psicologia escolar - praticas criticas - parte 1, 2 e 3

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  • 7/30/2019 Psicologia Escolar - Praticas Criticas - Parte 1, 2 e 3

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    J o MARlA EUGNIA MELlLLO MElRA E MITSUKO APARECIDA MAKINO A'lTUNES

    cada histria escolar, de cada aluno que fracassa, de cada queixaapresentada por um professor. Trata-se de compreender o movi-mento de um campo de foras no qual devemos nos colocar a servi-o do fortalecimento da aprendizagem e da permanncia da crianana escola.Um outro trabalho, organizado por Mitsuko Aparecida MakinoAntunes, docente da PUC-SP e assessora da Secretaria Municipalde Educao de Guarulhos/SP, foi escrito, em verdade, por muitosprofissionais desta secretaria , que fizeram um esforo coletivo desocializar sua prtica. Com a finalidade de apresentar as possibilida-des de atuao da Psicologia Escolar na educao pblica, esse tex-to descreve as aes que tm sido implementadas no mbito da edu-cao infantil, fundamental, inclusiva de jovens e adultos, em que aPsicologia um dos fundamentos para a prtica educacional e opsiclogo part icipa colet ivamente do processo de construo e im-plantao de um projeto poltico-pedaggico, cuja finalidade funda-mentalmente calcada numa concepo crtica, humanizadora etransformadora da realidade escolar e social. A palavra-chave destetrabalho "coletividade": prope uma ao colet iva para a transfor-mao da escola; cr que isso s ocorrer como produto da ao dacoletividade escolar e foi escrito coletivamente.Consideramos que estes trabalhos oferecem contribuies construo de perspectivas terico-prticas que se constituam emelementos norteadores fundamentais, embora no suficientes, para aadoo de um compromisso social com a.cidadania, a ser concreti-zado em propostas de atuao orientadas por finalidadestransformadoras.

    Marisa Eugnia Melillo MeiraMitsuko Aparecida Makino Antunes

    So Paulo, setembro de 2003.

    A ATUAO DO PSICLOGO COMOEXPRESSO DO PENSAMENTO CRTICO EMPSICOLOGIA E EDUCAO

    Elenita de Rcio TanamachiMarisa Eugnia Melillo Meira

    o objetivo deste texto o de apontar algumas possibilidades dentcrveno concretamente j elaboradas pelas autoras e que se cons-Iiruem em expresses do pensamento crtico j construdo em Psico-louia e Educao.A Psicologia Escolar aqui entendida:

    Como rea de estudo da Psicologia e de atuao/formao profissional do psiclogo, que tem no contex-to educacional - escolar ou extra-escolar, mas a ele re-lacionado - o foco de sua ateno, e na reviso crticados conhecimentos acumulados pela Psicologia comocincia, pela Pedagogia e pela Filosofia da Educao,a possibilidade de contribuir para a superao dasindefinies terico-prticas que ainda se colocam nasrelaes entre a Psicologia e a Educao (Tanamachi,2002, p. 85).

    Desta forma, o que define um psiclogo escolar no o seulocal de trabalho, mas o seu compromisso terico e prtico com asquestes da escola. Defendemos que:

    O melhor lugar para o psiclogo escolar o lugarpossvel, seja dentro ou fora de uma instituio, desde

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    ue ele se coloque dentro da educao e assuma umcompromisso terico e prtico com as questes da esco-la, j que independente do espao profissional que pos-sa estar ocupando, ela deve se constituir no foco prin-cipal de sua reflexo, ou seja, do trabalho que se de-senvolve em seu interior que emergem as grandes ques-tes para as quais deve buscar tanto os recursosexplicativos, quanto os recursos metodolgicos que pos-sam orientar sua ao (Meira, 2000, p. 36).

    Considerando a existncia de distintas referncias terico-filo-sficas e metodolgicas iniciaremos o texto com a discusso de al-gumas das principais questes terico-prticas da Psicologia na edu-cao em uma perspectiva crtica.

    Para tanto, apresentaremos as questes mais propriamente te-ricas da Psicologia na Educao, analisando as explicaes tradicio-nais sobre o fracasso escolar e as tendncias atuais do pensamentocrtico em Psicologia Escolar, defendendo que o momento atual exi-ge uma reviso dos pressupostos terico-filosficos e metodolgicos- sobre o homem em geral, a formao do indivduo, as concepesde Educao e de Psicologia - e a delimitao de um novo sentidopara a Psicologia Escolar.Em seguida, apresentaremos algumas reflexes enfocando aspossibilidades terico-crticas de interveno do psiclogo junto demanda de queixa escolar e em insti tuies de ensino.Discutiremos a atuao em Psicologia Escolar, anunciando umnovo lugar para o psiclogo, buscando delimitar os elementos da ava-liao e da interveno, as estratgias mais utilizadas e os resultadospossveis.Embora considerando que tanto no caso ela interveno junto demanda de queixa escolar, quanto em instituies de ensino as ques-tes terico-prticas envolvidas e ali ell.lpus do ll'llblllho sq;ulll tiS mes-mas, em cada um desflos monn ..Illlos c/l' IIpl'll,~l..Inlll~l 'Ioo texto

    I 'C lO I 'l 1 U I ll W I 1 1 0 1 1 1 I - 1 , n o 1 1 1 1 . .1 1 0 1 1 1 1 0l l l l lp O qtli,l IU / o I I I ) ( , 1 I1 11 0 / 0 1 I I s m"pt'~lll1ddlldtI OltlHplllllllt\1I111N.All'lIl dlNHIi, U lU 'U 1 1 1 . . '11 I 1 1 1 1 . IIllluUc"II~ 1 7W ! ".hJ,4- .UlJ...-.:" .

    12 ELENITA DERCIO TANAMACHIEMAruSA EUGNIA MEULLO MEIRA A ATUAO 00 PSICLOGO COMOEXPRESSO 00 PENSAMENTO

    umpla do que estamos considerando como atuao do psiclogo esco-1 1 " , um uma perspectiva crtica, enfocamos, principalmente na segundaplt1 '1c , um exemplo de encaminhamento de ao junto demanda de[ueixa escolar e, na terceira parte, a metodologia e a sistemtica em-pll'guda no trabalho em instituies de ensino. Os fundamentos teri-'lIfilosficos so retomados em ambas.

    I.PIUNCIPAlS QUESTES TERICO,PRTICAS DAI~HCOLOGIA NA EDUCAO

    Pura apresentar as principais questes terico-prticas da Psi-Illogiu na Educao, iniciamos com a anlise das explicaes tradi-I IOllllissobre o fracasso escolar, considerando tanto a realidade edu-IlIdonal brasileira quanto a histria da Psicologia em relao aornuvlmento de constituio da sociedade, da Educao e da prpriaI'Nkolouia como cincia."f"IHe crtica das abordagens tradicionais em Psicologia'olm'

    I)lIdos obtidos por pesquisas realizadas sobre o processo deP/h n lur izn o no Brasil' revelam ausncia de escola para todos,IINl'loou permanncia sem nada aprender (expulso/excluso),1 I1 1 1 l v l 'S "llos de analfabetismo, mostrando que a impossibilidade delllllNllIlIi

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    14 ELENlTA DERCIO T ANAMACIDEMAmSA EUGNIA MELILLOMsm,

    A autora reporta-se ao sculo XIX para assinalar o momento noqual a contradio vivida pela burguesia atinge o apogeu, intensifi-cando-se o abismo entre a acumulao de riquezas e as pequenasconquistas do proletariado que, segregado pela burguesia, j no mais seu aliado. Buscar justificar tal abismo tambm uma tarefadas cincias humanas que nascem e se oficializam nesse perodo.Conforme Patto (1990, p. 17), a burguesia traduz as reivindica-es das massas em termos assimilveis pela ordem social existentecom o auxlio das cincias. Esse o caminho mais eficaz para permi-tir uma participao poltica, sem que tais reivindicaes se tornemameaas incontrolveis.Desse modo, a Psicologia, para explicar os ajustes da ordemsocial capitalista em funo das exigncias dos novos momentos his-tricos de sua recomposio, tem transitado entre teorias e aborda-gens que nada mais so do que recursos da Psicologia como cinciapara a reordenao do status quo da prpria sociedade, da Filosofia,da Sociologia ...Podemos concluir com a autora que, tendo surgido nesse pero-do, a Psicologia mantm-se at o momento presente, hegemo-nicamente, reproduzindo essa condio, conforme o quadro a seguirpermite visualizar' .Embora reconhecendo a forma extremamente simplificada deapresentao dos dados contidos no quadro", possvel identificarque a heterogeneidade por ele revelada apenas aparente. Conside-ramos ser esta a expresso do pensamento de Patto (1990), quandoafirma que embora por caminhos terico-prticos diferentes, a Psi-2 o quadro busca sistematizar, ainda que de modo bastante esquemtico, alguns dosaspectos que caracterizam, principalmente, as relaes entre o movimento terico/poltico, a concepo terica e a abordagem presente em cada um dos moment os dessemovi mente, os procedimentos, os tratamentos, os termos de referncia e onde estsituada a origem do problema em cada caso. Embora simplificado e inacabado,preferi mos o quadro porque nos permite melhor visualizar o desenvolvimento daI'si

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    )Ioyimento Concepo Abordagem Prncedmentos Tratamento Termo de Origem do Por que aterico e terica referncia problema criana nopoltico aprende?

    Darwinismo Teoria do Psicomoteria Testes de Aptido Educao Criana No indivduo Hereditariedadesocial Dom ou das e Personalidade Especial anormal (deterrninantes(consolidao d o Aptides heredolgicos)

    sociedade Individuaiscapitalista)

    Movimento Ambientalismo Clnica - Psicodiagnstico Psicoterapia/ Criana - Ambiente FatoresHigienista (Psicanlise x e (observao/ Orientao problema familiar emocionais

    (famlia Beha viorismo) Modificao entre vi sta/his tri a Familiar e desajustado ou controleidealizada) do Comporta- de vida) Escolar - Na criana e inadequado domento - Condicionar seus relaciona- comportamento

    comportamentos mentosadequados e (determinantes

    eliminar da personalida-inadequados de) .

    Movimento de Organicismo Organicista Exame Neurolgico Medicao/ Criana com Disfuno FatoresSade Escolar (alterao na e Terapias de distrbio de cerebral orgnicos

    ordem natural Eletroencefalograma reeducao aprendizagen (determinantesda aprendiza- neuropsicolgicos)

    gem poranormalidadesneurais)

    Teoria da privao/ Testes de Educao Criana Determinantes AspectosRei vindicaes ln teracioni srno Compensatria carente/ sociais e socioculturaiscarncia cultural Aptido ede minorias Personalidade, (merenda/ deficiente culturais (nvel

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    18 ELENlTADERiClO TANAMACHIE MARrSA EUGNlA MELILLOMEIRA

    concepes tradicionais, que acabam sendo incorporadas ao discur-so das concepes defendidas pelo movimento de crtica, como seriao caso por exemplo das aproximaes entre as teorias de Piaget eVigotski, estudadas por Duarte (1996, 2000).Assim compreendidas, essas tendncias atuais do pensamentoem Psicologia e Educao, podem reafirmar, neste incio de sculo, omovimento de recomposio das justificati vas da cincia psicolgicae pedaggica para a manuteno da realidade educacional no con-texto da sociedade mais ampla, quadro semelhante ao j denunciadopor Patto (1984).Deixando de se posicionar diante das dimenses ontolgica,epistemolgica e lgica do conhecimento, o retorno s explicaestradicionais, encoberto por meio de uma nova linguagem, prepara ocenrio ideolgico propcio s mudanas para adaptar o j existenteao novo momento histrico social, sem que seja necessrio questio-nar as finalidades da organizao social, da produo do conheci-mento e dos prprios indivduos.Neste contexto, a tese aqui defendida refere-se ao rompimentocom estas tendncias, tanto por meio da explicitao de fundamen-tos terico-filosficos e metodolgicos que permitam discutir finali-dades histrico-sociais concretas, quanto pela nfase em referencialainda pouco explorado como alternativo superao dos conheci-mentos elaborados pela Psicologia em relao Educao.

