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CRIME DE DESACATO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Paulo César Batista Nunes da Cunha 1 RESUMO: A promulgação da Constituição da República de 1988 instaurou o paradigma de Estado Democrático de Direito no Brasil. De acordo com Flávia Piovesan, a Dignidade Humana foi elevada a Superprincípio, o que impulsionou a proteção aos Direitos Humanos. Assim, a hermenêutica deve utilizar essa proteção como parâmetro de conformação das normas jurídicas. Com o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, foram estabelecidas diretrizes quanto à recepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. O caráter especial dessas normas foi ressaltado, tendo sido reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de 2009, como materialmente constitucionais. A adoção desse entendimento pelo STF fez surgir novas teorias, principalmente na esfera penal. Em 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial 1.640.084/SP, afastou a tipicidade do crime de desacato, alegando ser este incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Contudo, quando o Habeas Corpus 379.269/MS foi afetado para ser levado a julgamento pela Terceira Seção, o entendimento não se confirmou. No entanto, uma vez que o controle de convencionalidade não é realizado de forma concentrada no plano interno, não foi proferida decisão com força vinculante, tornando o tema aberto a muita discussão. Com isso, a partir das teorias de Flávia Piovesan e Valerio Mazzuolli, serão abordados os argumentos utilizados na manifestação do Ministério Público Federal e pelo voto do Ministro Ribeiro Dantas no julgamento do Recurso Especial 1.640.084/SP, defendendo a incompatibilidade do tipo penal com o Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: desacato; convenção americana; direitos humanos. 1 INTRODUÇÃO Em novembro de 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão muito inovadora em relação ao controle de constitucionalidade. Ainda que não tenha sido inédita, pois há relato do Juiz Alexandre Morais da Rosa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina adotando o mesmo entendimento em primeira instância, trata-se de um precedente de extrema importância. 1 Especialista em Direito Processual Civil pela FAEL Universidades. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Anais do XIV Congresso Internacional de Direitos Humanos. Disponível em http://cidh.sites.ufms.br/mais-sobre-nos/anais/

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CRIME DE DESACATO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Paulo César Batista Nunes da Cunha1

RESUMO:

A promulgação da Constituição da República de 1988 instaurou o paradigma de EstadoDemocrático de Direito no Brasil. De acordo com Flávia Piovesan, a Dignidade Humana foielevada a Superprincípio, o que impulsionou a proteção aos Direitos Humanos. Assim, ahermenêutica deve utilizar essa proteção como parâmetro de conformação das normas jurídicas.Com o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, foram estabelecidas diretrizes quanto àrecepção dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos. O caráter especial dessas normas foiressaltado, tendo sido reconhecidas pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de 2009, comomaterialmente constitucionais. A adoção desse entendimento pelo STF fez surgir novas teorias,principalmente na esfera penal. Em 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgaro Recurso Especial 1.640.084/SP, afastou a tipicidade do crime de desacato, alegando ser esteincompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos. Contudo, quando o HabeasCorpus 379.269/MS foi afetado para ser levado a julgamento pela Terceira Seção, o entendimentonão se confirmou. No entanto, uma vez que o controle de convencionalidade não é realizado deforma concentrada no plano interno, não foi proferida decisão com força vinculante, tornando otema aberto a muita discussão. Com isso, a partir das teorias de Flávia Piovesan e ValerioMazzuolli, serão abordados os argumentos utilizados na manifestação do Ministério Público Federale pelo voto do Ministro Ribeiro Dantas no julgamento do Recurso Especial 1.640.084/SP,defendendo a incompatibilidade do tipo penal com o Estado Democrático de Direito.

Palavras-chave: desacato; convenção americana; direitos humanos.

1 INTRODUÇÃO

Em novembro de 2016, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão

muito inovadora em relação ao controle de constitucionalidade. Ainda que não tenha sido inédita,

pois há relato do Juiz Alexandre Morais da Rosa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina adotando

o mesmo entendimento em primeira instância, trata-se de um precedente de extrema importância.

1 Especialista em Direito Processual Civil pela FAEL Universidades. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul.

