crianÇa e adolescente: o direito de nÃo trabalhar...

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM DIREITO CRIANÇA E ADOLESCENTE: O DIREITO DE NÃO TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA CONSTITUCIONAL COMO VERTENTE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA VIVIANE MATOS GONZÁLEZ PEREZ Campos dos Goytacazes - RJ Julho/2006

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FACULDADE DE DIREITO DE CAMPOS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM DIREITO

CRIANÇA E ADOLESCENTE: O DIREITO DE NÃO

TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA

CONSTITUCIONAL COMO VERTENTE DO PRINCÍPIO

DA DIGNIDADE HUMANA

VIVIANE MATOS GONZÁLEZ PEREZ

Campos dos Goytacazes - RJ

Julho/2006

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VIVIANE MATOS GONZÁLEZ PEREZ

CRIANÇA E ADOLESCENTE: O DIREITO DE NÃO

TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA CONSTITUCIONAL

COMO VERTENTE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado, em Direito, da Faculdade de

Direito de Campos, como requisito à

obtenção do título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Antônio Celso Alves

Pereira

Campos dos Goytacazes - RJ

Julho/2006

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VIVIANE MATOS GONZÁLEZ PEREZ

CRIANÇA E ADOLESCENTE: O DIREITO DE NÃO

TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA CONSTITUCIONAL

COMO VERTENTE DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Dissertação apresentada ao Curso de

Mestrado, em Direito, da Faculdade de

Direito de Campos, como requisito à

obtenção do título de Mestre.

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________

Prof. Dr.

Universidade

_________________________________

Prof. Dr.

Universidade

_________________________________

Prof. Dr.

Universidade

_________________________________

Prof. Dr.

Universidade

Campos dos Goytacazes-RJ, ____ de____________ de 2006

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Dedico esta dissertação ao meu

esposo, Társis, meu maior incentivador, que tanto me apoiou durante o curso de mestrado e principalmente ao longo de toda elaboração deste trabalho, ao nosso querido filho Miguel Ángel e a todas as crianças e adolescentes, que por diversos fatores sociais se vêem compelidas a deixar para trás as brincadeiras, próprias de sua idade, para ingressarem no mundo do trabalho adulto, na esperança da reversão desse quadro.

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Agradeço a Deus, por todo auxílio e fortaleza concedidos durante os meses de dedicação ao presente trabalho, sem Ele, certamente não teria conseguido concluí-lo. À Dra. Sayonara Grillo, com quem tive aulas de Direito Coletivo do Trabalho, por toda generosidade, estímulo e sugestões dispensados ao longo do desenvolvimento do mesmo. Agradeço ainda aos meus pais, irmãos e demais familiares e amigos pela compreensão nos momentos de ausência, e, à Coordenação do mestrado da Faculdade de Direito de Campos, em especial ao Dr. Leonardo Greco, por todo incentivo e compreensão nos momentos em que mais precisei.

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Dedico esta dissertação ao meu

esposo, Társis, ao nosso querido filho Miguel Ángel e a todas as crianças e adolescentes, que por diversos fatores sociais se vêem compelidas a deixar para trás as brincadeiras, próprias de sua idade, para ingressarem no mundo do trabalho adulto, na esperança da reversão desse quadro.

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Mohammed Ashraf não vai à escola.

Desde que sai o sol até que a lua apareça, ele corta, recorta, perfura, arma e costura bolas de futebol, que saem rodando da aldeia paquistanesa de Umar Kot.

Mohammed tem onze anos. Faz isso, desde os cinco.

Se soubesse ler, e ler em inglês, poderia entender a inscrição que ele prega em cada uma de suas obras: Esta bola não foi fabricada por crianças.

(Eduardo Galeano. Boca do Tempo. Porto Alegre: LCPM, 2004, p. 64)

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LISTA DE ABREVIATURAS

CAGED - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados

CBO – Classificação Brasileira de Ocupações

CIDH – Comissão Interamericana de Direitos Humanos

CLT – Consolidação das Leis do Trabalho

CONAM – Conselho Nacional de Meio Ambiente

CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança

CTPS – Carteira de Trabalho e Previdência Social

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

ESFL – Entidade Sem Fim Lucrativo

FEBEM – Fundação Estadual do Bem-estar do Menor

FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Serviço

FNPETI – Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-estar do Menor

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

MP – Ministério Público

MPT – Ministério Público do Trabalho

MTE – Ministério do Trabalho e Emprego

PETI – Programa de Erradicação do Trabalho Infantil

PIS – Programa de Integração Social

PASEP – Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PROEP – Programa de Reforma da Educação Profissional

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens

PROUNI – Programa Universidade para Todos

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OIT – Organização Internacional do Trabalho

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social

IPEC – Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil

STJ – Superior Tribunal de Justiça

STF – Supremo Tribunal Federal

SIT – Secretaria de Inspeção do Trabalho

SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial

SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte

SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SESCOOP – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo

TCAC – Termo de Compromisso de Ajuste de Conduta

TRT – Tribunal Regional Federal

TST – Tribunal Superior do Trabalho

UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................13

1 - O TRABALHO INFANTIL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS ........................................................................................19

1.1. Primeiros registros.............................................................................................................21

1.1.1. A Revolução Industrial e seus reflexos na exploração do trabalho infantil na Europa............................................................................................................................... 23

1.2. A história do trabalho infantil no Brasil ............................................................................30

1.2.1. Contexto histórico- sociológico...................................................................... 30

1.2.2. Histórico legislativo........................................................................................ 38

1.3. Conclusões parciais ...........................................................................................................54

2 - O DIREITO FUNDAMENTAL DE NÃO TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL .....................................................................57

2.1. O reconhecimento da dignidade humana da criança e do adolescente e o princípio constitucional da proteção integral ...........................................................................................57

2.2. A normatividade dos princípios.........................................................................................65

2.2.1. O Princípio da Proteção Integral. ................................................................... 71

2.3 - A atuação normativa da Organização Internacional do Trabalho e a incorporação de suas Convenções no direito interno..................................................................................................74

2.3.1. Instrumentos normativos da Organização Internacional do Trabalho............ 79

2.4. A Convenção Interamericana e as formas de trabalho proibidas aos adolescentes...........82

2.5. Conclusões parciais ...........................................................................................................85

3 - REGULAÇÃO PROIBITÓRIA: VEDAÇÕES NORMATIVAS AO TRABALHO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO........................................87

3.1. Da terminologia .................................................................................................................87

3.2. Do trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso ...........................................................90

3.2.1. Trabalho noturno ............................................................................................ 91

3.2.2. Trabalho perigoso e insalubre......................................................................... 93

3.2.3. Trabalho penoso ............................................................................................. 95

3.2.4. Outras formas de trabalho consideradas prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente ......................... 97

3.3. Das piores formas de trabalho infantil.............................................................................100

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3.3.1. O trabalho infantil doméstico, nos lixões e no corte de cana-de-açúcar, como três das piores formas de trabalho .............................................................................. 101

3.4. Mecanismos de combate e prevenção do trabalho ilegal de crianças e adolescentes......110

3.4.1. O Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil e a ação conjunta das Instituições. ................................................................................................... 111

3.4.2. Mecanismos jurídicos ................................................................................... 116

3.4.3. A atuação do Ministério Público do Trabalho.............................................. 121

3.4.4. A possibilidade de recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos ... 123

3.5. Conclusões parciais .........................................................................................................126

4. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO.........................................................................................................................129

4.1. A educação profissional do adolescente..........................................................................129

4.2. As formas de trabalho que não constituem relação de emprego .....................................134

4.2.1. O regime familiar.......................................................................................... 136

4.2.2. O trabalho educativo..................................................................................... 141

4.2.3. O estágio curricular ou profissionalizante .................................................... 145

4.3. O contrato de emprego e o contrato especial de aprendizagem ......................................150

4.3.1. Adolescente empregado................................................................................ 150

4.3.2. A especialidade do contrato de aprendizagem ............................................. 155

4.3.3. A relação de emprego decorrente de contrato especial de aprendizagem .... 160

4.3.4. A aplicação dos acordos e convenções coletivas de trabalho aos contratos de aprendizagem....................................................................................................... 169

4.3.5. Salário e férias .............................................................................................. 172

4.4. A Aprendizagem escolar .................................................................................................174

4.5. A intermediação de mão-de-obra aprendiz por entidade governamental ou não governamental sem fins lucrativos .........................................................................................176

4.6. Breves considerações acerca das nulidades no âmbito dos contratos em exame ............182

4.7. Conclusões parciais .........................................................................................................185

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................188

REFERÊNCIAS .....................................................................................................................197

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RESUMO

A exploração da força de trabalho da criança e do adolescente apresenta forte

apelo jurídico e social, tendo em vista a existência de um grande paradoxo entre o

sistema normativo nacional, baseado no princípio da proteção integral dos direitos

fundamentais do grupo, e a realidade, que conta com muitos trabalhando antes da

idade mínima de dezesseis anos estabelecida pela Constituição Federal de 1988,

que prevê uma única exceção: o contrato especial de aprendizagem, o qual o

adolescente poderá celebrar a partir dos quatorze anos. A partir do momento em

que a criança e o adolescente passaram a ser compreendidos pela comunidade

internacional como seres humanos em pleno desenvolvimento psíquico, biológico e

social, futuros atores de sua sociedade, surgiu a doutrina da proteção integral. A

irradiação dos valores surgidos dessa nova concepção desencadeou a proclamação

da Declaração dos Direitos da Criança e posterior positivação desses direitos

através da edição da Convenção dos Direitos da Criança. Nesse diapasão, segue a

legislação brasileira, que mediante a elevação da doutrina da proteção integral ao

patamar de princípio constitucional, apresenta regulação das formas de labor

permitidas ao adolescente buscando sempre que possível, conjugar educação e

trabalho. Assim, o grupo poderá exercer atividades que configuram relação de

trabalho, como o realizado em regime familiar, o estágio curricular e o trabalho

educativo, como também as que configuram relação de emprego, como o contrato

de emprego, o contrato especial de aprendizagem, o contrato de aprendizagem

realizado entre o aluno-aprendiz e as entidades sem fins lucrativos e o contrato de

aprendizagem entre aluno de Escola Técnica e empresa.

Palavras-chave: criança e adolescente, Constituição Federal de 1988,

princípio da proteção integral, regulação, trabalho.

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RÉSUMÉ

L’exploitation de la force du travail de l’enfant et de l’adolescent présente un

fort appel juridique et social, vu le grand paradoxe existant entre le système normatif

national, fondé seer le principe de la protection intégrale des droits fondamentaux du

groupe, et la réalité où nombreux sont ceux qui travaillent avant l’âge minimum de

seize ans, établi par la Constitution Fédérale de 1988, qui me prévoit qu’rine seule

exception à cela : le contrat spécial d’apprentissage que l’adolescent pourra célébrer

à partir des quatorze ans. Du moment où l’enfant et l’adolescent ont été compris par

la communauté internationale comme des êtres humains en plein developpement

psychique, biologique et social, des acteurs futurs de sa société, la doctrine de la

protection intégrale est née. La diffusion des valeurs découlant de cette nouvelle

conception a entrainé la proc`lamation de la Déclaration des Droits de l’Enfant et la

postérieure normalisation de ces droits, par l’édition de la Convention des Droits de

l’Enfant. Súr ce diapason suit la législation brésilienne, qui par l’élévation de la

doctrine de la protection intégrale au plan de principe constitutionnel présente une

régulation des formes de labeur permises à l’adolescent, en cherchant autant qu’il

est possible de conjuguer éducation et travail. De cette façon, le grupe purra exercer

des activités qui d’une part configurent des rapports de travail tels que celui qui se

fait en régime familier, le stage curriculaire et le travail éducatif, et d’autre part celles

qui configurent des rapportes d’emploi tels que le contrat spécieal d’aprentissage

réalisé entre l’élève – apprenti et les instituitions non lucratives, et le contrat

d’apprentissage entre l’élève d’une Éscole Technique et l’entripise.

Mots-clé : enfant et adolescent, Constitution Fédérale de 1988, principe de la

protection intégrale, régulation, travail

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INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a analisar a problemática introdução de crianças e

adolescentes no mercado de trabalho antes da idade mínima constitucionalmente

estabelecida para o exercício lícito desse trabalho no Brasil, bem como a regulação

incidente sobre o labor realizado por adolescentes. Em especial, analisa os institutos

jurídicos específicos aplicáveis às múltiplas relações de trabalho dos adolescentes,

no âmbito do direito do trabalho em sentido estrito (tais como o contrato de trabalho

e o contrato de aprendizagem), ou não (estágio, regime familiar, etc.), sempre à luz

do princípio constitucional da proteção integral das crianças e adolescentes.

A análise interdisciplinar entre Direito Constitucional, Direito Internacional dos

Direitos Humanos e Direito do Trabalho para a compreensão global do tema

apresenta grande relevância no que diz respeito aos aspectos práticos direcionados

à defesa da comunidade infanto-adolescente, tendo em vista que através do estudo

da legislação e da doutrina demonstra os mecanismos jurídicos e políticos de

combate e prevenção do trabalho ilegal de crianças e adolescentes.

O tema apresenta grande relevância e apelo humanitário, por se tratar de

seres em pleno desenvolvimento, portadores de direitos e garantias fundamentais

que convergem para o principal direito, que é o de desenvolver-se sadiamente nas

esferas biológica, psíquica e social. A partir do momento em que são precocemente

introduzidos no mercado de trabalho, passam a assumir compromissos e pressões

inerentes às atividades exercidas, consideradas impróprias para o estágio de vida

em que se encontram. Optou-se pelos termos “criança” e “adolescente”, utilizados

pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,

para designar o estágio de vida em que se encontram.

No primeiro capítulo se demonstrará que a questão da exploração do trabalho

infantil e do adolescente não é nova e para isso se resgata na história internacional

alguns registros do emprego desta mão-de-obra. Nesse sentido, o processo de

industrialização na Europa foi um dos fatores determinantes para a introdução

precoce dos pequenos no mercado de trabalho, tendo em vista que a demanda

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requeria o barateamento do custo de produção. Considerados “meia força”,

apresentavam baixo poder reivindicatório, constituindo com isso, grande fonte de

lucros para o empresariado.

O Brasil contou, desde o período colonial, com o trabalho de crianças e

adolescentes no sistema escravista. A partir da instauração do regime republicano,

esta mão-de-obra passou a ser requisitada no trabalho fabril, nos mesmos moldes

da Europa, e também no rural. Demonstra-se que ao longo dos anos republicanos,

houve preocupação do legislador de estabelecer uma idade limite para a admissão

de crianças e adolescentes no mercado de trabalho, visando a protegê-lo de

eventuais danos decorrentes de sua atividade laboral.

Contudo, com o advento da Carta Constitucional de 1988, que

redemocratizou o país e fundamentou o regime político então instaurado, sob o

princípio da dignidade humana, foi estabelecido um sistema de proteção dos direitos

e garantias fundamentais do homem, sendo o grupo vulnerável abrangido, em

decorrência da irradiação dos valores então positivados.

No segundo capítulo analisa-se a incorporação de princípios no sistema

constitucional, em especial do princípio da proteção integral, demonstrando que este

se revela como irradiação dos valores históricos da comunidade internacional, no

que diz respeito ao reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais da

comunidade infantil e adolescente.

Verifica-se que o princípio da proteção integral pode ser compreendido como

desdobramento do princípio da dignidade humana, a partir do momento em que se

atribui aos seres em desenvolvimento, que são as crianças e os adolescentes, a

condição de sujeitos de direitos humanos. A partir dessa compreensão, constata-se

a atuação dos organismos internacionais para o reconhecimento desses direitos.

Tanto a normativa internacional, através do órgão especializado nas questões

que versam sobre as relações laborais, como a normativa nacional, demonstram a

preocupação dos Estados com o problema da introdução precoce de pequenos

seres ao mundo do trabalho adulto. Constata-se que fatores como a pobreza e a

falta de escolarização, aliados à questão cultural da tolerância por parte da

sociedade, resquício dos tempos de escravidão africana, apontada no primeiro

capítulo, são os grandes inimigos do grupo vulnerável no Brasil. No entanto, a

construção de um sistema de garantias, fundamentado no princípio da proteção

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integral, tem logrado êxito no trabalho de reversão desse quadro, conforme se

demonstra no terceiro capítulo.

Ao pretender zelar pela proteção integral do grupo vulnerável, o ordenamento

jurídico brasileiro institui um amplo sistema de garantias dos seus direitos, mediante

a disponibilização de mecanismos jurídicos e sociais. Conta-se com uma política de

atendimento que prevê a criação de programas de assistência social, com o objetivo

de combater a exploração dos pequenos através de sua retirada das situações de

risco propiciadas pela exposição a atividades laborais consideradas impróprias. No

que tange aos mecanismos jurídicos, autorizam os instrumentos normativos o

ajuizamento de ações de responsabilização contra o tomador dos serviços prestados

por crianças e adolescentes, destacando-se a atuação preventiva e repressiva do

Ministério Público do Trabalho.

No quarto capítulo, atribui-se à necessidade de angariar renda para a sua

subsistência e a de sua família a motivação que faz com que o adolescente se lance

no mercado de trabalho cada vez mais cedo. Verifica-se que por essa razão

estabeleceu o legislador, à luz do princípio da proteção integral, as formas de

trabalho permitidas ao grupo, objetivando colocá-lo a salvo de ambientes ou

atividades que impliquem risco à sua integridade física e mental, e também

minimizar o impacto negativo acarretado pelo trabalho precoce.

São examinadas as formas de trabalho e de relação de emprego permitidas

por lei, enfocando-se aquelas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho.

Através da abordagem dos permissivos legais, verifica-se que estão em plena

consonância com os direitos fundamentais do acesso à escola e à

profissionalização, uma vez que a prática das atividades laborativas são realizadas

em concomitância com o ensino teórico profissionalizante ou limitação da jornada

para possibilitar a freqüência a escola.

Não obstante a existência de um robusto conteúdo normativo acerca da

proibição do emprego da força de trabalho da criança e do adolescente, os dados

estatísticos revelam números lamentáveis sobre a quantidade de crianças e

adolescentes em situação de total violação de seus direitos humanos. É preciso lutar

contra fatores determinantes que prolongam essa situação, tais como a pobreza, a

tolerância por parte da sociedade e o desconhecimento do sistema de proteção dos

direitos e garantias fundamentais do grupo vulnerável e o seu direito ao não trabalho

antes da idade mínima constitucional. A conscientização da população, através da

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divulgação desse sistema de normas, paralelamente à atuação das instituições

estatais e sociedade civil, certamente logrará a reversão desse quadro.

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1 - O TRABALHO INFANTIL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

A questão da exploração do trabalho da criança e do adolescente apresenta

forte apelo humanitário tendo em vista que são compreendidos como seres em

pleno desenvolvimento, portadores do direito ao crescimento sadio nas esferas

biológica, psíquica e social.

Pretende-se no presente capítulo buscar na história internacional de maneira

geral, alguns registros do emprego da mão-de-obra do grupo. Verificar-se-á que o

processo de industrialização ocorrido na Europa foi um dos fatores determinantes

para a introdução precoce dos pequenos no mercado de trabalho, através da

constatação por parte do empresariado de que eram fonte de grandes lucros vez

que pela própria condição de seres em formação e pela discrepância de idade entre

estes e aqueles, eram facilmente submissos, produzindo em largas escalas em troca

de baixos salários. No Brasil, a utilização da força de trabalho da criança e do

adolescente ocorreu nos mesmos moldes da Europa no que tange ao trabalho fabril,

apresentando, contudo, a peculiaridade do sistema escravista, que também

submetia o grupo ao trabalho.

Após pretender buscar no contexto histórico-sociológico elementos que

possam indicar os primórdios do trabalho infantil e adolescente no país, serão

apontadas as primeiras manifestações legislativas com o escopo de resguardar o

grupo de algum tipo de dano proveniente de sua inserção no mercado de trabalho.

Assim, será constatada a preocupação com o estabelecimento de uma idade mínima

para tal ao longo da república, para finalmente, com a Constituição de 1988,

reconhecer-se o direito a uma proteção mais ampla, não apenas no sentido de

resguardar as crianças e os adolescentes da introdução precoce e danosa ao

trabalho, mas no que se refere ao reconhecimento de seus direitos e garantias

fundamentais e o dever da família, do Estado e da sociedade, de atuar na promoção

dos mesmos.