    Uma concepo crtica de Psicologia EscolarTomamos como referncia terico-filosfica e metodolgica,o conjunto de elaboraes da Psicologia, efetivados a partir do Ma-terialismo Histrico Dialtico, enfocando as categorias que tm im-plicaes imediatas para a compreenso do processo de humanizaodos indivduos no contexto sociohistrico atual.No nvel da anlise sobre o homem em geral desenvolvida porMarx, destacamos o trabalho como atividade vital por meio do qual o

    A ATUAO 00 PSICWGO COMO EXPRESSO 00 PENSAMENTO 19

    homem se relaciona com a natureza e com os outros homens, crian-do as condies para a produo e reproduo da humanidade; o-nrter material e histrico do desenvolvimento humano que per-mite compreender as relaes de produo como determinantes daforma e do contedo das relaes entre os homens e, finalmente, a16gica dialtica, cujas categorias centrais - contradio, totalidade,purticularidade ... , viabilizam o conhecimento e a interpretao da1\'.1 idade, considerando a origem multideterminada e contraditriados fenmenos, apreendendo-os em sua dinmica horizontal (suahistria de desenvolvimento) e vertical (articulao entre aparn-via e essncia).Como a concepo Materialista Histrico Dialtica foi gestadavisando anlise crtica da sociedade capitalista, ela veicula, para1116111e um viso de homem e de sociedade, uma concepo tica.lmplica a responsabilidade de se construir uma nova ordem social,-upaz de assegurar a todos os homens um presente e um futurodignos. Exige compromisso pessoal e com a construo de um co-nhecimento cientfico capaz de contribuir para que o homem senbjctive de forma social e consciente, tornando-se, cada vez mais,livre e universal. A finalidade explcita o compromisso tico-polti-'()com a emancipao humana, estando, portanto, presentes as di-mcnses ontolgica - formao do ser dentro de determinadas cir--un st ncias sociohistricas, epistemolgica - como se conhece esseprocesso e a dimenso lgica - lgica inerente a essa peculiaridade, que precisa ser apropriada.Nesse sentido, concordamos que a concepo cientfica sobre ohomem em geral, na viso de Marx, pode dar sustentao aos estu-dos sobre a individualidade/subjetividade, uma tarefa para a Psicolo-p,ill,assumida por Sve (1979), Vigotski (1996), Leontiev (1978), en-Ire outros.No nvel da formao da individualidade, enfocamos os funda-mentes da concepo histrico-social do ser humano, tal como pro-pl'le Leontiev (1978), no texto "O homem e a cultura". Ao explici tarI) momento de constituio da natureza social do homem, o autor

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    20 ELENITA DERCIO TANAMACHIE MAIuSA EUGNIA MEllLLO MEIRA

    explica como se d o processo de apropriao das objetivaes hu-mano-genricas que permite a objetivao do indivduo, o lugar dacomunicao e da educao (em geral e escolar) nesse processo,sem deixar de considerar que tudo isso ocorre em uma determinadacircunstncia, no caso, a sociedade capital ista que tem a alienaocomo uma de suas marcas. Como no h unidade no referido pro-cesso de apropriao, porque esta forma de organizao social caracterizada por diferenas nas condies de vida (fruto da desi-gualdade econmica, de classe e de relao com as aquisiessociohistricas), a constituio da individualidade est condicionada superao do processo de alienao.

    Discutindo a alienao econmica e cultural, o autor aponta ele-mentos progressistas e reacionrios da cultura intelectual, ou seja, oselementos que servem ao desenvolvimento da humanidade e aquelesque servem ao interesse das classes no poder. Explicita, finalmente,a ruptura entre as gigantescas possibilidades desenvolvidas pelo g-nero humano e a pobreza e estrei teza que cabe aos homens individu-almente como a contradio que caracteriza a sociedade capitalista.Defende que essa situao no eterna porque no o so as rela-es socioeconmicas que lhes do origem, colocando a superaodessa realidade como uma possibilidade no contexto atual.Conclumos, a partir da anlise do autor, que a superao daalienao s se constitui uma possibilidade quando a compreende-mos por contradio (porque o que os indivduos precisam para delase libertar est no mesmo contexto que ~ provoca), quando conside-ramos a historicidade dos fatos humanos e quando podemos enten-der para transformar as circunstncias. Alm disso, preciso consi-derar tanto um processo de educao para permitir a humanizao(que implica compromisso com a superao da alienao), quantouma concepo de Psicologia que possa dar sustentao, no que aela compete como cincia, a esse processo de educao.Em relao Educao, encontramos na Concepo Histrico-crtica de Saviani (2000) a explicitao de finalidades transformadoraspara a Educao e para a Psicologia.

    A ATUAO DO PSICWGO COMO EXPRESSODOPENSAMENTO ------Ao discutir as finalidades da educao escolar, destaca o car-(or conservador e aomesmo tempo contraditrio do projeto burgusde escola, pensando por contradio tanto as relaes da escola com

    1 \ sociedade, quanto a funo da escola e os temas relativos ao pro--esso educativo (contedos, mtodos, relao professor/aluno). Toma\) processo de democratizao da educao no sentido formal e subs-tu ncia l, defendendo a garantia de acesso e permanncia na escola,'orno uma condio de humanizao no sentido da "onilateralidade'" .O autor permite apresentar, como elementos que garantam a(runsformao da escola em instrumento de emancipao: anatureza e aespecificidade do trabalho da escola, enfatizando1 1 seleo e organizao dos contedos com base no saber universal(clssico/erudito), o movimento de continuidade (com aquilo que ouluno j sabe) e ruptura (quando o professor apresenta, introduz no-vos conhecimentos) e a discusso sobre as prticas dirias (o que/corno/para que fazer, a fim de garantir a transformao a partir daeducao escolar); a competncia tcnico-pedaggica do professor para selecio-1 1 1 11 ' os contedos e os procedimentos de ensino e o compromissopoltico com os pressupostos e as finalidades de emancipao; o lugar do professor como coordenador da ao educativa e oIrabalho coletivo; a compreenso da escola como um local, ao mesmo tempo,.onservador e revolucionrio que difunde a cultura, que ao mesmotem po fictcia e verdadeira.As prticas pedaggicas imprescindveis a uma educao esco-1 1 1 1 ' emancipatria, enfocadas por Giroux (1986), acrescentam as-pcctos importantes a respeito da natureza ativa da participao dosilunos e dos professores no espao da educao escolar. PropondoI) professor como mediador entre os alunos e o conhecimento e o-onhecimento como mediao entre os que aprendem, o autor anun-'ia que as relaes em sala de aula devem garantir a aprendizagem, Pura aprofundar essa discusso, ler Manacorda (1989).

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    22 ELENlTA DERtcro T ANAMACHIEMARISA EUGNlA MELIUO MEIRA

    do pensamento crtico. Professores e alunos devem ir alm do raci-ocnio fragmentado, buscando a origem do conhecimento para per-mitir a autoria dos prprios atos. Devem aprender porque certos va-lores so imprescindveis vida humana, indignando-se diante dasforas contrarias qualidade da existncia humana, despertandopaixo e otimismo em relao s possibilidades de um mundo me-lhor. Conforme Suchodolski (1984), o processo de formao geral eespecfica dos indivduos deve lev-Ios a responsabilizar-se pela trans-formao da realidade sociohistrica atual.Ainda discutindo o espao especfico - e possvel nas circuns-tncias atuais - da escola no processo de transformao da socieda-de, Pucci (1995) sinaliza na direo da construo de uma teoriacomprometida com a transformao humana e social, destacando: a educao das conscincias, para que os indivduos possamtomar distncia do material a ser interpretado, ao mesmo tempoapreendendo no hiato entre um presente e um futuro radicalmentediferentes, as contradies a serem superadas por ao individuale social; a necessidade de romper com a autoconfiana e a auto-satis-fao do senso comum para resistir/superar o estado estabelecidodas coisas, indignando-se com a realidade; o restabelecimento das condies de autonomia, liberdade econscincia dos indivduos, trabalhando com o conhecimento neces-srio ao rompimento da conscincia domesticada pela via da forma-o cultural; a importncia da conscientizao dos mecanismos subjetivosda dominao e dos motivos que levam a ela, para que a submissose torne insuportvel e o desejo de viver melhor tome conta dosindivduos.Neste contexto, consideramos juntamente com Seve (1979),Duarte (1993) e Vigotski (1996) que cabe Psicologia oferecer sub-sdios para o desenvolvimento de uma concepo cientfica do indiv-duo, entendido como sntese da histria social da humanidade, decujo desenvolvimento deve conscientemente participar para assegu-

    A A TUAO 0 0 PSICLOGO COMO EXPRESSO 00 PENSAMENTO

    1 '1 11 ' sua emancipao. Trata-se de tomar como tarefa tambm daPsicologia o estabelecimento de mediaes entre o desenvolvimentohistrico-social da humanidade e a vida particular dos indivduos.E se no momento atual as relaes entre os homens tm favore-eldo a alienao, deve-se ressaltar que estas mediaes tericas nopodem apenas explicar como e porque os indivduos agem ou so deuma ou de outra maneira, mas devero tambm buscar responderrumo e porque os indivduos podem vir a agir ou tornarem-se seres\\llIancipados.A concepo de Psicologia de Vigotski" (1996, 1998, 2000, 2001)enfrenta esse desafio, marcada por princpios que caracterizam aclnb ora o de estudos da Psicologia, desenvolvidos a partir do Ma-terialismo Histrico Dialtico.

    Entendendo-a como cincia que se prope a explicar como a par-1 1 1 ' do mundo objetivo (que histrica e socialmente determinado) secoustri omundo subjetivo do indivduo, Vigotski e os demais autorescltudos acima explicitam tanto a concepo filosfico-metodolgicaque embasa as anlises da Psicologia, quanto os procedimentos e aslunes de tal conhecimento; no reduzem "o pensamento e a aohumana a determinaes do psiquismo individual", no partem, por-I" 11 0 , "de umerrneo primado ontolgico do indivduo", mas das rela-,'('\0S sociais para chegar "biografia" do indivduo e retomar ao soei-"I: no reduzem o conceito de indivduo descrio das caractersti-,'lIfIde indivduos em geral (indivduos empricos)? .

