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  • Universidade Estcio de S Programa de Ps-graduao em Educao

    Representaes Sociais e Prticas educativas

    Crticas da teoria das representaes sociais

    Coletnea organizada por Tarso MazzottiTradues para uso escolar por Claudia Helena Alvarenga

    Resenha de conjunto por Giane Pereira

    Rio de Janeiro 2011

  • Sumrio

    Tradues por ALVARENGA, C. H. e originais

    JOST, John T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao p. 3-10

    Social Representation and Philosophy of Science: Belief in Ontological Realism as Objecti-ficacion p. 11-19

    MARKOV, Ivana. Uma crtica do paper de autoria de J.T. Jost p. 20-24 A comment on the paper by J.T. Jost p. 25-29

    ELEJABARRIETA, Fran. A Mscara do Real - Crtica a Jost p. 30-35 The Mask of the Real Discussion of Jost p. 36-41

    JOST, John T. Em Defesa da Psicologia Social da Cincia (Uma Trplica a Markov e Elejabar-rieta) p. 42-48

    In Defense of the Social Psychology of Science (A Rejoinder to Markova and Elejabarrieta) p. 49-57

    No traduzidos

    BANGERTER, Adrian. Rethinking the Relation Between Science and Common Sense: A com-ment on the Current State of SR Theory p. 58-75

    IBAEZ, Toms. Some Critical Comments about the Theory of Social Representations Dis-cussion of Rty & Snellman p. 76-81

    PEREIRA, G. Resenha conjunta p. 82-101

  • REPRESENTAES SOCIAIS E A FILOSOFIA DA CINCIA: CRENA EM REALISMO ONTOLGICO

    COMO OBJETIVAO*

    John T. Jost (Yale University, EUA)

    Resumo:

    H tempos o trabalho de autoria de Moscovici e colegas a respeito da teoria das re-presentaes sociais considerado relevante para a filosofia e a sociologia da cin-cia, embora poucos estudos realmente explorem a relao interdisciplinar em deta-lhes. Argumenta-se aqui que o conceito moscoviciano de objetivao sustenta uma similaridade estreita com a noo de realismo ontolgico da filosofia da cincia e que a teoria das representaes sociais conduz predio interessante, mas contra-intuitiva, de que as pessoas leigas esto mais propensas a sustentar posies de rea-lismo ontolgico sobre entidades e teorias cientficas do que os especialistas (cien-tistas). Num esforo de aplicar a teoria das representaes sociais a questes da fi-losofia da cincia, so oferecidas seis hipteses para o conhecimento cientfico da psicologia social.

    Uma cincia da realidade, portanto, torna-se uma cincia na realidade neste estgio de sua evoluo torna-se um caso de psicologia social.1 Moscovici, 1961, p. 19

    Embora a fora do compromisso de um grupo varie, com consequncias no trivi-ais, ao longo do espectro, dos modelos heursticos aos ontolgicos, todos os mode-los tm funes similares. Entre outras coisas, eles suprem o grupo com as analogi-as e as metforas preferveis ou permissveis. Kuhn, 1962, p. 184

    Enquanto os debates acerca do realismo filosfico e cientfico entusiasmaram violentamente duran-te sculos, uma noo relativamente recente de que o realismo ontolgico (por exemplo, a crena que a auto-estima realmente existe, ou quarks so reais) resulta, quase epifenomenalmente, de uma representao de um processo lingustico. Talvez o filsofo Ludwig Wittgenstein (1953, 1967, 1980) estivesse entre os primeiros a enfatizar o papel poderoso desempenhado pelas prticas lin-gusticas (ou jogos de linguagem) na construo da realidade. No campo da psicologia social, Wittgenstein argumentou que o realismo mental (a crena de que pensar, por exemplo, um proces-so psicolgico interno real) emerge preponderantemente como resultado da gramtica de nossos conceitos psicolgicos. Em resumo, Wittgenstein proclamou que nossas maneiras de falar sobre a mente conduziu-nos a inventar um mundo que contm entidades e processos mentais.

    Moscovici & Hewstone (1983), embora mais genericamente, fizeram sugesto quase idntica nas suas revises da noo de psicossociologia das representaes sociais. Eles escreveram que:

    Representao tem uma propenso a produzir qualidades e foras que correspon-dem a ideias e palavras -- expressas secamente, para dar vida ontolgica a algo que no mais do que um ser lgico, at mesmo verbal (p. 112).

    * Gostaria de agradecer a William J. McGuire pelos teis comentrios numa verso anterior deste manuscri-to. Original publicado em Papers on Social Representations/Textes sur les reprsentations sociales, v. 1 (2-3), 116-124, 1992. Traduzido por Claudia Helena Alvarenga, Fevereiro de 2011, para uso escolar. 1 Esta passagem foi traduzida do francs por Farr (1984), p. 129.

  • Neste breve paper, argumento que uma consequncia emprica fascinante e contra-intuitiva da teo-ria das representaes sociais de Moscovici que as pessoas leigas esto mais propensas a serem realistas ontolgicas sobre os conceitos e teorias de um determinado domnio cientfico que os pr-prios especialistas (cientistas).

    Teoria das representaes sociais de Moscovici

    Em vrios livros e artigos que abarcam trinta anos (isto , Moscovici, 1961/1976, 1973, 1981, 1982, 1984, 1988; Moscovici & Hewstone, 1983; Farr & Moscovici, 1984), Moscovici e colegas busca-ram desenvolver uma teoria das representaes sociais que uma reformulao psicolgica do conceito durkheimiano de representaes coletivas (Moscovici, 1981, pp. 184-5; 1984, pp. 16-19; cf. Farr, 1984). A teoria, como exposta, capaz de substituir atitudes e cognies sociais como o conceito unificado de psicologia social (Moscovici, 1982). Ainda Moscovici nunca oferea uma de-finio precisa de representaes sociais, ele indica que elas devem ser pensadas como:

    sistemas de valores, ideias e prticas com uma funo dupla: primeiro, estabelecer uma ordem que vai capacitar os indivduos a se orientarem internamente e a domi-nar seu mundo material e, segundo, facilitar a comunicao entre os membros de uma comunidade fornecendo um cdigo para nomear e classificar os vrios aspec-tos do seu mundo, seus indivduos e histria do grupo (1973, p. xiii).

    Jahoda (1988; veja tambm Rty & Snellman, 1992) ressaltou que o trabalho de Moscovici contm impreciso conceitual acerca do termo representaes sociais, que utilizado para se referir a tudo, desde os processos cognitivos do indivduo aos sistemas ideolgicos da sociedade (Moscovici, 1961/1976, 1981, 1984). Foi sugerido que a aparente ambiguidade do conceito deve-se, pelo menos em parte, ao fato de que afirmaes centrais da teoria foram escritas num perodo de vinte e cinco anos (Parker, 1989), embora McGuire (1986) argumente que h uma ambiguidade inerente no uso que os psiclogos fazem do termo social, mesmo longe de sua conexo com a palavra representa-es.

    Algumas das mais claras afirmaes da teoria das representaes sociais, e a rea da pesquisa que mais se mostrou produtiva, considera as representaes que o pblico tem da cincia. A questo norteadora desta pesquisa : O que ocorre com uma disciplina cientfica quando passa dos especia-listas para a sociedade? (Moscovici & Hewstone, 1983, p. 99). O primeiro, e possivelmente mais conhecido, esforo de Moscovici (1961/1976) lidava com a difuso da linguagem psicanaltica na cultura popular. A observao emprica confirmou que o uso de conceitos cientficos foram trans-formados, uma vez que a teoria de Freud tornou-se representada socialmente.

    Filsofos, como Larry Laudan (1977) reconheceram a importncia de trazer questes empricas que incluem o domnio da psicologia social para sustentar a histria e a filosofia da cincia. Laudan cu-nhou o termo sociologia cognitiva da cincia para o estudo da cincia e do conhecimento que predicada na existncia de correlaes determinadas entre o background social de um cientista e as crenas especficas sobre o mundo fsico que ele (ou ela) apiam (1977, p. 217). Ao mesmo tempo, entretanto, Laudan lamentou o fato de que existem poucos estudos que fazem essas conexes de maneira bem sucedida. Argumenta-se aqui que o trabalho de Moscovici sobre representaes soci-ais pode contribuir para os objetivos de uma sociologia cognitiva da cincia ou o que poderia ser chamado de psicologia social do conhecimento cientfico (por exemplo, Gholson et al., 1989). Este uso da teoria de Moscovici parece ser justificado, pois desde seu comeo, a noo de repre-sentao social foi concebida com vistas a estudar como o jogo da cincia faz parte do jogo do sen-

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 2

  • so comum (Moscovici & Hewstone, 1983, p. 101). Farr (1984) nota na sua reviso de literatura em representaes sociais que (a) ligao aqui com estudos em sociologia do conhecimento bvia (pp. 129-130), embora, como Potter & Billig (1992, p. 17) e Ibaez (1992, p. 25) observaram recen-temente, uma ligao que at o momento no foi explorada. Antes de introduzir questes inopor-tunas sobre filosofia e sociologia da cincia, volto-me, agora, para o conceito de objetivao de Moscovici, em que argumento que este proporciona uma maneira proveitosa de entendimento das crenas cientficas no realismo ontolgico.

    O Fenmeno da Objetivao

    De acordo com Moscovici & Hewstone (1983), existem trs grandes processos de transformao por meio dos quais o conhecimento cientfico torna-se parte do senso comum: personificao, figu-rao e ontologizao. Eu deverei abordar, exclusivamente, o terceiro deles, que a tendncia de parte das pessoas leigas de objetivar ou reificar teorias e conceitos cientficos (Moscovici, 1981, 1984). O resultado desta malha uma ontologizao das relaes lgicas e empricas (Moscovi-ci & Hewstone, 1983, p. 112). Os autores tm em mente uma transformao psicossocial do uso pu-ramente representacional ou metafrico de certas teorias e conceitos, feitos por cientistas, em obje-tos concretos que esto imbudos de realidade ontolgica. Por realidade ontolgica, quero dizer simplesmente que eles so assumidos como existentes, como parte do mobilirio fsico e mental do mundo (por exemplo, Putnam, 1982). Em outras palavras, a natureza metafrica dos conceitos modificada. Por exemplo, Moscovici escreve que:

    Neste ponto, o conceito ou entidade, do qual parece emanar, separado de seu ca-rter abstrato e arbitrrio e parece estar dotado de uma existncia autnoma, quase fsica. (1981, p. 200).

    O desfecho desta mudana scio cognitiva que os amadores tendero a alterar as metforas cient-ficas dos especialistas. Portanto, a crena do amador que os conceitos e entidades tericos tm uma existncia fsica, real.

    Para a pergunta, por que esta transformao ocorre, Moscovici d, pelo menos, duas respostas. Pri-meiro, ele argumenta que, para o leigo, a transformao alegada supre a funo psicolgica de redu-zir a incerteza e aumentar a familiaridade com as foras abstratas do mundo fsico e social (Mosco-vici, 1981, esp. pp. 190-2). O processo aquele em que o no familiar feito para parecer familiar:

    Objetivao preenche o conceito de no familiar com realidade, transformando-o num edifcio de blocos de realidade propriamente dito (Moscovici, 1981, p. 198).