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1.1. Primeiros registros

Desde os tempos mais remotos da história humana registra-se o trabalho das

crianças junto às famílias e às tribos sem qualquer distinção destas para com os

adultos. Aproximadamente 2.000 anos antes de Cristo surgiam as primeiras medidas

de proteção aos menores trabalhadores. É possível encontrar previsão sobre esse

tema no Código de Hamurábi, que previa que se um artesão adotasse um menor,

deveria ensinar-lhe seu ofício. Segadas Vianna afirma que se aquele o ensinasse,

este já não poderia mais ser reclamado por seus pais biológicos, do contrário, o

adotivo poderia voltar livremente para casa de seus pais. (VIANNA, 2002, p. 982) É

a aprendizagem ao lado da locatio operarum, o instituto do moderno Direito do

Trabalho que deitou fecundas raízes no direito romano. (GOMES, GOTTSHALK,

1978, p. 626)

Orlando Gomes e Elson Gottshalk ensinam que, segundo estudos de

Brasilello, entre os romanos o contrato de aprendizagem poderia ser concebido de

três modos: o mestre obter remuneração pelo ensino ministrado, pagar os serviços

do menor ou compensar o ensino com os serviços. (Apud: GOMES, GOTTSHALK,

1978, p. 626). Tal sistematização revela a importância social da qual se revestia a

aprendizagem em Roma antiga. As escolas de ofício eram um incentivo para que os

filhos dos produtores obtivessem formação segundo a profissão paterna, que por via

do vínculo familiar, era transmitida de uma a outra geração. (GOMES, GOTTSHALK,

2002, p. 424)

No fim do século XI e início do século XII, a aprendizagem começou a ser

expandida pela Europa Ocidental através das corporações de ofício, como relata

Orlando Gomes: “aprendizagem medieval apresentava-se sob a forma de um

contrato celebrado entre o mestre e os pais do menor.”1 (GOMES, GOTTSHALK,

2002)

O mestre de ofício por meio de contrato deveria oferecer garantias de sua

competência e moralidade assumindo o compromisso de tratar o aprendiz com

1“Com a decadência do regime feudal, os colonos refugiaram-se nas cidades, ao lado dos artesãos e operários especializados, onde podiam defender-se das violências dos seus antigos senhores. E, inspirados nos collegia romanos e nas ghildas germânicas, esses trabalhadores livres organizaram-se em grêmios, que, a pouco e pouco, passaram a constituir ponderáveis instrumentos da produção econômica local Surgiram, assim, no século XII, as Corporações de Artes e Ofícios, que agremiavam pessoas da mesma profissão ou atividade profissional e elegiam, quase sempre, um santo como patrono.”1 (SÜSSEKIND, VIANNA, MARANHÃO, 2002, p. 8)

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honestidade e de cuidar dele como se fosse seu próprio filho. Deveria ainda dar-lhe

moradia e alimento. O aprendiz também assumia alguns compromissos, como o de

bem servir e obedecer seu mestre evitando causar-lhe prejuízo, e, caso cometesse

qualquer dano deveria avisá-lo. Assumia ainda o compromisso de indenizar o mestre

as despesas relativas à alimentação e alojamento durante o início da aprendizagem.

Mas apesar das garantias pactuadas havia a tendência de utilizar o jovem aprendiz

nos trabalhos domésticos, sobretudo quando este não conseguia indenizar qualquer

prejuízo ocasionado.(GOMES, GOTTSHALK, 2002, p. 425)

O movimento de escolarização iniciado na Europa do século XVI e conduzido

por educadores e padres, católicos e protestantes, apresentou-se como uma das

primeiras propostas voltadas para a transformação da formação moral e espiritual da

criança em oposição à educação medieval feita apenas pelo aprendizado de

técnicas e saberes tradicionais ensinados pelos adultos da comunidade. Contudo, tal

transformação se deu a passos lentos na história.

Aponta Haim Gruspun que no fim do século XVIII, surgiram duas filosofias

opostas sobre o trabalho infantil: uma justificava as atitudes da época frente à

infância e a outra se opunha às mesmas. A primeira favorável ao trabalho infanto-

juvenil, era difundida pela Religião Protestante e provinha da crença de que o

trabalho imposto às crianças e aos adolescentes era uma ótima forma de se reprimir

as más inclinações humanas provenientes do pecado original. Para as classes mais

baixas passou a significar que a salvação do indivíduo era o trabalho fosse este

remunerado ou não. As crianças eram vistas como pequenos adultos que

precisavam ser preparados para o mundo do trabalho.

A segunda corrente, defendida por seguidores do filósofo Jean-Jacques

Rousseau2, contrapunha-se à primeira. Para ela a infância consistia numa fase

especial da vida que precisava ser aproveitada para educação e lazer a fim de

construir um adulto sadio física e mentalmente, um adulto com condições de realizar

qualquer tipo de contribuição para a sociedade. E para isso defendiam a elaboração

de leis de proteção às crianças. (GRUSPUN, 2000, p. 46-47)

2 “... Rousseau foi o primeiro a propor a influência da herança genética. Observou que as crianças são qualitativamente diferentes dos adultos. Não são meros adultos incompletos ou estudantes não formados. As crianças precisam ser entendidas e valorizadas pelo que elas são, em vez do que virão a ser, sendo consideradas como exploradoras do mundo, motivadas, ocupadas e experimentadoras, usando isso para suprir seus interesses individuais.” (FARIA, 2001, p. 9)

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1.1.1. A Revolução Industrial e seus reflexos na exploração do trabalho infantil na Europa

A Revolução Industrial ocorrida no século XIX foi um importante fato gerador

da exploração da força de trabalho humana, pois com a introdução das máquinas no

ambiente de trabalho, a empresa outrora simples, onde cada empregado praticava

um ofício complexo, isto é, cada um era responsável do início ao fim pela feitura de

determinado produto, passou a fragmentar o ofício, simplificando as operações do

operário moderno, levando-o ao automatismo de movimentos e gestos.

Essa transformação, de acordo com o posicionamento de Evaristo de Moraes

Filho, guarda conexão com a afirmação dos institutos da propriedade individual, da

autonomia de vontade e da liberdade contratual no âmbito da Declaração dos

Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 na Revolução Francesa,

como também pelo Código Civil de Napoleão3. (MORAES FILHO, 1956, p. 322).

Em um contexto liberal econômico, o papel do Estado era simplesmente

negativo, não indo além da manutenção da ordem pública, podendo os indivíduos,

nesse âmbito, agir da forma como melhor lhes aprouvesse. No âmbito das relações

jurídicas asseguraria uma esfera de imunidade aos particulares, através de uma

atitude de abstenção do Estado moderno nas relações de trabalho, possibilitando a

exploração crescente do trabalho humano, como destacou Arnaldo Süssekind:

“Afirmando a igualdade jurídico-política dos cidadãos (todos são iguais perante a lei), a Revolução Francesa adotou o princípio do respeito absoluto à autonomia da vontade (liberdade contratual), cuja conseqüência foi a não-intervenção do Estado nas relações contratuais (laissez-faire). Consagrou, assim, o liberalismo-econômico pregado pelos fisiocratas, com o que facilitou a exploração do trabalhador.” (SÜSSEKIND, 2001, p. 8)

A industrialização rompera com a lógica da aprendizagem, do ofício e das

relações estatutárias que envolviam o trabalho nas antigas corporações. As

3Tais princípios estruturavam o liberalismo, doutrina político-jurídica que se afirmava no bojo da ascensão e desenvolvimento do nascente capitalismo moderno. “A partir de agora, o trabalho é uma mercadoria vendida em um mercado que obedece à lei da oferta e da procura. A relação que une o trabalhador a seu empregador tornou-se uma simples ‘convenção’, isto é, um contrato entre dois parceiros que se entendem sobre o salário, mas esta transação não é mais regulada por sistemas de coerções ou de garantias externas à própria troca.” (CASTEL, 2003, p. 250)

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condições de trabalho na primeira revolução industrial eram totalmente degradantes,

com uma ampla exploração do labor humano, em jornadas extenuantes, sob

condições ambientais subumanas. A remuneração paga era extremamente baixa e o

controle físico sobre os trabalhadores tão amplo que os empresários optavam pela

contratação de mulheres e crianças, consideradas como mais dóceis e submissas e

cujo custo do trabalho era menor. Difundia-se a utilização do trabalho das crianças

nas fábricas modernas. E como tais relações eram formalizadas a partir de contratos

civis, fundados na liberdade e na autonomia, e regidas especificamente pelo

contrato de arrendamento de serviços, o seu conteúdo era imposto pelas condições

fixadas pelos empresários. Assim, a captação de crianças para o trabalho nas

máquinas a vapor, minas de carvão, moinhos de fiação e para as variadas máquinas

então criadas passou a ser fator importantíssimo para o faturamento dos

empresários. Registre-se que o trabalho para com estas não exigia sequer prévia

aprendizagem, como se procedia antes, pois a tarefa era fragmentada, exigindo

apenas a repetição de movimentos.4 Era a absorção do trabalho das chamadas

“meias forças”, no dizer de Orlando Gomes e Élson Gottshalk (1978, p. 598):

“O emprego de mulheres e menores na indústria nascente representava uma sensível redução do custo de produção, a absorção de mão-de-obra barata, em suma, um meio eficiente e simples para enfrentar a concorrência. Nenhum preceito moral ou jurídico impedia o patrão de empregar em larga escala a mão-de-obra feminina e infantil. Os princípios invioláveis do liberalismo econômico e do individualismo jurídico davam-lhe a base ética e jurídica para contratar livremente, no mercado, esta espécie de mercadoria.” (GOMES, GOTTSHALK: 1978, p. 599)

O regime de produção em massa e a liberdade contratual no “jogo das forças

econômicas” (MORAES FILHO, 1956, p. 326) aumentava cada vez mais a massa

dos que nada possuíam. E no outro extremo, em menor número, o grupo de

capitalistas aumentava seu patrimônio a custa da perda da dignidade dos operários

4A respeito dos efeitos da propriedade privada na criação da desigualdade dos homens, Mario de La Cueva registra as teses defendidas por Rousseau: “La explicación rousseauniana sobre el origen y los

fundamentos de la desigualdad entre los hombres señala a la propiedad privada como la causa de

todos los males humanos; su creación es, además, el criterio distingue la pre-historia de la historia:

aquella, esto es, la vida ausente de propiedad privada, fue un vivir conforme a la naturaleza, y es

diferente de la historia, pues la idea diabólica de la propiedad privada exigió la organización de un

poder, diabólico también, destinado a protegerla.” (CUEVA, 1974, p. 11)

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mirins, submetidos ao trabalho em idades cada vez mais precoces, como registrou

Evaristo de Moraes Filho:

“Com o nascimento do maquinismo na produção econômica, como que ficou o homem relegado a um plano secundário, como que perdeu o seu primeiro papel na economia. Nascia a era das máquinas. Não era a pessoa humana o que mais importava, já que passava a ser mera guardiã e assistente do aparelho mecânico. A produção crescia assustadoramente, numa corrida desenfreada de lucros e procurando satisfazer os mercados os mais longíquos. As operações técnicas tornavam-se mais rápidas e automáticas, e assim poderia ser dispensado um grande número de trabalhadores masculinos e adultos, que eram substituídos pelo trabalho de mulheres e de crianças, menos dispendiosos e mais dóceis. Mal os meninos alcançavam a idade de aprender o caminho da fábrica (8 anos, ou pouco mais), já acompanhavam suas mães e se iniciavam como aprendizes. ( MORAES FILHO, 1956, p. 343-344)

A ocorrência de catástrofes minerais, de graves acidentes provocados pelas

novas máquinas e de grande número de doentes e deformes entre os oriundos de

cidades industriais acabaria fazendo com que alguns chefes de empresas

reconhecessem a prerrogativa do Estado de saber o que ocorria além dos muros da

empresa privada. Naquele momento, os ideais iluministas já haviam sido

amplamente difundidos, principalmente o reconhecimento do direito a garantias

mínimas de promoção da dignidade humana. Os Estados, paulatinamente, se

voltariam para impedir sua violação através da exploração da mão-de-obra das

crianças e dos adolescentes realizada em nome da expansão do capitalismo,

culminando dessa forma no surgimento da fiscalização do trabalho.

É importante destacar ainda, que as lutas sociais movimentadas ao longo do

século XIX contribuíram bastante para o surgimento das idéias de proteção mínima

do trabalhador por meio do reconhecimento e promoção de seus direitos

fundamentais. Mário de la Cueva, catedrático da Universidade do México, salienta

que tais lutas “provocaron el tránsito a la era de la tolerância,” (CUEVA, 1974, p. 16)

na qual os Estados deixariam progressivamente de criminalizar as lutas dos

trabalhadores, que se constituíam em organizações representativas sindicais. Nesse

sentido, afirma Evaristo de Moraes:

“Com a coletivização do trabalho, a feudalização industrial, foram enormes as repercussões no seio da sociedade, alterando profundamente toda a estrutura social.

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Por outro lado, com a aproximação da grande massa de trabalhadores, começavam estes, espontaneamente, a ser reunirem para tratar de seus interesses. A simples proximidade física engendrava uma mais profunda e duradoura proximidade profissional e econômica. Constituía-se definitivamente o grupo social econômico, quer seja o sindicato, quer seja a empresa.” ( MORAES FILHO, 1956, p. 345)

No âmbito de uma luta mais ampla contra a exploração do trabalho, cresciam

as denúncias sobre o trabalho infantil. A historiadora Mary del Priore explica que

houve um certo “evolucionismo” na condição histórica da criança durante a

consolidação da sociedade burguesa, tendo em vista que na Idade Média ela não

significava muito para os seus pais.(PRIORE, 2004, p. 10).5 Tal fenômeno ocorre ao

mesmo tempo em que a repulsa crescente à situação das crianças e o aparecimento

do movimento operário semeavam os germens do Direito do Trabalho. É importante

destacar como a temática do trabalho das crianças e adolescentes se vincula

historicamente com o Direito do Trabalho. A proteção ao trabalho das crianças

contra a dominação a que estavam submetidos foi a razão primeira para o

reconhecimento da necessidade de intervenção do Estado nas relações entre capital

e trabalho. A exploração do trabalho das crianças é um dos fatos que “explican

también, en el ámbito jurídico, la aparición del derecho del trabajo, cuya primera

razón de ser fue precisamente la protección de los menores contra la dominación

física que resultaba del arrendamiento de servicios.” (SUPIOT, 1996, p. 88).

5 Priori afirma, à luz dos estudos realizados por Philippe Áries, que o conceito de infância foi modificado ao final da Idade Média e início da Idade Moderna através da importância do movimento escolástico surgido na Europa Ocidental pelas mãos dos clérigos, mediante o preparo cultural do infante. E nisso se constata a evolução conceitual da infância, que segundo o autor, era muito curta para a sociedade medieval, aos sete anos a criança já era retirada do seio familiar pelos próprios pais ou responsáveis e introduzida em outra família para executar serviços domésticos. Isso demonstra que aquele pequeno ser em formação não despertava laços estritos de amor entre os seus familiares. Constata Áries: “A falta de afeição dos ingleses manifesta-se particularmente em sua atitude com relação às suas crianças. Após conservá-las em casa até a idade de sete ou nove anos (em nossos autores antigos, sete anos era a idade em que os meninos deixavam as mulheres para ingressar na escola ou no mundo dos adultos), eles as colocam, tanto os meninos como as meninas, nas casas de outras pessoas, para aí fazerem o serviço pesado, e as crianças aí permanecem por um período de sete a nove anos (portanto, até entre cerca de 14 e 18 anos). Elas são chamadas então de aprendizes. ...o homem da Idade Média via aí apenas variações de uma noção essencial, a noção do serviço. O único serviço que durante muito tempo se pôde conceber, o serviço doméstico, não implicava nenhuma degradação e não despertava nenhuma repugnância. (ARIÉS, 1978, p. 155-156) Alcídia M. Faria aponta em seu artigo sobre o desenvolvimento da criança que, no período medieval, o desenvolvimento humano era restrito à educação paroquial em que entendia-se que o ser humano era totalmente formado dentro do esperma e por conseqüência a criança era vista como um adulto mirim, um ser humano completo, já formado, e, por isso, nem se cogitava da importância do estímulo ao lúdico com jogos e brincadeiras. (FARIA, 2001, p. 8)

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A Inglaterra6 foi o primeiro país da Europa no qual surgiu a luta dos operários

pelo reconhecimento de seus direitos trabalhistas, como também pela situação a

que eram submetidas as crianças e os adolescentes operários, através do

movimento cartista7.

Seu ordenamento jurídico, portanto, foi pioneiro no que tange a edição de lei

protetiva desse grupo. A Moral and Health Act, elaborada por Robert Peel, no ano de

1802, proibia o trabalho de menores por mais de 10 horas por dia, como também o

trabalho noturno.

É importante destacar que tais intervenções estatais no domínio contratual

ainda durante a hegemonia liberal ocorreriam através de um processo de

compatibilização teórica da intervenção do Estado com o princípio da autonomia da

vontade. É que as crianças não poderiam ser vistas como titulares de direitos de

livre contratação, como afirmaria Mill: ““la libertad de contratación en el caso de los

menores no es sino un sinónimo de libertad de coacción.” (Apud: Ramm, 1986, p.

106). Desta forma, justificava-se no paradigma liberal a intervenção do Estado que

atuaria para resguardar uma parte a qual não se reconhecia capacidade para

contratar. Nessa visão o Estado atuava “substituindo” os pais que deveriam zelar

pelos filho (RAMM, 1986, p. 106).

No ano de 1819, a Inglaterra proibiu o emprego de criança menor de nove

anos em atividades industriais. Em 1833, proibiu-se o trabalho noturno aos menores

de dezoito anos. E em 1867, permitiu-se a admissão de crianças com idade mínima

de nove anos para trabalharem como aprendizes com a carga horária limitada em no

máximo seis horas por dia.

A primeira legislação significativa criada no intuito de proteger as crianças e

os adolescentes quanto ao emprego de sua força de trabalho foi promulgada em 6 Antônio Carlos Flores de Moraes busca na história do ordenamento jurídico inglês, registros da exploração da força de trabalho infantil antes mesmo da Revolução Industrial, e com isso aponta que em 1814 a jornada de trabalho era de dezesseis horas, e esta era cumprida por crianças e adolescentes sem qualquer diferenciação. Nesse contexto, resgata trecho do discurso de Lord Maculay na Câmara dos Comuns, o qual se apresenta interessante destacar: “Se não limitais a jornada, sancionareis o trabalho intenso que começa demasiado cedo na vida, que continua por longos dias, que impede o crescimento do corpo, o desenvolvimento do espírito, sem deixar tempo para exercícios saudáveis e para a cultura intelectual e debilitareis todas essas qualidades elevadas que fizeram a grandeza de nosso país. Nossos jovens, sobrecarregados de trabalho, se converterão numa raça de homens débeis e ignóbeis, país de uma prole ainda mais débil e ignóbil, e não tardará muito o momento em que a degeneração do trabalhador afete desastrosamente os próprios interesses pelos quais foram sacrificadas suas energias físicas e morais.” (FLORES DE MORAES, 1992, p. 227) 7 A ação revolucionária dos operários ingleses que lutava por um regime democrático entre os empregados e os patrões foi chamada de Guerra Cartista, em virtude de terem estes elaborado suas reivindicações por meio de uma carta-petição remetida ao Parlamento britânico, inspirados nos pensamentos de Robert Owen. (CUEVA, 1974, p. 16)

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1878, elevando a idade mínima dos empregados de cinco para dez anos e

restringindo os empregadores a contratarem crianças entre dez e quatorze anos

para dias alternados ou consecutivos de meio período, bem como alternando aos

sábados e feriados. Essa legislação, conforme afirma Albano Lima, limitava também

o dia de trabalho para as crianças entre quatorze e dezoito anos em doze horas,

com um intervalo de duas horas para as refeições e repouso. Nesse mesmo ano, o

ordenamento jurídico britânico consolidou toda a legislação industrial, e esta não

admitia, por exemplo, que crianças trabalhassem na limpeza de máquinas em

movimento, e, os industriais eram obrigados a manter escolas de ensino

fundamental para os empregados.8 (LIMA, 1975, p. 4)

No fim do século XIX, em 1897, houve a proibição do emprego da mão-de-

obra dos menores de dezesseis anos de sexo masculino e dos menores de dezoito

anos de sexo feminino para o trabalho considerado perigoso.

A França iniciou a assistência à infância por meio de leis promulgadas em

1841 proibindo o emprego de menores de oito anos e fixando em oito horas a

jornada máxima de trabalho dos menores de doze anos e de doze horas para os

maiores de dezesseis anos, efetuando alterações nos anos de 1874 e 1892, sendo a

legislação consolidada em 1900. (LIMA: 1975, p. 3)

O ordenamento jurídico alemão adotou dispositivos protetores do trabalho nas

fábricas no ano de 1869, todavia, registra-se norma direcionada a comunidade

datada de 1891, a qual proibia o trabalho de adolescentes, antes das cinco e meia

da manhã e após oito e meia da noite. Em 1939, aprovou-se uma lei que proibia o

trabalho aos menores de nove anos e restringia a dez horas a jornada de trabalho

dos menores de dezesseis anos.

É importante ressaltar que, a maioria das leis elaboradas ao longo do século

XIX nos países apontados, apresentavam por escopo tutelar as condições de

higiene e segurança do trabalho. Para Gomes e Gottshalk tais regras não devem ser

compreendidas como proibitivas da introdução de crianças e adolescentes em

ambientes considerados inadequados.9 (GOMES. GOTTSHALK, 1978, p. 612).

8 “Foi a partir de 1870, com a publicação do Ato de Educação Elementar, que as crianças, sendo obrigadas a freqüentar a escola, inicialmente meio período, começaram a ser menos exploradas no trabalho. Entre 1870 e 1900, foram publicados trinta atos sucessivos sobre educação e freqüência na escola para somente no início do século XX as crianças serem obrigadas a freqüentar escola em tempo integral, ricos que já tinham tempo integral e agora os pobres também. (GRUNSPUN, 2000, p. 49) 9 “As leis reguladoras de higiene e de segurança do trabalho tutelam o trabalhador adulto em geral, e, especialmente, ao menor e à mulher.

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No final do século XIX , com a intensificação dos conflitos sociais, até mesmo

a Igreja Católica se manifestaria. Em um momento de luta e de necessidade de

mudanças dos valores político-sociais então em vigor nos países da Europa, o

Vaticano editaria a Encíclica Papal Rerum Novarum , do Papa Leão XIII, de 15 de

maio de 1891, na qual pugna pela afirmação dos valores do trabalho, conclama aos

católicos a preservação da dignidade do homem que trabalha. Em especial a

Encíclica condenaria expressamente a exploração do trabalho das mulheres e das

crianças, pugnando pela restrição do trabalho infantil, como podemos observar:

“27. Proteção do trabalho dos operários, das mulheres e das crianças.

