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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DE SEU USO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA SIBELLI D’AGOSTINI São José, 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL: UMA ANÁLISE DE SEU USO

PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA

CATARINA

SIBELLI D’AGOSTINI

São José, 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS CURSO DE DIREITO – NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA

PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL:

UMA ANÁLISE DE SEU USO PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO

ESTADO DE SANTA CATARINA

Monografia apresentada como requisito para obtenção do grau em Direito na Universidade do Vale do Itajaí.

SIBELLI D’AGOSTINI Orientador: Professor Msc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior

São José, 2007

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AGRADECIMENTOS

Há tanto a agradecer e a tantas pessoas que este registro se torna

pessoalmente especial, ainda que eu não consiga veicular a minha gratidão de

uma forma precisa, que corresponda exatamente ao que sinto.

Ao professor Msc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior, meu orientador e

mestre na disciplina de Direito Constitucional II no terceiro período do curso de

Direito, de cujos ensinamentos obtive inspiração para o tema deste trabalho,

agradeço pelos importantes momentos de reflexão e de aprendizagem e pela

paciência; e ao professor Msc. Ruy Samuel Espíndola, agradeço por ter guiado

os meus primeiros passos para esta monografia, pelo minucioso

acompanhamento ao projeto e por algumas inesquecíveis palavras. Aos dois,

reservarei sempre o meu carinho e a minha admiração.

A todos de minha família, testemunhas da minha insegurança e do meu

esforço, guardo as minhas melhores palavras de gratidão, pois cada um, à sua

maneira, contribuiu na elaboração deste trabalho; e a todos que estão

vinculados à minha segunda família, a Coordenadoria de Taquigrafia das

Comissões da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, o meu

agradecimento por terem suportado o encargo de minha ausência necessária

para esta realização.

Aos amigos e às amigas, fico grata por respeitarem o meu retiro

acadêmico e por reconhecerem o meu constante empenho nesta jornada

acadêmica.

Enfim, agradeço a todos que, em alguma ocasião, puderam me ouvir ou

me dizer alguma palavra em sinal de estímulo.

Reconheço que, sozinha, eu não concluiria o meu intento.

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Dedico este trabalho à minha mãe, Maria Jecy D’Agostini. Fazer com que um sonho se realize

pode ser uma tarefa fácil quando se tem obstinação, mas realizar o meu sonho, em particular,

teria sido impossível sem o seu incentivo. Registro, nestas linhas, a minha eterna gratidão

pelo estímulo para que eu ingressasse no curso de Direito.

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Tenho para mim que sou essencialmente um leitor. Como sabem, eu me aventurei na escrita; mas acho que o que li é muito mais importante

que o que escrevi. Pois a pessoa lê o que gosta – porém não escreve o que gostaria de escrever, e sim o que é capaz de escrever.

Jorge Luis Borges

“Esse Ofício do Verso”

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do

Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o

Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 2007

Sibelli D’Agostini Graduanda

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LISTA DE SIGLAS

ADPF – Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental

AI – Agravo de Instrumento

AC – Apelação Civil

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CPC – Código de Processo Civil

CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil

DJU – Diário de Justiça da União

ED – Embargos Declaratórios

HC – Habeas Corpus

LICC – Lei de Introdução ao Código Civil

REsp – Recurso Especial

STF – Supremo Tribunal Federal

TJSC – Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

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SUMÁRIO

RESUMO........................................................................................................... ix

INTRODUÇÃO................................................................................................... 10

1 O UNIVERSO DISCURSIVO EM QUE SE MOVE A PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL...........................................................................................

12

1.1 PONDERAÇÃO: CONCEITO E USO.......................................................... 12

1.2 REGRAS E PRINCÍPIOS: NORMAS QUE ENSEJAM A PONDERAÇÃO 19

2 PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL: MÉTODOS A SEREM EMPREGADOS A PARTIR DA PERSPECTIVA DA DOUTRINA BRASILEIRA.....................................................................................................

27

2.1 O “PONTO ÓTIMO” NA PONDERAÇÃO DE INTERESSES DE DANIEL

SARMENTO.......................................................................................................

27

2.2 “OS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS” NA TEORIA DOS

PRINCÍPIOS DE HUMBERTO ÁVILA...............................................................

2.3 UM MODELO DE ORDENAÇÃO PARA A PONDERAÇÃO:

“PARÂMETROS GERAIS E PARÂMETROS ESPECÍFICOS” DE ANA

PAULA DE BARCELLOS...................................................................................

2.4 SÍNTESE CONCLUSIVA.............................................................................

3 O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA E A (FALTA DE) UMA METÓDICA PARA A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL EM SUAS FUNDAMENTAÇÕES.....................................3.1 DECISÃO JUDICIAL E RACIONALIDADE..................................................

3.2 METODOLOGIA NA SELEÇÃO DOS ACÓRDÃOS....................................

3.2.1 Tópicos a serem analisados..................................................................3.3 ANÁLISE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO

DE SANTA DE SANTA CATARINA...................................................................

3.3.1 Caso Casan-Fucas (AI 2005.0002307-2, Capital)..................................3.3.2 Caso sobre majoração de verba alimentícia através de tutela antecipada (AI n. 2001.00038-0, Araranguá).................................................. 3.3.3 Caso sobre multa contratual (ED-AC n. 1999.007151-0, Lages)......... 3.3.4 O uso impróprio da ponderação constitucional..................................3.3.4.1 Técnica de ponderação constitucional e ponderação judicial em geral

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3.3.4.2 Recurso à ponderação como “recurso de autoridade”..........................

3.3.5 Emprego adequado: caso sobre a liberdade jornalística (AI n. 2004.01854-1, Joinville)...................................................................................CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................REFERÊNCIAS.................................................................................................

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ix

RESUMO O objetivo deste trabalho é fazer um estudo sobre a (falta de) utilização de uma

metódica para a técnica da ponderação constitucional nas fundamentações dos

julgados elaborados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

(TJSC). Para isso, identificar-se-á o universo discursivo em que se move o

método da ponderação constitucional, incluindo seu conceito e uso, exemplos

práticos e as normas que ensejam a sua aplicação. Além disso, baseando-se

na perspectiva da doutrina brasileira, verificar-se-á quais os principais aspectos

das teorias e os métodos possíveis a serem utilizados no emprego da

ponderação. A partir dessa explanação, serão analisados, em caráter

exemplificativo, alguns acórdãos do Tribunal no que tange ao propósito deste

trabalho.

PALAVRAS-CHAVE: ponderação constitucional; racionalidade das decisões

judiciais. TJSC.

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INTRODUÇÃO A crise do positivismo jurídico e a do Estado liberal, bem como a relação

entre a realidade e a norma, são, entre outros, fatores que contribuíram para

uma redefinição das atribuições da interpretação constitucional.

Nesse sentido, a reaproximação da teoria jurídica com os valores e com

a moral procura desenvolver maneiras de lidar com esses elementos – tendo

em conta sua abstração e abertura introduzidos, muitas vezes, no ordenamento

jurídico sob a forma de princípios – e faz ampliar a discussão sobre o tema da

ponderação constitucional entre os juspublicistas constitucionalistas. Desse modo, o propósito deste trabalho é fazer um levantamento dos

principais aspectos da atividade da ponderação constitucional registrados pela

doutrina brasileira tendo em conta uma análise exemplificativa dos julgados

elaborados pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina (TJSC).

Para tanto, utilizou-se do método indutivo para a pesquisa estando o

trabalho divido em três capítulos.

No primeiro, além de conceituar a técnica da ponderação constitucional

e identificar as razões pelas quais a discussão a respeito vem ganhando cada

vez mais espaço no debate constitucional do País, procurar-se-á diferenciá-la

da ponderação judicial em geral e, a partir de exemplos práticos e de um breve

estudo sobre as normas que a ensejam, buscar-se-á identificar as situações

nas quais ela é compreendida.

No segundo capítulo, serão estudados três livros que exploram bem o

tema proposto no que tange à elaboração dos elementos teóricos e metódicos

da ponderação constitucional. São eles: A ponderação de interesses de

Daniel Sarmento, Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos

princípios jurídicos de Humberto Ávila, e Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional de Ana Paula de Barcellos. A partir dessa explanação,

verificar-se-á que não é justificável a ausência de critério metodológico pelo

intérprete judicial brasileiro, sobretudo do catarinense, quando da utilização da

técnica da ponderação constitucional em seus julgados.

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No terceiro capítulo, a partir de uma perspectiva empírico-dogmática,1 a

pesquisa compreenderá investigar se a jurisprudência do Tribunal catarinense

reflete algum critério para a utilização da técnica da ponderação constitucional

nas fundamentações de suas decisões, ou seja, se as suas argumentações

estão metodologicamente orientadas quando a utilização dessa técnica se

mostra evidente.

Os acórdãos selecionados foram retirados do link Jurisprudência do site

do TJSC a partir das palavras de busca “ponderação proporcionalidade.” Como

o tema aqui trabalhado se mostrou mais recorrente em matéria cível, a

pesquisa ficou adstrita às decisões da Seção Civil do Tribunal que engloba o

Grupo de Câmaras de Direito Civil, o Grupo de Câmaras de Direito Comercial e

o Grupo de Câmaras de Direito Público. A pesquisa compreendeu a análise de

sessenta e um acórdãos datados de 02 de janeiro de 2000 a 31 de agosto de

2007, sendo, esta última, data na qual se iniciou a pesquisa jurisprudencial

para a elaboração deste trabalho. E os tópicos analisados nas decisões

compreenderam a: (i) clareza conceitual da idéia de ponderação; (ii)

identificação dos interesses e princípios em colisão; (iii) atribuição dos “pesos”

aos interesses conflitantes e justificativa da escolha; e (iv) argumentação em

torno das alternativas.

Convém salientar que, para avaliar a utilização da técnica da

ponderação, escolheu-se o TJSC com o intuito não só de valorizar o papel da

Corte estadual como contribuição a própria Constituição, mas também de

mostrar a importância da ponderação constitucional na fundamentação das

decisões e de como o seu uso adequado pode impedir que o poder legítimo do

juiz passe a ser um poder arbitrário, a partir de um casuísmo ativista,

desprovido de técnicas próprias e da pretensão de racionalidade que lhe é

peculiar.

1 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais: elementos teóricos para uma formulação dogmática constitucionalmente adequada 2 ed. Revista dos Tribunais: São Paulo, 2002. p. 51. Com base na obra de Canotilho, escreveu o autor: “A perspectiva empírico-dogmática ocupar-se-ia do modo como o legislador, os juízes e a administração observam e aplicam, em vários contextos práticos, os princípios constitucionais e com condições de eficácia dos mesmos, para aquilatar da verdadeira força normativa da Constituição, em sua dimensão princiapialista.”

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1 O UNIVERSO DISCURSIVO EM QUE SE MOVE A PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL

1.1 PONDERAÇÃO: CONCEITO E USO

O juspublicismo pós-positivista2 no Brasil tem sido marcado na

confirmação de seu esboço teórico e prático pela chamada técnica da

ponderação constitucional. No atual estágio do debate constitucional do País,

além de intensificar a superação do positivismo normativista, essa técnica vem

constatar ascensões significativas no que diz respeito à ampliação do espaço

dispensado à interpretação jurídica e ao próprio intérprete. Nessa ótica, a

ponderação é uma fórmula de realização da Constituição e dos direitos

fundamentais integrando um universo chamado por alguns autores de a nova

interpretação constitucional.3

Contudo, qual o conceito da chamada técnica da ponderação

constitucional? Como bem lembrou a autora Ana Paula de Barcellos, “O verbo

ponderar e o substantivo ponderação não são expressões privativas do

chamado ‘mundo jurídico.’”4 Ponderar, como descreve o dicionário Houaiss,

também citado pela autora, é a ação de “atribuir pesos a, calcular a média

ponderada; examinar com atenção e minúcia; avaliar, apreciar; levar em

consideração; ter atenção sobre; sopesar.”5 Esse é o sentido da acepção

2 Cf. BONAVIDES. Curso de Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006. p. 264. 3 A expressão é utilizada por Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. O Começo da História. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no Direito brasileiro. In: BARROSO, Luís Roberto (org.) A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 327-379) a qual vem acrescer a interpretação jurídica tradicional em dois aspectos: o primeiro é no sentido de que a abstração da norma nem sempre perfaz a solução de problemas jurídicos, o que só se torna constitucionalmente possível com a análise tópica dos fatos relevantes; e, o segundo, é no sentido de que a função do juiz não se limita a apenas identificar a norma prescrita ao problema, mas converte-se ele, com o legislador, em um co-participante do próprio processo de criação do Direito ao imputar sentido à norma e a realizar escolhas. 4 BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, Racionalidade e Atividade Jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 1. 5 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p. 2257.

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genérica da palavra e de todo discurso racional, através do qual toda e

qualquer decisão, por mínima que seja, fará uso do raciocínio ponderativo tal

como o faz o Judiciário quando de suas decisões, posto que se ocupa de

“ponderar as provas produzidas (para definir quais fatos ocorreram) e as

razões apresentadas pelas partes (para decidir a disposição aplicável ao caso

e suas conseqüências).”6

No entanto, o termo referido neste estudo é o da ponderação em sentido

estrito, relativo a sopesar enunciados normativos válidos7 da Constituição

Federal, notadamente nas hipóteses de colisão de normas e de direitos

fundamentais (p.ex., conflitos entre liberdade de expressão e direito à honra e à

intimidade; entre propriedade e função social; entre o direito à vida e à saúde.).

À guisa de esclarecimento, colhem-se duas definições: (I) A denominada ponderação de valores ou ponderação de interesses é a técnica pela qual se procura estabelecer o peso relativo de cada um dos princípios contrapostos. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir um resultado socialmente desejável, sacrificado o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição.8

(II) As idéias de ponderação (Abwagung) ou de balanceamento (Balancing) surgem em todo o lado onde haja necessidade de ‘encontrar o direito’ para resolver ‘casos de tensão’ (Ossenbuhl) entre bens juridicamente protegidos. (...) A ponderação visa elaborar critérios de ordenação para, em face dos dados normativos e factuais, obter a solução justa para o conflito de bens. (...) Ponderar princípios significa sopesar a fim de se decidir qual dos princípios conflituantes, num caso concreto, tem maior peso ou valor.9

Veja-se que o objetivo da técnica da ponderação constitucional é o de

resolver os confrontos normativos observados em casos concretos, sejam eles

conflitos constitucionais que envolvam valores ou direitos fundamentais, de um

6 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 1-2. 7 Idem. p. 103-112. Cabe aqui uma distinção entre o significado de norma e de enunciado normativo adotada para este trabalho: enunciados normativos são os “signos lingüísticos que compõem o dispositivo legal ou constitucional e descrevem uma formulação jurídica deontológica, geral e abstrata, contida na Constituição ou na lei, ou extraída do sistema.”, e a norma “correspondente ao comando específico que dará solução a um caso concreto.” A idéia sobre a distinção entre norma e enunciado normativo está melhor explorada nas palavras da autora. 8 BARROSO, Luís Roberto (org.). Fundamentos teóricos e filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (Pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo). In: BARROSO, Luís Roberto (org.) A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p.32.

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modo que as normas em confronto permaneçam convivendo de maneira que a

restrição a cada um dos bem jurídicos envolvidos seja a menos gravosa

possível, sem invalidar qualquer uma delas e na medida exata da salvaguarda

do bem jurídico contraposto.10

Cabe explicitar que a realização da técnica é balizada, no amplo

entendimento da doutrina a respeito, através do princípio da proporcionalidade,

já que é em situações nas quais os bens jurídicos se acham em antinomia que

se revela a importância do uso desse princípio.

De acordo com Bonavides, tem-se que: A vinculação do princípio da proporcionalidade ao Direito Constitucional ocorre por via dos direitos fundamentais. É aí que ele ganha extrema importância e aufere um prestígio e difusão tão larga quanto outros princípios cardeais e afins, nomeadamente o princípio da igualdade. Protegendo, pois, a liberdade, ou seja, amparando direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade entende principalmente, como disse Zimmerli, com o problema da limitação do poder legítimo, devendo fornecer o critério das limitações à liberdade individual.11

Mais adiante, explica o autor que a doutrina constatou a existência de

três elementos ou subprincípios que compõem o princípio da

proporcionalidade, quais sejam: a adequação (ou a conformidade ou validade

do fim) “com o desígnio de adequar o meio ao fim que se intenta alcançar;” a

necessidade, através da qual “a medida não há de exceder os limites

indispensáveis à conservação do fim legítimo que se almeja;” e a

proporcionalidade tomada stricto sensu (proporcionalidade em sentido estrito)

em que “a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso específico,

levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo.”12 Assim, pode-se

afirmar que a técnica da ponderação constitucional e o princípio da

proporcionalidade estão estreitamente ligados.

9 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1236-1238. 10 Sobre a proposta de identificação da ponderação constitucional na busca por um ponto ótimo e as dificuldades geradas por esse posicionamento, veja-se as idéias de Humberto Ávila no item 2.2 do capítulo segundo deste trabalho. 11 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 395. Cabe aqui adiantar que este estudo não terá o intuito de conceituar a amplitude do conceito do princípio da proporcionalidade, sua origem, suas ambigüidades terminológicas, as críticas que lhe são apontadas, bem como a importância que ele tem no Direito Constitucional contemporâneo em face de seus progressos doutrinários. Aqui se pretende analisá-lo, apenas, como um elemento do universo da ponderação. 12 Idem. p. 396-398.

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15

Para melhor assimilar o conceito da técnica, apontam-se alguns

exemplos práticos da jurisprudência brasileira com relação ao seu uso – diga-

se em seu sentido estrito – sendo possível identificar as formas pelas quais ela

tem sido compreendida.

O exemplo a seguir informa que o grau de restrição de cada um dos

bens jurídicos envolvidos pode ser o menor possível, na medida exata

necessária à salvaguarda do bem jurídico contraposto. Trata-se do caso da

cantora Glória Trevi13 decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A

cantora, quando soube que estava grávida na prisão, acusou de estupro os

policiais que trabalhavam na carceragem. Vê-se que nesse caso o conflito de

tensão se dá entre o direito à integridade física da mãe e, sobretudo, da criança

e o direito à honra dos policiais.14 Os acusados apresentaram seus padrões de

DNA e solicitaram que fosse realizado o exame na criança quando de seu

nascimento, para que a veracidade das acusações da mãe pudesse ser

averiguada. O STF deferiu o pedido levando em conta o exame do material da

placenta, o que não importaria qualquer restrição importante à integridade

física da mãe ou da criança. E, do contrário, isto é, se fosse adotada uma

norma que vedasse a comprovação da acusação da cantora, a honra dos

acusados ficaria comprometida.

Outra decisão examinada pelo STF envolveu o conflito entre a liberdade

de expressão e a proibição da prática do racismo, crime inafiançável e

imprescritível.15 O caso foi o do editor Siegfried Ellwanger16 que editou,

distribuiu e vendeu obras as quais “abordam e sustentam mensagens anti-

semitas, racistas e discriminatórias,” o que fez “incitar e induzir a discriminação

racial (...) contra o povo de origem judaica.” A Corte entendeu, por maioria, que

a liberdade de expressão não é absoluta, pois deve observar os limites morais

e jurídicos impostos pela própria Constituição, dentre os quais a condenação

13 STF, RCL 2040-DF. Rel. Min. Néri da Silveira, DJU 27.06.2003. 14 Art. 5º da Constituição Federal: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; e “XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral.” 15 Direitos previstos no artigo 5º da Constituição Federal: “IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;” “IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” “XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;” 16 STF, HC nº 82424 MC-DF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJU 26.03.2004.

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do racismo, sendo preponderantes no caso os princípios da dignidade da

pessoa humana e da igualdade jurídica de todas as pessoas. Assim, a

liberdade de expressão não pode “abrigar, em sua abrangência, manifestações

de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.” Com esse fundamento, a

Corte denegou o habeas corpus.

O terceiro exemplo trata de uma Argüição de Descumprimento de

Preceito Fundamental (ADPF)17 impetrada pela Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde, na qual indicou como preceitos fundamentais

descumpridos os princípios dignidade da pessoa humana, da legalidade, da

liberdade e autonomia da vontade e o direito à saúde, todos da Constituição

Federal,18 e, como ato do poder público causador da lesão foram apontados os

artigos 124, 126, caput, e 128, I e II, do Código Penal19. Na inicial, argumentou-

se que, se o arcabouço normativo for interpretado com base em uma visão

positivista, os profissionais da saúde tendem a sofrer as dificuldades

decorrentes do enquadramento no Código Penal. Por isso, em cautelar,

requereu-se a suspensão do andamento de processos ou efeitos de decisões

judiciais que tenham como alvo a aplicação dos dispositivos do Código Penal

nas hipóteses de interrupção de gestação de fetos anencefálicos,20 o que

permite ao profissional da saúde realizar a intervenção, desde que atestada por

médico a má formação. O Ministro Marco Aurélio em seu julgamento afirmou

que “[d]iante de uma deformação irreversível do feto, há de se lançar mão dos

17 STF, ADPF nº 54 MC-DF, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU 02.08.2004. 18 “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III - a dignidade da pessoa humana;” “Art. 6. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição;” “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” 19 “Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento: Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos; Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos;” “Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;Aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” 20 Da íntegra da decisão, colhe-se que: “a anencefalia é a má-formação congênita pela qual o feto, por defeito de fechamento do tubo neural durante a gestação, não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex. Como conseqüência, o feto não terá qualquer viabilidade de vida extra-uterina ou, talvez, uma sobrevida de algumas horas ou poucos dias após o parto. A vida intra-uterina do feto anencefálico corresponde, a rigor, apenas ao funcionamento de seus órgãos, mantido pelo corpo da gestante ao qual está ligado.”

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avanços médicos tecnológicos, (...) não para simples inserção, no dia-a-dia, de

sentimentos mórbidos, mas para fazê-los cessar.” A partir desse e de outros

argumentos acolheu-se o pleito para o sobrestamento dos processos e

decisões não transitados em julgado e o reconhecimento do direito

constitucional da gestante de se submeter à interrupção de parto de feto

anencefálico, a partir de laudo médico.

Nesse contexto, percebe-se, portanto, que a ponderação constitucional

não se trata apenas de um cálculo de uma média ponderada entre grandezas

matemáticas ou de um exame minucioso como propõe a definição genérica do

dicionário. Trata-se de uma ponderação cujos elementos são disposições

normativas vigentes dentre as quais o intérprete verificará qual delas será

afastada em favor da incidência de outra em determinado caso. Daí a

colocação de Daniel Sarmento ao dizer que “por isso a lógica que impera nesta

seara é a lógica do razoável, e não a do mecanismo cartesiano.”21

Explicitado o conceito da chamada técnica da ponderação

constitucional, faz-se interessante entender o ambiente no qual ela vem se

desenvolvendo. A questão das antinomias no Direito brasileiro não é novidade.

Como já se disse, a hermenêutica jurídica manejou-as a partir do método

clássico subsuntivo e dos critérios temporal, hierárquico e da especialidade,22

os quais continuam dando conta de grande parte de problemas que envolvem

conflitos normativos, assim como os elementos clássicos de interpretação,

como o sistemático e o teleológico.23 No entanto, nas últimas décadas, tem se

falado muito nas colisões normativas em função do uso da técnica da

ponderação constitucional.