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Contudo, apesar de toda a polêmica gerada pela decisão no Recurso Especial 1640.084/SP

de relatoria do ministro Ribeiro Dantas, em março de 2017, o ministro afetou o Habeas Corpus

379.269/MS para que fosse julgado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça.

O entendimento pela incompatibilidade do crime de desacato no Estado Democrático

brasileiro foi revertido. Assim, com esses dois precedentes conflitantes em mãos, os juristas estão

questionando cada vez mais a força dos tratados internacionais de direitos humanos e a

compatibilidade de práticas inquisitórias e autoritárias em nosso ordenamento jurídico.

Nos últimos anos, pela relevância que os Direitos Humanos têm ganhado, muitos

entendimentos foram formados baseados em Tratados Internacionais.

Em 2015, foi impetrada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/DF,

que pediu o reconhecimento do Estado de Coisas Inconstitucional sobre o sistema prisional

brasileiro para que fossem determinadas medidas a serem adotadas pelo Estado, a fim de enfrentar o

problema. Dentre essas medidas, foi deferida liminar pelo plenário do STF, para que o Estado

brasileiro fosse obrigado a realizar Audiências de Custódia, instrumento que estava previsto na

Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos.

Para entender essa onda, primeiro deve-se analisar qual o motivo por trás da força

normativa que os Direitos Humanos possuem em nosso ordenamento.

2 ABERTURA AOS TRATADOS

De acordo com Norberto Bobbio, é preciso enxergar a dimensão histórica dos direitos

humanos para que estes possam ser analisados.

Sabemos hoje que também os direitos ditos humanos são o produto não da natureza, mas dacivilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja, suscetíveis detransformação e ampliação.

Portanto, os direitos não são postos por acaso, mas surgem em decorrência de processos

históricos, como por exemplo o surgimento do Estado de Direito, que decorreu do processo de

quebra do absolutismo monárquico, predominante à época.

O resultado conjunto das lutas históricas possibilitou o surgimento do Estado de Direito,

caracterizado pela admissão de que o Estado também pratica ilícitos, e da constitucionalização dos

Direitos Fundamentais, uma vez que, a partir desse momento, criou-se a reserva material dos

Direitos nas Constituições.

Leonardo Silva Nunes destaca que as revoluções modernas quebraram o paradigma do

Estado Absoluto no qual a via de relação entre súditos e rei era de mão única, aqueles possuíam

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deveres para com este. Com as revoluções, limitação ao poder que antes era absoluto, criou-se uma

segunda via, que seria agora entre cidadãos (sujeitos de direitos e deveres) e o Estado.

O movimento acima narrado enfatizou a primazia do indivíduo diante da autoridadepolítica, com o fundamento de que certos direitos preexistem ao próprio Estado, porresultarem da natureza humana. Mais que isso, é o reconhecimento de tais direitos queempresta legitimidade ao Estado, na medida em que serve aos cidadãos e justifica a suaexistência para lhes garantir os direitos básico.

Assim, foi ganhando a importância a ideia de ser o homem não um meio para criação e

servidão ao Estado, mas um fim, com destinatário da proteção do Estado.

Contudo, a Segunda Guerra Mundial, e a agressividade do horror nazista chancelado pelo

direito interno alemão, fizeram com que muitos países buscassem meios para impedir a prática de

ilícitos pelos Estados, ainda que internamente.

Bobbio aponta que, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) de

1948, estabeleceu-se pela primeira vez um sistema próprio de “princípios fundamentais da conduta

humana” e que esse sistema foi reconhecido e aceito pela maioria dos Estados constituídos à época.

Por esse motivo, a Declaração Universal é considerada um marco na Internacionalização

dos Direitos Humanos, a partir da prova de um consenso formado por representantes de várias

nações.

Porém, as Declarações, tais como a Universal de Direitos do Homem e outras que vieram a

surgir, não possuíam força jurídica vinculante, permanecendo apenas como ideais comuns a serem

buscados. Assim, após muitas deliberações, surgiram as normas jurídicas internacionais: os Tratados

Internacionais de Direitos Humanos.

