curso de direito constitucional ii - daniel sarmento

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    13 AULA 12/12/2000

    Art. 5, inc. XXIV - DESAPROPRIAO

    Hoje a nica possibilidade de desapropriao sem pagamento em dinheiro para fins de

    reforma agrria. A CRFB tambm prev a desapropriao sem pagamento em dinheirodo imvel urbano que no cumpre a funo social tal como prevista no plano diretor, sque para isso h necessidade de lei e esta no foi editada ainda. Isto est no art. 182, incIV CRFB, porm essa norma hoje no aplicada por carecer de lei regulamentadora,pois preciso que antes seja editada uma lei federal, dispondo e explicitando essescomandos abstratos contidos na CF. Quando essa desapropriao vier a ser instituda,ela ser de competncia privativa do Municpio, que para desapropriar ter que ter umalei especfica do Municpio, alm da lei federal, dispondo sobre a questo. Se o imvelno cumpre o plano diretor, o Municpio ter que tentar essas providncias arroladas nosincisos do art. 182. H uma ordem que o Municpio tem que respeitar, s podendopassar medida do inciso III se houver tentado sem xito as dos inc. I e II. Contudo

    como no h lei regulamentando, hoje isso no aplicado.

    Art. 5, inc. XXV REQUISIO Tem em comum com a desapropriao o fato deque traduz uma modalidade de interveno estatal na propriedade privada. Contudo assemelhanas se esgotam a.Abaixo esto as diferenas:

    DESAPROPRIAO REQUISIOQuando no houver consenso, depende de recurso ao

    Judicirio auto executria

    Os pressupostos so muito mais largos necessidade,utilidade pblica ou interesse social

    Os pressupostos so mais restritos iminente perigopblico

    Indenizao prvia Indenizao ulterior e condicionada, s cabendo sehouver dano

    Forma de aquisio da propriedade No forma de aquisio da propriedade

    Na requisio esses pressupostos so mais restritos, e essa diferena que justifica adessemelhana entre esses dois institutos. O iminente perigo pblico no pode aguardar

    o desfecho de uma ao judicial, pois o dano que se quer evitar, j ter se consumado. Arequisio auto executria, diferentemente da desapropriao. Nesta, quando oparticular no consente o preo ofertado pelo Poder Pblico, preciso que oexpropriante proponha uma ao para s depois do pagamento do preo estipulado naao que vai se operar a transferncia da propriedade. Na requisio no est secogitando de propriedade.Exemplo: Requisio de leitos na rede privada de sade. Num municpio em que osleitos do SUS estavam todos ocupados, voc no pode obrigar os hospitais privadosa se conveniarem ao SUS. O Municpio no caso em tela, foi l, requisitou, ocupou afora o leito, e deixou a indenizao para o fim. O problema maior nessa questo saber se depois o Municpio vai indenizar pelo valor da tabela do SUS ou se pelo

    valor que aquele prestador cobrava. Deveria ser pelo que o prestador cobrava,

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    seno voc vai, por vias oblquas, criar um mecanismo para obrigar as pessoas acelebrar um contrato com quem elas no querem.Requisio s pode importar em perda da propriedade quando ela disser respeito a bensconsumveis.Ex: Numa cidade isolada por uma enchente s h um estoque de comida e o dono do

    estoque no quer vender. O Municpio pode ir l, requisitar e como o bem consumvelvc no ter como devolver a mesma espcie. Porm, em princpio, a requisio importaem privao temporria da posse e no da propriedade. Essa indenizao ulterior terque contemplar no s o dano stricto sensu, como tambm os lucros cessantes.Exemplo: Se tiverem que ocupar as dependncias do curso para combater um incndio,o curso ter deixado de lucrar por um tempo, sendo razovel que essa privao do lucroseja contemplada na indenizao.

    Art. 5, incs. XXXIII e XXXIV Esse um tpico direito republicano, cada cidadotem o direito de saber o que faz o Estado, conhecer como os negcios pblicos sogeridos. O cidado quer desejar saber do andamento de um processo de licitao no

    Ministrio da Fazenda, tem direito de pedir uma certido, e o Estado no pode negarsobre o pretexto de que ele no tem nenhum interesse, o qual se corporifica naparticipao do cidado na vida pblica. A regra a transparncia e no a opacidade.Voc como cidado tem direito a obter essas informaes e se o pedido for negado oremdio constitucional cabvel o Mandado de Segurana (no o Habeas Data que cabvel quando a informao que voc pretende obter diz respeito a voc, quando setrata de uma informao relacionada a uma questo pblica ou mesmo uma questo quete interessa, mas no a seu propsito, o instrumento cabvel o MS)Esse direito de informao no absoluto, havendo excees a tal princpio.

    Art. 5, inc. XXXIV alnea b o indivduo tem direito certidoindependente da informao se prestar a defesa dos seus direitos ou de ser uma situaoque seja do seu interesse pessoal. O diferencial da alnea b para o inciso anterior independentemente do pgto de taxas O cidado tem o direito de obter informaessobre uma questo de interesse pblico, mesmo que aquilo no o afete diretamente, ano ser que a questo envolva intimidade ou privacidade de terceiros ou que exista umrisco para a segurana pblica com a exposio daquela informao. Inclusive, ascertides relativas a prpria pessoa, no podem ser cobradas, apesar de na prtica aJustia Estadual cobrar. Quando a informao diz respeito a prpria pessoa que estarequerendo, o Estado no poderia alegar que uma razo de intimidade ou seguranapara no dar acesso.

    alnea a direito de petio abarca o de que o pedido que eu enderecei a umaautoridade pblica seja apreciado e decidido. A lei 9051/95 estabelece prazos para isso.Questo: Se algum entra com um pedido absurdo, sem sentido, disparatado, voc deveresponder ou apenas engavetar? Prevaleceu que deve ser engavetado de pronto.

    Art. 5, inc. XXXVIII A CRFB elevou ao status constitucional o Tribunal doJri, estabelecendo uma competncia mnima para crimes dolosos contra a vida homicdio, aborto doloso, induzimento ao suicdio, infanticdio etc., excluindo outroscrimes como latrocnio, seqestro seguido de morte, ou seja, outros crimes dolosos queatingem o bem jurdico vida mas que no tiveram a princpio esse intuito. Se partirmosda premissa que essa uma norma consagradora de direitos fundamentais, seria bvio

    que a jurisprudncia est errada, pois deveria ser dada a ela uma interpretaoampliativa, no podendo colocar essa exegese ao sabor da vontade discricionria do

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    legislador infra constitucional. O professor acha que esse inciso no tem natureza dedireito fundamental, e s por isso aceita essa jurisprudncia. Mas para quem parte dapremissa de que a competncia do Tribunal do Jri direito fundamental, chega aconcluso de que essa exegese restritiva, que exclui do Jri certos crimes que sodolosos e contra a vida, mas que o legislador no catalogou como dolosos contra a vida

    uma jurisprudncia contra a CF.O STF tem entendido que prevalece a norma que estabelece o foro porprerrogativa de funo, no confronto com a norma que dita a competncia do Jri.

    O STF est equivocado pois voc vai recorrer a um critrio de especialidade pararesoluo de antinomia se antinomia houver. Porm nesse caso no h antinomia, poisse vc pode ter um Jri na Justia Federal, porque no se pode ter um Jri no STJ ou noTJ? vivel conciliar os dois dispositivos, e sendo ela vivel, no caberia recorrer aocritrio da especialidade para resoluo de antinomia porque esse pressupe aincompatibilidade das normas. PORM NO ESSA A POSIO DO STF !!!Exceo s podem criar foro por prerrogativa de funo a Constituio Federal e

    a do Estado (art. 125, 1), assim a Constituio Estadual, pode criar o foro porprerrogativa de funo em dois casos:1) casos simtricos aqueles em que existe o foro no plano federal2) casos em que essa simetria no existe, porm nestes casos, se entende que acompetncia do Tribunal do Jri prevalece ao foro por prerrogativa, pois voc temuma norma constitucional confrontando-se com uma norma infra-constitucional.As outras hipteses, segundo o STF vai prevalecer o foro por prerrogativa defuno, considerada lex especialisem relao lex generalisque seria a do art. 5,inc. XXXVIII.Porm se foi a CRFB que estabeleceu o foro, ele vai prevalecer em relao aoTribunal do Jri. Resumindo:

    Se foi a Constituio Estadual que criou o foro por prerrogativa de funo,voc vai ter que responder a seguinte pergunta: esse foro criado pela Const.Estadual decorreu do Princpio da Simetria, ou seja, a C. E. est criando porqueno plano federal um cargo idntico desfruta do foro por prerrogativa de funo?Se for isso, vai prevalecer o foro por prerrogativa de funo. Se no for isso, ouseja, a C. E. tiver criado tal foro sem ter nada a ver com nenhuma hiptesediscriminada no texto constitucional, prevalecer a competncia do Jri, poishaver o confronta entre uma norma constitucional e uma norma infra-constitucional, e o critrio hierrquico, usado antes na resoluo das antinomiasdo que o critrio de especialidade (posio do STF).

    Para o Professor seria possvel conciliar o foro por prerrogativa com acompetncia do Jri. Ex: Se o Fernando Henrique matar a mulher onde eleresponde? No responde, o art. 86, 4 da CF, dispe que o Presidente noresponde a fatos estranhos ao exerccio do seu mandato. Mas se o Governadormatar a mulher ele vai responder no Tribunal de Justia.

    Essa previso relativa ao Tribunal do Jri suscita algumas discusses emtorno da soberania dos veredictos. J se discutiu se essa soberania seria compatvelcom os recursos das decises do Jri. A apelao, quando a deciso manifestamente contrria a prova dos autos por exemplo. O STF entendeu que simporque a deciso do Tribunal no vai substituir a deciso do Jri, s vaideterminar que uma outra seja proferida. Contudo, numa deciso recente o STF

    enfatizou que diante do pp Princpio da Soberania do Jri a admissibilidade dessaapelao deve ser vista sempre com reservas, devendo ser verificada uma

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    teratologia naquela deciso que est sendo objeto de impugnao. A soberania dosveredictos tambm teve a sua aplicao discutida a propsito do cabimento daReviso Criminal. O STF disse que se o Tribunal do Jri direito fundamental,no se pode interpret-lo contra o titular do direito, que o ru. A RevisoCriminal s a favor do ru, no se podendo a pretexto de tutelar um direito

    fundamental negar um recurso que vai favorecer o titular do direito. Seria umainterpretao que negaria a prpria finalidade do instituto.J se ouviu falar em Mandado de Segurana contra deciso do Jri, o que

    para o professor inadimissvel, porque o Mandado de Segurana da acusao iapermitir que um rgo jurisdicional julgasse aquilo, o que iria violar a soberaniados veredictos.