    O projeto principal de Vigotski (1996) constituiu-se no estudodos processos de transformao do desenvolvimento humano em" A l i'" fizemos um recorte no interior da Psicologia Sovitica, para situar as contribuieslil' VIg,OISki, que estudou principalmente aqueles temas que nos permitem aproximar al'~I'lIll1giada Educao. Entre outros, poderamos ainda buscar as contribuies det\ 1"~I1I,der Romanovich Luria e de Alexei Nicolaevich Leontiev e de outros1I'ltI'l's,;nlantes da Psicologia Sovitica, tais como Zinchenko, Petroviski, Davidov,t\lIdl'cva, conforme indicao de Marta Shuare (1990).I 1'111'11ulise dos princpios que caracterizam os es tudos da Psicologia, desenvolvidos11!llll'l ir do Materialismo Histrico Dialtico, consultar as fontes utilizadas para as1'1II'('\,;s , alm dos textos de Lucien Seve - Marxismo e a Teoria da Personalidade11111')) c do texto de Newton Duarte - A Individualidade para-si (1993).

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    24 ELENITA DERCIO TANAMACID E MARrSA EUGNIA Msuuo MEIRA

    sua dimenso filogentica, histrico-social e ontongentica, buscan-do chegar at dimenso miero-gentica - formao e manifesta-o de determinado processo psicolgico. Priorizou as funes psi-colgicas superiores - controle consciente do comportamento/aten-o/pensamento abstrato/capacidade de planejamento, as mudanasqualitativas do comportamento, a educao em geral e escolar e oseu papel no desenvolvimento. A finalidade de seu trabalho eraredefinir o mtodo de compreenso do fenmeno humano, para des-cobrir o meio pelo qual a natureza social se torna a psicolgica dosindivduos.

    Para tanto, destaca o crebro como rgo material da atividademental, que tambm se adapta s transformaes no meio fsico esocial; o processo de internalizao que permite a apropriao deconceitos, valores e significados, a part ir da atividade cognitiva e daconscincia em relao atividade externa; o conceito de mediao,possvel por meio dos sistemas simblicos que representam a reali-dade (instrumentos e linguagem, que regulam as aes sobre os ob-jetos e sobre o psiquismo respectivamente). Conclui que os proces-sos de funcionamento mental do homem so fornecidos pela cultura(no plano social- interpsicolgico), por meio de instrumentos psicol-gicos so internalizados (movimento intrapsicolgico), produzindo omovimento de individuao (que singular, mas socialmenteconstrudo).Estudando principalmente a relao pensamento/linguagem, a

    relao aprendizagem/desenvolvimento, a conscincia e as emoes,o autor supera as concepes inatistas, ambientalistas e interacionistasque reforam a idia de determinismo prvio (inato ou adquirido),defendendo a perspectiva sociohistrica ou histrico-cultural paraexplicar tais temas relativos ao desenvolvimento humano.Toma o pensamento e a linguagem como processos de origembiopsicolgica diferentes e desenvolvimento independente, mas quese relacionam para permitir o funcionamento psicolgico superior.A linguagem, impulsionada pela necessidade de comunicao, ex-pressa o pensamento e age como organizadora do mesmo e no

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO 25

    pl'OCCSSOe internalizao, medeia a ao dos indivduos. Portan-lu, para o autor, a comunicao fator de desenvolvimento. Deve1 11 " clara, precisa, provocar dvidas e o desejo de iniciar novosprocessos construtivos.No que se refere relao aprendizagem/desenvolvimento, ex-pllca que a aprendizagem (escolar e extra-escolar) possibilita e mo-vimenta o processo de desenvolvimento e que ele dinmico (noj\l'lIdativo, nem de evoluo progressiva ou de acumulao quanti-uuiva, como no caso das outras concepes), no qual estgios de1IIIulivaestabilidade sucedem perodos de mudanas radicais, comuluse nos momentos de crise. De acordo com a perspectivauciohistrica, o desenvolvimento ocorre no nvel real (aquilo que ondivduo j capaz de fazer s) e por meio da Zona de Desenvol-vlmcnto Prximo - obtida pela diferena entre o que capaz deI11cr s e aquilo que faz com ajuda e que explica a possibil idade deruivas aprendizagens.Nesse caso, a educao escolar deve produzir desenvolvi-mente - que segue a aprendizagem e cria a Zona de Desenvolvi-IIII.:ntoPrximo. O ensino deve estar voltado para novos conheci-mentos. E a Psieologia deve estudar como os indivduos elaboramrunccitos, enfatizando as estratgias, os erros, o processo de ge-m-rulizao.A teoria de Vigotski lembra ainda que a formao da conscin-1'111ndividual envolve as relaes entre pensamento/l inguagem, de-1'lIvolvimento/aprendizagem, o significado das mesmas e os afetosII omo e s que oferecem as condies para sua elaborao. Dessemudo, para o autor, o pensamento tem origem na esfera motivacionaluk-scjos, necessidades, interesses, afetos ...) que explicam o porqudI' sua existncia.Os aspectos da teoria do autor aqui ressaltados permitemI'Kplicitar espaos muito bem delimitados para a Psicologia e para aI(1IlIcao,no contexto da constituio histrico-social dos indivdu-II~,Em ambos os casos, a finalidade seria favorecer os processos dehumunizao e a reapropriao da capacidade de pensamento crtico.

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    26 ELENlTADERCIO TANAMACHIEMARrSA EUGENrAMaILW MEIRA

    No que se refere educao, este objetivo concretiza-se por meioda valorizao do papel da escola para trabalhar com o que ainda noest formado no aluno (adiantando-se ao sea desenvolvimento), com ocontrole das atividades, sempre privilegiando a autonomia, a criatividade,a automotivao e a diferenciao. Ainda, a nfase no papel do pro-fessor como mediador na dinmica das relaes interpessoais e narelao da cr iana com os objetos do conhecimento, ressaltando umlugar importante para a imitao e para o brinquedo.Em relao ao espao da Psicologia, cabe um posicionamentodiante das finalidades sociais da Educao e da prpria Psicologiacomo cincia, sempre pautado na explici tao e conhecimento dospressupostos terico-filosficos e metodolgicos que fundamentamsua ao e reflexo; a redefinio do seu objeto de estudo, enfocandoo modo como a atividade dos alunos determinada pela Educao ea descoberta das leis psicolgicas que regem esse processo. Cabe,ainda, a considerao dos determinantes sociais e dos aspectos sub-jetivos inerentes organizao escolar e definio dos problemasde ensino-aprendizagem, visando a transformao do trabalho daescola. A atuao do psiclogo deve visar uma multiplicidade deaes, uma vez que a identidade profissional es t nas f inalidades aserem atingidas por recursos tericos e prticas diferenciadas; apesquisa no pode seconstituir em mera investigao cientfica, deveproduzir efeitos, e permitir a participao de todos no processo detransformao dos resultados em aes concretas para transformara realidade.Podemos ento concluir que o referencial aqui apresentado per-mite o reconhecimento de lugares especficos no interior do proces-so de humanizao dos indiv duos, F ilosofia cabendo asfinalidades(por que e para que tal processo); Psicologia, a explicao de comoa aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem e Educao Escolar,a efetivao da educao/aprendizagem por meio de recursos peda-ggicos concretamente organizados pelo professor.Se estamos considerando que a Educao o principal pro-cesso por meio do qual os indivduos se objetivam como humanos,

    A ATUAO 00 PsrCWCO COMOEXPRESSO00 PENSAMENTO

    plopriando-se dos bens produzidos pelo conjunto dos homens.1 11 ' 1 \ Psicologia a cincia que se prope a explicar como a

    \ 1 1 11 1 1 1 ' do mundo objetivo se constri o mundo subjetivo do indiv-1 11 1 0 , ento os processos de subjetiva%bjetivao do mundool'lltI pelos indivduos so o seu objeto de estudo. E a Psicologia1100 pode desconsiderar a dimenso educativa em qualquer de

    1 1 1 1 1 ' 1 reas de estudo/atuao/formao. A Psicologia Escolar no[uule ser compreendida como especialidade na formao do psi-I \lO gO , embora tenha especificidades. Necessar iamente, h que1I rever a Psicologia na Educao, atribuindo-lhe um novo senti-IIn, u l rn de um outro lugar ao psiclogo.

    , A ATUAO DO PSICLOGO JUNTO A DEMANDA DEl )ELXAESCOLARSituamos o psiclogo como mediador no processo de elabora-

    , 'n o das condies necessrias para a superao da queixa escolar,11 11 1 1 1 demanda freqentemente presente em nosso trabalho.Para tanto, defendemos a aprendizagem dos conceitos cotidia-IIOSe cientficos como a atividade principal da criana para garantirII seu processo de humanizao, uma vez que ela possibilita e movi-III1.:nlao processo de desenvolvimento do pensamento, tendo a lin-ungem, a conscincia e as emoes como mediadoras desta ao.Assim, podemos tomar como objeto de estudo/interveno da Psico-logia na Educao, o modo corno esta at ividade da criana deter-minada pela Educao em geral ek: escolar, alm da descobertadas leis psicolgicas que regem este processo.No que compete ao do psiclogo, propomos a descrio euulise da relao entre o processo de produo da queixa escolar eI IS processos de subjetiva%bjetivao dos indivduos nele envol-vidos, como uma mediao necessria superao das histrias defracasso escolar.

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    28 ELENITA DE RCIO TANAMACHIEMAroSA EUGNIAMELlLLO MElRA

    Herbert/ tinha dois anos de idade quando, em con-dies precrias de sade e f inanceiras de sua familia,foi levado por sua madrinha para morar na casa dela.O marido da madrinha e as filhas no queriam a ado-o, mas esta foi feita revelia de todos, inclusive dospais biolgicos.

    Restabelecido, todas as vontades satisfeitas e ouvin-do desde as primeiras artes e desobedincias que nopoderia ser diferente mesmo, afinal seu futuro ser umcatador de papel como o pai biolgico, chegou a horade ir para a escola ... a mesma na qual tambm estudamseus irmos biolgicos.

    A me adotiva apressa-se em contar sua histria paraa direolcoordenao e professores da escola. Trata-se de uma criana que inspira cuidados... A ltima birraque ele fez foi quando estava em consulta mdica derotina. O mdico, amigo da famlia, recomendou queconsultassem um neurologista porque o menino muitonervoso. A ele foi prescrito calmante e antidepressivoque o f azem oscilar entre a apatia total e a euforia, de-pendendo do medicamento tomado (dorme tarde, no temsono na hora em que todos dormem; na escola fica pros-trado ou bate, briga, no para quieto ...).

    Logo ao fim do primeiro ano, a escola que j haviaconversado semanalmente com a me adotiva, faz o en-caminhamento da "queixa" para o Centro de Psicolo-gia. para a Psicologia Escolar.

    Nesse momento, Herbert encontra-se com 8 anos, agressivo, desobediente, no tem concentrao na sala de

    8 As anlises terico-prticas da atuao do psiclogo sero acompanhadas, no decorrerdo texto, de trechos retirados do relatrio de um trabalho desenvolvido em 2001 e2002 pelas estagirias Aline Luzia Pavan e Clia Regina da Silva do curso de graduaoem Psicologia da UNESP-Bauru, respectivamente e supervisionado por Elenita deRcio Tanamachi, Para evitar identificao, o nome do cliente foi substitudo.