No Brasil, a transição democrática ante o fim do regime militar culminou na edição da

Constituição da República de 1988. Inaugurou-se o Estado Democrático de Direito brasileiro. Essa

nova ordem jurídica instalada pela Constituição tem como principal característica a valorização da

dignidade humana.

Sustenta-se que é no princípio da dignidade humana que a ordem jurídica encontra opróprio sentido, sendo seu ponto de partida e seu ponto de chegada, para a hermenêuticaconstitucional contemporânea. Consagra-se, assim, a dignidade humana como verdadeirosuperprincípio a orientar tanto o direito internacional como o direito interno.

Entende-se, portanto, ser a dignidade humana o fio condutor do viés hermenêutico da

Constituição.

Para Piovesan, esse superprincípio daria suporte ao ordenamento jurídico, sendo o

parâmetro da interpretação das normas. Portanto, todas as normas devem ser lidas através da

filtragem dos direitos humanos seja usando a Constituição da República de 1988 ou os Tratados

Internacionais de Direitos Humanos.

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Isso explica o motivo da Constituição trazer no § 2º do art. 5º a cláusula de abertura da

matéria constitucional aos tratados internacionais: “Os direitos e garantias expressos nesta

Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Para Valerio Mazzuoli, essa cláusula estabelece que os Tratados Internacionais de Direitos

Humanos “são, a contrario sensu, incluídos pela Constituição, passando consequentemente a deter

o ‘status de norma constitucional’ e a ampliar o rol dos direitos e garantias fundamentais”.

Segundo Nereu Giacomolli, esse parágrafo aponta a integração dos tratados internacionais

de direitos humanos ao chamado bloco de constitucionalidade, que seria “o somatório daquilo que

se adiciona à Constituição escrita, em função dos valores e princípios nela consagrados” (Celso de

Mello no RE 466.343).

A legislação ordinária há de ser reformada e integrada às exigências internacionais deproteção dos direitos humanos, para que sejam excluídas as práticas autoritárias nainvestigação, acusação e na jurisdição, as quais ainda permanecem nos sujeitos, tanto nahierarquização das fontes quanto na desconsideração da nova ordem convencional econstitucional no processo hermenêutico.

Porém, a abertura da Constituição aos Tratados Internacionais trouxe uma dúvida quanto

ao status que seria conferido a eles. Inicialmente, o entendimento predominante nos Tribunais era

no sentido de garantir aos tratados um status de equivalência à legislação ordinária.

Em 2004, foi promulgada a Emenda Constitucional 45, dentre outras providências,

acrescentou o parágrafo 3º ao art. 5º: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos

humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três

quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Definiu-se que os tratados internacionais poderiam ser integrados ao ordenamento com

equivalência às emendas constitucionais caso fossem aprovados com o quórum qualificado. Porém,

o questionamento persistiu quanto aos tratados internacionais de direitos humanos que tivessem

sido incorporados com quórum simples.

Até os dias de hoje, apenas dois Tratados de Direitos Humanos foram aprovados com o

quórum qualificado e automaticamente foram reconhecidos como equivalentes às Emendas

Constitucionais: Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu

Protocolo Facultativo.

Os demais tratados, inclusive a Convenção Interamericana de Direitos Humanos e o Pacto

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, foram incorporados sob o quórum simples, o que

ensejou críticas da doutrina ante a importância dos direitos consagrados nesses tratados e sua

importância para os direitos já previstos na Constituição.

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Apesar das críticas, apenas em 2009 o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso

Extraordinário 466.343/SP, alterou seu entendimento e definiu como corrente majoritária o status da

supralegalidade dos tratados internacionais de Direitos Humanos, originando a Súmula Vinculante

25.

O Recurso Extraordinário em questão tratava acerca da possibilidade de prisão civil do

depositário infiel, que apesar de ser uma exceção à proibição de prisão civil por dívida na

Constituição Brasileira e na legislação ordinária, era vetado pela Convenção Interamericana de

Direitos Humanos, ratificada e promulgada em 1992.