    Assim, a objetivao dos conceitos cientficos mencionada por ajudar o pblico a desmistificar a natureza abstrata e filosfica da teorizao cientfica. Ao transformar teoria em realidade, o leigo tambm consegue reduzir os aspectos imprevisveis de seu ambiente. A explicao de Moscovici para o fenmeno da objetivao em termos da reduo da incerteza, situa-o justamente em uma tra-dio de teorizao psicossocial devida, especialmente, ao trabalho de Festinger.

    A segunda explicao de Moscovici para a ocorrncia da objetivao, no entanto, algo menos convencional. Ele apresenta o fenmeno da objetivao como se fosse um artefato inevitvel da gramtica representacional, escrevendo: [A]s palavras fazem mais do que representar coisas; elas criam coisas e passam suas propriedades para elas (1981, p. 202). Dessa maneira, as crenas onto-lgicas podem aparecer quase que automaticamente a partir da linguagem. Moscovici acrescenta que estas representaes so prescritivas, isto , elas se impem a ns como uma fora irresistvel

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 3

  • (1984, p. 9). Seu alvo, eu penso, que os esquemas representacionais so poderosamente capazes de determinar a estrutura do pensamento e da crena.

    Ao ligar crenas ontolgicas, ou crenas sobre a realidade s origens gramaticais ou representacio-nais, Moscovici localiza-se numa posio muito similar de Wittgenstein (1953, 1967, 1980), que mais tardiamente, frisou que devemos nos abster de inventar entidades fsicas e mentais para acom-panhar nossa linguagem de expresso psicolgica e, em vez disso, rejeitar a gramtica que tenta se impor sobre ns (1953, p. 304). Para os propsitos presentes, a sugesto principal que a gramti-ca das teorias cientficas pode conduzir os amadores a acreditarem na existncia de entidades que, para os cientistas, atendem predominantemente a propsitos heursticos. Em outras palavras, a lin-guagem dos cientistas assumida como referncia a objetos fsicos reais. Moscovici escreve que:

    Quando isto acontece, imagens ocupam no mais a posio peculiar entre palavras, que se supem que tenham um significado, e objetos reais, para os quais somente ns podemos dar um significado, mas existem como objetos, so o que significam (Moscovici, 1984, p. 40).

    O fenmeno da objetivao, ento, aparece quando os modelos heursticos dos cientistas so toma-dos por certo na significao de objetos que realmente existem no mundo. O que , pelo menos, moderadamente similar observao de Wittgenstein de que ns, frequentemente, inferimos com base nos jogos que jogamos com a linguagem: os fatos sobre a realidade dos referentes em nossos termos. Entretanto, h uma diferena importante entre Moscovici e Wittgenstein. O primeiro, suben-tende que o uso dos conceitos cientficos pelo leigo distorcido e empobrecido em relao ao dos especialistas, enquanto Wittgenstein enfatiza o grau em que os especialistas filosficos confundem a linguagem ordinria e a metafsica.

    A crena no Realismo Ontolgico

    Moscovici comea ambas as suas afirmaes centrais pelo fenmeno da objetivao com um exem-plo da histria da cincia, relatando a anotao do fsico ingls Maxwell que, o que parece abstrato para uma gerao se torna concreto para a prxima (1981, p. 198; 1984, p. 37). Moscovici vai alm, ao afirmar que a objetivao das representaes sociais que conta em tal processo. Ele at sugere que: Ns deveramos, de fato, aprimorar a afirmao de Maxwell, acrescentando que, o que no familiar e no percebido em uma gerao se torna familiar e bvio na prxima (1984, p. 37). Seja como for, parece claro que a objetivao, para Moscovici, envolve crenas ontolgicas, ou crenas sobre a realidade, como as que os cientistas sustentam. O processo de objetivao, portanto, corres-ponde adoo das crenas cientficas no realismo ontolgico.

    Considero que para Moscovici o aspecto essencial da tendncia em direo objetivao envolve:

    transformar uma abstrao em algo quase fsico, traduzir algo que existe em nossos pensamentos em algo que existe na natureza (Moscovici, 1981, p. 192).

    O conceito de objetivao, ento, refere-se amplamente construo de crenas ontolgicas. um processo em que figuras so transpostas para elementos da realidade (1981, p. 200). Quando o conceito de objetivao aplicado s crenas sobre a cincia, como Moscovici pretende, a crena emergente em algo que existe na natureza equivalente a uma crena em realismo cientfico, ou nos termos de Fraassen (1976), uma atitude epistmica que consonante com realismo.

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 4

  • Roy Bhaskar (1978), um dos principais proponentes do realismo na filosofia da cincia, observou a natureza representacional da descrio cientfica e explorou as consequncias deste fato social para as crenas ontolgicas dos cientistas. Ele escreve que:

    O cientista procura descrever os mecanismos geradores dos fenmenos; mas os re-sultados de sua atividade pertencem ao mundo social da cincia, no ao mundo intransitivo das coisas. Isto significa que est errado falar da explicao de eventos, descrio de mecanismos etc., dada pelos cientistas? No: vale lembrar que o que explicado em um episdio concreto cientfico sempre o evento conhecido sob uma descrio particular. No significa que o evento , ou que ns devamos pens-lo como se tivesse sido, sua descrio. Em oposio, a independncia ontolgica do evento uma condio da in-teligibilidade de sua descrio (p. 190, nfase acrescentada).

    A hiptese moscoviciana, penso, apresenta quase que o oposto. Afirma que os cientistas podem re-finar as suas descries dos mecanismos sem pressupor a existncia real dos seus conceitos ou enti-dades tericas. A independncia ontolgica ocorre somente mais tarde, quando intrusos amadores confundem a fala representacional com a fala ontolgica. Crenas no realismo ontolgico apare-cem, no fora da necessidade filosfica e cientfica, mas fora das tendncias scio cognitivas em direo objetivao.

    Em outras palavras, objetivao o processo que conduz algum para o realismo ontolgico que foi definido da seguinte maneira:

    Realismo ontolgico, com respeito s entidades tericas, a tese que, pelo menos, algumas das entidades descritas pelas teorias cientficas tm existncia real, no mesmo sentido preciso de objetos fsicos (Greenwood, 1989, p. 38).

    Definida dessa maneira, a crena no realismo ontolgico bastante prxima noo de Moscovici de objetivao, que a tendncia de reforar entidades tericas com uma existncia autnoma, quase fsica (1981, p. 200), de assumir que estas existem como objetos (1984, p. 40), e de con-ceder-lhes vida ontolgica (Moscovici & Hewstone, 1983, p. 112). A objetivao ocorre quando as entidades tericas so transformadas em coisas reais. O conceito de Moscovici de objetivao, quando aplicado aos domnios cientficos, quase um sinnimo da atitude epistmica conhecida como realismo ontolgico pelos filsofos da cincia.

    Uma consequncia um tanto surpreendente da teoria das representaes sociais de Moscovici, en-to, que os amadores devem ser mais propensos a serem realistas ontolgicos a respeito das enti-dades tericas do que os cientistas profissionais. Esta uma afirmao surpreendente porque con-tradiz as suposies comuns a respeito do cientistas profissionais que so, em sua grande maioria, realistas acerca de suas teorias e conceitos; e os cticos, os filsofos e as pessoas do povo, so os mais propensos a adotarem posies instrumentalistas. Do ponto de vista da filosofia da cincia, uma predio contra-intuitiva, a de que a crena no realismo ontolgico deva ser mais proeminente entre os leigos que entre os experts.

    Sem utilizar o termo realismo ontolgico, Moscovici e colegas fizeram essa predio. Por exem-plo, Moscovici & Hewstone (1983) afirmaram que enquanto os fsicos podem hesitar na sua cren-a na realidade dos fenmenos materiais como comprimentos de ondas, partculas, campos e buracos negros (p. 112), essa precauo perdia-se quando estas representaes eram comparti-lhadas pelo pblico geral. Os autores tambm citaram como exemplo da objetivao da cincia, a popularizao da pesquisa sobre lateralidade cerebral, o resultado disso a ontologizao do cre-

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 5

  • bro: no somente os contedos de cada hemisfrio foram diferenciados, mas o crebro nico foi substitudo por dois (p. 114). Em ambos os casos, os especialistas so vistos como que falando fi-gurativamente, simplesmente empregando suas analogias e metforas preferidas (Kuhn, 1962, p. 184, citado acima), enquanto os amadores transformam as teorias em afirmaes sobre objetos fsi-cos reais. Crena no realismo ontolgico, nesta viso, emerge de uma tendncia psicossocial em direo objetivao.

    Algumas Hipteses acerca das representaes sociais e da crena na cincia

    A suposio terica mais bsica do tratamento de Moscovici para objetivao que os sujeitos in-trusos esto mais propensos a acreditar na realidade fsica dos constructos cientficos que os cien-tistas. A partir desta noo, podem ser derivadas uma quantidade de hipteses relacionadas com a psicologia social. Comparando as atitudes epistmicas dos cientistas e no cientistas sobre duas dis-ciplinas cientficas (por exemplo, fsica e psicologia), seria possvel determinar se existem diferen-as nas atitudes em direo ao realismo ontolgico dos fenmenos como funo do domnio cient-fico (se est na rea do indivduo especializado ou no). Uma vez que os cientistas profissionais so quase sempre cientistas amadores fora dos campos de suas especializaes (Moscovici & Hewstone, 1983), seria possvel comparar as atitudes dos professores (e alunos graduandos) de cada uma das disciplinas - por exemplo, psiclogos poderiam representar as pessoas leigas para o dom-nio cientfico dos fsicos, enquanto os fsicos poderiam atuar como o grupo de controle amador para os domnios da psicologia. A hiptese bsica de Moscovici que os desempenhos ontolgicos sero mais altos quando um cientista for chamado a fazer julgamentos sobre um campo em que ele ou ela no um especialista. A seguir, devo propor seis hipteses para a cincia da psicologia social fun-damentadas no conceito de Moscovici de objetivao.

    Hiptese Geral:

    Os cientistas esto menos propensos a considerar a realidade fsica de constructos tericos em sua prpria rea de especializao do que em outras reas. Presumivelmente, porque o especialista, dife-rentemente do leigo, aprecia a qualidade heurstica de suas representaes. Uma consequncia em-prica desta viso que os fsicos esto mais propensos a serem realistas sobre entidades e teorias psicolgicas que os psiclogos, enquanto psiclogos esto mais propensos a serem realistas sobre entidades e teorias da fsica que os prprios fsicos. A crena no realismo ontolgico pode, em hip-tese, manifestar-se de, pelo menos, duas maneiras especficas, como so descritas em II e III.

    Verosimilhana de os conceitos tericos referirem-se s entidades reais

    At o ponto provvel que os sujeitos sejam realistas ontolgicos acerca dos fenmenos cientficos, que deveriam julgar a possibilidade de os conceitos tericos referirem-se s entidades fsicas. Uma questo de amostra para o domnio dos fsicos poderia ser: Admitindo como verdadeiro que muitos e vrios fenmenos se comportam como se a matria fosse feita de molculas, ento seria provvel que a matria realmente feita de molculas? (Miller, 1987, p. 355). A segunda hiptese: mais provvel que os cientistas consideraro que seus constructos tericos refiram-se s entidades reais mais profundas em sua rea de especializao do que em outras.