De acordo com J. J. Canotilho, “[a] importância que, ultimamente, é

atribuída à ponderação de bens constitucionais radica (...) na natureza

tendencialmente principial de muitas normas jurídico-constitucionais.”24 Dedica-

se essa importância ao aspecto da reaproximação da teoria jurídica com os

valores e com a moral na procura de desenvolver maneiras de lidar com esses

21 SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000. p. 1 22 Sobre os critérios para resolver antinomias ver: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 8ª ed. Brasília: UnB, 1996. p. 81 e ss. E sobre os elementos clássicos de interpretação ver BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 124-140.; 23 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Op cit. p. 331.

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elementos – tendo em conta sua abstração e abertura – introduzidos, muitas

vezes, no ordenamento jurídico sob a forma de princípios.25 Dita

reaproximação deixa para trás do pensamento jurídico o positivismo formal e

normativista, dando lugar ao que alguns autores vêm a chamar de

“neoconstitucionalismo”: El constitucionalismo está impulsionando una nueva teoría del Derecho, cuyos rasgos más sobresalientes cabría resumir en los siguientes epígrafes: más principios que reglas; más ponderación que subsunción; omnpresencia de la Constituición en todas las áreas jurídicas y en todos los conflictos mínimamente relevantes, en lugar de espacios exentos en favor de la opción legislativa o reglamentaria; omnipotencia judicial en lugar de autonomia del legislador ordinário; y, por último, coexistencia de uma constelación plural de valores, a veces tendencialmente contradictorios, en lugar de homogneidad ideológica.26 (Grifou-se.)

Ademais, a coexistência plural de valores em lugar de um legalismo

estrito ou as circunstâncias próprias de um sistema constitucional aberto,27

além de propiciar o exercício de discricionariedade pelo intérprete, contribuem

com a expansão do papel dos juízes e tribunais e, conseqüentemente, com o

24 CANOTILHO, J.J. Gomes. Op cit. p. 1241. 25 BARROSO, Luís Roberto (org.). Op cit. p. 1- 49. 26 SANCHÍS, Luis Pietro. Neoconstitucionalismo y ponderación judicial In.: CARBONELL, Miguel (org.). Neoconstitucionalismo(s). 2ª ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 131 e 132. Leia-se, também, o artigo de Cecília Caballero Lois (LOIS, Cecília Caballero. Teoria constitucional e neoconstitucionalismo no limiar do século XXI: mudança política e aceitabilidade racional no exercício da função jurisdicional. In: LOIS, Cecília Caballero; BASTOS JÚNIOR, Luiz Magno Pinto; LEITE, Roberto Basilone. (coords.) A Constituição como espelho da realidade. São Paulo: LTr, 2007. p. 237-238) que traz importantes considerações a respeito. Leia-se: “Considerado enquanto teoria do direito, o neoconstitucionalismo representa uma contraposição ao positivismo tradicional, pois assume para si a carga axiológica que penetra na Constituição por meio dos direitos fundamentais. As transformações sofridas pelo objeto de investigação fazem que o positivismo não espelhe mais a situação real dos sistemas jurídicos contemporâneos. (...) O modelo de neoconstitucionalismo exige assim uma transformação na forma de conhecer o direito, agora não mais como um modelo descritivo, mas sim como modelo axiológico. Isto é, conhecer a Constituição é, acima de tudo, estabelecer seu valor e não o seu uso.” 27 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op cit. p. 186 e 188, respectivamente: “O pensamento principialista estruturante de Canotilho concebe a Constituição como um ‘sistema aberto de regras e princípios’”; “regras e princípios que permitem ‘a decodificação’ da estrutura sistêmica da Constituição, isto é, possibilitam a compreensão da Constituição como sistema aberto de regras e princípios.”; Veja-se, também, a respeito: ALEXY, Robert. El concepto y la validez del derecho.Trad. Jorge M. Seña. 2ª ed. Barcelona:Gedisa, 1997. p.176. Ao expor suas idéias sobre o modelo jurídico de três níveis (de regras, princípios e procedimento) o autor afirma: “Con el modelo de sistema jurídico de tres niveles no se han decidido en absoluto todas las cuestiones de esta polemica. Pero, se ha obtenido una línea básica. Hay que excluir un legalismo estrictamente orientado por las reglas. Por razones de racionalidad prática, es irrenunciable la presencia de princípios y con ellos de valores en el sistema jurídico. En un Estado constitucional democrático, los princípios tienen si no exclusivamente sí una buena parte su ubicación jurídico-positiva en la Constituición.”

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emprego da técnica constitucional em estudo. Mas não é apenas o sistema

constitucional aberto que traz essas possibilidades. Também a ordem

infraconstitucional colabora para uma extensão do papel da interpretação

jurídica quando essas disposições tutelam bens diversos que, em

determinados momentos, acabam gerando situações de antinomia: (...) assim como a Constituição, também as leis mais recentes têm empregado em seus textos expressões gerais – como, e.g., boa-fé e função social do contrato -, de conteúdo fluido e sentido não inteiramente determinado. Ao utilizar conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, o legislador acaba transferindo a delimitação do sentido e alcance dos enunciados normativos para o intérprete.28 (Grifou-se.)

E, por fim, menciona-se um aspecto político, lembrado pela autora Ana

Paula de Barcellos, o qual justifica o aumento do espaço da interpretação

jurídica estimulado pela ascensão política do Poder Judiciário. Leia-se: (...) no caso brasileiro, a redemocratização recolocou o Judiciário na sua posição de poder político, dando-lhe cada vez maior visibilidade. Nesse contexto, parte da sociedade (no Brasil e também em outros países), descrente do processo político normal, alimenta a expectativa de que o Judiciário seja afinal um espaço onde possam desenvolver-se de maneira mais lisa a discussão e a definição de políticas públicas. Esse movimento político acaba encontrando algum respaldo em disposições normativas bastante vagas, especialmente em nível constitucional (...)29

A esfera da interpretação jurídica é estimulada pela ascensão política do

Poder Judiciário visto como um espaço alternativo de discussões àquele do

Poder Executivo em razão da fragilidade da relação de confiança entre o povo

e a sua representação parlamentar. Esse movimento político, segundo ela, de

certa maneira encontra respaldo em normas constitucionais “bastante vagas” o

que facilita a compreensão do universo em que se desenvolve a técnica da

ponderação constitucional.30

1.2 REGRAS E PRINCÍPIOS: NORMAS QUE ENSEJAM A PONDERAÇÃO

28 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 12-13. 29 Idem. 15-16. 30 Cf. Ibdem.

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A dogmática jurídica no âmbito do Direito Constitucional, desde as

últimas décadas do século XX, vem passando por transformações importantes

em função de um conjunto de idéias reconhecidas sob o termo genérico de

pós-positivismo. Isso se deve ao fato de que, antes dessas transformações, a

metodologia jurídica tradicional classificava os princípios como uma categoria

distinta à das normas, principalmente no que tange à sua normatividade. Ou

seja, os princípios eram postos em uma dimensão puramente axiológica e sem

eficácia jurídica e as normas se restringiam a regras jurídicas. Para a ciência

jurídica contemporânea, no entanto, é unânime em se reconhecer aos

princípios o seu caráter conceitual e positivo de norma jurídica. 31

A distinção qualitativa ou estrutural entre regras e princípios, nos últimos

anos, tornou-se um dos “pilares” da moderna dogmática constitucional para

sobrepujar as idéias positivistas.32 A mudança do paradigma da metodologia

jurídica tradicional teve a intervenção contributiva de importantes juristas, como

Jean Boulanger, Ronald Dworkin, Robert Alexy, dentre outros,33 sendo que os

critérios classificatórios, em geral, resumem-se na doutrina em dois: o critério

gradualista e o critério qualitativo. O gradualista teve a contribuição primeira de

Boulanger, segundo a qual “regra jurídica é geral se for estabelecida para um

número indeterminado de atos ou fatos (...) e é especial na medida em que

rege (...) uma situação jurídica determinada.”34 O princípio, ao contrário, “é

geral porque comporta uma série indefinida de aplicações (...) [c]ontêm em

estado de virtualidade grande número das soluções que a prática exige.”35

Para Fábio de Oliveira, esse critério denota que os princípios são mais

abstratos, mais genéricos, mais fundamentais, e que mais se aproximam da

31 Cf. ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op cit. p. 60; Veja-se, também, ALEXY, Robert. Op cit. p. 162: “Tanto las reglas como los princípios pueden ser concebidos como normas. Si esto es así, entonces se trata de uma distinción dentro de la clase de las normas.” e BOBBIO, Norberto. Op cit. 158-159: “Os princípios gerais são, a meu ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. (...) Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras.” 32 Cf. BARROSO, Luís Roberto (org). Op cit. p. 30. 33 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit., p. 276. Segundo Bonavides – e no dizer de Esser -, Boulanger foi o primeiro a fazer um estudo classificatório sobre princípios de Direito. Há, ainda, excelentes autores que contribuíram com a matéria, como Josef Esser, Karl Larenz, e Claus-Wilhelm Canaris. Para um aprofundamento das idéias, leia-se o capítulo 8 (Dos princípios gerais de direito aos princípios constitucionais) e, também, na obra de ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op cit., ver item 1.2.1 Princípio e regra. O autor faz um interessante apanhado da distinção dessas categorias a partir das colocações de Canotilho. p. 69-73. 34 ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Op cit. p. 69. 35 BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 268.

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essência do Direito do que as regras, uma vez que servem como fundamentos

delas. Ou seja, “[é] dizer que toda regra deve estar sustentada em um

princípio.” No entanto, conclui o autor pela fragilidade do critério, pois

“[e]xistem, apesar de não serem usuais, regras que são, por exemplo, mais

abstratas e genéricas do que certos princípios.”36

O segundo critério, o qualitativo, é refletido na doutrina através da

Normative-materiale Theorie (Teoria normativa-material) estudada por Alexy.37

Dentre os critérios para a distinção aqui proposta, Alexy também apontou o da

generalidade, mas salientou, todavia, que a diferença entre regras e princípios

se mostra evidente no conflito de regras e nas colisões entre princípios:38

El punto decisivo para la distinción entre reglas y principios es que los principios son mandatos de optimización mientras que las reglas tienen el carácter de mandatos definitivos. En tanto mandatos de optimización, los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, de acuerdo con las posibilidades jurídicas y fácticas. Esto significa que pueden ser satisfechos en grados diferentes y que la medida ordenada de su satisfacción depende no sólo de las posibilidades fácticas sino jurídicas, que están determinadas no sólo por reglas sino también, esencialmente, por los princípios opuestos. Esto implica que los principios son suscetibles de ponderación y, además, la necesitan. La ponderación es la forma de aplicación del derecho que caracteriza a los princípios. En cambio, las reglas son normas que siempre o bien son satisfechas o no lo son. Si una regla vale y es aplicable, entonces está ordenado hacer exactamente lo que ella exige; nada más y nada menos. En este sentido, las reglas contienen determinaciones en el âmbito de lo fáctica y juridicamente posible. No son susceptibles de ponderación y tampoco la necesitan. La subsunción es para ellas la forma característica de aplicación del derecho.39 (Grifou-se.)

No que toca ao confronto entre essas duas espécies de normas, então,

aduziu Alexy que entre regras o conflito se resolve na dimensão da “validade” e

a colisão entre princípios na dimensão do “valor”. Ou seja, “[u]m conflito entre

regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o

conflito, for introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for

declarada nula.”40 Dessa forma, uma regra não incidirá no fato que contempla

se for inválida ou se, à exceção, existir uma outra regra que a invalide. Daí o

36 OLIVEIRA, Fábio. Por uma teoria dos princípios: o princípio constitucional da razoabilidade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007.p. 44-45. 37 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 277. 38 Cf. ALEXY, Robert. Op cit. p. 162. 39 Ibdem. 40 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 279, citando, mais uma vez, a obra Theorie der Grundrechte, de Robert Alexy .

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dizer transcrito acima de Alexy a respeito de que as regras possuem “mandatos

definitivos”, ou seja, elas valerão ou não juridicamente, operando-se, segundo

ele, na modalidade do “tudo ou nada.”

A colisão entre princípios, por sua vez, se dá de modo diverso: diante de

um caso concreto, o intérprete irá aferir um “peso” diferente para cada princípio

mediante concessões recíprocas, situação na qual irá preponderar o princípio

de maior peso. A aplicação, portanto, não será no esquema do “tudo ou nada,”

mas graduada à vista das circunstâncias de fato. E é exatamente em função

disso que a sua aplicabilidade se dará através da ponderação.41

Não se quer dizer com isso que o princípio recuado deva ser

considerado nulo, pois em situações fáticas distintas a prevalência entre eles

poderá ocorrer de forma contrária:42 Esta situación [de tensão entre princípios] no es solucionada declarando inválido a alguno de los dos principios y eliminándolo del orden jurídico. La solución consiste, más bien, en la determinación de una relación de precedencia referida a las circunstancias del caso entre los principios que entran en colisión. De esta manera, el principio que tiene precedencia restringe las posibilidades jurídicas de la satisfación del principio desplazado. Este último sigue siendo parte del orden jurídico. En algún otro caso, puede invertirse la relación de precedencia. Cuál haya de ser la solución depende de los pesos relativos de los pesos opuestos. (...) Las colisiones de principios no tienen lugar en la dimensión de la validez sino que se dan, dado que solo pueden entrar en colisión principios validos, dentro del sistema jurídico en la dimensión de la ponderación.43 (colchetes acrescentados e sem grifo no original )

Daí a idéia que veicula os princípios como “mandatos de otimización,” ou

seja, pretendem ser realizados de forma mais ampla possível, admitindo,

conforme Alexy, aplicações opostas de acordo não só com as possibilidades

fáticas, mas também com as possibilidades jurídicas existentes.44

A autora Ana Paula de Barcellos, por sua vez, aponta outros dois

critérios para distinguir regras de princípios: o critério do conteúdo e o da

estrutura normativa. Quanto ao primeiro, os princípios denotam um conteúdo

axiológico ou uma decisão política, ou seja, eles identificam valores a serem

41 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Op cit. p. 339. 42 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 279. 43 ALEXY, Robert. Op cit. p. 164. 44 Cf. Idem. p. 171-172. Segundo o autor, a referência às possibilidades fáticas conduzem às máximas da adequação e da necessidade. Ao passo que a referência às possibilidade jurídicas implicam a chamada ley de ponderación formulada de maneira que quanto maior seja o grau da não realização ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância da satisfação do outro, aproximando-se da máxima da proporcionalidade em sentido estrito.

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preservados (isonomia, moralidade, eficiência) ou fins a serem alcançados

(justiça social, desenvolvimento nacional, redução das desigualdades). As

regras, porém, cingem-se a traçar uma conduta, pois “[a] questão relativa a

valores ou a fins públicos não vem explicitada na norma porque já foi decidida

pelo legislador, e não transferida ao intérprete.”45

Quanto ao segundo, “[a]s regras são enunciados que estabelecem

desde logo os efeitos que pretendem produzir no mundo dos fatos, efeitos

determinados e específicos.”46 No entanto, ressalta a autora que dependendo

do efeito pretendido, a regra poderá demandar apenas uma conduta ou

condutas diversas, ainda que o efeito a ser alcançado seja o mesmo, ou, até

mesmo, dar origem a diferentes normas.47 Já os princípios “estabelecem

estados ideais, objetivos a serem alcançados, sem explicitarem

necessariamente as ações que devem ser praticadas para a obtenção desses

fins.”48 Mas, ressalva a autora, que há hipóteses em que ao menos “algumas

ações necessárias para atingir o fim proposto podem ser definidas desde logo,

ao passo que os fins descritos no enunciado podem se apresentar

determinados ou relativamente indeterminados.”49 Nesse último caso, será útil

uma integração subjetiva por parte do intérprete durante a técnica da

ponderação constitucional para permitir que a norma se adapte a diferentes

realidades.50 E, do contrário, há certos efeitos determinados inexoravelmente

contidos na descrição do princípio que formam um “núcleo essencial,” no qual

se equiparam às regras.51 Dessa forma, então, a autora prescreve dois grupos

de princípios: o primeiro tem sua indefinição nos efeitos e o segundo nas

condutas: (...) as duas categorias de princípios podem ter sua estrutura descrita como dois círculos concêntricos. O círculo interior corresponderá – quanto ao primeiro grupo de princípios – a um núcleo de efeitos que

45 BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Op cit. p. 341. 46 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 171. 47 Cf. Ibdem. Um exemplo típico é o dos indivíduos convocados para prestar esclarecimentos em Comissões Parlamentares de Inquérito que se socorrem do direito constitucional ao silêncio para deixar de prestar informações que possam de alguma forma prejudicá-los. 48 Idem. p. 169-170. Cita a autora como exemplo o princípio que determina à ordem econômica a busca do pleno emprego. O propósito para que todos tenham emprego pode ser alcançado de várias maneiras. 49 Ibdem. p. 170. Como exemplo cita a autora o princípio da livre iniciativa cujos efeitos podem ser: impedir a apropriação estatal de todos os meios de produção ou impedir a existência de monopólios estatais, etc. 50 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Op cit. p. 341. 51 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 178.

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acabam tornando-se determinados por decorrerem de forma inafastável do seu sentido e, conseqüentemente, adquirem a natureza de regra. Isto é, cuida-se de um conjunto mínimo de efeitos determinados (e a partir deles as condutas necessárias e exigíveis deverão ser construídas) contidos no princípio. Ainda que haja disputa sobre a existência de outros efeitos a partir desse núcleo, a idéia é a de que quanto a estes haverá consenso. O espaço intermediário entre o círculo interno e o externo (a coroa circular) será o espaço de extensão do princípio reservado à deliberação democrática; esta é que definirá o sentido, dentre os vários possíveis em uma sociedade pluralista, a ser atribuído ao princípio a partir de seu núcleo.52

Lembra Ana Paula de Barcellos que a imagem dos dois círculos também

serve para a segunda categoria de princípios, sendo que o círculo interior será

preenchido por condutas mínimas e exigíveis e o exterior será preenchido

também pela deliberação democrática.53

A distinção das normas descrita pela autora é de fundamental

importância no que tange à realização da ponderação, uma vez que, como será

explicitado no segundo capítulo deste trabalho, as regras (constitucionais e

infraconstitucionais) prevalecerão em um conflito normativo - aqui incluindo-se

o núcleo dos princípios com natureza de regra – entre a área não nuclear de

um princípio.

Afora esses critérios apresentados acerca da distinção entre regras e

princípios, há outros que oferecem atenção especial à atuação do intérprete

quando da utilização da técnica da ponderação constitucional, isso porque é

preciso que regras e princípios funcionem e sejam manipulados pelos

operadores jurídicos dentro de suas próprias características. Nesse sentido,

observou a autora Ana Paula de Barcellos: (...) é possível identificar uma relação (...) entre a segurança, a estabilidade e a previsibilidade e as regras jurídicas. Isso porque, na medida em que veiculam efeitos determinados, pretendidos pelo legislador de forma específica, as regras contribuem para a maior previsibilidade do sistema jurídico. A justiça, por sua vez, depende em geral de disposições mais flexíveis, à maneira dos princípios, que permitem uma adaptação mais livre às infinitas possibilidades do caso concreto e que sejam capazes de conferir ao intérprete liberdade de adaptar o sentido geral do efeito pretendido, muitas vezes impreciso e indeterminado, às peculiaridades da hipótese examinada. Nesse contexto, portanto, os princípios são espécies normativas que se ligam de modo mais direto à idéia de justiça ou, ao

52 Idem. p. 179. 53 Idem. p. 180

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menos, são instrumentos mais capazes de produzir justiça no caso concreto.54

Nessa perspectiva, confirma-se que uma quantidade equilibrada de

regras e princípios produzem um sistema jurídico ideal composto por

segurança e justiça, valores que também serão equilibradamente aplicados

pelos operadores jurídicos. Negar ao intérprete a segurança jurídica -

previsibilidade e estabilidade – “acaba por constituir um ambiente de

imprevisão e incerteza que dificulta as relações sociais e o desenvolvimento

pessoal dos indivíduos.”55 E, da mesma forma, negar a ele a possibilidade de

realizar justiça em um caso concreto, mesmo que isso lhe confira maior

liberdade de aplicação e mais risco ao arbítrio, “pode inviabilizar sua atuação,

em especial diante de realidades intensamente mutáveis como as

contemporâneas.”56

Observa-se, ainda, a ressalva da autora no sentido de que, ainda que a

distinção entre princípios e regras proposta por Dwokin e Alexy não seja

exatamente a que ela descreve, em geral, não é possível aplicar “mais ou

menos” uma regra, pois os seus efeitos determinados verificam-se ou não. E os

princípios (sem esquecer que é preciso distinguir seu núcleo, que na verdade

tem natureza de regra, e sua área não nuclear que tem natureza de princípio

propriamente dito), como refere Alexy, não apenas podem ser “mais ou menos”

executados, mas executados de várias formas.57 Dessa forma, as regras não

são concebidas para serem ponderadas. Mas a própria autora assevera que

essa afirmação não deve ser compreendida de forma rígida, uma vez que

“também as regras estão submetidas à interpretação e, muitas vezes, será

possível fixar um sentido mais ou menos amplo para a regra, e até mesmo

evitar colisões com outros enunciados, por meio de técnicas hermenêuticas

convencionais.”58

Estudos mais recentes vêm ganhando espaço no que concerne à

distinção de regras e princípios, inclusive, rompendo com os consensos

teóricos acerca dessa distinção. Na doutrina brasileiram Humberto Ávila

54 Idem. p. 186-187. 55 Idem. p.185. 56 Idem. p.185-188. 57 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p.181-183. 58 Idem. p. 183. O ponto será retomado no segundo capítulo.

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discute, inclusive, a aplicação do “tudo ou nada” aos princípios e, também, a

possibilidade da aplicação da técnica da ponderação entre regras.59 Ávila,

assim, define as duas categorias: As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção.60

Os critérios utilizados pelo autor para apontar a distinção entre regras e

princípios são três: (I) pela natureza do comportamento descritivo “as regras

prevêem condutas que servem à realização de fins devidos, enquanto

princípios prevêem fins cuja realização depende de condutas necessárias;” (II)

pela natureza da justificação exigida as regras exigem uma “correspondência

conceitual dos fatos e das normas e da finalidade que lhe dá suporte”,

enquanto que “os princípios demandam a correspondência entre o estado de

coisas posto como fim e os efeitos da conduta necessária.” Nesse sentido, o

autor afirma que a diferença ora analisada não se cinge ao modo de aplicação

do “tudo ou nada”, mas sim no modo de justificação necessário à sua aplicação

e, ainda, que as regras possuem um caráter primariamente retrospectivo, pois

a situação de fato por elas descrita já é conhecida pelo legislador, ao passo

que os princípios têm um caráter primariamente prospectivo, pois já

determinam um estado de coisas a ser construído; (III) pela natureza da

contribuição para a decisão as regras, “a despeito da pretensão de abranger

todos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm aspiração de

59 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de; BARROSO, Luís Roberto. Op cit. p. 343. Saliente-se que o autor Fábio de Oliveira (OLIVEIRA, Fábio de. Op cit. p. 56.), ao tratar da distinção entre regras e princípios, ratifica as idéias de Humberto Ávila e, ainda, admite a possibilidade de um conflito direto entre as duas categorias. Para isso, ele cita como exemplo a hipótese de uma regra ofender o próprio princípio ao qual ela deveria ter se fundamentado, como aquela que implique uma discriminação com base na idade e afronte o princípio da isonomia. Leia-se: “(...) nem sempre é necessário buscar em qual princípio a regra suspeita teria se baseado (para que a colisão se dê entre princípios) ou procurar uma outra regra que lhe seja contraposta (para que a colisão se dê entre regras). É, precisamente, na seara da antinomia entre princípios e regras que muito se utiliza, por exemplo, o princípio da interpretação conforme à Constituição ou a declaração de nulidade parcial sem redução de texto” 60 ÁVILA, Humberto. Op cit. p. 70.