De acordo com Gilmar Mendes, condutor da posição prevalecente, os tratados

internacionais de Direitos Humanos possuiriam um status privilegiado em nosso ordenamento

jurídico, acima das leis ordinárias, porém abaixo da Constituição, caso não tivessem sido

incorporados pelo procedimento criado pela EC 45/2004 – matéria constitucional e forma ordinária.

Compõem, portanto, o Bloco de Constitucionalidade.

A posição adotada ainda é alvo de críticas por importantes doutrinadores como Flávia

Piovesan, Valério Mazzuoli, Nereu Giacomolli e Ingo Sarlet, que defendem o status constitucional

dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, ainda que incorporados fora do procedimento

disciplinado pelo §3º do artigo 5º da Constituição. Mas já demonstra um avanço no entendimento

da hermenêutica em prol dos direitos humanos.

Nessa quadra, embora o reconhecimento, pelo STF, da hierarquia supralegal dos tratados dedireitos humanos, com prevalência, em caso de conflito, da solução preconizada pelaConstituição, não há como transigir – no nosso sentir – com a noção de que direitosfundamentais são sempre direitos constitucionalmente assegurados e que não podem estarsujeitos a uma livre disposição por pate das maiorias legislativas, sob pena de contradiçãoinsuperável. (SARLET, )

Assim, a existência desse duplo status dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos,

estipulados conforme o quórum de incorporação no Congresso, levou o professor Valerio Mazzuoli

a chegar à conclusão de que possuiriam diferentes efeitos.

Em síntese, o entendimento é de que os Tratados aprovados de acordo com o procedimento

do §3º do artigo 5º reformariam a Constituição, não poderiam ser denunciados pelo Presidente da

República e serviriam de parâmetro para os legitimados ativos requererem controle de

Constitucionalidade concentrado e abstrato das normas.

Já os tratados aprovados com quórum simples, possuidores do status supralegal, poderiam

ser parâmetro apenas para o controle de convencionalidade difuso, concreto e incidental, pela

obrigação dos países em cumprirem as normas Convencionais. Seria, portanto, poder-dever dos

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juízes nacionais a realização desse tipo de controle, tal qual é o Controle de Constitucionalidade

difuso das leis.

Independente do entendimento sobre o status dos tratados, se constitucionais ou

supralegais, é preciso que sejam utilizados como parâmetros de aferição sobre a compatibilidade da

legislação ordinária.

3 DESACATO

O desacato, de acordo com André Estefam, busca proteger o respeito e “a dignidade da

Administração Pública” (2017). O Sujeito Passivo principal do crime de desacato é sempre o Estado

ofendido, sendo o funcionário atingido secundariamente pelo delito.

Durante a Antiguidade, constituída crime dos mais graves qualquer ataque à integridadecorporal ou moral da autoridade pública, notadamente quando se tratava de magistrados(considerada nesse caso injuria atrox), conotação que subsistiu na Idade Média. Ao tempodas codificações, notou-se divergência da maneira como o assunto passou a ser tratado,variando entre modelos que definem o ato como crime contra a honra agravado e outros emque constitui delito sui generis.

Assim, verifica-se que a postura estatal de criminalizar a conduta de ofensa ou desrespeito

às autoridades (representantes do Estado) é comum em diversos países, apesar de variar em sua

forma. Continuando a análise histórica:

As Ordenações do Reino Português, vigentes no Brasil até 1830, incriminavam as injúriaspraticadas contra julgadores e seus oficiais. O Código Imperial tipificou o ato como calúniaou injúria agravadas, diversamente do código Penal de 1890, que a regulou com o nomeniuris atual, embora com definição diversa daquela adotada em 1940.

Portanto, mesmo no Brasil, a forma como a conduta foi tipificada variou. Atualmente,

encontra-se tipificada no artigo 331 do Código Penal: “Desacatar funcionário público no exercício

da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.”

Contudo, para Torres e Jeveaux (2015), trata-se de um tipo que acaba por acobertar abusos:

O tipo penal aludido é encontrado nas mais diversas repartições públicas e utilizado, quasesempre, para inibir eventuais manifestações de descontentamento dos administrados com aprecarização do serviço público. Serve, por vezes, de escudo para vários servidorespúblicos, os quais, atrás do dispositivo penal, sentem-se protegidos em tudo aquilo quepertine e não pertine ao cargo que exerce.