    A Fora da concordncia ou discordncia de afirmaes ontolgicas

    A crena no realismo ontolgico tambm esperada que se manifeste em endossos mais fortes do que suposies ontolgicas, ou suposies sobre a existncia. Os sujeitos poderiam ser perguntados

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 6

  • para indicar seus graus de concordncia em vrias proposies ontolgicas, tais como: O hemisf-rio esquerdo do crebro controla o conhecimento analtico e verbal, enquanto o crebro direito o alicerce do conhecimento perceptivo e global (Moscovici & Hewstone, 1983, p. 114). Os realistas cientficos, presumivelmente, expressariam mais concordncia com tais afirmaes. Portanto, a ter-ceira hiptese que os cientistas concordaro menos (ou discordaro mais) de suposies ontol-gicas em sua prpria rea de especializao do que em outras reas.

    A hiptese descritivista

    No intimamente relacionadas com realismo ontolgico per se, mas possivelmente um diagnstico de objetivao, so as atitudes epistmicas acerca da questo familiar (pelo menos desde Dilthey) da filosofia da cincia, descrio versus explanao. A hiptese que cientistas esto mais propen-sos a ver suas teorias como descritivas, enquanto os no cientistas esto mais propensos a conce-b-las como que servindo a uma funo explanatria. Moscovici & Hewstone (1983) explicitamen-te fazem esta afirmao, observando que h uma passagem quase automtica da descrio para a explanao (p. 113) na popularizao da cincia.

    A F na hiptese da progresso

    A considerao principal da filosofia da cincia ps kuhniana : em que grau um conhecimento ci-entfico acumulativo ou progressivo. As respostas dos cticos, ou relativistas, ou anarquistas, ou construtivistas sociais s: as diferentes teorias cientficas so aceitas amplamente, em pocas diferentes, por causa das foras sociais e polticas que as tornam atraentes para a comunidade atual de cientistas (por exemplo, Barnes & Bloor, 1982; Collins, 1983: Feyerabend, 1975, 1978). De acordo com essas vises, as teorias substituem umas as outras no porque sejam mais verdadeiras ou realistas, mas porque so mais persuasivas para uma comunidade determinada (por exemplo, Knorr-Cetina & Mulkay, 1983; Latour, 1987). O Relativismo, frequentemente, foi rejeitado pelos proponentes do realismo, que declaram que a cincia progride mesmo, e que as teorias que se suce-dem so melhores do que as anteriores primariamente em bases racionais. Assim, em geral, o rea-lismo cientfico deveria estar associado crena de que as teorias so progressivas, ou de que as teorias sucessoras so melhores que as anteriores (puramente) sobre bases cientficas.

    A hiptese presente que cientistas sero mais prudentes, cticos e menos propensos a considerar que as teorias que sucedem so mais verdadeiras que as antecessoras, considerando que os no cientistas percebero mais certeza, consenso e progresso. Moscovici & Hewstone (1983), por exemplo, escrevem: as pessoas leigas tendem a superestimar a certeza e a consistncia da cincia (p. 113). A f dos sujeitos no progresso cientfico pode ser medida perguntando se concordam ou discordam de itens, tais como: Os mecanismos de Einstein requerem que a forma de um corpo uma funo de sua velocidade e isto desaprova a afirmao newtoniana (Worral, 1977). Espera-se que os realistas cientficos (e amadores) ofeream uma sustentao vasta para itens deste tipo.

    A hiptese da socializao profissional

    Todas as relaes empricas acima so concebidas como produtos de ligao da experincia profis-sional e da socializao, e deveriam, portanto, ser crescentemente mediadas de tal modo que se es-perasse que alunos graduandos e cientistas novatos em suas carreiras comportassem mais como no especialistas, isto , exibissem mais sinais da objetivao tais como, a crena no realismo onto-lgico, f no progresso, e o uso explanatrio das teorias do que os alunos ps-graduados avana-dos e cientistas profissionais. Como o indivduo est sujeito aos processos de socializao profissi-

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 7

  • onal, prev-se que ele ou ela evitar cada vez mais o realismo ontolgico e as consideraes pro-gressivas, enquanto utilizar teorias cientficas (em seu domnio) descritivamente e metaforicamente.

    SUMRIO

    Foram propostos seis postulados para a psicologia social das crenas cientficas. Do conceito de objetivao de Moscovici em que figuras so transpostas para elemen-tos da realidade (1981, p. 200), uma quantidade de suposies podem ser geradas sobre o conceito do pblico sobre representaes sociais. Mais importante, as pes-soas leigas so vistas como mais propensas, em relao aos cientistas profissionais, a sustentar crenas cientficas que esto em consonncia com o realismo ontolgico. Se comprovada, essa hiptese poderia contradizer muitas suposies atuais sobre as atitudes epistmicas dos profissionais das cincias.

    REFERNCIAS

    JOST, J. T. Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao # 8

  • UMA CRTICA DO PAPER DE AUTORIA DE J.T. JOST1

    Ivana Markov (University of Stirling, Reino Unido)

    No paper sobre Representaes Sociais e a Filosofia da Cincia: Crena em Realismo Ontolgico como Objetivao, Jost levanta vrias questes interessantes. Primeiro, ele argumenta que o concei-to de objetivao de Moscovici fortemente similar noo filosfica de realismo ontolgico. Se-gundo, Jost afirma que a teoria das representaes sociais conduz predio contra-intuitiva de que as pessoas leigas esto mais propensas a sustentar posies de realismo ontolgico do que os espe-cialistas. Finalmente, Jost postula seis hipteses baseadas na afirmao anterior. Na minha crtica ao paper de Jost, primeiramente, irei apresentar brevemente as posies do realismo ontolgico e das representaes sociais em relao ontologia e epistemologia. Ento, ocupar-me-ei das trs ques-tes acima.

    1. OBJETOS NO MUNDO E COGNIO.

    O assunto que essencial para a discusso, a seguir, o da relao entre objetos no mundo e cogni-o humana. nesta questo que o realismo ontolgico se contrasta radicalmente tanto do empiris-mo como do idealismo transcendental (Bhaskar, 1978, p. 25).

    De acordo com o empirismo, por exemplo, na variao de Hume, o mundo consiste em fatos ato-msticos e estes so os objetos fundamentais da experincia. Mais genericamente, o empirismo pos-tula uma ontologia de fatos atomsticos e discretos, e entende os fenmenos complexos como que constitudos de conjunes de tais eventos discretos e atomsticos. Estes fatos atomsticos so os objetos de sensaes de um indivduo e, portanto, de conhecimento. Entretanto, tal posio que ten-ta transpor questes ontolgicas, isto , questes sobre a qualidade de ser dos objetos em questes epistemolgicas, isto , questes sobre o conhecimento de tais objetos, Bashkar argumenta, uma falcia epistemolgica. errado reduzir questes ontolgicas a epistemolgicas.

    De acordo com o idealismo transcendental, em particular nas formas kantianas e neo-kantianas, mesmo falando ontologicamente, existe um mundo real de objetos, este mundo est disponvel aos seres humanos apenas como fenmeno, isto , apenas por meio de seus sistemas cognitivos. Depen-dendo do tipo de cognio que os humanos possuem, o mundo real pode aparecer para eles tanto nesta ou naquela forma. Uma vez que o mundo real dos objetos est disponvel aos conhecedores apenas por meio do filtro de suas cognies, impossvel descobrir se o mundo real dos objetos corresponde ao mundo fenomenal disponvel para as pessoas via seus sistemas cognitivos. Em ou-tras palavras, o mundo real desconhecido e, portanto, uma vez mais, perguntas de natureza onto-lgica so reduzidas a perguntas de natureza epistemolgica.

    O realismo ontolgico rejeita a posio que reduz ontologia epistemologia e que, assim, torna im-possvel a cincia real. Em vez disso, afirma que os objetos no mundo so estruturas reais que re-sistem e operam independentemente do nosso conhecimento, da nossa experincia e das condies que nos permitem acesso a elas (Bhaskar, 1978, p. 25). A cincia s possvel apenas porque os objetos do conhecimento so independentes dos conhecedores e devem ser tratados como tal (ibid., p. 190). Ainda assim, so passveis de serem conhecidos (ibid., p. 192). Como j assinalado, Ba-

    1 Ongoing Production on Social Representations Productions Vives sur les Reprsentations Sociales, vol. !(2-3), 125-129, 1992. Traduo de Claudia Helena Alvarenga, Fevereiro de 2011, para uso escolar.

  • shkar enfatiza que uma falcia epistemolgica reduzir ou analisar afirmaes sobre o ser, isto , reduzir afirmaes ontolgicas s afirmaes epistemolgicas (ibid. p. 36). Alm do que, ele susten-ta que o realismo ontolgico no uma teoria do conhecimento ou da verdade, mas do ser da exis-tncia (Bhaskar, 1986, p. 6). Ele elabora sobre sua prpria afirmao, a seguir:

    uma posio realista em filosofia da cincia (natural) consistir, antes de tudo, de uma teoria sobre a natureza do ser, mais do que do conhecimento, dos objetos in-vestigados pelas cincias - para o efeito de que resistem e operam independente-mente da atividade humana e, por isso, de duplo sentido - experincia e pensamen-to (Bhaskar, ibid. p. 6).

    Definido dessa maneira, o realismo ontolgico ope-se tanto ao racionalismo quanto ao empirismo que definem o ser em termos de razo ou experincia, respectivamente. O realismo ontolgico, claro, tem implicaes importantes para a teoria do conhecimento e, de fato, uma das ocupaes principais dos cientistas sociais, que so realistas ontolgicos, na explorao destas implicaes. Por exemplo, quais so as propriedades dos objetos sociais (em contraste com objetos naturais)? Em que medida podem ser estudados da mesma maneira como os objetos naturais? (por exemplo, Bhaskar, 1979). As entidades sociais so ontologicamente independente das pessoas? As sociedades podem ser ontologicamente reduzidas s pessoas? E assim por diante.

    Em contraste com a teoria filosfica do realismo ontolgico, a principal considerao, que ontolo-gia, a teoria das representaes sociais est preocupada com questes epistemolgicas: uma teoria social do conhecimento (Moscovici, 1987; Markov e Wilkie, 1987). Como tal, ocupa-se dos pro-cessos psicolgicos e sociolgicos que facilitam e interferem na formao e manuteno de ima-gens, conceitos e crenas das pessoas; com os processos pelos quais as pessoas constroem os fen-menos naturais e sociais, incluindo as entidades cientficas; com as questes de como as representa-es sociais fazem emergir novas representaes. Para fazer isto, as pessoas tentam ajustar os fe-nmenos novos, ameaadores e no familiares aos padres de pensamento e comportamento exis-tentes. Uma vez criadas, as representaes existem independentemente de seus criadores: elas ad-quirem sua prpria realidade ontolgica. Como Moscovici afirmou: elas tm sua vida prpria, cir-culam, fundem-se, atraem-se ou se repelem-se mutuamente... (Moscovici, 1984, p. 13).

