sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

46
FACULDADE POLITÉCNICA DE CAMPINAS – POLICAMP ALEXANDER DA COSTA ROSSI SUJEIÇÃO PASSIVA DO CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DE SERVIÇO PÚBLICO NO CRIME DE DESACATO Campinas – SP 2010

Upload: alex-rossi

Post on 28-Jul-2015

343 views

Category:

Documents


0 download

DESCRIPTION

Trabalho referente a possibilidade de sujeição passiva do Permissionário ou cessionário de serviços públicos no crime de desacato

TRANSCRIPT

Page 1: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

FACULDADE POLITÉCNICA DE CAMPINAS – POLICAMP

ALEXANDER DA COSTA ROSSI

SUJEIÇÃO PASSIVA DO CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO

DE SERVIÇO PÚBLICO NO CRIME DE DESACATO

Campinas – SP 2010

Page 2: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

ALEXANDER DA COSTA ROSSI

SUJEIÇÃO PASSIVA DO CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO

DE SERVIÇO PÚBLICO NO CRIME DE DESACATO

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à conclusão do Curso de Direito da Faculdade Politécnica de Campinas, para a obtenção do grau de bacharel em Direito.

Orientador Professor: MARCELO VALDIR MONTEIRO

Campinas – SP 2010

Page 3: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

ALEXANDER DA COSTA ROSSI

SUJEIÇÃO PASSIVA DO CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO

DE SERVIÇO PÚBLICO NO CRIME DE DESACATO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso, do aluno ALEXANDER DA COSTA

ROSSI apresentado à Faculdade Politécnica de Campinas – POLICAMP foi

_____________________, com a média _______ pela banca examinadora

composta pelos professores:

_______________________ nota:_____________

Prof.(a) Orientador(a)

_______________________ nota:_____________

Prof. (a) Examinador (a)

_______________________ nota:______________

Prof. (a) Examinador (a)

Campinas – SP 2010

Page 4: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

DEDICO este trabalho de conclusão de

curso aos meus pais, irmã, familiares, namorada e amigos que de formas diferentes, mas não menos importantes, incentivaram-me e ajudaram para que fosse possível a concretização desta etapa de minha vida.

Page 5: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

AGRADECIMENTOS

Agradeço em primeiro lugar a Deus por ser o grande responsável pelas minhas

conquistas na vida.

Ao meu pai, pelo amor, compromisso e incentivo. Por acreditar em mim e me

fazer acreditar em meus sonhos e me ensinar a trilhar um projeto de vida, sempre

serei grato.

A minha mãe, pelo amor incondicional, por se fazer presente em minha vida,

pela tolerância com meus momentos de impaciência e inúmeras noites que passara

na janela esperando minha chegada, serei eternamente grato.

A minha irmã Aline, que mesmo inconscientemente me incentivou, sendo além

de irmã amiga, a correr atrás dos meus objetivos, agradeço de coração.

A minha namorada Geise, que mesmo irritada, suportou, compreendeu e

aceitou minha ausência quando necessário.

A todos os familiares, que de alguma forma, consciente ou inconscientemente,

contribuíram para minha formação como ser humano, fico muito grato.

Aos amigos, por ouvir minhas teorias, por vezes debatendo-as, fazendo com

que eu enriquecesse meus conhecimentos, muito obrigado.

Por fim, mas não menos importante, ao meu orientador Prof. Marcelo Monteiro,

pelas críticas, opiniões e incentivo acerca da abordagem do tema.

Page 6: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

“A impunidade é a matriz e a geratriz de novos e insensatos acontecimentos e o desmoronamento do que ainda resta de bom na alma humana."

(LEON FREJDA SZKLAROWSKY)

Page 7: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

RESUMO

Estudo acerca da sujeição passiva dos funcionários que exercem atividade em permissionários e concessionários de serviços públicos. Ampliação do Conceito de Funcionário Público aos agentes públicos pertencentes a entidades paraestatais em decorrência da previsão do artigo 327, §§ 1º e 2º do Código Penal Brasileiro. Possibilidade destes agentes figurarem como sujeitos passivos no crime de desacato previsto no artigo 331 do mesmo ordenamento jurídico. Caracterização dos permissionários e concessionários de serviços públicos como funcionários públicos em decorrência da função pública exercida. Divergência entre aplicação do conceito restritivo e o amplificativo. Bem jurídico tutelado é a moral e bom funcionamento da máquina pública. Funcionário público como sujeito passivo secundário.Ausência de justificativa plausível para aplicação somente quando estes agentes encontrarem-se na situação de sujeito ativo dos delitos previstos no capítulo dos crimes praticados por funcionário público contra a administração em geral. O artigo 327 e §§ tem aplicação a toda parte especial e leis extravagantes.

Palavras-chave: Direito Penal; Funcionário público; Conceito; Equiparação; Crime

de desacato.

Page 8: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

SUMÁRIO

Introdução ........................................................................................................................... 6

Capítulo I ........................................ .................................................................................... 8

Serviços Públicos ................................. ............................................................................ 8

Execução Centralizada ..................................................................................................... 10

Execução Descentralizada ................................................................................................. 11

Da descentralização para pessoa privada......................................................................... 12

Capítulo II ....................................... .................................................................................. 14

Características jurídicas da relação de concessão e permissão de serviço

público ........................................... .................................................................................. 14

Da natureza jurídica .......................................................................................................... 14

O objeto da concessão ...................................................................................................... 15

Fundamentos da concessão de serviço público ................................................................ 15

Dos direitos e encargos do concessionário ....................................................................... 16

Capítulo III ...................................... .................................................................................. 19

Do crime de desacato .............................. ....................................................................... 19

Conceito ............................................................................................................................ 22

Objetividade Jurídica ......................................................................................................... 25

Sujeitos do Crime .............................................................................................................. 27

Sujeito Passivo .................................................................................................................. 29

Capítulo IV ....................................... ................................................................................. 30

Conceito de Funcionário Público ................... ............................................................... 30

O conceito para o direito administrativo ............................................................................ 30

O conceito para o direito penal .......................................................................................... 31

Conclusão ......................................... ............................................................................... 36

Referências Bibliográficas ........................ ..................................................................... 38

ANEXO A........................................................................................................................... 41

ANEXO B .......................................................................................................................... 43

Page 9: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

6

Introdução

O surgimento deste tema se deve a rotina vivida por mim no

percurso entre minha casa e a faculdade. Nesse trecho diário de alguns quilômetros,

testemunhei diversos casos de constrangimentos sofridos por profissionais

permissionários do serviço de transporte público. Ofensas verbais foram muitas,

sendo públicos e notórios os casos de ofensas sofridas por esses permissionários e

semelhantes (ANEXOS).

Em virtude de um sentimento de impunidade, os usuários dos

serviços prestados por estas entidades paraestatais não mudam e provavelmente

também não mudarão a forma que costumam tratar esses trabalhadores, razão pela

qual decidi por este tema.

Importante lembrar que esses trabalhadores, no exercício de função

pública são facilmente sujeitos às penalidades previstas, no código penal, aos

funcionários públicos estrito senso, mas não são muitas vezes vistos como possíveis

sujeitos passivos de crimes tipificados contra funcionários públicos, como por

exemplo o crime de Desacato.

Desacatar é desrespeitar, ofender, atingir a honra. O crime de

desacato é previsto na legislação brasileira no Capítulo II, do Título XI, do Código

Penal Brasileiro. Prevê este código em seu artigo 331, caput, a conduta delituosa, e

seus sujeitos ativos, pessoas que cometem esse delito penal, bem como os

chamados sujeitos passivos, os considerados vítimas da prática transgressora.

O objetivo deste trabalho é abordar esses sujeitos, ativo e passivo,

buscando encontrar o verdadeiro sentido destes, almejado pelo legislador quando da

formulação do presente Código Penal e suas posteriores alterações. Há de convir,

entretanto, que esta interpretação, que a princípio parece de fácil elucidação, requer

uma análise cautelosa, tendo em vista a divergência encontrada nas doutrinas,

jurisprudências e o impacto que um entendimento diferente pode causar no caso

concreto.

