critérios para interpretação da bíblia

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  • 8/2/2019 Critrios para interpretao da Bblia

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    CRITRIOS PARA A INTERPRETAO DA BBLIAa palavra de Deus enquanto livro

    Osvaldo Luiz Ribeiro

    Introduo

    A Revista da Bblia encomendou-me uma srie de quatro artigos sobreHermenutica. Hermenutica a rea do conhecimento humano que lida cominterpretao. No caso da Bblia, trata-se de interpretao de textos .

    Hermenutica enquanto nome dessa disciplina vem de Hermes, que entre os gregosera o porta-voz dos deuses. Em At 14,12, o povo de Licania trata Paulo comoMercrio. Mercrio era o porta-voz dos deuses entre os romanos: "comearam achamar (...) a Paulo de Mercrio, porque era este quem tomava a

    palavra ". Hermenutica ento vem a calhar como nome da srie de conhecimentosindispensveis a uma boa compreenso da Bblia.

    De um lado, porque a Bblia literatura . A Bblia uma biblioteca de sessenta e seislivros no cnon protestante. A Bblia uma coleo de centenas, ou mesmomilhares de textos. Logo, mais do que justo que haja uma cincia do texto -Hermenutica. Por outro lado, ns cristos tomamos a Bblia tambm como Palavrade Deus. Como os protestantes e por conseqncia os evanglicos noreconhecem porta-vozes divinos (At 14,15), salvo o prprio Esprito Santo, logo, aHermenutica enquanto disciplina assume a responsabilidade de ajudar a cada leitor da Bblia a ouvir a voz da Bblia .

    Nesse primeiro artigo, desejo falar sobre a leitura da Bblia como livro ,independente de ser Palavra de Deus, assunto que trataremos no segundo artigo.Enquanto livro - porque um conjunto de livros e de textos - a Bblia tem critriosprprios. Quais so?

    1. Os critrios literrios da Bblia enquanto livro

    Antes de tudo, deve ficar claro que a prpria Bblia no trata do tema. A Bblia nopra para nos dizer como devemos l-la, j que ela um livro. O que chamamosaqui de critrios literrios so critrios vlidos para qualquer literatura. Issosignifica que o fato de a Bblia ser um livro ou uma srie de livros e textos que nosimpe a pergunta sobre sua leitura adequada.

    Sendo um conjunto de livros , sabemos que no so todos eles do mesmo tipo. Hdiferentes tipos de livros na Bblia: pequenos e grandes, mais ou menos antigos,poticos ou em prosa, histrico-teolgicos ou sapienciais, simples ou complexos,

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    etc. No se trata, ainda, de perguntar como se l cada um desses tipos de livros.Trata-se da pergunta de fundo: qual o critrio para se ler um texto. Trata-se dapergunta sobre onde est o sentido de um texto. E h trs teorias sobre onde est osentido de um texto.

    2. O sentido do texto est na inteno do leitor do texto

    Essa teoria diz que um texto sempre uma coisa que o leitor manipula . O leitor que acaba fazendo o texto dizer o que ele quer dizer. O argumento duplo: a) de umlado, o autor do texto no est mais presente para controlar a sua inteno; b) deoutro, os homens so movidos por suas ideologias, e o leitor l sempreideologicamente os textos.

    Um bom exemplo disso o que diz Justino. Em seu livro Dilogo com Trifo , escritono sc. II d.C., Justino diz ao judeu Trifo que os livros dos judeus no so (mais)dos judeus, mas "nossos" (Paulus, 1995. p. 152). Zuck faz um comentrio em seulivro A Interpretao Bblica : "Justino afirmava que o Antigo Testamento erapertinente aos cristos, mas essa pertinncia, dizia ele, era percebida por meio daalegorizao" (Vida Nova, 1994. p. 10). Na constituio dogmtica catlica Dei Verbum , afirma-se que "a Igreja logo, desde os seus comeos, fez sua aquelatraduo grega antiqssima do Antigo Testamento" (Paulinas, 1966, p. 26). Quandoa igreja se apropria dos textos judaicos e os l como textos cristos, est dizendocom isso que o verdadeiro sentido daqueles textos est com ela , e no com osautores dos prprios textos. Quando a igreja faz isso, consciente ouinconscientemente ela est dizendo que o sentido desses textos est no leitor cristo. Umberto Eco chama essa teoria de intentio lectoris - inteno do leitor (Interpretao e Superinterpretao , Martins Fontes, 1993, p. 27-29).