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gerar uma solução específica para o conflito entre razões,” enquanto os

princípios “contribuem ao lado de outras razões para a tomada de decisão.”61

Quanto ao conflito de normas, para Humberto Ávila a diferença entre

princípios e regras implica não a existência de ponderação, mas no modo pelo

qual ela ocorre. As regras por serem de caráter mais descritivo ensejam um

modo de ponderação em que a apreciação do intérprete é menor, e os

princípios, por sua vez, por apresentarem uma abstração maior demandam

uma esfera maior de apreciação. Segundo ele, uma regra pode ser superada

em função de outra norma contrária ou, em função das circunstâncias fáticas,

ter o seu sentido axiológico primeiro modificado, isto é, ela deixa de se

enquadrar em mandados definidos e insere-se em “um processo de valoração

de argumentos e contra-argumentos – isto é, de ponderação.”62

O autor ainda argumenta para desmistificar a doutrina corrente de Alexy,

segundo a qual, na ponderação entre dois princípios ambos incidem “mais ou

menos” de acordo com o maior ou o menor grau de satisfação, sem haver,

portanto, exclusão de qualquer deles: Isso ocorre no caso de princípios que apontam para finalidades alternativamente excludentes. Por exemplo, enquanto o princípio da liberdade de informação permite a publicação de notícias a respeito de pessoas, o princípio da proteção da esfera privada proíbe a publicação de matérias que digam respeito à intimidade das pessoas. Isso significa que, quando a realização do fim instituído por um princípio excluir a realização do fim estipulado pelo outro, não se verificam as citadas limitação e complementação recíproca de sentido. Os dois devem ser aplicados na integralidade de seu sentido. A colisão, entretanto, só pode ser solucionada com a rejeição de um deles.63

Assim, essa situação para o autor se assemelha à do “tudo ou nada” das

regras.

61 ÁVILA, Humberto. Op cit. p. 63-70. Citações ligeiramente editadas. 62 Cf. ÁVILA, Humberto. Op cit. p. 46-49. Explica o autor que é através desse processo de valoração de argumentos e contra-argumentos que se cria a cláusula de exceção para excepcionar uma regra entre duas. 63 Idem. p. 54.

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2 PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL: MÉTODOS POSSÍVEIS A SEREM EMPREGADOS A PARTIR DA PERSPECTIVA DA DOUTRINA BRASILEIRA

2.1 O “PONTO ÓTIMO” NA PONDERAÇÃO DE INTERESSES DE DANIEL

SARMENTO

No livro Ponderação de interesses na Constituição Federal de Daniel

Sarmento, o autor destaca que a Constituição, compreendida em uma

sociedade pluralista, abriga normas que promovem interesses e valores

diversos, o que pode implicar conflitos quando da decisão de casos concretos

que não são, muitas vezes, suficientemente solúveis pelos mecanismos de

resolução de antinomia jurídica. Daí sua defesa no sentido de que é essencial

“a construção de uma técnica alternativa, que seja, por um lado, maleável, para

dar conta da complexidade imanente ao fenômeno constitucional”64 e para

conciliar segurança e previsibilidade metodológica.65

Com base no princípio da unidade da Constituição, afirma o autor que o

ordenamento jurídico enquanto sistema deve ser interpretado com a busca da

harmonia entre diferentes ditames constitucionais, o que se torna uma árdua

tarefa frente a uma Constituição que acolhe normas potencialmente colidentes.

Nesse sentido, os critérios tradicionais de resolução de antinomias (critério

cronológico, critério de especialidade e critério hierárquico) são insuficientes

para o equacionamento de todas as tensões entre normas constitucionais.66

64 SARMENTO, Daniel. Op cit. p. 22. 65 Cf. Idem. p. 20-23. 66 Cf. Idem. p. 27-33. O primeiro pelo fato de que as normas são editadas em um único momento, com a promulgação da Lei Maior. (A exceção seriam as emendas constitucionais editadas após o advento da Constituição, desde, é claro, que não sejam inconstitucionais.) O segundo por somente poder “ser utilizado nas antinomias do tipo total-parcial, pois só nestas se estabelece, entre as normas em confronto, uma relação do tipo geral-especial.” E o terceiro porque todas as normas constitucionais são consideradas de mesma estatura, sendo corolário inafastável do princípio da unidade da Constituição atribuir primazia de uma em relação às demais.

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Segundo Sarmento, a diferenciação entre regras e princípios67 é

fundamental para a compreensão do processo de ponderação de interesses,

pois “os interesses que podem ser objeto de ponderação são apenas aqueles

abrigados por princípios constitucionais explícitos ou implícitos,”68 cuja função,

aduz, é a de “fundamento de legitimidade da ordem jurídico-positiva” para

ancorar a ordem constitucional em valores existenciais que “emprestam

substrato ético ao constitucionalismo.”69

O autor dedica um estudo sobre o princípio constitucional da dignidade

da pessoa humana, considerado por ele como “vetor essencial” para o

empreendimento da ponderação e por se tratar do “epicentro axiológico da

ordem constitucional.”70 Leia-se: O método da ponderação de interesses não representa uma técnica puramente procedimental para solução dos conflitos entre princípios constitucionais. Pelo contrário, a ponderação incorpora uma irredutível dimensão substantiva, na medida em que seus resultados devem se orientar para a promoção dos valores humanísticos superiores, subjacentes à ordem constitucional.71

Esses valores estão sintetizados no princípio da dignidade humana que

atribui uma dimensão finalística às regras e princípios do sistema constitucional

e infraconstitucional, “balizando não apenas os atos estatais, mas também toda

a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade civil

e do mercado.”72: É que o próprio princípio da dignidade da pessoa humana, pela sua notável abertura, abriga e fomenta este pluralismo, constituindo

67 Cf. Idem. p. 42-49. Para o estudo da distinção entre princípios e regras, o autor menciona as teorias propostas, dentre outros, por Jean Boulanger e Robert Alexy estudas no primeiro capítulo. 68 Idem. p. 42. Nos tópicos seguintes, observar-se-á que para Humberto Ávila, no entanto, a ponderação é uma qualidade contingente, não necessária, já que ela pode também estar prevista no caso de regras que colidem sem que percam sua validade ou quando a regra possui uma exceção prevista no próprio ordenamento, cuja solução atribuída ao conflito será feita pelo peso maior dado à finalidade de cada uma no plano da interpretação. E para Ana Paula de Barcellos, também as regras estão submetidas à interpretação e, muitas vezes, será possível fixar um sentido mais ou menos amplo para a regra, e até mesmo evitar colisões com outros enunciados, por meio de técnicas hermenêuticas convencionais. Então, há duas situações que envolvem regras com relação às quais parece ser necessário envolver a ponderação: a primeira é quando a incidência da regra, embora aplicável ao caso, gera solução profundamente injusta; e a segunda relaciona-se com as hipóteses nas quais há uma colisão de regras insuperável pelas técnicas tradicionais. 69 Idem. p. 54 e 56. 70 Idem. p. 59. 71 Idem. p. 57. 72 Idem. p. 60. Para o autor, a dignidade é entendida como um atributo inalienável do ser humano, o qual não pode dela dispor em suas relações privadas, o que coopera com o entendimento de que o princípio é um guia para a realização da ponderação.

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fórmula elástica o bastante para acolher valores potencialmente conflitantes, como liberdade e segurança, igualdade e direito à diferença. Assim, a dignidade da pessoa humana afirma-se como o principal critério substantivo na direção da ponderação de interesses constitucionais. Ao deparar-se com uma colisão concreta entre princípios constitucionais, tem o operador o direito de, observada a proporcionalidade, adotar a solução mais consentânea com os valores humanitários que este princípio promove.73

Desse modo, para Sarmento nenhuma ponderação importará em

subtração à dignidade humana, “uma vez que o homem não é apenas um dos

interesses que a ordem constitucional protege, mas a matriz axiológica e o fim

último desta ordem.”74

O princípio da proporcionalidade mereceu capítulo especial no livro em

análise, pois, para o autor, ele atua “como pauta procedimental da ponderação

de interesses,”75 e mais, “ponderação e proporcionalidade pressupõem-se

reciprocamente, representando duas faces da mesma moeda.”76 (...) o princípio da proporcionalidade visa, em última análise, a contenção do arbítrio e a moderação do exercício do poder, em favor da proteção dos direitos do cidadão (...) ele tem sido utilizado (...) no Brasil, como poderosa ferramenta para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos com os ditames da razão e da justiça.77

Explanou o autor a decomposição desse princípio, pela doutrina alemã,

em três subprincípios: adequação, necessidade ou exigibilidade e

proporcionalidade em sentido estrito, sendo que, este último convida o

intérprete à realização da autêntica ponderação. Ou seja, uma norma jurídica

estará conforme ao princípio em estudo se “a um só tempo, ser apta para os

fins a que se destina, ser a menos gravosa possível para que se logrem tais

fins e causar benefícios superiores às desvantagens que proporciona.”78

Para Sarmento, o princípio é essencial para a realização da ponderação

de interesses, pois o raciocínio auferido pelas três fases expostas é

73 Idem. p. 74. 74 Idem. p. 76. 75 Idem p. 78-87. O autor faz uma breve trajetória da origem e do desenvolvimento do princípio da proporcionalidade no direito brasileiro, no direito europeu continental, que o compreende como “justa medida” ou “justa proporção” e, também, do princípio da razoabilidade nos Estados Unidos. Conclui ele que, ainda que tenham origens históricas diferentes, os dois princípios “são, na prática, fungíveis, pois almejam o mesmo resultado: coibir o arbítrio do Poder Público, invalidando leis e atos administrativos caprichosos, contrários à pauta de valores abrigada pela Constituição.” 76 Idem p. 96. 77 Idem p.77. 78 Idem p. 90.

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exatamente o mesmo que deve ser utilizado na ponderação. Com isso conclui

o autor que a ponderação de interesses “não representa uma forma de

decisionismo judicial disfarçado, já que seu método pauta-se pelo princípio da

proporcionalidade, cujos critérios podem ser aferidos com certa objetividade.”79

Ao propor uma metodologia para a ponderação o autor afirma que a

“ponderação de interesses só se torna necessária quando, de fato, estiver

caracterizada a colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais

incidentes sobre um caso concreto.”80 Dessa forma, a primeira tarefa do

intérprete é verificar se eles efetivamente estão em confronto no caso concreto

ou se é possível harmonizá-los.81 Constatada a hipótese de soluções

divergentes, ele deve, sobre os interesses protegidos pelos princípios em

disputa “impor ‘compressões’ recíprocas objetivando lograr um “ponto ótimo”,

onde a restrição a cada interesse seja a mínima indispensável à sua

convivência com o outro.”82 Nessa segunda etapa, o intérprete deverá

comparar o peso genérico que a ordem constitucional atribui, em tese, aos

interesses em disputa e, em seguida, identificar o peso específico que

assumirá cada princípio na solução do problema o que dependerá da

intensidade com que estejam afetados83: Assim, o nível de restrição de cada interesse será inversamente proporcional ao peso específico que se emprestar, no caso, ao princípio do qual ele se deduzir, e diretamente proporcional ao peso que se atribuir o princípio protetor do bem jurídico concorrente. O grau de compressão a ser imposto a cada um dos princípios em jogo dependerá da intensidade com que o mesmo esteja envolvido no caso concreto. A solução terá de ser casuística, pois estará

79 Idem. p. 96. Cabe ressaltar que o conceito de “decisionismo” talvez não esteja bem desenvolvido pelo autor. Como ele pode afastar a idéia de um decisionismo judicial afirmando que o método pauta-se por “critérios que podem ser aferidos com certa objetividade” ou, como se verá adiante, que a solução de um conflito estará condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa “e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema”? Como se sabe, o processo judicial é muito criativo, principalmente quando recorre a interpretações de princípios, e não meramente cognitivo. 80 Idem. p. 99. Note-se que, mais uma vez, o autor afirma categoricamente que a ponderação só se mostrará necessária em colisões entre princípios, o que é contrário ao entendimento de Humberto Ávila e Ana Paula de Barcellos. 81 Cf. Idem. p. 99. Segundo o autor, nessa tarefa, o intérprete dará cumprimento ao princípio da unidade da Constituição que propõe o esforço da conciliação entre normas constitucionais. 82 Idem. p.102. Como se verá adiante, para Humberto Ávila, os princípios não são aplicados “mais ou menos,” e sim o estado das coisas que pode ser mais ou menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio. Portanto, segundo ele o princípio é ou não adotado ou o comportamento necessário à realização ou preservação do estado de coisas é ou não adotado, não sendo, assim, possível identificar um “ponto ótimo” nos conflitos. 83 Cf. Ibdem. Para fazer a comparação dos pesos genéricos proposta pelo autor, o intérprete adotará valores subjacentes à Constituição, não significando, porém, que haja uma escala rígida de interesses, pois eles poderão variar de acordo com as circunstâncias fáticas.

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condicionada pelo modo com que se apresentarem os interesses em disputa e pelas alternativas pragmáticas viáveis para o equacionamento do problema.84

Lembre-se que essa restrição deve ser mediada pelo emprego do

princípio da proporcionalidade em sua tríplice dimensão, e, além disso, a

ponderação deve ser orientada no sentido de promover o princípio da

dignidade da pessoa humana.

Também com relação à ponderação, o autor dedica algumas linhas entre

a técnica e a autolimitação judicial, que, segundo ele, consiste em uma

equação de convivência entre o Poder Legislativo e o Poder Judicial, através

da qual o “órgão jurisdicional deve assumir uma postura prudente e

parcimoniosa, pautada pelo respeito devido às emanações da vontade

popular”85 Sendo assim, a técnica nada terá de antidemocrático. E nessa

mesma linha, sobre a necessidade de motivação dos atos judiciais, ele defende

que, ao fundamentar decisões que envolvam a ponderação de interesses, o

julgador não pode “escamotear a ponderação sob a capa de um falso

silogismo, como freqüentemente ocorre, ocultando elementos retóricos e

políticos dos seus julgados.”86

Sarmento ainda prevê a necessidade do recurso ao pensamento tópico-

argumentativo já que o ordenamento constitucional não dispõe de uma

resposta correta para todos os casos de colisão entre princípios que possa ser

aferida abstratamente do sistema.87 E, a partir do método hermenêutico

concretizador88 de interpretação constitucional, ele assinala que os elementos

clássicos de interpretação e os princípios de interpretação constitucional serão

considerados topoi (pontos de vista) e submetidos à discussão na busca da

solução.89

84 Idem. p. 104. 85 Idem. p. 116-117. 86 Idem. p. 120. 87 Cf. Idem. p.133. 88 O método concretista é defendido pelo autor Friedrech Muller. Segundo Thomas da Rosa Bustamante (BUSTAMANTE, Thomas. Sobre o conceito de normas e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica segundo Friedrich Muller e Robert Alexy. Revista Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, ano 11, n. 43. p. 102-103, abr-jun de 2003), o método “significa o procedimento por meio do qual se parte do texto da Constituição para se chegar à regulação concreta da realidade.(...) A norma em condições de ser aplicada (norma de decisão) só é obtida ao final do processo de concretização, sendo o resultado da conjugação de dois elementos: (1) o programa da norma (...) e o âmbito da norma (...)” 89 Idem. p.134.

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Assim, “[a] concretização da norma constitucional pressupõe a sua pré-

compreensão (...) o intérprete aproxima-se do caso concreto, através de uma

atuação tópica, orientada ao problema, mas limitada pela norma.”90 Observou,

ainda, que o objetivo do método concretizante é conciliar a dinâmica da tópica

no que tange à interpretação constitucional com a segurança e o respeito à

norma.91

O autor ainda refuta as críticas mais correntes na doutrina acerca da

técnica da ponderação. Segundo ele, a ponderação, sobretudo quando

orientada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, não nega, pelo

Judiciário, “aplicação de outros bens jurídicos, sem explícito amparo na

Constituição,”92 posto que a relatividade permite uma convivência entre eles,

de modo que a escolha absoluta de um, anularia os demais.

As objeções quanto à ordem metodológica da técnica acentuando a

subjetividade das decisões judiciais também são correntes; no entanto, lembra

o autor, que ela funda-se, sim, em critérios racionais, como o uso do princípio

da proporcionalidade e a adoção do princípio da dignidade humana como

diretriz substancial da ponderação.

E, por fim, a técnica não importa em usurpação do Poder Legislativo,

pois a ponderação “pressupõe a inexistência de regra legislativa específica,

resolvendo o conflito entre princípios constitucional,”93 e, ademais, a evolução

do Estado Social acabou transferindo também para o Poder Judiciário a função

de proteger o cidadão, o que preserva a legitimidade democrática da

ponderação.94

2.2 “OS POSTULADOS NORMATIVOS APLICATIVOS” NA TEORIA DOS

PRINCÍPIOS DE HUMBERTO ÁVILA

No livro Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos de Humberto Ávila, o autor, a partir do entendimento de

90 Ibdem. 91 Cf. Idem. p.135. 92 Idem. p.143. 93 Idem. p. 148. Cabe aqui uma observação: a ponderação, todavia, não fica limitada à “inexistência de regra legislativa específica”. Viu-se, no início deste trabalho, que a ponderação em sentido estrito está relacionada a sopesar enunciados normativos válidos, e não ausentes. 94 Cf. Idem. p. 149.

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que não há correspondência biunívoca entre dispositivo e norma, ou seja, onde

houver um não necessariamente haverá a outra, considera que os textos

normativos são pontos de partida para a reconstrução de sentidos pelo

intérprete, que deixa de apenas descrever significados.95 Assim, a qualificação

de normas como regras ou como princípios depende da contribuição

constitutiva do intérprete, ou seja, “[e]ssa qualificação normativa depende de

conexões axiológicas que não estão incorporadas ao texto nem a ele

pertencem, mas são, antes, construídas pelo próprio intérprete.”96 E esclarece o

autor que ele não quer com isso dizer que o intérprete seja livre para executar

conexões entre as normas e os fins a cuja realização eles são atribuídos, mas

sim ele “deve interpretar os dispositivos constitucionais de modo a explicitar

suas versões de significado de acordo com os fins e os valores entremostrados

na linguagem constitucional”97

Depois de descrever os critérios dos trabalhos mais importantes98 sobre

a distinção entre regras e princípios, o autor analisa-os de forma crítica e

objetiva. O caráter hipotético-condicional (princípios como indicadores de uma

diretriz para posterior obtenção de uma regra e as regras como elementos

frontalmente descritivos) é rechaçado pelo autor por ser impreciso, visto que o

conteúdo normativo das normas depende de possibilidades normativas e

fáticas que serão verificadas no processo de aplicação; por ser o modo de

formulação lingüística que determinará a hipótese de incidência, e não uma

característica atribuída a cada categoria; e por ser a função do intérprete de,

através de conexões valorativas e por meio da argumentação, atribuir ou não a

95 Cf. ÁVILA, Humberto. Op cit. p. 22-26. O trabalho do autor vem romper com a tradicional corrente no que tange à distinção entre regras e princípios e, conseqüentemente, à ponderação. Contudo, para Ana Paula de Barcellos, as idéias de Humberto Ávila faz com que a ponderação acabe sendo confundida com a interpretação jurídica como um todo. Ao parafrasear J. J. Canotilho, afirmou a autora (BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 37): “A afirmação genérica de que toda interpretação envolve uma ponderação (quando a rigor o termo ponderação estaria sendo usado em sentido amplo, e não para designar uma técnica específica de solução de conflitos) poderia autorizar o operador jurídico a lançar mão desses poderes em qualquer exercício da atividade interpretativa, ainda que não estivessem presentes as circunstâncias que os justificam.” 96 Ibdem. p. 26. 97 Ibdem. 98 O autor critica aqui as teorias tradicionais acerca da distinção indicando-as como mais fracas, representadas por Esser, Larenz e Canaris, e mais fortes, representadas por Dworkin e Alexy. Esta última, resumidamente, já foi abordada no primeiro capítulo deste trabalho.

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intensidade ou a finalidade que deva alcançar o dispositivo, mesmo que ele

tenha sido determinado de modo hipotético pelo Poder Legislativo.99

O critério do modo final de aplicação (regras são aplicadas de modo

absoluto tudo ou nada e princípios de modo gradual mais ou menos) também

foi criticado, pois o modo de aplicação não está determinado pelo texto objeto

de interpretação, mas pelas conexões axiológicas construídas pelo intérprete.

A obrigação dita absoluta das regras “não impede que outras razões contrárias

venham a se sobrepor em determinados casos”100 mediante condizente

fundamentação, como superiores às da própria regra. Em outras palavras, “[a]

consideração de circunstâncias concretas e individuais não diz respeito à

estrutura das normas, mas à sua aplicação; tanto os princípios como regras

podem envolver a consideração a aspectos específicos, abstratamente

desconsiderados.”101 E há regras que contêm expressões que não delimitam o

âmbito de aplicação, o que deixa a cargo do intérprete decidir pela sua

incidência.102 Assim é que, somente após a interpretação, que surge a

característica específica de uma regra e a única diferença constatável entre

regras e princípios é o grau maior de abstração destes últimos relativo à norma

de comportamento a ser determinada, posto que desvinculados abstratamente

de uma situação específica.103

Ainda quanto ao modo de aplicação, Ávila contraria a tese de Dworkin e

Alexy segundo a qual se a hipótese prevista por uma regra ocorrer no plano

dos fatos, a conseqüência normativa deve ser efetivada, pois há casos em que

as condições de aplicabilidade de uma regra não são efetivadas, mas elas são

aplicadas, “porque os casos não regulados assemelham-se aos casos

previstos na hipótese normativa que justifica aplicação da regra.”104 E, ainda,

sustenta o autor que não são os princípios que são aplicados “mais ou menos,”

mas o estado das coisas que pode ser mais ou menos aproximado,

dependendo da conduta adotada. Portanto, “o princípio é ou não adotado: ou o

99 Cf. Idem. p. 31-35 100 Idem. p.36. Como exemplo o autor cita o HC 73-62-9 (Rel. Marco Aurélio) julgado pelo STF, segundo o qual, preliminarmente, não restou configurado o estupro presumido do artigo 224 do Código Penal, pois atribuída maior relevância às circunstâncias particulares não previstas pela norma, como a aquiescência da vítima e a aparência física. 101 Idem. p. 39. 102 O autor cita como exemplo o livro eletrônico e a sua inclusão no âmbito da regra de imunidade tributária. 103 Cf. Idem. p. 40.