    Art. 5, inc. XLVII h uma clusula de encerramento que a das penascruis, que um conceito jurdico determinado que permite com o passar dotempo que voc passe a conceber certas medidas que antes eram tidas comorazoveis e a evoluo da sociedade vai tornando-as cada vez mais incompatveis evoc pode vir at a proscrev-las.

    H duas controvrsias interessantes sobre esse dispositivo:1) Ele diz respeito somente a direito penal? O STF tem uma deciso sobre a lei4595 que tem a possibilidade de imposio de uma penalidade aos dirigentes deinstituio financeira, proibindo a pessoa de voltar a ser dirigente posteriormente, uma medida/sano administrativa. O STF declarou inconstitucional porque incompatvel com essa vedao das penas perptuas. No se pode impor nenhumapena perptua para ningum.2) Tribunal Penal Internacional criado em Roma, o Brasil assinou mas ele aindano entrou em vigor. No Tratado que se instituiu esse Tribunal, se prev a pena depriso perptua. A discusso se o Brasil pode ou no ratificar esse Tratado. Se eleratificar, ele vai se sujeitar ao Tribunal Penal Internacional e ter que mandar oscasos que esto previstos no Tratado, para que sejam julgados pelo Tribunal e osujeito vai poder ser condenado a priso perptua.Os favorveis ao Tratado (Flvia Piovezan) dizem que a CF veda que aautoridades brasileiras apliquem a priso perptua, e nesse caso, a mesma seriaaplicada por um Tribunal Internacional de Roma que inclusive no est sujeito sleis brasileiras. H uma posio do STF que se baseia numa deciso que favoreceessa tese, qual seja, o STF no extradita para aplicao da pena de morte ou depena corporal, contudo admite extradio para cumprimento de priso perptua.O professor considera esse tratado inconstitucional, por inclusive o inciso que falada vedao priso perptua constituir clusula ptrea. O Itamaraty deu um

    parecer sustentando a constitucionalidade do Tratado nessa perspectiva.Art. 5, incs. LI e LII Extradio Cabe fazer uma distino entre trs institutosque as pessoas confundem com freqncia, quais sejam:

    - EXTRADIO Existe extradio passiva e ativa. Esses dispositivosconstitucionais versam sobre a extradio passiva. A extradio ativa quando opas (Brasil), solicita a uma outra nao a extradio de algum para ser julgadoaqui ou cumprir pena aqui. Ex: Jorgina, P C Farias, Cacciola etc. Essaregulamentao no est aqui na CF, pois esses incisos supracitados se referem extradio passiva. A extradio passiva se d quando um outro pas solicita s

    autoridades brasileiras que entreguem a ele algum que se encontra no territrio

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    nacional para que essa pessoa seja processada no seu pas de origem ou para quesofra a pena l.A extradio passiva, no Brasil, se submete sempre ao crivo jurisdicional do STF.O pedido de extradio formulado e este ser avaliado pelo STF. Nessa avaliaoo STF no vai avaliar o mrito da acusao, se a pessoa cuja extradio foi

    solicitada culpada ou inocente, ele no vai julgar o caso ou apreciar aculpabilidade do agente. A extradio um processo cuja cognio limitada,tendo o STF que se ater a algumas questes, abaixo relacionadas:1) Verificar se o fato que est motivando o pedido de extradio tpico no pas

    do origem e no Brasil. Se o fato no crime no Brasil, o STF no vai conceder aextradio.

    2) Analisar se j houve a prescrio, fazendo para isso uma anlise dupla, pois vaianalisar a prescrio pela lei do pas e pela lei brasileira. Para analisar pela leibrasileira, ele vai pegar um relato do suposto crime do agente, vai ver aondeque ele se subsume na lei penal brasileira, qual a pena atribuda em tese e sepela legislao brasileira j se consumou a prescrio, que se j tiver ocorrido,

    no vai extraditar.3) Analisar se o pas que est solicitando a extradio ou no um Estado de

    Direito. Se as garantias processuais bsicas so asseguradas, se h naquele pascondies para um julgamento justo. O Brasil, por exemplo, no extraditaningum para a China ou para Angola. O STF vai analisar a pena que o agentevai se submeter em tese, no pas que solicita a extradio. Para o professor a que o Supremo falha, pois h certas penas que so vedadas no nossoordenamento, tais como de morte, perptua, banimento etc. O STF no admiteextradio para pena de morte, trabalhos forados etc. mas admite para prisoperptua. Daniel acha que no h lgica pois se voc parte da premissa de queessas normas so de ordem pblica, que elas tocam o cerne da concepo dedireitos humanos latente no Direito Brasileiro, no haveria porque vocpermitir a extradio no caso de priso perptua. Com relao s outras penas,o STF pergunta para o pas que est solicitando a extradio se ele aceitacomutar aquela pena em pena privativa de liberdade, por exemplo. Se o pasaceitar, o Supremo pode julgar a extradio, se o pas no aceitar, o processo extinto e no tem extradio. Contudo o STF no faz isso em se tratando depena de priso perptua orientao consolidada do STF.O Supremo no vai se ater apenas questes puramente formais, mas ele no vaiter uma cognio plena sobre a questo de mrito. O que o Supremo vaiverificar se o sujeito que j foi julgado em seu pas de origem e hoje se

    encontra no Brasil, tendo contra ele um pedido de extradio, teve ocontraditrio no processo, se houve o direito de defesa. Se no houve direito dedefesa no julgamento, o STF no concede a extradio.

    A CRFB/88 vedou a extradio do brasileiro nato em qualquer caso, epermitiu em duas hipteses a extradio do brasileiro naturalizado, quaissejam: crime comum antes da naturalizao e comprovado envolvimento emtrfico ilcito de entorpecentes e drogas afins, e nesse caso no preciso queeste tenha ocorrido antes da naturalizao, podendo ser depois. A extradio a entrega de algum para cumprir pena ou para sofrer uma acusao criminale se submeter a um processo em outro pas. Ento a primeira coisa que tem queacontecer o pas de origem pedir a extradio, havendo pedido, o Supremo

    vai analisar o seguinte:

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    1) Quem competente para julgar o crime? Se pelas leis brasileiras, acompetncia para julgar o crime for da Justia brasileira, no vai serconcedida a extradio pois o crime ser julgado aqui. O sujeito pode at ser

    julgado, condenado e depois expulso, mas no ser extraditado. O Brasilconcede a extradio se o competente para julgar o caso for, conforme a lei do

    pas de origem, aquele pas, e conforme a lei brasileira no for o Brasil.Ex: Crime de trfico cometido aqui. O Brasil no vai extraditar sendo osujeito julgado aqui.Inciso LII Tambm uma vedao absoluta. Porm, o STF tem entendido oseguinte:1) Se for crime s poltico ou s de opinio, obviamente que a extradio est

    vedada. Entretanto existem crimes mistos, por exemplo:Ex: Um cara assalta um banco para que esse $ financie um movimento polticode oposio num Estado de Exceo.Ex 2: O terrorista que coloca uma bomba num local.

    O Supremo vai se valer do critrio da predominncia, vendo caso a caso o

    que predomina, se a dimenso poltica ou se a dimenso de crime comum deum determinado fato. Ele no vai analisar o fato e sim a descrio do fato feitapela autoridade estrangeira. Se predominar o carter poltico, nega-se aextradio. Se predominar o crime comum, a extradio pode ser concedida.

    Quem decide a extradio o Presidente !!! A deciso do STF condio paraum ato discricionrio do Presidente. O STF pode conceder a extradio e oPresidente pode se recusar a dar, no se efetivando ento.

    A lei 6815 prev a priso do extraditando e determina que essa priso serdecretada pelo Ministro da Justia. O STF entendeu que essa norma foiparcialmente recepcionada, tendo em vista a existncia de 3 correntes:

    1) Sustenta que essa priso no cabia2) Sustenta que essa priso cabia, mas que s poderia ser decretada pelo

    STF e no pelo Ministro da Justia3) Sustenta que essa priso s poderia caber se estivessem presentes os

    requisitos da priso cautelar, preventiva.

    O STF adotou a posio de que essa priso possvel, mas que tem que serdecretada por juiz, e no existe qualquer requisito, bastando para isso o fato dopas de origem ter pedido a extradio. O STF faz um exame de delibao paraaverigar se aquele pedido no incorre em uma das vedaes previstas eadmitido o pedido de extradio, antes do julgamento vai ser expedida um

    mandado de priso sendo o sujeito preso, ficando a disposio do STF at ojulgamento da extradio. Entende-se, inclusive, que estar o extraditandocustodiado uma condio para o julgamento da extradio. Isso porque amesma implica na assuno de um compromisso do Estado de entregar autoridade estrangeira aquela pessoa, e no se pode comprometer se no estivercom a pessoa presa. Ento antes se prende para depois julgar o processo. Anica ressalva que o STF fez a de quem decreta a priso no mais o Ministroe sim o Ministro do Supremo que for o Relator do processo de extradio. Opedido de extradio feito pela autoridade estrangeira j importa na priso doextraditando. O MP custos legis na extradio, e no parte. O autor aautoridade estrangeira.

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    - EXPULSO um procedimento administrativo, discricionrio do Presidenteda Repblica, h o contraditrio, e que tende a retirada do pas, do estrangeirocujas atividades sejam nocivas ao interesse nacional, representando risco ao pas.A expulso instrumentalizada atravs de um ato do Presidente, sendo um decreto

    que expulsa. No h, em princpio, qualquer exerccio prvio de jurisdio, mas lgico que se o indivduo que teve sua expulso decretada quiser, ele pode ir aJuzo, at pela inafastabilidade do controle jurisdicional. Entretanto no necessrio que se passe pelo Judicirio para expulsar. A expulso tambm nosignifica condenao criminal. muito comum a seguinte situao: o sujeito preso e est respondendo a processo. Sendo ele estrangeiro, muito maisconveniente expulsar o sujeito do que mant-lo preso aqui, dando gastos ao Estado.