A utilização de uma interpretação mais restrita ou ampla quanto à

aplicabilidade do artigo 327, §1º do mesmo código interfere diretamente no alcance

Page 10: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

7 do artigo penal ora discutido, bem como nos demais crimes previstos no mesmo

Título XI, “Dos Crimes Contra a Administração Pública”.

Afinal, qual seria a forma mais adequada de interpretação? A que

concentra a aplicação do art. 327 somente ao capítulo ao qual pertence, ou seja,

apenas em relação aos crimes praticados por funcionário público contra a

administração em geral, cuidando apenas de conceituar o funcionário público

quando do cometimento de determinado ato delituoso? Ou devemos entender que a

aplicação mais correta seria aquela que amplia essa conceituação, considerando

íntegra a utilização do conceito de funcionário público previsto neste artigo em todas

as tipificações em que aquele aparece, quer como sujeito ativo, quer como sujeito

passivo?

A incerteza, que a princípio deveria ter sido solucionada com a

inclusão do § 1º, por meio da lei federal nº 9.983, de 14 de julho 2000, só foi

ampliada, pois, há o entendimento de parte da doutrina que em virtude de sua

localização, tal parágrafo não pode ser aplicado quando os agentes públicos

paraestatais, como por exemplo: concessionários ou permissionários de serviços

públicos, forem vítimas dos delitos. A aplicação recairia somente quando aqueles

forem sujeitos ativos de tais delitos, sendo restrita ao capítulo I (Dos crimes

praticados por funcionário público contra a administração em geral).

Todavia, outra parte da doutrina e jurisprudência ensina que a

aplicação do conceito previsto no corpo do artigo 327 do Código Penal Brasileiro

deve ser feita em relação a todo o ordenamento penalista, incluindo até mesmo as

legislações extravagantes e especiais. Não haveria, para tais autoridades,

justificativa para se estreitar o conceito de funcionário público a determinadas

situações, por ser o Estado o verdadeiro sujeito passivo do delito, tornando-se os

demais agentes sujeitos passivos secundários.

Diante do exposto, é possível perceber que o estudo deste tema,

bem como as limitações do artigo anteriormente referido, deve ser feito a partir de

análises preliminares. Iniciaremos, por este motivo, abordando assuntos que darão

sustentação ao trabalho, relacionados ao direito administrativo e ao próprio direito

penal.

Page 11: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

8

Capítulo I

Serviços Públicos

Diversos são os conceitos de serviço público na doutrina. Afirmam

alguns que se trata, em sentido amplo, de uma justificativa para a presença do Esta-

do, dizendo que o “oferecimento dos serviços públicos seria a única razão a justificar

a existência do Estado”1. Entretanto, esclarece Diógenes Gasparini que é necessária

uma análise acerca da locução “Serviço Público”, pois o primeiro substantivo forma-

dor desta locução é de fácil compreensão, diverso do que ocorre com o segundo vo-

cábulo, em que há duas previsíveis e diferentes interpretações.

A primeira interpretação é a de que o “público” é devido ao serviço

ser prestado pelo Estado, enquanto que em uma segunda análise, podemos enten-

der que se trata em verdade de um serviço fruído pelo administrado, pelo povo, daí o

motivo da utilização do termo “público”.

Tendo em vista o objeto deste trabalho, não nos aprofundaremos na

explanação do assunto, assim utilizaremos o conceito de Celso Antonio Bandeira de

Mello apresentado por Diógenes Gasparini em que:

“Conceituamos serviço público como sendo toda atividade de ofere-cimento de utilidade ou comodidade fruível preponderantemente pe-los administrados, prestada pela Administração Pública ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público, instituído em favor de interesses definidos como próprios pelo ordenamento jurídi-co”2.

1 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 276 2 Ibid. p. 278

Page 12: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

9

Com esse conceito englobamos todas as atividades estatais, como

as de oferecimento de comodidades (fornecimento de energia elétrica), referidas an-

teriormente, bem como as jurídicas (serviços cartorários), as fruíveis diretamente

(transporte coletivo) ou indiretamente (segurança pública). Por sua vez, essas ativi-

dades serão executadas pela própria Administração ou por seus delegados (conces-

sionários, permissionários).

“Em síntese, a prestação pode ser direta ou indireta. Direta é a pres-tação que o próprio Poder Público executa, e indireta é a que se dá por alguma pessoa jurídica, que pode ser desde o próprio Poder Pú-blico travestido de autarquia, até as empresas sob o seu controle, ou particulares no exercício de uma concessão ou permissão do serviço público.” 3

Duas, portanto, são as formas de oferecimento dos serviços públi-

cos: a centralizada e a descentralizada, que serão usadas de acordo com a oportu-

nidade e conveniência da Administração Pública.

Analisemos então, as formas centralizadas e descentralizadas de

prestação de serviços públicos.

3 BASTOS, Celso R. op. cit. p. 262

Page 13: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

10

Execução Centralizada

A prestação ou execução dos serviços públicos de forma centraliza-

da caracteriza-se pela atividade exercida por meio dos órgãos que compõem o apa-

relho administrativo do Estado, em seu nome e sob sua responsabilidade. Nesta

forma de execução, o serviço vai da Administração, explorando e executando, ao

público (administrado), como beneficiário último.

Esclarece Diógenes Gasparini que:

“Na administração centralizada ou direta os serviços e a competência para prestá-los estão distribuídos pelos diversos órgãos que com-põem a entidade política por eles responsável. Entre nós, na esfera federal, os mais amplos órgãos são os Ministérios; na estadual, distri-tal e municipal, são as Secretarias.” 4

Na forma concentrada de prestação de Serviços Públicos há uma

distribuição interna de competências e de serviços denominada desconcentração, na

qual órgãos de menor amplitude de ação, ao lado dos mais amplos, estão encarre-

gados por prestar os serviços ligados a estes.

Findo esse breve esclarecimento, passemos a analisar a forma des-

centralizada da prestação de Serviços Públicos, haja vista o tema abordado neste

trabalho.

4 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 297

Page 14: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

11

Execução Descentralizada

Leciona Diógenes Gasparini que:

“A prestação dos serviços públicos é descentralizada na medida em que a atividade administrativa (titularidade e execução) ou a sua me-ra execução é atribuída a outra entidade, distinta da administração Pública, para que a realize. Desloca-se a atividade, ou tão-só o seu exercício, da Administração Pública central para outra pessoa jurídi-ca, esta privada, pública ou governamental.”5

Estas pessoas executam e exploram o serviço da Administração, co-

locando-se como intermediárias entre a titular do serviço, a Administração Pública, e

seu beneficiário último, o administrado.

A descentralização, conforme citado acima, pode recair sobre pes-

soas jurídicas privadas, públicas, governamentais e também físicas. Exige-se para

que seja configurada a prestação de serviço público que a atividade seja administra-

tiva e que a transferência recaia sobre a titularidade e a execução ou somente sobre

a execução.

Assim, descentraliza-se o Serviço Público, por meio da transferência

de titularidade e da execução do serviço público da Administração Pública compe-

tente para uma pessoa jurídica de direito público (criada para esse fim, autarquia e

fundação pública) ou com o trespasse do simples desempenho ou da mera execu-

ção do Serviço Público a uma pessoa de direito privado (criada por particular, socie-

dade civil, comercial e industrial), obtendo o papel de concessionária ou permissio-

nária.

Diógenes Gasparini nos ensina ainda que:

5 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 297

Page 15: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

12

“Tanto as pessoas jurídicas criadas pelos particulares como as insti-tuídas pela Administração Pública desempenharão o Serviço Público, cuja execução lhes foi transferida, em nome próprio e por sua conta e risco. Nesses casos a Administração Pública desfaz-se da execu-ção, mas não da titularidade do serviço.” 6

Nesse sentido o julgado da 25ª Câmara de Direito Privado do Tribu-

nal de Justiça de São Paulo, vejamos

TJSP - Apelação: APL 990092506803 SP .