As críticas a esse tipo penal são reproduzidas também por Andrea Vaz Oliveira e Steevan

Tadeu Soares de Oliveira (2010):

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Percebe-se, portanto, que as pessoas que exerciam função pública possuíam uma proteção amais do que os outros cidadãos. Nessa perspectiva, qualquer ultraje que sofressem seriacaracterizado como uma ofensa ao próprio estado, pois, o exercício das funções públicasdeveria ser protegido e assegurado como uma questão de segurança do Poder. Ainda hoje éessa concepção que sustenta a existência do tipo penal.

O principal problema desse delito é a forma aberta de tipificação. A caracterização do

desacato pode abarcar qualquer atitude, fala, expressão considerada ofensiva pela autoridade estatal.

Dessa forma, fica muito complicado combater os abusos, pois o controle judicial sobre esse ato só

viria após toda instrução processual e do acusado passar pelo estigma de ser processado

criminalmente.

4 RECURSO ESPECIAL 1.640.084/SP

Trata-se de Ação Penal na qual o réu foi condenado por Roubo, Resistência e Desacato. A

apelação julgada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença inalterada. Assim, o Réu

interpôs Recurso Especial alegando violação à Convenção Americana de Direitos Humanos em seu

artigo 13.

Dentre os pedidos, há o de absolvição quanto ao crime de desacato, ante a sua

incompatibilidade com nosso ordenamento jurídico.

Importante observar a manifestação da Procuradoria-Geral da República que opina pelo

afastamento da tipicidade do crime de desacato do ordenamento jurídico brasileiro. Tal

manifestação leva em consideração o papel da Comissão no Sistema Interamericano de Proteção

aos Direitos Humanos, elaborando relatórios e recomendações.

Segundo o Informativo sobre a Compatibilidade entre Leis de Desacato e a Convenção

Americana de Direitos Humanos, entende-se que são legítimas determinadas intervenções quando

as manifestações visam atacar direitos de algumas pessoas. Contudo, deve o Estado resguardar os

direitos sem abusar das medidas coercitivas que impedem a liberdade de expressão:

En conclusión, la Comisión entiende que el uso de tales poderes para limitar la expresión deideas se presta al abuso, como medida para acallar ideas y opiniones impopulares, con locual se restringe un debate que es fundamental para el funcionamiento eficaz de lasinstituciones democráticas. Las leyes que penalizan la expresión de ideas que no incitan a laviolencia anárquica son incompatibles con la libertad de expresión y pensamientoconsagrada en el artículo 13 y con el propósito fundamental de la Convención Americanade proteger y garantizar la forma pluralista y democrática de vida.

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Os relatórios apontam para o uso abusivo do tipo penal do Desacato apenas para reprimir

manifestações democráticas e pacíficas contra as instituições estatais e seus agentes. Para o

Ministério Público Federal:

A fundamentação adotada, em síntese, é a de que as leis de desacato: a) tem se prestado asilenciar ideias e opiniões impopulares, reprimindo o direito ao debate crítico, institutoindispensável ao efetivo funcionamento das instituições democráticas; b) conferem ummaior nível de proteção aos funcionários públicos do que com relação aos cidadãos,contrariando o sistema democrático que submete o Governo ao controle popular e não ocontrário, e permitindo que os funcionários pratiquem abuso de seus poderes coercitivos; c)inibem as críticas, pelo temor do cidadão de que venha a responder à ações judiciais ou asanções, restringindo assim a liberdade de pensamento e de expressão; d) existem outrasformas, menos restritivas, de o Governo defender a sua reputação diante de ataquesinfundados, como o exercício da réplica por intermédio dos meios de comunicação ou oajuizamento de ações cíveis por difamação ou injúria.

Entende-se, portanto, não ter como viver em uma democracia se o Estado puder realizar

uma censura prévia, inclusive valendo-se do aparato criminalizador, para impedir a livre

manifestação de ideias.