    A ATUAO DO PSICLOGO COMOEXPRESSO DO PENSAMENTO ..

    aula e apesar de copiar muito bem quando quer, no sabeler nada. S vai passar de ano devido progresso conti-nuada ..., afirma o encaminhamento feito pela escola.

    lintendemos a "queixa" como uma sntese de mltiplas de-1IIIIIIinaes - relaes familiares, grupos de amigos, contexto1 !V lu l e escolar, portanto, consideramos que a superao das con-tI\,'iks nas quais a "queixa" apresentada depende da ao com-

    pr ometida e consciente de todos aqueles com ela envolvidos,uuxliada pelo psiclogo.

    A escola diz que o ideal seria Herbert ir para umaclasse especial, afinal ele tem "problemas" porque adotivo. O mdico confirma, receitando medicamentosconsiderados adequados para o caso. A me adotivadiz que sem os remdios no d para "agent-lo ", elebate nela ... , nos colegas da escola, no obedece, vaipara a diretoria, no faz o que a professora pede ... Asirms adotivas dizem que muito mimo, que ele tem tudoo que elas no tiveram. Junto com o pai adotivo elasacham que ele deve voltar a morar com os pais biolgi-cos. A me adotiva e as professoras acham que tudofica pior quando Herbert encontra com os irmos e ospais biolgicos ... Quando ele vai brincar na casa dosamigos, ele briga e tem de voltar para casa. Os pais dosamigos no querem mais que os filhos brinquem comHerbert. Na escola, quando tem passeios, os pais j per-guntam se o Herbert vai ...

    Escola, professores, pais, amigos, a criana e o prprio psiclo-go precisam compreender que a "queixa" apenas a aparncia, onve l imediato que se caracteriza como uma representao isenta deunlise, cabendo ao psiclogo mediar a compreenso da essncia doque foi apresentado como "queixa", por meio da investigao/expli-'ao/ao conjunta.

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    30 ELENITA DERCIO TANAMACID E MAIuSA EUGNIA MEmwMElRA

    A professora disse que Herbert tem problemas paraaprender porque viveu em precrias condies at 2 anosde vida. Noutro dia, disse que. tem problema porque adotado ... , traumatizado por se sentir abandonadopelos pais biolgicos e mimado pela me adotiva quetenta compensar as carncias ...

    Perguntamos sobre os contedos escolares, procuramos enten-der como so trabalhados na sala de aula e investigamos com a es-cola (em conversa com professora/coordenadora/diretora e em ob-servaes na escola) o que acontece quando a professora ensina, oque ensina, quando os alunos aprendem, quando no aprendem. Oque ocorre que s vezes no d vontade de ensinar, de aprender? Oque acontece quando os alunos fazem uma parte do que solicitado?Quando o aluno encaminhado ao mdico, ao psiclogo? ... O queocorre quando o professor pede ajuda? ...

    A me adotiva disse que a professora no sabe ensi-nar, que a escola chama os pais toda semana para co-brar que faam aquilo que trabalho da escola... que aprofessora deveria ser mais enrgica. Em outro momen-to disse que cobra demais.: Ela tambm acha que o me-nino possui problemas por ser adotivo. "Ele tem proble-ma de cabea, por isso no aprende ", disse em um dosencontros com a psicloga ...

    As irms adotivas e o pai culpam a me adotiva pordar ateno demais ao menino. O pai j decretou, elevai ser como os pais biolgicos, no tem jeito.

    Fizemos, com a famlia adotiva, uma lista do que Herbert faz, paradestacar que a famlia s observa aquilo que considera errado, negativo.E se pensamos nos afazeres domsticos j realizados, nas tarefas esco-lares quando ele realiza, nos carinhos feitos a todos...? O que faz comque a me adotiva o trate de modo diferente do que o faz com as demaisfilhas? O que faz o pai adotivo achar que ser igual aos pais biolgicos?

    A ATUAO DO PSICWGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO ..

    Herbert no quer falar, nem vivenciar qualquer situ-ao que se assemelhe escola. Quando os temas refe-rem-se a outras situaes de seu dia-a-dia, ele esbofeteiaos bonecos, xinga a psicloga, diz que ela no sabe denada e que no vai fazer nada porque est com sono.Diz que no sabe ler nem escrever. Outras vezes diz quevai escola para aprender. ..

    A psicloga insiste para que ele faa um desenho,conte uma histria, leia ou oua a leitura de um livri-nho, escreva o seu nome ou alguma letra que conhece,brinque de escolinha.

    Embora irritado com esta condio insuportvel quetodos (pais, escola, a psicloga e ele prprio, que noconsegue ver sua realidade de outro modo, j que im-pedido de vivenci-la .. .) insistem como sendo a nicapossibilidade ... (se conhecessem outras formas de an-lise talvez tivessem elementos para romper com essas jcristalizadas) ... Herbert vai aula, acredita que l queir aprender, quando a professora passa atividadesiguais as dos colegas, ele se empenha e participa aomenos. Quando a psicloga diz que ele no precisa fa-zer a atividade, mas que ela vai realiz-Ia... e joga comos pais adotivos, ou l e escreve ... ele entra na atividadee mostra tudo o que j capaz de fazer. ..

    Herbert adora encontrar os irmos biolgicos. Elequer ir na casa deles ... ver os pais biolgicos ... A escolae os pais adotivos no querem que isso ocorra ... , masno falam sobre isso ... A me adotiva tem medo de perd-1 0 . . . A professora acha que desconcentra... Os irmosadotivos e o pai acham que tem de ir e . ficar.. . A psiclo-ga no sabe a hora exata de suas intervenes. Comocontar esta histria a todos? Esquece-se que a histriapoderia ser elaborada por todos, desde que cada umdeixasse de entender que esta tarefa exclusiva dele ...

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    32 ELENITA DERCIO TANAMACI-llE MAIuSA EUGNIA MELILW MElRA

    Herbert, sem conhecer estas expectativas e anlises, squer ficar com todos, quer desfrutar da riqueza de pos-sibilidades que sua condio de "vida lhe permite. Impe-dido, irrita-se ... A professora desiste, a me est cansa-da e no sabe mais o que fazer. O pai e as irms adoti-vas acham que deve voltar para a famlia biolgica. Umdia a me adotiva viajou, ele quis bater numa das irmsadotivas, ela ficou brava e ele fugiu e foi parar na casada famlia biolgica .. .

    A avaliao e a interveno no podem se pautar por mtodosque visem encontrar nos indivduos a explicao para a "queixa".No se trata de desfocar a criana, para culpabil izar a fannlia e/ou aescola. Mudamos a pergunta, em vez de nos dirigirmos a pessoas ousituaes isoladas - o que tem efeito paralisador - buscamos ascircunstncias, porque estas podem ser transformadas.Se consideramos que a subjetividade s se constitui a partir dascondies concretas de vida dos indivduos, a historicidade dosfatos apresentados como "queixa" que dever ser investigada. Tra-ta-se de buscarmos, com todos os envolvidos, as aes, os aconteci-mentos, as concepes que "produziram" a "queixa" e "motivaram"seu encaminbamento, conforme nos indica Machado (2000).A avaliao aqui adquire carter investigativo e no classifi-catrio, do que conclumos que a base de nossa avaliao o resgatehistrico das situaes concretas que permitiram a existncia da "quei-xa". Identificar as possibilidades concretamente existentes para asuperao dessa condio, constitui-se no desafio da interveno.Conforme Vigotski (Duarte, 2000, p. 87), devemos:

    - Saber descobrir sob o aspecto externo do processo seucontedo interno, sua natureza e sua origem. Toda a dificul-dade da anlise cientfica radica no fato da essncia dosobjetos, isto , sua autntica e verdadeira correlao nocoincidir diretamente com a forma de suas manifestaesexternas e por isso preciso analisar os processos; preci-

    A ATIJAODOPSICWGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO

    so descobrir por esse meio a verdadeira relao que subjaznesses processos por detrs da forma exterior de suas ma-nifestaes. Desvelar essas relaes a misso que h decumprir a anlise.

    Para dar conta desse trabalho, Collares e Moyss (1997) suge-rem que o psiclogo deve olhar no para o que a criana no tem eIIl10 sabe, mas para o que ela sabe e gosta de fazer. Assim comoludica Meira (2000), o profissional deve articular o processo de ava-lln o/interveno a part ir daquilo que todos apresentam como da-dos concretos, j conbecidos, como entendem e agem nas situaesupresentadas.Nesse caso, com a criana observamos nas atividades realiza-dlls durante os encontros, os aspectos que esto relacionados comnossa investigao, elementos que revelam seu potencial de aprendi-zugem quando colocada diante de situaes-problema, desafios. Com1 1 famlia e a escola, investigamos as concepes, as hipteses sobre1 1 "queixa", o que fazem para super-Ia e quais so suas expectati-VlIS. Avaliamos e mobilizamos, portanto, as objetivaes, os signifi-cudos, os sentidos atribudos ou a serem atribudos, visando preparar" apropriao de novas possibilidades.

    A interveno tem dois eixos principais que no po-dem ser trabalhados em separado. O primeiro eixo refe-re-se relao desenvolvimento/aprendizagem emHerbert e em todas as pessoas envolvidas, na perspecti-va da constituio das condies de humanizao pelavia do conhecimento de contedos pertencentes tanto educao escolar, quanto Psicologia. O segundo eixorefere-se elaborao de afetos/emoes como motivoscompatveis com a formao da conscincia.

    Quando a professora desiste de ensinar Herbert,aprendizagem dele em relao a novos conhecimentos,fica defasada... Constata-se ausncia de mediao dalinguagem (verbal e escrita) ... Ele no pede, empurra ...

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    34 ELENITADERcio TANAMACIDEMAIuSA EUGNIA MELILLOMEIRA

    ele "manda" a psicloga, ou a me e o pai escreverem oresultado dos jogos ... Ele no utiliza a linguagem comoum recurso nas relaes cotidianas ou mesmo escola-res... As pessoas no conversam com ele, no explicamo que est acontecendo ... Ele tambm no quer escrevero que j sabe, precisa aprender que quem sabe umaparte, com ajuda, poder saber o todo. Precisa ser de-safiado a ouvir as explicaes, precisa ser cobrado ...Necessita entender-se dentro do processo de alfabetiza-o, pode estabelecer uma outra relao com o seu pro-cesso de aprender a le r; escrever, contar. .. Pela via doconhecimento, os motivos comeam a ser compatveis comnovas possibilidades de aprender. ..

    Um dia a psicloga deixou o nome dos colegas deHerbert e o dele prprio na lousa da sala de atendimen-to. Quando ele entrou, ela disse "vou apagar aqui; porque ser que deixaram a lousa assim? .. o que ser queestavam fazendo? Me ajude aqui!" Ele diz "olha o meunome aqui! Ta cheio de nome ... ", e reconheceu mais al-guns nomes. "Herbert, o que voc est fazendo?" "Es-tou lendo nomes!" "Lembra quando voc dizia que nosabia ler? E agora?" "Agora eu j sei "... A psiclogacontinua... "Quem sabe ler alguns nomes, pode ler ou-tros, pode escrever tambm. s ter algum que ensine;para isto existe a escola, professor, ningum nasce sa-bendo ... r r Avaliando o dia, pergunta: "o que aconteceude bom hoje?" Herbert apressa-se ...: "descobri que seiler e que posso escrever" e a psicloga diz "quem preci-sa saber disso? Vamos pensar como contar e vamos fo-tografar, desenhar este momento" ... No mesmo dia, fazuma reunio com afamlia adotiva, na qual Herbert con-ta tudo o que ocorreu ... Depois, as fotos e desenhos vopara a escola... Todos precisam entender e analisar oque aconteceu para incorporar o fato em sua relao

    A ATUAO DO PSICWGO COMOEXPRESSO DOPENSAMENTO 35

    com Herbert e em outras circunstncias semelhantes ...Ele quer contar tudo isso para a famlia biolgica e pede psicloga "voc vai comigo? "...