Relator(a): Sebastião Flávio Julgamento: 20/04/2010 Publicação: 26/04/2010 ACIDENTE DE TRÂNSITO. ATROPELAMENTO DE CICLISTA POR ÔNIBUS. SERVIÇO PÚBLICO URBANO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. SUBSIDIARIEDADE DA GESTORA DO SERVIÇO PÚ-BLICO EM CAUSA, DIANTE DA INSOLVÊNCIA DA PERMISSIO-NÁRIA DE DITO SERVIÇO PÚBLICO. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DECORRENTE DO DEVER CONSTITUCIONAL DE REALIZÁ-LO, E,PORTANTO, DO PRÓPRIO ESTADO. NOVA DISCIPLINA APE-NAS NO QUE TOCA AO VALOR DA PENSÃO E DE SEU TERMO "A QUO".PROCEDÊNCIA PARCIAL DA DEMANDA. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE.

Da descentralização para pessoa privada

Ao desejar transferir a execução de determinadas atividades ou ser-

viços que lhe foram outorgados por um ordenamento jurídico, a Administração Públi-

ca utiliza-se de pessoas jurídicas. Essas pessoas, como dito anteriormente, podem

ser tanto pessoas jurídicas de direito privado criadas por particulares (ex. sociedade

civil), tanto podem ser criadas pela própria administração (ex. empresa pública).

As primeiras, criadas por particulares, são denominadas permissio-

nárias ou concessionárias de serviços públicos, sempre de acordo com os termos do

contrato estabelecido perante a Administração Pública. As concessionárias e per-

6 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 299

Page 16: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

13 missionárias de serviço público, mediante a cobrança de tarifas de seus usuários e

obedecendo condições estabelecidas pela Administração, executam e exploram a

atividade pública que por comodidade e oportunidade lhes foram repassados.

A participação destes particulares é prevista na Constituição Federal

de 1988. O inciso XII do artigo 21 da Carta Magna prevê este envolvimento, ao es-

tabelecer que aqueles serviços públicos poderão ser executados diretamente ou

mediante autorização, permissão ou concessão.

Corrobora essa posição Diógenes Gasparini:

“Antes da Constituição Federal de 1988 era possível a outorga de concessão de serviço público a pessoas físicas, a exemplo do que permitia o Decreto-Lei federal nº 2.300/86 (Estatuto Federal das Lici-tações e Contratos Administrativos); hoje essa transferência parece-nos vedada, ante os termos do art. 175, parágrafo único, I, da Lei Maior. Celso Ribeiro de Bastos e Ives Gandra Martins a esse respei-to asseguram que a Constituição Federal exige, inquestionavelmen-te, que as concessões e permissões de serviço público sejam outor-gadas em favor de empresas, não em benefício de pessoa física.”7

A Lei Federal 8.987/95, que igualou a permissão à concessão de

serviços públicos, é a responsável por regular o regime de concessão e permissão

da prestação de serviços públicos previsto no artigo 175 da Constituição Federal.

Estabelece este ordenamento a devida prestação de serviços, os direitos e obriga-

ções, a política tarifária, o procedimento de licitação, os contratos celebrados junto a

Administração Pública, enfim, todos os aspectos que permeiam a previsão constitu-

cional do art. 175.

7 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 311

Page 17: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

14

Capítulo II

Características jurídicas da relação de concessão e permissão

de serviço público

Não nos cabe uma análise aprofundada do tema, tendo em vista o

objetivo deste trabalho. Assim, abordaremos apenas alguns aspectos que contêm

maior relação com assunto aqui debatido quais sejam: a natureza jurídica, objeto da

concessão, fundamentos, direitos e encargos do concessionário.

Da natureza jurídica

A natureza jurídica da relação de concessão ou permissão de servi-

ço público não tem uma definição pacífica, uns entendem que se trata de contrato

administrativo enquanto outros dizem referir-se de ato-união ou ato unilateral. A

CF/88, art. 175, e a lei de licitações, Lei Federal 8.666/93, tratam o assunto como

“contrato” e “contrato administrativo”, respectivamente. Além é claro, da lei 8.987/95

que, em seu arts. 1º e 4º, denomina a concessão como contrato.

“Assim, o vínculo que investe certa pessoa jurídica no direito de exe-

cutar e explorar determinado serviço público, como concessionário, é de natureza

contratual e da espécie dos contratos administrativos”.8

8 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 313

Page 18: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

15

O objeto da concessão

A lei 8.987/95 não é clara em relação aos serviços públicos que po-

dem ser objeto de concessões e permissões, deixando até mesmo de definir ex-

pressamente o que seja serviço público.

Resta-nos, portanto, extrair de seu texto, como o próprio nome já re-

vela, que concessão de serviço público ocorrerá em um serviço tipicamente público,

descaracterizando como concessão a prestação de ser viço não privativo da

Administração . Não podemos confundir a concessão de serviço público com a li-

cença de funcionamento, neste o desempenho independe de concessão, obrigatório

somente o alvará de funcionamento.

Fundamentos da concessão de serviço público

A concessão de serviço público é fundamentada em duas vertentes,

a política e a jurídica.

O fundamento político surge com a conveniência e oportunidade da

Administração Pública da descentralização do serviço público a particulares com

maior potencial econômico e tecnológico.

A propósito leciona Diógenes Gasparini:

“Estes, por não autuarem vinculados aos rígidos princípios que regulam as atividades administrativas, podem realizar os serviços que lhes foram transferidos com mais presteza e segundo as mais modernas técnicas existentes para o oferecimento de comodidades e utilidades à coletividade. Ademais, com a participação dos concessionários a Administração Pública concedente evita investimentos em atividades que não lhe são primordiais e, mediante vigilância constante, torna compatível a atuação desses executores com os interesses que persegue.”9

9 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 316

Page 19: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

16

O fundamento jurídico, por sua vez, decorre da Constituição ou de

lei, como por exemplo prevê a CF/88, art. 21, XII os serviços que são competência

da União explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão.

Cabe lembrar que a regulamentação de serviços públicos dos entes federados será

regulada por lei própria, obedecidas as suas competências.

Dos direitos e encargos do concessionário

O concessionário e permissionário investe-se junto a Administração

Pública, além do direito executar e explorar o serviço público contratado, em direitos

não referidos no contrato. “À Administração Pública é atribuído o dever-poder de, ao

longo da dilação temporal da concessão de serviço público, alterar, unilateralmente,

as cláusulas ou condições segundo as quais o serviço deve ser prestado.”10 Não há

que se falar, entretanto, em mudança de atividade, devendo as exigências abranger

as atividades compatíveis com o contrato celebrado.

O cessionário tem o direito, prestigiado pelo artigo 175, inciso III do

parágrafo único da Constituição Federal, ao equilíbrio econômico-financeiro do

contrato, também chamado de equação econômico-financeira. Trata-se da natureza

da concessão, porém não se prestando a resguardar o concessionário contra

insucessos econômicos ou má gestão.

Como consequência do direito acima, surge ao outorgado o direito a

revisão tarifária, tendo em vista que esta é essencial à equação econômico-

financeira.

Sobre o tema discorre Diógenes Gasparini:

“A Lei Federal 8.987/95 estabelece que a tarifa do serviço público prestado pelo concessionário será fixada na proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras da revisão previstas nessa lei, no

10 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 322

Page 20: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

17

edital licitatório e no contrato de concessão de serviço público.”11

Comprovada a necessidade de reajuste, este não poderá ser

negado pelo Estado, sob pena de indenização ao concessionário.