    - DEPORTAO tambm um procedimento administrativo, mas ospressupostos so outros. A deportao se d em relao ao estrangeiro cujaentrada ou permanncia no pas esteja irregular. Ex: O sujeito que entra sem visto

    ou com visto falso ou o sujeito que entra com visto de turista e flagradotrabalhando etc. No se faz um juzo acerca da periculosidade da presena doindivduo aqui, e sim leva-se em conta um fato objetivo, o estrangeiro est emsituao irregular, a presena dele ou a entrada dele no pas se deu de formaindevida. A deportao no um ato do Presidente, um ato do Ministrio daJustia que pode ser delegado e freqentemente , Polcia Federal. Os trs tm em comum que ao final eles importam na retirada de algum doterritrio nacional. Contudo essa a nica semelhana.

    Art 5 - 1Consagra-se nesse pargrafo o Princpio da Efetividade dos Diretos

    Fundamentais ou da Aplicabilidade Imediata dos Direitos Fundamentais. A CRFBprometeu mais do que podia, pois h direitos fundamentais que no so auto-aplicveis, como por exemplo o direito a moradia, reconhecido atravs de umaemenda recente que o incorporou ao art. 6. No h auto-aplicabilidade no direito moradia. Para que um direito seja auto-aplicvel, sobretudo no caso de direitos prestao, preciso que haja uma definio de qual o contedo da prestaodevida.Ex: direito moradia eu posso pedir que o Estado me d um lugar para morarporque eu no tenho casa prpria? No, no assim que a coisa se d.

    Essa auto-aplicabilidade dos direitos fundamentais, em relao aos direitos

    da liberdade tem sido considerada como plena, sendo este, inclusive, o fundamentodo STF para reconhecer, no caso do Mandado de Injuno e do Habeas Data, queesses instrumentos podiam ser utilizados antes do advento de lei regulamentadora.No Habeas Data j houve a lei que a 9.507, mas no Mandado de Injuno aindano h tal lei.Ao Civil Pblica proposta pelo Professor: Argumentao:Se um direito no pode ser frudo, h uma inconstitucionalidade por omisso, que um ato ilcito. Ato ilcito gera dever de indenizar, assim a inconstitucionalidadepor omisso deve gerar esse dever. O Prof. entrou com uma ACP condenatria pordireitos individuais homogneos, em favor de todos os servidores pblicos por noter sido editada uma lei dando o reajuste tal como determina a CF no seu art. 37,

    inc. X. Alegou que a Unio, um rgo da Unio legislador cometeu um ato ilcito. ACF dispunha que o direito tinha que ser criado pelo legislador e o mesmo no o fez,

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    pois no instituiu o direito atravs de lei, ele incorreu numa inconstitucionalidadepor omisso, que um ato ilcito e quem deve arcar com esse dever o legisladorfederal que a Unio.

    Essa aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, deve ser entendidano mnimo, como uma diretriz exegtica para o intrprete buscar extrair da norma

    a maior carga de efeitos que ela pode dar. Ento o intrprete diante de uma normaconstitucional especial, que consagra direitos fundamentais, deve pensar no que elepode fazer para tirar daquela norma o mximo de efeitos.

    Art. 5 - 2Esse dispositivo consagra o Princpio da Atipicidade dos Direitos

    Fundamentais, que significa que esse elenco na CF no exaustivo, pois h outrosdireitos que podem ser inferidos seja do regime constitucional, seja de normasinternacionais como os Tratados. Essa norma permite que se descubra, nas zonasde penumbra da CF, alguns direitos latentes. O principal critrio para se descobrirdireitos fundamentais no escritos o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana.

    A idia dos direitos fundamentais a concretizao desse meta valor tratar ohomem sempre como fim e nunca como meio. O homem como valor fonte de todo oordenamento jurdico. Muitas vezes o direito no est na CF e pode serconsiderado um direito fundamental, como por exemplo o direito alimentao.

    O governo resolveu extinguir o programa de concesso de cestas bsicas sobo argumento de que a cesta bsica assistencialista, que melhor haver polticasmais consistentes, que melhor ao invs de dar o peixe dar a vara de pescar etc. Sque essa ruptura na entrega de cestas bsicas sem que imediatamente haja umsubstitutivo adequado, gera fome. Vai ser proposta em funo desse problemagerado, uma ACP contra a suspenso desse programa de cestas bsicas at quehaja um programa de medidas substitutivas, pois melhor haver um paliativo doque o cara morrer de fome.

    Tiramos da que muitas vezes a dignidade da pessoa humana nos permitedescobrir direitos fundamentais onde o texto foi omisso. Alm disso, direitosfundamentais no so s os do art. 5 ou 6, pois vamos encontrar em outrosartigos constitucionais normas que desfrutam da caracterstica de direitosfundamentais. O STF decidiu isso no leading case do IPMF que foi o que veio antesdo CPMF. O IPMF foi criado pela EC n 03, e poderia incidir no mesmo ano, entose alegou que o Princ. da Anterioridade Tributria era um direito fundamental e oSTF acolheu essa argumentao. Ento no a localizao da norma no corpo daCF que vai definir a natureza da mesma. Esse dispositivo suscitou tambm o

    carter constitucional ou no dos Tratados Internacionais sobre direitos humanos.O STF tinha uma posio sobre tratados (Rec. Ext. 80.003 Lei Uniforme deGenebra X Lei do Cheque) em que ele equiparou o tratado lei ordinria. Havia aposio dualista que sustentava no poder haver conflito por se tratar de esferasdistintas, a norma internacional s para relaes do pas com outra relaes, eque a norma interna valia para os sditos do Estado, para a norma internacionalvaler na ordem interna teria que ser feita uma lei igual tal posio foi afastada.Havia ainda a posio dos monistas radicais que sustentavam que a normainternacional estava acima do ordenamento interno tambm foi afastada. OSupremo ficou com o monismo moderado (posio minoritria no mundo,prevalecente tambm nos EUA, porm nos demais pases da Europa, quase

    pacfico que prevalece o Tratado sobre o direito interno, sobre a lei). Um setor dadoutrina com o qual o Prof. concorda defende que os tratados sobre direitos

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    humanos tm fora constitucional e a brecha para a aplicao dessa tese no direitobrasileiro foi o art. 5, 2, que permitiu a incorporao de direitos humanosdecorrentes de tratado.

    O STF ao se deparar concretamente com uma hiptese de coliso entrenorma constitucional e tratado, persistiu na viso clssica de que todos os tratados

    valem como lei ordinria, inclusive aqueles que versassem sobre direitos humanos. uma tese incompatvel com a filosofia da universalizao dos direitos humanos, aidia de se conceber os direitos humanos como um limite para o Estado.

    Ento para o STF os tratados, mesmo sobre direitos humanos, valem comosimples lei, como lei ordinria.

    O tratado tem o seu processo de elaborao, onde ele celebrado, depoispassa pelo Congresso para ele aprovar ou no, depois o Executivo promulgaatravs de um decreto etc. Contudo como se sai de um tratado? Atravs dadenncia que pela Teoria do Direito Internacional Pblico, um ato do Executivo,no passa pelo crivo do Legislativo. Ser que isso compatvel com o art. 5 , 2da CF, em relao aos tratados sobre direitos humanos? Ser que o Presidente

    pode denunciar a Declarao Universal dos Direitos do Homem? Pela teoriatradicional pode, mas no campo de direitos fundamentais seria tolervel adenncia do Executivo a um tratado que verse sobre direitos humanos? Fica aquesto pois nenhum autor se manifestou sobre o assunto ainda.

    H hoje uma soluo para o futuro eqacionamento desse problema dahierarquia dos tratados que a de atribuir hierarquia constitucional aos tratadosdesde que aprovados pelo qurum de 3\5. O grande argumento contrrio hierarquia constitucional dos tratados a rigidez constitucional.

    O STF refutou essa tese sob o argumento de que no se pode admitir amudana da CF a no ser atravs daqueles mecanismos previstos na CF. Dizia-seque era um contra-senso que para fazer uma emenda precisa de 3\5, porm sepoderia mudar a CF atravs de tratado que aprovado por maioria simples. Hojeno projeto de reforma do Judicirio est a outorga de carter constitucional aostratados sobre direitos humanos, desde que aprovados com voto de 3\5 dosparlamentares.

    DIREITOS SOCIAIS

    Origem histrica surgem no cenrio jurdico como uma reao aosexcessos do capitalismo. Essa reao se esboa primeiro fora do cenrio jurdicoatravs do Marxismo, socialismo utpico, doutrina social da igreja etc.

    A Constituio Mexicana de XVII e a de Weimer de XIX so os marcos dacanalizao dessas pretenses para o universo do prprio Direito Constitucional.Esses direitos sociais viveram o seu apogeu nas dcadas de 60 e 70 na

    Europa Ocidental.Porm em 1973 e 1979 houve uma crise do petrleo onde o mundo ficou

    mais pobre. O avano na medicina e no saneamento bsico foi fazendo com que apopulao envelhecesse mais e que a taxa de natalidade diminusse. Oenvelhecimento populacional somou-se a um outro fator que foi a globalizaoeconmica. Direitos sociais dependem de polticas pblicas. Tais polticaspressupe que o Estado tenha um certo domnio sobre as variveis que influemsobre a sua economia. Hoje ficou muito difcil formular polticas pblicas por um

    Estado que no tem o menor controle de variveis extremamente importantes (Ex:crise na Nasdaq acarretando que a cotao do dlar v nas alturas, poderia

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    ocorrer que o dinheiro que est todo aqui nas bolsas brasileiras sasse do pas, nohavendo mais recursos necessrio para financiar a poltica de sade pblica)

    Ento, hoje a tendncia de retrocesso na tutela dos direitos sociais, o quej vem se refletindo na ordem constitucional brasileira, com a diminuio do

    tamanho do Estado, enxugamento da mquina estatal, reduo das prestaesdevidas pelo Poder Pblico. Esses so temas tratados sob o rtulo de certoseufemismos mais digerveis pela opinio pblica como por exemplo a flexibilizaodas relaes de trabalho que nada mais do que a extino de direitos sociais.

    A CRFB/88 ainda no chegou ao ponto de abolir direitos sociais, mas certo que esse momento se aproxima, sobretudo por estar na pauta do CN areforma das relaes de trabalho na Constituio Federal.1 O STF teve umadeciso importante sobre isso, quando julgou a constitucionalidade de umdispositovo da EC n 20 que dizia que nenhum benefcio da previdncia socialpoderia ser acima de mais ou menos 10 salrios mnimos. E h um benefcio daPrevidncia que maior e sempre foi qual seja, o salrio maternidade que

    corresponde ao salrio de contribuio da mulher e que nunca teve limite, porqueno tem sentido a mulher sair de licena para ter seu filho e ganhar menos e ogoverno disse que quem ia pagar a diferena com a instituio da EC n 20 era oempregador, sendo ento argida a constitucionalidade da emenda. O STF disseque a emenda era inconstitucional porque se se adotasse a orientao desejada pelogoverno, transferindo ao empregador o nus de pagar ao empregado o queexorbitasse aquele limite gestante vc ia incrementar a discriminao contra amulher no mercado de trabalho, e h no texto constitucional a garantia daisonomia entre homem e mulher. Da o STF para no se complicar dizendo que osdireitos sociais so clusulas ptreas, disse que nesse caso em particular era.