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comportamento necessário à realização ou preservação do estado de coisas é

adotado, ou não é adotado.”105

Quanto ao critério do conflito normativo (a ponderação é método

privativo de aplicação dos princípios que possuem uma dimensão de peso),

diverge o autor no sentido de que a ponderação é uma qualidade contingente,

não necessária, já que ela pode também estar prevista no caso de regras que

colidem sem que percam sua validade ou quando a regra possui uma exceção

prevista no próprio ordenamento, cuja solução atribuída ao conflito será feita

pelo peso maior dado a finalidade de cada uma no plano da interpretação. 106 E

aduz o autor: E a exceção pode não estar prevista no ordenamento jurídico, situação em que o aplicador avaliará a importância das razões contrárias à aplicação da regra, sopesando argumentos favoráveis e os argumentos contrários à criação de uma exceção (...) O importante é que o processo mediante o qual as exceções são constituídas também é um processo de valoração de razões: em função da existência de uma razão contrária que supera axiologicamente a razão que fundamenta a própria regra, decide-se criar uma exceção. Trata-se do mesmo processo de valoração de argumentos e contra-argumentos, isto é, de ponderação.107

Tanto no sopesamento entre uma regra e a sua exceção ou entre

princípios em tensão, o que há é um sopesamento de razões e de contra-

razões. A diferença está na intensidade de contribuição do julgador e quanto ao

modo de ponderação. Com as regras, em razão de seu elemento descritivo e

das hipóteses normativas entremostradas no significado preliminar do

dispositivo, o âmbito de apreciação é menor em função da delimitação do

conteúdo de sua hipótese normativa e da finalidade que o sustenta; com os

princípios, não há a descrição, mas um estado das coisas a ser buscado, por

isso o âmbito de apreciação é maior para delimitar o comportamento

necessário à preservação ou realização desse estado das coisas.108

104 Idem. p. 41. É o caso da aplicação analógica de regras. 105 Idem. p. 42. 106 Cf. Idem. p. 44-46. O autor cita como exemplo a regra do artigo 1º da Lei 9.494/97 que proíbe a concessão de liminar contra a Fazenda Pública e outra regra que determina que o Estado forneça gratuitamente medicamentos excepcionais para quem deles necessite e não tenha condições de provê-los. Embora contraditórias, mantêm sua validade, não sendo necessário invalidá-las ou criar uma exceção a uma delas, de tal modo que o julgador terá que atribuir um peso maior a uma delas para dirimir o conflito. 107 Ibdem. p. 46. 108 Cf. Idem. p. 47- 48.

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Ressalta, também, o autor que, nos casos de ponderação de regras em

que haja pelo intérprete a dificuldade de interpretação quando o confronto

pressupor hipóteses normativas semanticamente abertas ou de conceitos

jurídicos-políticos, como Estado de Direito, democracia, deve o aplicador

priorizar a finalidade da regra a partir de uma ponderação de todas as

circunstâncias do caso. O que importa para o autor é que o aplicador recorrerá

à razão justificativa da regra e entender os elementos na hipótese como

indicadores da decisão e, ainda, importa saber quais os casos em que ele deve

manter-se fiel à descrição prevista pela hipótese, pois “[s]omente mediante a

ponderação de razões pode-se decidir se o aplicador deve abandonar os

elementos da hipótese de incidência da regra em busca do seu

fundamento.”109

As últimas incorreções apontadas quanto à matéria são em relação ao

fato de que os princípios possuem uma dimensão de peso, são deveres de

otimização e incidem “mais ou menos.” A dita dimensão do peso levantada pela

doutrina não é atributo dos princípios, pois é a decisão que atribui peso às

razões e aos fins referidos pelos princípios. Ou seja, a dimensão do peso é

resultado de juízo valorativo do aplicador.110 Quanto aos deveres de

otimização, eles assim são considerados, porque pressupõem uma aplicação

na máxima medida, o que nem sempre ocorre, como é o caso de dois

princípios que estipulam os mesmos fins a serem perseguidos.111 Assim, “não

há o dever de realização na máxima medida, mas o de realização estritamente

necessária à implementação do fim instituído pelo outro princípio, vale dizer, na

medida necessária.”112 Quanto à incidência “mais ou menos” dos princípios

que ocorre de acordo com o maior ou o menor grau de sua satisfação, sem

haver, portanto, exclusão de qualquer deles, diverge o autor no sentido de que,

quando a realização do fim instituído por um princípio excluir a realização do

fim estipulado pelo outro, a solução só será efetivada com a exclusão de um

deles assemelhando-se ao caso das colisões entre regras.113

109 Idem. p. 49. 110 Cf. Idem. p. 51. 111 Cf. Idem. p. 53 112 Idem. p. 54. 113 Cf. Ibdem. Exemplifica o autor: “(...) enquanto o princípio da liberdade de informação permite a publicação de notícias a respeito de pessoas, o princípio da proteção da esfera privada proíbe a publicação de matérias que digam respeito à intimidade das pessoas.”

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Portanto, para o autor, a questão a ser debatida não é “a falta de

ponderação das regras, mas o tipo de ponderação que é feita e o modo como

ela deverá ser fundamentada.”114 E é criticando às concepções correntes da

doutrina acerca das normas que ele propõe - como já explicitado no primeiro

capítulo deste trabalho - uma redefinição dos conceitos entre princípios e

regras.

Por conseguinte, o último capítulo do livro examina como as regras e os

princípios devem ser aplicados através de normas estruturantes chamadas

“postulados normativos.” Para o autor, esses postulados atuam como

metanormas e verificam os casos em que há violação às normas. Assim, os

postulados da proporcionalidade ou da razoabilidade, por exemplo, não são

violados, mas apenas regras e princípios quando não aplicados

adequadamente.115

Além disso, o autor explica que o funcionamento dos postulados difere

muito do dos princípios e das regras: (...) os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação de dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. (...) As regras, a seu turno, são normas imediatamente descritivas de comportamentos devidos ou atributivas de poder. Distintamente, os postulados não descrevem comportamentos, mas estruturam a aplicação que o fazem.116 (Grifou-se)

Disso se conclui que os postulados normativos situam-se em um plano

distinto do das normas cuja aplicação estruturam e que a violação deles implica

a não-interpretação de acordo com a estruturação dessas normas.117 E, ainda,

“estabelecem a vinculação entre elementos e impõem determinada relação

114 Idem. p. 55. 115 Cf. Idem. p. 80. A respeito, exemplifica o autor: “(...) no caso em que o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional lei estadual que determinava a pesagem de botijões de gás à vista do consumidor, o princípio da livre iniciativa foi considerado violado, por ter sido restringido de modo desnecessário e desproporcional. Rigorosamente, não é a proporcionalidade que foi violada, mas o princípio da livre iniciativa, na sua inter-relação horizontal com o princípio da defesa do consumidor, que deixou de ser aplicado adequadamente.” 116 Idem. p. 81. 117 Cf. Idem. p. 80.

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entre eles,”118 dependendo, para sua aplicação, da conjugação de razões

substanciais. No entanto, eles não funcionam da mesma forma, pois alguns

são aplicáveis independentemente desses elementos relacionados.

Exatamente por isso, o autor os divide em duas espécies: (i) postulados

inespecíficos: “constituem-se, pois, em meras idéias gerais, despidas de

critérios orientadores da aplicação.”119 São eles: (i.a) ponderação de bens que,

segundo o autor, é um método para atribuir pesos a elementos que se

relacionam sem, contudo, fazer referência a pontos de vista materiais capazes

de orientar esse sopesamento, o que a torna “pouco útil” para a aplicação do

Direito. 120 Nesse sentido, salienta o autor a importância de separar os

elementos objetos da ponderação, quais sejam os bens jurídicos, os

interesses, os valores e os princípios. Além disso, ele propõe uma estrutura

para a ponderação em três fases: preparação da ponderação, na qual todos os

elementos e argumentos serão exaustivamente analisados; a realização da

ponderação, na qual a relação entre os elementos objeto de sopesamento será

fundamentada; e a reconstrução da ponderação, através da formulação de

regras entre os elementos, com a pretensão de validade para além do caso;

(i.b) concordância prática é o dever de harmonizar os valores de modo que eles

sejam protegidos ao máximo; (i.c) proibição de excesso que proíbe que a

realização de uma regra ou princípio conduza à restrição de qualquer direito

fundamental, sejam quais forem as razões que a motivem;121 (i) postulados

específicos: “dependem da existência de determinados elementos e é pautada

por determinados critérios.”122 São eles: (ii.a) igualdade: pessoas ou situações

são ou não iguais dependendo de um critério diferenciador e da finalidade a

que ele serve, sendo que fins diversos implicam a utilização de critérios

distintos e “como postulado, sua violação reconduz a uma violação de alguma

norma jurídica;”123 (ii.b) razoabilidade: na acepção de eqüidade a

razoabilidade atua como instrumento determinador de situações de fato

presumíveis dentro da normalidade e exige que o aspecto individual do caso

118 Idem. p. 85. 119 Ibdem. 120 Cf. Idem. p. 80. 121 Idem. p. 85-93. 122 Idem. p. 94.

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seja considerado mesmo que generalização legal o desconsidere;124 na

acepção de congruência a razoabilidade recorre a um suporte empírico

existente para que qualquer decisão não se desvincule da realidade125 e,

ainda, “exige uma relação de congruente entre o critério de diferenciação

escolhido e a medida adotada;”126 e na acepção como equivalência a

razoabilidade “exige uma relação de equivalência entre a medida adotada e o

critério que a dimensiona;”127 (ii.c) proporcionalidade: serve como instrumento

de controle dos atos do Poder Público e “se aplica apenas a situações em que

há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente

discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos [seus]

três exames fundamentais”128

Com efeito, leia-se, então, a conclusão do autor ao diferir os postulados

da razoabilidade e da proporcionalidade: O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolha, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. A aplicação da proporcionalidade exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim. (...) a razoabilidade (...) não faz referência a uma relação de causalidade entre um meio e um fim (...) como dever de equidade atua como instrumento para determinar que as circunstâncias de fato devem ser consideradas com a presunção de estarem dentro da normalidade. (...) [como] dever de congruência exige a relação das normas com suas condições externas de aplicação (...) [como] dever de equivalência impõe uma relação de

123 Ibdem. Observa o autor que “Os sujeitos devem ser considerados iguais em liberdade, propriedade, dignidade. A violação da igualdade implica a violação a algum princípio fundamental.” 124 Cf. Idem. p. 98. Segundo o autor “A razoabilidade atua na interpretação das regras gerais como decorrência do princípio da justiça (Preâmbulo e art. 3º da CF)” 125 Cf. Idem. p. 99. Para o autor, “Desvincular-se da realidade é violar os princípios do Estado de Direito e do devido processo legal.” 126 Idem. p. 100. Exemplifica o autor: “Uma lei vinculou o número de candidatos por partido ao numero de vagas destinadas ao povo do Estado na Câmara de Deputados. O número de candidatos foi eleito critério de discriminação eleitoral. Os partidos insurgiram-se contra a medida, alegando ser ela irrazoável. No julgamento, porém, considerou-se haver congruência entre o critério de distinção e a medida adotada, pois a vinculação das vagas ao número de candidatos levaria à melhor representatividade populacional.” (STF, ADIn 1.813-5, rel. Min. Sepúlveda Pentence, DJU 12.6.1998.) 127 Idem. 101. Como exemplo: “O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a criação de taxa judiciária de percentual fixo, posto que em alguns casos essa seria tão alta que impossibilitaria o exercício de um direito fundamental – obtenção de prestação jurisdicional -, além de não ser razoavelmente equivalente ao custo real do serviço.” (Repr. 1.077, RTJ 112/34-97). 128 Idem. p. 104.

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equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.”129

Dessa forma, o postulado da proporcionalidade não pode ser confundido

com a idéia de proporção em suas várias manifestações, já que ele se aplica

somente em circunstâncias nas quais há um imbricamento entre bens jurídicos

e uma relação de causalidade entre um meio e um fim.130 Isto é, “[s]em um

meio, um fim concreto e uma relação de causalidade entre eles não há

aplicabilidade do postulado da proporcionalidade em seu caráter trifásico.”131

Por isso diferencia o autor o postulado da proporcionalidade do da

ponderação de bens, posto que este, ao contrário daquele, não possui

qualquer determinação quanto ao modo que deve ser feita a ponderação.132

2.3 UM MODELO DE ORDENAÇÃO PARA A PONDERAÇÃO:

“PARÂMETROS GERAIS E PARÂMETROS ESPECÍFICOS” DE ANA PAULA

DE BARCELLOS.

A autora, em seu livro Ponderação, racionalidade e atividade Jurisdicional, identifica as circunstâncias que explicam a necessidade da

ponderação e, ao mesmo tempo, delineia o sentido dessa técnica, distinguindo-

a das técnicas hermenêuticas tradicionais. Em seguida, examina as críticas e

as alternativas à técnica e conclui que nenhuma das opções que a doutrina

sugere substitui satisfatoriamente a ponderação e muito menos soluciona o rol

de dificuldades metodológicas a ela atribuída, mas que, contudo, servem como

129 Idem. p. 101-103. Colchetes acrescentados. 130 Cf. Idem. p. 104. Essas manifestações do autor dizem respeito à sua idéia de proporção recorrente na Ciência do Direito. “Na Teoria Geral do Direito fala-se em proporção como elemento da própria concepção imemorial de Direito, que tem a função de atribuir a cada um a sua proporção. No direito penal faz-se referência à necessidade de proporção entre culpa e pena. (...) No direito tributário, há a obrigatoriedade de proporção entre o valor da taxa e o serviço público prestado (...)” 131 Idem. p. 105. 132 Cf. Idem. p. 108. Da mesma forma o autor distingue o postulado da proporcionalidade do da justa proporção, do da concordância prática e do da proibição do excesso.

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auxílio na identificação de inconsistências da técnica e na tentativa de

aprimorá-las.133

Ana Paula de Barcellos propõe uma ordenação metodológica para a

técnica da ponderação jurídica através de alguns parâmetros destinados a

orientar o intérprete para conferir maior grau de racionalidade e de juridicidade

das decisões que se valem da ponderação. Leia-se: Em um Estado de direito, republicano e democrático, as decisões judiciais devem vincular-se ao sistema jurídico da forma mais racional e consistente possível, e o processo de escolhas que conduz a essa vinculação deve ser explicitamente demonstrado. Aprimorar a consistência metodológica da técnica da ponderação e construir parâmetros jurídicos capazes de orientar seu emprego são esforços dogmáticos que podem contribuir, em primeiro lugar, para que a vinculação ao sistema das decisões que empregam essa técnica seja juridicamente mais consistente e mais racional. Em segundo lugar, e aqui apenas de forma indireta, a ordenação objetiva e clara das etapas a serem percorridas pelo intérprete no uso da ponderação poderá facilitar a demonstração pública do processo decisório no momento da motivação. 134

Nesse sentido, a “ponderação (...) corresponde à técnica de decisão

jurídica empregada para solucionar conflitos normativos que envolvam valores

ou opções políticas em tensão, insuperáveis pelas formas hermenêuticas

tradicionais.”135 Esclarece que as antinomias tradicionalmente trabalhadas pela

hermenêutica,“não envolvem um conflito axiológico importante ou uma disputa

entre opções políticas (...) decorrentes da própria Constituição e dos princípios

por ela previstos em particular,”136 por isso insuperáveis pelas técnicas

133 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 57-87. Com relação à proposta de hierarquização das disposições constitucionais, a autora admite ser perfeitamente possível conceber uma preferência para as que diretamente estejam ligadas aos fins propostos pelo princípio da dignidade da pessoa humana, em contraste com outras que apenas indiretamente contribuam com esses fins, uma vez que a Constituição brasileira consagra o homem, sua dignidade e seu bem-estar como centro do sistema jurídico; a partir da teoria conceptualista, a qual defende que o conceito de cada direito não é um elemento pronto, pois associado a determinados fins e fruto de uma história, extrai a autora outra contribuição para o aprimoramento da ponderação: “quanto maior a doutrina precisar os contornos de cada direito, isoladamente considerado e na convivência com outros, menor será a necessidade da chamada ponderação;” e das experiências norte-americana e alemã, respectivamente, converge a autora com a criação de standards materiais associados a conflitos específicos e a criação de parâmetros lógicos de caráter geral com objetivos de organizar e controlar o raciocínio jurídico levado a cabo quando se emprega a ponderação, também como úteis para a experiência brasileira. 134 Idem. p.48. 135 Idem. p.18. Esclarece em nota a autora que a Constituição brasileira de 1988 incorporou a seu texto, em geral sob a forma de princípios, tanto valores como opções políticas, de modo que os dois grupos de fenômenos são, no Brasil, elementos do sistema jurídico constitucional. Daí o emprego do termo “opções políticas” na definição de ponderação. 136 Idem.p. 33-34.

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tradicionais e pelos elementos clássicos de interpretação, já que se tratam, em

geral, “apenas de um conflito lógico entre enunciados ou ainda de um texto que

veiculou de forma não completamente satisfatória o que se pretendia” 137

Assim, é a ponderação a única forma de superar o conflito e determinar uma

solução ao caso.

Em resumo, a autora descreve a ponderação como um processo em três

etapas sucessivas pelas quais deve o intérprete percorrer ao empregá-la.

Explica-se cada uma delas. Na primeira, cabe ao intérprete identificar todos os

enunciados normativos pertinentes para a solução do caso e os eventuais

conflitos entre eles insuperáveis pelas técnicas tradicionais de solução de

antinomias. Ainda aqui, as diversas premissas maiores serão agrupadas em

função da solução e dos argumentos a que propõem com o propósito de

facilitar uma comparação posterior entre os elementos normativos. O processo

se desenvolverá semelhantemente com disposições infraconstitucionais em

disputa com outras constitucionais de conclusões contraditórias.138

Ainda nessa primeira etapa a autora faz três observações: (a) Interesses e enunciados normativos: “interesses genericamente

considerados só podem ser levados em conta se puderem ser reconduzidos a

enunciados normativos explícitos ou implícitos. Um interesse que não encontre

fundamento no sistema jurídico não deverá ser considerado.”139 Isso porque,

se a técnica da ponderação é uma técnica jurídica, admitir interesses não

qualificados pelos órgãos competentes como juridicamente relevantes e dignos

de proteção, transformaria a técnica em uma avaliação política e uma forma

ilegítima de legislar. O uso exclusivo de enunciados normativos, segundo a

autora, preserva o espaço de determinação democrática e a legitimidade da

própria ponderação;140 (b) Normas e enunciados normativos: embora a autora reconheça ser perfeitamente possível haver enunciados implícitos ou

decorrentes do próprio sistema, ela conceitua enunciados normativos como

137 Idem.p. 33. 138 Cf. Idem. p. 91-96. 139 Idem.p. 97. Um exemplo supostamente dado pela autora é em relação à pretensão de um particular à não-cumulatividade e o direito de compensação tributária do IPI ou do ICMS previstos na Constituição. Contra a pretensão, a Fazenda não pode simplesmente argumentar que a não-cumulatividade acarretaria uma queda importante na arrecadação, pois esse interesse genérico não se caracteriza como elemento jurídico para se contrapor aos enunciados normativos da Constituição em uma ponderação. Esse interesse genérico, portanto, não será considerado nessa primeira fase.

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“signos lingüísticos que compõem o dispositivo legal ou constitucional e

descrevem uma formulação jurídica deontológica, geral e abstrata, contida na

Constituição ou na lei, ou extraída do sistema;”141 e norma “correspondente ao

comando específico que dará solução a um caso concreto”142 que encontram

seu fundamento principal em um ou mais de um enunciado, ou extraído do

sistema como um todo. Ainda nesse sentido, o mesmo enunciado poderá dar

ensejo a normas diversas dependendo das diferentes situações fáticas que

venha a incidir.143 A autora alerta que nessa primeira fase da ponderação o

que deverá ser identificado são os enunciados normativos, sejam eles regras

ou princípios, e não as normas. Procurar-se-á identificar, então, se há de fato

enunciados normativos fundamentando juridicamente as normas supostamente

em conflito e, conseqüentemente, se há efetivamente um conflito, sendo que

todos os enunciados deverão ser verificados e se eles justificam a existência

de outras normas que possam solucionar o conflito por meios hermenêuticos

tradicionais sem ser necessário avançar para as outras fases da

ponderação;144 (c) Situações individuais e enunciados normativos: essa

observação serve como alerta para que os enunciados normativos sejam todos

apreciados no mesmo nível de abstração para que não haja confusão com a

própria norma que cada um enseja. Isso corriqueiramente ocorre em conflitos

entre leis ou atos fundados em interesses coletivos e direitos individuais, pois o

intérprete acaba contrapondo uma norma (direito do indivíduo) e um enunciado

normativo, o que desequilibra a ponderação que está sendo realizada entre

fenômenos distintos. Ou seja, o direito do indivíduo também está fundado em

um enunciado normativo geral e deve ser ponderado com leis ou atos fundados

em interesses coletivos, e não com a pretensão individual, já que, se assim

fosse, poderia levar o intérprete a concluir apressadamente que o direito

individual deverá ceder ao interesse coletivo.145

140 Cf. Idem. p. 96-102. 141 Idem. p. 104. 142 Ibdem. 143 Cf. Idem. 104 -106. Exemplo já citado é o dos indivíduos convocados para prestar esclarecimentos em Comissões Parlamentares de Inquérito que se socorrem do direito constitucional ao silêncio para deixar de prestar informações que possam de alguma forma prejudicá-los. 144 Idem. p. 112. 145 Cf. Idem. p. 112-115.

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Na segunda, caberá fazer a seleção dos fatos relevantes e sua

interação com os grupos de normas identificadas, o que poderá apontar com

maior clareza o papel de cada uma delas e o tamanho de sua influência. Fez a

autora duas observações: (a) Fatos relevantes: dois fundamentos justificam a

relevância de um fato. O primeiro é dado pelo senso comum de uma sociedade

e o segundo é a existência de disposições normativas que autorizam essa

conclusão;146 (b) Repercussões dos fatos sobre os enunciados

normativos: os fatos podem atribuir peso maior ou menor às soluções

indicadas pelos grupos de elementos normativos identificados na primeira

fase,147 e, diversamente, os grupos de soluções podem apresentar cada qual o

grau de restrição necessário para solucionar o conflito.148

Na terceira, que é a fase decisória da ponderação - os diferentes grupos

de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto serão conjuntamente

examinados de modo a verificar os pesos atribuídos aos elementos em conflito

para saber qual grupo deverá predominar no caso.149 Há três diretrizes gerais a

serem aqui observadas: (a) Pretensão de universalidade: categorias comuns

a todos deverão ser utilizadas pelo raciocínio do intérprete, de modo a serem

compreendidas racionalmente por todos dentro de um determinado sistema

jurídico e que a decisão proposta ao fim da ponderação possa ser validamente

universalizada para os demais casos equiparáveis;150 (b) Busca da

concordância prática: a concordância prática, como diretriz metodológica,

pode valer-se dos elementos clássicos de interpretação, da eqüidade, da

proporcionalidade, das técnicas modernas de interpretação constitucional etc.,

para que se alcance a “harmonização recíproca.” Isto é, o intérprete deverá

escolher uma solução equilibrada que imponha “a menor quantidade de

146 Cf. Idem. 117. Exemplifica a autora que o fato de um indivíduo ser titular de um mandato eletivo influenciará a solução de um conflito que envolva a proteção de sua vida privada em contraponto com a liberdade de imprensa, posto que “as disposições normativas que tratam da democracia, da obrigação de prestar contas por parte dos agentes políticos e do princípio da publicidade qualificarão a circunstância como relevante.” 147 Cf. Idem. p. 120-123. “Assim, em um confronto entre as duas soluções – publicar ou não matéria jornalística sobre a rede de amigos de um deputado federal -, o fato de se tratar de matéria envolvendo um deputado federal atribuiria maior peso ao grupo de enunciados normativos que sugere a publicação da matéria.” 148 Cf. Idem. p. 121. Um exemplo é o caso Glória Trevi julgado pelo STF e já explicitado no primeiro capítulo deste trabalho. 149 Cf. Idem. p. 123. 150 Idem. p.129-132.