... o que pode fazer um homem válido e na força da idade, não será eqüitativo exigi-lo duma mulher ou duma criança. Especialmente a infância – e isto deve ser estritamente observado – não deve entrar na oficina senão depois que a idade tenha desenvolvido nela força físicas, intelectuais e morais; do contrário, como uma planta ainda tenra, ver-se-á murchar com um trabalho demasiado precoce e será prejudicado na educação.” (PAPA LEÃO XIII, 1991, p. 41)

A partir de então, normas trabalhistas começaram a ser promulgadas no

intuito de combater o trabalho das crianças e adolescentes e de promover sua

assistência. A criança passou a ser vista como um adulto em gestação, potencial

motor da História, devendo dessa forma ser protegida pelo Estado. A formação do

Direito do Trabalho no mundo ocidental se inicia com o reconhecimento da

capacidade de ação das coletividades operárias organizadas em sindicatos e com a

intervenção do Estado nas relações de trabalho que envolviam crianças. No Brasil,

como examinaremos a seguir, apesar da diferença temporal os caminhos não

seriam tão distintos assim.

João Batista Costa Saraiva aponta que os Estados Unidos, em 1899,

instituiram o primeiro Tribunal de Menores como forma de reconhecer que a infância

deveria ter tratamento distinto em relação aos adultos. Nesse diapasão, outros

países seguiram a idéia de instituir um juízo específico para as crianças, como a

Inglaterra, no ano de 1905, a Alemanha em 1908, Portugal e Hungria em 1911, Como ciência, a higiene do trabalho remonta ao século XVIII. O seu fundador foi RAMMAZINI, médico italiano que viveu de 1674 a 1714. Conheceu, porém, a sua aplicação no campo industrial a partir da primeira metade do século passado. Entretanto, somente no século atual tomou impulso com o encorajamento inicial dado à matéria pela Associação Internacional para Proteção legal dos Trabalhadores, cuja tarefa principal era a de promover congressos internacionais sobre assuntos relativos ao trabalho, como hoje faz a O.I.T.”. (GOMES, GOTTSHALK: 1978, p. 612-613)

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França em 1912, Argentina em 1921, Japão em 1922, Espanha em 1924, México

em 1927 e Chile em 1928. (SARAIVA, 2005, p. 35)

1.2. A história do trabalho infantil no Brasil

1.2.1. Contexto histórico- sociológico

Enquanto nos os países ocidentais europeus o capitalismo instala-se no

alvorecer da Idade Moderna, o Brasil permanecia submetido ao antigo sistema

colonial. Mesmo após sua independência política, a permanência de uma economia

baseada na agricultura, apoiada no trabalho escravo, e inserida de modo periférico

na economia mundial, fariam com que o país tivesse uma tardia industrialização. A

dicotomia de uma sociedade que por quatro séculos permaneceu dividida entre

senhores e escravos, gerou impressionantes distorções que estão até hoje

presentes, dentre as quais, a injusta distribuição de suas riquezas, avara com o

acesso à educação para todos10 e vincada pelas marcas do escravismo. (PRIORE,

2004, p. 12). Especificidades de nosso desenvolvimento histórico não deixariam

muito espaço para o desenvolvimento de mecanismos que permitissem ao povo

uma adaptação ao novo cenário advindo da industrialização.

Os primórdios do trabalho infantil no Brasil situam-se bem antes da abolição

da escravatura e da introdução das máquinas obsoletas da primeira revolução

industrial européia. Registra-se que já a bordo das caravelas portuguesas da época

do descobrimento, crianças e adolescentes entre nove e dezesseis anos eram

submetidas ao trabalho conhecidos como pequenos grumetes, crianças marinheiras

que iniciavam a carreira na Armada11. Jairo Lins Sento-Sé, em obra dedicada ao

trabalho escravo no Brasil, transcreve trecho de uma carta a qual narrava a situação:

10 Entre nós, tanto a escolarização quanto o conceito de vida privada foram pontos que surgiram com grande atraso em comparação com os países ocidentais onde o capitalismo instalou-se no início da Idade Moderna. Nesses países, já nessa época, projetava-se o futuro adulto nas escolas. 11 “A falta de mão-de-obra adulta, direcionada a servir nos navios e nas possessões ultramarinas, tornava os órfãos desabrigados e as crianças de famílias pedintes, candidatos naturais às agruras da dura vida de embarcado, sujeitos a uma taxa de mortalidade na ordem de 39% (trinta e nove por cento), a trabalhos exaustivos e a abusos sexuais de toda a sorte.” (VIDDOTI, 2005, p. 144)

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“...meninos com idade entre nove e quinze anos que, obrigados pelos próprios pais, trocaram a infância pela terrível vida do mar. Estima-se que 10% da frota de Cabral é formada por crianças. [...] Trabalham como gente grande, ou melhor, como escravos. Limpam o convés, fazem faxina nos porões e remendam velas.” (Apud: SENTO-SÉ, 2000, p. 62)

No período da escravidão as crianças permaneceram sendo exploradas,

principalmente nas atividades rurais, juntamente com os seus pais. Tal situação era

acobertada pelo manto da escravatura uma vez que as crianças órfãs e pobres eram

recrutadas para o trabalho das fazendas e das casas grandes dos “senhores”, onde

eram exploradas e abusadas. Afirma Haim Gruspun que muitas vezes as crianças

órfãs eram submetidas a condições mais degradantes que os escravos e seus filhos,

pois esses valiam dinheiro e aquelas não! (GRUNSPUN, 2000, p. 51)

As crianças escravas12, filhas de escravas, entre os 4 e 11 anos de idade

tinham o seu tempo ocupado pelo trabalho, que se dividia de duas formas:

aprendizagem de um ofício, como lavar, passar, engomar e remendar roupas, e, o

adestramento13 para serem escravos. José Roberto de Góes e Manolo Florentino

explicam que o trabalho era o centro da pedagogia senhorial: 14

12 SARAIVA demonstra que a Lei do Ventre Livre além de se apresentar como marco da luta do movimento abolicionista, se apresenta como uma das primeiras manifestações acerca da luta pelos direitos da criança pois visava conceder a liberdade aos filhos da mulher escrava nascidos após sua edição, no entanto, estabelecia regras para tal aquisição, que no dizer do referido autor eram perversas: “p. 1º. Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o Governo receberá o menor e lhe dará destino, em conformidade da presente lei.” Verifica-se dessa forma que, a Lei do Ventre Livre, criou duas categorias de escravo: por tempo determinado, até os vinte e um anos e a do abandonado para ser livre em instituições de acolhimento. (2005, p. 30) 13 O autor frisa a diferença entre a aprendizagem de um ofício doméstico da criança escrava e o seu adestramento para a qualidade de ser escravo porque esta assim como os adultos era vista pela sociedade colonial como objeto, peça, animal irracional a ser adestrado. “Logo que a criança deixa o berço, ..., dão-lhe um escravo do seu sexo e de sua idade, pouco mais ou menos, por camarada, ou antes, para seus brinquedos. Crescem juntos e o escravo torna-se um objeto sobre o qual o menino exerce os seus caprichos; empregam-no em tudo e além disso incorre sempre em censura e punição.” (FREYRE,1992, p. 336) 14 “O adestramento da criança também se fazia pelo suplício. Não o espetaculoso, das punições exemplares (reservada aos pais), mas o suplício do dia-a-dia, feito pelas pequenas humilhações e grandes agravos. Houve crianças escravas que, sob as ordens de meninos livres, puseram-se de quatro e fizeram-se de bestas. Debret não pintou esse quadro, mas não é difícil imaginar a criança negra arqueada pelo peso de um pequeno escravocrata. Machado de Assis levou-a para literatura. Lá está ela, montada a receber lanhadas do dono. Se Gilberto Freyre tiver razão uma outra vez, como tudo indica, e for verdade que os meninos livres eram educados aquém de toda contrariedade, era muito difícil a vida das crianças escravas mais próximas da família do senhor. O nhô-nhô, afinal, matriculado na mesma escola da escravidão, estava a aprender sobre a utilidade de bofetadas e humilhações.” (GÓES, FLORENTINO, p. 186)

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“Por volta dos 12 anos, o adestramento que as tornava adultos estava se concluindo. Nesta idade, os meninos e as meninas começavam a trazer a profissão por sobrenome: Chico Roça, João Pastor, Ana Mucama. Alguns haviam começado muito cedo.” (GÓES, FLORENTINO, p. 184).

O Brasil colonial não conheceu o sistema de aprendizagem ao estilo europeu,

pois lhe faltou o campo primordial para sua efetivação: a corporação de ofício.

Segundo o grande historiador colonial Capistrano de Abreu, havia um número ínfimo

de mecânicos nas cidades, e estes concorriam com o trabalho realizado pelos

escravos, não sendo cobrado.15 (GOMES, GOTTSHALK, 2002, p. 425). Por sua vez,

as primeiras escolas instituídas no Brasil foram as escolas jesuítas, em pequeno

número e com acesso restrito, uma vez que eram particulares. Oris Oliveira, recorda

que o ensino de ofícios no Brasil iniciou-se com os Liceus de Artes e Ofícios:

“Na história do ensino dos ofícios, a partir da segunda metade do século XIX, merecem menção os ‘Liceus de Artes e Ofícios’ dirigidos por sociedades beneficentes, mantidos com recursos de sócios, de benfeitores (membros da burocracia estatal, nobres, fazendeiros, comerciantes) e de subsídios governamentais. A carência de recurso fez com que vários fossem apenas de artes por falta de oficinas para ensino prático.” (OLIVEIRA, 2004, p. 133)

O ensino público16 foi instalado apenas na metade do século XIX, durante o

governo do marquês de Pombal. Contudo, a alternativa para os filhos dos pobres

não seria o investimento em sua formação cultural, mas a sua transformação em

cidadãos úteis e produtivos na lavoura por conta da ausência de condições básicas

para sua ascensão.17

15 Segundo os mesmos autores, o próprio colonizador do Brasil, Portugal, não se abriu ao florescimento dos grêmios ou corporações profissionais como ocorreu em outros países da Europa. E isso certamente influenciou culturalmente a debilidade corporativa em nosso país. 16 “No setor educacional as primeiras instituições de ensino que formavam o aparelho escolar destinavam-se a ministrar o ensino superior e foram localizadas no Rio de Janeiro: Academia da Marinha, cadeiras de anatomia e de cirurgia (1808); Academia Real Militar (1810), curso de agricultura (1814), curso de desenho técnico (1818); Academia de Artes (1820). Na Bahia cadeiras de cirurgia e de economia política (1808), curso de agricultura (1812), curso de química (1817). No Recife, em Olinda cadeira de matemática superior (1809), de Direito (1827); em Vila Rica, cadeira de desenho e história. Em São Paulo, a Faculdade de Direito, (1827). ... Esse aparelho escolar tinha por finalidade principal propiciar a formação de quadros de alta qualificação para a produção e burocracia do Estado.” (OLIVEIRA, 2004, p. 131) 17 Erotilde Minharro ensina que: “No final do século XIX a educação profissional estava relegada às ordens religiosas, que ensinavam os ofícios de carpinteiros, sapateiros e pedreiros aos órfãos e filhos dos mais necessitados. Nestes locais, os aprendizes limitavam-se a imitar os trabalhadores mais velhos, não havendo um ensino metódico.” (MINHARRO, 2003, p. 76)

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João Batista Costa Saraiva (2005) ensina que além dos estabelecimentos

comuns direcionados a ministrar ensino de ofícios artesanais às crianças e

adolescentes pobres, registra-se que em 1834 as Forças Armadas também

passaram a desenvolver programas de aprendizagem de ofícios para as crianças

entre oito e doze anos nas Companhias de Aprendizes da Marinha ou Exército,

promovendo o ensino regular básico mediante sua alfabetização e ensino das

operações básicas de matemática, e, nos intervalos, ensino de ofícios em suas

oficinas. Quando a aprendizagem era considerada concluída, o adolescente se

tornava adido às Companhias de Artífices e ao completar dezoito anos era obrigado

a servir o Exército por oito anos efetivos. (SARAIVA, 2005, p. 132)

Esmeralda Blanco Bolsonaro Moura explica que dessa forma, a visão

distorcida de que o trabalho era a “melhor escola” para as crianças e adolescentes

passou a ser cada vez mais difundida pelas camadas subalternas pela questão da

sobrevivência familiar, podendo-se então constatar que o abismo de desigualdade

se aprofundava cada vez mais na sociedade brasileira.18(MOURA, 2002, p. 261)

A partir da abolição da escravatura – no final do século XIX – com a massa de

escravos livres e sem trabalho, as famílias não conseguiam sustentar seus filhos e

muitos dos filhos das escravas, que eram de pais desconhecidos, ficavam pelas

ruas. Iniciava-se o processo de marginalização das crianças pobres, ainda presente

em nossa sociedade. Del Priori observa que:

“No início do século, com a explosão do crescimento urbano em cidades como São Paulo, esses jovens, dejetos do que fora o fim do escravismo, encheram as ruas. Passaram a ser denominados “vagabundos”. ... As primeiras estatísticas criminais elaboradas em 1900 já revelam que esses filhos da rua, então chamados de “pivettes”, eram responsáveis por furtos, “gatunagem”, vadiagem e ferimentos, tendo na malícia e na esperteza as principais armas de sua sobrevivência.” (PRIORE, 2004, p. 13)

No início do século XX, o país enfrentou uma grande crise econômica,

desempregando as famílias pobres de raça branca deixando seus filhos também em

situação difícil. A imigração européia – destinada inicialmente a substituir a mão-de-

obra escrava no campo, nas regiões sul e sudeste – foi um importante fator

18 A introdução da indústria e sua conseqüente expansão definiu o destino de parcela significativa de crianças e também de adolescentes das camadas oprimidas em nosso país, tal como ocorrera em outras partes do mundo.

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responsável pelo recrutamento de mão-de-obra humana barata, experiente e ágil,

inclusive de crianças, que eram submetidas a condições degradantes de trabalho e

a jornadas estafantes.19

“A entrada maciça de imigrantes, capaz de alavancar a

incipiente industrialização do final do século, trouxe consigo a imagem de crianças no trabalho fabril. Mais uma vez esses pequenos imigrantes foram empurrados pela miséria e pela ausência de um Estado que se empenhasse em sua educação, a passar 11 horas em frente às máquinas de tecelagem, tendo apenas vinte minutos de “descanso”. Tornaram-se simplesmente substitutos mais baratos do trabalho escravo.” (PRIORE, 2004, p. 13)

O nascimento da República fez com que uma era de novas preocupações se

apresentasse. O país em crescimento dependia de uma população preparada para

impulsionar a economia nacional. A preocupação do governo em modelar o

trabalhador nacional fez com que os asilos de caridade fossem transformados em

institutos, escolas profissionais e patronatos agrícolas. Industriais fundaram

instituições com o objetivo de formar desde cedo a futura mão-de-obra.20 Fazia-se

necessário formar e disciplinar os braços da indústria e da agricultura, e várias

instituições seriam criadas com este objeto. Apresenta Irma Rizzini (2004) como

exemplo, o Instituto João Pinheiro como uma destas instituições, criado em 1909

pelo governo mineiro, tendo por finalidade contribuir para impulsionar a vida

econômica nacional e restituir à sociedade, após o período educacional, “um homem

sadio de corpo e alma, apto para construir uma célula do organismo social.”

(RIZZINI, 2004, p. 378)

A indústria incipiente, especialmente a têxtil, além de contar com a mão-de-

obra das crianças e adolescentes européias, começava a recrutar nos asilos de

caridade crianças a partir de oito anos de idade e jovens para que na condição de

aprendizes trabalhassem nas oficinas e fábricas sob o pretexto de preparar o

19 “Nesse intenso deslocamento das populações, ..., adolescentes e crianças de ambos os sexos carregavam, juntamente com os homens e as mulheres, na aparência e na alma, os vestígios de uma travessia que começara com a imensa pobreza que assolava o país de origem.” (MOURA, 2002, p. 261) O branco imigrante europeu passou a ser considerado o agente promotor do desenvolvimento e, simultaneamente, o negro, cativo ou livre, era simbolizado como a encarnação do atraso, que precisava, de qualquer maneira, ser eliminado do mercado de trabalho. Daí ficaria justificada a imigração em massa de europeus, cujo efeito imediato seria a “modernização” do país. (DOMINGUES, 2004, p. 64) 20 Verifica-se, dessa forma, que, o Estado nessa época não apresentava a mínima preocupação com a promoção da educação escolar da comunidade infantil brasileira ou imigrante, e, tal omissão, repercute nos dias atuais. A conseqüência dela é a estratificação social, a velha divisão como àquela ocorrida nos tempos da escravidão.

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trabalhador nacional.21(RIZZINI, 2004, p. 262) Todavia, constata-se que os ofícios

aprendidos não apresentavam às crianças nenhuma possibilidade de inserção em

postos de trabalho bem remunerados. Pois a aprendizagem era voltada na maioria

das vezes para funções menos importantes e por isso mal pagas, fulminando

oportunidades para ascensão, mantendo dessa forma o ciclo da pobreza.

Entre o final do século XIX e os primeiros anos de nossa incipiente

industrialização no século XX, a indústria têxtil se destacava no recurso à mão-de-

obra infantil. Levantamentos estatísticos realizados pelo Departamento Estadual de

São Paulo demonstraram que:

“Em 1894, 25% do operariado proveniente de quatro estabelecimentos têxteis da capital eram compostos por menores. Em 1912, de 9.216 empregados em estabelecimentos têxteis na cidade de São Paulo, 371 tinham menos de 12 anos e 2.564 tinham de 12 a 16 anos. Os operários de 16 a 18 anos eram contabilizados como adultos. Do número total de empregados, 6.679 eram do sexo feminino. Em levantamento realizado em 194 indústrias de São Paulo em 1919, apurou-se que cerca de 25% da mão de obra era composta por operários menores de 18 anos. Destes, mais da metade trabalhava na indústria têxtil. (RIZZINI, 2004, p. 377)

As empresas incentivavam, de forma indireta, a alta natalidade entre as

famílias trabalhadoras para ampliar a oferta de mão-de-obra a ser recrutada. Com a

expansão das fábricas em São Paulo, e posteriormente em outros estados, foram

construídas vilas de operários para as famílias que nelas trabalhavam residirem,

contando-se muito com a produção das cotas por parte de seus filhos. E era adotada

a seguinte política: quanto mais filhos, mais fácil era conseguir a casa para a

moradia nas vilas operárias. Tratava-se, para Irma Rizzini, de uma política voltada

para a delimitação e estabelecimento do espaço urbano e de sua população, uma

vez que tal medida apresentava-se dentre outras como uma forma de transição do

trabalho escravo para o trabalho livre no Estado, afastando dessa forma os

21 E isso ocorreu antes mesmo da abolição da escravatura, como aponta Esmeralda de Moura: “Em meados de 1870, anúncios de estabelecimentos industriais solicitando crianças e adolescentes para trabalharem principalmente no setor têxtil, começavam a multiplicar-se na imprensa paulistana.” Durante o período de imigração européia, principalmente de italianos no Estado de São Paulo, o jornal local escrito em italiano ‘Fanfulla’, publicava anúncios sobre contratação de crianças e adolescentes para o trabalho operário, utilizando expressões como bambini, fanciulli, ragazzi e minorenni, tornando pública a mensagem no sentido de que os empresários estavam interessados especificamente em sua mão-de-obra.

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indivíduos indesejáveis dos centros das cidades e projetando o trabalhador nacional.

(RIZZINI, 2004, p. 262)

A utilização da mão-de-obra de crianças e adolescentes não se limitava às

cidades do sudeste. Os estudos de Irma Rizzini (2004) examinam a importância do

trabalhador infantil para a produção de uma fábrica têxtil situada em Pernambuco.