    Posio de Ricardo Lobo Torres, Diogo de Figueredo, Ives Gandra acercadesse tema: defende que direitos sociais no so direitos fundamentais, que osdireitos fundamentais so os individuais, os direitos da liberdade. Os direitossociais no so fundamentais, vigoram sob a reserva do possvel, dependem deconcretizao do legislador etc. Eles defendem s ser fundamental o mnimoexistencial, que seriam aquelas prestaes sem as quais o sujeito no subsiste. Comisso exclue-se do elenco dos direitos fundamentais sociais uma srie de coisas, qualseja, tratamento de sade, educao que no seja aquela mais elementar ...

    Para o professor essa uma viso ideolgica e que no corresponde filosofia latente na nossa ordem constitucional. Os direitos sociais so direitosfundamentais, que tm certas peculiaridades em relao aos direitos individuais,

    contudo no h uma hierarquia axiolgica entre eles.Problemas mais complexos que os direitos sociais sucitam: a questoprincipal que a mais difcil de ser equacionada que os direitos sociais dependemde polticas pblicas que dependem de recursos. Os recursos so finitos, asnecessidades e demandas so infinitas. Como atender aos direitos sociais ento?

    Ricardo L.Torres sustenta que os direitos sociais vigoram com reserva deoramento, ou seja, para que eles sejam atendidos necessrio que antes olegislador previsse na lei oramentria, recursos para fazer frente s despesas e seno estiver no oramento j era.

    Para o professor isso uma inverso, colocar na disponibilidade dolegislador infra-constitucional a concretizao de um direito cuja consagrao

    1Essas consideraes todas esto em um artigo escrito pelo Professor chamado Globalizaoe Direitos Sociais. Limites tico-Jurdicos para o Realinhamento Constitucional.

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    decorreu de uma opo soberana do constituinte. Por outro lado no h comoatender tudo e caber a quem fazer a escolha do que se pode atender?

    Pensando em termos concretos, quem tem legitimidade para organizar adistribuio oramentria e fazer escolhas polticas o legislador, mas se ele faz deforma diversa do previsto constitucionalmente, essa posio estaria dando um

    poder ao legislador infra-constitucional de comprometer a eficcia da normaconstitucional.Numa prova para a Procuradoria do Estado por exemplo, se tivesse que ser

    feita uma contestao, o candidato teria que dizer que est se invadindo aseparao de poderes, que o pedido juridicamente impossvel, que est seentrando no mrito do ato administrativo etc.

    Prova para o MP: elaborao de uma pea: deve-se dizer o contrrio, queso direitos constitucionais, isso a concretizao de um direito constitucional, avontade das instncias polticas no devem se sobrepor aos desgnios doconstituinte, direitos sociais so tambm dotados de efetividade etc.

    H argumentos convincentes para ambas as posies, deve-se buscar

    conciliar esses valores de modo que por um lado no olvide da legitimidadedemocrtica do legislador para realizar escolhas propsito da alocao derecursos escassos, mas que por outro lado tambm no desprestigiem a eficcia dasnormas constitucionais que consagram os direitos sociais.

    H um parecer do Eros Roberto Grau sobre a seguinte questo: uma ACPsobre matria previdenciria e a Unio foi condenada a pagar. Acontece que sepagar atrasado por precatrio, pagar dali para frente, o aumento no se d porprecatrio. Hoje a MP 1.984 desvirtuou isso, mas at ento a sentena da ACP nocomportava recurso com efeito suspensivo, tinha que executar imediatamente jtendo que se incorporar aquele valor.

    A partir dessa questo perguntou-se o que fazer diante do caso, pois notem previso do oramento e a CF diz que no pode haver despesa sem oramentoe que se o Presidente realizar despesa sem oramento, ele comete crime deresponsabilidade. O Eros R. Grau vai para a Teoria da Ponderao e diz que emlinha geral voc pondera princpios, mas muitas vezes existem regras que gravitamem torno dos princpios afastando o princpio que a matriz das regras. Ento asregras que configuram concretizaes dos princpios tambm acabam saindo decena. Ele diz que no caso est se ponderando um princpio que mximo noEstado de Direito que o da Obedincia das Decises Judiciais, e isso tem valormaior do que o oramento. At porque a quem cabe decidir o que vale mais se ooramento ou a deciso do juiz ? Ao juiz, a deciso em ltima anlise do juiz.

    Ento no caso exposto Eros diz que deve-se gastar sem oramento, no incidindo apena do crime de responsabilidade, a no ser que haja uma efetiva exausto detodos os recursos, pois a no haver faticamente como cumprir. Essa discusso dareserva do possvel extremamente complexa, pois a mesma no significa previsooramentria, significa existncia de recursos.

    CLASSIFICAES DOS DIREITOS SOCIAIS

    A idia geral de que os direitos sociais so direitos prestao, so direitosque se traduzem em deveres comissivos, positivos do Poder Pblico. Contudo issono uma regra absoluta, do mesmo jeito que h direitos sociais prestao, como

    por exemplo o direito ao acesso ao Judicirio, h tambm direitos sociaisnegativos, como por exemplo liberdade sindical, liberdade de greve etc. Ento o

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    critrio para distinguir direito social de direito individual no pode ser o critrioda prestao ser positiva ou negativa. Pode-se dizer genericamente que os direitossociais so aqueles que tm como premissa a necessidade da promoo daigualdade substantiva, a proteo do mais fraco na arena social, mudana dostatus quo em favor de quem est desfavorecido. Direitos sociais so os que

    expressam essa lgica do intervencionismo estatal em defesa do mais fraco. Osdireitos individuais so os que visam proteger liberdades pblicas, s que muitasvezes essa defesa depende de atos comissivos. Por exemplo, a proteo dapropriedade que um tpico direito individual depende da segurana pblica que uma prestao.

    Pode-se fazer uma primeira distino entre direitos sociais negativos e positivos.Uma outra distino importante a que se faz entre os direitos sociais originrios ederivados.

    Para o Barroso direito social e norma programtica so coisas diferentes.Essa posio no corresponde a maioria da doutrina brasileira e internacional.Canotilho fala que h modos diferentes de se consagrar um direito social e que um

    deles numa norma programtica.Para podermos estudar melhor o assunto vamos ignorar essa diferenciao

    colocada pelo Barroso. Ento direitos sociais originrios so aqueles nos quais combase na CF possvel se exigir uma prestao estatal, como por exemplo o direitoda educao bsica. J o direito social derivado aquele que dependeria deconcretizao do legislador, como por exemplo o direito moradia, sade.Contudo, mesmo em relao aos direitos sociais derivados, no que afetar o mnimoexistencial entende-se que este ser auto-aplicvel. O mnimo existencial que umcorolrio da diginidade da pessoa humana no dependeria de concretizaomesmo em relao aos direitos derivados prestao.

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    Direitos Sociais (art. 6)

    Conceito de mnimo existencial: representa o ncleo dos direitos sociais que pode ser

    imediatamente exigido mesmo no caso de direito derivado (norma constitucional quedependa de concretizao legislativa). Tem como fundamento o princpio da dignidadeda pessoa humana. Por exemplo: direito moradia um direito social derivado, pois euno posso com base na CF pedir que o Estado construa uma casa para mim. S queexiste um mnimo que exigvel desde logo. O mnimo existencial um tpico conceitojurdico indeterminado cujo contedo vai depender de uma srie de circunstncias e vaivariar no tempo e no espao. A idia do mnimo existencial est ligada quelasprestaes que so absolutamente indispensveis para que algum viva com umpouquinho de dignidade.

    Portanto, em relao a todos os direitos sociais, mesmo quando eles no forem auto-

    aplicveis, no que eles estiverem relacionados com o mnimo existencial, tornam-seauto-aplicveis. Da tutela do mnimo existencial ns podemos, inclusive, inferir aexistncia de direitos fundamentais implcitos, tais como o direito alimentao.

    A situao complicada a correlao entre o mnimo existencial e questes comoseparao de poderes, legalidade oramentria etc. O atendimento do mnimoexistencial para parte significativa da populao implica num gasto de dinheiro. Hento o problema de que este gasto deveria estar previsto, em face do princpio dalegalidade oramentria. Por outro lado, existe a idia de que opes de gesto derecursos pblico deveriam, em princpio, ser feitas por quem foi eleito pelo povo paralegislar. Ento, at que ponto o rgo jurisdicional pode ir na concretizao destesdireitos ? Daniel defende a tese de que os direitos sociais, na sua concretizao, podemser ponderados com princpios estruturais (teoria do Robert Alexy). O tema suscitaenorme polmica. Tomar cuidado com a tese que adotar em provas de procurador deEstado e advogado da Unio (invaso de poderes, inobservncia da legalidadeoramentria etc.).

    O contedo do mnimo existencial depende de uma anlise, luz dos nossos valores ecostumes, daquilo que absolutamente essencial para que algum sobreviva, e sem oqual aquela vida se torna impossvel ou sujeita a condies injustas e intolerveis.

    muito complicado importar estes conceitos nascidos na Europa ocidental para umasociedade de capitalismo perifrico como o Brasil. L a aplicao deste conceito espordica, aqui acontece sempre. Logo, a tutela do mnimo existencial se torna umaenorme exceo ao princpio da separao de poderes em pases como o Brasil,diferentemente dos pases onde se originou, onde apenas uma pequena exceo.

    Direito Educao (art. 6)

    Art. 205. A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida eincentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da

    pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho.

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    H aqui uma expressa consagrao da eficcia horizontal dos direitos fundamentais (aeducao no s dever do Estado, mas tambm da famlia). com base nestefundamento que possvel caar o ptrio poder de um pai que no permita ao filho ir escola.

    A educao incorpora uma srie de atores. Alm do Estado e da famlia existemtambm diversas entidades no estatais que podem participar deste processo deformao.

    A presente exposio se atm s normas que tratam da educao enquanto direitofundamental.

    Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:

    I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola;

    Com base no inciso I a jurisprudncia tem consagrado entendimento pacfico pelo qualas instituies de ensino, mesmo privadas, tm que manter sistemas de iseno para ainscrio no vestibular. A inscrio pode ser cobrada, mas tem que existir iseno paraquem no puder pagar.

    Igualdade da permanncia na escola a jurisprudncia predominante no permite que oaluno inadimplente seja desligado durante o perodo letivo. O que pode ser feito ,quando o aluno persistir na inadimplncia, recusar a matrcula no outro perodo letivo.No se pode recusar diploma, exames, boletins...

    Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios:

    .............................................................................................................................................

    .........

    IV - gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais;

    Estabelecimento de ensino oficial no pode cobrar nada do aluno. Esta gratuidadeabrange o ensino em toda a sua extenso, desde a pr-escola at o doutorado.

    Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de:

    I - ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, assegurada, inclusive, sua ofertagratuita para todos os que a ele no tiveram acesso na idade prpria;

    II progressiva universalizao do ensino mdio gratuito;

    .............................................................................................................................................

    ........

    1 - O acesso ao ensino obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo.

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    Ensino fundamental ensino de primeiro grau. direito pblico subjetivo,imediatamente exigvel. um direito social originrio (no depende de lei paraconcretiz-lo). Isto , se algum quiser se matricular numa escola pblica e no hvagas, ele pode imediatamente propor uma ao para compelir o Estado a abrir umavaga ou, se isto no for faticamente possvel, para o Estado custear sua educao numa

    instituio privada.

    Em relao a segundo e terceiro graus no h direito social originrio. O ensino desegundo grau deve ser progressivamente estendido. O que se pode fazer aqui invocar oprincpio da proibio do retrocesso se, por exemplo, numa determinada localidade umaescola de 2 grau fechada no se pode faz-lo sem dar uma outra alternativa para oensino pblico de 2 grau. Seria, por este mesmo fundamento, cabvel uma ao civilpblica contra fechamento de vagas em escola de 2 grau ou em faculdade pblicas.

    Art. 208. O dever do Estado com a educao ser efetivado mediante a garantia de:

    .............................................................................................................................................

    ......

    III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficincia,preferencialmente na rede regular de ensino;

    Este artigo est ligado a uma srie de outras normas constitucionais que cuidam dasituao das pessoas portadoras de deficincias. A idia moderna no mais de trat-losem separado do resto da sociedade. O conceito hoje de incluso, de traz-los para omeio de ns, mesmo que ns tenhamos de nos adaptar as suas necessidades especficas.A filosofia atual no de trat-los em instituies separadas, mas de incorpor-los aoensino regular, para que eles no se sintam prias na sociedade.

    Polticas de ao afirmativa na educao a discusso envolve o princpio da isonomia,bem como outros dispositivos constitucionais. O art. 206, I, fala em igualdade depermanncia na escola; o art. 208, V, fala em acesso aos nveis superiores de ensinosegundo a capacidade de cada um. Da conjugao destes dispositivos ns podemosinferir que o critrio adotado para a adjudicao dos bens pblicos no processoeducacional o mrito, que, em regra, aferido atravs de uma prova. Quando secomea a reservar vagas ns estamos adotando um outro critrio.

    Michael Walzer, em seu livro Spheres of Justice, afirma que no existe um critrioabsoluto para a partilha de bens socialmente relevantes. Dependendo da esfera em quevoc se situar haver um critrio padro, que corresponder aos valores e costumesvigentes na sociedade num determinado momento. Na rea da sade, por exemplo, ocritrio o da necessidade, quem precisa mais deve ser atendido primeiro. Na educao,sobretudo no nvel superior, o critrio que tem predominado o do mrito. Seradmissvel ns embaralharmos este critrio com outro ? Esta discusso no somentejurdica, tem tambm um vis filosfico. Daniel entende que cabvel a aplicao deoutros critrios, pois as normas acima mencionadas no so regras, so princpios quepodem ser ponderados com outros princpios e valores constitucionais, de forma aremover certos obstculos de justia distributiva. Logo, em princpio seria possvel

    adotar uma poltica de ao afirmativa, observadas as peculiaridades do caso concreto.

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    Recentemente a Suprema Corte Americana deixou de admitir o sistema de cotas raciaisno sistema educacional americano (sistema este que ela mesmo estabeleceu na dcadade 50).

    Seguridade Social

    A CF estabeleceu como direitos fundamentais sade, previdncia social e assistnciaaos desamparados. Estes trs domnios podem ser reunidos sob um rtulo de SeguridadeSocial, sendo que a CF criou regimes diversos para cada um dos trs.

    Na ordem constitucional passada assistncia social no era tratada na Constituio, eprevidncia e sade eram tratadas da mesma forma (o sujeito tinha que ser filiado aosistema para fazer jus ao benefcio). Hoje, o constituinte separou. A previdncia socialtem um sistema contributivo, sinalagmtico, comutativo, eu preciso pagar para receber.Sade e assistncia social, por outro lado, so absolutamente independentes decontraprestao, ou seja, a pessoa no precisa ser filiada a nenhum sistema nem precisa

    pagar. Foi consagrada a gratuidade e a universalidade do sistema de sade. Este modelos existe em dois pases do mundo, Cuba e Sucia, e cuja importao pode sercontestada em virtude da realidade brasileira.

    A gratuidade na sade universal. No h sequer o critrio possibilidade de pagamento.Qualquer pessoa, independentemente de suas posses, tem direito a ser atendida e a obterremdios.

    A assistncia social a proteo do desamparado (benefcios de renda mnima, bolsaescola, salrio-mnimo para o deficiente que no tem outro meio de prover asubsistncia, ...).

    Direito Sade (art. 6)

    Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticassociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e aoacesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo erecuperao.

    A CF diz que a sade direito de todos. Por outro lado, no art. 194, I, que trata daSeguridade Social, portanto tambm aplicvel sade, est prevista a universalidade da

    cobertura e do atendimento. Ns temos ento uma dupla universalidade: universalidadesubjetiva e universalidade objetiva. A primeira determina que todo mundo,independentemente de condio social, domiclio (morar no municpio ou no),participao no sistema, faz jus ao servio pblico de sade. A universalidade objetivasignifica que o servio tem que se estender a todos os tratamentos, todos os agravos sade algum. Mesmo que eu tenha uma doena rarssima, eu tenho direito a obter darede pblica o tratamento da minha doena. A universalidade objetiva abrange tanto ostratamentos curativos quantos os preventivos.

    Ser que este modelo factvel ?

    Esta opo constitucional ainda no foi bem absorvida por parte da doutrina e dajurisprudncia. Curiosamente, a jurisprudncia do STF tm sido bastante progressista

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    nesta matria. muito comum em aes desta ndole o Estado contestar dizendo queno h recursos, aquilo no prioridade, no h previso legal etc. Ora, trata-se deimposio constitucional. Daniel entende que este direito originrio, logo qualquertipo de tratamento pode ser exigido do Estado.

    Mas e se a o tratamento para um determinada doena rara no est disponvel no Brasil,mas apenas no exterior ? O Estado obrigado a custear o tratamento2 ? Neste direito,como em outros, a gente tem que sempre pensar em proporcionalidade e em reserva dopossvel. No podemos fazer a chamada micro-justia, devemos nos preocupar com amacro-justia. Ou seja, no se deve pensar no tratamento apenas daquele indivduo.Devemos generalizar o problema e ver se dentro de uma linha de razoabilidade, aquiloest dentro da reserva do possvel. Vamos supor que o Joaquim tem uma doena cujotratamento experimental s se encontra disponvel em Houston e custa um milho dedlares. Ora, este tratamento no vai estourar o oramento da Sade, que de mais de20 bilhes. Mas no podemos pensar s no problema do Joaquim, seno estaramosfazendo micro-justia. importante destacar que o nus da prova de que no possvel

    do Estado, pois existe um direito sade sob a tica da universalidade objetiva. umdireito prima facie, o Estado que tem contest-lo (no basta alegar, tem que provar,sempre lembrando que reserva do possvel no reserva de oramento). Outrasconsideraes devem tambm ser observadas, tais como o grau de experimentalidade dotratamento, sua importncia para a sobrevida do paciente, o grau de culpa do Estado porainda no oferec-lo etc.

    Os casos at agora enfrentados pelo STF foram fceis, pois existiam leis quedeterminavam a concesso de medicamentos. Ou seja, no foi necessrio sequer discutirse direito sade originrio ou no. O Barroso, por exemplo, entende que o art. 196 norma programtica.

    Um dos problemas que envolve a sade que o dever correlato a este direito no s daUnio, do Estado ou do Municpio. Em matria de ensino a CF j equacionou a questodizendo que, em princpio, o dever de oferecer ensino de 1 grau do Municpio (o queno obsta a que o Estado e a Unio tambm o ofeream). Mas o atendimento sade competncia comum deste trs entes federativos. Logo, de quem exigi-lo ? Aorganizao do SUS permite entender melhor a questo.

    A idia do SUS estruturar a prestao deste servio atravs de um sistema nico quefunciona de modo hierarquizado, isto , a Unio cuida dos lineamentos gerais do

    sistema, mas do ponto de vista da prestao do servio s lhe compete aquilo que for dealtssima complexidade (ex.: hospital de referncia nacional para cncer); ao Estadoincumbe as prestaes de mdia complexidade e ao Municpio o atendimento do dia-a-dia. neste sentido que a CF fala em carter descentralizado e democrtico daadministrao (art. 194, VII).

    Art. 198. As aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada ehierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordo com as seguintesdiretrizes:

    I - descentralizao, com direo nica em cada esfera de governo;

    2 A este respeito est para sair um livro do Gustavo Amaral pela Editora Renovar.

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    O Municpio deve ficar com a maior parte da prestao. O SUS uma poltica que vemsendo progressivamente implantada.

    Em relao ao financiamento, esta pirmide invertida. Se ao Municpio incumbe o

    grosso da prestao do servio, ele tambm no tem recursos para financiar este servio.A maior parte dos recursos da sade vm atravs da Unio, das contribuies para aseguridade social (cofins, contribuio sobre o lucro, ...). Ento como feita adistribuio ? Atravs de um sistema de fundos. A Unio tem o fundo federal, cadaEstado tem um fundo estadual e cada Municpio um fundo municipal. A Unio repassapara os Estados verbas do fundo nacional, e o Estado por sua vez vai repassar para oMunicpio. Dependendo do caso a Unio pode repassar direto para o Municpio. De talforma que o grosso do financiamento da sade vem do dinheiro federal. Por isto quede vez em quando tem prefeito sendo julgado pela Justia Federal malversao deverba do SUS.