    A noo de objetivao est relacionada com processo pelo qual os fenmenos abstratos e inicial-mente no familiares tornam-se parte da cultura rotineira. Por exemplo, conceitos cientficos, como os de evoluo, de campo magntico, de psicanlise etc. originariamente usados por profissionais em um dado campo de especializao. Entretanto gradativamente eles se tornam parte do currculo educacional, da linguagem diria, das imagens usadas pela mdia de massa e das pessoas leigas. Uma vez que foram objetivadas, so tomadas como verdades, assim como outras ideias e imagens que as pessoas usam, tal como as do meio ambiente fsico, isto , rvores, cidades, pedras e trens.

    Ento, qual a relao, na teoria das representaes sociais, entre os objetos no mundo e cognio? De fato, a teoria das representaes sociais nada diz sobre este assunto porque esta no sua ocupa-o. Sua ocupao somente com os objetos do conhecimento, isto , com as questes epistemol-gicas, mas no com a existncia dos objetos como tal. No est ocupada com a questo filosfica ou se os objetos reais que so antecedentes das representaes sociais, realmente existem.

    2. OBJETIVAO E REALISMO ONTOLGICO

    MARKOV, I. Uma crtica do paper de autoria de J.T. Jost# 2

  • O que Jost afirma uma forte similaridade entre objetivao e realismo ontolgico o que, em meu entender, apenas um tipo de similaridade superficial baseada em nada mais do que uma afirmao que pode ser expressa, tanto pelo realismo ontolgico, quanto pela objetivao, como a seguir: X tem uma existncia independentemente dos seres humanos. Entretanto, uma vez que ns experimen-temos especificar X, a similaridade termina. Para o realismo ontolgico, X ou Xs so objetos reais, e alguns so entidades tericas (cf. Greenwood, 1989, citado por Jost, p. 8). As entidades tericas po-dem ser objetos reais ou representar as estruturas reais dos objetos, no sentido de que elas so as estruturas reais dos objetos. So conhecidas e conhecimento um processo social. Para a objetiva-o X no tem nada a ver com objetos reais porque Xs so representaes sociais, isto , conceitos, imagens, crenas e ideias construdas socialmente e compartilhadas socialmente.

    Em vez de ficar focando na similaridade presumida entre realismo ontolgico e objetivao, deve-mos ressaltar suas diferenas essenciais. Os objetos de anlise do realismo ontolgico so objetos reais no mundo. Estes so independentes do conhecimento. Os objetos de anlise das representaes sociais no so objetos reais no mundo, mas objetos do conhecimento.

    Tanto para o realismo ontolgico quanto para as representaes sociais, objetos do conhecimento so dependentes dos conhecedores. Tanto para o realismo ontolgico quanto para a teoria das repre-sentaes sociais conhecimento um processo social. Para o realismo ontolgico, os constructos cientficos so produtos da cincia. Cincia uma atividade social cujo alvo a produo de co-nhecimento dos tipos e maneiras de agir de coisas ativas e que existem independentemente (Bhaskar, 1978, p. 24). Esta questo, entretanto, no mencionada por Jost.

    Quando se fala da independncia das representaes sociais das pessoas, trata-se de um tipo dife-rente da independncia ontolgica dos objetos. A independncia das representaes sociais apenas secundria. Representaes sociais so uma forma de conhecimento social e, como tal, foram cria-das pelas pessoas e a sua independncia, por meio da objetivao, apenas um como se. o resul-tado de se tornarem uma parte da realidade social, uma parte de algo dado como certo. Sua inde-pendncia , assim, apenas metafrica. Uma vez que se tornaram um assunto em foco de conscin-cia, sua independncia est perdida. Podem ser questionadas, desafiadas e, por fim, modificadas, assim como qualquer tipo de conhecimento que se desenvolve e se modifica.

    Sob a viso do que foi dito at agora, existiria uma forte similaridade entre objetivao e realismo ontolgico? Esta pergunta no passvel de resposta porque os dois conceitos no so comparveis. Pertencem a diferentes categorias. O realismo ontolgico se ocupa da ontologia. Objetivao um termo epistemolgico.

    3. OS AMADORES SO MAIS PROPENSOS A SEREM REALISTAS ONTOLGICOS QUE OS CIENTISTAS?

    De acordo com Moscovici (1984), existe uma diferena fundamental entre cincia e representaes sociais. A cincia pertence ao denominado, ao universo reificado. Seu propsito entender as natu-rezas dos objetos e eventos existentes independentemente dos indivduos humanos. Em contraste, as representaes sociais ocupam-se do universo consensual. Os mtodos do cientista e do pblico, de acordo com Moscovici, so diferentes. Enquanto o primeiro se caracteriza pela imparcialidade, o ltimo se caracteriza por valores e senso comum.

    Jost (p. 8) apresenta a seguinte citao de Bhaskar (1978):

    O cientista procura descrever os mecanismos geradores dos fenmenos; mas os re-sultados de sua atividade pertencem ao mundo social da cincia, no ao mundo intransitivo

    MARKOV, I. Uma crtica do paper de autoria de J.T. Jost# 3

  • das coisas. Isto significa que est errado falar da explicao de eventos, descrio de mecanismos etc., dada pelos cientistas? No: vale lembrar que o que explicado em um episdio concreto cientfico sempre o evento conhecido sob uma descrio particular. No significa que o evento , ou que ns devamos pens-lo como se tivesse sido, sua descrio. Em oposio, a independncia ontolgica do evento uma condio da in-teligibilidade de sua descrio (p. 190, nfase acrescentada por Jost).

    Esta citao que Jost faz na p. 8 no se ocupa das crenas ontolgicas dos cientistas, como Jost pa-rece considerar. Seria mais bvio para o leitor que a citao comeasse duas ou trs frases anterio-res. Bhaskar estabelece, na citao, que para um cientista ser capaz de conduzir uma explorao ci-entfica at o fim deve haver um mundo ontologicamente independente de eventos que podem ser inteligivelmente descritos. Ele est ocupado com o argumento de que, embora os objetos no mundo sejam independentes do conhecimento, significativo continuar com a tarefa da cincia. Entretanto, a citao no tem nada a ver com a questo de se o cientista realmente acredita em uma tal indepen-dncia dos objetos. Portanto, um tipo de pergunta diferente da que foi colocada pela teoria das re-presentaes sociais. Assim, no pode ser comparada com quaisquer das hipteses de Moscovici (cf Jost, p. 8).

    Agora, esquecendo as incompatibilidades das representaes sociais com o realismo ontolgico, vamos considerar a predio de Jost, a respeito das crenas ontolgicas dos cientistas e das pessoas leigas. Jost afirma que provem da teoria das representaes sociais que os amadores deveriam estar mais propensos a serem realistas ontolgicos sobre as entidades tericas que os cientistas profissio-nais e que esta predio contra-intuitiva.

    Entretanto, devo argumentar que, do ponto de vista da teoria das representaes sociais, tal afirma-o no contra-intuitiva, de modo algum. E isto pelas seguintes razes. Se eu sou um especialista em como se comportam carros em diferentes estradas e se eu dirigir um carro numa estrada real-mente ruim, eu deverei ser muito mais sensvel s diferenas na estrada por onde passam diferentes tipos de carro do que se eu for uma pessoa leiga que tomaria os mecanismos e funcionamento do carro por certos. Analogamente, se eu sou um cientista numa rea especfica, devo estar muito mais profundamente atento natureza problemtica do assunto do que se eu for um leigo que apenas co-nhece superficialmente a existncia do fenmeno em questo. Esta maneira de pensar corresponde precisamente noo de Moscovici de que cientistas e leigos diferem na maneira de pensar, como mencionado no incio desta seo. Uma vez que os cientistas so altamente cnscios da natureza problemtica do fenmeno, menos provvel que ele ou ela venha a tratar constructos tericos como ontologicamente reais. Em contraste, a pessoa leiga, de acordo com a teoria das representa-es sociais, no confia tanto em seu prprio pensamento racional, mas tende a aceitar, por meio da objetivao, conceitos e ideias prontos. Este processo , frequentemente, apenas semiconsciente ou mesmo inconsciente. De acordo com a teoria das representaes sociais, crenas na realidade onto-lgica dos fenmenos so associadas falta de ateno, em vez de uma grande ateno. Portanto, enquanto eu concordo com Jost sobre a predio que provm da teoria das representaes sociais, amadores deveriam estar mais propensos a serem realistas ontolgicos sobre as entidades tericas que os cientistas profissionais, eu discordo que seja contra-intuitiva. Qui a minha viso seja al-tamente intuitiva.

    HIPTESES BASEADAS NO CONCEITO DE OBJETIVAO DE MOSCOVICI.

    MARKOV, I. Uma crtica do paper de autoria de J.T. Jost# 4

  • Considero a primeira, a segunda e a terceira hipteses muito parecidas umas com as outras e todas j esto includas na ltima frase do pargrafo anterior. Elas derivam da discusso acima e no so realmente surpreendentes. As hipteses quatro, cinco e seis talvez pudessem ser testadas empirica-mente.

    REFERNCIAS

    MARKOV, I. Uma crtica do paper de autoria de J.T. Jost# 5

  • A MSCARA DO REAL - CRTICA A JOST1

    Fran Elejabarrieta (Universitat Autnoma de Barcelona, Espanha)

    O artigo de Jost tem a coragem de sugerir problemas complexos e importantes sobre conhecimento e feito sob uma proposta simples: amadores deveriam estar mais propensos a serem realistas on-tolgicos sobre as entidades tericas que os cientistas profissionais. Esta proposta poderia ser abordada desde uma perspectiva epistemolgica at uma perspectiva quase emprica, semelhante adotada pelo autor. Alm disso, no mbito das abordagens alternativas, alguns tpicos ou debates tradicionais deveriam emergir, como a posio realista crtica do conhecimento cientfico em oposi-o ao idealismo ou em oposio ao construtivismo, a relao entre conhecimento do senso comum e conhecimento cientfico, ou ainda, os mais recentes como, o status ontolgico da noo de uma representao social. Apesar disso, na discusso de Jost, alguns aspectos so habilmente evitados e alguns outros contribuem para, e provocam, o debate.

    Neste debate, gostaria de lidar com aqueles aspectos evitados e/ou problemticos: (1) examinar al-guns aspectos da relao entre cincia e senso comum, e a posio das representaes sociais; e (2) lidar com a noo da representao social relacionada a vrias posies e opes considerando o conhecimento cientfico, especialmente nas cincias sociais.

    ENTRE CINCIA E SENSO COMUM

    Existem diferentes escolas do pensamento e existem discursos diferentes: religioso, do cotidiano, cientfico... Cada um tem suas caractersticas, suas implicaes e seus sistemas de proteo. Por exemplo, Deconchy (1980) demonstrou com percia que proteger um sistema de conhecimento ba-seado na ortodoxia como o conhecimento religioso de suas contradies com o conhecimento cientfico so utilizadas a regulao social e o controle intergrupal. Do mesmo modo, no conheci-mento cientfico, a busca pela diferenciao do senso comum parece ser endgena sua produo. A relao entre esses sistemas de conhecimento e o senso comum muito mais problemtica; entre outras coisas, porque mesmo que nos coloquemos em um nvel religioso, cientfico ou outro qual-quer do discurso, o conhecimento do dia-a-dia inevitvel. Ns todos estvamos acostumados a escrever com uma caneta e mais recentemente usamos computadores. Este ponto, especialmente, refere-se ao humano e as cincias sociais, e ao dilema do sujeito e objeto.