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restrição à maior parte de elementos normativos em discussão.”151 Ressalva a

autora, que poderá ocorrer conflitos parciais cujos elementos não se

confrontam a ponto de a solução importar a não-incidência do outro, bem como

poderá haver restrição de elementos normativos que, mesmo pequena, seja

inaceitável ou, ainda, casos nos quais a harmonização seja impossível, pois um

dos elementos afastará totalmente o outro;152 (c) Construção do núcleo

essencial dos direitos fundamentais: a decisão a ser depreendida do

processo da ponderação não poderá conformar ou restringir os direitos

fundamentais a ponto de esvaziar o seu sentido essencial.153

Salienta a autora que é possível visualizar o processo ponderativo em

abstrato ou preventivamente, e não apenas ad hoc (aquela feita pelo juiz diante

de um caso concreto), pois o juiz, por meio de discussões de fatos hipotéticos

ou passados, encontrará “balizas pré-fixadas” independentemente de um caso

concreto. Ou seja, mesmo em tese, ele poderá proceder a um raciocínio de

natureza ponderativa e produzir uma espécie de banco de dados de situações

típicas e fatos relevantes para, então, propor parâmetros. Contudo, lembra Ana

Paula de Barcellos que nem sempre os parâmetros concebidos em abstrato

serão capazes de solucionar adequadamente um conflito normativo concreto: Uma vez que se proceda a uma ponderação em concreto, a solução adotada no caso poderá aprimorar o modelo geral formulado pela ponderação em abstrato. Isto é, o modelo geral poderá incorporar os novos dados fáticos que se verificaram no caso concreto, assim como a solução a que se chegou em função deles, de tal modo que, caso eles se reproduzam em situação análoga, não será mais necessário

151 Idem. p.136. 152 Cf. Idem. p.134-138. Um exemplo da primeira hipótese é o AC 0378855/1-00 julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que denegou mandado de segurança impetrado para ver reconhecido o direito de circular livremente com veículo infringindo o rodízio imposto por lei estadual paulista. Dentre os fundamentos estaria o fato de que o rodízio não acarreta violação ao direito de locomoção, posto que o impetrante poderia cumprir seus compromissos através de outros meios de transporte no dia do impedimento. 153 Cf. Idem.140-146. Ao criticar as teorias do núcleo duro e do núcleo flexível asseverou a autora: “É perfeitamente possível e desejável, por meio da reflexão abstrata e/ou do estudo e tabulação dos precedentes judiciais, que a doutrina se ocupe de construir os sentidos próprios de cada direito, propondo parâmetros ou standards específicos capazes de identificar o que deve ser considerado como prerrogativa essencial de cada direito, o que pode sofrer restrição, em que circunstâncias isso pode acontecer, dentre outros elementos necessários para a compreensão mais precisa dos direitos. Esse esforço hermenêutico contínuo não produzirá um núcleo duro nem permanente ou não-histórico, mas fornecerá um núcleo suficientemente consistente para funcionar como limite à atuação do intérprete e proteger em alguma medida os direitos fundamentais de ações arbitrárias e abusivas.”

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recorrer à ponderação no caso concreto: a ponderação em abstrato já será capaz de fornecer o modelo adequado.154

Nesses casos, exigir-se-á uma ponderação em concreto, para a qual,

diferentemente do que ocorre com a ponderação ad hoc, estará disponível um

conjunto de standards públicos, o que importará ao juiz “justificar de forma

específica por que os standards existentes não são adequados para aquele

caso concreto ou merecem algum tipo de adaptação”.155

Segundo a autora, “a ponderação continua a ser uma técnica vazia de

sentido material, apenas um instrumento de organização do pensamento e do

processo decisório, o que, embora seja pensamento importante e útil, não é

suficiente.”156 Daí a importância dos parâmetros juridicamente fundamentados

que, associados à técnica, orientarão o intérprete, de modo que venham a

garantir a aplicação isonômica do direito. Contudo, convém ressaltar que esses

parâmetros não são imutáveis, e sim funcionarão como parâmetros

preferenciais, posto que, como já dito, o aplicador poderá, motivadamente,

afastá-los. E além do caráter preferencial, a autora classifica-os em parâmetros

gerais e parâmetros específicos ou particulares157:

Parâmetros gerais: “decorrem de construções da metodologia jurídica,

estão fundados no sistema como um todo e não se ligam a qualquer

circunstância de fato específica: eles servem de referência a ser usada pelo

aplicador diante de qualquer conflito.”158 Propõe a autora dois parâmetros

gerais a saber: (i) em uma situação de ponderação, regras (constitucionais

e infraconstitucionais) devem ter preferência sobre princípios

(constitucionais e infraconstitucionais). De acordo com o primeiro

parâmetro geral, em um conflito insuperável pelos métodos tradicionais de

interpretação, o princípio deverá ceder, posto que a regra, como padrão geral,

154 Idem. p.154. 155 Idem.146-155. 156 Idem p. 157. Neste particular, a autora concorda com Humberto Ávila e discorda de Daniel Sarmento para quem a ponderação deve ser axiologicamente orientada à realização da dignidade da pessoa humana. 157 Cf. Idem. p.160-164. Leia-se a respeito uma observação: “A despeito de seu caráter preferencial e não absoluto, a utilidade desses parâmetros parece evidente: juntamente com elementos de verificação da racionalidade do discurso jurídico, eles são os únicos instrumentos capazes de controlar em alguma medida as possibilidades quase ilimitadas que a ponderação oferece. O fato de não ser possível ou adequado formular parâmetros absolutos e inderrogáveis não deve impedir a construção e o emprego daqueles que sejam possíveis e que, na maior parte dos casos, funcionarão apropriadamente.” 158 Idem. p. 163.

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não deve ser ponderada. E isso sem esquecer que tanto regras como

princípios são categorias de enunciados normativos e que é de enunciados que

se trata em relação a esse parâmetro. De acordo com as diferenças entre

regras e princípios propostas pela autora – já estudadas no primeiro capítulo

deste trabalho - as regras determinam a produção de efeitos determinados, os

quais não podem ser violados. Com os princípios, contudo, a situação é

diversa, pois a partir do seu núcleo, eles admitirão uma realização mais ou

menos ampla dependendo da concepção valorativa ou política que venha

definir seu sentido e as condutas cabíveis para realizá-lo.159

Aqui salienta a autora a necessidade de se ter em conta que a ordem

jurídica é uma função de dois valores principais interdependentes e que

“[a]mbos contribuem direta ou indiretamente para o bem-estar humano, para

proteção e promoção de sua dignidade e para a criação de condições que

permitam o seu pleno desenvolvimento:”160 o primeiro é a segurança (as regras

contribuem para a maior previsibilidade do sistema jurídico a partir de sua

relação entre a segurança, a estabilidade e a previsibilidade) e o segundo é a

justiça (os princípios permitem uma adaptação mais livre às infinitas

possibilidades do caso concreto). Afora essa relação, salienta a autora que

uma Constituição rígida e democrática estabelece, a um só tempo, consensos

mínimos frente às deliberações democráticas (representados pelas regras e

pelo núcleo dos princípios) e condições para o desenvolvimento do pluralismo

político (representado pela área não nuclear dos princípios), cujo espaço fica

reservado, pela Carta, à definição pela deliberação democrática.161 Observe-se

o que diz a autora a respeito: Ao se afastar uma regra sob o fundamento de que ela se oporia a alguma conduta derivada da área não nuclear de um princípio, incorre-se em um conjunto de distorções. Em primeiro lugar, caso se trate de uma regra infraconstitucional, o intérprete estará conferindo à sua concepção pessoal acerca do melhor desenvolvimento do princípio maior importância do que à concepção majoritária, apurada pelos órgãos legitimados para tanto. A situação é ainda mais grave se a regra envolvida consta da Constituição. Nesse caso, o intérprete

159 Cf. Idem. p. 165-184. Cabe lembrar algumas palavras da autora: “Quando se afirma que é possível identificar um núcleo com natureza de regra nos princípios (seja de efeitos determinados, seja de condutas indispensáveis à realização de efeitos), já não se está trabalhando no plano dos enunciados normativos originais. Esse núcleo – e, a fortiori, essas regras – é apurado após um processo de interpretação e, se necessário, de ponderação abstrata ou preventiva.” 160 Idem. p. 185. 161 Cf. Idem. p. 185-201.

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estará afastando a incidência de uma regra elaborada pelo poder constituinte originário e que, como padrão, veicula consensos básicos do Estado organizado pela Constituição. Por fim, como a solução do caso baseou-se na percepção individual do intérprete, muito freqüentemente ela não se repetirá em circunstâncias idênticas, ensejando violações do princípio da isonomia.162

Daí a conclusão de que as regras (constitucionais e infraconstitucionais)

prevalecerão em um conflito normativo - aqui incluindo-se o núcleo dos

princípios com natureza de regra – entre a área não nuclear de um princípio.

Observe-se, no entanto, que diante de alguns casos concretos esse parâmetro

mostra-se insuficiente o que envolveria a ponderação com regras. Há duas

modalidades de situações que envolvem regras com relação às quais seja

necessário envolver a ponderação: a primeira é quando a incidência da regra,

embora aplicável ao caso, gera solução profundamente injusta. Nesse caso,

afora o uso da eqüidade, o intérprete apenas poderá deixar de aplicar uma

regra considerada injusta em caso de imprevisão legislativa e no caso de

invalidade de incidência específica da regra; e a segunda relaciona-se com as

hipóteses em que há uma colisão de regras insuperável pelas técnicas

tradicionais.163

(ii) as normas que realizam diretamente direitos fundamentais dos

indivíduos têm preferência sobre normas relacionadas apenas indiretamente com esses direitos: esse parâmetro propõe uma comparação

substancial entre o conteúdo dos elementos normativos; portanto, seu objeto

de incidência são as normas, e não os enunciados normativos. Por

conseqüência, ele só poderá ser empregado na terceira fase da ponderação

depois de já examinados os elementos normativos e os fatos relevantes.164

Leia-se: O parâmetro material que se acaba de propor não será empregado sozinho ou isoladamente, mas em conjunto ou, mais precisamente, na seqüência do primeiro parâmetro, caso este último não tenha sido capaz de solucionar o conflito de forma satisfatória. Na primeira fase da ponderação, além de todas as demais técnicas tradicionais de hermenêutica jurídica, o intérprete poderá fazer uso da preferência das regras sobre os princípios quando verificar conflitos entre os enunciados pertinentes. Caso o conflito permaneça, passa-se à segunda e terceira fases da ponderação, por meio das quais as normas que cada um dos grupos de elementos em conflitos sugere como solução para o caso concreto serão identificadas com maior

162 Idem. p. 190. 163 Cf. Idem. p. 201-234. 164 Idem. p. 236-238.

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clareza. Neste ponto, então, é que poderá ser empregada a preferência das normas que diretamente promovem ou protegem os direitos fundamentais sobre aquelas que estão ligadas a esse fim apenas de forma indireta.165

Ressalva a autora que também as normas que indiretamente promovem

a dignidade da pessoa humana devem conviver harmoniosamente com as que

diretamente promovem. No entanto, “se existem fins, e há meios para alcançá-

los, e se, em determinadas circunstâncias, os meios conflitam com os próprios

fins que buscam realizar, não se deve privilegiar o meio em detrimento do

fim.”166 Daí prevalecem os conjuntos de elementos normativos que dão origem

a diferentes normas que promovem de forma direta a dignidade do indivíduo.

Parâmetros específicos: “o esforço associado à definição de

parâmetros específicos tem por objetivo delinear da forma mais precisa

possível o sentido de cada enunciado e as principais normas que dele

derivam.”167 Ressalta a autora a respeito: Para isso devem ser levados em conta sua própria estrutura normativa, as circunstâncias de fato envolvidas em sua aplicação com maior freqüência, outros elementos normativos existentes no sistema que o limitam (ou até mesmo que com ele se chocam em determinados ambientes) e as diferentes normas que surgem nesses contextos. Uma vez que o universo de cada enunciado seja mapeado sob essa perspectiva múltipla, o intérprete terá a sua disposição – para sua instrução e também para o controle de sua atuação – uma quantidade importante de parâmetros e preferências abstratas. A partir delas será mais fácil visualizar, em cada caso real, os elementos de fato relevantes e os pesos que devem ser atribuídos aos diferentes conjuntos normativos ao longo do processo de ponderação.168

Nesse sentido, Ana Paula de Barcellos propõe um conjunto de

perguntas ou teses que podem auxiliar na construção de parâmetros para os

conflitos específicos, sendo que essas perguntas estão reunidas em três

165 Ibdem. p. 238. 166 Idem. p. 245. Como fundamento para esse segundo parâmetro, a autora utiliza o direito interno e o internacional e o procedimentalismo. Leia-se a respeito nas páginas 256 e 270, respectivamente: “[O] direito internacional encontra-se comprometido com a dignidade humana e com a proteção dos direitos humanos. Não é apenas a Constituição brasileira de 1988 que consagra a dignidade humana como fim central do sistema jurídico e do Estado, para o qual todos os demais elementos devem convergir.” E, ainda, “[m]esmo concepções que operam com categorias essencialmente procedimentais acabam por reconhecer que os direitos fundamentais terão de ser prioritariamente respeitados, ainda que sob fundamentos diferentes e provavelmente em extensão menor do que a pretendida pelos fundamentos materiais de direito interno e internacional.” 167 Idem. p. 275. 168 Idem. p. 277-278. Lembra a autora que, assim como os parâmetros gerais, os parâmetros específicos têm natureza preferencial, e não absoluta.

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grupos. O primeiro são perguntas relacionadas de forma preponderante com a

estrutura do enunciado normativo e incorporam as preocupações do primeiro

parâmetro geral: (i) O enunciado examinado tem natureza de princípio ou

regra? (ii) Caso se trate de uma regra, há elementos de indeterminações em

seu enunciado? (iii) O enunciado atribui um direito? Define competências? Fixa

metas públicas ou bens coletivos? (iv) Se o enunciado atribui um direito, quem

é o seu titular? (v) Se o enunciado atribui um direito, quem está obrigado a

respeitá-lo ou dar-lhe efeito? O segundo são perguntas (que podem desdobra-

se em outras) ligadas ao conteúdo dos enunciados: (i) Que efeitos o enunciado

pretende produzir no mundo dos fatos? (ii) Que outros enunciados estão

relacionados com esse mesmo tema e, portanto, com esses mesmos efeitos?

(iii) Que condutas são necessárias e exigíveis para realizar os efeitos

pretendidos pelo enunciado? E o terceiro se ocupa de circunstâncias

específicas que podem envolver a aplicação do enunciado agregando-lhe

algumas particularidades: (i) Há circunstâncias relevantes que interferem com a

aplicação do enunciado (como condições de modo de exercício, tempo e

lugar)? (ii) Há circunstâncias relevantes que interferem com a aplicação do

enunciado relativamente ao titular do direito? (iii) Há circunstâncias relevantes

que interferem com a aplicação do enunciado relativamente àqueles que estão

abrigados a respeitar os direitos por ele outorgados? (iv) Quais as finalidades

lógica e histórica associadas ao enunciado? (v) É possível identificar situações

de conflito com outros enunciados? Como é possível superá-las?169

Ademais, segundo a autora, esse conjunto de perguntas não é absoluto

sendo possível a construção de outros. O objetivo dele, porém, é, ao se utilizar

da técnica da ponderação, associar aos parâmetros gerais “ferramentas que

possam auxiliar a construção de parâmetros específicos, de tal modo que se

possa fornecer ao aplicador um conjunto amplo e consistente de standards

metodológicos e materiais capazes de orientá-lo.”170

2.4 SÍNTESE CONCLUSIVA

169 Cf. Idem. p. 278-294. 170 Idem. p. 295.

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Feita a análise de cada um dos três livros objeto de análise deste

capítulo, faz-se esclarecedor fazer uma síntese conclusiva sobre as idéias dos

autores sobre a ponderação.

Para Daniel Sarmento, os interesses que podem ser objeto de

ponderação são apenas aqueles abrigados por princípios constitucionais

explícitos ou implícitos, e não só isso, mas que a ponderação de interesses só

se torna necessária quando, de fato, estiver caracterizada a colisão entre pelo

menos dois princípios constitucionais incidentes sobre um caso concreto.

Posicionamento este não compartilhado pelos demais autores. Para Humberto

Ávila, por ser o fenômeno da interpretação demarcador no processo de

definição e de aplicação dos princípios e das regras, a ponderação não é

método privativo de aplicação dos princípios. Estes, para ele, não são

aplicados “mais ou menos,” e sim o estado das coisas que pode ser mais ou

menos aproximado, dependendo da conduta adotada como meio; e a

ponderação também pode estar prevista no caso de regras que colidam sem

que percam sua validade ou quando a regra possui uma exceção prevista no

próprio ordenamento, cuja solução atribuída ao conflito será feita pelo peso

maior dado à finalidade de cada uma no plano da interpretação. E para Ana

Paula de Barcellos - ainda que a sua proposta de distinção entre princípios e

regras não seja exatamente a mesma de Dwokin e Alexy –, em geral, não é

possível aplicar “mais ou menos” uma regra, pois os seus efeitos determinados

verificam-se ou não. Mas ela reconhece duas modalidades de situações que

envolvem essa categoria com relação às quais é necessário envolver a

ponderação: a primeira é quando a incidência da regra, embora aplicável ao

caso, gere solução profundamente injusta; e a segunda se relaciona com as

hipóteses nas quais há uma colisão de regras insuperável pelas técnicas

tradicionais.

E outra observação importante é em relação à ponderação como critério

material e formal de controle de decisão. Sarmento traz a idéia de ponderação

como um critério material de controle, pois para ele a técnica não é puramente

procedimental para a solução dos conflitos constitucionais, uma vez que seus

resultados serão orientados pelo princípio da dignidade humana como um

critério substantivo na direção da ponderação e pelo princípio da

proporcionalidade, este sendo indissociável à idéia da ponderação. No entanto,

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entendimento diverso têm Humberto Ávila e Ana Paula de Barcellos. Para ele,

a ponderação, como um método despido de critérios formais ou materiais,

acaba sendo muito mais ampla que os postulados da proporcionalidade e da

razoabilidade, pois estes se situam em um plano distinto do das normas cuja

aplicação é por eles estruturada. Por isso, por ser a ponderação um postulado

normativo inespecífico, ele propõe a ela, como já visto, uma estrutura em três

fases (a preparação da ponderação, a realização da ponderação, e a

reconstrução da ponderação) E para Ana Paula de Barcellos, as três fases da

proporcionalidade podem ser especialmente úteis na tentativa de obter a

concordância prática na fase decisória da ponderação, que, ao lado da busca

pela pretensão de universalidade e da construção do núcleo essencial dos

direitos fundamentais, trarão solução ao caso. Contudo, ela continua a ser uma

técnica vazia de sentido material, sendo apenas um instrumento de

organização do pensamento e do processo decisório; daí a necessidade de

associar a ela parâmetros juridicamente combinados com preocupações

metodológicas e argumentativas.

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3 O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA E A (FALTA DE) UTILIZAÇÃO DE UMA METÓDICA PARA A TÉCNICA DA PONDERAÇÃO CONSTITUCIONAL EM SUAS FUNDAMENTAÇÕES.

3.1 DECISÃO JUDICIAL E RACIONALIDADE

As circunstâncias próprias de um sistema constitucional aberto, o

exercício de discricionariedade pelo intérprete, bem como a expansão do papel

dos juízes e tribunais impõem a utilização de argumentos metodologicamente

orientados para dar maior controlabilidade às decisões judiciais.171 A

ponderação constitucional se ocupa em conferir critérios de controle em casos

nos quais se visualizam conflitos abrigados por normas constitucionais, sejam

eles confrontos de razões, de interesses, de valores, de princípios ou de

direitos fundamentais.

Contudo, é possível apontar inúmeras questões jurídicas instigadas pelo

tema, como as relacionadas com a legitimidade das decisões judiciais.172 Em

suas aplicações pela jurisprudência brasileira, sobretudo a catarinense, nota-

se, de um modo geral, uma forte inclinação a um criacionismo descuidado no

qual, muitas vezes, a ponderação é mencionada em situações nas quais não

se deveria executá-la, o que reflete um indício da denominada banalização173

da ponderação.

171 Cabe aqui uma observação: ainda que a investigação do discurso racional em geral e da argumentação jurídica em particular seja de grande importância para o Direito, não cuidou este trabalho acadêmico de aprofundar a matéria, uma vez que uma abordagem completa fugiria ao propósito deste estudo. 172 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 17. A respeito, escreve a autora: “Não é difícil perceber que a ponderação (...) suscita uma série de questões jurídicas relacionadas sobretudo com a legitimidade e a previsibilidade das decisões que a empregam, questões essas que são tanto mais graves e urgentes quanto mais generalizado e indiscriminado se torna seu uso.” 173 Idem. p. 6. A expressão “banalização” é dita pela autora cuja menção diz respeito à popularidade que a ponderação vem alcançando, na medida em que não apenas autores, mas principalmente decisões judiciais a utilizam a partir de um casuísmo ativista desprovido de técnicas próprias. A título de exemplo, ela sugere a leitura dos seguintes acórdãos: TRF 4ª Região, ApMs 77562/SC, Rel. Juiz Paulo Afonso Brum Vaz, DJU 05.06.2002; e TRF 1ª Região, AGRPSL 2000.01.00.01735-8/MG, Rel. Juiz Tourinho Neto, DJU 29.06.2000.

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Com o objetivo de dar maior segurança e racionalidade174 às decisões

judiciais, não somente é indispensável a motivação como condição de validade

de todas as decisões judiciais – como de fato prevê a Constituição brasileira175

– como, também, esta motivação deve ser racionalmente controlável tendo em

conta que ela se mostra especial em decisões judiciais que realizem

ponderação constitucional, já que o método “[envolve] uma operação muito

mais complexa do que a simples subsunção, na qual a subjetividade do

julgador ganha um peso marcante.”176 Se de fato é certo que a ponderação

constitucional pode colaborar na solução de casos difíceis e impedir que o

poder legítimo do juiz passe a ser um poder arbitrário, da mesma forma é

entendimento imperativo que diante desses casos se deva utilizar

procedimentos metodológicos de justificação jurídica, cuja ausência

transformaria a ponderação em um “intuitivismo judicial” calcado em um

subjetivismo exagerado.177

A técnica da ponderação funciona como uma espécie de um modus

operandi, um procedimento argumentativo no qual interesses conflitantes estão

em disputa em um caso concreto. Desse modo, ao magistrado, além de

identificar com a máxima clareza quais são esses interesses opostos e quais

os fundamentos jurídicos que os sustentam, cabe a tarefa de atribuir-lhes

“pesos” a fim de examinar qual interesse irá preponderar no caso. Em seguida,

ele irá justificar sua decisão de forma mais racional e mostrar por que a(s)

solução(ões) alternativa(s) seria(m) inadequada(s). Saliente-se, no entanto,

174 Segundo a autora Ana Paula de Barcellos, (BARCELLOS, Ana Paula de. Op Cit. p. 42), a racionalidade no que tange às decisões judiciais está ligada a dois elementos: “(i) a capacidade de demonstrar conexão com o sistema jurídico e (ii) a racionalidade propriamente dita da argumentação, em especial nas hipóteses em que existam várias conexões possíveis – e diferentes – com o sistema jurídico.” 175 “Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios: (...) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; 176 SARMENTO, Daniel. Op cit. p. 119. 177 Cf. BUSTAMANTE, Thomas. Princípios, regras e a fórmula de ponderação de Alexy. Revista Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, n. 14, n.54. p. 87, jan-mar de 2001. O autor, parafraseando o pensamento de Robert Alexy, afirma que: “(...) para solucionar as denominadas ‘colisões de direitos’ não basta uma alusão genérica à técnica da ponderação. É preciso uma ferramenta metodológica que permita controlar a racionalidade dessas ponderações, ou melhor, uma regra que nos diga como se deve ponderar. É este o terreno da denominada máxima da proporcionalidade, que aparece como o principal comando para otimizar princípios jurídicos.”