Por fim, cabe listar os encargos do concessionário, arrolado pelo

artigo 31 da lei 8.987/95, que são:

“Art. 31. Incumbe à concessionária:

I – prestar serviço adequado, na forma prevista nesta Lei, nas normas técnicas aplicáveis e no contrato;

II – manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados à concessão;

III – prestar contas da gestão do serviço ao poder concedente e aos usuários, nos termos definidos no contrato;

IV – cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão;

V – permitir aos encarregados da fiscalização livre acesso, em qualquer época, às obras, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como a seus registros contábeis;

VI – promover as desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, conforme previsto no edital e no contrato;

VII – zelar pela integridade dos bens vinculados à prestação do serviço, bem como segurá-los adequadamente; e

VII – captar, aplicar e gerir os recursos financeiros necessários à prestação do serviço”

Cabe apresentar:

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. CAPTAÇÃO DE ESGOTO. TARIFA CALCULADA COM BASE NO VOLUME DE ÁGUA FORNECIDO AO IMÓVEL. CRITÉRIO AUTORIZADO PELO DECRETO ESTADUAL Nº 41.446/96 E NÃO CONTRARIADO POR NORMAS FEDERAIS QUE DISPÕEM SOBRE O REGIME DE CONCESSÃO. NATUREZA JURÍDICA DA REMUNERAÇÃO QUE DISPENSA, ADEMAIS, A OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA. ILICITUDE NÃO RECONHECIDA. APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA,PREJUDICADA A DO AUTOR. (TJSP – APL 990093334496 SP - Rel. Arantes Theodoro. DJE 11/08/2010)

11 GASPARINI, Diógenes. op. cit. p. 323

Page 21: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

18

Feitas as apresentações iniciais, definidas as abrangências e

sujeitos do contrato de concessão e permissão de serviços públicos, iniciemos o

estudo da definição do crime de desacato, do conceito de funcionário público, e a

sua ampliação aos terceiros até aqui apresentados.

Page 22: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

19

Capítulo III

Do crime de desacato

O crime de desacato originou-se do Direito Romano. Caracterizava-

se o delito pela conduta ofensiva dirigida ao magistrado, no exercício de suas

funções, cometendo o agente delito grave punível até mesmo com a pena capital.

Neste período o crime de desacato não era considerado autônomo, limitando-se a

qualificar a injúria.

Repousava, portanto, numa profunda consideração e respeito que

determinadas autoridades usufruíam na Roma antiga, por desempenharem funções

públicas abraçadas pelo Estado, sendo protegidos e diferenciados dos demais

cidadãos.

“No momento em que sofressem algum tipo de ultraje relacionado à função desempenhada, maculado estaria o prestígio social que nunca deveria sofrer abalos, pela mesma razão de representarem o Estado in officio. Então, a simples ofensa praticada contra um particular tornava-se agravada caso fosse proferida contra um juiz romano, por se tratar de uma autoridade que deveria inspirar temor, respeito, reverência e zelo diante de toda a sociedade.”12

No Brasil, seu surgimento se deu com o Código Penal de 1980, em

que definia desacato com a conduta do agente que se dirigia de forma desrespeitosa

ou desprezível contra funcionário público no exercício de sua função.

No atual Código Penal Brasileiro, o crime de desacato está previsto

no artigo 331 que assim o define:

“Art. 331 – Desacatar funcionário público no exercício da função ou

12 SOARES, Claudio Leal. O crime de desacato e a honra funcional como bem jurídico. DireitoNet, 06-07-2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2157/O-crime-de-desacato-e-a-honra-funcional-como-bem-juridico>. Acesso em: 17-10-2010.

Page 23: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

20

em razão dela:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa"

A competência para o julgamento deste tipo penal, que antes cabia à

justiça comum, foi alterada com o advento da Lei Federal 9.099/95, que dispõe

sobre os juizados Especiais Cíveis e Criminais, passando este crime a ser

considerado delito de menor potencial ofensivo.

Nesse sentido:

CRIMINAL. RESP. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSI-VO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. DESACATO. COMPETÊNCIA DOS JUI-ZADOS ESPECIAIS. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. DERROGAÇÃO TÁCITA. INCIDÊNCIA DOS DELITOS SUJEITOS A PROCEDIMEN-TOS ESPECIAIS. RECURSO DESPROVIDO.

I - Com o advento da Lei 10.259/01 - que instituiu os juizados especi-ais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal – foi fixada nova definição de delitos de menor potencial ofensivo, cujo rol foi amplia-do, devido à alteração para dois anos do limite de pena máxima.

II - Por aplicação do princípio constitucional da isonomia, houve der-rogação tácita do art. 61 da Lei 9.099/95. III - Todas as infrações cuja pena máxima não exceda a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, cu-ja competência é dos Juizados Especiais.

IV - O julgamento do crime de desacato deve ser realizado pelo Jui-zado Especial Criminal.

V - Recurso desprovido. (STJ REsp 605304 / RJ – Rel. Ministro GIL-SON DIPP. 17/05/2004, DJ Pág. 283)13

PENAL E PROCESSUAL. DESACATO. DOLO. PERQUIRIÇÃO. DI-LAÇÃO PROBATÓRIA. CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSI-VO (LEI Nº 10.259/01). TRANSAÇÃO. POSSIBILIDADE. Incabível perquirir, na espécie, se o recorrente agiu ou não com dolo, pois o habeas corpus, em face de seu rito célere, não comporta o exame de questões cujo deslinde demande dilação probatória. A Lei nº 10.259/01 ampliou o conceito legal conferido aos crimes de menor potencial ofensivo e, por ser mais benéfica, alcança o disposto no ar-tigo 61, da Lei nº 9.099/95. Precedentes. O desacato (art. 331 do CP) é sancionado com pena que varia de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos de detenção ou multa, de modo que configura delito de menor poten-cial ofensivo, a teor da Lei nº 10.259/01. Recurso parcialmente co-nhecido e provido, para anular a denúncia e seu recebimento, a fim de que seja oferecido ao paciente o benefício da transação penal.

13 DIPP, Gilson. REsp 605304. Disponível em: < www.stj.jus.br>. Acesso em: 27/08/2010.

Page 24: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

21

RHC 13959 / SP RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS 2003/0007329-7 - Ministro PAULO MEDINA DJ 15/09/2003 p. 40314

14 MEDINA, Paulo. RHC 13959. Disponível em: < www.stj.jus.br>. Acesso em: 26/08/2010.

Page 25: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

22

Conceito

Para a caracterização do crime de desacato, previsto no artigo 331

do Código Penal Brasileiro é necessário, porém não suficiente, que o ato injurioso

praticado se passe na presença do agente ofendido, devendo existir um nexo

funcional. Este por sua vez terá caráter ocasional, se a ofensa ocorrer em razão do

exercício da função pública, e caráter causal quando, mesmo presente, o funcionário

não esteja exercendo sua função, mas é ofendido em razão do exercício das

funções que lhe são atribuídas.

Veja que há a necessidade de vínculo com a função exercida em

face da ofensa dirigida ao funcionário ofendido. Assim, por exemplo, o policial militar

que não era o responsável ou autor da prisão, testemunha ou condutor no decorrer

de determinada ocorrência policial, mas sim mero curioso, as ofensas por acaso a

ele dirigidas não poderão ser consideradas como desacato, por não haver relação

com a função exercida pelo ofendido.

Importante frisar que:

“Há para o desacato toda uma escala, toda uma gama a percorrer, que vai da simples intenção de não tomar conhecimento da presença do funcionário, da ironia brutal, do sarcasmo, até o doesto, a injúria, o achincalhe mais brutal” (RT 380/285)”15

Cabe lembrar que a conduta do agente dirigida ao funcionário

público no exercício de sua função ou em razão dela deve conter como tipo subjetivo

geral o dolo, vez que o Código Penal Brasileiro não faz previsão deste tipo penal na

modalidade de culposa.

A necessidade de dolo específico na configuração do crime em

discussão já foi controversa, porém atualmente podem ser encontrados julgados

pacíficos, que entendem configurado o desacato somente com a demonstração do

dolo específico do agente. Portanto, situações de extremo descontrole emocional ou

15 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1792

Page 26: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

23 raiva, não refletindo o ânimo do agente de desrespeitar a Administração Pública, a

jurisprudência considera atípica a conduta.