    Como leitores da Bblia, devemos nos perguntar: lemos a Bblia porquequeremos ouvi-la , ou lemos a Bblia porque ns que sabemos o que ela devedizer? Em outras palavras? O sentido dos textos bblicos est no leitor cristo ?

    3. O sentido do texto est nas intenes do prprio texto

    Faz sentido? O que significa exatamente dizer que o sentido de um texto est no prprio texto ? Significa que o texto deve falar por si s , dizem os tericos da intentiooperis (Eco, p. 27-29) ou inteno da obra (do texto) . Os tericos afirmam que todo

    texto polissmico - ou seja, que tem muitos sentidos. Croatto explica isso muitobem em seu livrinho Hermenutica Bblica (La Aurora, 1984): toda vez que uma fala(que tem um nico sentido) escrita, passa a sustentar vrios sentidos possveis(polissemia). Assim, os textos bblicos so passveis de sustentar vrios sentidos.

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    No se deve confundir inteno do texto com inteno do leitor . Enquanto a teoriada inteno do texto diz que o texto tem vrios sentidos, por outro lado, a teoria dainteno do leitor diz que o leitor enxerga apenas um nico sentido . Digamos assim,o texto potencialmente polissmico; mas na prtica, o leitor enxerga apenas umsentido dentre tantos possveis.

    Penso que essas duas teorias se prestam mais a explicar a prtica da leitura daBblia e suas complicaes em face da ausncia do autor dos textos do querealmente propor uma teoria de interpretao . O prprio Croatto que defendiaa inteno do leitor no seu livrinho citado, ultimamente decidiu-se pela inteno doautor, como se pode perceber de seus ltimos artigos da Revista de InterpretaoBblia Latino-Americana . Vamos, pois, analisar o que a teoria da inteno do autor afirma.

    4. O sentido do texto est na inteno do autor do texto

    Eco chama essa teoria de intentio auctoris , ou inteno do autor (Eco, p. 27-29).Segundo essa teoria, no importa se o leitor possui suas prprias idias sobre avida, o mundo, o homem e Deus (= ideologia); nem importa que realmente os textostenham a capacidade de dizerem coisas diferentes. Para a teoria literria dainteno do autor, deve-se ler um texto para recuperar a inteno do autor que oescreveu e que possvel esse esforo. O sentido de um texto no estaria no leitor e na sua ideologia; o sentido no estaria flutuando solto como dentes-de-leo napolissemia do texto; o sentido est na inteno com que o autor escreveuo seu texto.

    Gosto de citar 2 Pd 1,21b nesse contexto: "os homens da parte de Deus falarammovidos pelo Esprito Santo" ( Almeida , melhores textos, IBB, 1992) ou "os homenssantos de Deus falaram inspirados pelo Esprito Santo" ( Almeida , rev. e cor. IBB,1991). Odette Mainville tem algo a dizer: "compreender a inteno original de umtexto permite evitar interpretaes equivocadas, seno inteiramente errneas" ( ABblia Luz da Histria , Paulinas, 1999. p. 10). Mas no confunda: "inteno originalde um texto" s faz sentido na teoria literria da inteno do autor. O texto em sino tem inteno original, mas sentidos diferentes e iguais em termos de valor. Seestivermos interessados na inteno original , o que esse texto bblico quis dizer l eento quando ele foi escrito , ento temos de nos esforar para descobrir o que que o autor do texto queria dizer com seu texto.

    Concluso

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    O leitor da Bblia sabe que a Palavra de Deus um livro . Enquanto um conjunto decentenas de textos escritos, a Bblia deve ser lida e compreendida .Para compreender o texto, primeiro o leitor deve decidir-se onde ir buscar o sentidodo texto .Enquanto disciplina que trata justamente do sentido dos textos, aHermenutica sugere ao leitor trs possibilidades: a) leitor; b) texto; c) autor. Oleitor deve escolher uma dessas possibilidades . Essa sua mais importante

    deciso. Esse o principal critrio.

    Esse artigo sugere que o sentido da Palavra de Deus seja procurado na intenodo(s) autor(es) do(s) texto(s) bblico(s). Ouvir a Bblia (ouvir o que Deus tem a dizer atravs da Bblia) preparar-se para ouvir o que os autores dos textos da Bblia tma dizer. Os homens inspirados falaram. Vamos ouvir o que eles tm a dizer