    Ento, no financiamento voc tem a participao das trs instncias federativas, com apredominncia dos recursos federais. E no servio voc tambm tem a participao dastrs instncias, mas com a predominncia do Municpio. Na prestao ns podemosutilizar como critrio norteador a descentralizao a partir do princpio dasubsidiariedade (a esfera mais elevada s atua quando a que estiver embaixo no tivercondies consagrado na encclicaMater et Magistra).

    A gesto destes recursos feita atravs de fundos. Isto vai constituir uma exceoquela idia de que o Executivo um poder hierrquico e vertical. Um dos princpiosque rege a sade pblica encontra-se nos seguintes dispositivos:

    "Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de aes deiniciativa dos Poderes Pblicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitosrelativos sade, previdncia e assistncia social.

    Pargrafo nico. Compete ao Poder Pblico, nos termos da lei, organizar a seguridadesocial, com base nos seguintes objetivos:

    .............................................................................................................................................

    ............

    VII - carter democrtico e descentralizado da administrao, mediante gestoquadripartite, com participao dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentadose do Governo nos rgos colegiados."

    Art. 198. As aes e servios pblicos de sade integram uma rede regionalizada ehierarquizada e constituem um sistema nico, organizado de acordo com as seguintesdiretrizes:

    .............................................................................................................................................

    ......

    III - participao da comunidade.

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    Esta participao est regulamentada pela Lei n 8.142. Cada entidade federativa temque ter um conselho de sade, composto por autoridades da Administrao Pblica, porrepresentantes da comunidade dos usurios e dos profissionais da rea de sade. Esteconselho que vai estabelecer diretrizes e fiscalizar o uso, o repasse e aplicao dasverbas. O poder do conselho no meramente opinativo, mas deliberativo sobre a

    aplicao de recursos e formulao de polticas pblicas na rea da sade. uminstrumento da democracia participativa3.

    O SUS no um sistema apenas estatal, abrangendo tambm a rede privada conveniada.Esta atende as pessoas cobrando o atendimento do Estado.

    Alm da rede do SUS a CF tambm permite que haja uma rede privada, noconveniada, que age atravs de leis de mercado. Mas mesmo esta rede privada no estexcluda da idia de que sade , essencialmente, um servio pblico, donde decorremuma srie de conseqncias jurdicas, tais como restries ao princpio da autonomia davontade. Neste casos possvel invocar a eficcia horizontal do direito sade em

    relao, inclusive, entidades privadas. A jurisprudncia, at por desconhecimento,muitas vezes deixa de invocar o fundamento constitucional para basear-se no Cdigo doConsumidor. Esta questo, no entanto, no pode ser compreendida em termos absolutos.A rede privada embora esteja prestando servio pblico privada e tem objetivo delucro, que um objetivo lcito. Desta forma, em muitos casos voc vai ter que procedera uma efetiva ponderao de interesses.

    Direito Assistncia Social (art. 6)

    Art. 203. A assistncia social ser prestada a quem dela necessitar,independentemente de contribuio seguridade social, e tem por objetivos:

    I - a proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice;

    II - o amparo s crianas e adolescentes carentes;

    III - a promoo da integrao ao mercado de trabalho;

    IV - a habilitao e reabilitao das pessoas portadoras de deficincia e a promoo desua integrao vida comunitria;

    V - a garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoa portadora dedeficincia e ao idoso que comprovem no possuir meios de prover prpriamanuteno ou de t-la provida por sua famlia, conforme dispuser a lei.

    Os quatro primeiros incisos so direitos derivados, sem deixar por isto de produziralguns efeitos (vide o que foi dito sobre normas programticas). O inciso V possui umgrau de concreo maior.

    3 A regra geral da nossa democracia a representativa, ou seja, o cidado no exerce diretamente o poder, mas elege

    representantes que agem em seu nome. S que o modelo de democracia representativa comeou a apresentar uma

    srie de falhas. Ento, uma tendncia do constitucionalismo contemporneo reforar instrumentos de participao

    direta do cidado na gesto da coisa pblica. Um destes instrumentos a formao de conselhos. Existe um direito do

    cidado, de natureza poltica, de participar da formulao das polticas pblicas de gesto na rea de sade.

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    A lei que regulamenta o inciso V estipula como renda mxima per capita para percepodo benefcio um quarto de salrio mnimo. Houve uma ADIN contra esta norma, mas oSTF ao invs de declarar inconstitucional a parte que determinava a renda de um quartode salrio mnimo e substitu-la por aplicao direta do art. 7 da CF estipulando um

    salrio mnimo como renda per capita para percepo do benefcio, disse apenas que olimite era pouco mas se tratava de inconstitucionalidade por omisso parcial, razo pelaqual julgou improcedente a ADIN (seria caso de ADIN por omisso)4.

    Nacionalidade

    As normas constitucionais que regem a nacionalidade tm um papel extremamenteimportante, pois a nacionalidade o vnculo de uma pessoa com determinado Estado.Um indivduo que no est vinculado a nada, o aptrida, encontra-se numa situaomuito difcil. A nacionalidade o direito a ter direitos.

    No mundo existem dois grande modelos para a atribuio de nacionalidade: o iussanguini e o ius soli. H que se entender a mentalidade reinante quando da adoodestes sistemas, no incio do constitucionalismo. A preocupao dos pases era emmanter vnculos com o maior nmero possvel de pessoas, pois isto representava poder.Logo, aqueles pases que eram tpicos de emigrao (europeus) adotavam o ius sanguinipois mesmo que os cidados emigrassem o Estado ainda mantinha vnculo com eles eseus descendentes. Por outro lado, aqueles pases de imigrao (Amricas) adotaram oius soli para nacionalizar os filhos de seus imigrantes.

    Estes dois modelos acabaram se atenuando, criando uma srie de excees. Mas a regraprincipal em toda Amrica o ius soli e a regra principal em toda a Europa o iussanguini.

    A CF, tirando um enorme erro cometido pelo Nelson Jobim quando relator da revisoconstitucional, muita boa no tratamento desta matria. A filosofia das normas denacionalidade que ela deve ser atribudas pessoa que tenha um vnculo profundocom aquele pas. Busca-se afastar tanto a situao do aptrida (heimatrius) como a dadupla nacionalidade. O ideal que cada indivduo esteja vinculado a um Estado.

    Alguns esclarecimentos terminolgicos:

    Nacionalidade de 1 grau ou nacionalidade originria brasileiro nato.Nacionalidade de 2 grau ou nacionalidade derivada brasileiro naturalizado.

    Art. 12. So brasileiros:

    I - natos:

    a) os nascidos na Repblica Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desdeque estes no estejam a servio de seu pas;

    4 Muito embora o STF j tenha confirmado sua posio diversos juzes a tm ignorado e concedido aes para

    determinar um renda mnima per capita mais justa.

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    Aqui ns temos a regra geral do ius soli. A Repblica Federativa do Brasil compreendetodo o territrio nacional, o mar territorial, o espao areo, embarcaes e aeronavesnacionais no-militares no mar ou espao areo internacionais, e as embarcaes eaeronaves nacionais militares onde quer que estejam. No territrio brasileiroembaixada e consulado brasileiros no exterior.

    A alnea a contempla a nica exceo que diz que no brasileiro nato quem nasceuem territrio nacional. As demais excees dizem que so tambm brasileiros os queno nasceram aqui.

    Ambos os pais devem ser estrangeiros. O servio deve ser prestado ao pas do pai / me,ou seja, o filho de pais franceses servio dos EUA seria brasileiro nato. A expressodo seu pas engloba a prpria nao e as entidades pblicas a ela pertencentes(pessoas jurdicas de direito pblico) no se considera como tal quem est a servio deentidade privada. No preciso que os dois genitores estejam servio do pas, bastaum.

    Apesar de no constar na CF, existe uma hiptese em que se cogita da no aplicaodesta exceo: o Brasil signatrio de um tratado para evitar a situao do aptrida.Ento, se uma criana nasce no Brasil filha de pais estrangeiros servio de seu pas,mas cuja legislao no lhe permita a nacionalidade (p. ex., regime de ius soli maisradical que o do Brasil), poder-se-ia cogitar daquele indivduo ser considerado brasileironato, com base na aplicao do tratado. S que aqui existe uma polmica. Se for adotadaa posio do STF de que os tratados sobre direitos humanos valem como lei ordinria,no se pode aplicar este tratado, pois a matria de nacionalidade originria sujeita reserva de constituio. O STF at agora no enfrentou a questo.

    Art. 12. So brasileiros:

    I - natos:

    .............................................................................................................................................

    .......

    b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou me brasileira, desde que qualquerdeles esteja a servio da Repblica Federativa do Brasil;

    Esta uma exceo ao ius solipara estender as hipteses de nacionalidade originria. Ofilho de pai ou me brasileira, nascido no estrangeiro, desde que qualquer um delesesteja servio do Brasil (Unio, Estados, Municpios, autarquias e fundaes pblicas somente as pessoas jurdicas de direito pblico), brasileiro nato. O outro genitorpode at mesmo ser estrangeiro.

    Pergunta clssica de concurso: filho de jogador brasileiro nascido no estrangeiro emvirtude de Copa do Mundo brasileiro nato ? No, porque a CBF entidade privada.

    E nos casos de adoo ? Se, por um lado a legislao brasileira equipara o filho adotadoao biolgico para todos os fins, por outro h que se levar em considerao alguns dados,

    tais como a idade do adotando (e se for um adulto ?). Daniel acha que, em princpio,seria possvel equiparar a adoo filiao natural para fins de naturalidade.

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    Art. 12. So brasileiros:

    I - natos:

    ....................................................................................................................................................

    c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou me brasileira, desde que venham aresidir na Repblica Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pelanacionalidade brasileira;"

    Este o enorme erro do Nelson Jobim. Existia uma outra hiptese de nacionalidadeoriginria na CF: era o nascido de pai ou me brasileiros no estrangeiro quando fizesseregistro de nascimento na repartio diplomtica competente. Na reviso, sem que estetema tivesse sido discutido, houve uma emenda aglutinativa da qual o Nelson Jobim era

    o relator, que extinguiu esta modalidade de nacionalidade.