    Todos precisam tambm entender que a adoo no limite, mas uma condio, assim no pode ser causada no-aprendizagem, da agressividade, do mesmomodo que o trabalho do professor, da famlia e mesmodo psiclogo podem ser condies a serem preserva-das ou superadas. Se tomados como limites, podemimobilizar.

    Quais so as possibilidades concretas existentes paraa superao dessa histria que j no mais somente ahistria de Herbert? Mas, a dele em relao da pro-fessora, dos pais, da psicloga em formao ... Do queefetivamente no d para abrir mo?

    Herbert precisa por sua descoberta a servio daaprendizagem de conhecimentos teis a uma vida, cadavez mais, autnoma e participativa - ele vai fazer 10anos e s pode sair de casa acompanhado, no podever os pais biolgicos quando quer, no faz as ativida-des escolares como os colegas ...

    A famlia adotiva precisa reconhecer a legitimidadeda relao de Herbert com a famlia biolgica e que ofato de ter duas famlias enriquece sua histria. Eleno precisa escolher uma ... Isso deixa todos mais se-guros! Deve ainda entender que a adoo no cau-sadora de dificuldade para aprender... Convencer-sede que ele capaz de aprender ... que a escola podeideve ensinar. ..

    A escola, de posse daquilo que Herbert j capaz defazer, precisa desafi-lo na direo do que ainda nosabe realizar s, solicitando-o, passando tarefas, co-brando sua realizao, avaliando, oferecendo modelos,apresentando conceitos, ensinando ...

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    36 ELENITADERCIO TANAMACmEMAluSA EUGNIA MELIlLO MEIRA

    o psiclogo, como mediador na efetivao de todosesses objetivos, deve superar a condio de "resolvedorde problemas" - que espera a aprovao de Herbert nofim do ano, a reconciliao entre as famlias, enfim fi-nais felizes para encerrar "o caso ", para saber quecomo as finalidades da Psicologia no so as da Edu-cao e nem as das famlias, essa atuao j pode ter seencerrado ...O retorno especificidade da Psicologia, por meio

    da interveno, constitui-se em mais uma etapa de seutrabalho.

    Falemos, ainda, sobre as principais estratgias utilizadas: Temas/situaes geradores? de possibilidades de trabalho: con-dies necessrias para provocar, desafiar as pessoas envolvidas,em busca da superao das condies postas no momento, por meioda "queixa"; geradores, enfim, da atividade principal da criana e dacondio de participao de pais, professores e crianas.

    Um dia Herbert entra na sala de atendimento e vaiem direo a um carrinho de bombeiros l esquecido ...A psicloga tinha planejado outro encaminhamento paraavaliar o conceito de nmero, mas sabendo de sua rejei-o aos contedos escolares, substitui a atividade, man-tendo a finalidade prevista. Arremessou o quebra-cabe-a numrico ao cho, anunciando um incndio e cha-mando pelo bombeiro ... que chegou prontamente. Seusolhos brilhavam! ... Estava preparada a situao gera-dora de muitas possibilidades ... Descobriu, junto com

    9 Parte da fundamentao terica utilizada para a organizao dessa estratgia foiapropriada do conjunto de elaboraes desenvolvidas por Celestin Freinet e PauloFrcire.

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO

    Herbert, motivos para aprender a trabalhar com nme-ros; depois puderam contar isto para os pais e para aprofessora ...

    Cada pea do quebra-cabea era uma casa destruidaem parte pelo fogo, de modo que para reconstru-Ia te-ria que utiliz-Ia adequadamente (conforme as regrasdo quebra-cabea, adequadas para o trabalho com con-ceitos numricos ...).

    Herbert puxou um tapete com os nmeros do quebra-cabea, colocou-os em seqncia e, assim, numerou ascasas a serem restauradas. Disse que as casas ficavamem uma rua ... E como a cena montada no podia ficarna sala de atendimento, a psicloga sugeriu que fosseconstruda com cartolina, para poder guardar Amaquete teria de ser completa e Herbert caprichou fezplacas, sinal de trnsito e escreveu "PAE" (pare), temum posto e escreveu "POT" ... e fez o convite para areinaugurao da rua, pediu o alfabeto mvel e come-ou a organizar o convite, escreveu tudo o que j sabiacom ajuda da psicloga, fez todo o convite. Indagadosobre o que faziam, disse "escrevemos ". "Ento, j sabeescrever? Vamos fotografar, registrar. O que vamos fa-zer?" O menino diz: "vou contar pro meu pai, minhame e minha professora ", "Como?" "Mandando o con-vite de reinaugurao da rua para eles ".

    Jogos coletivos, como estratgias para a compreenso dasontradies no explicitadas na "queixa" ou para evidenci-Ias.A psicloga marcou o encontro de Herbert junto com

    o de outra criana atendida por sua colega... e plane-jou um jogo ...

    Herbert ensinou o menino a jogar, o menino ganhouo jogo e ele xingou o menino ...

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    38 ELENlTADERCIO TANAMACHIE MARlSA EUGNIA MELILLOMEIRA

    Dinmicas que permitam ultrapassar os limites individuais co-locados pela "queixa".Em uma dinmica envolvendo ~ma volta ao passado,

    os pais adotivos contaram as suas histrias de vida paraa psicloga e para o Herbert e ele quis saber a dele ... edepois quis conversar com os pais biolgicos sobre isso ...

    Leitura e discusso de textos e relatrios e planejamento con-junto de atividades.A anlise e discusso de um texto sobre aprendiza-

    gem/desenvolvimento, ajuda o pai adotivo entender queHerbert no igual ao pai biolgico. "Ento, no esttudo definido quando nasce?"

    A leitura conjunta dos relatos dos encontros anterio-res e do planejamento do trabalho, aps os primeirosencontros, permite a Herbert posicionar-se "no preci-sa ir l na escola, eu no vou mais porque sou burromesmo! O pai falou que eu vou puxar carroa "... O paie a me adotivos no querem marcar reunio com a fa-mlia biolgica: "Pode tirar isso do planejamento ".. .

    Ao ver o relatrio do encontro no qual o Herbert leue escreveu, a me adotiva disse ao pai: "Eu no faleique ele esconde o jogo? "...

    A psicloga muda o jeito de escrever. .. faz novo pla-nejamento ... Redige texto para leitura e discusso.Em outro momento, estavam todos reunidos, em aten-dimento conjunto, famlia biolgica, Herbert, a psiclo-ga, organizando as etapas do trabalho, at onde pode-ria chegar a interveno, qual o lugar de cada um nesteprocesso!

    Grupo de crianas para privilegiar a relao que elas tm como que sabem, gostam, querem fazer, enfatizando os conhecimentos

    A ATUAO DO PSICLOGO COMOEXPRESSO DOPENSAMENTO .. ,

    1 1 1 1 cada um no coletivo - tomado como o espao de manifestaodnHdiferentes nveis de conhecimento.Cada criana seleciona uma atividade que sabe fa-zer e que os demais no conhecem ... planeja com o

    psiclogo os passos para ensinar os colegas e a cadaencontro uma delas coordena com a psicloga os tra-balhos ... Herbert fez a lista de material para ensinar afazer pipa (escreveu o que j sabia e pediu ajuda emcasa, na escola e para a psicloga .. .), foram comprare arrumar o material, pensou com a psicloga comoensinar aos colegas. No dia da reunio, ele fez passoa passo, mostrando aos colegas ... Olhava o trabalhode cada um... Um menino no conseguiu fazer, ele dei-xou a sua pipa e ajudou o menino at dar certo, depoisvoltou para a sua ...

    Depois foram escrever o material para todos guar-darem. Herbert pe na lousa ... Quando pula letras naspalavras, outro colega vai l e completa. A lista fica pron-ta... Na avaliao, todos disseram: "o Herbert ensinoua fazer certinho ... as pipas subiram... ele sabe fazer. .. s s

    Grupo de pais: para discutir diferentes formas de ocupar seuIIN pU O na educao escolar do filho e para se posicionarem em re-l u o s questes da escola, da Psicologia, da medicalizao e ou-II'IIS tantas que surgem no decorrer do trabalho.

    Em uma das reunies mensais, a atividade inicialera ler um texto em alemo, para entender como osfilhos podem sentir-se em situaes variadas na es-cola ou em casa ... quando exige-se a tarefa pronta,quando se pede para fazer o que j for possvel ...Na avaliao, um pai concluiu: "quando voc sabeque pode fazer o que d, descobre que j sabe muitacoisa " ...

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    40 ELENlTA DE RCIO TANAMACHI EMARrSA EUGN IA MEL ILLO MElRA

    Noutra reunio, a me conta que o filho no tomavao remdio que o neurologista passou (ela descobriu queele jogava no lixo) e concluiu: "ele-no podia estar maiscalmo por causa do comprimido (...). Eu no insisti maispara ele tomar ",

    Outro dia, uma me disse me de Herbert: "L emcasa eu falo: venha comer! e ponho o prato. Se no vierna hora, fica sem comer e ele no faz mais isso! No seiporque tem de ser diferente para o Herbert! Experimen-te fazer assim ".

    No primeiro encontro, as psiclogas contaram quem o psiclogo, o que ele faz ... Uma me disse: "naqueleque eu ia antes no era assim, aqui diferente ... " Foipossvel falar de formas diferentes de atuar e de finali-dades para cada uma delas, discutindo as finalidadesdo trabalho que fazemos.

    Grupo de professores e reunies na escola para colocar osconhecimentos da Psicologia a servio do trabalho pedaggico.Em atividade conjunta, a professora de Herbert fa-

    lou para a psicloga que "no chama ele na lousa, paraele no passar vergonha ... " A psicloga perguntou:"quem quer vir lousa?" Herbert foi o primeiro "Es-creve a, Herbert ... professora ". Ele escreve pO , cha-ma o colega e pede ajuda e escreve corretamente. Todoslem "professora " ...

    Assim planejam e discutem inmeras situaes. A psi-cloga prepara texto para explicar a lgica de sua in-terveno ... A professora pede para apresentar em reu-nio. Psicloga e professora preparam e coordenam areunio na escola ...

    Visitas domiciliares e ao bairro: para investigar e compreendera dinmica familiar e as relaes entre o bairro e a escola.

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO .

    Herbert queria ir casa da famlia biolgica. A psi-cloga marca reunio na casa da famlia adotiva paradiscutir a visita. A me fala: "se for, tenho medo de queno volte ": as irms e o pai " bom que fique ";... Herbertfala: "eu s quero passar o dia com eles, eu gosto devocs". A me diz: "ele no sabe o caminho". A psiclo-ga no aceita que a me explique, deixando que ele aconduza; chegam certinho.

    Conversam muito, ele brinca com os irmos biolgi-cos. Todos falam com muito respeito da famlia adotiva.Na volta, muita coisa para contar e analisar!