    Nessa fenda, entre cincia e senso comum, tambm emerge o interesse em analisar suas influncias e conexes. Primeiro, h duas perspectivas: como o conhecimento dirio inevitvel e prtico tem uma influncia na produo do conhecimento cientfico, e vice-versa, como o conhecimento cient-fico influencia e se torna senso comum. Penso, de fato, que seja interessante aqui caracterizar bre-vemente ambas as perspectivas para que possamos enxergar a posio das representaes sociais.

    A primeira perspectiva foi originalmente estudada nas cincias sociais por Schutz (1962, 1966) como um problema na sociologia do conhecimento, mas sua iniciativa no teve muitos seguidores. Os trabalhos de Foucault (1975, 1976) na constituio dos sistemas de pensamento e instituies sociais tambm podem ser analisados pela mesma veia, para finalmente chegar ao que sugerido

    1 Ongoing Production on Social Representations Productions Vives sur les Reprsentations Sociales, vol. !(2-3), 130-138, 1992. Traduo para uso escolar realizada por Claudia Helena Alvarenga, Fevereiro de 2011.

  • por Laudan (1977) e outros, Jost, dentre eles. Mas afora estas contribuies, os trabalhos so raros, embora sua necessidade, mesmo em psicologia social (Michael, 1989) seja frequentemente defendi-da, como Jost o faz. Ns no incluiremos aqui os trabalhos da sociologia da cincia (Merton, 1973; Zuckerman, 1988) uma vez que seus objetivos so os de estudar as condies sociais, os processos e as consequncias da produo do conhecimento cientfico. Nem incluiremos tpicos epistemol-gicos de tipo sociolgico e psicolgico como formulado por Kuhn (1970) ou Feyerabend (1975), por exemplo, uma vez que seus objetivos so a anlise do status do conhecimento cientfico e de sua produo, embora levem em considerao aspectos sociolgicos implcitos ou adotem atitudes extremamente construtivistas (Latour, 1987; Knorr-Cetina, 1981).

    Tradicionalmente, a segunda perspectiva foi estudada mais continuamente e frutiferamente, pelo menos, com relao quantidade de trabalhos. Por um lado, a sociologia da cincia est interessada nos efeitos que a cincia provoca na sociedade; de outro lado, uma das reas de aplicao da teoria das representaes sociais a anlise da propagao e da transformao do conhecimento em senso comum, entre os quais o conhecimento cientfico (Jodelet, 1984, 1989). nesta rea de aplicao que a noo e que a primeira teorizao das representaes sociais aparece (Moscovici, 1961/76), e tambm onde o trabalho de Jost se situa.

    Os trabalhos mais recentes de Moscovici & Hewstone (1983, 1984) sobre este tpico tentam siste-matizar os processos implcitos na transformao e na reciclagem do conhecimento cientfico em conhecimento dirio: personificao, figurao e ontologizao. Embora os contedos do trabalho de Jost se refiram somente aos ltimos desses processos, generalizados como objetivao, a perso-nificao tambm digna de ser comentada.

    Em alguns trabalhos que lidam com a teoria das representaes sociais, especialmente em alguns mais crticos, no usual encontrar expresses, tais como: a teoria das representaes sociais de Moscovici. Penso que temos que reconhecer a grande contribuio de Moscovici como precursor e instigador mais inovador desta teoria, assim como de outros campos importantes da psicologia soci-al (influncia social, decises grupais, etc.), e tambm sua grande defesa da teorizao da psicologia social. Entretanto, penso que essa associao entre a teoria e a pessoa contribui pouco para a evolu-o da teoria, e no reconhece a importncia cientfica do trabalho de Moscovici. Do meu ponto de vista, o melhor reconhecimento escrito que pode ser dado a ele, como uma pessoa, defender o desenvolvimento da teoria evitando uma personificao desnecessria, a menos que se queira recor-rer a um tipo de psicologia do conhecimento cientfico e atribuies internas.

    Retornemos aos contedos. O uso da teoria das representaes sociais (TRS) para analisar a trans-formao do conhecimento cientfico em senso comum considerada como parte da aplicao desta teoria. Argumenta-se que o processo de objetivao transforma conceitos em imagens e teorias em representaes que se tornam realidade social (Moscovici & Hewstone, 1983, 1984). Essas repre-sentaes so o que, finalmente, enxergamos, o que ouvimos e sobre o que falamos. Do mesmo modo que amor, paz e infncia so construes sociais de um conhecimento compartilhado, o tema social e crebro tornam-se coisas que existem e a respeito das quais conversamos. Assim, poss-vel identificar os processos de construo das representaes dos objetos cuja origem encon-trada na produo do conhecimento cientfico - com a representao dos objetos cuja origem se si-tua dentro da dinmica social. Penso que essa identificao problemtica devido a duas razes muito diferentes: a existncia de uma referncia objetiva e a mediao tecnolgica.

    (1) Quando estudamos a representao social de um objeto no temos nossa disposio qualquer referncia objetiva inicial que nos permita estabelecer um deflagrador da representao. A origem

    ELEJABARRIETA , F. A Mscara do Real - Crtica a Jost$ 2

  • da representao social pode ser localizada em problemas prticos que desencadeiam a dinmica social defronte a determinados objetos. O interesse no estabelecer algum tipo de correspondncia entre o objeto social representado e uma possvel referncia objetiva. Por exemplo, o amor uma mistura de significados e imagens que ns atribumos a esta palavra. Em nosso cotidiano, ns ve-mos o amor entre casais ou entre pais e filhos, e a anlise da representao social do amor a an-lise de como este se compe, no que implica e para quem esta coisa, que em nossa cultura conside-ramos ser o amor, . Assim, o que o amor representa socialmente representado como amor. Ne-nhuma referncia objetiva existe que nos permita estabelecer alguma comparao com o amor. Quando estamos ocupados com objetos materiais, o problema permanece o mesmo porque mesmo tendo um ponto de referncia, este ponto de referncia no objetivo.

    No podemos dizer o mesmo das representaes sociais de objetos advindos da produo do conhe-cimento cientfico. A representao social da relatividade, por exemplo, relatividade, presumin-do que haja uma representao de relatividade. Entretanto, fugir da comparao com a teoria fsica da relatividade extremamente difcil. Na transformao do conhecimento cientfico em conheci-mento do senso comum difcil evitar a comparao entre o objeto original, o cientfico, e o seu produto social, que a representao. Esta comparao, que em outros campos das representaes sociais absurdo, conduz, s vezes, a considerar estas representaes como reprodues distorcidas do objeto original. verdade que Moscovici e Hewstone (1983, 1984) nos avisam deste perigo, mas o ponto central : possvel evit-las? Se for, como?

    Se olharmos para este ponto, em termos de objeto cientfico versus objeto social, acredito que at o momento no temos mtodos para evitar esta comparao. Embora no pensemos que o objeto no plano cientfico devesse ser comparado com o objeto representado mais tarde, e embora nossa preo-cupao seja saber como a representao de um objeto cientfico especfico gerado e do que fei-to, independentemente de como o conhecimento cientfico o descreve, encontramo-nos no ponto em que comeamos. Esta comparao no seria importante se no afetasse as possibilidades de perma-necer no campo conceitual da teoria. Mas ns mal podemos mant-la no campo da teoria.

    De fato, se sustentarmos que as representaes so tanto construtivas quanto reconstrutivas dos ob-jetos, ento em termos sociais a fsica no o que o conhecimento dos fsicos, propriamente dito, diz sobre a fsica, mas a representao social da fsica. Alm disso, esta representao no pode ser comparada ao objeto do conhecimento cientfico que define a fsica em si. Seus arranjos de produo e performance so radicalmente diferentes e, portanto, incomparveis. O fato de que o objeto cientfico precede o objeto representado e, portanto, sua razo de ser no justifica sua comparabilidade. Poderamos afirmar, da mesma maneira, que o objeto de referncia da atual repre-sentao de amor deveria ser o amor romntico do sculo XIX? De outro lado, ao comparar o objeto social com o objeto cientfico, e no vice-versa, introduzimos critrio de valor e verdade que destri um foco tpico da TRS.

    Assim, de uma perspectiva da TRS, no faz sentido comparar as proposies usadas pelos fsicos e amadores sobre fsica, embora empiricamente seja possvel. No estamos ocupados aqui com as mesmas proposies embora metodologicamente possamos projetar um artifcio que poderia re-tratar ambas nem as mesmas condies de produo, nem o mesmo sistema de conhecimento. Ento, como saberemos o que estamos comparando?

    No pretendo sustentar que o estudo da transformao do conhecimento cientfico em senso comum possa ser tomado apenas por meio do campo da TRS. Acredito ser necessrio modificar uma abor-dagem que considera o objeto cientfico como ponto de referncia de comparao. Comparar dois

    ELEJABARRIETA , F. A Mscara do Real - Crtica a Jost$ 3

  • produtos construdos em sistemas diferentes de conhecimento no simplesmente a comparao dos produtos. a comparao entre sistemas de pensamento e isto est alm da aplicao das TRS. Analisar a propagao, a transformao e a gerao destas representaes dos objetos que podem, primeiramente, ser encontrados na cincia realmente o campo da TRS. Ento, o objeto cientfico no o objeto de nossa anlise, mas um acidente produzido fora de nossa esfera de influncia.

    (2) Mediao Tecnolgica. o conhecimento cientfico que se propaga e se transforma socialmen-te em senso comum? Eu tenho a impresso que a tecnologia mais do que o conhecimento cient-fico que invade a sociedade. Se no fosse pela aplicao tecnolgica, o valor social da cincia, e a estranheza e a curiosidade que provocam, seriam bem menores. Como Wittgenstein disse acerca da poesia, poderamos dizer que, socialmente, um discurso cientfico sem tecnologia, seria uma lin-guagem de frias.

    Quem estaria interessado em conhecimento cientfico se no tivesse alguma aplicao? Parece que os jornais, revistas, televiso etc. espalham conhecimento cientfico. Na realidade, grande parte desta divulgao tecnologia. Em nossa sociedade, a cincia nos diz a verdade sem dizer o que verdadeiro. A tecnologia pressupe isto e este o motivo pelo qual a cincia alcana valor social.

    Se o nosso interesse na transformao social do conhecimento cientfico, o objetivo da anlise de-veria repousar mais na direo da tecnologia que na direo do conhecimento cientfico, propria-mente dito. O trabalho de Grize et al. (1987) um bom exemplo emprico deste interesse. De outro lado, os trabalhos de Schiele (1983), e Schiele & Jacobi (1988), apontam na direo de uma anlise da transformao-propagao do conhecimento cientfico, que estuda como a cincia apresentada e divulgada em museus, para dar um exemplo. Isto para dizer como estas so transformadas soci-almente, o que me parece excessivamente sugestivo, e o que uma alternativa muito interessante de resolver o problema de como dispensar o objeto cientfico e estudar os processos sociais de sua transformao.

