ZPO de 1877 e os modernos processualistas alemães começam a ser conhecidos no Brasil, onde encontram um terreno fértil e, por assim dizer, já adubado pela recepção da pandectística no direito civil. Eduardo Espínola, por exemplo, autor do projeto do Código de Processo Civil da Bahia de 1915, falava alemão fluentemente e conhecia bem a doutrina processual alemã44; em suas anotações ao Código, escritas em 1916, são inúmeras as citações da ZPO e de autores como Hellwig e Kohler45. Também Lopes da Costa46, Guilherme Estellita47 e Pontes de

42. loBo da Costa, Breve notícia histórica do direito processual civil brasileiro e de sua literatura (1970), p. 57.

43. Referindo-se ao Regulamento 737, afirmou Frederico Marques que “o pior é que a ele ainda nos mantivemos presos durante toda a fase legislativa da primeira República, pois os códigos estaduais e as leis da União se mostraram incapazes de se libertarem do jugo secular do ronceiro processo comum que Portugal nos legou” (FrederiCo Marques, Instituições de direito processual civil, vol. I (4ª ed. 1971), p. 120.

44. BarBosa Moreira, Der Einfluss des deutschen Zivilprozessrechts in Portugal und Brasilien in Das deutsche Zivilprozessrecht und seine Ausstrahlung auf andere Rechtsordnungen (1991), p. 390.

45. espínola, Código de processos do estado da Bahia anotado, vol. I (1916), pp. 306, 312, 336, etc.

46. Lopes da Costa cita, em seu livro publicado em 1930, alguns (mas não muitos) repre-sentantes da “Escola Científica alemã”, como Kisch. As citações de italianos “científicos”, como Chiovenda e Calamandrei, são, ao contrário, mais frequentes (lopes da Costa, Da intervenção de terceiros no processo (1930), pp. 9, 15, 167, etc).

47. estellita, Direito de ação direito de demandar (1ª edição publicada 1933, 2ª edição em 1942).

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Capítulo 1 • UMA BREVE HISTÓRIA DO PROCESSO CIVIL ALEMÃO... 33

Miranda48, mesmo antes de 1939, demonstravam familiaridade com o processo alemão. A rica obra de ambos os juristas, que se estenderá por toda a vigência do Código de 1939, será, com efeito, sempre marcada pelo diálogo direto com as fontes alemães.

Será apenas com a promulgação do Código de Processo Civil de 193949 e, sobretudo, com a renovação que sua entrada em vigor causou na doutrina processual brasileira, que se poderá falar na efetiva recepção no Brasil da moderna ciência processual50, nascida na Alemanha.

Esta recepção, entretanto, a despeito da importância de autores como Eduardo Spínola, Lopes da Costa, Guilherme Estellita e Pontes de Miranda, será fundamentalmente uma recepção indireta, intermediada pelos autores italianos. Esta orientação italiana já é perceptível no pró-prio Código de 1939 (Pedro Batista Martins, autor do projeto, conhecia bem a doutrina italiana contemporânea, mas, ao que parece, por não dominar a língua, não tinha acesso direto às fontes alemãs51), mas se tornará dominante com a chegada de Liebman ao Brasil e a fundação, sob seus auspícios, da assim chamada Escola Paulista de Processo52, que tanto marcará o desenvolvimento do processo civil brasileiro; basta dizer que será do seio desta Escola que sairá Alfredo Buzaid, pai do Código de 1973, profundamente marcado pela influência italiana53.

48. Pontes de Miranda, por sua vez, cita Bülow, Degenkolb, Hellwig, Kisch, Langheineken, Muther, Planck, Schmidt, Wetzell, entre outros (pontes de Miranda, A ação rescisória contra as sentenças (1934), pp. 16, 23, 36, 39, 84, 96, 244, 267 e 269, etc).

49. “Coexistiam, naquele código, uma parte geral moderna, fortemente inspirada nas legis-lações alemã, austríaca, portuguesa e nos trabalhos de revisão legislativa na Itália, e uma parte anacrônica, ora demasiadamente fiel ao velho processo lusitano, ora totalmente assistemática” (BerMudes, Introdução ao processo civil (4ª ed. 2006), p. 218).

50. prata, História do processo civil e sua projeção no direito moderno (1987), p. 187.

51. Barbosa Moreira observou que, embora a exposição de motivos do CPC de 1939 não faça referência alguma à legislação e à doutrina alemães, certos artigos do código parecem ser traduções de artigos da ZPO. Barbosa Moreira suspeita ainda que esta recepção tenha se dado mediante as traduções espanhola da ZPO alemã e italiana da ZPO austríaca, que Batista Martins cita com frequência em seus comentários ao CPC, publicados em 1940 (BarBosa Moreira, Der Einfluss des deutschen Zivilprozessrechts in Portugal und Brasilien, in: Das deutsche Zivilprozessrecht und seine Ausstrahlung auf andere Rechtsordnungen (1991), p. 392).

52. FrederiCo Marques, O direito processual civil em São Paulo, vol. I (1977), p. 3.

53. “A Escola Processual de São Paulo, pela mão de um dos seus mais destacados integrantes, o prof. Alfredo Buzaid, foi a maior alavanca da substituição do Código de Processo Civil de

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As décadas seguintes à promulgação do Código de 1973 co-nhecerão, sem dúvida alguma, a primazia desta perspectiva italiana, através da qual se popularizarão no Brasil alguns processualistas ale-mães, especialmente aqueles que escreveram até a década de 30. E é exatamente a imagem do processo civil alemão desta época, conforme ele foi compreendido e valorado pela doutrina italiana do início do século XX, que os processualistas brasileiros ainda têm em mente, de modo geral, quando pensam no direito processual civil alemão. Ignora-se, em larga medida, o que veio depois.

Existem, naturalmente, exceções. Estudiosos importantíssimos para a história do direito processual brasileiro, como Hélio Tornaghi, Barbosa Moreira, Arruda Alvim e Alvaro de Oliveira, mantiveram sempre vivo, ao longo de sua profícua produção acadêmica, o diálogo Brasil-Alemanha54, sem sucumbirem à tentação de olharem o pro-cesso alemão através da perspectiva italiana. Seus esforços, todavia, não foram suficientemente fortes para colocar em xeque a primazia da orientação italiana, que até hoje marca profundamente não só o processo civil brasileiro, mas também a imagem que nós, brasileiros, temos do processo alemão.

1939 por um novo. Na elaboração do projeto que lhe fora encomendado pelo governo Jânio Quadros, esse discípulo direto de Liebman foi buscar na obra e no pensamento do Mestre o amparo para a reformulação de institutos mal-modelados na velha lei ou para a implantação de institutos ou soluções até então alheios ao nosso sistema” (dinaMarCo, Fundamentos do processo civil moderno, vol. I (6ª ed. 2010), p. 39).

54. Mais recentemente, este diálogo tem sido cultivado, especialmente, por Teresa Arruda Alvim, Aluísio de Castro Mendes, Nelson Nery Júnior e Antonio do Passo Cabral.

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