A possibilidade de se responder criminalmente por críticas aos agentes estatais é um forte

inibidor da liberdade de expressão, ainda mais porque o Estado é dotado de diversos instrumentos

que permitem combater o abuso na liberdade de expressão.

Alega a Procuradoria-Geral da República que a permanência do artigo 331 da forma como

está no Código Penal brasileiro, apesar das diversas recomendações feitas pela Comissão

Interamericana, é um exemplo de omissão legislativa, pois deveria ter havido abolitio criminis, por

ser obrigação do Estado signatário da Convenção assegurar os direitos e garantias nela previstos e

impedir que estes sejam restringidos arbitrariamente.

Ainda mais, considerando o entendimento firmado no Recurso Extraordinário 466.343/SP,

no sentido do status supralegal da norma internacional de Direitos Humanos, que demanda a

prevalência da norma internacional nessa situação.

Para o relator Ministro Ribeiro Dantas, além do entendimento firmado pelo STF no

referido Recurso Extraordinário, o Órgão Especial do STJ também pacificou tese no sentido de que

as leis contrárias às normas internacionais de direitos humanos “são destituídas de validade”.

Trata-se, portanto, da obrigação do país-membro em realizar o Controle de

Convencionalidade das normas internas, para aferir se são compatíveis com a Convenção

Americana de Direitos Humanos.

Citando Valério Mazzuoli, aponta ainda a impossibilidade de se realizar controle abstrato

de convencionalidade internamente, devendo ser realizada a aferição apenas de forma difusa, por

qualquer juiz nacional.

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Portanto, entendeu que a ausência de lei para que ocorra a abolitio criminis não é

impeditivo à atuação jurisdicional, que possui o poder-dever de realizar a análise de

compatibilidade dos institutos com a Convenção.

Ainda segundo Ribeiro Dantas, a Corte Interamericana já analisou alguns julgados sobre o

tema: Horácio Verbitsky vs. Argentina; Palamara Iribarne v. Chile. Em ambos os casos, determinou

a prevalência do artigo 13 da Convenção em face da tipificação do crime.

Também citada no Voto, a aprovação da Declaração Princípios sobre Liberdade de

Expressão apresenta a seguinte justificativa:

A aplicação de leis de desacato para proteger a honra dos funcionários públicos que atuamem caráter oficial outorga-lhes injustificadamente um direito a proteção especial, do qualnão dispõem os demais integrantes da sociedade. Essa distinção inverte diretamente oprincípio fundamental de um sistema democrático, que faz com que o governo sejaobjeto de controles, entre eles, o escrutínio da cidadania, para prevenir ou controlar oabuso de seu poder coativo. Considerando-se que os funcionários públicos que atuam emcaráter oficial são, para todos os efeitos, o governo, então é precisamente um direito dosindivíduos e da cidadania criticar e perscrutar as ações e atitudes desses funcionários no quediz respeito à função pública.

Outro importante ponto citado no voto do Ministro Ribeiro Dantas é a necessidade da realização de

controle de convencionalidade das normas internas pelos juízes nacionais, devido ao compromisso assumido

pelos Estados em cumprir e assegurar a autoridade não apenas das normas previstas na Convenção, mas

também das decisões nos casos contenciosos da Corte Interamericana e das Opiniões Consultivas.

Deve prevalecer o entendimento firmado na OC n. 05/1985 do critério hermenêutico pro homine na

realização dos julgamentos. Ou seja, não só deve ocorrer o Controle de Convencionalidade, mas ele deve se

valer da hermenêutica adotada da forma como a Corte Interamericana, valendo-se como fonte de sua

jurisprudência seja consultiva ou contenciosa para analisar a compatibilidade das normas.

Concluiu o Ministro que

(…) o esforço intelectual de discernir censura de insulto à dignidade da função exercida emnome do Estado é por demais complexo, abrindo espaço para a imposição abusiva do poderpunitivo estatal. Com efeito, a depender da suscetibilidade do funcionário, uma palavra ouum gesto poderá sujeitar o autor a longa e tormentosa ação penal, até que um tribunal venhareconhecer a arbitrariedade da imputação do crime do art. 331 do CP.