    OS REALISTAS E SUAS MSCARAS

    De acordo com Jost, a definio de Greenwood (1989) para realismo ontolgico quase sinnimo do processo de objetivao descrito por Moscovici (1961/76, 1981, 1984). Portanto, se a TRS est correta, amadores deveriam ser mais realistas ontolgicos do que os cientistas por direito prprio. Acredito que esta hiptese e suas derivaes implicam em dois problemas: (1) O que consideramos ser realismo ontolgico e (2) a prova prtica. O primeiro problema se refere s hipteses I, II, III e IV sugeridas por Jost. O segundo, hiptese V.

    Greenwood (1992) recentemente sugeriu que as alternativas epistemolgicas em psicologia seriam: empirismo, realismo e construtivismo social. Esta classificao pareceria ser apropriada, embora na caracterizao de cada alternativa elementos diferentes devessem ser considerados. Empirismo, a que chamaramos instrumentalismo, uma disposio prtica a respeito das teorias e sua diferena para o realismo, ou para o construtivismo social basicamente epistemolgica. Como uma disposi-o prtica uma posio muito homognea. Em psicologia provavelmente muitas pesquisas so realizadas a partir de uma posio instrumentalista em que os dados empricos so importantes e representam a nica verdade. O construtivismo radical (Gergen, 1985, Ibaez, 1991) tambm pode ser considerado uma posio relativamente homognea. O mesmo no pode ser dito para o realis-mo, que como uma posio epistemolgica, mais heterogneo. O realismo crtico de Bashkar (1978, 1989), por exemplo, difere consideravelmente do realismo de Popper (Newton-Smith, 1981) ou de um realismo ingnuo (Chalmers, 1976; Maze, 1991).

    ELEJABARRIETA , F. A Mscara do Real - Crtica a Jost$ 4

  • Aqui iremos tomar a posio realista que mais se aproxima da psicologia social (Bhaskar, 1989; Greenwood, 1992: Harr, 1986; Manicas e Secord, 1983). Como Shotter (1992) sugere, estes auto-res subscreveriam a proposta de que o conhecimento construdo histrica e socialmente. Uma perspectiva realista no se ope a esta proposta e no nos obriga a aceitar uma posio construtivis-ta. As diferenas entre realismo e construtivismo so menos epistemolgicas do que ontolgicas, e acima de tudo, elas se confrontam quanto a possibilidade da verdade e independncia das teorias, da realidade. De fato, a relao da teoria com a realidade que ambas as alternativas podem ser dife-renciadas. No se contra argumentou que a realidade social uma realidade construda socialmente, a discordncia est na possibilidade de definir teorias verdadeiras que expliquem esta realidade. A TRS no aceitvel para o construtivismo porque aspira exatamente isto, ser uma teoria cientfica sobre a construo do conhecimento do senso comum.

    Uma posio epistemologicamente realista no se ope a TRS. Entretanto, Jost sugere que se acei-tamos TRS, ento, cientificamente, no podemos adotar uma posio realista. O problema principal no se encontra nem no realismo epistemolgico nem no realismo ontolgico, mas no uso que Jost faz do fisicalismo como se fosse realismo ontolgico.

    De fato, a hiptese de Jost est baseada mais em fisicalismo do que em uma atitude epistemologi-camente realista. No h necessidade de que uma posio realista assuma a realidade fsica de constructos tericos (hiptese I, e como desdobramento, hipteses II e III). O que mais fisicalis-mo do que realismo ontolgico. O realismo considera a existncia de objetos independentes dos conceitos tericos, o quais so usados para os descrever. Entretanto, estes objetos no tm que ser necessariamente fsicos, eles podem ser psicolgicos e sociais (Greenwood, 1992). Tendo isto em mente, no acredito que seja possvel identificar o processo de objetivao com o realismo ontol-gico. O processo de objetivao refere-se transformao, seleo e configurao do conhecimento rotineiro negociado na realidade social. Resumindo, o conceito de objetivao lida com o estabele-cimento de uma descrio que relaciona uma srie de fenmenos a tais entidades relativas as quais ns podemos, ou no, manter uma posio epistemologicamente realista. O mesmo pode, prova-velmente, ser feito pelos fsicos com o assunto ou com o efeito tnel.

    O segundo ponto importante que as hipteses de Jost sugere para mim, que a hiptese V pode es-tar correta, mas por razes diferentes das que ele apresenta. muito provvel que os cientistas se-jam mais cticos sobre suas teorias do que os amadores a respeito do conhecimento cientfico. Igualmente, muito provvel que neste ltimo grupo perceba-se um maior consenso, certeza e pro-gresso do que o admitido pelos cientistas. Entretanto, duvidoso que isto seja decorrente de uma identificao entre realismo e objetivao.

    Em minha opinio, o ceticismo dos cientistas uma consequncia do colocar em prtica uma atitu-de instrumentalista, ignorada pelos prprios cientistas. Muitos cientistas que trabalham em seus la-boratrios no esto ocupados com assuntos epistemolgicos. A hiperespecializao da cincia le-vou o trabalho cientfico a se tornar uma tarefa de refinamento em que as digresses filosficas no tm espao. Por sua parte, a distribuio social da cincia, independente da posio epistemol-gica que adotamos, enquadra-se no slogan quanto mais voc publica, mais voc valorizado. Provavelmente so estes dois fenmenos que levam a comunidade cientfica a sustentar uma posi-o instrumentalista. Entretanto, isto no decorrente da adoo de uma posio que considera o conhecimento cientfico, mas de uma forma especfica de trabalho cientfico.

    Alis, os cientistas no so relativistas por convico, so instrumentalistas por condio. Alm disso, seria esta condio instrumentalista, independente dos aspectos epistemolgicos, que levaria

    ELEJABARRIETA , F. A Mscara do Real - Crtica a Jost$ 5

  • ao relativismo. De fato, certos testes apresentados por estudantes universitrios nos anos finais de seus estudos sugeriram que suas posies epistemolgicas poderiam ser caracterizadas como pr-galileanas. Se este foi o caso para estudantes universitrios de cincia, como poderamos denominar a epistemologia do senso comum?

    ELEJABARRIETA , F. A Mscara do Real - Crtica a Jost$ 6

  • EM DEFESA DA PSICOLOGIA SOCIAL DA CINCIA (UMA TRPLICA A MARKOV E ELEJABARRIETA)1

    John T. Jost (Yale University, EUA)

    Qual a relao entre cincia e filosofia? Elas competem entre si ou falam de mun-dos diferentes? Nenhuma das posies aceitvel. (Roy Bhaskar, 1979, p. 5)

    Em uma questo recente deste peridico, argumentei que a teoria das representaes soci-ais, quando aplicada a questes relevantes para a psicologia da cincia, conduz predio de que amadores estaro mais propensos do que os cientistas a acreditarem no realismo ontolgico das entidades e teorias cientficas (Jost, 1992). Esta hiptese deriva dos escritos de Moscovici a respeito da difuso dos conceitos cientficos em linguagem comum, especi-almente o processo de objetivao em que entidades tericas abstratas so dotadas de propriedades concretas e reais pelo pblico de massa (por exemplo, Moscovici, 1981, 1984). Moscovici & Hewstone (1983) aplicaram esta anlise de objetivao e representao social especialmente ao domnio das crenas cientficas, desenhando comparaes entre as dos amadores e cientistas profissionais. Por exemplo, eles observaram que:

    Certos fsicos vo to longe a ponto de hesitar a respeito de sua crena na realidade dos fenmenos materiais como comprimentos de ondas, partculas, campos e buracos negros. Representao tem uma propenso de produzir qualidades e for-as que correspondem s ideias e palavras -- expressas secamente, para dar vida ontolgica a algo que no mais do que um ser lgico, at mesmo verbal (p. 112).

    Parece-me que, aqui, houve um paralelo entre crena, que resultaria deste processo de ob-jetivao, e a posio filosfica conhecida como realismo ontolgico. Mais especificamente, eu argumento que uma consequncia da viso de Moscovici & Hewstone que se espera que os cientistas acreditem menos na realidade de seus conceitos, que pode servir prepon-derantemente aos seus propsitos instrumentais ou heursticos, do que os cientistas ama-dores, que tendem a objetivar e reificar os conceitos tericos dos cientistas. Entretanto, ao argumentar sobre essa conexo, eu temo que meus motivos tenham sido mal entendi-dos.

    um raro prazer intelectual ter especialistas internacionais, em um determinado campo, comentan-do o trabalho de algum de maneira sria, desafiadora e oportuna. De fato, fico grato pelas crticas de provocantes de Markov (1992) e de Elejabarrieta (1992). Ao responder, tentarei separar os mal entendidos de meu posicionamento (que penso abranger a maioria das questes) das discordncias substantivas entre ns. Tanto Markov quanto Elejabarrieta sugerem que minhas propostas ou vio-lam princpios lgicos, ou so, de outra maneira, incompatveis com os objetivos da teoria das re-presentaes sociais; isto porque, eles pensam, eu cometi a falcia naturalista, que espero mostrar que no ser o caso. Se as discordncias entre ns persistirem depois que esta objeo estiver elimi-nada, eles se interessam pelo papel potencial de um campo de estudo conhecido como psicologia

    1 Tanto este como o artigo original foram possveis graas concesso de Charles Phelps Taft Fund da Uni-versidade de Cincinnati. Sou grato tambm pelos conselhos teis de Theresa Claire a respeito desta trplica.

    Publicado em Papers on Social Representations - Textes sur les reprsentarions sociales, v. 2 (1), 66-74, 1993. Traduzido por Claudia Helena Alvarenga, Fevereiro de 2011.

  • social da cincia (cf. Fiske & Shweder, 1986; Fuller, De Mey, Shinn & Woolgar, 1989; Gholson, Shadish, Niemeyer & Houts, 1989; Kruglanski, 1989). Penso que ambos dos meus crticos so mui-to pessimistas acerca das oportunidades para a psicologia, em geral, e a teoria da representaes so-ciais, em particular, considerando reas tradicionalmente reservada aos filsofos.