As crianças eram recrutadas para o trabalho tendo em vista sua docilidade para com

o autoritarismo nas relações de trabalho22 num ambiente insalubre, má alimentação

e longas jornadas. Este sistema possibilitava a formação de uma força de trabalho

adestrada desde cedo, que envolvia o recrutamento familiar, obstando o acesso ao

trabalho de pais que não inserissem suas crianças no regime de trabalho fabril:

“Famílias do sertão eram recrutadas por agentes para o trabalho da dita fábrica. Como condição, as famílias deveriam ter crianças e jovens, pois o peso do aliciamento recaía sobre estes. Era comum as famílias levarem crianças agregadas para ‘completar’ a cota e conseguir uma casa melhor na vila. (RIZZINI, 2004, p. 377)

A exploração do trabalho ocorria por meio da compressão salarial do

trabalhador adulto de sexo masculino, chefe da família, e, da desproporcionalidade

do salário das mulheres face ao daqueles, sendo estes fatores decisivos na entrada

dos infantes e adolescentes no mercado de trabalho. No início do século XX, como

anos mais tarde (como verificar-se-á mais adiante), a legislação brasileira mostrou-

se tímida ou praticamente omissa quanto a proteção e proibição do trabalho infanto-

juvenil, constatando-se a oscilação da idade mínima para tal.23

Evaristo de Moraes registra que em 1891 houve uma pioneira lei (n. 1.313)

que proibira o trabalho de menores de 12 anos nas fábricas têxteis. Admitia-se,

entretanto, que crianças com mais de 8 anos se submetessem ao regime de

aprendizagem fabril. Isso se explica pelo fato de que, o Brasil contava com inúmeras

unidades industriais já no fim desse século, e, a necessidade de aperfeiçoamento da

qualidade da produção apresentava-se como principal fator de impulsionamento 22 “A relação de trabalho vivida com a mão-de-obra menor – aprendiz em muitos casos – em que a disciplina evoluía, de fato, para os maus-tratos arbitrários, talvez tenha sido aquela na qual as imagens do pai e do patrão frequentemente se confundiam, deixando de estar simplesmente justapostas.” (RIZZINI, 2004, p. 268) Dessa forma, além da exposição ao risco de ocorrência de acidente de trabalho, as crianças empregadas nas indústrias e empresas em geral, defrontavam-se com a violência por parte dos patrões e representantes destes que no afã de mantê-los na linha davam tapas e correadas, por exemplo. 23 Em 1894, o governo do Estado de São Paulo promulgou o Decreto n. 233 estabelecendo em 12 anos o limite de idade para admissão “aos trabalhos comuns das fábricas e oficinas”. Já no ano de 1911 por meio do decreto estadual n. 2141 alterou-se esse limite para 10 anos idade, conforme aponta Esmeralda Moura. (2002, p. 273)

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para que os empresários buscassem maior qualificação de sua mão-de-obra através

das escolas de aprendizagem. (MORAES, 1971, p. 31)

“Neste contexto explica-se a edição do Decreto n. 7.566, de 23.09.1909 que criava nos Estados da República Escolas de Aprendizes e Artífices para o ensino profissional gratuito. Ao editá-lo, Nilo Peçanha teria afirmado que o Brasil da belle époque de 1900 saía das academias, mas o Brasil do futuro sairia das oficinas.24 (MORAES, 1971, p. )

Em 1917, o Estado de São Paulo passou a proibir o emprego de menores de

14 anos nas fábricas. Porém, tais providências normativas quase não foram postas

em prática pelo fato de que a maioria das crianças, filhas de imigrantes, não possuía

certidão de nascimento para provar sua idade havendo dependência de denúncia

por parte da imprensa de que nas fábricas trabalhavam menores de 14 anos.

Conclui-se dessa forma que, a falta de fiscalização por parte do Estado no interior

das fábricas paulistas ensejava a não observância dos preceitos legais proibitivos do

emprego desta mão-de-obra:

“Francisco Matarazzo havia se esmerado em termos da absorção dessa mão-de-obra na Fábrica de Tecidos Mariângela, a ponto de adquirir, para as crianças que empregava, máquinas de tamanho reduzido, o que não minimiza o fato de que os pequenos operários e operárias permaneciam submetidos a condições de trabalho inadequadas à idade e continuavam a ser vítimas de acidentes.” (MOURA, 2002, p. 264)

Os movimentos voltados para as questões postas pelo emprego do trabalho

infantil e adolescente começaram a surgir em 1917, impulsionados pelos mesmos

motivos desencadeadores das mobilizações operárias ocorridas na Europa, e que

culminaram na fiscalização dos ambientes de trabalho por parte do Estado, como

também na promulgação de leis protetivas de tal grupo: a concorrência da mão-de-

obra destes para com a dos adultos. (MOURA, 2002, p. 282) “Em dezembro de

24 OLIVEIRA ressalta a importância da exposição de motivos do Decreto n. 7.566/1909, in verbis: “Considerando que o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela vida; que para isso se torna necessário não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação, decreta, etc.” (2004, p. 135)

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1908, o jornal Il Piccolo lembrava que se nas fábricas havia milhares de crianças que

trabalhavam, fora delas havia, também, milhares de homens jovens e fortes que não

encontravam trabalho.”25

No início da década de 1920, a falta de mão-de-obra para os serviços

agrícolas impulsionou o Departamento Nacional de Povoamento a criar várias

colônias que apresentavam o objetivo de acolher crianças recolhidas nas ruas e

remanejá-las para o trabalho no campo, fundamentando-se no fato de que elas

seriam “o melhor imigrante”. Tal atitude fazia parte da velha concepção dos

primórdios da República que visava a formação do “trabalhador nacional”.

“Em acessos de “limpeza” e ordenamento social, a polícia recolhia os chamados “pivettes” ... e o juizado os enviava às colônias, onde seriam preparados para o trabalho agrícola. Uma década depois, a maioria dos patronatos foi extinta por terem se tornado “centros indesejáveis, verdadeiros depósitos de menores. ... Findo o período de internação, eram recambiados à capital da República, maltrapilhos, subnutridos e analfabetos. A rua era o seu destino”. (RIZZINI, 2004, p. 380)

Iniciou-se nesse período a marginalização das crianças e adolescentes

pobres e desvalidas, habitantes muitas vezes das ruas, através de sua associação a

situações de delinqüência. E, nesse cotejo, o trabalho passou a ser-lhes

apresentado como elemento formador de sua cidadania, independente da idade e da

fase de desenvolvimento psíquico, biológico e social a qual poderia se encontrar.

1.2.2. Histórico legislativo

a) A primeira República

O lineamento histórico-sociológico realizado no tópico anterior demonstra que

as primeiras manifestações do ordenamento jurídico brasileiro acerca do emprego

do trabalho de crianças e adolescentes foram superficiais e nunca proibitivas do

mesmo.

25 “E, como em outras partes do mundo, o trabalho infanto-juvenil em São Paulo imprimiria, talvez mais do que qualquer outra questão, legitimidade ao movimento operário. Nos pequenos trabalhadores, as lideranças saberiam identificar a causa preciosa, capaz de revelar aos olhos dos contemporâneos e também da posteridade, a condição da classe operária no que este tinha de mais miserável.” (MOURA, 2002, p. 282)

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Na realidade, as normas editadas desde as primeiras décadas da República

buscaram enfatizar a questão da limitação da idade para o ingresso no mercado de

trabalho, e, o centro emanador de tais normas era o Estado de São Paulo uma vez

que nele se encontrava o pólo industrial do país.

Ocorre que, na mesma época em que na Europa, as manifestações do

movimento operário já haviam angariado algumas vitórias e o amparo de leis que

limitavam a idade de ingresso no mercado de trabalho como também proibiam

modalidades desse a serem realizados por crianças e adolescentes, no Brasil

vigorava ainda as Ordenações Filipinas26.

O livro IV das Ordenações tratava das “locações de serviços” termo utilizado

para designar o que atualmente conhecemos por “contrato de trabalho”.

Evaristo de Moraes (1971), constata que o título 8, da Ordenação do livro I,

dispunha sobre a aprendizagem de ofícios, in verbis:

“É assim que obriga os mestres a prepararem em tempo razoável, os aprendizes que lhes forem confiados – e isso por meio de escritura pública ou particular. Também aos mestres se dá obrigação de mandar a ler e a escrever.

Por outra parte, os menores que forem confiados por pais ou tutores com autorização judicial, aos mestres de ofícios – ficam obrigados à prestação de serviços gratuitos, regulado o tempo pelo costume, sob pena de indenização.” (MORAES, 1971, p. 32)

Contudo, Albano Lima, baseando-se em estudo realizado por Evaristo de

Moraes na obra “A escravidão africana no Brasil”, afirma que a primeira “fumaça” de

intenção de estabelecer-se uma norma com o escopo de dispor sobre a utilização da

mão-de-obra infanto-juvenil então escrava, surgiu em 1825, por meio de um projeto

de lei assinado por José Bonifácio de Andrada e Silva, o qual, dentre outras

disposições: vedava trabalhos insalubres e demasiados a escravos menores de 12

anos; velava pela saúde da escrava grávida ou depois do parto27. (1975, p. 5)

26 É interessante destacar a pesquisa realizada por Andréa Rodrigues Amin, em artigo que desenvolve exposição sobre a evolução histórica do Direito da criança e do adolescente, pertencente ao “Curso de Direito da Criança e do Adolescente: questões teóricas e práticas”, coordenado por Kátia Regina Lobo Andrade Maciel, no qual ensina que no período colonial, quando vigiam as Ordenações Filipinas, a imputabilidade penal era alcançada aos sete anos de idade. Dessa forma, dos sete aos dezessete anos a criança e o adolescente recebiam tratamento similar ao do adulto com certa atenuação da pena. Essa condição de inimputabilidade foi edificada somente com o advento do Código Penal do Império de 1830, que introduziu o exame de capacidade de discernimento para os infantes compreendidos entre os sete e os quatorze anos. (2006, p. 5) 27 No âmbito do Direito Penal, sob a inspiração do Código Criminal de 1830, extrai-se a “doutrina do Direito Penal do menor” como primeira iniciativa de edição de legislação específica direcionada ao grupo, que conforme

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Proclamada a República, em 1891, o Governo Provisório editou a Lei 1.313,

regulamentando o trabalho de crianças e adolescentes nas fábricas da Capital

Federal, que dentre outros dispositivos, destaca-se:

“Art. 2º. Não serão admitidas ao trabalho effectivo nas fábricas crianças de um e outro sexo menores de 12 annos, salvo a titulo de aprendizado, nas fabricas de tecidos a que se acharem comprehendidas entre aquella idade e a de oito annos completos.

Art. 4º. Os menores de sexo feminino de 12 a 15 annos e os do sexo masculino de 12 a 14 annos só poderão trabalhar no máxima sete horas por dia, não consecutivas, de modo que nunca exceda de quatro horas o trabalho contínuo, e os do sexo masculino de 14 a 15 annos até nove horas, nas mesmas condições.

Dos admitidos ao aprendizado nas fabricas de tecidos só poderão occupar-se durante três horas os de 8 a 10 annos de idade, e durante quatro horas os de 10 a 12 annos, devendo para ambas as classes ser o tempo de trabalho interrompido por meia hora no primeiro caso e por uma hora no segundo.28” (Disponível em http://www.senado.gov.br Acesso em março/2006)

Não obstante a vigência de tal norma, os fatos ocorridos ao longo da história

demonstram que a mesma não foi observada pelos empregadores como também o

governo não dispunha de meios para fiscalizar sua execução. Cesarino Júnior,

afirma que essa lei nunca foi aplicada. (CESARINO JUNIOR, 1943, p. 122)

Em 1894, o Decreto n. 233, do Estado de São Paulo, estabelecera o limite de

idade para admissão aos trabalhos “comuns das fábricas e oficinas” em doze anos,

excetuando hipóteses em que as autoridades competentes poderiam determinar

“certa ordem de trabalho acessível” às crianças entre dez e doze anos. Observa-se

que a norma apresentava conceitos altamente subjetivos para sua interpretação e

observância.

O Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, no ano de 1906, instalou

uma política de incentivo ao desenvolvimento do ensino industrial, comercial e

assinala José Ricardo Cunha “marca uma postura oficial do atendimento à infanto-adolescência brasileira, especialmente nas últimas décadas do século XIX até a primeira década do século XX. De acordo com essa acepção, o chamado “menor” se constitui como responsabilidade do Estado em duas situações: 1) como vítima de algum tipo penal; 2) como agente de algum tipo de delito penal. Ou seja, o atendimento do Estado se volta, apenas, para o “menor” que sofreu ou que cometeu algum tipo de crime. Fora dessas condições, é a família e a sociedade que devem prestar qualquer apoio ou auxílio.” (CUNHA, 1998, p. 97) 28 Proibia o emprego de crianças e adolescentes no serviço de limpeza de máquinas em movimento e a ocupação junto às rodas, volantes, engrenagens e correias em ação. Também proibia o trabalho destes em depósitos de carvão, fábricas de ácidos, algodão-pólvora, nitroglicerina, fulminatos e em manipulação direta de fumo, chumbo, fósforos, etc.

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agrícola. E, em 1909, foram instituídas Escolas de Aprendizes Artífices, nas

capitanias dos Estados, destinadas aos menores em conflito com a lei e àqueles

abandonados em via pública, em decorrência da omissão de seus pais. Essas

crianças eram encaminhadas às instituições e ao trabalho nelas realizados, em troca

de seu sustento. (RANGEL, CRISTO, 2004, p. 6)

“Abandonados de fato, ou não, crianças e adolescentes transformaram-se no foco privilegiado de um discurso que enaltecia o trabalho enquanto instrumento que permitiria, fornecendo-lhes uma profissão, resgatá-los e preservá-los do contato pernicioso das ruas, que projetava sobre a cidade, as sombras de uma crescente criminalidade.” (MOURA, 2002, p. 276)

No ano de 1911, o Decreto n. 2.141 do Estado de São Paulo dispunha, dentre

outras coisas, sobre a proibição do trabalho noturno pelos menores de dezoito anos.

João Chaves, em 1912, apresentou um projeto à Câmara dos Deputados que

defendia a instituição de juízos e tribunais especiais para a apreciação das causas

que envolvessem interesses da comunidade, em tal projeto o autor se referia à

categoria de crianças e adolescentes a serem tutelados da seguinte forma:

“materialmente abandonados; moralmente abandonados; mendigos e vagabundos

até a idade de dezoito anos, e os que tiverem delinqüido, até a idade de dezesseis

anos.” (RANGEL, CRISTO, 2004, p. 4)

É de se notar que o estigma estabelecido pelo legislador referia-se

claramente as crianças e adolescentes pobres que perambulavam pelas cidades –

que sofriam o processo de urbanização pós-escravatura – muitos deles

descendentes dos escravos então libertos que não possuíam qualquer rumo

profissional.

No final dessa década, editou-se a Lei Estadual n. 1.596/1917 e o Decreto

Estadual n. 2.918/1918 – ambos do Estado de São Paulo – que estabeleciam a

idade limite de doze anos para o ingresso no trabalho. Havia também certa

preocupação do legislador para com a educação, a saúde e a segurança desse

trabalhador, uma vez que, segundo dispositivo, o adolescente deveria apresentar o

certificado de freqüência anterior em escola primária e atestado médico de

capacidade física. Contudo, Esmeralda Moura explica que a ausência de

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fiscalização por parte dos organismos estatais contribuiu substancialmente para a

não efetividade de tais normas:

“Respaldada, entretanto, em um sistema de fiscalização praticamente inoperante, tampouco eficiente, deixando brechas enormes em muitos dispositivos, em virtude de uma excessiva subjetividade, essa legislação não logrou contemplar os interesses da classe trabalhadora e poupar infância e adolescência da exploração a que vinham sendo submetidas no mundo do trabalho.” (MOURA, p. 272)

A falta de efetividade na aplicação dessas normas pode ser explicada pelo

fato de que as mesmas apresentavam muitas brechas, e não eram especificamente

voltadas para essa comunidade, mas sim inseridas na legislação sanitária e por

conseqüência diluídas no conteúdo normativo.

Somente após muita luta do movimento operário, conforme narrado no tópico

anterior é que surgiram as primeiras leis a tutelar as garantias mínimas de trabalho

para o grupo.

Relata Alberto Cotrim Bittencourt Neto:

“Assim, por exemplo, enquanto na Europa desde os meados do século XIX se legislava sobre o trabalho – de menores, de creanças, e, até, sobre o contrato de trabalho e higiene industrial – e se derrogava a utopia consagrada em 1791, da liberdade do trabalho, da negação do direito de associação, em pleno fim desse século os constituintes de 1891 redigiam uma constituição, pela qual toda lei trabalhista seria inconstitucional (233) e um professor de Direito, dos mais conspícuos, A. O. VIVEIROS DE CASTRO, na Revista da Faculdade livre de Direito da Cidade do Rio de Janeiro, em 1917, combatia as associações profissionais de trabalhadores sob color de que elas constituíam uma pressão sôbre os trabalhadores livres e sobre os industriais, e um atentado contra a liberdade do trabalho, semelhante àquela dos “Knights of Labours”, dos Estados Unidos, e das “Trade Unions”, da Inglaterra.” (NETO, 1940, p. 160)

No ano de 1927, após a instituição da Organização Internacional do Trabalho

(OIT) pelo Tratado de Versailles no ano de 1919 – que, conforme trataremos mais

adiante foi criada com a finalidade de universalizar a legislação social-trabalhista

incluindo entre os trabalhadores as crianças e os adolescentes – o Brasil editou o

Código de Menores, por meio do Decreto 17.943, configurando-se como um

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instrumento que abrangeria todas as disposições de assistência e proteção à

comunidade até então vigentes.29

No entanto, o Código resultou de uma concepção alicerçada na associação

entre a pobreza e a delinqüência, construída no período entre abolição da

escravatura e revolução industrial, a que Antônio Carlos Gomes da Costa chama de

“binômio carência/delinqüência”. Dessa forma, passou a ser construída a doutrina da

“situação irregular”, que objetivava assegurar a proteção das crianças e

adolescentes, chamadas então de “menores”. (2005, p. 35)

“Para combater um mal, a indistinção de tratamento entre adultos e crianças, criava-se, em nome do amor à infância, aquilo que resultou um monstro: o caráter tutelar da justiça de menores, igualando desiguais.

A caminhada de proteção dos direitos da infância colocava como pressuposto a superação de garantias como o princípio da legalidade, em face da suposta figura de um juiz investido de todas as prerrogativas do bom pater familiae.”(SARAIVA, 2005, p. 37)

Apesar da expectativa em torno do código como primeiro instrumento

específico com a proposta de promover os direitos e garantias fundamentais dos

infantes e adolescentes, os seus defensores frustraram-se com o teor dos

dispositivos, vez que, destinava-se exclusivamente ao “menor infrator”,

“abandonado” ou “delinqüente”, abarcados no mote da “situação irregular”.30

29 “Art. 1. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código. Art. 101. É prohibido em todo território da República o trabalho nos menores de 12 annos;”(Disponível em: http://www.senado.gov.br) “ ...o Brasil foi o primeiro país na América Latina a editar o Código de Menores, o chamado Código Mello Mattos – aprovado em 12 de outubro de 1927, por intermédio do Decreto n. 17.943 – A , limitando a idade mínima de trabalho a partir de 12 anos, além de proibir o serviço noturno aos menores de 18 anos e o prestado em praça pública aos menores de 14 anos.” (FLORES DE MORAES, 2003, p. 575) Assim é que o Código de Menores proíbe aos menores de 18 anos, o trabalho prejudicial à sua moralidade; os menores do sexo masculino de menos de 16 anos e os do feminino de menos de 18, não podem ser empregados como atores ou figurantes, ou qualquer outro modo, nas representações públicas, dadas em teatros e outras casas de diversões de qualquer gênero, sob pena de multa. Também sob as mesmas penas é interdito o seu trabalho nos cabarés e cafés-concertos, até a maioridade. ...É proibido empregar menores de 18 anos na confecção, fornecimento ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens ou outros objetos que possam ofender-lhes a moralidade. Os chefes dos estabelecimentos industriais e comerciais em que são empregados menores de 18 anos, são obrigados a velar pela manutenção dos bons costumes e pela decência pública. (CESARINO JÚNIOR, 1943, p. 174-175) 30 “Art. 1º. O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinqüente, que tiver menos de 18 annos de idade, será submettido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em março/2006)

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“Frise-se que, amalgamada à tendência humanitarista que destinava, com ineditismo, um olhar diferenciado à infância desvalida, estava a intenção de retirar do convívio social os “desclassificados”. E a assistência social, ciência que surgia como a grande novidade daquela época, apontava caminhos que pareciam solucionar ambos os problemas, ao possibilitar a intervenção estatal (amparo) aos menores desamparados, e a sua institucionalização e encaminhamento precoce ao trabalho31”. (RANGEL, CRISTO, 2004, p. 5)

No entanto, um habeas-corpus suspendeu a aplicação do Código por dois

anos sob o argumento de que ele interferia no direito da família ao dispor sobre o

que seria melhor para as crianças e adolescentes em detrimento da opinião de seus

pais. (GRUSPUN, 2000, p. 53)

Em 1930, após longo período de manifestações da comunidade operária

concentrada nos centros urbanos32 que divergiam sobre os princípios do liberalismo

econômico – expandidos desde a abolição da escravatura – e suas conseqüências

degradantes para essa comunidade, como a compressão salarial, inexistência de

normas voltadas para a proteção de seu trabalho de maneira geral, irrompeu-se a

Revolução, derrubando a primeira República. Esse rompimento desencadeou a

intervenção do Estado nas atividades econômicas, apresentando-se como

interventor, Getúlio Vargas.33

31 A regulamentação do trabalho atingia também a ocupação das ruas – uma preocupação já presente no início do nosso século. Havia a intenção de que se restringisse o acesso e a permanência nas ruas de pessoas caracterizadas como desclassificadas – era esse mesmo termo utilizado na época. O movimento jurídico, social e humanitário, que tornou possível a criação de uma legislação especial para menores, veio de encontro a esse objetivo de manter a ordem almejada, à medida em que, ao zelar pela infância abandonada e criminosa, prometia extirpar o mal pela raiz, livrando a nação de elementos vadios e desordeiros, que em nada contribuíam para o progresso do país. (RIZZINI apud RANGEL, CRISTO, 2004, p. 5) 32 “A colonização brasileira, argumenta, ocorreu sob condições peculiares... Índices extremamente baixos de densidade populacional impuseram uma forma de ocupação territorial onde as únicas limitações para o domínio individual eram as regulamentações coloniais. A rápida expansão de grandes latifúndios, nos primeiros dois séculos da colonização, estabeleceu o padrão que seria seguido desde então – grandes quantidades de terra familiarmente apropriadas, isoladas umas das outras e da vida urbana, que só existia nos limites de dois ou três pólos ao longo da orla litorânea. As fazendas eram praticamente autárquicas e constituíam o único mercado de trabalho da área rural. A penetração das leis de mercado na economia agrária brasileira fez-se muito lentamente e em flagrante descompasso com o ritimo de implantação da ordem capitalista na área urbana. A prevalência ideológica do laissez-faire é, portanto, restrita à área urbana da sociedade, ...” (SANTOS, 1998, p. 46-47, p. 98) 33 Amauri Mascaro Nascimento afirma que o Governo Provisório apresenta-se como marco da institucionalização do Direito do Trabalho e o seu reconhecimento como um novo ramo do Direito. Ao longo da década de 30 criou-se o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, instituiu-se a Carteira Profissional e a regulamentação de várias profissões com suas regras específicas, como duração da jornada de trabalho, e, também editou-se leis direcionadas ao trabalho realizado por mulheres e adolescentes. (NASCIMENTO, 50, p. 1992)