    Como a opo ato personalssimo e pressupe a maioridade, o sujeito vai ficar at amaioridade como aptrida (se o pas em que ele nasceu era de ius sanguini) ou comoutra nacionalidade (se era de ius soli). Existem 20 mil criana brasileiras aptridas porcausa deste erro.

    Para remediar esta bobagem o governo fez umas leis, estabeleceu um novo tipo depassaporte diferente para estas crianas poderem entrar e sair do pas.

    Venham a residir a qualquer tempo. Isto foi uma mudana em relao redaoanterior que condicionava a residncia at a maioridade, estabelecendo ainda um prazode 5 anos.

    Existe uma polmica se este maioridade de 21 ou 18 anos. Daniel acha que, como este um ato civil, a maioridade deve ser de 21 anos.

    A opo realizada atravs de um processo de jurisdio voluntria perante a JustiaFederal. O sujeito requer, o juiz ouve o Ministrio Pblico, e homologa. No hcontencioso.

    Nacionalidade originria matria sob reserva de constituio, logo a lei no podeestender as hipteses da CF.

    Art. 12. So brasileiros:

    .............................................................................................................................................

    .......

    II - naturalizados:

    a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originrios

    de pases de lngua portuguesa apenas residncia por um ano ininterrupto e idoneidademoral;

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    b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na Repblica Federativa do

    Brasil h mais de quinze anos ininterruptos e sem condenao penal, desde querequeiram a nacionalidade brasileira."

    A nacionalidade derivada no est sob reserva de constituio, tanto que o estatuto doestrangeiro estabelece uma srie de condies. H, contudo, duas hipteses denaturalizao constitucional (alneas a e b) que ao legislador no dado alterar oumesmo estabelecer novas condies. A lei pode criar outras modalidades denaturalizao, mas no pode modificar as duas hipteses que j foram exaustivamenteprevistas na CF, estabelecendo novos pressupostos.

    Pases de lngua portuguesa no s Portugal, inclui outros como Angola.

    Em regra, pelos manuais de direito internacional, a concesso ou no da nacionalidade um ato de ius imperii do Estado, no haveria direito subjetivo concesso de

    nacionalidade. S que esta temtica vem sendo rediscutida luz da CF/88. Professorescomo Jacob Dolinger ou Barroso defendem que nas hipteses legais realmente no hdireito subjetivo. Todavia, nas hipteses constitucionais (onde a CF especifica ospressupostos objetivos e subjetivos para a aquisio da nacionalidade brasileira) sealgum preencher os pressupostos, requerer a nacionalidade brasileira e ela no forconcedida, o direito desta pessoa ter sido violado e ela poder recorrer ao Judicirio.No se tratar, portanto, de uma questo poltica imune ao crivo do Judicirio.

    Art. 12. .......................................................................................................................................

    1 - Aos portugueses com residncia permanente no Pas, se houver reciprocidade emfavor de brasileiros, sero atribudos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casosprevistos nesta Constituio."

    Esta norma hoje no est sendo aplicada, porque Portugal, desde que realizou a emendaconstitucional (no ano de 1992 ???) que permitiu sua adeso Comunidade Europia,deixou de conceder este benefcio para os brasileiros. Ento, o portugus hoje no temos mesmos direitos que o brasileiro.

    Se, todavia, Portugal estender o regime do portugus ao brasileiro, a norma volta a ser

    aplicada.A exceo prevista nesta norma (salvo os casos...) aplica-se somente, segundo adoutrina dominante, queles direitos que o brasileiro nato tem e o naturalizado no tem.Portanto, em se aplicando a norma do pargrafo 1, o portugus pode fazer tudo aquiloque um brasileiro naturalizado pode.

    H um projeto de emenda estendendo esta norma para os pases da comunidadelusfona.

    Art. 12. ......................................................................................................................

    .................

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    2 - A lei no poder estabelecer distino entre brasileiros natos e naturalizados,salvo nos casos previstos nesta Constituio.

    Distino entre brasileiro nato e naturalizado matria sujeita reserva de constituio.A primeira hiptese a relativa extradio (art. 5, inciso LI). O brasileiro nato no

    pode ser extraditado nunca, enquanto que o naturalizado pode, por crime comumpraticado antes da extradio ou por comprovado envolvimento com trfico deentorpecentes. Outra diferena est ligada aos cargos arrolados no pargrafo 3 que soacessveis somente ao brasileiro nato. A CF/88 restringiu o elenco de cargos sacessveis brasileiros natos (na CF passada governador de Estado tambm no podia,p. ex.).

    Art. 12. .......................................................................................................................................

    3 - So privativos de brasileiro nato os cargos:

    I - de Presidente e Vice-Presidente da Repblica;

    II - de Presidente da Cmara dos Deputados;

    III - de Presidente do Senado Federal;

    IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

    V - da carreira diplomtica;

    VI - de oficial das Foras Armadas.

    VII - de Ministro de Estado da Defesa"

    Nos inciso I a IV o critrio principal que pautou o constituinte foi a linha sucessria doPresidente da Repblica (lembrar que a presidncia do STF exercida em regime derevezamento, logo qualquer um de seus ministros pode alcan-la).

    Nos demais incisos a preocupao maior com a segurana nacional e com a soberania.

    Alm destes cargos tem outro acessvel s a brasileiro nato: os cargos no Conselho daRepblica.

    Art. 89. O Conselho da Repblica rgo superior de consulta do Presidente daRepblica, e dele participam:

    .............................................................................................................................................

    ...........

    VII - seis cidados brasileiros natos, com mais de trinta e cinco anos de idade, sendodois nomeados pelo Presidente da Repblica, dois eleitos pelo Senado Federal e dois

    eleitos pela Cmara dos Deputados, todos com mandato de trs anos, vedada areconduo.

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    Ateno. A nacionalidade originria s exigida para o inciso VII.

    Uma ltima diferena est no art. 222:

    Art. 222. A propriedade de empresa jornalstica e de radiodifuso sonora e de sons eimagens privativa de brasileiros natos ou naturalizados h mais de dez anos, aos quaiscaber a responsabilidade por sua administrao e orientao intelectual.

    S existem estas diferenas entre brasileiros natos e naturalizados.

    Art. 12. .......................................................................................................................................

    4 - Ser declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:

    I - tiver cancelada sua naturalizao, por sentena judicial, em virtude de atividadenociva ao interesse nacional;

    II - adquirir outra nacionalidade, salvo no casos:

    a) de reconhecimento de nacionalidade originria pela lei estrangeira;

    b) de imposio de naturalizao, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente emestado estrangeiro, como condio para permanncia em seu territrio ou para oexerccio de direitos civis;"

    As hipteses de perda de nacionalidade tambm so arroladas taxativamente aqui, comuma exceo que decorre da lgica do sistema.

    Perda da nacionalidade em alguns casos diz respeito apenas ao naturalizado e, emoutros, diz respeito ao naturalizado e ao nato.

    A hiptese do inciso I, que refere-se apenas ao naturalizado, est regulamentada pelaLei n 6.815. Daniel tem srias dvidas se esta lei foi recepcionada, pois foi elaboradaainda na ditadura e a questo da atividade contrria ao interesse nacional, tal comoregulada na lei, ficou meio matizada por esta preocupao poltica, num conceito muito

    aberto e indeterminado. Seria, no dizer dos americanos, uma overbreathe doutrine(norma excessivamente genrica). A doutrina, entretanto, no questiona a recepodesta norma.

    A idia do segundo inciso de que a CF no quer que algum tenha duasnacionalidades. A regra, ento, de que quando voc adquire outra nacionalidade, perdetambm a brasileira. Foram, no entanto, estabelecidas na reviso constitucional de 1994duas excees que j tinham sido consagradas pela jurisprudncia anterior do STF. Aprimeira hiptese (alnea a) diz respeito ao ato meramente declaratrio do pasestrangeiro ( o que acontece com a maioria dos pases europeus que tem como regra oius sanguini). A segunda exceo (alnea b) o sujeito que adquire a nacionalidade

    como condio para o exerccio de seus direitos civis. Tal hiptese vem sendointerpretada com generosidade pelo STF (por exemplo: o STF entende que o sujeito que

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    tem de se nacionalizar para trabalhar no perde a nacionalidade brasileira). A idia que quando a naturalizao feita meio que em estado de necessidade, sob um riscoconcreto do sujeito se ver privado de algum direito importante, isto no importar naperda da nacionalidade brasileira. O conceito de direitos civis acabou sendo alargadopela jurisprudncia (posio coerente, pois trata-se de norma de exceo perda de

    direito, que deve ser interpretada ampliativamente).

    Apesar das hipteses de perda da nacionalidade estarem elencadas numerus clausus, huma outra que decorre da lgica do sistema, que foi bem abordada pelo professor JacobDolinger em artigo sobre o direito internacional na CF/88. o caso da anulao danaturalizao, isto , quando o sujeito frauda algum documento de forma a atender umdos pressupostos de naturalizao (p. ex., certido negativa de antecedentes criminais).Se esta falsidade for descoberta, a doutrina admite a anulao do ato de naturalizao,com base em qualquer dos vcios normais do ato (coao, dolo, ...).

    A lei n 6.815 contempla a possibilidade de reaquisio da nacionalidade brasileira. H,

    ento, uma controvrsia sobre o caso em que o brasileiro nato perde a nacionalidade edepois a readquire, se ele voltaria a ser brasileiro nato ou como o ato constitutivo,passaria a brasileiro naturalizado. Daniel acha que ambas as posies so sustentveis,mas prefere a primeira pois mais favorvel aos direitos humanos.Direitos Polticos

    A expresso democracia vem do grego governo do povo, sendo um conceito surgidono perodo axial da Grcia antiga (comea do sculo 6 A.C.), que estava ligado ao modode ser da plis. Neste perodo o espao pblico de deliberao estava presente em quasetodos os setores da vida e a democracia era exercitada pelo prprio cidado, semintermedirios. Ele comparecia s goras (praas) e ali deliberava, fazendo leis, opesadministrativas, e at mesmo julgando.

    Hoje, contudo, os historiadores vm mostrando que, rigor, 5 ou 10 % dos gregos queefetivamente participavam deste processo (as mulheres, escravos e estrangeiros eramexcludos).