Ensina-nos Julio Fabbrini Mirabete que:

“Distinção da doutrina tradicional é aquela que separa as espécies

de dolo em dolo genérico e dolo específico. Dolo genérico é a

vontade de realizar o fato descrito na Lei, em seu núcleo (vontade de

matar, de subtrair etc.). Dolo específico é a vontade de realizar o fato

com um fim especial (fim libidinoso, de obter vantagem indevida

etc.)”16.(grifo nosso)

Em relação ao último vejamos:

A FIGURA DO DESACATO EXIGE DOLO, INTENSÃO DE ULTRA-JAR OU DESPRESTIGIAR, NÃO SE CONFIGURANDO O TIPO SE HOUVE DISCUSSÃO MOTIVADA PELA EXALTAÇÃO MÚTUA DE ÂNIMOS. (STJ -RESP -Rel. Fláquer Scartezzini -RT 697/372).

NÃO HÁ DESACATO QUANDO A PROVOCAÇÃO PARTE DO PRETENDIDO DESACATADO, POR ISSO QUE A OFENSA É RE-PULSA JUSTIFICADA. (TJSP -AC -Rel. Denser de Sá -RT 524/363).

É PRESSUPOSTO DA CONFIGURAÇÃO DO DELITO DE DESA-CATO A CIÊNCIA DA CONDIÇÃO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO PECULIAR AO AGENTE PASSIVO. (TACRIM -SP-AC -Rel. Prestes Barra -RT 422/303).

É INDISPENSAVEL À CONFIGURAÇÃO DE DESACATO SABER O ACUSADO SER O OFENDIDO AUTORIDADE OU FUNCIONÁRIO QUE, NA PRÁTICA DE ATO DE SEU OFÍCIO, ESTEJA NO EXER-CÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES. INEXISTE, ASSIM, O DELITO SE, SOMENTE APÓS A CONSUMAÇÃO DO FATO, É QUE A VÍTIMA SE IDENTIFICA COMO AUTORIDADE OU AGENTE DA AUTORI-DADE. (TACRIM -SP- AC -Rel. Ricardo Couto -JUTACRIM 22247-248).

PENAL. DESACATO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. 1) NÃO CONFIGURA O CRIME DE DESACATO OPOSIÇÃO AO ATO ILE-GAL OU ABUSIVO DO SERVIDOR PÚBLICO QUE, SUPONDO A OCORRÊNCIA DO ESTADO DE FLAGRANTE DELITO, ENTÃO I-NEXISTENTE, INSISTE EM CONDUZIR O INVESTIGADO À DELE-GACIA PARA APURAÇÃO DE UM FATO ILÍCITO, SEM QUE HAJA ORDEM JUDICIAL. 2) NA FALTA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO

16 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal I. São Paulo: Atlas, 2006. p. 134

Page 27: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

24

TIPO, ABSOLVE-SE O DENUNCIADO POR ATIPICIDADE. 3) RE-CURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJDF – Rel. Fábio Eduar-do Marques. 11/05/2007, DJU Pág. 160 Seção: 3)

”Aquele que se exalta em diálogo com o Promotor de Justiça em seu gabinete, onde compareceu após ter sido convocado, afirmando não temê-lo e nem à polícia, não comete crime de desacato, vez que tal tratamento, embora pouco cordial, não importou irreverência, menosprezo ou desprestígio para o representante do Ministério Público”

Em contrário, em número muito inferior, entendem:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESACATO CONFIGURADO. IRRITAÇÃO E NERVOSISMO NÃO RETIRAM O DOLO DO CRIME DE DESACATO COMETIDO CONTRA POLICIAL NO EXERCÍCIO DE SUA FUNÇÃO. SENTENÇA CONFIRMADA POR SEUS PRÓ-PRIOS FUNDAMENTOS. RECURSO IMPROVIDO. (TJDF – APJ – Rel. WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO – 18/04/2010, DJ-e Pág. 294).

“A gente que, embora em estado colérico, profere qualificativos inju-riosos contra guardas municipais, durante o exercício da função, pra-tica o crime de desacato, pois o dolo, para configuração desse delito, é o genérico, ou seja, não exige o fim determinado de ofender o pres-tígio da administração pública, bastando a vontade de proferir a ex-pressão aviltante” (RT 750/636)”17

“Configura o crime de desacato quando o agente utiliza palavras de baixo calão contra policiais no exercício de suas funções, com o intui-to de humilhá-los e desprestigiá-los, não se erigindo em excludente o estado de exaltação e nervosismo do acusado (RT 711/340)”18

17 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1800 18 Idem, loc. cit.

Page 28: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

25

Objetividade Jurídica

A objetividade jurídica da tipificação do crime é a proteção de

determinado bem jurídico, que passa a ser tutelado pelo Direito Penal. Trata-se do

elemento central do preceito contido na norma penal, com a descrição do fato

punível. Esses fatos são classificados de acordo com o bem jurídico visado, como

por exemplo os crimes constantes do capítulo II, “Dos crimes praticados por

particular contra a administração em geral”, em que é visada a proteção à

Administração Pública.

Bens jurídicos são valores da vida, individual ou coletiva, e também

valores da cultura, tutelado por meio de preceitos jurídicos e morais. Valores esses

advindos da própria natureza do homem e da vida em sociedade, reconhecido e

protegido pelo Direito, sendo elevados à categoria de bens jurídicos.

“A forma do Direito Penal fortalecer na consciência comum o juízo de valor sobre os bens jurídicos (e sobre as normas de cultura em que se apóia essa tutela), é impor às várias figuras de crime a grave sanção da pena. Essa, pois, é a função sócio-educativo-cultural do Direito Penal, com que esse ramo do Direito dá segurança e força àquelas normas em que se baseia a sociedade e exerce uma ação preventiva do crime.”19

Ensina Julio Fabbrini Mirabete que “o bem jurídico tutelado é a

dignidade, o prestígio, o decoro, o respeito devido à função pública. Está o Estado

interessado nessa proteção para que se possibilite a regular atividade da

Administração Pública.”20

O bem jurídico tutelado, na tipificação penal em estudo, é a

Administração Pública, em relação a seu interesse moral. Não há, neste caso,

divergência de entendimento, mesmo porque o Código Penal Brasileiro tipifica o

19 BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 6. Apud SOARES, Claudio Leal. O crime de desacato e a honra funcional como bem jurídico. DireitoNet, 06-07-2005. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2157/O-crime-de-desacato-e-a-honra-funcional-como-bem-juridico>. Acesso em: 17-10-2010 20 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal III . 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 334.

Page 29: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

26 crime de desacato no capítulo reservado aos crimes praticados contra a

Administração Pública. Tutela-se também a dignidade, o prestígio e o respeito aos

seus agentes enquanto representantes.

As ofensas lançadas contra os agentes do poder público atingem

diretamente o prestígio e a dignidade da função, que por sua vez atingem a

Administração Pública. Como dito anteriormente, a tutela é exercida em relação à

Administração, pois esta se faz presente e é representada por seus agentes no

exercício de suas funções ou quando ofendidos em razão dela.

Desta forma, torna-se o Estado o ente diretamente interessado em

proteger a obediência devida à função pública, por afetar inegavelmente à atividade

sua e de seus agentes, pois sem o devido acatamento, não poderiam exercer, de

modo eficaz, as funções a eles atribuídas, deixando a Administração pública de

alcançar a finalidade objetivada.

“Diz-se que é impossível estabelecer uma disciplina social e política

se os órgãos públicos, através dos quais o Estado cumpre a sua função

constitucional, são desrespeitados.”21

21 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 4, pp. 506-507. Apud SOARES, Claudio Leal. Sujeito Ativo do Crime de Desacato. DireitoNet, 27-06-2005. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2111/Sujeito-ativo-do-crime-de-desacato>. Acesso em: 17-10-2010

Page 30: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

27

Sujeitos do Crime

Os Sujeitos de Crime são as pessoas que surgem em ambos os

lados da tipificação penal, quer como sujeito ativo, responsável pela prática do ato

comissivo ou omissivo tipificado, quer como sujeito passivo, ou seja, a vítima,

pessoa que teve seu bem jurídico tutelado afetado. Cabe ao Estado com a utilização

de seu poder punitivo a coibição do bem jurídico tutelado.