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b) O Estado Novo

Após a Revolução de 1930, algumas medidas protecionistas foram adotadas,

sendo o Decreto n. 22.042, de 1932, a primeira delas, fixando a idade mínima de

quatorze anos para o trabalho na indústria derrogando o dispositivo correspondente

do Código de Menores. (disponível em: http://www.senado.gov.br. Acesso em

março/2006)

Ainda em 1932, eclodiu o movimento constitucionalista em São Paulo no qual

o povo reivindicava uma nova Constituição34 para o Brasil. Depois do levante e do

envolvimento das Forças Armadas para controlar as manifestações dos civis, em

1934, registra José Afonso da Silva que no bojo de uma assembléia constituinte,

promulgou-se uma nova Constituição, que dentre outras coisas proibiu o trabalho

para os menores de quatorze anos, fazendo ressalva quanto à permissão mediante

autorização judicial. (SILVA, 2006, p. 81)

A Carta Constitucional de 1934 se apresenta como a primeira a cuidar dos

direitos sociais35, e no dizer de Arnaldo Süssekind, depois da Revolução de 1930

todas as Constituições dispuseram sobre os direitos sociais do trabalhador. E não

poderia ser de outra forma em virtude da legislação anterior decretada por Getúlio

Vargas, como chefe do Governo Provisório. (SÜSSEKIND, 1999, p. 29)

Vargas revogou a Constituição de 1934 no mesmo dia em que implantou a

ditadura do Estado Novo em nosso país, outorgando nova Carta Magna em 1937,

que apresentava como característica a concentração de poder no chefe do Poder

Executivo. (SILVA, 2006, p. 83) Não obstante seu caráter autoritário, a Constituição

de 1937 inovou ao dispor sobre as escolas vocacionais e pré-vocacionais, num

momento em que o processo de industrialização demandava um número cada vez

maior de trabalhadores especializados ou ao menos treinados devidamente para as

áreas da indústria, comércio e serviços36. Dispôs no artigo 12937 sobre o ensino

34 Octávio Magano e Estevão Mallet definem a Constituição como: “conjunto de normas relativas à estrutura e ao funcionamento do Estado. Forma-se, pois, de regras disciplinadoras do poder estatal de caráter relativo, não absoluto, porque limitado pelo rol de direitos e garantias individuais, concebidos geralmente como anteriores à sociedade política.” (MAGANO, 1993, p. 3) 35 “Num sentido amplo, o Direito Social compreende necessariamente todos os ramos do Direito, porque o homem é um animal social: as relações jurídicas em que se envolve são necessariamente sociais. No conceito oferecido pelo legislador constituinte consideram-se sociais os direitos relativos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção, à maternidade e à infância e, finalmente, à assistência aos desamparados.” (MAGANO, MALLET, 1993, p. 24) 36 Também é válido ressaltar que nesse período o Serviço Social passou a integrar programas de bem-estar, e nesse cotejo, instituiu-se o SAM – Serviço de Assistência do Menor – por meio do Decreto-lei n. 3.799/1941,

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técnico, uma vez que foi constatado que as condições do trabalho industrial e

agrícola não eram adequadas para o que se pretendia produzir, carecendo o

sistema de escolas técnicas profissionais capazes de habilitar os adolescentes ao

trabalho, em continuação ao ensino fundamental. No dizer de Cesariano Júnior:

“Com a mecanização sempre crescente dos meios de

trabalho, quer nas usinas, quer nos campos, exigindo dos obreiros cada vez maior cabedal de conhecimentos técnicos, com a especialização cada vez mais estrita introduzida nas diversas profissões, como imperativo trazido pela sub-divisão e pela racionalização do trabalho, verificou-se que o conhecimento das primeiras letras deixava o homem inteiramente desamparado para, com o trabalho de suas mãos, prover à própria subsistência.” (CESARIANO JÚNIOR, 1943, p. 148)

Em cumprimento a esse dispositivo, foram promulgados os seguintes

Decretos: Decreto-lei n. 4.048 de 22 de janeiro de 1942, que instituiu o Serviço de

Aprendizagem dos Industriários (SENAI) – competente para organizar e administrar

em todo o país, escolas de aprendizagem para industriários – e, o Decreto-lei n.

4.073 do mesmo ano, que se apresentava como a lei orgânica do ensino industrial,

estabelecendo o ensino em dois ciclos: ensino básico, de mestria, artesanal e

aprendizagem; e, o segundo, técnico e pedagógico. (CESARIANO JÚNIOR, 1943, p.

148).

A última norma sobre o tema a ser editada antes da Consolidação das Leis do

Trabalho, foi o Decreto-lei n. 3.616 de 194138, que dentre outras coisas, instituiu a

que apresentava por escopo o atendimento de crianças e adolescentes, “menores”, considerados delinqüentes e desvalidos. Esse serviço foi redefinido depois pelo Decreto-lei n. 6.865/1944. (AMIN, 2006, p. 7) 37“Art. 129. À infância e à juventude, a que faltarem os recursos necessários à educação em instituições particulares, é dever da Nação, dos Estados e dos Municípios assegurar, pela fundação de instituições públicas de ensino em todos os seus graus, a possibilidade de receber uma educação adequada às suas faculdades, aptidões e tendências vocacionais. O ensino pre vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares profissionais. É dever das indústrias e dos sindicatos econômicos criar, na esfera de sua especialidade, escolas de aprendizes destinadas aos filhos dos seus operários ou de seus associados. A lei regulará o cumprimento desse dever e os poderes que caberão ao Estado sobre essas Escolas, bem como os auxílios, facilidades e subsídios a lhes serem concedidos pelo poder público.” (Disponível em: http://www.senado.gov.br. Acesso: março/2006) Esses instrumentos normativos estavam em consonância com a normativa de abrangência internacional da OIT, Recomendações n. 5 (que cuida do ensino técnico agrícola), Recomendação n. 56 (que cuida do ensino técnico em edificações), a Recomendação n. 57 (que dispõe sobre os conceitos e distinções entre a formação profissional, o ensino técnico e a aprendizagem) e a Recomendação n. 60 (que cuida dos princípios regentes da aprendizagem). (Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/spanish. Acesso em maio/2006) 38 O dec-lei 3.616 protegia os adolescentes trabalhadores menores de 18 anos, com exceção daqueles que exerciam serviços domésticos relativos à atividade familiar ou o trabalho em oficinas em sistema familiar.

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carteira de trabalho do menor, determinou a totalização das horas de trabalho,

quando o adolescente menor de dezoito anos fosse empregado em mais de um

estabelecimento, proibiu o trabalho aos menores de quatorze anos, salvo na

hipótese destes participarem de escola de ensino profissional, nas de caráter

beneficente ou disciplinar, como também, estabeleceu que a jornada de trabalho do

grupo seria regida pelas disposições legais relativas a duração do trabalho em geral.

(Disponível em: http://www.senado.gov.br. Acesso: março/2006)

Em 1943, após anos de conflito entre o Estado e os movimentos sindicais em

prol de normas protetoras dos trabalhadores de todas as categorias, aprovou-se a

Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) por decreto, representando esta a reunião

e sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após a Revolução

de 1930. É possível constatar que o processo de elaboração dessa legislação nem

sempre obedeceu a um plano coerente, resultando num conjunto de leis desconexas

e, por vezes, até mesmo contraditórias. E, por isso, em 194239, o presidente Vargas

nomeou uma comissão liderada por Alexandre Marcondes Filho, para estudar e

organizar um anteprojeto que unificasse a legislação até então produzida.

(NASCIMENTO, 1992, p. 54)

Cabe ressaltar que a CLT não se apresenta de forma alguma como uma

conquista dos trabalhadores, tampouco uma concessão gratuita de Vargas. Na

realidade ela sacramentou o processo que colocou o movimento sindical sob total

controle estatal. Isso porque, a liberdade sindical possibilitava grandes

manifestações das bases sindicais que estimulavam também a participação popular

contra as diretrizes governamentais. Mediante a intervenção e estatização dos

sindicatos, o Estado ditatorial enfeixou o controle das revoltas e minou seu potencial

reivindicador40. (Disponível em: http://www.revolutas.org . Acesso em 12/03/2004)

39 Em 1942, o governo de Getúlio Vargas instituiu o SAM – Serviço de Assistência aos Menores, órgão vinculado ao Ministério da Justiça que funcionava como um sistema penitenciário direcionado às crianças e adolescentes, revelando-se como o embrião da futura FUNABEM e FEBEM. “A orientação do SAM é, antes de tudo, correicional-repressiva, e seu sistema baseava-se em internatos (reformatórios e casas de correção) para adolescentes autores de infração penal e de patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de ofícios urbanos para os menores carentes e abandonados.” (SARAIVA, 2005, p. 43) 40 Além disso, jamais foi aplicada em sua totalidade. Os trabalhadores rurais, por exemplo, somente tiveram seus direitos reconhecidos após a Constituição de 1988. Ainda assim, mais no papel, que na prática. Mas quando se tratava de combater a liberdade sindical, a CLT cumpriu seu papel. Afinal, sempre que foi preciso, os governos e os patrões encontraram na CLT os instrumentos necessários para fechar ou calar os sindicatos. (www.revolutas.org) NASCIMENTO conclui: “Não seria, no, entanto, a CLT o instrumento de cristalização dos direitos trabalhistas que se esperava. A mutabilidade e a dinâmica da ordem trabalhista exigiam constantes modificações legais,

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Quanto à disposição de normas direcionadas à comunidade dos adolescentes

empregados dispôs o Capítulo IV sobre as idades mínima e máxima de sua

abrangência jurídica.

“Art. 402 – Considera-se menor para os efeitos desta consolidação o trabalhador de 12 (doze) a 18 (dezoito) anos.

Parágrafo único – O trabalho do menor reger-se-á pelas disposições do presente Capítulo, exceto no serviço em oficinas em que trabalhem exclusivamente pessoas da família do menor e esteja êste sob a direção do pai, mãe ou tutor, observado, entretanto, o disposto nos arts. 404, 405 e na Seção II.

Art. 403 – Ao menor de 12 (doze) anos é proibido o trabalho.

Parágrafo único – O trabalho dos menores de 12 (doze) anos a 14 (quatorze) anos fica sujeito às seguintes condições, além das estabelecidas neste Capítulo:

garantia de freqüência à escola que assegure sua formação ao menos em nível primário;

serviços de natureza leve, que não sejam nocivos à sua saúde e ao seu desenvolvimento normal.” (CLT)

c) A Constituição de 1946

O movimento de redemocratização do país iniciou assim que terminada a

Segunda Guerra Mundial, momento em que o Brasil se posicionou de forma

contrária às ditaduras nazi-fascistas até então predominantes na Europa. Com isso,

brotou a necessidade imediata de reformulação dos princípios constitucionais pátrios

e da recomposição do quadro constitucional como um todo. (SILVA, 2006, p. 83-84)

A Constituição Federal de 1946 restaurou os direitos e garantias individuais41,

antes previstos na Carta de 1934 e ampliou o rol de direitos sociais, como a previsão

do salário mínimo, da participação obrigatória e direta do trabalhador nos lucros da

empresa, e, dentre outros, a proibição do emprego de menores de quatorze anos, e

de menores de dezoito, em indústrias insalubres e em trabalho noturno42.

(Disponível em: http://www.presidencia.gov.br. Acesso: março/2006)

como fica certo pelo número de decretos, decretos-lei, e leis que depois foram elaborados, alterando-a. (NASCIMENTO, 1992, p. 55) 41 Artigo 141. 42 “Art 157 - A legislação do trabalho e a da previdência social obedecerão nos seguintes preceitos, além de outros que visem a melhoria da condição dos trabalhadores: IX - proibição de trabalho a menores de quatorze anos; em indústrias insalubres, a mulheres e a menores, de dezoito anos; e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, respeitadas, em qualquer caso, as condições estabelecidas em lei e as exceções admitidas pelo Juiz competente;” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em março/2006) O Decreto-lei n. 9.576 de 1946 alterou disposições do Decreto-lei n. 4.481 de 1942 positivadas no artigo 429 da Consolidação, no que tange ao contrato de aprendizagem industrial e a fixação de remuneração e carteira de trabalho do aprendiz.

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d) A Constituição de 1967

A Carta de 1967, concebida de acordo com a doutrina da segurança

nacional43 pregada pelo regime militar em mais um golpe de Estado trouxe poucas

inovações no âmbito do Direito do Trabalho, mas significativas segundo Octávio

Magano e Estevão Mallet. (1993, p. 18)

Quanto ao tema em análise, no artigo 158, inciso X,44 verifica-se a redução da

idade mínima para ingresso no trabalho de quatorze para doze anos, contrariando

os preceitos contidos nas Cartas anteriores e alterando dispositivo da CLT, além de

também colidir com a idade limite estabelecida nas Convenções da OIT45.

(Disponível em: http://www.presidencia.gov.br Acesso: março/2006)

Nesse contexto, promulgou-se a Lei n. 5.274 de 1967, que dispunha sobre o

salário-mínimo dos adolescentes trabalhadores. A norma demonstrou que o trabalho

Estabeleceu-se que os estabelecimentos industriais de qualquer natureza ficariam obrigados a dispor de no mínimo 5% e no máximo de 15% de empregados aprendizes em relação ao quadro de operários comuns, e, também previu que seria anotado na Carteira de Trabalho dos aprendizes o tipo de formação profissional metódica escolhida, e que o seu salário seria igual ao do trabalhador comum da mesma indústria levando-se em conta sua freqüência à Escola. Em 1952, editou-se o Decreto 31.546, no intuito de regulamentar o conceito de empregado aprendiz e estabelecer a diferença entre os direitos laborais deste para com o trabalhador comum. (http://www.senado.gov.br. Acesso em março/2006) Em 1954, a Portaria n. 43, dispôs sobre a permissão da contratação da mão-de-obra do adolescente maior de 16 anos na construção civil, mediante matrícula nos cursos profissionais do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. (MESQUITA, 1968, p. 12) “Art. 1º. Considera-se de aprendizagem o contrato individual de trabalho realizado entre um empregador e um trabalhador maior de 14 anos e menor de 18 anos, pelo qual, além das características mencionadas no artigo 3º. da Consolidação das Leis do Trabalho, aquele se obriga a submeter o empregado à formação profissional metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício foi admitido e o menor assume o compromisso de seguir o respectivo regime de aprendizagem.” Em 1964, promulgou-se a Lei Federal n. 4. 513 que instituiu a FUNABEM (Fundação Nacional de Bem Estar do Menor) competindo a esta a implantação em todo território nacional da política de bem-estar do menor, e, a partir daí, foram instituídas as sedes estaduais. Contudo, constata-se que os fins eram os mesmos daqueles estabelecidos pelo Código de Menores, em grande parte repressivos. (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br Acesso em março/2006) 43 Sob a supressão de direitos e ingerência do Estado totalitário, criou-se a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor, conforme afirmado na nota acima, sendo esta baseada na Política Nacional do Bem-Estar do Menor. Acrescenta-se afirmativa de Andréa Rodrigues Amin: “A atuação da nova entidade era baseada na PNBEM (Política Nacional do Bem-Estar do Menor) com gestão centralizadora e verticalizadora. Nítida a contradição entre o técnico e a prática. Legalmente a FUNABEM apresentava uma proposta pedagógica-assistencial progressista. Na prática, era mais um instrumento de controle do regime político autoritário exercido pelos militares. Em nome da segurança nacional buscava-se reduzir ou anular ameaças ou pressões antagônicas de qualquer origem, mesmo se tratando de menores, elevados naquele momento histórico à categoria de ‘problema de segurança nacional’.” (AMIN, 2006, p. 8) Dessa forma, a questão infanto-adolescente no governo autoritário é considerada matéria de “segurança nacional”. 44 “Art. 158 – A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social: X – proibição de trabalho a menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em industrias insalubres a estes e às mulheres.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em março/2006) 45 Convenção n. 5 e n. 58 da OIT.

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do adolescente não era visto da mesma forma que aqueles exercidos pelos adultos

e dessa forma estabeleceu regras para o cálculo do valor de seu salário de acordo

com o grau de sua escolaridade.

“Art. 1º. Para menores não portadores de curso

completo de formação profissional, o salário-mínimo de que trata o Capítulo II do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho,..., respeitada a proporcionalidade com que vigorar para os trabalhadores adultos da região, será escalonado na base de 50% (cinqüenta por cento) para os menores entre 14 (quatorze) e 16 (dezesseis) anos de idade e em 75% (setenta e cinco por cento) para os menores entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade.

1º. – Para os menores aprendizes, assim considerados os menores de 18 (dezoito) anos e maiores de 14 (quatorze) anos de idade sujeitos à formação profissional metódica do ofício em que exerçam seu trabalho, o salário-mínimo poderá ser fixado em até metade do estatuído para os trabalhadores adultos da região.” (Disponível em: http://www.senado.gov.br. Acesso em março/2006)

Durante o regime totalitário editou-se um novo Código de Menores – Lei

6.697/1979 – que manteve a concepção da situação irregular, que conforme

apontam Patrícia Calmon Rangel e Keley Kristiane Vago Cristo, na mesma linha de

abordagem do Código anterior, apresentava por escopo o controle social das

crianças e adolescentes pobres mediante a detecção da ocorrência e posterior

enquadramento em uma das “patologias jurídico-sociais” então positivadas46.

(RANGEL, CRISTO, 2004, p. 73) João Batista Costa Saraiva corrobora a afirmativa

das juristas e explica que, a lei, não estabelecia de forma clara e precisa o sujeito a

quem seria atribuído o comportamento irregular, conforme suas palavras:

“A declaração de situação irregular tanto pode derivar de sua conduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de ‘desvio de conduta’), como da família (maus-tratos) ou da própria sociedade (abandono). Haveria uma situação irregular, uma ‘moléstia-social’, sem distinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem ou daqueles que o cercam.” (SARAIVA, 2005, 48)

46 “Era, destarte, considerado em situação irregular o menor privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, seja pela omissão dos responsáveis, seja pela impossibilidade destes provê-las, assim como aquele que fosse vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos por seus responsáveis. Também, o que se encontrasse em perigo moral em face do ambiente contrário aos bons costumes, e aquele privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos responsáveis. Finalmente, o que tivesse desvio de conduta em virtude de grave inaptidão familiar ou comunitária e o que cometesse uma infração penal.” (ELIAS, 2005, p. 1)

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Verifica-se com isso que a comunidade formada por adolescentes e crianças,

não obstante previsão normativa proibitiva de seu ingresso no mercado de trabalho

antes dos doze anos, como também em condições insalubres e perigosas antes dos

dezoito anos, não lograva êxito em seu cumprimento tendo em vista que a doutrina

da situação irregular, claramente direcionada aos menores de dezoito anos

pertencentes à classe econômica menos favorecida lhes atribuía o peso do trabalho

como forma de socialização.

e) A reconstitucionalização e a Constituição de 1988

Os anos oitenta foram marcados por muita luta em prol da normalização

democrática do país, luta que começou na realidade, assim que se instaurou o

Regime Militar. Muitos setores da sociedade se uniram para defender o

reconhecimento dos direitos e garantias fundamentais então suprimidos pelo

governo ditatorial, mediante a criação de instituições que apresentassem por

escopo garantir a observância da totalidade dos direitos humanos, quais sejam os

civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, como afirma Antônio Augusto

Cançado Trindade.(1999, p. 205) No primeiro momento, o movimento mais intenso

foi aquele empreendido a favor da eleição periódica dos representantes políticos nas

três esferas federativas e da eleição direta do Presidente da República. (SILVA,

2006, p. 88)

Antônio Carlos Gomes da Costa lembra que em meio à crise econômica e o

movimento de redemocratização, a situação da criança e do adolescente das

periferias urbanas e das áreas rurais foi observada por grupos de pessoas atuantes

de fundações, secretarias e outros organismos – criados com a finalidade de zelar

pelos interesses da comunidade infanto-juvenil – e estes passaram a se mobilizar no

sentido de tentar reverter a política nacional de atendimento aos direitos da infância

e da juventude, até então dirigida com escopo repressor e assistencialista47.

(COSTA, 1994, p. 17)

47 Como afirmado anteriormente, a política nacional adotada para cuidar das crianças e adolescentes desamparados, os primeiros “vagabundos”, era o direcionamento para asilos e instituições repressivas que os levariam para o trabalho precoce. O Código de Menores se apresentou como instrumento repressor e rotulador desses pobres. Exemplo de programa de conotação assistencialista foi o Programa do Bom Menino instituído pelo Decreto-lei n. 2.318, de 30 de dezembro de 1986, e regulamentado pelo Decreto n. 94.338/1987, no bojo da transição democrática vivenciada pelo país que tinha por objetivo o direcionamento de adolescentes carentes entre doze e

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Ao mesmo passo em que José Sarney – Vice de Tancredo Neves, então

eleito Presidente da República, contudo morto antes da posse no cargo –

estabelecia as diretrizes para a implantação da Nova República, as lideranças em

defesa dos interesses da comunidade infanto-juvenil angariavam status nacional

mediante a organização das Comissões Locais e Estaduais e estas elegiam em

1985 a Coordenação Nacional do Movimento Meninos e Meninas de Rua, que se

apresenta como um importante passo para a positivação das políticas públicas

direcionadas ao grupo48.