    Eventos cientficos para entender que todos os participantesdo trabalho contribuem com a elaborao do saber/fazer PsicologiaIlscolar.Em um congresso na universidade, para fazer o pai-

    nel do trabalho desenvolvido junto demanda de "quei-xa escolar", tnhamos fotos dos grupos de crianas e depais. Precisvamos de autorizao para a exposio.Levamos o painel para os grupos de pais e crianas.Contamos sobre o evento, para que servia e que semeles a formao dos psiclogos no se efetiva como jul-gamos que deva ser. Uma me disse: "anota a, vocesqueceu de contar aquele dia que eu descobri que mi-nha filha no tinha nascido com problema, mas que sealgum tivesse ensinado antes ela teria aprendido, ago-ra ela sabe". O pai adotivo de Herbert disse: "ele querir l, posso levar?".

    Na apresentao do painel, l estava Herbert, o paiadotivo e a estagiria. Quando comearam a chegar osobservadores, Herbert chamou um grupo de alunos dePsicologia e a supervisora do estgio: "vem c ver a fo todo meu grupo ... este aqui sou eu! Sabe por que eu estouaqui?. .." E contou a histria do trabalho para todos, junto

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    42 ELENITA DERCIO TANAMACHI E MARrSA EUGNlA MEWLOMEIRA

    com a psicloga e o pai. Nos detalhes dizia: "Este aquifoi o dia que eu descobri que sabia ler' e escrever e agoraque no preciso mais ir no CPA, falo com a psicloga porcarta ou p or e-mail, quando d saudade".

    O envolvimento das pessoas relacionadas s situaes deescolarizao em questo, compreendendo-as e transformando-as, o resultado geral das investigaes.Os professores apropriam-se de peculiaridades de seu trabalhoe dos alunos que no haviam compreendido.Os pais descobrem capacidades e especificidades de seus filhose de sua prpria relao familiar.As crianas apropriam-se de suas possibilidades de aprender.O psiclogo define seu lugar nesse processo e organiza novos co-nhecimentos sobre a Psicologia na Educao, quando retoma teoria.Consideramos que este trabalho a expresso concreta doreferencial anunciado, pois enfoca as diferentes relaes das quais acriana participa, mobiliza todos os elementos presentes nessas rela-es e pe o psiclogo em condies de mediar , junto com o profes-sor, a construo do sentido pessoal e social do processo de ensinare de aprender de todos os part icipantes.

    3. A ATUAO DO PSICLOGO EM INSTITUIES DEENSINO

    Tomando como fundamento as categorias do pensamento crti-co e suas expresses nos pressupostos da Pedagogia histrico crti-ca e da Psicologia sociohistrica, defendemos que o objeto do psic-logo em uma instituio de ensino - escolas de educao infantil,ensino fundamental e mdio; creches; universidades; projetos edu-cacionais ligados a diferentes instituies pblicas e privadas; traba-lhos de educao popular, etc - o encontro entre os sujeitos e aeducao e a finalidade central de seu trabalho deve ser a de contri-

    A ATUAO DO PSlCWGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO 43

    huir para a construo de um processo educacional que seja capaz110socializar o conhecimento historicamente acumulado e de contri-buir para a formao tica e polt ica dos sujeitos.Assim, o principal critrio para a delimitao das reas de inter-veno mais importantes relaciona-se diretamente com a definiodo quanto a atuao da Psicologia pode contribuir para que a escola'umpra sua funo social. Nesta perspectiva, o psiclogo no um"rcsolvedor" de problemas, um mero divulgador de teorias e conhe-

    clrnentos psicolgicos, mas um profissional que dentro de seus limi-h.:se de sua especificidade, pode ajudar a escola a remover obstcu-los que se interpem entre os sujei tos e o conhecimento e a formar.idudos por meio da construo de prticas educativas que favore- u m processos de humanizao e reapropriao da capacidade depensamento crtico.

    Para dar conta dessa tarefa, o psiclogo deve compreender deforma mais aprofundada tanto as maneiras pelas quais o trabalhoxlucativo produz nos indivduos singulares a humanidade que produ-zida histrica e coletivamente pelo conjunto dos homens (Saviani, 1991),dcsernpenhando o papel de atividade mediadora entre a esfera da vidacotidiana a as esferas no-cotidianas de objetivao do gnero huma-110 (Duarte, 1995), quanto as funes e a natureza social do desenvol-vimento cognitivo, dos afetos e emoes no processo de humanizaodesses indivduos pela via da apropriao da cultura.Esta fundamentao pode tomar o profissional capaz de con-(rib ui r para o processo de desvelamento ideolgico de uma srie deklias e concepes cristal izadas e combater em diferentes instn-~is as explicaes psicologizantes que buscam re-situar os pro-blemas educacionais como problemas dos prprios alunos. evidente que cada instituio apresenta. necessidades e parti-cularidades que devem ser compreendidas, respeitadas e trabalha-dus. No entanto, parece-nos oportuno apresentar neste texto alguns.lcmentos que podem, em alguma medida, contribuir para o delinea-mento de propostas de interveno fundadas em finalidadesIrunsformadoras.

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    44 ELENITA DERCIO TANAMACHI EMAluSA EUGNlA Mmru,o MEIRA

    Para facilitar a exposio, apresentaremos estas reflexes or-ganizadas em trs tpicos: fundamentos, metodologia e sistemticado trabalho em instituies de ensino.Principais fundamentos do trabalho em instituies de ensino

    Como j evidenciamos anteriormente, independente do espaosocial e da rea de atuao que o psiclogo escolar esteja ocupando,as bases filosficas e tericas nas quais assenta seu trabalho so asmesmas, desde que elas lhe garantam a compreenso e a possibilidadede interveno crt ica e competente em contextos educativos.Entretanto, preciso destacar que o trabalho em instituieseducacionais apresenta certas especificidades que exigem do pro-fissional o domnio mais aprofundado de algumas mediaes teri-cas, dentre as quais destacaremos trs que nos parecem ser asmais importantes: a compreenso de possveis articulaes entreteorias de aprendizagem e prticas educativas; a anlise cr tica doespao social da sala de aula e a concepo de conhecimento comoinstrumento do vir a ser.Articulao entre teorias da aprendizagem eprticaspedaggicas

    Conforme aponta Antunes (2000)., ao longo de nossa histria aPsicologia tornou-se parte constitutiva do pensamento educacionalbrasileiro.Isso significa que possvel localizar com maior ou menor graude clareza e importncia diferentes contribuies da Psicologia, pro-venientes de variadas tendncias tericas, nos processosconstitutivos dos iderios pedaggicos que fundamentam prticas epropostas educacionais no Brasil.E, se verdade que os conhecimentos psicolgicos podem efe-tivamente contribuir para a elaborao de propostas mais consisten-

    A ATUAO DO PSICWGO COMOEXPRESSODO PENSa.\4ENTO .

    lus que resultem em melhorias do processo ensino aprendizagem, fundamental que o psiclogo escolar compreenda e domine tanto osrcferenciais da psicologia, quanto da educao.Existem mltiplas possibilidades de articulao entre teoriasriu aprendizagem e prticas pedaggicas. Nesse texto, destacamos

    \I tema das relaes entre desenvolvimento e aprendizagem emlima perspectiva sociohistrica.Um processo pedaggico qualitativamente superior pode ser.onstrudo por meio de inmeros caminhos e, neste sentido, no exis-I~uma definio suficientemente ampla que possa dar conta de to-das as possibilidades. No entanto, podemos afirmar de maneira geral. um tanto bvia, que um bom ensino aquele que garante umaaprendizagem efetiva. Neste sentido, um bom professor aqueleque d conta de ensinar seus alunos.Mas, o que preciso para que um professor ensine de fato?Poderamos enumerar uma srie de condies tais como: formaoidequada, salrios dignos, espaos de estudo e reflexo, valorizaosocial e tantas outras mais. Embora estas sejam questes fundamen-luis, neste momento, vamos analisar de forma mais detida o valor e aimportncia de uma adequada compreenso do desenvolvimento hu-mano e de suas articulaes com a aprendizagem e as relaes soei-nis, j que no se pode verdadeiramente ensinar se no se considerar.omo o aluno aprende, ou ainda, porque s vezes ele no aprende.Se a escola a instncia socializadora do conhecimento histo-ricamente acumulado e se a finalidade da ao docente se concre-liza na tarefa de ensinar e ensinar bem, preciso que o professorselecione tanto os elementos culturais que precisam ser assimila-dos pelos alunos, quanto as formas mais adequadas para atingir'ste objetivo.De acordo com Saviani (1992), os educadores devem nortearxua ao a partir de trs objetivos fundamentais: a identificao daslormas mais desenvolvidas em que se exprime o saber objetivo soei-nlrnente produzido; a transformao deste saber objetivo em saber.scolar que possa ser assimilado pelo conjunto dos alunos e a garan-

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    tia das condies necessrias para que estes no apenas se apropri-em do conhecimento, mas ainda elevem seu nvel de compreensosobre a realidade.Mas a tarefa docente vai muito mais alm, j que aps ter defi-nido os contedos e delimitado a metodologia e os recursos pedag-gicos a serem utilizados, o professor ainda tem de enfrentar um novodesafio: o fato de que nem todos aprendem do mesmo modo, nomesmo momento e r itmo. Alm disso, alguns alunos parecem sim-plesmente no aprender nada.Dentre as vrias explicaes para o no aprender que sofreqentemente utilizadas nos meios educacionais, a mais conhecida aquela que parte da idia de que os alunos no aprendem porqueno esto "prontos".

    Uma anlise crtica desse tipo de abordagem denominadamaturacionista aponta para pelo menos duas questes principais.Em primeiro lugar , a af irmao de imaturidade neurolgica, inte-lec tual ou emocional da cr iana s possvel se tomarmos o adul tocomo padro, o que significa que essas explicaes desconsideramque o ser humano histrico e est em um permanente processode construo. Conforme apontam Collares e Moyss (1996), oconceito de imaturidade colocado nesses termos no possui nenhu-ma legitimidade cientfica, j que, desde o nascimento e aolongo detoda a sua vida, o ser humano apresenta as caractersticas f s icas ,emocionais e cognitivas adequadas e convenientes a cada momen-to determinado, ou seja, no podemos considerar a criana comoum ser imaturo pelo simples fato de diferenciar-se de um adulto.Interessa-nos, outrossim, discut ir de forma mais aprofundada asegunda questo, que se relaciona com o pressuposto mais geral quefundamenta essa forma de compreender as dificuldades de aprendi-zagem dos alunos: a idia de que ela depende diretamente do desen-volvimento. Esta perspect iva considera que determinados alunosapresentam dificuldades porque no atingiram o nvel de desenvolvi-mento psicointelectual necessr io . Assim, o professor no pode en-sinar porque estes alunos no tm condies de aprender, no lhe

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO 47

    restundo outra alternativa a no ser esperar que eles fiquem "madu-1'\IS", para s ento cumprir sua funo social.

    Consideramos que para rompermos com o maturacionismo preciso transformar a concepo de conhecimento e de como elepode ser transmitido pelos professores e apropriado pelos alunos.1 1, 1 11 outras palavras, preciso compreender de uma nova forma asrelaes entre desenvolvimento e aprendizagem.Encontramos esse novo olhar nas contribuies de L. S. Vigotski,para quem o principal fato humano a transmisso e assimilao da.ultura, Assim, a aprendizagem alada a uma posio de extremaImportncia, na medida em que se constitui em condio fundamen-

    1 1 1 1 para o desenvolvimento das caractersticas humanas no natu-ruis, mas formadas historicamente.