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que o critério que será utilizado para sopesar um ou outro interesse não é

fornecido pela ponderação propriamente dita, mas por metanormas178 que

funcionam como controles racionais de decisão que irão constatar se os

argumentos utilizados à solução do caso guardam coerência com o próprio

ordenamento jurídico.

Nesse sentido, o princípio da proporcionalidade, o da razoabilidade, o da

justa proporção, a proibição do excesso, a garantia do núcleo essencial dos

direitos fundamentais etc., funcionam como “regras de prova” diferenciadas de

decisão. Ou seja, eles atuarão como critérios a serem manejados pelos

magistrados quando da utilização da ponderação em concreto para diminuir o

subjetivismo das decisões judiciais e, ao mesmo tempo, conferir-lhes maior

grau de racionalidade.179

3.2 METODOLOGIA NA SELEÇÃO DOS ACÓRDÃOS

Os acórdãos selecionados foram retirados do link Jurisprudência do site

do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) a partir das palavras de busca

“ponderação proporcionalidade.” Como o tema aqui trabalhado se mostrou

mais recorrente em matéria cível, a pesquisa se limitou às decisões da Seção

Civil do Tribunal que engloba o Grupo de Câmaras de Direito Civil, o Grupo de

Câmaras de Comercial e o Grupo de Câmaras de Direito Público. Foram

178 Como visto no capítulo anterior, as metanormas são o que Humberto Ávila denomina de postulados normativos, os quais por se situarem em um plano distinto do das normas, com elas não se confundem e funcionam como estrutura para a aplicação de outras normas. E para Ana Paula de Barcellos o controle racional de decisão é feito através da pretensão de universalidade, da busca da concordância prática e da construção do núcleo essencial dos direitos fundamentais. 179 Em nota de rodapé, lembrou Ana Paula de Barcellos (Op cit. p. 128): “É evidente que, como em todas as demais circunstâncias, o raciocínio do intérprete será influenciado por suas concepções filosóficas, ideológicas e religiosas. O controle do discurso, porém, é o meio disponível de obter-se a neutralidade possível.” A respeito, também manifestou-se Inocêncio Mártires Coelho (Cf. COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. Sérgio Antônio Fabris: Porto Alegre, 1997. p.48-49): “(...) os estudiosos ressaltam a necessidade da utilização de critérios objetivos e controláveis em todo o itinerário hermenêutico (...) cuja observância é necessária para que se possa comprovar a racionalidade de seu desenvolvimento. (...). [O] ideal de racionalidade, de objetividade e, mesmo, de segurança jurídica, aponta para o imperativo de se fazer recuar o mais possível o momento puramente subjetivo da interpretação e reduzir ao mínimo aquele resíduo incômodo de voluntarismo, que se faz presente, inevitavelmente, em todo trabalho hermenêutico.”

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pesquisados sessenta e um acórdãos datados de 02 de janeiro de 2000 a 31

de agosto de 2007, sendo, esta última, data na qual se iniciou a pesquisa

jurisprudencial para a elaboração deste trabalho.

Ressalta-se que com a análise ilustrativa dos acórdãos quanto ao uso

da ponderação constitucional não se espera que o Tribunal adote uma

metódica específica possível, mas que independentemente daquela a ser

adotada, utilize, de fato, critérios de decisão mais controláveis racionalmente.

3.2.1 Tópicos a serem analisados

A partir das doutrinas estudadas no segundo capítulo deste trabalho,

viu-se que a ponderação constitucional, como uma espécie de procedimento

argumentativo, pode estabelecer critérios de controle de decisões judiciais.

Veja-se, então, para fins didáticos, quais os tópicos a serem observados

quando da análise dos acórdãos catarinenses selecionados:

(i) clareza conceitual da idéia de ponderação: com essa análise será

possível verificar se há confusão conceitual em torno do sentido da técnica da

ponderação com outros princípios, por exemplo, como ocorre freqüentemente

com o princípio da proporcionalidade ou com o da razoabilidade, ou como

ocorre quando a técnica é identificada como poder geral de decisão não

vinculado à técnica da ponderação;

(ii) identificação dos interesses e princípios em colisão: para a aplicação

da ponderação é necessário que se identifique não apenas as normas em

confronto que ensejam o seu uso, mas também os interesses, tanto do autor

como do réu, em disputa em um caso concreto e se há, de fato, garantia

jurídica para esses interesses;

(iii) atribuição dos “pesos” aos interesses conflitantes e justificativa da

escolha: a atribuição de pesos aos interesses opostos diante dos fatos do caso

concreto é, sobremaneira, importante para identificar qual interesse irá

preponderar no caso a fim de encontrar a solução adequada. Além disso, não

basta que o magistrado escolha o interesse preponderante, mas que justifique

sua escolha através do fornecimento de razões controláveis de sua decisão

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que irão constatar se a solução do caso guarda coerência entre os argumentos

utilizados com o ordenamento jurídico;

(iv) argumentação em torno das alternativas: a ponderação pressupõe

que se identifique as razões pelas quais se tomou uma decisão. Desse modo, a

redução de subjetivismo em acórdãos judiciais será ainda melhor constatada

se, também, forem expostas as razões pela não-escolha das outras

alternativas possíveis. Assim, além de diminuir a possibilidade de

reconhecimento de erros, a decisão ganhará mais consistência racional e não

ficará à margem de críticas.180

3.3 ANÁLISE DE ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE

SANTA CATARINA (TJSC)

3.3.1 Caso Casan-Fucas (AI n. 2005.0002307-2, Capital)

Cuida-se a primeira análise de um Agravo de Instrumento181 interposto

pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) contra decisão

que, nos autos de Mandado de Segurança n. 023.05.000403-7, impetrado por

Fundação Casan Fucas, Aparício José Mafra Neto, Osmar de Oliveira Couto

Júnior e Valmir Boing, suspendeu os efeitos do ofício CT/D – 1710 que

determinou o retorno de seus empregados às funções de origem na Casan, eis

que estavam à disposição da Fundação Casan-Fucas mantida por aquela.

Defendendo a legalidade do ato impugnado, postulou a concessão do efeito

suspensivo e, ao final, o provimento do recurso.

Na ementa, menciona-se ser o caso uma situação na qual se vislumbra

o uso da “ponderação entre os interesses envolvidos.” Até mesmo na íntegra

180 Cf. ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 2001. p. 224. “No entanto, a exigência de justificação interna não é vã. No curso da justificação se torna claro quais premissas têm de ser externamente justificadas. Pressuposições que caso contrário permaneceriam ocultas têm de ser explicitamente formuladas. Isso aumenta a possibilidade de reconhecer erros e de criticá-los. Finalmente, articular regras universais facilita a consistência da tomada de decisão e, assim, contribui para a justiça e a segurança jurídica.” 181 TJSC, AI n. 2005.002307-2, da Capital. Rel. Sônia Maria Schmitz, 25.04.2006.

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do acórdão inúmeras citações doutrinárias a respeito do método da

ponderação foram mencionadas, das quais destacam-se: Há, sim, a imperiosa necessidade de sopesar os valores envolvidos, ponderando-se-os de acordo com as circunstâncias do caso concreto, a fim de que seja aquilatada a importância dos bens jurídicos protegidos e assegurada sua eficácia máxima. Conforme adverte Luis Roberto Barroso, é "[...] preciso um raciocínio de estrutura diversa, mais complexo, que seja capaz de trabalhar multidirecionalmente, produzindo a regra concreta que vai reger a hipótese a partir de uma síntese dos distintos elementos normativos incidentes sobre aquele conjunto de fatos [...]. Esse é, de maneira geral, o objetivo daquilo que se convencionou denominar técnica da ponderação" (Interpretação e aplicação da Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 357). (Grifou-se)

Mais adiante, ainda foi citado:

A ponderação consiste, portanto, em uma técnica de decisão jurídica aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente, especialmente quando uma situação concreta dá ensejo à aplicação de normas de mesma hierarquia que indicam soluções diferenciadas. A estrutura interna do raciocínio ponderativo ainda não é bem conhecida, embora esteja sempre associada às noções difusas de balanceamento e sopesamento de interesses, bens, valores ou normas.

Veja-se, no entanto, que, quando da análise do acórdão, não foram

identificados os interesses que, de fato, estariam em tensão no caso, nem ao

menos se pôde observar com clareza os fundamentos jurídicos que os

sustentam, sendo que essa é a circunstância primeira que propicia o uso da

ponderação. 182 Para melhor explicar, cita-se parte do voto que determinou o

desprovimento do recurso e suspendeu os efeitos do ofício que determinava o

retorno dos empregados às funções de origem na Casan: Visto desse modo, tem-se, na hipótese, tensão instaurada entre o princípio da legalidade estrita e os princípios da moralidade, da finalidade, da motivação, da razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência que, ponderados com o primeiro, guardam densidade neste caso.

Segundo o voto, tem-se que a tensão se deu entre o princípio da

legalidade estrita e os princípios da moralidade, da finalidade, da motivação, da

razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência. E esses últimos

182 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 92-93: A respeito, afirma a autora: “Parece natural que a primeira etapa da ponderação consista exatamente em identificar os enunciados normativos aparentemente em conflito; afinal, esta é a circunstância que justifica o recurso à técnica da ponderação. A identificação de todos os elementos normativos que devem ser levados em conta em determinado caso é vital para que a ponderação se desenvolva sem maiores distorções.”

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ponderados com o primeiro se sobrepuseram a ele. Disso se pode inferir que o

princípio da legalidade estrita, que aqui fez referência ao ofício expedido pela

Casan, estaria em conflito com os demais. Depreende-se, no entanto, que não

há falar em conflito, posto que também o princípio da legalidade estrita, como

um subprincípio decorrente do princípio da legalidade em seu sentido lato,

deve guardar consonância com o ordenamento jurídico e, principalmente,

ajustar-se a própria Constituição. É na Administração Pública que esse

princípio guarda maior importância e traduz a “completa submissão da

Administração às leis. Daí que a atividade de todos os seus agentes, (...) só

pode ser a de dóceis, reverentes, obsequiosos cumpridores das disposições

gerais fixadas pelo Poder Legislativo”183 Dessa maneira, o próprio princípio da

legalidade estrita deve observar os princípios basilares insculpidos no artigo 37

da Constituição brasileira184 e, por isso, não parece concebível, como afirmado

no julgado, haver atrito com o princípio da moralidade, da finalidade, da

motivação ou da eficiência da Administração Pública.

O fato de a Casan requerer o retorno de seus empregados não vai de

encontro à moralidade administrativa ou é perante ela ineficiente. Ao contrário,

trazê-los de volta se coaduna muito mais com a moralidade e eficiência

administrativa na medida em que a Casan - como bem observou o

Desembargador Luiz Cézar Medeiros em seu voto divergente – “tem que arcar

com os vencimentos dos funcionários cedidos e as conseqüências da falta

destes no desempenho de funções que devem estar sobrecarregando outros

colaboradores.” Ademais, o princípio da motivação “implica para a

Administração o dever de justificar seus atos, apontando-lhes (...) a correlação

lógica entre os eventos e situações que deu por existente e a providência

tomada.”185 E por força do princípio da finalidade “a Administração subjuga-se

o dever de alvejar sempre a finalidade normativa, adscrevendo-se a ela.”186

Diante disso, também lembrou o Desembargador Luiz Cézar Medeiros:

183 MELLO, Celso A. Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo:Malheiros, 2001. p. 84. 184 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)” 185 MELLO, Celso A. Bandeira de. Op cit. p. 94. 186 Idem. p. 89.

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Não é demais destacar que na verdade quem está suportando esse prejuízo, mesmo que indiretamente, é a sociedade catarinense, já que as receitas da CASAN têm origem no pagamento das tarifas de água e esgoto, as quais devem ser aplicadas no bom desempenho da prestação de serviços e não em privilégios corporativos.

Dessa forma, cumpre ressaltar que os princípios a serem obedecidos

pela Administração Pública impõem ao administrador, quando do exercício das

competências a ele conferidas pelo seu cargo, que ele atue em proveito do

interesse público, sob pena de desvio de poder e de finalidade da própria

Administração.187

Ocorre que entendimento contrário foi verificado no voto do agravo: Ou seja, são os próprios comandos constitucionais, que marcam os contornos do Direito Público. Sim, porque sopesadas as conveniências envolvidas aos contornos que marcam o Direito Público, sobressai, no atual contexto, que a conservação daqueles funcionários é o que mais preserva o interesse público, tendo-se em conta os supostos percalços econômico-financeiros que a Empresa atravessa e notadamente a aproximação do pleito eleitoral. (Grifou-se)

Nesse sentido, aduziu o Desembargador que não há qualquer norma

legal que imponha à Casan o dever de ceder funcionários à entidade de direito

privado, mesmo tendo em conta supostos percalços econômico-financeiros que

a Empresa atravessa e notadamente a aproximação do pleito eleitoral. E,

ainda: (...) não pode se obrigar a ceder funcionários à entidade de direito privado. Irrelevante que aquela tenha participado ou aprovado o Estatuto, inclusive com a regra de cessão de servidores sem ônus a esta última. O que está acima de qualquer avença de nítido caráter corporativo são as regras basilares estampadas na Lei Maior, em especial aquelas inscritas no seu art. 37.

Ademais, a manutenção dos empregados na Fundação Casan-Fucas

baseada na assertiva de que estaria preservando o interesse público em face

dos “supostos percalços econômico-financeiros” é frágil, já que a própria Casan

arca com o pagamento dos salários e a cessão desses empregados à

Fundação Casan-Fucas não desonera sua folha de pagamento.

Assim, o atendimento ao ofício defendido pela insurgente está muito

mais condizente com a preservação do interesse público do que a conservação

dos empregados na Fundação Casan-Fucas. No entanto, ao visualizar o uso

187 Cf. Idem. p. 90.

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da “ponderação entre os interesses envolvidos” e, conseqüentemente, um

conflito entre eles, observou-se uma disposição natural do julgador em atribuir-

lhes pesos distintos. Até mesmo foi mencionada uma citação nesse sentido: Em tais situações Humberto Bergmann Ávila recomenda: "Quando ocorre uma colisão de princípios é preciso verificar qual deles possui maior peso diante das circunstâncias concretas. Por exemplo: a tensão que se estabelece entre a proteção da dignidade da pessoa humana e da esfera íntima de uma pessoa (CF, art. 1º, III e art. 5º, X) e o direito de proteção judicial de outra pessoa (CF, art. 5º, XXXV) não se resolve com a primazia imediata de um princípio sobre outro. No plano abstrato, não há uma ordem imóvel de primazia, já que é impossível saberse ela seria aplicável a situações ainda desconhecidas. A solução somente advém de uma ponderação no plano concreto, em função da qual se estabelece que, naquelas condições, um princípio sobrepõe-se ao outro" (A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de direito administrativo. n. 215. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, jan./mar. 1999. p. 158/159). (Grifou-se)

E constatou-se que o “peso” atribuído ao princípio da legalidade estrita

não mereceu prosperar sob argumento de que não era conveniente com o

interesse público. Mas como dito alhures, não há qualquer norma legal que

imponha à Casan o dever de ceder funcionários à entidade de direito privado.

Por conseguinte, equiparar disposições normativas e interesses não

juridicizados acaba sendo uma forma ilegítima de se realizar a ponderação.

Como bem salientou Ana Paula de Barcellos, “interesses não qualificados

pelos órgãos competentes como juridicamente relevantes (...), isto é, (...) o

ingresso de meros interesses no processo, acaba por se transformar [a

ponderação] em uma avaliação puramente política.”188

Veja-se, também, que a citação acrescida como justificativa da decisão

menciona o princípio da proporcionalidade como um instrumento a ser utilizado

para corroborar o entendimento final da Câmara julgadora. Leia-se: Logo, a técnica da ponderação, que tem como "fio condutor" o postulado da proporcionalidade (Luís Roberto Barroso, p. 360), desponta como o instrumento que o intérprete deve utilizar para solucionar os casos em que há dois ou mais princípios em atrito. (Grifou-se)

E, ainda:

188 BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 97-98. Aduziu, ainda, a autora: “[Q]uando se vai iniciar a primeira fase da ponderação, interesses genericamente considerados só podem ser levados em conta se puderem ser reconduzidos a enunciados normativos explícitos ou implícitos. Um interesse que não encontre fundamento no sistema jurídico não deverá ser considerado.”

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Convém aqui distinguir que em razão da natureza dinâmica do sistema jurídico "A solução de uma colisão de normas-princípios depende da instituição de regras de prevalência entre os princípios envolvidos, a ser estabelecida de acordo com as circunstâncias do fato concreto e em função das quais será determinado o peso de cada norma-princípio. A solução de uma colisão de princípios não é estável nem absoluta, mas móvel e contextual. A regra de prevalência, segundo a qual determinada norma-princípio em determinadas condições tem preferência sobre outra norma-princípio, institui uma hierarquia móvel entre ambas as medidas, já que pode ser modificada caso alterado o contexto normativo e fático" (Humberto Bergmann Ávila. Repensando o "princípio da supremacia do interesse público sobre o particular". Revista Trimestral de Direito Público, p. 163).

Todavia, também não se vislumbrou na análise do julgado que os

princípios da proporcionalidade e da razoabilidade possam ter atuado, de fato,

como “fios condutores” utilizados pelo intérprete para dar controlabilidade

racional à decisão e para constatar que os argumentos utilizados para solução

do caso guardam coerência com o próprio ordenamento jurídico. Isso porque a

decisão fez referência, como já dito, a uma “tensão instaurada entre o princípio

da legalidade estrita e os princípios da moralidade, da finalidade, da motivação,

da razoabilidade, da proporcionalidade e da eficiência.” Mas, como observou

Humberto Ávila, os postulados da proporcionalidade ou da razoabilidade não

são violados, mas apenas regras e princípios quando não aplicados

adequadamente,189 e, por isso, não estavam em conflito com o princípio da

legalidade estrita. E, ainda, tem-se que, afora o estudado sobre esses

princípios, asseverou Celso A. B. de Mello, a respeito do princípio da

proporcionalidade em sede administrativa, que as “competências

administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade

proporcionais ao que seja realmente demandado para cumprimento da

finalidade de interesse público a que estão atreladas.”190 Quanto à

razoabilidade enunciou que a Administração, “ao atuar no exercício de

discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em

sintonia com o senso normal (...) e respeitosa das finalidades que presidiram a

outorga da competência exercida.”191 Todavia, no acórdão analisado, essas

digressões nem ao menos foram expostas, pois acaso o fossem, restaria

189 Cf. Ávila, Humberto. Op cit. p. 80. 190 MELLO, Celso A. Bandeira de. Op cit. p. 93. 191 Idem. p. 91.

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manifestadamente reconhecido como proporcional ou razoável que os

empregados retornassem à Casan, como de fato foi requerido quando da

emissão do ofício. Ou seja, o princípio da proporcionalidade, não se mostrou

como critério substantivo na direção da ponderação de interesses

constitucionais, pois acaso se observasse a proporcionalidade ou a

razoabilidade, adotar-se-ia a solução mais consentânea com os valores

subjacentes à Administração Pública e, por conseguinte, ao interesse público

que esses princípios promovem.

Daí o dever de cautela que se impõe ao julgador quando do emprego da

proporcionalidade e também da ponderação constitucional, que mesmo sendo

concebida para combater a prática de atos arbitrários, pode estar funcionando,

paradoxalmente, como subterfúgios para a própria prática desses atos.192

De outra parte, o princípio da supremacia e o da unidade da

Constituição parecem ter sido encobertos pela suposta utilização da técnica da

ponderação. O primeiro porque, “[p]or força da supremacia constitucional,

nenhum ato jurídico, nenhuma manifestação de vontade pode subsistir

validamente se for incompatível com a Lei Fundamental.”193 E o segundo por

determinar como imposição ao intérprete “o dever de harmonizar as tensões e

contradições entre normas (...) guiado pela grande bússola da interpretação

constitucional: os princípios fundamentais, gerais e setoriais inscritos ou

decorrentes da Lei Maior.”194

Por último, convém registrar que, tendo em conta as observações feitas

quanto à falta de método para o uso da ponderação constitucional e em relação

ao próprio uso de alguns princípios constitucionais, há uma predisposição dos

julgados do TJSC em não transparecer clareza conceitual sobre o sentido da

técnica da ponderação constitucional e da própria juridicidade que é peculiar

dos princípios constitucionais, notadamente do princípio da proporcionalidade.

Isso acarreta não apenas o uso desmedido da própria técnica, como também

192 Cf. Ávila, Humberto. Op cit. p. 105. 193 BARROSO, Luiz Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 164. A respeito do princípio da supremacia da Constituição assevera o autor: “[A] supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlegalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da Constituição.”

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dos princípios norteadores do ordenamento jurídico. E, por conseqüência, faz

com que os julgadores estejam propensos a um subjetivismo exagerado, o que

dá ensejo a um abismo entre a previsão constitucional da motivação das

decisões e a pretensão de racionalidade a elas inerente.

3.3.2 Caso sobre majoração de verba alimentícia através de tutela antecipada (AI n. 2001.00038-0, Araranguá)

Outra decisão analisada diz respeito a um Agravo de Instrumento195

interposto por alimentante contra decisão que concedeu a tutela antecipada

parcialmente para majorar a verba alimentícia de dois para cinco salários-

mínimos. É sabido que, conforme determina o artigo 273 do Código de

Processo Civil (CPC)196, a tutela de urgência é o gênero de medida judicial na

qual estão inseridos os provimentos da tutela cautelar, das diversas liminares,

das tutelas antecipatórias e das inibitórias. E, especificamente no parágrafo 2º,

aborda-se a flexibilização dos requisitos da tutela antecipada e do perigo de

sua concessão dada a irreversibilidade que o provimento antecipa, o que

propõe a conjugação de princípios constitucionais como o da dignidade da

pessoa humana para o aperfeiçoamento da urgência e, conseqüentemente, a

utilização da ponderação.