Convocada a Assembléia Constituinte em 1987 (SILVA, 2006, p. 89) iniciou-

se um amplo processo de sensibilização, conscientização e mobilização da opinião

pública e dos constituintes para que a nova Carta Constitucional expressasse

especificamente sobre os direitos e garantias fundamentais da criança e do

adolescente e estabelecesse políticas públicas a serem implementadas para a

concretização dessas garantias e para que fosse incorporada a concepção da

doutrina da proteção integral defendida pela Organização das Nações Unidas (ONU)

e proclamada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança49. (Disponível em:

http://www.unicef.org.br. Acesso em abril/2006)

Em 1988, a Assembléia Constituinte promulgou a Carta Constitucional,

inaugurando o Estado democrático de direito que é edificado sob os seguintes

pilares:

“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito

dezoito anos às empresas que eram obrigadas a contratar percentual indicado pelo Decreto para exercerem atividades laborativas, no período de quatro horas com direito a remuneração. (NOGUEIRA, 1991, p. 6) “A entidade de assistência social encaminhava a criança ou adolescente à empresa e esta se utilizava de sua força de trabalho, sem nenhum encargo laboral ou securitário, limitando-se a anotar o pagamento da bolsa iniciação na Carteira de Trabalho e Previdência Social do menor (sem que isso gerasse vínculo empregatício) e a fazer-lhe um seguro contra acidentes pessoais.” (MINHARRO, 2003, p. 87) Após o advento da Carta Constitucional de 1988, o Decreto-lei foi revogado por atribuir-se a ele a incostitucionalidade formal, sob a argumentação de que não havia qualquer situação que configurasse a emergência ou interesse público para justificar a instituição do programa por meio de um decreto-lei. Outro argumento foi o fato da figura “menor assistido” ser estranha aos dispositivos constitucionais sobre o tema das formas de trabalho permitidas ao adolescente. (MINHARRO, 2003: 88) 48 “Nessa nova etapa da luta política pelos direitos da criança e do adolescente, os programas envolvidos eram numerosos, com identidade ideológica e composição social as mais diversas; o compromisso político, no entanto, com a promoção e defesa dos direitos da infância e da juventude era o mesmo em todos eles. Nessa fase destacam-se: a frente Nacional de Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes; a Pastoral do Menor da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); o Movimento Nacional Meninos e Meninas de Rua e a Comissão Nacional Criança Constituinte.” (COSTA, 1994, p. 19-20) 49 A Declaração dos Direitos da Criança se apresenta como um instrumento de força política proclamado na Assembléia Geral das Nações Unidas em 22 de novembro de 1959, por aprovação unânime, e representa uma enumeração dos direitos e liberdades do grupo reconhecidos pela comunidade internacional. O princípio da proteção integral é proveniente da interpretação de todos os seus princípios.

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Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político. Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que

exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/. Acesso: junho/2006)

A reforma do sistema político brasileiro acarretou substanciais modificações

no ordenamento jurídico, uma vez que fundamentou os preceitos constitucionais no

valor da dignidade da pessoa humana, impondo-se este como núcleo básico e

informador de todo o ordenamento. (PIOVESAN, 2006, p. 27) Infere-se dessa forma

que a vitória do movimento de defesa dos direitos da criança e do adolescente foi

uma conseqüência dos novos conceitos introduzidos sob a ótica da dignidade da

pessoa humana. A partir do momento em que os mesmos passaram a ser

compreendidos como seres em desenvolvimento, carecedores de primazia na

promoção dos seus direitos, verificou-se a necessidade de estabelecer-se como

dever de todos – família, sociedade e Estado – a promoção dos direitos e garantias

fundamentais do grupo. Nesse sentido, expressa a Lei Fundamental de 1988 o

seguinte:

“Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade e opressão.”50 (Disponível em:m http://www.presidencia.gov.br/. Acesso em junho/2006)

50 O legislador constituinte estabeleceu outras formas de proteção aos interesses do adolescente no que se refere à proteção ao trabalho exercido por ele, a saber: “Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXX – proibição de qualquer diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz.” (Disponível em; http://www.presidencia.gov.br. Acesso em março/2006) “A fusão dos textos das emendas Criança e Constituinte e Criança – Prioridade Nacional resultou nos artigos 204 e 227 da atual Constituição brasileira, um elenco inédito de inovações em favor da infância e da juventude do Brasil.” (COSTA, 1994, p. 23)

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A primazia da garantia dos direitos elencados no artigo supra, provém da

doutrina da proteção integral incorporada pelo ordenamento jurídico pátrio em forma

de princípio, que como se verificará mais adiante, é o parâmetro a ser utilizado pelo

intérprete da norma e do caso concreto no que tange a análise do maior interesse da

criança e do adolescente.

Além do reconhecimento do direito à prioridade absoluta na promoção dos

interesses da criança e do adolescente, o legislador constituinte cuidou de

estabelecer a idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho,

confirmando a tradição do constitucionalismo brasileiro que ao longo do período

republicano buscou regular a questão do emprego da mão-de-obra do adolescente e

a proibição do emprego de crianças, mediante o estabelecimento de uma idade

limite com força de norma constitucional. Sendo que, no ano de 1998, essa previsão

foi alterada pela Emenda Constitucional n. 20, que elevou a idade mínima para

dezesseis anos.

1.3. Conclusões parciais

No presente capítulo, constatou-se que a utilização da mão-de-obra infantil e

adolescente fez parte da história da humanidade desde os seus primórdios, uma vez

que estes eram compreendidos como adultos mirins, portanto, sem direito a tutela

especial. Com o passar dos anos, a evolução da sociedade e de seus conceitos fez

com que na Europa Ocidental, surgissem formas organizadas de ministrar o ensino

profissional denominadas de corporações de ofício, direcionadas às crianças e

adolescentes menos abastados. No entanto, com o apogeu da Revolução Industrial

no século XIX, no contexto liberal econômico, indústrias e fábricas, com o escopo de

baratear os custos da mão-de-obra e angariar alto faturamento, passaram a captar

grande massa de crianças e adolescentes – seres humanos frágeis, sem poder de

reivindicação e facilmente submissos – para trabalhar na manipulação de máquinas

Além dessa inovação, resgatou o legislador constituinte a tradição existente antes do período ditatorial o qual a idade mínima para admissão em emprego era quatorze anos reconhecendo também o direito ao salário mínimo independentemente da idade.

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de toda espécie, atuando mediante repetição de movimentos, atividades, portanto,

fragmentadas que não demandavam raciocínio, mas sim, agilidade, sem prévia

aprendizagem.

No Brasil, o quadro de introdução dos pequenos no trabalho não foi diferente,

mas contou com a peculiaridade do sistema escravista vigente no colonialismo que

se revela como um dos fatores determinantes para que o país não tenha contado

com o sistema de aprendizagem pelas corporações de ofício, uma vez que os

eventuais mestres no momento de prestar o serviço teriam que concorrer com a

mão-de-obra escrava, gratuita. Dessa forma, registra-se que, no tempo da

escravidão africana os infantes eram treinados desde idade tenra para a execução

de atividades domésticas e ao “ofício de ser escravo”. Aliado ao quadro da

escravidão e da ausência de sistema de aprendizagem, registra-se também a

ausência de um sistema de ensino público que possibilitasse o ingresso e formação

básica das crianças e adolescentes pobres.

Após a abolição da escravatura, instalou-se o quadro de miséria e

desemprego através do movimento de urbanização das cidades, com a tardia

industrialização, dando início ao processo de marginalização das crianças e

adolescentes pobres, negras e brancas, que passavam a ocupar as ruas. Por outro

lado, a promoção da imigração européia com o escopo de substituir a mão-de-obra

escrava no campo e nas fábricas, introduziu muitos infantes na árdua tarefa de

trabalhar como adultos, submetidos a condições degradantes, seja na lida no campo

ou na manipulação da maquinaria nas fábricas, pelas mesmas razões pelas quais

empregou-se sua mão-de-obra na primeira revolução industrial na Europa: a

docilidade e submissão características.

Todavia, o surgimento do movimento operário inspirado no modelo europeu

trouxe a questão da exploração do trabalho da criança e do adolescente, fazendo

com que o legislador pátrio seguindo parâmetros internacionais, estabelecesse

também uma idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho, sendo essa

uma das mais relevantes manifestações registradas até a Constituição de 1988, no

que diz respeito a sua introdução precoce no mundo do trabalho, apesar das

oscilações ocorridas ao longo da história republicana. Outras medidas foram

tomadas pelo legislador, mediante a promulgação do Código de Menores, que

apresentava por escopo direcionar “menores em situação irregular” a programas de

assistência. Assim, as crianças e adolescentes pobres, considerados pela lei e pela

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sociedade como desvalidos, eram retirados das ruas e do convívio social para serem

encaminhados para o trabalho em colônias agrícolas e outros locais, para evitar sua

inclinação para o crime, considerado caminho inevitável.

A partir da Carta Constitucional de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro

passou a contar com o princípio da proteção integral que concede tratamento

diferenciado as crianças e adolescentes, reconhecendo-os como seres em pleno

desenvolvimento e, portanto, dignos de prioridade absoluta no que tange aos direitos

e garantias fundamentais, reconhecidos pela comunidade internacional, conforme

será verificado no capítulo seguinte.

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2 - O DIREITO FUNDAMENTAL DE NÃO TRABALHAR ANTES DA IDADE MÍNIMA E O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO

INTEGRAL

Os princípios jurídicos são padrões de comportamento que permeiam todo o

sistema normativo, uma vez que se revelam como os valores históricos de dada

sociedade, apresentando com isso, grande importância na interpretação de casos

concretos.

Neste capítulo, tratar-se-á do reconhecimento do direito e garantia

fundamental da comunidade infantil e adolescente de não trabalhar antes da idade

mínima constitucional, apontando a irradiação dos valores internacionais de direitos

humanos no contexto da promulgação da Carta Constitucional de 1988, que conferiu

à dignidade humana qualidade de princípio e fundamento do Estado.

O princípio da proteção integral às crianças e aos adolescentes é

compreendido como desdobramento do princípio da dignidade humana, a partir do

momento em que se atribui a esses seres em desenvolvimento a condição de

sujeitos de direitos humanos. A partir dessa compreensão, será analisada a atuação

dos organismos internacionais no que tange ao reconhecimento desses direitos

através da regulação da idade mínima para a iniciação ao trabalho, como também

ao ensino profissionalizante.

2.1. O reconhecimento da dignidade humana da criança e do adolescente e o princípio constitucional da proteção integral

A instauração do regime político democrático no Brasil foi um dos fatores

principais para a introdução do princípio da proteção integral à criança e ao

adolescente decorrente do princípio da dignidade humana, que atribui à pessoa o

fundamento e o fim da sociedade e do Estado51. (PIOVESAN, 2006, p. 27) O

conteúdo jurídico da dignidade humana, no dizer de Ana Paula de Barcellos, se

51 “Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser, portanto, máxima, e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados.” (BONAVIDES, 2003, p. 233)

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relaciona diretamente com os direitos e garantias fundamentais do homem, tendo

em vista que o respeito à dignidade depende da observância aos direitos

fundamentais.52 ( BARCELLOS, 141, p. 2002)

Os direitos e garantias fundamentais53 do homem formam o conjunto de

direitos que lhe são considerados inerentes – conhecidos por direitos humanos –

positivados em um ordenamento jurídico de uma dada sociedade. A expressão

direitos humanos é utilizada para denominar os direitos inerentes à dignidade da

pessoa humana54 que independem de positivação, e a expressão direitos

fundamentais, para designar os direitos humanos reconhecidos no âmbito de uma

comunidade55, conforme ensina Gustavo Amaral:

“Os direitos fundamentais, por serem fundantes, são prévios, isto é, ligados a um núcleo de valores antecedentes ao próprio Estado. Por mais que se esforce o hermeneuta não conseguirá, apenas com o ferramental clássico, dar a

52 Define José Afonso da Silva a dignidade da pessoa humana como: “... um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. (SILVA, 2006, p. 105) 53 Sobre o sentido da expressão “direitos fundamentais”, ensina Oscar Vilhena Vieira: “’Direitos fundamentais’ é a denominação comumente empregada por constitucionalistas para designar o conjunto de direitos da pessoa humana expressa ou implicitamente reconhecidos por uma determinada ordem constitucional. A Constituição de 1988 incorporou esta terminologia para designar sua generosa carta de direitos. Embora incorporados pelo direito positivo, os direitos fundamentais continuam a partilhar de uma série de características com o universo moral dos direitos da pessoa humana. Sua principal distinção é a postividade, ou seja, o reconhecimento por uma ordem constitucional em vigor.” (2006, p. 36) 54 “Desse modo, a dignidade é um valor que informa toda a ordem jurídica, se assegurados os direitos inerentes à pessoa humana. Os direitos fundamentais constituem, por isso mesmo, explicitações da dignidade da pessoa, já que em cada direito fundamental há um conteúdo e uma projeção de dignidade da pessoa.” (CARVALHO, 2006, p. 465) 55 “Os direitos fundamentais – ou direitos humanos, civis, naturais, individuais, da liberdade, liberdades públicas – denominações que denotam muitas vezes o gosto nacional dos países que as adotam, exibem algumas características marcantes:

a) fundam-se na liberdade; b) valem erga omnes; c) são universais, no sentido de que tocam a todos os homens, independentemente de suas nacionalidades

ou das classes sociais e econômicas a que pertençam; d) são negativos, pois exibem o status negativus que protege o cidadão contra a constrição do Estado ou de

terceiros; e) criam também o status positivus libertatis, que gera a obrigação de entrega de prestações estatais

individuais para a garantia da liberdade e das suas condições essenciais; f) postulam garantias institucionais e processuais que provocam custos gerais para o Estado; g) são plenamente justiciáveis; h) independem de complementação legislativa, tendo eficácia imediata; i) positivam-se, entre outros, no art. 5º da CF, nas diversas Constituições nacionais e na Declaração

Universal dos Direitos do Homem da ONU (1948).” (TORRES, 2003, p. 100-101)

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significação do direito à liberdade, sua extensão e campo de limitação. Outrossim, porque prévios ao ordenamento, tais direitos têm pequena relevância no momento legislativo, voltando-se primordialmente para as situações concretas. Contudo, não há a total exclusão dos métodos clássicos, mas uma inadequação, no comum das vezes, sem prejuízo do emprego em dadas situações. (AMARAL, 1999, p. 99-100)

Ensina José Afonso da Silva que a preocupação com a enunciação dos

direitos e deveres dos indivíduos surgiu com as primeiras declarações de direitos

fundamentais, ocorridas no século XVIII no bojo do Iluminismo, como a Declaração

da Virgínia (EUA), datada de 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão (França), datada de 1789. Dentre os instrumentos internacionais de cunho

protetivo dos direitos considerados fundamentais ao homem, ressalta-se a

Declaração francesa, que apresentou inovação ao conceder sentido universal ao

seu conteúdo. (SILVA, 2006, p. 153-162)

No entanto, Cançado Trindade afirma que até que a capacidade processual

dos indivíduos e grupos sociais fosse reconhecida no plano internacional as

Declarações dos direitos individuais não alcançaram dimensão supranacional quanto

a sua aplicabilidade, tendo em vista a ausência de um órgão internacional

permanente para processar e julgar as petições narrativas das violações aos seus

dispositivos. Era necessária também a existência de um legislador de caráter

supranacional. (p. 51, 53, 2003)

A primeira tentativa de instituição de um sistema jurídico em nível universal,

através de uma associação intergovernamental, de caráter permanente e de alcance

geral, foi efetuada pela Liga das Nações (Sociedade das Nações), no bojo do

Tratado de Versalhes, aprovado pela Conferência de Paz que pôs fim à Primeira

Guerra Mundial. Contudo, por não conseguir impedir a eclosão da Segunda Guerra,

a Liga foi extinta. (SEITENFUS, p. 103, 2005)

Em 1945, no pós Segunda Guerra Mundial, foi criada a Organização das

Nações Unidas (ONU) quando os representantes dos Estados perceberam a

necessidade de criação de mecanismos para o estabelecimento de uma paz

durável, com um sistema permanente de segurança coletiva para a proteção dos

direitos fundamentais do homem nos diversos países do globo56.

56 Gabriel Pithan Daudt explica que a preocupação com a proteção dos direitos humanos em âmbito internacional surgiu após os massacres promovidos pelas guerras mundiais, e, principalmente a Segunda Guerra, formando-se a convicção de que o tema não deveria ficar adstrito ao plano interno dos Estados. No entanto, verificou-se que a proteção dos direitos humanos dependia das condições políticas e da autoridade do Direito Internacional, e, nesse

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Os laços internacionais estreitados nesse período propiciaram a assinatura da

Carta das Nações Unidas durante Conferência na cidade de São Francisco (EUA).

Esta apresentava como meta primordial o estabelecimento da paz mundial através

das missões de paz, programas econômicos, sociais e educacionais, dentre outros,

com o objetivo de efetivamente promover a dignidade humana. (Disponível em:

http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em maio/2006)

Em dezembro de 1948, foi aprovada pela ONU a Declaração57 Universal dos

Direitos Humanos, uma afirmação de princípios de caráter moral compreendida

como passo fundamental para o processo de universalização de tal proteção58. Após

sua edição, os direitos humanos passaram a ser considerados universais,

indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, apresentando por principal

finalidade o máximo de desenvolvimento possível da pessoa humana. Com isso, a

comunidade internacional assumiu o compromisso de observá-los, levando em conta

as particularidades59 nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de

base histórica, cultural e religiosa. (TRINDADE, 2003, p. 37-39) Sobre o instrumento

em comento, destaca-se o pensamento de Norberto Bobbio:

cotejo foi instituída a Organização das Nações Unidas (ONU). Conclui com isso que, não foi a Declaração Universal que levou à ONU o tema dos direitos humanos, mas a própria criação da ONU está direamente ligada ao propósito de proteção dos direitos humanos. (DAUDT, p. 114, 2006) 57 “Herdeira do Iluminismo, assim como a própria ONU, a Declaração de 1948 explicita, no preâmbulo, sua doutrina. Esta se baseia no reconhecimento da ‘dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis’ como ‘fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo’.” (ALVES, 2005, p. 22) “As declarações internacionais são atos que contêm preceitos sobre critérios de justiça que devem inspirar as bases de um sistema jurídico. Indicam uma linha de ação mas não chegam a determinar imperativamente.” (NASCIMENTO, 1993, p. 75) 58 “A Declaração Universal tinha presente a idéia de vincular os direitos humanos fundamentais ao bem comum, tendo como objetivo a emancipação do ser humano de todo tipo de escravidão, inclusive material. Ou seja, vai desde as liberdades individuais aos direitos sociais. Essa idéia de bem comum pode ser associada à noção de uma coisa eticamente boa, sendo que nela está incluído, como elemento essencial, o máximo de desenvolvimento possível da pessoa humana. Ao mesmo tempo, a Declaração tinha a idéia de universalidade, ou seja, de consagrar a todos os seres humanos, independentemente de sexo, raça, idade, condição social ou nacionalidade. Isso representou, inclusive, a quebra da divisão que se pretendia entre o padrão de direitos humanos para os nacionais e os direitos dos estrangeiros. Também, a partir da Declaração Universal, passou a se ter presente a idéia de indivisibilidade dos direitos humanos.” (DAUDT, p. 117,118, 2006) 59 A necessidade de respeitar as particularidades regionais no que tange à normatização em âmbito internacional de normas estabelecidas como garantidoras e reconhecedoras dos direitos fundamentais do homem se coaduna com o entendimento de John Rawls. Para ele, cada indivíduo goza de duas capacidades morais: a capacidade de ter um senso de justiça e a capacidade de adotar uma concepção de bem, de vida digna. A compatibilidade entre a idéia de justiça e bem é que garante a estabilidade de uma sociedade bem ordenada. (CITTADINO, 2000, p. 81) Analisando a questão da multiplicidade de valores sociais entre os Estados-membros da ONU à luz da filosofia de Rawls – pluralismo razoável –, verifica-se que o teor normativo das Declarações de abrangência internacional deverá ser adequado às concepções particulares de justiça e de bem de cada Estado.

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“Não sei se se tem consciência de até que ponto a Declaração Universal representa um fato novo na história, na medida em que, pela primeira vez, um sistema de princípios fundamentais da conduta humana foi livre e expressamente aceito, através de seus respectivos governos, pela maioria dos homens que vive na Terra. Com essa declaração, um sistema de valores é – pela primeira vez na história – universal, não em princípio, mas de fato, na medida em que o consenso sobre sua validade e sua capacidade para reger os destinos da comunidade futura de todos os homens foi explicitamente declarado.”60 (BOBBIO, 1992, p. 28)

Antes da Declaração Universal ser proclamada, outro documento de caráter

multinacional havia sido editado, qual seja a Declaração Americana dos Direitos e

Deveres do Homem. Tal instrumento, aprovado pela IX Conferência Internacional

Americana, reunida em Bogotá em maio de 1948, antecedeu a Declaração da ONU

em oito meses e apresenta conteúdo principiológico semelhante. (SILVA, 2006, p.