No crime de desacato o sujeito ativo é qualquer pessoa que dirige

ofensas a funcionário público no exercício de suas funções ou em razão dela, com o

intuito de desprestigiar o funcionário ou desrespeitar a função pública por ele

exercida. “Não se configura se o funcionário praticava ato que não era de sua

atribuição (TRF, rcR 936, DJU 14.4.83, P. 4545; TACrSP, RJDTACr 27/77)”22

Nesse sentido:

“Desacato. Acusado que, em praça pública, dirige palavras grosseiras e ofensivas a delegado de polícia no exercício da função. Policiamento preventivo. Condenação decretada. Inteligência do art. 331 do CP. (RT 541/365)”23

“O Fato do agente ofender, humilhar ou espezinhar Funcionário Público, em detrimento do desprestígio e decoro da função por ele exercida, corporifica a figura típica penal, prevista no art. 331 do CP, quer a ofensa seja verbal ou na forma de gesto, pois pouco importa a maneira como ela é lançada contra o sujeito ativo (RTDTACRIM 19/92)”24

O sujeito passivo deste tipo penal é o próprio Estado e

secundariamente, agente público, tendo em vista seu papel de representante do

Estado quando do exercício de sua função.

Ao Estado é que deve ser tutelado o bem jurídico visado para que 22 DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto Junior; DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 592. 23 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1792. 24 Idem, op.cit. p. 1793.

Page 31: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

28 possam ser realizadas as tarefas que a ele são atribuídas, já que sem o devido

acatamento e respeito, torna-se difícil a execução de suas funções típicas e

previstas constitucionalmente.

A partir desse aspecto, função típica, é que surgem as divergências

sobre quem seriam esses agentes públicos e qual seria o verdadeiro sentido

objetivado pelo legislador. Por tamanha discordância doutrinaria a esse respeito,

dedicaremos, a seguir, um capítulo exclusivo para abordar a conceituação do sujeito

passivo.

Page 32: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

29

Sujeito Passivo

Como explicitado anteriormente, o sujeito passivo do crime de

desacato é em primeiro plano o próprio Estado e, secundariamente, funcionário

público ofendido em sua honra funcional. Ambos são titulares do bem jurídico

protegido.

O Estado se faz representado pela União, Estados-membros, Distrito

Federal e Municípios, bem como pelas entendidas paraestatais que o representam

em sua função típica.

O funcionário público é aquele que exerce uma função pública, ou

seja, executa serviços destinados ao povo ou relativos ao governo de um país.

Segundo Capez25, o desacato praticado contra dois ou mais

funcionários configura crime único, uma vez que o sujeito passivo imediato e

primário do crime em tela é o Estado.

Nesse Sentido decidiu a Relatora Lilian Romero, pela 2ª Câmara

Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, em Apelação Criminal 5742090 PR,

julgado em 27/08/2009 que:

“o fato de o réu ter desacatado simultaneamente vários policiais não descaracteriza o crime único de desacato (art. 331 do CP), pois o sujeito passivo primordialmente atingido é o Estado. O funcionário é atingido apenas de forma secundária.”26

25 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2004, v. 3, p. 493 Apud SOARES, Claudio Leal. Sujeito Passivo do Crime de Desacato. Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas /index.php/buscalegis/article/viewFile/12067/11632>. Acesso em: 17-10-2010. 26 ROMERO, Lilian. ACR 5742090 PR. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6125359/ apelacao-crime-acr-5742090-pr-0574209-0-tjpr>. Acesso em 14-09-2010

Page 33: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

30

Capítulo IV

Conceito de Funcionário Público

O direito penal diferencia-se do administrativo na conceituação do

que seria funcionário público. No primeiro, o conceito é mais amplo, vasto,

abrangente, ao passo que, no Direito Administrativo a definição é mais restrita. Neste

ramo, há três figuras distintas, a saber: cargo público, emprego e função pública.

Interessante se torna a análise, mesmo que superficial, destas figuras para que

possamos iniciar o estudo no campo penal.

O conceito para o direito administrativo

Agente público é toda pessoa física incumbida de exercer atividades

em prol da Administração Pública direta ou indireta, sendo aquelas dirigidas ao

administrados em geral. A distinção entre funcionário público e outros servidores

encontra-se na ocupação de um cargo criado por lei, que determina a atividade a ser

exercida e número de cargos a serem criados, sempre pagos pelo cofre do ente

estatal.

Celso Ribeiro Bastos explica que: “O cargo é ocupado por alguém

submetido ao regime estatutário, denominado funcionário...”27.

A autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro complementa:

“Com efeito, as várias competências previstas na Constituição, para a União, Estados e Municípios são distribuídas entre seus

27 BASTOS, Celso R. op. cit. p. 414

Page 34: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

31

respectivos órgãos, cada qual dispondo de determinado número de cargos criados por lei, que lhes confere denominação própria, define suas atribuições e fixa o padrão de vencimento ou remuneração” [3]”28.

O emprego público se difere do cargo pelo regime de contratação,

que possui vínculo estatutário, por ser regidos pelo estatuto do funcionário público

de cada ente da federação. Já no emprego, o regime será o da Consolidação das

Leis Trabalhistas, havendo um vínculo contratual. Assim, o que fundamentalmente

diferencia o emprego do cargo é a forma com que ocorre o provimento de um e de

outro.

A função pública pode se realizar de duas formas: a) pela

contratação temporária de servidores de acordo com o artigo 37, IX, não se exigindo

a realização de concurso público, dada a necessidade ou até mesmo a própria

urgência da contratação em face da demora do procedimento licitatório; b) e para as

funções de natureza permanente, dirigidas a chefia, direção, assessoramento ou

outro tipo de atividade para a qual não é criado cargo respectivo. Trata-se neste

ultimo caso, de funções de confiança, de livre provimento e exoneração. Diz-se

ainda que a função pública é a atribuição conferida a determinados servidores para a

execução de serviços

O conceito para o direito penal

A lei penal estabelece em seu artigo 327 que:

Art. 327 – “Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública”.

28 SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. O funcionário público visto pelo direito penal. DireitoNet, 12-12-2002. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/938/O-funcionario-publico-visto-pelo-Direito-Penal>. Acesso em: 17-10-2010.

Page 35: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

32

Com a introdução dos §§ 1º e 2º, esse conceito se tornou ainda mais

amplo, por abarcar os agentes das empresas paraestatais:

“§ 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, empre-go ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empre-sa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)

§ 2º - A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em co-missão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público. (Incluído pela Lei nº 6.799, de 1980)”29

Paulo Cyrillo Pereira esclarece que:

“(...) o conceito de funcionário público, para fins penais, se aparta da noção do Direito Administrativo, onde duas principais teorias são formuladas: restritiva, segundo a qual só é funcionário público aquele que, na representação da soberania do Estado, exerce um poder de império ou dispõe de autoridade, ou a quem é confiado certo poder discricionário; e outra extensiva, onde funcionário público é quem quer que exerça, profissionalmente, uma função pública, seja esta de império ou gestão, ou simplesmente técnica”30.

O espírito do Código Penal Brasileiro, em relação à definição do

funcionário público, é o da utilização do conceito mais amplo, em que não se exige,

para a caracterização do funcionário público, o exercício permanente ou profissional

da função pública. Considera-se, portanto, não só o indivíduo investido em cargo

público ou empregado público, esse conceito penal abarca também as pessoas que

exerçam funções públicas, mesmo que não remuneradas.

Nesse sentido:

29 Código Penal Brasileiro de 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-

Lei/Del2848.htm. Acesso em: 27-10-2010. 30 PEREIRA, Paulo Cyrillo. Funcionário público: titularidade passiva nos crimes contra a administração

pública – Equiparação, para fins penais, de servidores de autarquias. Revista Justitia. n. 153 São Paulo, 1991. p. 22

Page 36: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

33 “Aquele que desempenha funções ou atribuições de interesse

público, recebendo e executando ordens emanadas de uma autoridade, para efeitos penais, deve ser considerado funcionário público, enquadrando-se na definição do art. 327 do CP. Tal conceituação decorre da tendência dos modernos códigos repressivos em ampliar a noção de servidor público, em vista de ser a noção de função pública mais ampla que a de funcionário estatal” (JACRIM 3/45).31

Complementa Julio Fabbrini Mirabete que:

“Embora a interpretação literal do § 1º do artigo 327 não deixe dúvidas quanto à inclusão no conceito de funcionário público, para efeitos penais, das pessoas que exercem cargo, emprego ou função pública nessas entidades paraestatais, há na doutrina séria resistência em abrangê-las na definição.”32

A equiparação dos agentes pertencentes a autarquias, fundações

públicas e até mesmo os das concessionárias ou permissionárias de serviço público,

trazida pelo Código Penal Brasileiro, segundo a corrente majoritária, tem sua

aplicabilidade somente em quanto aqueles forem sujeitos ativos do crime, no caso,

crimes estes tipificados no capitulo I, título XI, Dos Crimes Praticados por

Funcionário Público contra a Administração em geral.