    Com o advento do imprio romano esta idia ficou esquecida e veio a ser retomadacom o iluminismo por alguns filsofos, em especial Rousseau (O Contrato Social defendia o modelo grego). A democracia moderna vai comear a se esboar noatravs do modelo rousseauniano, mas atravs do modelo girondino (Revoluo

    Francesa) - a representao. Criou-se um novo conceito de representao: arepresentao poltica. O mandato representativo no se confunde com seuhomnimo do direito privado, que o mandato imperativo. Esta passagem,todavia, no abrupta. Logo depois da Revoluo Francesa eles criaram arepresentao, mas por mandato imperativo (os franceses escolhiam pessoas edavam instrues a elas sobre como votarem; se elas votassem contra aquilo novalia). Com o abade de Siyes ficou com contornos mais claros a idia darepresentao poltica, no qual voc elege a pessoa mas no d orientaes paraela. Apenas por uma fico ela sua representante. Na verdade, os eleitos sorepresentantes de toda a sociedade.

    Estes direitos no nascem da noite para o dia, mas resultaram de um longo e traumticoprocesso. Benjamim Constant travou uma clebre polmica com o Rousseau sobre a

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    liberdade dos antigos e a liberdade dos modernos. Dizia ele que a liberdade consistia nano-agresso aos direitos individuais. A liberdade dos antigos era no sentido daparticipao e a liberdade dos modernos era o dever do Estado de no interferir naesfera da autonomia privada. Cronologicamente, os direitos polticos se incorporaramdepois dos direitos individuais5.

    Ns acabamos consagrando o modelo da democracia representativa, ou seja, as pessoaselegem representantes que agem em seu nome na formao da vontade do Estado.Entretanto, este modelo comea, por uma srie de questes, a entrar em crise e a sofreros ataques mais variados. Basta reparar hoje como uma eleio. Estas manifestaesespordicas de soberania popular, atravs de eleio, no importam na efetivarepresentao da vontade do povo por aqueles que ele elege. As eleies hoje gravitammuito mais em torno de slogans, propaganda, verbas de campanha etc. O contato dorepresentante com seu eleitor espordico e intermitente; no h continuidade e no hcanais permanentes de dilogo. Alm disto a sociedade moderna foi se tornando cadavez mais complexa de tal forma que o que os representantes do povo hoje fazem no ,

    na grande maioria dos casos, tomar decises que afetem o interesse geral sobre questesem que a populao tenha opinio formada. Existe um processo de segmentao,fragmentao. Por exemplo, qual a opinio de um deputado eleito para defender osdireitos do homossexual sobre se um princpio ativo da aspirina deve mudar ou no ? Aidia do parlamentar como representante da vontade geral uma idia fictcia. Nagrande maioria dos casos os parlamentares so eleitos em torno de certos interesses, masno resto ele tem opinio genricas, superficiais.

    Ento, comeou a se tornar necessrio democratizar a democracia. O que isto ? incorporar na idia de democracia a cidadania ativa. A democracia no s o governode maiorias eleitas pelo povo, mais do isto. Ela implica tambm em chamar o cidadopara o dia-a-dia da gesto da coisa pblica. A nossa CF contempla uma srie deinstrumentos de exerccio da democracia participativa (plebiscito, referendo, iniciativapopular de leis, conselhos de sade e assistncia social, possibilidade da propositura deao popular, o princpio da publicidade e o direito obteno de certides). Estesinstrumentos pressupe uma participao ativa do cidado nas coisas do Estado.

    Um dos grande problemas que hoje existe que com a mdia, com os meios decomunicao, houve um processo de atomizao e fragmentao da sociedade, e ohomem se tornou mais individualista do que j era. E na coisa pblica a gente acabaagindo como rebanho, gado sendo conduzido por quaisquer caminhos em que queiram

    nos levar. Um antdoto para isto a recuperao da dimenso participativa dademocracia. Isto no exclui a dimenso representativa, que muito importante, atporque a democracia direta pura tambm muito perigosa (vide exemplo do ldercarismtico na Alemanha de Weimar). As instituies so muito importantes para apreservao dos interesses das minorias.

    A nossa CF ainda d um peso maior democracia representativa (o poder emana dopovo e ser exercido por seus representantes ou pelo prprio nos termos destaconstituio). Ou seja, ela consagra a democracia participativa ainda como exceo, mas

    5 Por isto Norberto Bobbio critica a conceituao de direitos polticos como direitos de primeira gerao. S que a

    maioria doutrina entende que so direitos de primeira gerao porque, na sua formulao terica, eles tambm

    remontam queles perodo da Revoluo Francesa.

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    esta uma postura que tem sido considerada retrgrada, e que obstculo para que aprpria criatividade poltica crie outros mecanismos democrticos. Por exemplo,oramento participativo hoje apenas um costume poltico, ele no tem como serimplementado de modo vinculante porque a CF no prev. Talvez um dosaperfeioamentos que a CF poderia sofrer seria no sentido de ampliar o leque de

    instrumentos de democracia participativa, sem necessidade de arrol-los, mas tosomente permitindo lei estabelec-los.

    Art. 14. A soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto esecreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:A idia de soberania surge no sculo XVI/XVII para justificar a formao do Estadonacional e que o monarca no estava sujeito ao poder do Papa. Com o iluminismopassou a e entender que a soberania radicava no mais no monarca, mas na nao. Sque nao um conceito muito abstrato, que d margem a grandes malversaes. Esta a idia da soberania nacional, que justifica, por exemplo, o voto censitrio.

    Por outro lado, a soberania popular trabalha com o conceito de povo, que maispalpvel. Povo, segundo Jelinek, o elemento pessoal do Estado, so as pessoas quetm um vnculo com o Estado. Ento, quando se fala que o titular da soberania o povo,voc d um verniz democrtico teoria da soberania (afastando elitismos e coisas dognero).

    Sufrgio universal todos tm o direito de votar. Este todos sofre alguns limites pelaprpria constituio, mas que tendencialmente so os mais reduzidos possveis. OBobbio no livro Futuro da Democracia A defesa das regras do jogo diz que do pontode vista formal, tanto mais ser democrtico um Estado quanto mais ele incorporarparcela da sua populao no exerccio dos direitos polticos.

    A nossa CF ainda tem alguns resqucios estranhos tais como a inexistncia de direito avoto para o conscrito e para o condenado.

    Sufrgio limitado o antnimo de sufrgio universal. Abrange o voto censitrio (dequem tem mais recurso), o voto capacitrio (acima de determinado nvel de instruo)etc.

    Voto direto as pessoas escolhem os seus representantes. Elas no se limitam a votarnas pessoas que os escolhero. S existe uma exceo ao voto direto na CF: eleio para

    Presidente da Repblica quando o Presidente e o Vice-Presidente morrem ou no podemmais exercer o mandato, durante os dois ltimos anos de mandato, hiptese em que sefaz eleio indireta pelo Congresso Nacional (art. 81, pargrafo 1).

    Voto secreto o sujeito pode revelar o contedo de seu voto. Consiste numa obrigaoao Poder Pblico para prover meios que assegurem que os votos no sejam devassados.

    O artigo 14 consagra tambm o princpio que os americanos chamam de one man onevote, ou seja, igualdade perante o direito de sufrgio. Este princpio enfrenta algunspercalos na nossa ordem constitucional, sobretudo nas eleies para a Cmara dosDeputados, onde a representao do povo, isto , o nmero de deputados deve ser

    proporcional populao. Ocorre que a CF disse que o nmero mnimo de deputados 8 e o mximo 70. Considerando que existem Estados com quase quinhentas vezes

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    mais eleitores que o outro, o voto em Tocantins, por exemplo, vale muito mais que ovoto em So Paulo numa eleio para a Cmara dos Deputados. Esta uma questo quefoi objeto de ADIN onde o STF afirmou que no cabe em nosso ordenamento aalegao de inconstitucionalidade de norma da CF originria.

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    15 Aula 16.01.01

    Podem participar do plebiscito todas as pessoas que tem capacidade eleitoral ativa, ouseja todas aquelas que podem votar, e deliberam sobre alguma questo de matriapblica de interesse pblico. O referendo parecido com o plebiscito sendo tambm

    uma deliberao direta, pela populao, pelos eleitores. A diferena que no plebiscito a populao interessada quem decide, enquanto no referendo a populao semanifesta sobre uma deciso que j foi adotada pelas autoridades pblicas competentes.Por exemplo, ns podemos ter um plebiscito para decidir se legaliza ou no legaliza oaborto. Agora se tiver uma lei legalizando o aborto, e depois a lei for sujeita ao crivo davontade popular, isto vai ser um referendo. A distino entre referendo e plebiscito dizrespeito ao momento em que ocorre.Quando tem que ter plebiscito e referendo? A Constituio estabelece alguns casos masno so os nicos, possvel instituir outros, a Constituio por exemplo fala emplebiscito para criao, mudana, alterao, fuso, de Estados, de Municpios e aindaestabeleceu um plebiscito para escolha da forma do regime de governo.

    De acordo com o inciso XV do artigo 49 da CF da competncia exclusiva doCongresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito. O Poder Legislativodecide sem que esta deciso passe depois pelo crivo do Executivo. Quem decide se irsubmeter uma matria a populao o Poder Legislativo, e nunca o Executivo, umavez que o Executivo no participa disso. Por exemplo, tem uma discusso pblicarelevante sobre a legalizao da maconha, o Congresso pode ao invs de elaborar umalei, autorizar um referendo ou convocar um plebiscito, a diferena que se ele autorizao referendo, ter que antes decidir e o referendo vai chancelar ou no uma deciso que oCongresso adotou. Se convocar um plebiscito, estar remetendo na ntegra a deliberaosobre aquela questo, sobre aquela controvrsia, para o eleitor.As hipteses de plebiscito e referendo ditadas no texto constitucional no so taxativas.

    O inciso III do artigo 14 da CF trata da iniciativa popular. A iniciativa popular de lei foitratada na ordem constitucional brasileira de modo muito tmido, de modo que oprofessor considera bastante deficiente. Normalmente quando a iniciativa popular aConstituio estabelece um tratamento privilegiado quele projeto de lei. Em termos dedireito comparado, h prazos mais exguos para o Congresso apreciar e o quorum reduzido para facilitar a aprovao. No Brasil no foi feito nada disso. A tramitao doprojeto de lei oriundo de iniciativa popular exatamente igual a tramitao do projetode lei decorrente da proposta de um parlamentar ou decorrente da proposta do PoderExecutivo. Alm disso, no existe iniciativa popular em Emenda a Constituio. A

    iniciativa popular s cabe para lei ordinria e para lei complementar. H quem sustenteo contrrio, como o professor Jos Afonso da Silva, que em seu ltimo livro, com basena Teoria Democrtica afirmou existir tambm iniciativa popular de Emenda aConstituio, sendo uma posio isolada. Por isso, uma posio que no deve ser