    I. EU COMETI A FALCIA NATURALISTA?

    Ao comentar o meu artigo, tanto Markov quanto Elejabarrieta acusam-me de cometer a falcia naturalista de questes (normativas) filosficas condizentes sobre o que deve ser e questes (descritivas) psicolgicas sobre o que . Por exemplo, Markov sugere que eu estava tentando reduzir questes ontolgicas a epistemolgicas (p. 125), e Elejabarrie-ta pensa que eu estava argumentando que se aceitamos [a teoria das representaes soci-ais] ento, cientificamente, no podemos adotar uma posio realista (p. 134). Eles conti-nuam criticando-me por ultrapassar minhas fronteiras psicolgicas e por delinear conclu-ses ontolgicas que so ou injustificadas, ou incompatveis com os objetivos da teoria das representaes sociais. Espero, agora, esclarecer meu objetivo original, que no foi pres-crever posies filosficas, mas gerar algumas consequncias empricas a partir da teoria das representaes sociais2. Seguindo Moscovici & Hewstone (1983), ofereci algumas hip-teses a respeito de atitudes e crenas que cientistas e leigos poderiam realmente sustentar, no o que devem sustentar. Minha tentativa foi de formalizar e expandir, a partir das afir-maes interessantes de Moscovici & Hewstone, e estreitar as ligaes entre a teoria das representaes sociais e a psicologia social das cincias. Por vezes, Markov e Elejabarrieta simplesmente parecem compreender mal meu propsito, entendendo como filosfico mais do que psicolgico, mas, em outras vezes, parecem excluir de antemo a possibilidade de que a teoria das representaes sociais possa ser usada para estudar as crenas (ontolgi-cas) de cientistas e amadores. A priori a resistncia a esses esforos de ltimo tipo, eles me atacam considerando-o contraproducente e ruim para a teoria.Meu objetivo, no artigo original, no era responder questes filosficas sobre qual episte-mologia (realismo ou anti-realismo) melhor, mais til ou verdadeira. Em vez disso, pre-tendo me ater s questes empricas levantadas por Moscovici & Hewstone (1983), a saber, os modos pelos quais especialistas e leigos poderiam se diferir em suas atitudes e crenas com relao cincia. A tarefa a que me propus, portanto, enquadra-se nos limites do que Markov delineia para a teoria das representaes sociais, incluindo:

    os processos psicolgicos e sociolgicos que facilitam e interferem na formao e manuteno de imagens, conceitos e crenas das pessoas; com os processos pelos quais as pessoas constroem fenmenos sociais e naturais, incluindo entidades cien-tficas; com a questo de como as representaes sociais do origem s novas repre-sentaes; e assim por diante (p. 126).

    Minhas predies foram apresentadas sobre o que os cientistas e as pessoas leigas realmente pen-sam (a questo psicolgica), sem qualquer pretenso de que os resultados dissessem em qual epis-temologia devemos acreditar (questo filosfica). Ento, quando Markov escreve que a teoria das representaes sociais no est ocupada com a questo filosfica ou se os objetos reais que so an-tecedentes das representaes sociais, realmente existem (p. 126), minha resposta simples: meu artigo tambm no. Meus pontos no foram ontolgicos, mas psicolgicos. Analogamente, quando Elejabarrieta sugere que ao comparar o objeto social com o objeto cientfico, e no vice-versa, in-

    JOST, J. T. Em defesa da Psicologia Social da Cincia...# 2

    2 Seguindo recomendao de Elejabarrieta, devo restringir a personificao excessiva da teoria das represen-taes sociais e evitar referir-me a esta como a teoria de Moscovici.

  • troduzimos critrios de valor e verdade que destroem um foco tpico da [teoria das representaes sociais] (p. 132), devo ressaltar que a nica comparao que sugeri foi entre os prprios objetos sociais: os pensamentos e as crenas dos cientistas profissionais quando comparados aos pensamen-tos e crenas das pessoas leigas.

    Espero que agora esteja claro que eu nunca tive a inteno de reduzir questes ontolgicas a epis-temolgicas (p. 125), como Markov sugere. Minha finalidade era contribuir com algumas novas hipteses (baseadas na teoria das representaes sociais) para o estudo social e psicolgico da cin-cia. Essas predies concernentes s crenas reais dos cientistas e amadores; o tipo de crenas a se-rem estudadas vm a ser crenas sobre a realidade ontolgica. Ao estudar as crenas ontolgicas destes grupos, entretanto, no intencionava estar estudando a natureza da realidade ontolgica em si. Por exemplo, no afirmei que, uma vez que os cientistas podem estar mais propensos a acreditar numa posio instrumentalista ou anti-realista do que os leigos, ento esta posio a correta.

    Muito da m compreenso do meu posicionamento pode ser devido a um privilgio implcito das vises dos cientistas em relao s vises dos amadores. Isto introduz julgamentos de valor que no estavam em meu artigo, mas, para ser justo com os meus crticos, podem estar presentes nos escri-tos de Moscovici. Markov, por exemplo, equipara anti-realismo com sensibilidade cientfica, es-crevendo que: crenas na realidade ontolgica dos fenmenos so associadas falta de ateno (conscincia) em vez de uma grande ateno (p. 128). Ela associa um cientista a um motorista ex-periente que est ajustado sensao do carro e da estrada, enquanto o amador somente sabe su-perficialmente sobre tais coisas3. Uma maneira pela qual evitei cometer a falcia naturalstica foi no afirmando que as crenas ontolgicas dos cientistas so melhores ou mais sensveis verdade do que a dos amadores.

    Elejabarrieta tambm parece pensar que eu tomei a crena dos cientistas profissionais como um ponto de referncia objetiva para comparar com a reproduo distorcida dos amadores (p. 132). Certamente esta no foi a minha inteno. Minhas hipteses no dependem de qualquer referncia objetiva deste tipo, disse apenas que possvel mostrar diferenas de atitudes entre dois grupos de pessoas, cientistas e leigos. Quando Elejabarrieta pergunta Como, ento, saberemos que estamos comparando? (p. 133), minha resposta que aqui a situao no diferente da de qualquer outra comparao de atitudes ou crenas entre grupos, com a limitao de que os sujeitos (amadores e cientistas profissionais) no so grupos aleatoriamente designados. Pode ser verdade que, quando comparamos as crenas de cientistas e leigos, estamos comparando processos diferentes de constru-o de crena, assim como produtos de crena diferentes, mas esta diferena no processo (e suas consequncias) pode ser o mesmo fenmeno que desejamos estudar. Grupos designados em condi-es experimentais diferentes tambm podem atravessar processos diferentes, e isto, em si, pode ser parte da hiptese a ser testada. Entretanto, estranhamente, Elejabarrieta afirma que a compara-o entre sistemas de pensamento... se situa alm da aplicao da [teoria das representaes soci-ais] (p. 133). Parece-me que se a teoria tem, afinal, algo a dizer a respeito de atitudes e crenas, ento deveria ser capaz de produzir hipteses empricas concernentes s diferenas entre senso co-

    JOST, J. T. Em defesa da Psicologia Social da Cincia...# 3

    3 Alis, no penso que a analogia do carro de Markov seja apropriada para a minha hiptese. A crena no realismo ontolgico no simplesmente uma questo de estar consciente das diferenas entre fenmenos: envolve uma crena sobre o que existe e o que no existe. Assim, se motoristas experientes fossem mais pro-pensos a acreditarem que dirigir um carro rack-and-pinion no realista, mas um processo ou entidade hipo-ttica, e enquanto amadores tendessem a acreditar que se trata de um objeto real ou entrassem no carro, ento isto seria anlogo minha hiptese acerca das crenas cientficas.

  • mum e concepes experientes das cincias. De fato, este o alvo do paper de autoria de Mosocvici & Hewstone (1983), e no vejo razo para excluir de antemo o estudo psicossocial das crenas ci-entficas ou a participao da teoria das representaes sociais de tal estudo.

    II. A POSSIBILIDADE DE EPISTEMOLOGIA NATURALIZADA

    Enquanto meu objetivo no artigo original no foi argumentar por meio de teses filosficas, penso que Markov foi desdenhosa a respeito da possibilidade de a psicologia social ter algo a contribuir para a filosofia da cincia. Por exemplo, quando Markov pergunta se existe uma similaridade entre o processo de objetivar conceitos cientficos e crena no realismo ontolgico, ela conclui que a teo-ria das representaes sociais e o conceito de objetivao no tem nada a ver com (questes filos-ficas sobre) realismo ontolgico (pp. 125-6), e que a questo no possvel de ser respondida por-que objetivao e realismo ontolgico pertencem a categorias diferentes (p. 127). Markov argu-menta, de fato, que h filosofia e h psicologia, e que as duas nunca devero se encontrar.

    Concordo que a correo de uma posio filosfica necessita ser demonstrada com fundamentos filosficos em princpio, isso independente da crena de qualquer pessoa a esse respeito. Entre-tanto, ao mesmo tempo, , pelo menos, uma posio filosfica plausvel de que questes tradicio-nais a respeito de epistemologia sejam informadas com dados psicolgicos. Assim, quando Marko-v escreve que os conceitos de objetivao (psicolgicos) e de realismo (filosficos) no podem sequer serem comparados porque pertencem a categorias diferentes (p. 127), ela sozinha destituiu o que , argumentavelmente, duas das disciplinas filosficas que mais rapidamente cresceram na Amrica do Norte e na Europa Ocidental, respectivamente: epistemologia naturalizada e a socio-logia da cincia. O movimento contemporneo que naturaliza a epistemologia comeou com a ce-lebrada recusa de Quine (1969) acerca da distino kantiana entre maneiras analticas e sintticas de conhecimento e a correspondente separao disciplinar entre lgica filosfica e cincia emprica. A posio de Quine foi, mais tarde, desenvolvida por Goldman, Campbell, Giere, Stroud, e muitos outros que buscaram psicologizar questes que tradicionalmente pertenceram epistemologia fi-losfica (veja Komblith, 1985). O ento chamado programa forte da sociologia da cincia (por exemplo, Barnes & Bloor, 1982; Bloor, 1976) e o movimento correlato de observar a vida laborato-rial sob uma perspectiva sociolgica (por exemplo, Latour, 1987; Latour & Woolgar, 1979; Knorr-Cetina, 1981) inspirou, igualmente, as inmeras tentativas de Collins, Mulkay, Gilbert, Shapin, Pinch, Pinckering, Fuller e outros para ligar a cincia social emprica com questes tipicamente le-vantadas por filsofos da cincia. Apesar das diferenas importantes entre epistemologia naturaliza-da e a sociologia do conhecimento cientfico, os proponentes de ambas posies esto seguros de que a psicologia social tem muito a dizer acerca de questes filosficas e ontolgicas. Enquanto existem muitas razes para ser cauteloso com a tese naturalista, assim como Markov , existem tambm muitos argumentos plausveis a seu favor (por exemplo, Bhaskar, 1979). Parece-me que muito cedo para dizer se alguma forma de epistemologia socionaturalista a melhor posio filos-fica, mas certamente, no precipitado, como Markov nos faz acreditar.

    Portanto, no afirmo, como fazem Markov e Elejabarrieta, que no h conexo concebvel entre questes filosficas e psicolgicas, apenas que no temos garantias para afirmar tais conexes. Um dia, por exemplo, poderemos decidir, com base na diviso de trabalho intelectual (cf. Putnam, 1975), que a filosofia dos cientistas prefervel ou, alternativamente, que interesses democrticos (cf. Feyerabend, 1978) favorecem o posicionamento dos leigos, mais populosos. Se os mritos da epistemologia naturalizada so julgados para pesar mais seus demritos, a psicologia social poderia

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  • desempenhar um papel central, endereando questes que foram atribudas tradicionalmente filo-sofia. Assim, filsofos j comearam a traar um trabalho emprico de autoria de Kahneman & Tversky e Nisbett & Ross, avaliando as afirmaes epistemolgicas e da filosofia da cincia (por exemplo, Kornblith, 1985; Solomon, 1992).