    Vygotsky (1977) concorda que existe uma relao entre um de-terminado nvel de desenvolvimento e a capacidade ou competnciapara a aprendizagem de certos contedos. No entanto, a grande ino-vao proposta por ele a defesa de que no existe um nico nvelde desenvolvimento, mas sim dois: o nvel de desenvolvimento atual!a zona de desenvolvimento prximo (no Brasil tambm so utiliza-das as expresses potencial e proximal).O nvel de desenvolvimento atual corresponde ao nvel de de-senvolvimento da criana que foi conseguido como resul tado de umprocesso de desenvolvimento j realizado.O professor atento aos seus alunos pode perceber o nvel dedesenvolvimento efetivo de seu grupo observando o que cada um .apaz de realizar de maneira independente, ou seja, o que j poss-vel em funo do desenvolvimento que foi efetivado at o momento.No entanto, essas expresses no so capazes de explicar comple-tamente o processo de desenvolvimento das crianas. necessarloainda que se busque apreender a zona de desenvolvimento prximoque corresponde ao que a criana capaz de realizar com a ajuda deadultos ou companheiros mais experientes.Trazendo essa discusso para o universo da sala de aula, taisreflexes apontam que o fato dos alunos no conseguirem realizar

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    48 ELENlTA DERCIO TANAMACHIE MAmsA EUGNlA MEULLO MEIRA

    sozinhos determinadas atividades no significa que eles no tenhamcondies para tanto. Ocorre que, naquele. momento, as capacida-des cognitivas necessrias realizao das tarefas propostas encon-tram-se em processo de formao, razo pela qual esses alunos ne-cessi tam do auxl io do professor, que pode vir em forma de novasexplicaes, apoio afetivo, atividades diferenciadas, organizao detrabalhos em grupo, jogos, brincadeiras, etc.Para Vigotski, o ensino no deve estar "a reboque" do de-senvolvimento. Ao contrrio, um processo de aprendizagem ade-quadamente organizado capaz de ativar processos de desen-volvimento.

    . importante ressaltar que essa perspectiva aponta para o res-gate do papel ativo do professor em relao aos processos de apren-dizagem e desenvolvimento de todos os alunos, especialmente da-queles que apresentam mais dificuldades.O professor que sabe que o desenvolvimento cria potencialidades,mas que s a aprendizagem as concretiza, aquele que se volta parao futuro, para dar condies para que todos os seus alunos se desen-volvam e que, portanto, busca intervir ativamente nesse processo,no se limitando a esperar que as capacidades necessrias com-preenso de um determinado conceito algum dia "amaduream".Esse professor que sabe que seus alunos se desenvolvem medida em que os ensina e os educa, que poder contribuir para areverso dos processos de produo do fracasso escolar.

    A sala de aula como local de formao social da menteA sala de aula o lugar onde a educao de fato acontece, jque o espao no qual professores e alunos se encontram e constro-em o processo educativo.Assim, se a sala de aula consti tui-se no espao privilegiado daeducao preciso compreender que existe uma clara correspon-dncia entre a qualidade do trabalho pedaggico e as prticas e con-cepes que lhes do sustentao.

    A ATUAO DO PSlCWGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO

    As diferentes maneiras pelas quais se constri o encontro entreprofessores e alunos trazem conseqncias importantes tanto no que. refere ao processo de transmisso e apropriao dos conheci-mentes, quanto no que se refere a formao de atitudes e valores.Podemos afirmar, portanto, utilizando a expresso que d ttulo alima das obras mais conhecidas de Vigotski, que a sala de aula de1'1Ilom local de formao social da mente.Essa compreenso pode iluminar de diferentes maneiras a an-lise dos processos psicolgicos e pedaggicos que se constroem e setecem de forma articulada no cotidiano das escolas. Vrias questespodem decorrer dessa concepo de sala de aula. Podemos desta-.ur as seguintes: A aprendizagem um processo. Em funo do momento dedesenvolvimento no qual se encontra, o ser humano compreende eInterpreta de diferentes maneiras os fenmenos com os quais se de-Ironta, sejam eles de natureza fsica, social ou psicolgica. Em ou -tras palavras, quando a criana apresenta uma resposta diferentedaquela esperada pelo adulto, no podemos afirmar que ela simples-mente cometeu um erro. Na verdade, ela apresentou a resposta quelhe foi possvel para aquele momento. Por isso, fundamental co-nhecer e respeitar o processo de pensamento infantil como ponto departida do processo educativo; A aprendizagem escolar requer art iculao entre os concei-tos cotidianos ou espontneos - aqueles construdos pela experin-'ia de vida - e os conceitos cientficos - aqueles conhecimentossistematizados que, para serem adquiridos, dependem diretamentedo trabalho desenvolvido pela escola; A atividade do indivduo condio fundamental para que:I aprendizagem ocorra. Compreende-se, pois, que o educador no"deposita" o saber na cabea do educando nos moldes da educa- o "bancria", denunciada por Paulo Freire; por outro lado, sabetambm que no deixando o educando sozinho que o conheci-mento ir "brotar" de forma espontnea. Resgata-se, assim, opapel ativo do professor, pois ele quem poder garantir, pela

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    50 ELENITA DERCIO TANAMACHI EMAmSA EUGNlA MELILLOMElRA

    organizao intencional de uma proposta de trabalho adequada,as condies necessrias aprendizagem e ao desenvolvimentode seus alunos; A aprendizagem depende da social izao. O conhecimento construdo, transmitido e apropriado necessariamente na relaocom outros. fundamental que a escola favorea o maior nmeropossvel de oportunidades de vivncia de relaes sociais significa-tivas. Acreditamos que um dos caminhos para garantir algumasdas condies necessrias para o estabelecimento desse tipo derelaes no contexto de sala de aula o trabalho em grupo. Embo-ra a relao entre os alunos seja vista como secundria e at comoelemento perturbador do andamento das aulas, as elaboraes te-ricas desenvolvidas por Vigotski indicam que a interao aluno-aluno fundamental no processo de socializao e desenvolvimen-to cognitivo; A aprendizagem requer motivao. S h atividade verdadei-ra e com sentido se houver motivao. Na medida em que impos-svel separar processos intelectuais e afetivos, para que a aprendiza-gem OCOITa, preciso que se estabelea um vnculo que possa levaro aluno a dirigir sua ateno para o objeto do conhecimento. Isso nosignifica, em absoluto, criar situaes artificiais que provoquem amotivao de "fora para dentro". Trata-se de pensar em um proces-sopedaggico que motivador porque faz sentido para o aluno, comouma resposta para sua necessidade de compreender melhor sua vida

    e a vida em sua sociedade; A aprendizagem no se separa da individualidade. O desen-volvimento determinado pelas relaes sociais, mas cada um dum sentido particular a essas vivncias. Assim, preciso estar atentoao mesmo tempo para as maneiras a partir das quais o desenvolvi-mento da espcie humana determinado pelas condies sociais eculturais que afetam todos os homens, mas tambm para o fato deque esse processo tambm comporta uma dimenso de singulari-dade pessoal. Conforme aponta Seve (1989), as relaes dos ho-mens com a natureza e entre si desenvolvem-se ao mesmo tempo

    A ATUAO 00 PSICLOGO COMOEXPRESSO 00 PENSAMENTO

    numa formao social e numa formao individual especf icas, ouseja, embora a essncia humana encontre-se no seio do mundoocial, a forma psicolgica dessa essncia s pode existir numaIIdividualidade concreta. Assim, a vida humana constitui -se de atospessoais que so mediados em todos os nveis, at os mais ntimos,pc!o mundo social e, ao mesmo tempo, plenos de sentido dado pelabiografia de cada indivduo. Por isso, imprescindvel que o educa-dor conhea de fato a realidade dos alunos. a compreenso dasrupresentaes e vises de mundo, dos interesses e valores dosnlunos, que poder indicar os pontos de articulao com o conheci-mente que deve ser apropriado;

    O conhecimento tambm conscientizao e instrumento de(rn nsfo rm a o social. Como ensinou to bem Paulo Freire (1979), aeducao prtica de liberdade, aproximao crtica da realidade.A conscientizao que o conhecimento possibilita implica necessari-umcnte ultrapassar a esfera espontnea de apreenso da realidade1\, por isso, ela pode colocar os homens no lugar de sujeitos que fa-zcm e refazem o mundo. Concordamos com Duarte (1995), que otrubalho desenvolvido na escola tem um papel fundamental no pro-\,l;SSO de formao da individualidade humana, j que as prticaspedaggicas podem enriquecer os indivduos pela mediao dasobjctivaes genricas para-si.t) conhecimento como instrumento do viraser

    Para pensarmos o conhecimento como instrumento do vir a ser,I'preciso, antes de mais nada, rompermos com a idia da existnciaIk uma natureza humana fixa, imutvel, natural, dada a priori.Conforme aponta Bock (2000, p.14), o homem tem sido pensa-do, tanto na cincia quanto no senso comum, a partir dessa idia deuntureza humana, sendo concebido como portador de uma essncianu tur al e universal. Assim, se consolida a idia de que haveria emII I'S uma semente de homem que vai desabrochando, conforme so-I I IOS estimulados adequadamente pelo meio cultural e social.

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    52 ELENlTA DERClO TANAMAClfl E MAIuSA EUGNlA Msuu.o MEIRA

    Para a autora, a Psicologia no tem sido capaz de falar do fen-meno psicolgico em sua articulao com a vida, as condies eco-nmicas, sociais e culturais nas quais se inserem os homens. Emsuas palavras:

    Fala-se da me e do pai sem falar da famlia comoinstituio social marcada historicamente pela apropria-o dos sujeitos; fala-se da sexualidade sem falar da tra-dio judaico-crist de represso sexualidade; fala-seda identidade das mulheres sem se falar das caractersti-cas machistas de nossa cultura; fala-se do corpo sem in-seri- lo na cultura; fala-se de habilidades e aptides de umsujeito sem se falar das suas reais possibilidades de aces-so cultura; fala-se do homem sem falar do trabalho;fala-se do psicolgico sem falar do cultural e do social.Na verdade, no se fala de nada. Faz-se ideologia (Bock,2001, p. 25).

    Em uma perspectiva crtica, a viso sociohistrica alerta parao fato de que pensar o homem dessa forma significa naturalizaros fenmenos humanos e desconsiderar todo o processo histri-co que determina a consti tuio do ser humano. Por isso, a par-tir dessa concepo preciso trabalhar com a idia de condiohumana, de construo social do psiquismo humano, que nospermita compreender a plasticidade do sistema psicolgico hu-mano. E a possibilidade permanente' de mltiplas transforma-es do sujeito ao longo de seu processo de desenvolvimento,aponta, entre outras coisas, para a importncia da intervenoeducativa.Desta forma, podemos compreender o desenvolvimento de for-ma prospectiva, de modo a que possamos estar atentos para a emer-gncia daquilo que novo. Conforme ensinou Vigotski (1987), pre-ciso transformar a direo de nosso olhar para que possamos noapenas buscar colher os "frutos" do desenvolvimento, mas sobretu-do saber reconhecer seus "brotos" ou "flores".