166) Em 1969, o sistema interamericano de proteção aos direitos humanos editou a

Convenção regional normatizando esses direitos.

Não obstante o pioneirismo regional infere-se que a abrangência emanada

pelo conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos constitui um marco

para a elaboração de normas direcionadas à tutela dos direitos humanos em âmbito

doméstico e internacional, tendo em vista que estabelece como ideal comum a ser

atingido por todos os povos e nações os princípios nela dispostos, fundamentados

na dignidade da pessoa humana. (Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br.

Acesso em maio/2006) Dessa forma, compreende-se que a dignidade humana

assume no direito contemporâneo a qualidade de super princípio, conforme

assertiva de Flávia Piovesan:

“Assim, seja no âmbito internacional, seja no âmbito interno (à luz do direito constitucional ocidental), a dignidade da pessoa humana é princípio que unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial prioridade. A dignidade humana simboliza, desse modo, verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, nas esferas local e global, dotando-lhe de especial racionalidade, unidade e sentido.” (PIOVESAN, 2006, p. 31)

60 Norberto Bobbio entende que a proclamação da Declaração Universal viabilizou a partilha universal de certos valores, configurando-se a universalidade de valores. (1992, p. 28)

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Todavia, verificou-se no plano interno, a necessidade de criação de recursos

jurídicos, chamados então de garantias que através do texto constitucional,

objetivam lograr efetividade aos direitos provenientes do princípio da dignidade

humana, pois a Declaração dos Direitos Humanos que apresentou o seu conceito à

comunidade universal, apesar da inovação e da força que possui, apresenta cunho

moral, inspirador. Assinala Bobbio: “A Declaração é algo mais do que um sistema

doutrinário, porém algo menos do que um sistema de normas jurídicas.” (1992, p.

31) Nesse diapasão, o próprio preâmbulo expressa: “essencial que os direitos do

homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido,

como último recurso, à rebelião contra a tirania e opressão.”61 (Disponível em:

http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em maio/2006)

O legislador constituinte incluiu os direitos humanos no texto constitucional de

1988, concedendo-lhes status de norma constitucional, sob a égide do princípio da

dignidade humana62, como outrora afirmado. No título II, eleva os direitos e garantias

fundamentais à categoria de cláusulas pétreas, conforme leitura do inciso IV, do

parágrafo 4º, do artigo 60: “4º. Não será objeto de deliberação a proposta de

emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.”63

Os direitos humanos são produto da civilização humana (BOBBIO, 1992, p.

32) e por isso mutáveis, suscetíveis de transformação e ampliação no decorrer do

tempo. André Ramos Tavares se opõe à expressão “direitos fundamentais”, uma vez

que entende que não existe uma lista imutável e exata dessa categoria de direitos,

61 BOBBIO ensina que, quando os direitos do homem eram compreendidos como naturais, a única defesa possível contra a sua violação pelo Estado era o direito de resistência. Contudo, com a constitucionalização de alguns desses direitos, o direito natural de resistência transformou-se no direito positivo de ajuizar ação contra o próprio Estado. (1992, p. 31) 62 Oscar Vilhena Vieira explana brilhantemente sobre o tema: “O princípio da dignidade, expresso no imperativo categórico, refere-se substantivamente à esfera de proteção da pessoa enquanto fim em si, e não como meio para a realização de objetivos de terceiros. A dignidade afasta os seres humanos da condição de objetos à disposição de interesses alheios. Nesse sentido, embora a dignidade esteja intimamente associada à idéia de autonomia, de livre escolha, ela não se confunde com a liberdade no sentido mais usual da palavra – qual seja, o da ausência de constrangimentos. A dignidade humana impõe constrangimentos a todas as ações que não tomem a pessoa como fim. Esta a razão pela qual, do ponto de vista da liberdade, não há grande dificuldade em se aceitar a legitimidade de um contrato de prestação de serviços degradantes....A questão é se podemos, em nome de nossa liberdade, colocar em risco nossa dignidade. Colocada a questão em termos clássicos, seria válido o contrato em que permito a minha escravidão?Da perspectiva da dignidade, certamente não.” (VIEIRA, 2006, p. 67) 63 Lembra Flavia Piovesan que, diferentemente da Carta Constitucional de 1988, que consagra os princípios e direitos fundamentais nos primeiros títulos, para depois cuidar da organização do Estado, a Carta de 1967 dispunha inicialmente sobre a organização do Estado, para após dispor sobre os direitos dos cidadãos. (2006, p. 33)

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que como afirma, variam com o tempo64 pois as necessidades do homem são

infinitas, inesgotáveis, estando sempre em processo de redefinição e recriação.

(TAVARES, 2002, p. 356-357) Essa afirmativa se aplica ao tema do presente

trabalho, uma vez que a evolução dos conceitos sobre os direitos e os sujeitos

carecedores de tutela especial do Estado fez com que o homem não fosse mais

compreendido como ente genérico, mas sim em suas especificidades, como criança,

adolescente, adulto, velho, doente etc. (BOBBIO, 1992, p. 68)

Na esteira das declarações de direitos, a ONU proclamou em 1959 a

Declaração dos Direitos da Criança, baseada na Declaração dos Direitos Humanos,

apresentando-se esta como o ato político responsável pelo reconhecimento

universal dos direitos humanos da comunidade e, por conseqüência, do direito à

proteção integral65 mediante a enunciação de princípios66que dispõem sobre um

padrão a ser almejado pelas nações. (Disponível em: http://www.unicef.org.br.

Acesso em abril /2006)

Todavia, o quadro de exploração da mão-de-obra dos pequenos ao redor do

mundo, apesar da existência de vasto conteúdo normativo emanado pela

Organização Internacional do Trabalho e das orientações políticas acerca da

garantia dos direitos fundamentais do grupo, fez com que a ONU, no ano de 1989 –

trinta anos após a proclamação da Declaração dos Direitos das Crianças – editasse

a Convenção67 sobre os Direitos da Criança, positivando em caráter universal as

normas de tutela dos direitos humanos da comunidade.68

64Sayonara Grillo Leonardo da Silva se refere a essa transformação como “expansividade histórica dos direitos fundamentais”, afirmando ainda que: “O papel garantista do sistema jurídico se amplia com a reivindicação, na esfera social e política, de novos direitos e com sua constitucionalização. As demandas pela transformação de determinados conteúdos em direitos fundamentais comprovam que com tal qualificação se pretenda a obtenção de garantias jurídicas contra o arbítrio e o poder opressivo.” (SILVA, 2004, p. 311) 65 A doutrina da Proteção Integral foi criada pela comunidade internacional quando a extinta Liga das Nações – sucedida pela Organização das Nações Unidas, ONU – proclamou em 1924 a Declaração de Genebra sobre os direitos da criança, estabelecendo normas de proteção ao infante. (Disponível em: http://www.unicef.org.br. Acesso em abril/2006) 66 Sobre o emprego do trabalho das crianças e dos adolescentes, expressa o nono princípio: “Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.” (Disponível em: http://www.unicef.org.br. Acesso em abril/2006) 67 A Convenção consolida muitos dos princípios proclamados na Declaração dos Direitos da Criança, conferindo a estes força coercitiva face aos Estados. 68 “Quando foi aprovada, em 1989, a Convenção foi o ponto culminante de 60 anos de trabalho de organizações não governamentais, especialistas em direitos humanos e um consenso extraordinário entre governos. Atualmente todos os países do mundo ratificaram a Convenção (com exceção de apenas dois países: os Estados Unidos e a Somália), marco dos direitos das crianças – entendidas pelas Nações Unidas como toda pessoa com menos de 18 anos. Pela Convenção, o cuidado e a proteção das crianças devem ser prioridade de todos, especialmente dos governos.” (GRUSPUN, 2000, p. 105)

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Segundo a Convenção, a criança – compreendida como toda pessoa com

menos de 18 anos – tem direito à proteção integral por parte do Estado, como direito

à saúde e educação básicas, a um nome e nacionalidade, direito de viver com seus

pais e de manter contato se separada de um deles, ao lazer, à cultura e à adoção,

dentre outros.69 (Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em maio/2006)

A Constituição Federal de 1988, adiantando-se à promulgação da referida

Convenção, adotou a Doutrina Internacional da Proteção Integral (OLIVA, 2006, p.

89), reconhecendo a vulnerabilidade70 da comunidade infanto-juvenil, estreitando-se

dessa forma, com a normativa internacional. Com isso, o grupo passou a ser

compreendido como sujeito de direitos, formado por pessoas em condição peculiar

de desenvolvimento que devem gozar de prioridade absoluta.

Quando a doutrina da proteção integral foi elevada à categoria de norma

constitucional, deixou o campo “teorético”, no dizer de José Roberto Dantas Oliva

(2006, p. 89), para transformar-se em Princípio da Proteção Integral, expresso pelo

artigo 227 da Carta Magna, e no plano infraconstitucional, no artigo 1º do Estatuto da

Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, que o consagra. Contudo, antes de

Selma Regina Aragão recorda que na fase da elaboração da convenção: “levantou-se a questão da viabilidade de definir direitos universais para crianças, considerando a diversidade de percepções sócio-econômicas, religiosas e culturais da infância nas diversas nações.” Contudo, chegou-se a conclusão de que, apesar das divergências de um país para outro quanto à idade em que a infância termina e sobre o papel da criança na família e na sociedade, a preocupação de proteger os vários direitos desta é compartilhada por todos os povos. (1992, p. 68) 69 “Art. 32º. O direito da criança em ser protegida de exploração econômica e de executar qualquer trabalho que possa ser prejudicial ou que interfira com a educação de criança, ou que seja perigoso para o desenvolvimento de sua saúde física, mental, espiritual, moral ou social. Os Estados-Partes adotarão medidas legislativas, administrativas, sociais e educacionais com vistas a assegurar a aplicação do presente artigo. Com tal propósito, e levando em consideração as disposições pertinentes de outros instrumentos internacionais, os Estados-Partes, deverão, em particular: a) estabelecer uma idade ou idades mínimas para admissão em empregos; b) estabelecer regulamentação apropriada relativa a horários e condições de emprego; c) estabelecer penalidades ou outras sanções apropriadas a fim de assegurar cumprimento efetivo do presente artigo.”(Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br. Acesso em maio/2006) 70 Embora a Declaração Universal de 1948 tenha reconhecido a liberdade e a igualdade entre os homens, é perceptível a existência de grupos de pessoas que lamentavelmente têm seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais violadas. Trata-se do amplo universo dos grupos vulneráveis, formados pelas mulheres, crianças, populações indígenas, minorias, refugiados, deslocados, trabalhadores migrantes, idosos e deficientes. (GONÇALVES, 1996, p. 414) Esses grupos de pessoas enfrentam grandes obstáculos para o perfeito gozo de seus direitos devido às disparidades econômicas e sociais de nosso mundo, e a consciência de que carecem de proteção e assistência especiais fez e ainda faz com que as Nações Unidas elaborem documentos setoriais protetivos dos mesmos. Constata-se que os infantes e os jovens encontram-se entre os grupos vulneráveis e por isso necessitam de especial atenção por parte da legislação. “Trata-se de uma categoria de alto risco: a prioridade dentro dos grupos vulneráveis – os mais vulneráveis entre os vulneráveis. Estão nessa categoria as crianças de rua, as crianças deficientes, as crianças doentes, inclusive de AIDS, as crianças detidas, as crianças vítimas da fome ou do abandono, as crianças refugiadas. Citem-se, ainda, as crianças vítimas de exploração econômica no trabalho ou através da pornografia e prostituição infantil ou de qualquer tipo de abuso, como tráfico, venda, comércio de órgãos.” (GONÇALVES, 1996, p. 420)

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enfocar os fundamentos do princípio da proteção integral, revela-se necessário

analisar em breves linhas a questão da normatividade dos princípios positivados na

Constituição Federal, que apresentam caráter obrigatório na solução de casos

concretos.

2.2. A normatividade dos princípios.

O entendimento sobre a força normativa dos princípios revela-se pertinente,

tendo em vista que a ordem instaurada pela Carta de 1988 fundamenta os preceitos

constitucionais do Estado Democrático sob os pilares das regras e dos princípios

jurídicos.

Primeiramente, é importante ressaltar que os princípios aqui abordados são

os princípios jurídicos e não os princípios hermeneuticos, que apresentam natureza

diversa daqueles ao desempenhar uma função argumentativa, capaz de denotar a

ratio legis de uma disposição, possibilitando dessa forma aos juristas e aos

magistrados, principalmente, a integração e complementação do direito.

(CANOTILHO, 1997, p. 1125)

Partindo-se do pressuposto de que os direitos e garantias fundamentais do

homem, foram inspirados em valores71 históricos surgidos em dado momento na

comunidade doméstica, constata-se que para que o sistema de normas se

apresente capaz de acompanhar suas transformações históricas, é necessário que

contenha normas jurídicas que veiculem diretrizes gerais. Pois, se o ordenamento

jurídico contasse apenas com o conteúdo das normas legislativas, com um sistema

interpretativo constitucional rígido e absoluto, na visão de Celso Ribeiro Bastos e

Samantha Meyer Pflug (2005, p. 151), com o passar do tempo, a Constituição se

mostraria defasada da realidade social.

O debate contemporâneo acerca do papel dos valores na concretização da

Constituição, segundo Daniel Sarmento, não criou discussões acaloradas no cenário

71 A interpretação de Miguel Reale sobre o valor na formação da norma jurídica em sua “teoria tridimensional do Direito” é a de que este se apresenta como princípio animador e sentido imanente ao fato, como um “realizar-se histórico”. De acordo com o jusfilósofo, os valores são interpretados como qualidades que o sujeito confere aos objetos em virtude de sensações de aceitação ou rejeição que eles nos apresentam, ou como qualidades ideais extraídas da realidade, contudo, independentes dela. (REALE, 2006, p. 172, 175)

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brasileiro, de predomínio positivista72 (SARMENTO, 2002, p. 77). Mas, segundo

Gisele Cittadino (2000, p. 14), os constitucionalistas brasileiros73 estabeleceram uma

espécie de “fratura” no seio dessa cultura positivista, buscando um fundamento ético

para a ordem jurídica, no intuito de assegurar o sistema de direitos expressos pela

atual Constituição.

Mas, antes de adentrar-se no debate acerca da natureza jurídica do princípio

e diferenciação de seu teor normativo frente às regras em solo brasileiro, convém

destacar os principais posicionamentos sobre o tema, na esfera internacional.

O entendimento de Robert Alexy, Ronald Dworkin e J. J. Gomes Canotilho, se

revela como principal referência teórica sobre a matéria. Alexy entende que tal

distinção é a chave para a solução dos problemas centrais da dogmática dos direitos

fundamentais, tendo em vista que cada vez mais se atribui às normas fundamentais

o caráter de princípios. (2002, p. 82)

“El punto decisivo para la distinción entre reglas y

princípios es que los princípios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los princípios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no sólo depende de las posibilidades reales sino también de las jurídicas. El ámbito de las posibilidades reales sino también de las jurídicas es determinado por los princípios y reglas opuestes.

En cambio, las reglas son normas que sólo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni minos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo fáctica y jurídicamente posible.” (ALEXY, 2002, p. 86-87)

72 “Se, por um lado, compreender a Constituição como uma ordem de valores parece incorreto, por outro, não há dúvidas em que a Constituição, como norma superior de uma comunidade política, consagra e juridiciza os valores mais relevantes desta comunidade. Ademais, constituições como a brasileira, a alemã, a espanhola e a portuguesa, que representam marcos na superação de formas estatais autoritárias, são timbradas pela preocupação com a promoção de valores humanitários de dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade e justiça. Não há como negar, diante de constituições com este teor e esta origem, a relevância da dimensão axiológica dos respectivos textos magnos.”(SARMENTO, 2002, p. 77) 73 “Ao sistema fechado de garantias da autonomia privada, eles opõem a idéia de constituição aberta, que enfatiza os valores do ambiente sociocultural da comunidade, se abrem a outros conteúdos, tanto normativos (direito comunitário), como extranormativos (usos e costumes) e metanormativos (valores e postulados morais). O constitucionalismo “comunitário”, calcado no binômio dignidade humana – solidariedade social, ultrapassa, segundo seus representantes, a concepção de direitos subjetivos, para dar lugar às liberdades positivas....Em outras palavras, os direitos fundamentais não mais podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, ‘antes valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins que esta se propõe prosseguir’.” (CITADINO, 2000, p. 17)

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Alexy atribui aos princípios a qualidade de “comandos de otimização”, isso

significa dizer que estes determinam algo a ser realizado da maneira mais ampla

possível, ponderando-se, todavia, sua aplicação às possibilidades físicas e jurídicas

propostas em cada caso. Quanto às regras, expressa que estas se apresentam

como comando de definição, desfrutando, portanto, de uma eficácia padrão, a partir

do momento em que contém preceitos positivamente delineados.

Ronald Dworkin entende que as regras seguem o sistema do tudo-ou-nada,

uma vez que sua aplicação está umbilicalmente relacionada à sua vigência, assim:

“Na ausência de uma tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica.” (2002, p.

28) Para ele, o diferencial no tocante aos princípios é que estes se revelam como o

conjunto de padrões norteadores de uma dada sociedade que não se configuram

regras. A dimensão do princípio não se relaciona à categoria de vigência, mas de

peso ou importância. (2002, p. 36)

“A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.” (DWORKIN, 2002, p. 39)

J. J. Gomes Canotilho corrobora essa diferenciação, e enriquece seus

fundamentos mediante a ressalva de que os princípios apresentam alguns critérios

de diferenciação em relação às regras, tais como a análise do grau de abstração e

de determinabilidade na aplicação do caso concreto, do caráter de fundamentalidade

no sistema de fontes de direito, da proximidade da idéia de direito e da natureza

normogenética.74 (1997, p. 1124, 1125) Compreende que, a perspectiva de um

74 “a) Grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado; de modo diverso, as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida. b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador, do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação directa. c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema de fontes (ex.: princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex.: princípio do Estado de Direito).

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sistema constitucional aberto composto por regras e princípios permite a sua efetiva

operacionalidade, através da interpretação conjunta no caso concreto em

procedimentos legislativos, administrativos, e em processos judiciais, por exemplo.

Pois, um sistema constituído exclusivamente por regras poderia conduzir o

ordenamento jurídico a uma limitada racionalidade, e por outro lado, a existência de

um modelo composto exclusivamente por princípios poderia gerar um sistema falho

de segurança jurídica pelo elevado grau de indeterminação pela existência de regras

imprecisas. E nesse sentido afirma:

“Um modelo ou sistema constituído exclusivamente por regras conduzir-nos-ia a um sistema jurídico de limitada racionalidade prática....Conseguir-se-ia um ‘sistema de segurança’, mas não haveria qualquer especo livre para a complementação e desenvolvimento de um sistema, como o constitucional, que é necessariamente um sistema aberto. Por outro lado, um legalismo estrito de regras não permitiria a introdução dos conflitos, das concordâncias, do balanceamento de valores e interesses, de uma sociedade pluralista e aberta.

O modelo ou sistema baseado exclusivamente em princípios (Alexy: Prinzipien-Modell des Rechtssystems) levar-nos-ia a conseqüências também inaceitáveis. A indeterminação, a inexistência de regras precisas, a coexistência de princípios conflituantes, a dependência do ‘possível’ fáctico e jurídico, só poderiam conduzir a um sistema falho de segurança jurídica e tendencialmente incapaz de reduzir a complexidade do próprio sistema.” (CANOTILHO, 1997, p. 1126, 1127)

No plano do direito nacional, destaca-se a obra de Humberto Ávila (2006) que

se propõe a desenvolver uma nova concepção sobre a teoria dos princípios em

relação àquela sedimentada pelos autores internacionais então mencionados, que

de maneira geral, comungam da idéia de que os princípios apresentam uma

dimensão de peso e as regras se apresentam como comandos de otimização

relacionados à sua vigência. Considera o autor o seguinte:

d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são “standards” juridicamente vinculantes radicados nas exigências de “justiça” (Dworkin) ou na idéia de Direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional. e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.” (CANOTILHO, 1997, p. 1124, 1125)

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“As regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. Enquanto as regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada, os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos. Os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que característica dianteira das regras é a previsão do comportamento.” (2006, p. 71)

E, conclui:

“...a diferença entre as categorias normativas não é centrada no modo de aplicação, se tudo ou nada ou mais ou menos, mas no modo de justificação necessário à sua aplicação. O critério escolhido não focaliza o modo final de aplicação, se absoluto ou relativo, já que ele só pode ser confirmado ao final. O critério adotado perscruta a justificação necessária à aplicação, que pode ser aferida preliminarmente.

No caso das regras, como há maior determinação do comportamento em razão do caráter descritivo ou definitório do enunciado prescritivo, o aplicador deve argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correspondência da construção factual à descrição normativa e à finalidade que lhe dá suporte.