A propósito leciona Ana Maria Babette Bajer Fernandes,33 “afirmando

que na elaboração do Código Penal não se previa o desenvolvimento “desenfreado”

da estrutura burocrática do Estado, repele a solução normal da interpretação

progressiva, recomendando que se restrinja o conceito”

Nesse sentido:

“Desacato. Conceito. Alcance do §1º, do art. 327 do CP. A ofensa constitutiva do desacato deve resultar em desprestígio ou irreverência ao funcionário, aplicando-se a equiparação prevista §1º, do art. 327, do Código Penal, apenas quando for ele sujeito ativo, e não passivo. Ordem concedida” (JSTJ 8/244)34

31 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1748. 32 MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal III . 23ª ed. São Paulo: Atlas,

2009, p. 261. 33 FERNANDES, Ana Maria Babette Bajer. Conceito de funcionário público no direito penal. Justitia. n. 98

apud MIRABETE, Op. Cit. p. 261 34 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado. São Paulo: Atlas, 1999. p. 1753.

Page 37: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

34

A justificativa para ampliação em relação somente ao sujeito ativo

encontra-se na localização do artigo 327 do CP. Entende-se que ao incluir este artigo

no capítulo dos crimes praticados por funcionário publico, o legislador quis limitar a

aplicabilidade do dispositivo, restringindo a equiparação somente aos casos

previstos naquele capítulo. Afirma ainda, a corrente dominante, que caso fosse a

intenção do legislador em aplicar o aludido artigo aos demais crimes tipificados, ele

teria feito remissão expressa no capítulo em frente, que cuida dos crimes praticados

por particulares contra a Administração em geral.

Data venia, entendemos que esse entendimento merece

reconsiderações. Embora o artigo 327 do Código Penal Brasileiro esteja no capítulo

citado, o conceito lá definido se estenderia não só a toda parte especial, como

também as leis extravagantes, sendo portanto, regra geral.

Outro aspecto importante é o bem tutelado nos crimes previstos no

Capítulo I, Título IX. A tipificação destes crimes tem por objeto a proteção, em suma,

da própria Administração Pública, e num segundo momento o agente público que a

representa. Visa tais artigos, a manutenção da dignidade, do prestígio e do devido

respeito à função pública. O Estado é o verdadeiro interessado em proteger o

respeito a essa função, por ser indispensável à atividade e dinâmica da

Administração.

Por ser então, o bem jurídico a própria honra administrativa, parece-

nos que a ampliação deste dispositivo aos outros entes pertencentes à

administração indireta, como autarquias, fundações e até permissionários e

concessionários, seria a mais correta, tendo em vista que aqueles são

representantes do Estado quando da execução e exploração do serviços

trespassados.

Assim entendeu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região ao

acordar:

TRF4 - HABEAS CORPUS: HC 43627 RS 1999.04.01.043627-0 “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. D ELITO DE DESACATO. FUNCIONÁRIO PÚBLICO POR EQUIPARAÇÃO. SUJEITO PASSIVO DO DELITO.

Page 38: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

35

1. O nosso Código Penal, através de seu art. 327, adotou a noção extensiva e deu maior elasticidade ao conceito de funcionário público, Isto é, não exige para a caracterização de funcionário público, o exercício profissional ou permanente da função pública. Basta o indivíduo exercer, ainda que temporariamente e sem remuneração, cargo emprego ou função pública.

2. Não há porque se fazer a distinção, para fins de aplicação do conceito extensivo de funcionário público, entre sujeito ativo e sujeito passivo do delito. E isso, porque o art. 327 emite um nítido comando geral, ainda que inserido no Capítulo I do Código Penal, e deve ser aplicado a todas as hipóteses contempladas no ordenamento penal, contidas ou não no Código Penal (parte especial e leis extravagantes), quer se tratando de sujeito ativo, quer se tratando de sujeito passivo do delito.

3. O conceito de funcionário público por equiparação deve ser aplicado para o sujeito passivo do delito de desacato, o que torna, sob este aspecto, típica a conduta. (...) (TRF4ªR – Rel. Vilson Darós. 29/09/1999, DJ Pág. 587)”

O Direito Penal Brasileiro ao adotar um conceito unitário de

funcionário público não distinguiu o funcionário e o encarregado de serviço público

ou qualquer outra pessoa que exerça a função pública. Assim, o que realmente

caracteriza o funcionário público perante o código penal é a função pública exercida

pelo agente.

Page 39: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

36

Conclusão

O trabalho por nós apresentado objetivou uma reflexão sobre a

ampliação do conceito de funcionário público, de forma que foram apresentados

inúmeros julgados e entendimentos doutrinários que reforçaram ou até mesmo

contrariaram nossa perspectiva sobre o tema.

Concluímos que a caracterização do sujeito passivo dos crimes

praticados por particular contra a Administração Pública, em especial o crime de

Desacato, apresenta-se a princípio de fácil visualização, porém merece grande

atenção.

Não podemos analisar o enquadramento da definição de funcionário

público de forma literal ou simplesmente lógica. A simples localização do artigo 327

do Código Penal, no Capítulo I, “Dos crimes praticados por funcionário público

contra a Administração em geral” não deve significar que sua aplicação se limita a

apenas aquele capítulo.

O entendimento desse conceito apresentado tem de passar por uma

reflexão acerca do bem jurídico tutelado. A proteção criada pelo legislador é dirigida

a própria integridade da administração pública em virtude do cometimento do crime

de desacato, bem como dos outros crimes tipificados no Capítulo II, do Título XI, do

Código Penal

Entendemos que não nos parece justa a ampliação do conceito de

funcionário público previsto no artigo 327, caput e §§ apenas nas situações em que

os agentes públicos pertencentes a entidades paraestatais encontram-se como

sujeito ativo de um delito tipificado. O conceito de funcionário público deve abranger

as circunstâncias em que os agentes públicos, incluindo-se os funcionários de

paraestatais, como permissionárias e concessionárias, encontram-se como

potenciais vítimas de tais delitos.

Afinal, os crimes tipificados nos capítulos pertencentes ao Título XI

do Código Penal Brasileiro têm como único objetivo a tutela da Administração

Pública, buscando seu regular andamento, protegendo um interesse geral.

Devemos lembrar que apesar de imprescindível para a configuração

Page 40: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

37 do crime de desacato existir a presença ou conhecimento da ofensa por parte do

funcionário público, o intuito desta tipificação é a proteção à moral, à honra da

Administração Pública, e esta não pode desconsiderada por mero enquadramento

do agente. A função pública tem de ser objeto de constante proteção, tendo em vista

que à coletividade são direcionados seus serviços.

Não se trata de ampliação da proteção aos agentes públicos, na

realidade o crime de desacato preza pela proteção secundária ao agente público,

pois este sem o devido respeito e acatamento da sociedade em que atua não teria

reais condições para desempenhar as funções que lhes foi atribuída.

Os funcionários das empresas paraestatais permissionárias ou

concessionárias de serviços públicos, por conseguinte agentes públicos, são

constantes vítimas de particulares que se vêem no direito de dirigir-lhes ofensas

injustificadas, em vista da impunidade.

Nesse sentido é necessária uma tutela jurisdicional que independa

de representação do ofendido, havendo uma maior proteção aos agentes públicos

de paraestatais e punição mais rigorosa, visto que a sociedade a cada dia se

distorce em virtude da impunidade e demora do sistema judiciário brasileiro.