Ao final do voto são citados os Projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional para

eliminar o desacato do código penal, bem como o entendimento que vem sendo firmado na

Suprema Corte dos Estados Unidos sobre inconstitucionalidade de leis de desacato vagas e que

possibilitem abusos por parte dos servidores públicos.

Também fica ressaltado que o afastamento da tipicidade do Desacato não impede que

outros meios sejam usados como a ação de reparação de danos cível ou mesmo ações criminais de

calúnia, difamação ou injúria.

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Apesar de o Recurso ter sido provido de forma unânime, possui eficácia apenas inter

partes, mas serve de importante precedente para o enriquecimento da discussão.

5 Habeas Corpus 379.269/MS

Trata-se de outra ação penal na qual o foi réu foi denunciado pela prática dos crimes de

direção sob influência de álcool, desobediência e desacato. O Magistrado em 1º Grau rejeitou

parcialmente a denúncia quanto ao crime de desobediência, por ter sido absorvido pelo Desacato.

Inconformado, o Ministério Público estadual recorreu ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso do

Sul. A Defensoria Pública impetrou Habeas Corpus em face da decisão do Tribunal local.

Distribuído na Quinta Turma do STJ, optou-se por afetar o julgamento à Terceira Seção,

responsável por uniformizar a jurisprudência criminal.

O Ministro Relator Reynaldo Soares trouxe o voto do Ministro Ribeiro Dantas no REsp

acima para afastar possibilidade de absorção da desobediência pelo desacato em razão da

incompatibilidade deste com o ordenamento jurídico em razão do status supralegal da Convenção

Americana de Direitos Humanos em atenção às recomendações da Comissão Interamericana.

Contudo, o Ministro Antônio Saldanha abriu a divergência neste caso, alegando não ser

competência da Comissão Interamericana de proferir decisões com caráter vinculante, mas tão

apenas recomendações. Assim, não possuindo força jurisdicional, não poderia a Comissão realizar

determinações para serem acatadas obrigatoriamente pelos juízes nacionais.

Aduziu, ainda, que apesar de já haver decisão da Corte Interamericana em relação a

algumas leis de desacato, como no Chile, a lei brasileira nunca foi objeto de apreciação, nem

mesmo os critérios balizadores utilizados no Brasil. Não podendo, ser aplicado o precedente de

antemão sem analisar a relação do desacato no Brasil. Também, não podem ser ignoradas as

realidades de cada país ao analisar decisões e recomendações internacionais gerais, devendo haver

uma marge de discricionariedade nacional.

O Ministro Antônio Saldanha apontou que o sujeito passivo do crime de desacato não seria

o agente estatal, mas o próprio Estado. Portanto, há motivo muito contundente para diferenciação

do crime de desacato para outros lesivos à honra da pessoa comum. Concluiu, então, que a ausência

normativa caso fosse revogado o crime de desacato poderia gerar até mesmo desídia por parte do

funcionário público quando de sua atuação funcional.

Acompanhou a divergência o Ministro Nefi Cordeiro votou pela manutenção do desacato

no Direito brasileiro, alegando não ferir a Convenção Americana, pois ela não impede o uso do

direito penal para proteção da honra do Estado e do funcionário público.

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Os Ministros Felix Fischer, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi também

acompanharam o voto do do Ministro Saldanha pela manutenção do Desacato.

Ao proferir o voto acompanhando a divergência do Ministro Nefi Cordeiro, o Ministro

Rogerio Schietti aduziu ausência de decisão internacional vinculante sobre a incompatibilidade do

desacato. Ainda dentro da jurisprudência da Corte Interamericana, alegou a possibilidade do uso do

direito penal contra o abuso na liberdade de expressão, não se tratando este direito absoluto.

Portanto, deveria a Corte analisar dentro de cada hipótese se há ou não abuso do direito penal.