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO

    Metodologia de trabalhoPartimos do pressuposto de que a educao transforma o mun-do de forma mediada; por isso entendemos que os processos educa-.ionais so, antes de mais nada, instrumentos de educao das cons-.incias. fundamental em todos os momentos possveis contribuirpara a constituio de sujeitos capazes de olhar para o seu cotidiano. relacion-lo com a realidade num plano mais amplo, de se envolver.om aes que tenham como horizonte a transformao social.Para que a Psicologia possa contribuir com a construo da ci-dadania no interior das prticas educativas, dentro e fora da escola, preciso construir metodologias de trabalho fundadas em um movi-mento de ao/reflexo/ao, de tal forma que todos os envolvidos

    possam refletir sobre a prpria prtica social, buscar elementos te-ricos que venham a iluminar essa prtica de modo qualitativamentediferente e comprometer-se com o desenvolvimento de projetos queuuduzam em aes concretas essa nova compreenso crtica sobrex i mesmo e sobre a realidade social.Com isso, rompe-se com a idia do psiclogo escolar como umtcnico e se toma possvel pens-lo como um elemento mediador que- junto com educadores, alunos, funcionrios, direo, famlias e co-munidade - poder avaliar criticamente os contedos, mtodos de en-sino e as escolhas didticas que a escola faz como um todo. Assim, elepode participar de um esforo coletivo voltado para a construo deum processo pedaggico qualitativamente superior, fundamentado em1 1ma compreenso cr tica dopsiquismo, do desenvolvimento humano ede suas art iculaes com a aprendizagem e as relaes sociais.Este trabalho de mediao s possvel se houver um investi-mento contnuo e sistemtico na art iculao de projetos coletivosque viabilizem, de diferentes maneiras, processos de efetiva partici-pao social no campo da educao, dentro e fora da escola. Issosignifica que os possveis beneficirios dos servios da Psicologiadevem ser, antes de mais nada, sujei tos ativos e no apenas objetospassivos de aes sobre as quais no tm qualquer controle.

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    54 ELENITADERCIO TANAMAClU EMAIuSA EUGNlA MEULLO MEIRA

    Embora existam diferenas mais ou menos significativas na ar-ticulao dos passos metodolgicos que caracterizam os processosde interveno, podemos dizer que, em sntese, existem quatro "mo-mentos" principais: Reflexo sobre a vida cotidiana da escola em suas mais dife-rentes expresses; Anlise cr tica dessa realidade a partir do recurso a elementostericos disponveis que permitam compreend-Ia como construosocial historicamente datada, ou seja, como objeto possvel da aohumana transformadora; Reflexo e planejamento de aes que podem ser desenvolvi-das buscando as transformaes desejadas; Desenvolvimento de projetos que traduzam em aes concre-tas o compromisso tico, pol tico e profissional com a construo deprocessos educacionais humanizadores.Sistemtica de trabalho

    Em linhas gerais, a sistemtica de trabalho envolve quatro mo-mentos principais: avaliao da realidade escolar e/ou institucional,discusso dos resultados preliminares com todos os segmentos dainstituio educacional, elaborao e de execuo do plano de in-terveno. evidente que na prtica nem sempre esses momentos suce-dem-se da forma como esto sendo apresentados. No entanto, importante destac-los separadamente para que se possa evidenciaro papel e a importncia de cada um deles.oprocesso de avaliao

    Quando um profissional no compreende adequadamente suaprpria realidade de trabalho predominam atividades mais espordi-cas e assistemticas, que se limitam a demandas consideradas

    A ATUAO DOPSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO --------.rnergenciais. Desta forma, os eixos de atuao acabam resultandode uma imposio externa da direo da instituio ou de uma deci-so pessoal do profissional, baseada naquilo que ele julga ser maisadequado ou conveniente. Em qualquer uma das situaes no serenem as condies necessrias para a construo de uma propos-Ia consistente que possa constituir-se na expresso de uma sntese.riativa e cr tica entre os conhecimentos da Psicologia e as necessi-dades e possibilidades de cada escola.Por tudo isso, uma avaliao adequada a primeira condiopara a articulao de um bom plano de ao, com objetivos, metas e'stratgias definidas.Para que seja efetivo e realmente leve a uma compreenso ade-quada da realidade a ser trabalhada, o processo de avaliao deve.nvolver uma multiplicidade de fatores, trazendo pelo menos o se-iuinte conjunto de dados: Relativos organizao da escola: nmero de turmas (total,por perodo e srie); nmero de alunos (total, por perodo e srie);nmero de professores (total e por srie); nmero de funcionrios edescrio de funes e atividades; servios prestados aos alunos e ;omunidade; esquema de reunies (de direo e professores, de pro-cssores; de alunos, de funcionrios, de pais, etc); Relativos aos recursos fsicos da escola: nmero e condiesdas salas de aula; laboratrios; biblioteca (quantidade, qualidade doacervo e condies de acesso); salas de reunio; salas de projetos;.quipamentos e materiais disponveis (televiso, computadores, im-pressoras, vdeocassete, filmadora, retro-projetores, mquina foto-grfica, xerox, projetor de slides, filmes educativos, etc); quadras de.sporte; jardins e reas de lazer; Informaes sobre o corpo docente: formao dos professo-res (bsica, graduao, ps-graduao); condies de estudo e re-llcxo; salrio e condies de trabalho; tempo mdio de perrnann-'ia dos professores na escola; experincias educacionais antei iores; O trabalho pedaggico: metodologia utilizada; recursos didti-os; relao entre professores e alunos; contedos trabalhados; tipo

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    56 ELENITA DERCIO TANAMACHlE MAmSA EUGNlA MEULLO MEffiA

    de rotina construda em sala de aula; critrios de organizao e atri-buio das classes; processos de avaliao; A equipe que dirige a escola: formao, tempo de experincia

    e forma de escolha do diretor; nmero de coordenadores e respecti-vas funes; Elementos quantitativos sobre a progresso escolar dos alu-nos: ndices de evaso (total, por srie, professor e perodo); ndicesde repetncia (total, por srie, professor e perodo); Dados relativos ao nvel de organizao dos diferentes seg-mentos da escola: Associao de pais e mestres; Conselho de esco-la; Grmio estudantil; projetos em anda.mento; nvel de participaodos pais (nas organizaes formais e no formais); As condies socioeconmicas dos alunos: classe social a quepertence a m aioria dos alunos; profisso e nvel de instruo dos pais

    (geral, por srie e perodo); A histria da escola: ano da fundao; circunstncias que de-terminaram sua criao; O bairro no qual a escola est inserida: caractersticas e hist-ria da localidade; recursos fsicos, institucionais e de servios pre-sentes no bairro; Dados relativos compreenso que os diferentes segmentos daescola e/ou instituio apresentam em relao a seus problemas maisfunda.mentais. Neste campo preciso responder a questes como:quais as "queixas" que se colocam? que tipos de demandas so apre-sentadas como possveis objetos de interveno do profissional?; As expectativas dos diferentes segmentos da escola e/ou institui-o em relao ao trabalho do profissional da Psicologia: o que imaginamsobre a funo de um psiclogo na escola e/ou instituio escolar? qualseria seu papel em relao s demandas apresentadas? As possibilidades e os limites que se apresentam em relaoao trabalho da Psicologia: qual o grau de abertura para o desenvolvi-mento de projetos de ao? quais os principais limites que se apre-sentam? quais seriam os parceiros potenciais para dar incio a umtrabalho coletivo e solidrio?

    A ATUAO DOPSICLOGO COMO EXPRESSODO PENSAMENTO

    No que se refere aos procedimentos de avaliao, os dados po-dem ser coletados junto a documentos da escola - regimentos, regu-lamentos, atas de reunio, livros de ocorrncia, dados estatsticos,fichas de inscrio, histricos escolares, etc.-, direo e coordena-o, professores, alunos, pais e funcionrios.Dependendo das possibilidades e condies, os dados podemser obtidos direta.mente por meio de conversas ou da aplicao dequestionrios e/ou entrevistas dirigidas.o relatrio de avaliao

    O segundo momento do trabalho a discusso dos resultadospreliminares, de preferncia com todos os segmentos organizados dainstituio (professores, coordenadores, funcionrios, pais , alunos, etc).Para subsidiar essa discusso importante que o psiclogo pre-pare e apresente um relatrio escrito contendo todos os dados obti-dos no processo de avaliao. Esse relatrio pode se constituir emum instrumento extrema.mente rico para estimular a reflexo sobreos problemas da realidade institucional, bem como a discusso sobrediferentes formas de enfrentamento dessas dificuldades.Dessa forma, o profissional coloca-se, desde o princpio, comoum mediador que pode contribuir, nas questes que lhe so pertinen-

    res , para a abertura de espaos de discusso e de resgate da capaci-dade de pensamento crtico, o que pode colocar todos os segmentosda escola no lugar de sujeitos ativos.A discusso do relatrio permite que todos possam contribuir parauma compreenso mais aprofundada sobre sua prpria realidade e secomprometerem, de alguma forma, com as transformaes que se fize-rem necessrias para a melhoria do trabalho desenvolvido pela escola.No existe um modelo nico de relatrio e cada profissional podeelaborar aquele que lhe parecer mais adequado. Mas algumas ques-tes importantes devem ser garantidas, tais como: sntese dos princi-pais procedimentos utilizados; apresentao geral dos dados que apontepara uma compreenso globalizada da realidade; indicaes sucintas

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    58 ELENlTA DE RCIO TANAMACHIE MAroSA EUGtNIA MEULLO MEIRA

    e precisas das questes que devem ser trabalhadas e como isto po-deria ser feito.A elaborao do plano de interveno

    o terceiro momento do trabalho a elaborao do plano deinterveno.O plano de interveno deve constituir-se em uma respostas questes levantadas no processo de avaliao. Para tanto, de-vem ser indicados os segmentos que devero ser envolvidos (di-reo, professores, funcionrios, pais, famlias, comunidade) e osobjetivos que se pretende atingir a curto, mdio e longo prazoscom cada um deles, bem como algumas estratgias que seroutilizadas.No existe um modelo nico de plano de interveno, mas al-guns itens no podem deixar de ser destacados: objetivo geral dotrabalho; objetivos especficos dos projetos a serem realizados comcada um dos segmentos a curto, mdio e longo prazos; principaisestratgias a serem utilizadas; condies objetivas necessrias paraa realizao da interveno, tais como horrios de reunio, materi-ais de apoio e de consumo, recursos humanos, etc.

    oprocesso de intervenoO quarto momento do trabalho .o processo de interveno pro-priamente dito.Na medida em que cada realidade nica, no se pode definir a

    priori uma forma de interveno. No entanto, podemos afirmar queo psiclogo escolar deve contribuir de diferentes formas para: a construo de uma gesto escolar democrtica, a partir deuma organizao do trabalho coletiva e solidria; a melhoria da situao docente e o resgate da autonomia, dopapel dirigente e do valor social do professor;

    A ATUAO DO PSICLOGO COMO EXPRESSO DO PENSAMENTO ..

    a construo de relaes sociais que propiciem a formaode vnculos que garantam o mximo desenvolvimento possvel daspossibilidades humanas de todos os envolvidos; o desenvolvimento de aes que contribuam para ampliar aparticipao popular na escola; a definio de planejamentos e diretrizes educacionais que le-vem em conta o nvel de desenvolvimento, os interesses e a realida-

    de dos alunos; a identificao e a remoo dos obstculos que possam estarimpedindo os alunos de se