Necessário se faz reforçar ainda, que a busca pela equiparação não

teve como foco a superproteção destes funcionários, mas um justo equilíbrio quanto

ao enquadramento nas situações em que aparecem como sujeitos ativos e passivos

nos crimes contra a administração pública em geral. Haja vista que em ambas as

situações essas pessoas encontram-se, a priori, como representantes do Estado em

que atuam.

Page 41: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

38

Referências Bibliográficas

Autoria Desconhecida. "GATO"- Funcionário da CERON flagra

homem desviando energia elétrica e acaba levando pauladas. Jornal eletrônico

Rondoniaovivo . Disponibilizado em: <http://www.rondoniaovivo.com/

news.php?news=57951>. Acesso em: 26/10/2010.

BASTOS, Celso R. Curso de Direito Administrativo. São Paulo:

Celso Bastos, 2002.

BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República

Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988.

BRASIL. Código Penal, 1940. Código Penal Brasileiro. Rio de

Janeiro, RJ, 1940.

BRUNO, Aníbal. Direito Penal . Tomo I. Rio de Janeiro: Forense,

2003, p. 6. Apud SOARES, Claudio Leal. O crime de desacato e a honra funcional

como bem jurídico . DireitoNet, 06-07-2005. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2157/O-crime-de-desacato-e-a-honra-

funcional-como-bem-juridico>. Acesso em: 17-10-2010

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal . São Paulo: Saraiva,

2004, v. 3, p. 493 Apud SOARES, Claudio Leal. Sujeito Passivo do Crime de

Desacato . Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php

/buscalegis/article/viewFile/12067/11632>. Acesso em: 17-10-2010.

DA REDAÇÃO. Polícia apura caso de sexo dentro do ônibus. Diário

da Franca , ano 38 – nº 11475. Disponibilizado em:

<http://www.diariodafranca.com.br/

conteudo/noticia.php?noticia=23445&amp%3Bcat>. Acesso em: 26/10/2010.

DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO, Roberto

Page 42: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

39 Junior; DELMANTO, Fábio Machado de Almeida. Código Penal Comentado. 5ª ed.

Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

FERNANDES, Ana Maria Babette Bajer. Conceito de funcionário

público no direito penal. Justitia. n. 98 apud MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI,

Renato N. Manual de Direito Penal III . 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2009

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9 ed. São Paulo:

Saraiva, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal Interpretado . São Paulo:

Atlas, 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito

Penal III . 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

PEREIRA, Paulo Cyrillo. Funcionário público: titularidade passiva

nos crimes contra a administração pública – Equipar ação, para fins penais, de

servidores de autarquias. Revista Justitia. n. 153. São Paulo, 1991.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro . 2. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, v. 4, pp. 506-507. Apud SOARES, Claudio Leal.

Sujeito Ativo do Crime de Desacato . DireitoNet, 27-06-2005. Disponível em: <

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2111/Sujeito-ativo-do-crime-de-desacato>.

Acesso em: 17-10-2010.

ROMERO, Lilian. ACR 5742090 PR. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6125359/apelacao-crime-acr-5742090-pr-

0574209-0-tjpr>. Acesso em 14-09-2010

SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti. O funcionário público visto

pelo direito penal . DireitoNet, 12-12-2002. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/938/O-funcionario-publico-visto-pelo-

Direito-Penal>. Acesso em: 17-10-2010.

Page 43: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

40

SOARES, Claudio Leal. O crime de desacato e a honra funcional

como bem jurídico . DireitoNet, 06-07-2005. Disponível em:

<http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2157/O-crime-de-desacato-e-a-honra-

funcional-como-bem-juridico>. Acesso em: 17-10-2010.

SOARES, Claudio Leal. Sujeito Ativo do Crime de Desacato .

DireitoNet, 27-06-2005. Disponível em: <

http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2111/Sujeito-ativo-do-crime-de-desacato>.

Acesso em: 17-10-2010.

SOARES, Claudio Leal. Sujeito Passivo do Crime de Desacato .

Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article

/viewFile/12067/11632>. Acesso em: 17-10-2010.

Page 44: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

41

ANEXO A

Polícia apura caso de sexo dentro do ônibus

Casal de idosos pratica atos obscenos, é advertido e parte para a briga com o

cobrador

Da Redação/DF

O delegado Luís Carlos da Silva, do 1º Distrito Policial de Franca, começa hoje a

ouvir os envolvidos na confusão registrada na tarde de anteontem no interior de um

ônibus de transporte urbano de Franca. Conforme noticiado na edição de ontem do

Diário, um aposentado de quase 60 anos foi parar na delegacia após praticar sexo

dentro do coletivo e agredir o cobrador. O veículo faz a linha bairro City Petrópolis ao

Centro e estava lotado. Segundo testemunhas, foi quando um casal de idosos

começou a protagonizar cenas picantes em um dos bancos. Primeiro a mulher, de

74 anos, teria sentado no colo do homem e pouco depois teria começado a

masturbá-lo em público. E como no coletivo havia inclusive mulheres e crianças, o

cobrador chamou a atenção do casal.

Revoltado o aposentado teria xingado o cobrador, que ignorou as ofensas. O

problema é que quando foi descer, o acusado foi até o cobrador e o atingiu com um

soco na cara, com a vítima revidando em seguida. A confusão cresceu e a saída foi

parar a corrida e levar o caso ao conhecimento da polícia. Ocorrência foi registrada

no 1º Distrito Policial inicialmente por conta da briga, já que os dois que se

enfrentaram ficaram bem machucados.

Testemunhas

Ouvido ontem pela reportagem do Diário, o delegado Luís Carlos da Silva confirmou

o ocorrido e disse que tudo será apurado. Segundo ele, ouvidas inicialmente as

testemunhas confirmaram que a briga se deu por conta das cenas picantes que o

casal protagonizou dentro do ônibus. Por conta disso, o delegado não descarta

indiciar os envolvidos por outros crimes no decorrer do inquérito. Ele lamentou a

situação: "É uma pena vermos uma situação dessas, afinal ônibus urbano não é

local para esse tipo de relacionamento".

De acordo com o delegado, a confusão cresceu quando o ônibus chegou no terminal

Page 45: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

42 central, em frente à praça Nove de Julho. "Ali o jeito foi a interferência da polícia

para acalmar os ânimos e tentar resolver a situação".35

35 Da redação. Polícia apura caso de sexo dentro do ônibus. Diário da Franca, ano 38 – nº 11475. Disponibilizado em: <http://www.diariodafranca.com.br/conteudo/noticia.php?noticia=23445&amp%3Bcat>. Acesso em: 26/10/2010.

Page 46: Sujeição passiva do permissionário / cessionário de serviços públicos no crime de desacato

43

ANEXO B "GATO"- Funcionário da CERON flagra homem desviando energia elétrica e acaba levando pauladas

As agressões aconteceram por volta das 16h00 da tarde de segunda-feira (07)

quando o funcionário da CERON (Centrais Elétricas de Rondônia) Aldimar Lima de

Mota, de 43 anos, flagrou o infrator de nome Jailton de Souza Vilaça,desviando

energia clandestinamente de um poste público para sua residência localizado na rua

José de Alencar,bairro Baixa da União, região central da capital.

De acordo com relatos prestados pela vítima, descritos no boletim de ocorrência

5010/2009 registrado na 1ª DP, Jailton ao ser informado pelo funcionário da Ceron

que não era justo fazer esse tipo de delito, pois podia prejudicar a vizinhança com

um possível incêndio, o infrator pegou um pedaço de madeira e desferiu alguns

golpes na vítima, que ficou lesionada na mão e no antebraço. Após as agressões

Jailton fugiu tomando rumo ignorado sem prestar socorro ao funcionário ferido.36

36 Autor desconhecido. "GATO"- Funcionário da CERON flagra homem desviando energia elétrica e acaba levando pauladas. Jornal eletrônico Rondoniaovivo. Disponibilizado em: <http://www.rondoniaovivo.com/news.php?news=57951>. Acesso em: 26/10/2010.