    Seja como for, a psicologia social da crena cientfica um campo legtimo por seu prprio direito, caso seus dados ajudem ou no a decidir entre posies filosficas ou epistemolgicas. Compara-es entre concepes leigas e cientficas um tpico favorito de psiclogos desde Heider a Kru-glanski, Iccheiser a Anaki, e Tomkins a Furnham. tambm uma suposio no controversa da filo-sofia ps-Kuhniana que explicaes descritivas de atividades cientficas so importantes e teis. Estou inclinado a compartilhar do otimismo de Farr (1984, 1990), Ibaez (1992), e Potter & Billig (1992), todos eles reconhecem a aplicabilidade da teoria das representaes sociais a questes le-vantadas pela filosofia e sociologia da cincia.

    III. MAIS SOBRE O PROCESSO DE OBJETIVAO E A CRENA NO REALISMO ONTOLGICO

    Depois de argumentar que os conceitos filosficos e psicolgicos no podem ser comparados, em princpio, Markov finalmente admite que h uma similaridade superficial entre objetivao e a crena no realismo ontolgico (p. 127). Enquanto eu no posso argumentar a favor da profundidade do meu insight, certamente posso me opor sua caracterizao de similaridade em termos da propo-sio vaga X tem existncia independentemente dos seres humanos, onde X se refere a entidades cientficas de acordo com o realismo ontolgico e X se refere a representaes sociais de acordo com a objetivao. Assim, ela pensa que o alvo do meu argumento foi demonstrar que (1) de acor-do com o processo de objetivao, as representaes sociais tm existncia independentemente dos seres humanos e que isto similar proposio de que (2) de acordo com a filosofia do realismo ontolgico, entidades cientficas tm existncia independentemente dos seres humanos. Enquanto (2) verdadeiro por definio, o significado de (1) est longe de ser claro. Se a objetivao refere-se a um processo psicossocial, como acho que Moscovici pretendeu, em vez de uma teoria ontol-gica da realidade, ento, pela afirmao da prpria Markov, esta no pode conduzir a uma tese on-tolgica tal como representaes sociais existem independentemente dos seres humanos.O pro-cesso de objetivao pode, e isto eu argumentei, conduzir crena de que as entidades cientficas (no somente as representaes sociais, sobre as quais grande parte dos sujeitos da objetivao no tem crenas em qualquer coisa4) existem independentemente dos seres humanos. Se eu estiver certo, ento a conexo entre o processo de objetivao muito mais estreito com crena no realismo ontolgico do que Markov considera: a objetivao admitida na hiptese de conduzir expresso das crenas que so consonantes com o realismo ontolgico.

    Elejabarrieta argumenta que a minha hiptese poderia ser verdadeira, mas no necessariamente por causa do que Moscovici chama objetivao. Por exemplo, Elejabarrieta afirma que os cientistas

    JOST, J. T. Em defesa da Psicologia Social da Cincia...# 5

    4 Se quisssemos estudar o impacto da teoria das representaes sociais no pblico de massa, ento estara-mos interessados nas crenas que o pblico tem sobre a teoria e suas entidades. Assim, poderamos perguntar aos leigos e aos psiclogos sociais profissionais: As representaes tm existncia independentemente dos seres humanos? A hiptese que derivei de Moscovici &Hewstone (1983) que leigos esto mais propensos que cientistas a responder sim a esta pergunta. Em outras palavras, algum pode ser um realista ou anti-re-alista sobre a teoria das representaes sociais, e isto pode ser previsvel com base na experincia social e de pertencimento ao grupo, entre outras coisas.

  • profissionais so instrumentalistas por ofcio, por causa das presses sociais para publicar em jor-nais cientficos e porque a hiperespecializao da cincia levou o trabalho cientfico a se tornar uma tarefa de refinamento em que as digresses filosficas no tm espao (pp. 134-135). O problema que Elejabarrieta no diz porque uma atitude ontolgica particular deveria decorrer des-tas circunstncias. Posso pensar em duas razes do porqu da presso para publicar poderia resultar em crenas instrumentalistas: (a) algum poderia ser capaz de executar tarefas cientficas mais rpi-do ou mais eficientemente ao adotar um posicionamento instrumentalista; e (b) algum poderia ob-ter mais publicaes ao se ajustar s normas da comunidade cientfica e estas normas poderiam ser preponderantemente instrumentalistas. Parece-me que (a) uma hiptese muito mais controversa do que a minha, mas interessante (se improvvel) todavia; e (b) meramente pede a pergunta ns ain-da precisaramos explicar porque as normas sociais da comunidade cientfica favoreceriam o ins-trumentalismo. Alm do mais, no bvio, para mim, que um posicionamento anti-realista ontol-gico envolva menos digresses filosficas do que um posicionamento do realismo ontolgico.

    Markov pensa que a minha hiptese, obviamente verdadeira um risco ocupacional, eu suponho, de pregar aos convertidos. Ela considera, por exemplo, que as crenas instrumentalistas deveriam decorrer intuitivamente da experincia prtica e profissional com a natureza problemtica do fe-nmeno (p. 128) auto-evidente, assim como a predio de que os motoristas experientes sero mais sensveis do que novatos s diferenas entre tipos de carro. De alguma forma, fico satisfeito com o fato de que uma especialista como a Markov concorde que minha hiptese realmente decor-ra da teoria das representaes sociais e que eu no lhe prestei um srio desservio. Considerando, ainda, que muitos filsofos, psiclogos e outras pessoas (ainda) no subscrevem a teoria das repre-sentaes sociais, penso que eles ficariam pouco surpresos caso viesse tona que as pessoas co-muns acreditam mais fortemente na realidade ontolgica do quark do que os fsicos profissionais. Que as predies da teoria sejam contra-intuitivas no foi o alvo maior da minha argumentao, apenas que elas no so triviais ou auto-evidentemente verdadeiras. A falta de entusiasmo de Markov, se for representativa de outros pesquisadores das representaes sociais, em minha opini-o, no de bom augrio para a expanso construtiva da teoria em domnios tais como: os estudos filosficos e sociais da cincia. Eu me recordo da repreenso recente de Potter & Billig (1992) neste peridico: alguns dos trabalhos analticos e tericos mais interessantes na cincia, particularmente na sociologia do conhecimento cientfico... tendem a ser ignorados pelos que trabalham nas RS (p. 17).

    IV. MODIFICAES E ADIES

    Penso que Elejabarrieta est correto ao me criticar por traar uma associao mais forte que a ne-cessria entre crena no fisicalismo (a tese que entidades tericas tm existncias material ou fsica) e a crena no realismo ontolgico (a tese que entidades tericas tm existncias em separado das concepes que os tericos tm delas). Com o objetivo de operacionalizar a atitude do realismo on-tolgico, eu incorporei alguns aspectos do fisicalismo como uma maneira (limitada) de explorar a crena de que algo realmente existe. Como apoio, cito a definio de Greenwood (1989) para rea-lismo ontolgico, como a tese de que teorias cientficas tm existncia real, precisamente no mes-mo sentido de objetos fsicos (p. 38, nfase acrescentada). A crena no fisicalismo e a crena no realismo podem no estar inteiramente no relacionadas; difcil ser um fisicalista acerca de grande parte das entidades cientficas e tambm ser anti-realista, embora algum certamente pudesse ser um realista e um antifisicalista. Entretanto, eu no concordo com Elejabarrieta que o processo de objetivao resulta da crena no fisicalismo, e no da crena no realismo ontolgico (p. 134). De-

    JOST, J. T. Em defesa da Psicologia Social da Cincia...# 6

  • corre da teoria das representaes sociais que os amadores esto mais propensos do que os cientis-tas, nos termos utilizados por Markov, a acreditarem que entidades cientficas tm uma existncia independentemente dos seres humanos e tambm que esta existncia material ou fsica. Eu deve-ria ter dito que a objetivao conduz crena no fisicalismo e crena no realismo ontolgico. Inte-ressantemente, Moscovici (1981) inclui componentes tanto do fisicalismo quanto do realismo quan-do descreve s objetivao como a tendncia a dotar os conceitos abstratos tericos, de quase fsica, com existncia autnoma (p. 200, nfase acrescentada).

    Markov pode estar correta que meu uso do debate de Bhaskar (1978) sobre realismo ontolgico sugere falsamente que ele estava adiantando uma hiptese emprica a respeito das crenas reais dos cientistas. Meu propsito central foi o de ilustrar que algum poderia acreditar, caso acreditasse no realismo ontolgico. verdade que quando Bhaskar escreve que a independncia ontolgica do evento uma condio da inteligibidade de sua descrio (p. 190), ele tenciona apresentar um t-pico filosfico. Alis, os epistemologistas naturalistas podem dispor de dados psicolgicos quando avaliando afirmaes sobre inteligibilidade, assim, abrindo a porta novamente para a psicologia social da cincia.

    Elejabarrieta sugere que as aplicaes tecnolgicas movimentam-se mais rapidamente no reino do discurso comum do que o conhecimento cientfico. Esta parece ser uma crtica direta a Moscovici & Hewstone, em vez de dirigida a mim, embora eu admita que eu tinha em vista desenvolver seus ar-gumentos. Penso que Elejabarrieta talvez esteja certo de que as inovaes tecnolgicas so mais influenciveis na sociedade do que as inovaes conceituais e, mais, que ns ainda estaramos inte-ressados em comparar as crenas (cientficas) dos amadores e dos especialistas talvez como uma maneira de estudar o impacto das tecnologias no pblico (cf. Kipnis, 1989). Entretanto, meu projeto seria compatvel com a noo de que crenas so transmitidas por meio de experincias prticas com novas tecnologias.

    Para registro, no afirmei que a teoria das representaes sociais est correta. Somente tentei forma-liz-la e estabelecer hipteses que no so auto-evidentes, e que tm algum suporte na psicologia social da cincia. Isto parece valer a pena, uma vez que a teoria frequentemente criticada por sua falta de preciso (por exemplo, Billig, 1988; Harr, 1984; Jahoda, 1988; Potter & Litton, 1985; Rty & Snelman, 1992). Entretanto, minhas propostas encontraram resistncia considervel nos comen-tadores, preponderantemente porque tentei associar a teoria das representaes sociais s crenas filosficas sobre a realidade ontolgica. Se esta resistncia foi devido a um mal entendido do meu propsito, a saber, que eu busquei reduzir questes filosficas sobre, no que as pessoas devem acre-ditar a questes psicolgicas e no que as pessoas acreditam mesmo, ento, espero ter tirado algumas dvidas. Entretanto, se meus crticos ainda desejam afirmar que as hipteses sobre crenas cientfi-cas dos amadores e dos cientistas so incompatveis com o esprito da teoria das representaes so-ciais (Elejabarrieta, p. 132; Markov, pp. 126-7), ento, penso que eles so ainda muito acanhados a respeito da psicologia social da cincia.

    REFERNCIAS

    JOST, J. T. Em defesa da Psicologia Social da Cincia...# 7

  • p a p e r s o n s o c i a l r e p r e s e n t a t i o n s t e x t e s s u r l e s r e p r s e n t a t i o n s s o c i a l e s ( 1 0 2 1 - 5 5 7 3 ) V o l . 4 ( 1 ) , 1 - 7 8 ( 1 9 9 5 ) .

    Universit t Bern, Switzerland

    Abstrac t : The re la tionship b etween c ommon sense a nd sc ientific theory asc onc ep tua lized by SR theory is d isc ussed . Two aspec ts o