Converge-se com o entendimento de que não pode o julgador, ao

apreciar o artigo 273 do CPC, limitar-se a fazer uma subsunção dos requisitos

legais e simplesmente deferir o pleito requerido. Por isso, a Câmara decidiu,

por votação unânime, desprover o recurso, sob a alegação de que “[p]or óbvio,

194 Idem. p. 196. 195 TJSC, AI n. 01.000038-0, de Araranguá. Rel. Des. Vanderlei Romer, 17.05.2001. 196 „Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994). I- haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação; ou (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994); II -fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994); §1o Na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994); §2o Não se concederá a antecipação da tutela quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).”

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o direito à sobrevivência e à dignidade humana se sobrepõe ao de cunho

patrimonial. Dessa maneira, teve primazia o direito postulado pelo menor sobre

aquele defendido por seu pai.” No entanto, ainda que se visualize a

possibilidade da ponderação neste caso, e, ainda que a identificação dos

interesses e dos princípios tenha ocorrido, o argumento que desencadeou a

decisão apenas se cingiu à “primazia” que o princípio da dignidade da pessoa

humana obteve no caso em face do direito da segurança jurídica pleiteado pelo

pai. Mencionado princípio recebeu, como analisado, peso maior para firmar a

decisão, mas o fato de o pai ter exposto “que possui um terceiro filho, a quem

presta alimentos no valor de 1,5 salário-mínimo,” não mereceu considerações

pela Câmara, fato que poderia ter sido considerado para caracterizar que o pai

– como bem prevê o critério do binômio possibilidade do alimentante e

necessidade do alimentado197 - teve alterações nas suas condições financeiras

nesse sentido, o que poderia ter influenciado na fixação do valor da verba

alimentar para três ou quatro salários mínimos, em vez de cinco, como foi

decidido.198 Todavia, a modificação da fortuna do agravante foi requisito único

para formar o convencimento final pela majoração do pleito, sendo que o

incremento do patrimônio não pode ser considerado definitivo diante das

porventuras da vida e diante do caráter de irreversibilidade que a verba

acarreta. Assim, como estudado nos capítulos anteriores, a não-atribuição

correta de pesos aos interesses contrapostos pode prejudicar o caminho a ser

percorrido pela técnica da ponderação,199 e, ainda, há outras circunstâncias de

fato que podem ser responsáveis por “informar o grau de restrição que a

escolha de cada uma das soluções possíveis pode impor sobre as demais

naquele caso concreto.”200

197 Conforme prevê o artigo 854 do CPC: “Art. 854. Na petição inicial, exporá o requerente as suas necessidades e as possibilidades do alimentante” 198 Cf. BUSTAMANTE, Thomas. Sobre o conceito de normas e a função dos enunciados empíricos na argumentação jurídica. Revista Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, ano. 11, n. 43, p. 108, jan-mar de 2001. A respeito, concluiu o autor: “Argumentos empíricos podem, a todo momento, ser levantados no processo de justificação das decisões encontradas para os problemas jurídicos, sendo um elemento decisivo no fornecimento de razões para a solução adequada.” 199 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 93. Asseveou a autora: “É fácil perceber que, se um dispositivo – relevante para o caso – for ignorado pelo intérprete, os elementos que sugerem uma solução contrária à que a disposição ignorada indicaria assumirão um peso artificialmente maior ao longo da argumentação.” 200 Idem. p. 121.

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Ademais, veja-se que em relação à ponderação somente um parágrafo

pode ser colhido do corpo do acórdão, lá mencionado em forma de citação: O provimento antecipatório de urgência de prestação pecuniária que determina o pagamento de prestação alimentar deixa devidamente evidenciada a adoção do método da ponderação de bens, com a eleição do bem e do valor que se tutelará em sede de cognição sumária satisfativa, afastando num plano meramente de probabilidade e pelo critério da proporcionalidade o perigo da irreversibilidade fática no plano da tutela ordinária (...). Em caso de conflito entre direito não patrimonial, individual, coletivo ou social e algum direito patrimonial, deverá prevalecer o primeiro. (in Tutela antecipada na Teoria Geral do Processo, v. I São Paulo: LTr, 1999, p. 333/334) (Grifou-se)

Percebe-se que o julgado pareceu propenso a não demonstrar clareza

quanto ao sentido e à metodologia de aplicação da ponderação. Nada foi

referido em relação aos pesos que deveriam ser atribuídos aos interesses e em

relação aos padrões de argumentação para justificar a decisão e evidenciar

que ela foi a melhor decisão a ser adotada. Além disso, não se constatou

argumento em torno da não-escolha da decisão contrária, deixando o voto de

ganhar mais consistência racional. Por isso, faz-se essencial que “o julgador

não tente escamotear a ponderação sob a capa de um falso silogismo, como

freqüentemente ocorre, ocultando elementos retóricos (...) de seus julgados.”201

3.3.3 Caso sobre multa contratual (ED-AC n. 1999.007151-0, Lages)

Em outra análise, o Banco do Brasil S. A. opôs Embargos Declaratórios

ao acórdão da Apelação Cívil n. 99.007151-0202 que deu parcial provimento ao

recurso da embargada e de ofício reduziu a multa contratual para 2%. O

embargante apontou omissão no acórdão no que refere os artigos 2º e 6º e

seus parágrafos da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC)203 e artigo 58 do

DL 413/69204 c/c Lei nº 6.840/80205, em decorrência da diminuição do

201 SARMENTO, Daniel. Op cit. p. 120. 202 TJSC, ED-AC n. 99.007151-0, de Lages. Rel. Nelson Schaefer Martins, 31.05.2001. 203 “Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (...) Art. 6º A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1º.8.1957)” 204 “Art. 58 Em caso de cobrança em processo contencioso ou não, judicial ou administrativo, o emitente da cédula de crédito industrial responderá ainda pela multa de 10% (dez por cento) sobre o principal e acessórios em débito, devida a partir do primeiro despacho da autoridade competente na petição de cobrança ou de habilitação do crédito.”

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percentual da multa contratual de 10% para 2% e conseqüente omissão no que

tange ao disposto no art. 5º, inc. XXXVI da Constituição da República206.

Requereu o pré-questionamento dos dispositivos apontados, diante de

desrespeito aos princípios da irretroatividade da lei e da proteção ao ato

jurídico perfeito em face da nova lei.

Da análise, vê-se que foram identificados os interesses contrapostos,

quais sejam: a garantia do percentual de multa fixado em 10% como um direito

adquirido previsto no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal c/c

artigo 58 do DL 413/69207 c/c Lei nº 6.840/80 e o invocado parágrafo 1º do

artigo 52 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), segundo o qual as

multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo

não poderão ser superiores a 2% do valor da prestação.

Mas, ainda que se tenha identificado os interesses contrapostos, apenas

se cogitou que “não se pode considerar prevalente a cláusula contratual que

trata da multa contratual (...) se as normas do Código de Defesa do

Consumidor (Lei n. 8.078/1990), a teor de seu art. 1º, são de ordem pública e

interesse social.” Aqui cabe o alerta feito pela autora Ana Paula de Barcellos

exposto no segundo capítulo deste trabalho: os enunciados normativos devem

ser apreciados no mesmo nível de abstração para que não haja confusão com

a própria norma que cada um enseja, como constantemente ocorre em

conflitos entre leis ou atos fundados em interesses coletivos e direitos

individuais, pois o intérprete acaba contrapondo uma norma (direito do

indivíduo) e um enunciado normativo, o que desequilibra a ponderação que

está sendo realizada entre fenômenos distintos. Ou seja, o direito contratual de

cunho privado do embargante também está fundado em um enunciado

normativo geral e deve ser ponderado com leis ou atos fundados em interesses

coletivos, e não com a pretensão individual, já que, se assim for, poderá levar o

205 “Art. 5º Aplicam-se à Cédula de Crédito Comercial e à Nota de Crédito Comercial as normas do Decreto-lei nº 413, de 9 de janeiro 1969, inclusive quanto aos modelos anexos àquele diploma, respeitadas, em cada caso, a respectiva denominação e as disposições desta Lei.” 206 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 207 “Art. 58 Em caso de cobrança em processo contencioso ou não, judicial ou administrativo, o emitente da cédula de crédito industrial responderá ainda pela multa de 10% (dez por cento) sobre o principal e acessórios em débito, devida a partir do primeiro despacho da autoridade competente na petição de cobrança ou de habilitação do crédito.”

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intérprete a concluir apressadamente que o direito individual deverá ceder ao

interesse coletivo.208

Ademais, nada foi argüido com relação à data da celebração do

contrato, uma vez que, acaso fosse datada anteriormente à vigência do CDC,

estar-se-ia diante de um conflito aparente entre o critério cronológico e o

critério da especialidade, para o qual desnecessário seria o emprego da

ponderação.209 Então, dever-se-ia aplicar o metacritério lex posterior generalis

non derogat priori speciali,210 extraído da interpretação do parágrafo 2º do

artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual “[a] lei nova, que

estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga

nem modifica a lei anterior.” Nesse caso, aplicar-se-ia o princípio da

compatibilidade das leis, previsto no parágrafo 1º do mesmo diploma, qual seja

“[a] lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando

seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que

tratava a lei anterior.”

A Câmara julgadora, por votação unânime, deu provimento aos

embargos declaratórios para a integração e complementação do julgado

anterior, tendo em conta as seguintes justificativas: Não se cogita de descumprimento das disposições do art. 6º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil e do art. 5º, inc. XXXVI da Constituição da República, pois não há que falar em direito adquirido ou ato jurídico perfeito. (...) não se pode considerar prevalente a cláusula contratual que trata da multa contratual - e que segundo o embargante declaratório estaria protegida pelo disposto no art. 5º, inc. XXXVI da Constituição da República -, se as normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), a teor de seu art. 1º, são de ordem pública e interesse social. (Grifou-se)

E, ainda: Além disto não se deve olvidar o comando da norma contida no art. 170 da Constituição da República: "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

208 Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 112-115. 209 A respeito, asseverou Ana Paula de Barcellos (Op cit. p.108): “Essa primeira etapa serve também para que se verifique se todos os enunciados pertinentes estão sendo considerados e se eles justificam existência de outras normas, capazes inclusive de superar o conflito visualizado inicialmente. Com efeito, após esse esforço inicial é perfeitamente possível concluir – e quiçá essa será a hipótese mais freqüente – que não há afinal um conflito normativo ou que ele pode ser superado por meios hermenêuticos convencionais, sendo desnecessário percorrer as etapas seguintes da ponderação.” 210 Cf. BOSCHI, Fabio Bauab. Conflito de normas constitucionais. Revista Direito Constitucional e Internacional. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, n. 1, n. 4. p. 38-74, jul-set de 1993.

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social, observados os seguintes princípios: (...) V - defesa do consumidor".

E para corroborar o posicionamento da Câmara, também se utilizou de

uma afirmação de Celso Ribeiro Bastos, segundo a qual “não se pode

conceber um direito adquirido que não advenha de um ato jurídico perfeito”;

fez-se menção à teoria dos princípios estruturantes de J. J. Canotilho para

ratificar que a norma constitucional da defesa do consumidor “se destina a

materializar ou a densificar os princípios estruturantes da cidadania (CF, art. 1º

, inc. II), da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º , inc. III), dos valores

sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF, art. 1º , inc. IV)”; e, por último,

transcreveu-se, na íntegra, um artigo publicado em jornal intitulado “Direito

social e consumidor.”

Cabe observar uma propensão do TJSC em não deixar claro o exato

sentido do uso da chamada ponderação neste julgado, não somente por

apenas mencionar que um valor deve se sobrepor ao outro, mas por não

relacionar os fatos do caso concreto e a partir deles realizar um balancing.

Fazer inúmeras citações de autores sobre o assunto ou de teorias a respeito

podem servir de auxílio no processo de argumentação, mas se isso ocorrer de

forma aleatória e cumulativa, sem que se una aos fatos os interesses

identificados, não é fazer ponderação e pode fazer com que a decisão não

alcance coerência com o ordenamento jurídico. Ademais, a própria falta de

clareza para distinguir ponderação de proporcionalidade foi constatada. Veja-

se: Mesmo que haja conflito de normas constitucionais, ambas preconizadoras de direitos e garantias fundamentais, aplica-se neste caso o princípio da proporcionalidade ou da ponderação de valores, para afirmar aquela norma que contenha maior carga de fundamentalidade. No caso concreto se está diante do confronto entre a norma do art. 5º, inc. XXVI que trata da segurança contratual - que densifica o princípio estruturante do Estado de Direito e a norma do art. 170, inc. V, que concretiza os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Assim, na hipótese, considerando que o interesse social deve prevalecer em confronto com o princípio da segurança contratual, de cunho privado, ratifica-se a preferência pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor. (Grifou-se.)

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Na análise do trecho destacado, a ponderação e a proporcionalidade

parecem ser compreendidas como princípios sinônimos.211 Saliente-se que a

ponderação, apesar de estar associada com a idéia de proporcionalidade, com

ela não se confunde. O princípio da proporcionalidade, como visto no segundo

capítulo deste trabalho, exige a relação de causalidade entre meio e fim, de tal

sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim212 e seja possível percorrer

aos exames fundamentais da adequação, da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito.213 E não só ele, mas o da razoabilidade,

o da justa proporção, a proibição do excesso, a garantia do núcleo essencial

dos direitos fundamentais, etc. atuarão como critérios a serem manejados

pelos magistrados quando da utilização da ponderação em concreto como

padrões de argumentação, de raciocínio para justificar qualquer decisão

judicial. Assim, esse critério utilizado para sopesar um ou outro interesse não é

fornecido pela ponderação propriamente dita, mas por metanormas214 que

funcionam como controles racionais de decisão que irão constatar se os

argumentos utilizados à solução do caso guardam coerência com o próprio

ordenamento jurídico.

De fato, fez-se menção à proporcionalidade, mas não a evidenciou como

um controle racional para a decisão adotada, isto é, não se verificou o seu uso

como critério de controle capaz de conferir maior grau de racionalidade à

decisão, nem uma justificativa para demonstrar que a escolha da alternativa

adversa seria inadequada. Nesse sentido, afirma a autora Ana Paula de

Barcellos a respeito que “[a] organização do raciocínio ponderativo facilita o

processo decisório, torna visíveis os elementos que participam desse processo

e, por isso mesmo, permite o controle da decisão em melhores condições.”215

Por isso se diz que todas as etapas da ponderação são úteis para conduzir o

raciocínio e ordenar a argumentação.

211 Vide nota 177. 212 Cf. ÁVILA, Humberto. Op cit. p. 61. Sobre a aplicabilidade da relação meio e fim do princípio da proporcionalidade afirma o autor: “A proporcionalidade constitui-se em um postulado normativo aplicativo, decorrente do caráter principal das normas e da função distributiva do Direito, cuja aplicabilidade, porém, depende do imbricamento entre bens jurídicos e da existência de uma relação meio/fim intersubjetivamente controlável. Se não houver uma relação meio/fim devidamente estruturada, então – nas palavras de Hartmut Maurer – cai o exame de proporcionalidade, pela falta de pontos de referência, no vazio.” 213 Cf. Idem. p. 104-105. 214 Vide nota 177. 215 BARCELLOS, Ana Paula de.Op cit. p. 124.

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Outros dois acórdãos mereceram observações semelhantes, uma vez

que a ponderação foi relacionada com a redução do percentual de multa

contratual preconizada pela inovação trazida pelo CDC. São eles: Embargos de

Declaração opostos ao acórdão da Apelação Cível n. 98.007304-9 (de

Trombudo Central. Rel. Nelson Schaefer Martins) e Apelação Cível n.

97.009986-0 (de Itajaí. Relator Nelson Schaefer Martins.)216. Neles, também se

observou a exata reprodução de todos os trechos acima destacados, o que

condena as decisões analisadas à multiplicação desmedida de argumentos que

se inclinam a não refletir as razões que efetivamente conduzem ao seu

resultado devido à falta de procedimentos metodológicos no que tange ao uso

da ponderação, o que acaba por comprometer a racionalidade que lhes são

peculiares.

3.3.4 O uso impróprio da ponderação constitucional

3.3.4.1 Técnica de ponderação constitucional e ponderação judicial em geral

Em outros julgados analisados, a ponderação não foi utilizada como um

procedimento argumentativo, mas sim em seu sentido de acepção genérica da

palavra e de todo discurso racional, através do qual toda e qualquer decisão,

por mínima que seja, fará uso do raciocínio ponderativo, apenas ponderando

as razões apresentadas pelas partes para decidir a disposição aplicável ao

caso.217 Como já estudado no primeiro capítulo deste trabalho, o termo referido

neste estudo é o da ponderação em sentido estrito, relativo a sopesar

enunciados normativos válidos218 da Constituição Federal, notadamente nas

hipóteses de colisão normas e de direitos fundamentais a fim de se decidir qual

dos princípios conflitantes, num caso concreto, tem maior peso ou valor.

216 TJSC. AC n. 98.007304-9, de Trombudo Central. Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, 31.05.2001; TJSC. AC n 97.009986-0, de Itajaí. Rel. Des. Nelson Schaefer Martins. 31.05.2001. 217 Cf. BARCELLOS. Ana Paula de. Op cit. Idem. p. 1-2. 218 Vide notas 6 e 7.

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Leia-se uma passagem reiteradas vezes observada em várias decisões: A indenização por danos morais deve ser fixada com ponderação, levando-se em conta o abalo experimentado, o ato que o gerou e a situação econômica do lesado; não podendo ser exorbitante, a ponto de gerar enriquecimento, nem irrisória, dando azo à reincidência.

O trecho colhido é mencionado ipsis litteris em inúmeros julgados,219

mais uma vez comprometendo as decisões analisadas no que tange aos

critérios de controle, posto que a simples e excessiva reprodução de

argumentos não permite que se identifique os passos utilizados pelo julgador

que o levaram à decisão adequada.

Nesse sentido, é de se observar outra orientação comum das decisões a

respeito da falta de clareza conceitual do sentido do termo “ponderação” e,

também, da sua utilização como poder geral de decisão totalmente

desvinculado do que propõe a técnica da ponderação constitucional.

3.3.4.2 Recurso à ponderação como “recurso de autoridade”220

219 À guisa de exemplo, cita-se alguns relativos à ações de indenizações por danos morais: AC n. 2006.005055-3, de Lages. Rel. Des. Fernando Carioni, 29.06.2006; AC n. 2006.011328-8, da Capital. Rel. Des. Fernando Carioni, 29.06.2006; AC n. 2006.016568-9, da Navegantes. Rel. Des. Fernando Carioni, 29.06.2006; AC n. 2006.018807-2, de Brusque. Rel. Des. Fernando Carioni, 29.06.2006; AC n. 2006.007485-2, de Tubarão. Rel. Des. Fernando Carioni, 27.07.2006; AC n. 2006.023476-4, de Palhoça. Rel. Des. Fernando Carioni, 27.07.2006; AC n. 2006.006697-2, de Joinville. Rel. Des. Fernando Carioni, 27.07.2006; AC n. 2005.018369-1, de São Lourenço do Oeste. Rel. Des. Fernando Carioni, 25.05.2006; AC n. 2006.018901-2, de Itajaí. Rel. Des. Fernando Carioni, 22.08.2006; AC n. 2006.009840-5, de Blumenau. Rel. Des. Fernando Carioni, 22.06.2006; AC n. 2006.001627-6, de Xanxerê. Rel. Des. Fernando Carioni, 20.07.2006; AC n. 2006.021157-7, da Capital. Estreito. Rel. Des. Fernando Carioni, 20.07.2006; AC n. 2006.018195-1, de Blumenau. Rel. Des. Fernando Carioni, 20.07.2006; AC n. 2006.007236-0, de Blumenau. Rel. Des. Fernando Carioni, 20.07.2006; AC n. 2006.016763-8, de Itajaí. Rel. Des. Fernando Carioni, 20.07.2006; AC n. 2006.008094-1, da Capital. Rel. Des. Fernando Carioni, 18.05.2006; AC n. 2006.011348-4, de Camboriú. Rel. Des. Fernando Carioni, 18.05.2006; AC n. 2006.013796-5, de Araranguá. Rel. Des. Fernando Carioni, 18.05.2006. 220 O recurso da ponderação como “recurso de autoridade” compreende argumentos para fundamentar a decisão que não revelam adequadamente as razões determinantes para que a decisão seja tomada. A respeito, Ana Paula de Barcellos (BARCELLOS, Ana Paula de. Op cit. p. 40) transcreve uma citação de Aulis Aarnio (AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable. p.29): “Como se ha mencionado, el decisor ya no puede apoyarse en una mera autoridade formal. En una sociedad moderna, la gente exige no solo decisiones dotadas de autoridad sino que pide razones. Esto vale también para la administración de justicia. La responsabilidad del juez se ha convertido cada vez más en la responsabilidad de justificar sus decisiones. La base para el uso del poder por parte del juez reside en la aceptabilidad de sus deciones y no en la posición formal de poder que pueda tener. En este sentido, la responsabilidad de ofrecer justificación es, específicamente, una responsabilidad de maximizar el control público de la decisión. Así pues, la presentación de la justificación es siempre también un médio para asegurar, sobre una base racional, la existência de la certeza jurídica en la sociedad.”

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Outro acórdão que mereceu análise foi o Agravo de Instrumento221

interposto pelo Banco do Brasil S.A. contra decisão interlocutória que indeferiu

exceção de pré-executividade aforada contra execução provisória de título

judicial pretendendo a redução de verba honorária, promovida por

Compensados e Laminados Lavrasul S.A., Espólio de Nathan Zugman, Saul

Chuny Zugman, Irineu Peters e Eros Gil Peters.

A decisão, em verdade, não compreende uma situação de interesses em

conflito. Curiosamente, no entanto, tratou o julgador de considerá-la um “hard

case”, expressão utilizada pelos americanos quando da identificação de um

caso difícil, no qual interesses em conflito possibilitam o uso da ponderação.

Veja-se: Os institutos jurídicos aplicáveis às situações da vida são amoldados para não servirem a aberrações contrárias ao próprio direito. Essa é a lógica que perpassa pela idéia de bom senso, inerente ao ato de julgar. É por isso que a esses casos concretos de menor ocorrência, o que no direito americano se convencionou chamar de hard cases, é recomendável a aplicação do princípio constitucional da proporcionalidade. (Grifou-se.)

E, ainda: O princípio da proporcionalidade tem por subprincípios a adequação, na qual as medidas adotadas pelo Poder Público devem se mostrar aptas a atingir os objetivos pretendidos, a necessidade ou exigibilidade, impondo a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atingir os fins visados e a proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para verificar se é justificável a interferência no âmbito dos direitos dos cidadãos. (Luís Roberto Barroso)

Da análise da decisão, vê-se que se resolveu intitular o caso como “hard

case” tão-somente pelo fato de a exceção de pré-executividade não ter

previsão legal, sendo uma construção doutrinária e jurisprudencial a fim de que

o devedor, em uma ação de execução, possa truncar essa execução ilegal sem

submeter-se à violência da constrição, o que traz à apreciação do Juízo as

nulidades que maculam o procedimento executivo.222

221 TJSC, AI. n. 2001.002798-0, de Canoinhas, 15.08.2002. 222 Cf. ASSIS, Araken de. Manual de processo de execução. 8ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 549.

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Em relação à ponderação, neste caso, também não se vislumbrou

clareza conceitual quanto ao sentido do termo, tendo ela sido abordada na

tentativa de justificar uma questão verificável ex officio pelo juiz com a

pretensão de redução da verba honorária. Não há aqui um ato de poder público

ou normativo que restrinja algum direito fundamental, por isso não se

identificou interesses em confronto. Reiteradamente, tem-se decidido sobre a

matéria223 que na estipulação da verba honorária se aplicam as alíneas a, b e c

do § 3º do artigo 20 do CPC c/c o § 4º do mesmo dispositivo.224 Assim, mesmo

a arbitragem do valor da verba não partindo de critérios objetivos, e sim

eqüitativos, nada há falar em ponderação constitucional.