Afirmou que a alta carga de responsabilidades carregada pelo funcionário público quando

da representação estatal enseja uma maior proteção dada pelo Direito Penal ao servidor, ressaltando,

contudo, que o tipo penal não protege apenas a honra do servidor, mas também da própria função

pública. O Ministro Schietti concordou com o fato do desacato ser um tipo muito aberto, o que

permite abusos. Apontou o exemplo da Suprema Corte dos Estados Unidos que vem aumentando o

alcance do desacato perante autoridades jurisdicionais e diminuindo em relação aos demais

servidores.

Por fim, concluiu que acredita que no futuro deva haver mudança significativa nesse tema

seja em termos de jurisprudência ou alteração legislativa, conduta, opta no momento por manter a

figura do desacato.

Apenas o Ministro Ribeiro Dantas acompanhou o relator (vencido) Reynaldo Soares.

Portanto, o avanço que havia sido feito no julgamento do Recurso Especial 1.640.084/SP

foi desfeito no julgamento deste Habeas Corpus pela Terceira Seção. Contudo, o Recurso Especial

referido ainda serve de precedente para que a matéria seja rediscutida e debatida nos espaços

processual, acadêmico e legislativo.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mesmo que o Superior Tribunal de Justiça tenha adotado uma postura conservadora em

vez de assumir de vez o enfrentamento ao crime de desacato, é muito importante observar a

tendência crescente na doutrina e na jurisprudência acerca do delito.

Essa tendência já havia aparecido em 2015 com a sentença do juiz de Direito Alexandre

Morais da Rosa do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Dentre as razões da sentença, merece

destaque a informação de que a Comissão de Juristas que coordena o anteprojeto do novo Código

Penal votou por unanimidade a retirada de tal delito ante a incompatibilidade com a Convenção

Americana de Direitos Humanos.

Observa-se do voto do Ministro Rogério Schietti do Habeas Corpus referido que, apesar de

votar pela manutenção do delito, reconhece que a tendência é que seja abolido, seja através da

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jurisprudência ou reforma legislativa, em razão de seu caráter aberto que possibilita diversos tipos

de abusos.

Há dois projetos de lei, ambos mencionados no julgamento do STJ: Projeto de Lei

602/2015 do Deputado Federal Jean Wyllys e o PLS 236/2012 de relatoria do senador Antonio

Anastasia, para que haja abolitio criminis do Desacato, em razão da incompatibilidade com as

normas Convencionais de Direitos Humanos.

Merece destaque também a representação feita por Deborah Duprat, em nome da

Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, para que a Procuradoria-Geral da República impetre

Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, provocando o Supremo Tribunal Federal a

exercer o controle de convencionalidade de forma vertical, determinando sua incompatibilidade

com o Estado Democrático de Direito brasileiro.

É necessário que os focos autoritários ainda presentes no ordenamento jurídico brasileiro

sejam extirpados e que a democracia e os direitos fundamentais, devido a sua importância, irradiem

por todos os ramos do Direito.

O Desacato, por ser um crime de tipo tão aberto, acaba sendo usado como motivação de

detenções arbitrárias nas mais diversas situações. Mesmo que posteriormente, a Justiça reconheça

que o crime não existiu, a mera admissibilidade de uma denúncia já é o suficiente para jogar sobre o

acusado, que na maioria dos casos chega até mesmo a ser deito, todo o estigma da persecução penal.

Há informações, também, sobre provocação a ser feita pelo Defensoria Pública da União à

Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à Corte Interamericana, para que seja analisado o

desacato à luz da Convenção.

Apesar de a disposição expressa trazer apenas a Corte como órgão responsável por realizar

o Controle de Convencionalidade de forma concentrada, cada vez mais a jurisprudência nacional

tem aberto também a possibilidade de que possa ser feito pelo Supremo Tribunal Federal através de

ADPF, estratégia usada na ADPF 347, que determinou a realização de audiência de Custódia,

adotada pelo Partido do Socialismo e Liberdade; na ADPF 444, ajuizada pelo Conselho Federal da

Ordem dos Advogados do Brasil acerca da condução coercitiva.

O sistema de proteção aos Direitos Humanos deve continuar a se expandir, seja no âmbito

internacional ou doméstico, seja aumentando os direitos ou o alcance deles.

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