Semelhante situação ocorreu na Apelação Cível n. 2002.011367-6 (de

Capinzal. Rel. Des. Pedro Manoel de Abreu)225 na qual os mesmos trechos

acima citados foram encontrados, o que corrobora para a constatação de uma

reprodução desmedida de argumentos que encobrem as razões que

conduziram à decisão final do caso.

Da análise da Apelação Cível,226 interposta pela Televisão de Xanxerê

Ltda. contra decisão que a condenou ao pagamento de indenização por danos

morais devido à divulgação pela emissora da imagem de menor em

procedimento policial pela prática de ato infracional, idêntica observação foi

verificada.

Veja-se que a agravante pugnou pela redução do valor do quantum

indenizatório a título de danos morais. No entanto, na fundamentação da

223 Vide as seguintes decisões: AC n. 97.014931-0, de Blumenau, Des. Francisco Borges, 05.02.98; ACV n. 99.001250-6, de Concórdia. Rel. Des. Sérgio Paladino; REsp. n. 45.544-8, de São Paulo. Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJU 81, de 02.05.94. 224 “Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advogado funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976) (...) § 3º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez por cento (10%) e o máximo de vinte por cento (20%) sobre o valor da condenação, atendidos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973); a) o grau de zelo do profissional; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973); b) o lugar de prestação do serviço; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973); c) a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973) §4 Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 1994)” 225 AC n. 2002.011367-6, de Capinzal. Rel. Des. Pedro Manoel Abreu. 05.12.2002. 226 TJSC. AC n. 2006.003894-2, de Xanxerê. Rel. Des. Fernando Carioni, 27.07.2007.

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decisão o método da ponderação constitucional foi utilizado como argumento

para o posicionamento da Câmara julgadora: Salienta-se, ainda, a necessidade de salvaguardar os direitos à intimidade e privacidade do menor, que prevalecem sobremaneira à liberdade de informação, consoante disposição do art. 5º, X, da Carta Magna, e arts. 17 e 143 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90). (Grifou-se.)

A liberdade de imprensa preconizada no inciso IX do artigo 5º da

Constituição Federal227 e a proteção da imagem e da honra da pessoa humana

inserta no inciso X228 do mesmo artigo não estão, neste julgamento,

imbricando-se. Importa aqui que se configura ato ilícito passível de indenização

pelo dano causado a divulgação pela imprensa ou por emissora de televisão da

imagem de menor em procedimento policial pela prática de ato infracional, a

teor do artigo 247 da Lei n. 8.069/90.229 E, diante disso, restou incontroverso

para o Juízo a quo que o ato ilícito ocorreu - embora a emissora tenha argüido

ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da demanda – e, por isso,

resultou a condenação em danos morais.

Portanto, não se está diante de um problema de eficácia de direitos

fundamentais cuja solução ensejaria o uso da ponderação, e a decisão em

primeira instância não resultou na restrição da liberdade de imprensa. Mas o

trecho colhido, ao mencionar que os direitos à intimidade e privacidade do

menor “prevalecem” à liberdade de informação, transparece haver necessidade

de uma ponderação de interesses, quando mais parece uma tentativa de

justificativa do resultado da decisão que modificou o quantum dos danos

morais pleiteado, cujos critérios que devem ser utilizados para a sua fixação

são a compensação ao lesado e desestímulo ao lesante.230

227 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” 228 “Art. 5º (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;” 229 “Art. 247 - Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.” 230 Cf. MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado. São Paulo: LTr, 2003. p. 579.

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Semelhante situação de utilização da ponderação como recurso de

autoridade também foi verificada na Apelação Cível n. 2006.005770-8 e nas

Apelações Cíveis n. 2003.028073-1 e 20003.02075-8, de Blumenau.231

Desse modo, evidencia-se a falta de clareza conceitual acerca do

sentido da ponderação constitucional e do caminho por ela proposto para se

chegar ao resultado de uma decisão judicial.

3.3.5 Emprego adequado: caso sobre a liberdade jornalística (AI n. 2004.01854-1, Joinville)

A última análise realizada para este trabalho foi a respeito do Agravo de

Instrumento232 interposto pela Companhia Catarinense de Rádio e Televisão e

Zero Hora Editora Jornalística S/A contra a decisão do Juízo singular que, na

ação inibitória proposta por Salomão Nassif Sfeir Filho, concedeu parcialmente

a tutela liminar requerida por este, determinando que aqueles se abstenham,

“tão-somente de publicar fotografias do agravado em matérias jornalísticas que

se relacionem ao suposto seqüestro e suposta gravidez de Juliana da Silva

Souza de Jesus sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)."

Alegam os agravantes que “a decisão combatida representa flagrante

censura prévia aos meios de comunicação; (...) foram violadas as garantias

constitucionais da liberdade de imprensa e de expressão e do acesso à

informação”

Tem-se, então, no caso tensão instaurada entre essa garantia

constitucional alegada pelo agravante e os direitos à privacidade, à intimidade

e à honra do agravado, também protegidos pela Lei Maior.

Ao recurso foi negado provimento sob os seguintes argumentos: Os meios de comunicação não podem extrapolar o limite do razoável, atingindo diretamente a honra, a intimidade e a imagem das pessoas, mesmo porque, no caso analisado, não há pronunciamento oficial sobre o efetivo envolvimento do profissional médico no ocorrido. A garantia do direito de informação, elencada na Constituição Federal, não é absoluta e, existindo conflito entre direitos

231 TJSC, AC. n. 2006.005770-8, de Laguna. Rel. Des. Fernando Carioni; AC n. 2003.028073-1 e 2003.028075-8, de Blumenau. Rel. Des. Marco Aurélio Gastaldi Buzzi, 14.07.2005. 232 TJSC, AI n. 04.001854-1, de Joinville. Rel. Des. José Volpato de Souza, 26.03.2004.

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fundamentais, há que se observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ponderando-se os interesses em litígio, de acordo com o caso concreto. (Grifou-se)

E, também: No caso sob análise, verifica-se que realmente houve matérias jornalísticas envolvendo o nome e a imagem do agravado e de sua paciente. Essas publicações, mesmo que inconscientemente, insinuam ao leitor o envolvimento do recorrido no evento, ou que ele não tenha capacidade suficiente para exercer sua profissão médica, colocando em dúvida sua aptidão e dignidade perante toda a comunidade, especialmente porque a veiculação se encontra nas páginas policiais. Impende destacar que a imprensa não pode extrapolar o limite do razoável, atingindo diretamente a honra, a intimidade e a imagem das pessoas, mesmo porque não há pronunciamento oficial sobre o efetivo envolvimento do profissional médico no acontecimento. Além disso, a decisão guerreada inibiu, exclusivamente, a publicação e exibição de fotografias (imagem-retrato), não obstando qualquer outra manifestação sofre o "caso Juliana" e o suposto envolvimento do médico, ora agravado. Portanto, não há que se falar em detrimento de garantias fundamentais - liberdade de imprensa e livre manifestação do pensamento - tampouco em censura prévia, visto que os agravantes estão autorizados a publicar novas matérias, divulgando até mesmo o nome do recorrido.(Grifou-se)

Veja-se que há a identificação dos interesses em conflito e dos

princípios constitucionais que os sustentam. O magistrado verificou que a

decisão a quo restrigiu apenas parcialmente a liberdade de imprensa, posto

que somente a exibição de fotografias do agravado não poderia ser veiculada,

o que autoriza os agravantes a publicar novas matérias sobre o caso. E, ainda,

foi verificado que se a decisão singular fosse modificada, de fato, poderia

refletir na vida privada do recorrente, uma vez que as publicações insinuam ao

leitor, “mesmo que inconscientemente”, o envolvimento do agravado no evento,

ou, ainda, que ele “não tenha capacidade suficiente para exercer sua profissão

médica, colocando em dúvida sua aptidão e dignidade perante toda a

comunidade, especialmente porque a veiculação se encontra nas páginas

policiais.”

Também não é demais concluir que alguém que tem a sua foto

publicada nas páginas policiais de jornais acaba por ficar de certa forma mais

exposto aos comentários da sociedade do que ter apenas a menção do seu

nome nas matérias a respeito, pois há que se considerar, ainda, que o direito à

imagem “perfaz, talvez, uma das manifestações da personalidade que mais

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possui vínculos com a proteção da vida privada.”233 Além disso, o magistrado

também manteve a liminar concedida pelo fato de que “o decurso do tempo já

consumiu, em grande parte, o interesse dos leitores e da própria imprensa pelo

fato ocorrido em agosto do ano passado,” o que corroborou para a

permanência da restrição imposta pela decisão singular.

O julgador utilizou como critérios de decisão os princípios da

proporcionalidade e da razoabilidade, como adiante se pode verificar: Cabe salientar que nenhum direito fundamental elencado na Constituição Federal é absoluto e, existindo conflito entre esses direitos, há que se observar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ponderando-se os interesses em litígio, de acordo com o caso concreto.

É de ver que o resultado final se mostrou, como afirmou o julgador,

razoável e proporcional. Ainda que o raciocínio não conste explicitamente na

fundamentação utilizada, é possível reconstruí-lo e verificar que, como

escreveu Paulo Bonavides, houve a adequação “com o desígnio de adequar o

meio ao fim que se intenta alcançar”; a necessidade, através da qual “a medida

não há de exceder os limites indispensáveis à conservação do fim legítimo que

se almeja;” e a proporcionalidade tomada stricto sensu (proporcionalidade em

sentido estrito) em que “a escolha recai sobre o meio ou os meios que, no caso

específico, levarem mais em conta o conjunto de interesses em jogo.”234 E,

ainda, a razoabilidade atuou como instrumento determinador de situações de

fato presumíveis dentro da normalidade, além de ter evidenciado uma relação

de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona.235

Desse modo, o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade

foram utilizados para aferir legitimidade de uma restrição à liberdade de

imprensa com prudência, moderação e garantia ao núcleo essencial desse

direito em detrimento da proteção da imagem, da honra e da intimidade,

direitos também tutelados pela Carta Magna.

233 MIRANDA, Rosângelo R. Tutela constitucional do direito à proteção da própria vida privada. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo, ano. 13, n. 54, p.172, out-nov de 2000. 234 Cf. BONAVIDES, Paulo. Op cit. p. 396-398. 235 Cf. Ávila, Humberto. Op cit. p. 97-101.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

À guisa de conclusão, apresenta-se, de forma analítica, um resumo dos

objetivos gerais estudados, por meio dos quais se identificou o propósito final

deste trabalho.

1. O termo “ponderação” utilizado para este trabalho não foi no sentido

da acepção genérica da palavra e de todo discurso racional, mas sim falou-se

em ponderação em sentido estrito, relativo a sopesar enunciados normativos

válidos da Constituição Federal, notadamente nas hipóteses de colisão normas

e de direitos fundamentais.

2. A técnica da ponderação constitucional tem como objetivo resolver os

confrontos normativos observados em casos concretos, sejam eles conflitos

constitucionais que envolvam valores ou direitos fundamentais. Assim, ela

funciona como uma espécie de um modus operandi no qual, ao magistrado,

além de identificar com a máxima clareza quais são esses interesses opostos e

quais os fundamentos jurídicos que os sustentam, cabe a tarefa de atribuir-lhes

“pesos” a fim de examinar qual interesse irá preponderar no caso. Em seguida,

ele irá justificar sua decisão com pretensão de racionalidade e mostrar por que

a(s) solução(ões) alternativa(s) seria(m) inadequada(s). Nesse sentido, o

princípio da proporcionalidade, o da razoabilidade, o da justa proporção, a

proibição do excesso, a garantido núcleo essencial dos direitos fundamentais,

etc. funcionam como “regras de prova” diferenciadas da decisão.

3. No atual debate constitucional no Brasil, tem-se ampliado a discussão

sobre o tema da ponderação constitucional entre os juspublicistas. Dedica-se

essa importância, entre outros: (i) à coexistência plural de valores em lugar de

um legalismo estrito ou as circunstâncias próprias de um sistema constitucional

aberto que, além de propiciar o exercício de discricionariedade pelo intérprete,

contribuem com a expansão do papel dos juízes e tribunais e,

conseqüentemente, com o emprego da técnica constitucional em estudo; (ii) à

ordem infraconstitucional que também colabora para uma extensão do papel da

interpretação jurídica quando essas disposições tutelam bens diversos que, em

determinados momentos, acabam gerando situações de antinomia; (iii) à esfera

da interpretação jurídica estimulada pela ascensão política do Poder Judiciário

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visto como um espaço alternativo de discussões àquele do Poder Executivo em

razão da fragilidade da relação de confiança entre o povo e a sua

representação parlamentar. Esse movimento político de certa maneira encontra

respaldo em normas constitucionais “bastante vagas” o que facilita a

compreensão do universo em que se desenvolve a técnica da ponderação

constitucional.

4. A distinção qualitativa ou estrutural entre regras e princípios, nos

últimos anos, tornou-se um dos “pilares” da moderna dogmática constitucional

para sobrepujar as idéias positivistas. Através do estudo da teoria normativa-

material, estudada por Alexy, observou-se que a diferença entre regras e

princípios se mostra evidente no conflito de regras e nas colisões entre

princípios. Contudo, foi possível observar que alguns autores vêm estudando

outros critérios de distinção das duas categorias, através dos quais se discute a

aplicação do “tudo ou nada” aos princípios e, também, a possibilidade da

aplicação da técnica da ponderação entre regras.

5. Do estudo dos livros Ponderação de interesses na Constituição Federal de Daniel Sarmento; Teoria dos princípios: da definição à aplicação

dos princípios jurídicos de Humberto Ávila; e Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional de Ana Paula de Barcellos, fez-se uma síntese

conclusiva sobre as idéias dos autores sobre a ponderação: para Daniel

Sarmento, os interesses que podem ser objeto de ponderação são apenas

aqueles abrigados por princípios constitucionais explícitos ou implícitos. Já

para Humberto Ávila, a ponderação não é método privativo de aplicação dos

princípios; e para Ana Paula de Barcellos, em geral, não é possível aplicar mais

ou menos uma regra, mas ela reconhece duas modalidades de situações que

envolvem essa categoria com relação às quais é necessário envolver a

ponderação. Em relação à ponderação como critério material e formal de

controle de decisão, Sarmento traz a idéia de ponderação como um critério

material de controle, uma vez que seus resultados serão orientados pelo

princípio da dignidade humana como um critério substantivo na direção da

ponderação e pelo princípio da proporcionalidade, este sendo indissociável à

idéia da ponderação; para Humberto Ávila a ponderação, por ser um método

despido de critérios formais ou materiais, acaba sendo muito mais ampla que

os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade, pois estes se situam

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em um plano distinto do das normas cuja aplicação é por eles estruturada.

Assim, ele propõe uma estrutura em três fases para a ponderação; para Ana

Paula de Barcellos, as três fases da proporcionalidade podem ser

especialmente úteis na tentativa de obter a concordância prática na fase

decisória da ponderação, que, ao lado da busca pela pretensão de

universalidade e da construção do núcleo essencial dos direitos fundamentais,

trará solução ao caso. Contudo, ela continua a ser uma técnica vazia de

sentido material, sendo apenas um instrumento de organização do pensamento

e do processo decisório; daí propõe a autora parâmetros juridicamente

combinados com preocupações metodológicas e argumentativas.

6. A partir de uma perspectiva empírico-dogmática, a pesquisa

investigou se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Santa

Catarina, nos últimos sete anos, reflete algum critério para a utilização da

técnica da ponderação constitucional nas fundamentações de suas decisões.

Da análise ilustrativa foi possível chegar a algumas conclusões a respeito:

(i) clareza conceitual da idéia de ponderação: a ponderação e a

proporcionalidade parecem ser compreendidas como princípios sinônimos (ED-

AC n. 1999.007151-0, AC n. 1998.00704-9, AC n. 1997.009986-0), mas a

ponderação, apesar de estar associada com a idéia de proporcionalidade, com

ela não se confunde, pois esta exige a relação de causalidade entre meio e fim,

de tal sorte que, adotando-se o meio, promove-se o fim e seja possível

percorrer aos exames fundamentais da adequação, da necessidade e da

proporcionalidade em sentido estrito. Há, também, uma predisposição em não

transparecer clareza conceitual sobre o sentido e à metodologia de aplicação

dos princípios constitucionais, notadamente do princípio da proporcionalidade

(AI n. 2005.0002307-2, ED-AC n. 1999.007151-0, AC n. 1998.00704-9, AC n.

1997.009986-0, AI n. 2001.002798-0, 2006.00389-2). Como critério utilizado

para sopesar um ou outro interesse, a proporcionalidade não é fornecida pela

ponderação propriamente dita, mas por metanormas as quais por se situarem

em um plano distinto do das normas, com elas não se confundem, e funcionam

como estrutura para a aplicação de outras normas e para conferir maior grau

de controlabilidade de decisão.

Dessa falta de clareza conceitual da idéia de ponderação constitucional

também se verificou o seu uso impróprio em três grupos de situações: no

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primeiro (AC n. 2006.005055-3, AC n. 2006.011328-8, AC n. 2006.016568-9,

AC n. 2006.018807-2, AC n. 2006.007485-2, AC n. 2006.023476-4, AC n.

2006.006697-2, AC n. 2005.018369-1, e outros), a ponderação não foi utilizada

como ponderação constitucional, mas como ponderação judicial em geral; no

segundo, constatou-se o seu uso como recurso de autoridade (AI n.

2001.002798-0, AC 2002.011367-6) para para justificar a determinação de

verba honorária; e no terceir, a ponderação foi utilizada como justificativa para

modificar o valor do quantum a título de danos morais (AC n. 2006. 00389-2,

AC n. 2006.005770-8, AC n. 2003.028073-1 e 20003.02075-8).

(ii) Identificação dos interesses e princípios em colisão: foram

identificados os interesses que, de fato, estariam em tensão no caso; no

entanto, os fundamentos jurídicos que os sustentam não foram observados

com clareza (AI n. 2005.002307-2), sendo que essa é a circunstância primeira

para que a ponderação se desenvolva sem maiores distorções;

(iii) Atribuição dos “pesos” aos interesses conflitantes e justificativa da

escolha: por não ter clareza conceitual com relação ao conceito e à aplicação

da ponderação, observou-se uma disposição natural do julgador em atribuir-

lhes pesos distintos e optar por uma solução que talvez não seja a mais

consentânea com o senso de justiça (AI n. 2005.0002307-2), e em atribuir-lhes

pesos incorretamente, o que pode influenciar no procedimento percorrido pela

ponderação (AI n. 2001.00038-0). E mesmo que se tenha identificado os

interesses conflitantes e os seus fundamentos jurídicos, nada foi referido em

relação aos pesos que a eles deveriam ser atribuídos (AI n. 2001.00038-0, ED-

AC n. 1999.007151-0, AC n. 1998.00704-9, AC n. 1997.009986-0). Alguns

fatos foram encobertos pelo julgador (AI n. 2001.00038-0, ED-AC n.

1999.007151-0), sendo que sua análise poderia ter sido considerada para

informar um grau de restrição distinto para a escolha da decisão ou para

identificar a existência de outras normas capazes de superar o conflito

visualizado inicialmente por meios hermenêuticos convencionais.

À exceção do último acórdão analisado (AI n. 2004.01854-1), ainda que

não explicitamente - os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade não

foram utilizados pelo intérprete para conferir maior grau de controlabilidade

racional às decisões no que tange à ponderação, mesmo que, por vezes, haja

menção à proporcionalidade como critério de controle. A falta de clareza

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conceitual constatada pressupõe que os postulados da proporcionalidade ou da

razoabilidade sejam violados (AI n. 2005.0002307-2), quando apenas o são as

regras e princípios quando não aplicados adequadamente;

(iv) Argumentos em torno das alternativas: a redução de subjetivismo em

acórdãos judiciais é melhor constatada quando, além de se identificar as

razões pelas quais se tomou a decisão, forem identificadas as razões pela não-

escolha das outras alternativas possíveis. Mas isso não foi identificado (AI n.

2001.00038-0, ED-AC n. 1999.007151-0, AC n. 1998.00704-9, AC n.

1997.009986-0, AI n. 2005.0002307-2), o que faz com que o voto deixe de

ganhar mais consistência racional. Tal procedimento, além de diminuir a

possibilidade de reconhecimento de erros, faz com que a decisão fique à

margem de críticas.

Além disso, observou-se, ainda, uma orientação comum entre diferentes

julgados de mesmo objeto e Relator no sentido de haver uma excessiva

reprodução de argumentos – muitos mencionados ipsis litteris (AC n.

2006.005055-3, AC n. 2006.011328-8, AC n. 2006.016568-9, AC n.

2006.018807-2, AC n. 2006.007485-2, AC n. 2006.023476-4, AC n.

2006.006697-2, AC n. 2005.018369-1, ED-AC n. 1999.007151-0, AC n.

1998.00704-9, AC n. 1997.009986-0, AI n. 2001.002798-0, AC 2002.011367-6,

e outros.) Com isso, a jurisprudência catarinense tende a uma multiplicação de

acórdãos que não utilizam a técnica como meio legítimo de pretensão de

racionalidade de decisões judiciais, bem como não permitem, reiteradas vezes,

que se identifique os passos utilizados pelos julgadores que os levam à decisão

adequada.

Com a pesquisa realizada, identificou-se a falta de procedimentos

metódicos de justificação jurídica quando do emprego da ponderação

constitucional nos julgados do Tribunal. Isso acarreta não apenas o uso

desmedido da própria técnica, como também dos princípios norteadores do

ordenamento jurídico. E, por conseqüência, faz com que os julgadores estejam

propensos a um subjetivismo exagerado, o que dá ensejo a um abismo entre a

previsão constitucional da motivação das decisões e a racionalidade a elas

inerente. Daí o dever de prudência pelo julgador quando do emprego da

proporcionalidade e também da ponderação constitucional, que mesmo sendo

concebida para impedir que o poder legítimo do juiz passe a ser um poder

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arbitrário, pode estar funcionando, paradoxalmente, como manobra para a

própria prática desses atos.

Além disso, não se afirmou aqui que as decisões proferidas pelo

Tribunal não condizem com a ordem jurídica ou mesmo com o senso de justiça,

embora, por vezes, tenha-se tentado mostrar que uma decisão contrária talvez

fosse a mais adequada para solucionar o caso. Da mesma forma, não se

espera que o Tribunal adote uma metódica específica, mas que,

independentemente daquela a ser adotada, utilize, de fato, critérios de decisão

controláveis com maior grau de racionalidade.

Por fim, espera-se que este trabalho, sem prejuízo do aprofundamento

teórico que a matéria ainda demanda, tenha mostrado a importância de

transformar as contribuições teóricas acerca da ponderação constitucional em

instrumentos praticáveis pelos operadores jurídicos, em especial pelo

magistrado catarinense, no exercício diário de suas atribuições. Além de os

estudos sobre a interpretação jurídica terem mais repercussão na atividade de

aplicação do Direito, essa transformação faz com que a sociedade se beneficie

dos necessários estudos realizados pela teoria jurídica.

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