(...) No caso dos princípios, o elemento descritivo cede

lugar ao elemento finalístico, devendo o aplicador, em razão disso, argumentar de modo a fundamentar uma avaliação de correlação entre os efeitos da conduta a ser adotada e a realização gradual do estado de coisas exigido....E, como não há descrição do conteúdo do comportamento, a interpretação do conteúdo normativo dos princípios depende, com maior intensidade, do exame problemático.” (2006, p. 74, 75)

Ana Paula Barcellos adota um critério distinto para diferenciar os princípios

das regras, baseado nos efeitos que as normas pretendem produzir e os meios

aptos a alcançar esses efeitos. Dessa forma, defende que as regras desfrutam de

uma eficácia padrão, do tipo positiva ou simétrica, apesar de outras modalidades

também poderem ser atribuídas a elas, como a nulidade, a anulabilidade e a

ineficácia, quando há uma previsão expressa da norma a esse respeito. Os

princípios, por sua vez, de acordo com a doutrina, apresentam apenas a eficácia

interpretativa, cujo maior problema é que só correspondem às manifestações

comissivas. (2002, p. 83, 84)

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Partindo-se da premissa de que os princípios constitucionais configuram-se

como sede normativa dos valores morais e históricos de determinada sociedade, e

por isso de grande dimensão, verifica-se que a perspectiva axiológica da

Constituição conduz ao entendimento de que esta se apresenta como sistema

aberto de regras e princípios75, conforme definição de J. J. Gomes Canotilho, com a

capacidade de acompanhar as “mundividências da sociedade”. No dizer de Daniel

Sarmento: “Normativamente, esta abertura dos valores jurídicos ao tempo e à

sociedade é possibilitada pela plasticidade dos princípios constitucionais que os

acolhem.” (2002, p. 79) Neste novo contexto, depreende-se que os princípios gerais

de direito não ocupam mais um espaço secundário no ordenamento, como simples

método de integração de lacuna de lei, conforme preceitua a Lei de Introdução ao

Código Civil.

Em decorrência de sua associação a valores, os princípios têm uma função

sistêmica, na medida em que ocupam a mais elevada posição hierárquica no

sistema de fontes do direito constituindo-se como fundamento de toda ordem

jurídica, devido a sua natureza normogenética, que surge da necessidade de

densificação dos princípios constitucionais. Os princípios possuem, portanto,

75Na concepção do positivista Herbert Hart, o Direito apresenta uma textura aberta permitindo dessa forma maior liberdade de interpretação da regra jurídica. Dentre as técnicas que apresenta, está aquela em que o intérprete terá a tarefa de ponderar e obter um equilíbrio razoável entre as pretensões sociais que surgirem em formas variadas e insuscetíveis de serem previstas pelo legislador. Segundo Hart existem áreas de conduta que devem ser deixadas para serem examinadas e desenvolvidas pelos tribunais que chegarão ao equilíbrio à luz das circunstâncias que variam de caso para caso. (HART, 1989, p. 148) De acordo com a ilustre professora Maria Guadalupe Piragibe da Fonseca: “...o caráter do Direito é com freqüência incompleto e parcialmente indeterminado, o que permite a Hart dizer que o direito possui uma “textura aberta”, seja sob forma de legislação, seja de decisões jurisprudenciais, ambos modos de comunicação de modelos de comportamento. Nesses casos de indeterminação, espera-se que os tribunais e outras autoridades façam uso de seu poder discricionário (discrecion) para criar o direito.” (FONSECA, 2002, p. 77) Em contraposição a essa concepção positivista, Oscar Vilhena Vieira nos remete a teoria da adjudicação desenvolvida por Ronald Dworkin, que pretende provar que a textura aberta do sistema de regras e princípios existente em dado ordenamento constitucional, não permite que os juízes, diante de casos considerados “difíceis”, decidam de forma discricionária. A idéia “dworkiniana”, segundo ele, se manifesta da seguinte forma: “...os juízes não decidem casos difíceis de forma discricionária, pois, apesar de o enunciado normativo muitas vezes não conter todos os elementos para a tomada de decisão, o Direito oferece outros critérios que também compelem o magistrado. Não há uma liberdade total, onde o magistrado decide a partir de valores externos ao Direito, que a maioria das vezes são seus próprios; mas uma esfera carregada de princípios (que pertencem ao sistema jurídico) que limitam e impõem um determinado sentido às decisões judiciais. É dentro dessa esfera que se deve decidir. Caso haja discricionariedade, esta ocorre apenas num sentido fraco. Dworkin não aceita, dessa forma, a proposição dos positivistas de que toda norma aberta é, na realidade, um convite para que os juízes exercitem suas próprias escolhas.” (VIEIRA, 2006, p. 58) José Adércio Leite Sampaio, aponta que: “os direitos fundamentais desempenham um papel central de legitimidade da ordem constitucional, não apenas pelo seu catálogo formal, mas sobretudo por sua realização prática. Embora sejam, assim, o centro de gravidade da estrutura orgânica e funcional do sistema, não podem ser considerados como um ‘conjunto fechado’ de valores, senão como um centro ligado, funcional e normativamente, com as outras partes do Direito Constitucional;” (2002, 670)

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capacidade reprodutora de subprincípios (CARVALHO, 2006, p. 439). O mesmo não

acontece com as regras, que se esgotam em si mesmas.

Tudo o que se afirmou até aqui demonstra que a elevação do direito à

proteção integral à categoria de princípio constitucional, se configura como

irradiação do valor surgido no seio da sociedade brasileira, no momento histórico da

Assembléia Constituinte. O marco temporal desse valor foi fortemente influenciado

pelo reconhecimento dos direitos humanos da criança e do adolescente pela

comunidade universal, através da Declaração e da Convenção de Direitos da

Criança, da ONU. Com base nesses conceitos, prossegue-se na fundamentação do

princípio da proteção integral.

2.2.1. O Princípio da Proteção Integral.

O princípio da proteção integral ou da prioridade absoluta da criança e do

adolescente, expresso pela Constituição Federal e reafirmado pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente,76 Lei 8.069/1990, apresenta-se como marco para o

estabelecimento de novos parâmetros de atuação dos órgãos estatais e de toda a

sociedade.

O conceito de criança e de adolescente – terminologia adotada nesta livro,

sem prejuízo do conceito expresso pela Convenção dos Direitos da Criança, que

reconhece como criança todo ser humano menor de 18 anos – logrou atenção

especial da comunidade internacional a partir do surgimento de novos valores

acerca deste grupo vulnerável, reforçados sem dúvida pelas teorias surgidas na

segunda metade do século XX, que cuidam da divisão dos estágios de maturação

humana e da importância de cada uma delas ser sadiamente vivenciada.

As teorias desenvolvidas por Jean Piaget (1987), Lev Seminovich Vygotsky

(1989) e Maria Montessori (1966), cada qual em sua corrente filosófica, demonstram

que a criança e o adolescente, para atingir o grau de maturidade biopsicossocial

76 O parágrafo único do artigo 4º do ECA explicita o que se deve entender por garantia de prioridade absoluta, in

verbis: “a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.” (2005, p. 36-37)

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identificada no adulto, passa por vários estágios de amadurecimento.77 O

pensamento comum entre eles é o de que a infância é a fase de maior importância

na vida do ser humano, onde a criança atua ativamente como recebedora de

informações, gozando de potencialidades a serem desenvolvidas e estimuladas

nesse momento único de sua vida, que será determinante para a formação do futuro

adulto.

Como as crianças e os adolescentes são considerados seres em pleno

desenvolvimento, as normas direcionadas a eles, à luz do princípio da proteção

integral, devem ser aplicadas no sentido de reconhecer o caráter prioritário de suas

necessidades.

O valor atribuído ao grupo vulnerável em análise apresenta relevância tão

grande que fez o legislador constituinte estabelecer, no artigo 227 da Constituição

Federal, o dever de cooperação entre família, sociedade e Estado para a

consecução da proteção integral, sendo reforçado no âmbito infraconstitucional pelo

ECA.

77 Jean Piaget, suíço, que definiu a si mesmo como um “antigo-futuro-filósofo que se transformou em psicólogo e investigador da gênese do conhecimento” inovou a área da psicologia ao afirmar que a inteligência humana, para alcançar o grau de maturidade, passa por três estágios de desenvolvimento, a saber: o sensório-motor, do nascimento até os dois anos de idade; o de preparação para as operações lógico-concretas, de dois a sete anos, e o das operações lógico-concretas, dos sete anos até a adolescência. A partir da adolescência até a idade adulta, configura-se o estágio da lógica formal, o qual considera que o desenvolvimento da inteligência humana chega ao ápice, alcançando o pensamento maior equilíbrio de operatividade. Afirma que: “O desenvolvimento, portanto, é uma equilibração progressiva, uma passagem contínua de um estado de menor equilíbrio para um estado de equilíbrio superior. Assim, do ponto de vista da inteligência, é fácil se opor a instabilidade e incoerência relativas das idéias infantis à sistematização de raciocínio do adulto. No campo da vida afetiva, notou-se, muitas vezes, quanto o equilíbrio dos sentimentos aumenta com a idade. E, finalmente, também as relações sociais obedecem à mesma lei de estabilização gradual.” (PIAGET, 1987, p. 11) Lev Seminovich Vygotsky, russo, advogado, filólogo e psicólogo, em sua teoria do desenvolvimento da criança nos processos educacionais, afirmou que esta é um ser dotado de potencialidades que serão desenvolvidas de acordo com o meio social em que estiver inserida, como também através da interação com outros membros desse mesmo meio. Defendeu que as pessoas não são meras receptoras passivas de conhecimento e que as crianças aprendem ativamente através da cultura propagada em seu meio ambiente. (VYGOTSKY, 1989) “Enquanto Piaget destaca os estágios universais, de suporte mais biológico, Vygotsky se ocupa mais da interação entre as condições sociais em transformação e os substratos biológicos do comportamento.” (VYGOTSKY, 1989, p. 139) Já Maria Montessori, italiana, que após anos de atuação como médica iniciou trabalho na área da educação de crianças, desenvolveu método de educação infantil conhecido por “montessoriano”, baseado em dados científicos sobre as leis do crescimento do corpo e da mente. Segundo ela, a educação deve ser estruturada de acordo com as leis naturais do desenvolvimento. Dessa forma, a lei natural do desenvolvimento progressivo da criança – que se transformará no futuro adulto – poderá ser detectada desde o seu nascimento sem o conhecimento da fala e dos movimentos coordenados. Pouco a pouco essa criança vai se transformando num ser independente capaz de falar, raciocinar e se movimentar. Por isso, afirma: “A interrupção do ciclo normal de atividades, dentro de cada período, faz com que se criem certas condições na mente da criança, tornando-a insegura e incapaz de concluir uma tarefa. Se a interrupção se torna constante, a criança vai aos poucos perdendo a coragem e determinação necessárias ao desenvolvimento.” (MONTESSORI, 1966, p. 62)

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73

Tanto a Convenção78 da ONU como a previsão constitucional acerca do tema

sedimentaram os pilares de sustentação do Estatuto da Criança e do Adolescente,

instrumento normativo que veio romper79 definitivamente com a doutrina da situação

irregular, mencionada no primeiro capítulo, mediante a adoção da proteção integral

dos seus direitos, 80 conforme disposição expressa constante do artigo 1º: “Esta Lei

dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”81 Ressalta José

Roberto Dantas Oliva:

“Note-se que não é uma proteção qualquer que é assegurada à criança e ao adolescente pela Constituição Federal, pelo Estatuto já referido e por outras normas (inclusive convenções internacionais ratificadas) que conferem substância ao referido princípio: é uma proteção rotulada INTEGRAL. A adjetivação, na hipótese, não é aleatória e nem despropositada. Teve a finalidade de realçar que essa especial proteção, que tem caráter de absoluta prioridade, deve ser total, completa, cabal, envolvendo, como agentes de sua efetivação, família, sociedade e Estado.” (OLIVA, 2006, p. 104)

João Batista Costa Saraiva ensina que a ordem resultante do princípio da

proteção integral se estrutura a partir de três sistemas de garantia: sistema primário,

que cuida da promoção de políticas públicas82 de atendimento, de caráter universal,

78 A Convenção foi ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 28 de 14.09.90. 79 “Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e adolescentes a doutrina da proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto constitucional de 1988 e documentos internacionais aprovados com amplo consenso da comunidade das nações.” (SILVA, 2005, p. 15) 80 “Depois da definição constitucional dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, com base no texto-projeto da Convenção sobre os direitos da criança, o ‘Estatuto’ significa o coroamento do processo de mudanças básicas na estrutura jurídica.” (ARAGÃO, VARGAS, 2005, p. 76) 81 “O termo proteção pressupõe um ser humano protegido e um ou mais seres humanos que o protegem, isto é, basicamente, um ser humano que tem necessidade de outro ser humano. Obviamente, este segundo ser humano deve ser mais forte que o primeiro, pois deve ter capacidade para protegê-lo. Como corolário lógico, a proteção pressupõe uma desigualdade (um é mais forte do que o outro) e uma redução real da liberdade do ser humano protegido: ele deve ater-se às instruções que o protetor lhe dá e é defendido contra terceiros (outros adultos e autoridade pública) pelo protetor.” (VERCELONE, 2005, p. 34) 82 OLIVEIRA explica que existem duas modalidades de políticas públicas: ativa ou passiva. Em suas palavras: “Diz-se passiva a que cuida de mecanismos de natureza compensatória, tais como o seguro-desemprego, programas assistenciais, redução de oferta de trabalho por meio de transferência ao sistema de aposentadoria dos desempregados com dificuldade de reinserção no mercado de trabalho, manutenção dos jovens no sistema escolar, redução da jornada de trabalho, fomento à migração. São políticas ativas:

a) medidas que atuam pela oferta de trabalho, programas de formação e reciclagem profissional, serviços de intermediação de mão-de-obra, que visam à mobilidade geográfica da força de trabalho;

b) políticas que têm por objetivo causar impacto sobre a demanda de trabalho, relacionadas com a criação de empregos, por exemplo, pela criação de cooperativas, subsídios à contratação de jovens, oferta de crédito.” (2004, p. 180)

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na forma dos artigos 4º, 85º, 86º e 87º do ECA; sistema secundário, que trata das

medidas de proteção voltadas para crianças e adolescentes em situação de risco

pessoal ou social, como forma preventiva de atos infracionais, na forma dos artigos

98, 101 e 112, VI, do Estatuto; e sistema terceário, que trata das medidas

socioeducativas, aplicáveis aos adolescentes em conflito com a Lei, na forma dos

artigos 103 e 112 do referido instrumento. (2004, p. 76-77) A ação integrada desses

três sistemas visa promover os direitos e garantias fundamentais da comunidade,

direcionando governantes e governados no sentido da promoção das medidas que

se fizerem necessárias para a sua concretização.

2.3 - A atuação normativa da Organização Internacional do Trabalho e a incorporação de suas Convenções no direito interno

A Organização Internacional do Trabalho83– OIT – foi instituída pela extinta

Liga das Nações, no ano de 1919, pelo Tratado de Versailhes.84 Inicialmente, tinha

por escopo definir e promover as políticas sociais em âmbito internacional no bojo

das conseqüências deixadas pela Revolução Industrial. (SEITENFUS, 2005, p. 226-

227) Ao fim da Segunda Guerra Mundial, permaneceu como organismo internacional

especializado mesmo após a extinção da Liga, estabelecendo os propósitos e

princípios da nova fase85 após a realização da 26ª Conferência na Filadélfia,

Estados Unidos.

83 De acordo com SÜSSEKIND, a OIT deveria constituir-se (tal como ainda é hoje) de três órgãos: “Conferência Internacional do Trabalho (Assembléia Geral), Conselho de Administração (direção colegiada) e Repartição (secretaria). O Conselho e a Conferência seriam integrados por representantes governamentais, patronais e de trabalhadores, na proporção de dois para os primeiros e um para cada um dos demais, estabelecendo-se, assim, igual número de representantes oficiais e das classes produtoras. Competiria à Conferência aprovar projetos de Convenções e de Recomendações, sujeitos à ratificação posterior de cada país. Por outro lado, um sistema especial de controle, de que careciam os demais tratados internacionais, imporia a fiel aplicação dos instrumentos ratificados pelos Estados-membros. (2000, p. 105) 84 “A Conferência de Paz que põe fim à Primeira Guerra Mundial adotou, por unanimidade, em 28 de abril de 1919, o projeto que criou a Sociedade das Nações (SDN), também conhecida como Liga das Nações. Tratava-se de uma associação intergovernamental, de caráter permanente, de alcance geral e com vocação universal, baseada nos princípios da segurança coletiva e da igualdade entre Estados soberanos. As suas três funções essenciais foram: 1) a segurança; 2) a cooperação econômica, social e humanitária; 3) a execução de certos dispositivos dos tratados de paz de Versalhes.”(SEITENFUS, 2005, p. 103) O preâmbulo da parte XIII do Tratado de Versalhes dispôs sobre a constituição da OIT, apresentando o escopo da universalização das leis social-trabalhistas baseadas numa visão humanitária, política e econômica. (OLIVEIRA, 2004, p. 80) 85 Seitenfus, comenta que os propósitos mais importantes são os seguintes: “a) o trabalho não deve ser tratado como uma mercadoria.

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A atividade normativa da OIT se manifesta através de Convenções,

Recomendações e Resoluções. A Convenção de Viena sobre o Direito dos

Tratados, de 1969, estabelece no artigo 2º a conceituação do termo Tratado,

expressando que “significa um acordo internacional concluído por escrito entre os

Estados e regido pelo Direito Internacional”, “qualquer que seja sua denominação”.

Na divisão de atos internacionais, utiliza-se o termo Convenção para designar atos

multilaterais, oriundos de conferências internacionais que versem sobre assunto de

interesse geral, ao estabelecer normas para o comportamento dos Estados. É em

suma um instrumento concebido como um Tratado Internacional86 (GRUSPUN,

2000, p. 105)

Diferentemente das Convenções, as Recomendações não apresentam efeito

vinculante e obrigatório para os Estados, uma vez que decorrem das disposições

votadas pelos Estados durante uma Conferência com um número insuficiente de

adesão capaz de torná-las Convenções. Dessa forma, apresentam-se como

orientações, sugestões a serem adotadas pelo direito interno de cada Estado.

(NASCIMENTO, 1993, p. 66) Já as Resoluções são compreendidas como uma

pauta de assuntos considerados relevantes para o debate e confecção de norma por

parte dos membros da organização, que não apresenta teor obrigatório, mas tem por

objetivo o convite para que estes adotem as medidas nelas preconizadas.87

(SÜSSEKIND, 2003, p. 182)

b) a liberdade de expressão e de associação constitui condição indispensável para o progresso. c) a pobreza, onde quer que esteja, representa uma ameaça para a prosperidade de todos. d) a luta contra as necessidades deve ser feita com o máximo de energia no seio de cada Nação através de um contínuo e concertado esforço internacional onde os representantes dos trabalhadores e os empregadores, cooperando em pé de igualdade com os Governos, participem de discussões livres e de decisões de caráter democrático com o objetivo de promover o bem comum. e) todos os seres humanos, de qualquer raça, religião ou sexo têm o direito de conseguir o seu progresso material e seu desenvolvimento espiritual em liberdade, dignidade, em segurança econômica em comum igualdade de chances.” (2005, p. 228) 86“Os instrumentos mais comuns para expressar a concordância dos Estados-membros sobre temas de interesse internacional são acordos, tratados, convenções, protocolos, resoluções e estatutos. O termo acordo é usado, geralmente, para caracterizar negociações bilaterais de natureza política, econômica, comercial, cultural, científica e técnica. Acordos podem ser firmados entre países ou entre um país e uma organização internacional. Tratados são atos bilaterais ou multilaterais aos quais se deseja atribuir especial relevância política. A palavra convenção costuma ser empregada para designar atos multilaterais, oriundos de conferências internacionais e que abordem assunto de interesse geral. Protocolo designa acordos menos formais que os tratados. O termo é utilizado, ainda, para designar a ata final de uma conferência internacional. Resoluções são deliberações, seja no âmbito nacional ou internacional. Estatuto é um tipo de leis que expressa os princípios que regem a organização de um Estado, sociedade ou associação.” (Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/. Acesso em maio/2006) 87 “Materialmente, a convenção não se distingue da recomendação, configurando-se, entretanto, a distinção no tocante aos efeitos jurídicos que geram. Somente as convenções, porém, são objetos de ratificação pelos Estados-

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Os Estados-membros da OIT não são obrigados a ratificar88 as Convenções,

mas devem submetê-las aos seus Parlamentos no prazo legal de doze a dezoito

meses (SEITENFUS, 2005, p. 232), aquelas não ratificadas poderão funcionar como

orientação para futuras ações governamentais. Por outro lado, as Convenções que

passarem pelo processo de ratificação89, serão incorporadas ao direito interno

tornando-se obrigatórias, devendo o conteúdo de suas disposições ser cumprido de

boa-fé, nos termos do artigo 26 da Convenção de Viena de 1969. Pois, como ensina

Flávia Piovesan, cabe ao Estado conferir plena observância ao tratado de que é

parte, na medida em que contraiu obrigações jurídicas no âmbito internacional, no

livre exercício de sua soberania. (2006, p. 45)

O Estado brasileiro deve, pois, zelar pelo total cumprimento do conteúdo

avençado numa Convenção ratificada, expressando o parágrafo 2º do artigo 5º da

CRFB – ao fazer referência à aplicação imediata conferida às normas definidoras de

direitos fundamentais dispostas pela Carta, estabelecida pelo parágrafo 1º do

mesmo artigo – que os direitos e garantias positivados pelo texto constitucional não

excluem “outros decorrentes do regime de princípios por ela adotados ou dos

tratados internacionais em que a República Federativa seja parte”.90

Considerando-se que o Estado Democrático brasileiro é norteado pelo

princípio da dignidade humana, o legislador constituinte conferiu aplicação imediata

aos preceitos contidos nos Tratados Internacionais que versem sobre os direitos

humanos, reconhecendo-lhes natureza constitucional. Maurício Andreiuolo

Rodrigues afirma que, com isso, o legislador constituinte conferiu caráter supralegal

ao direito internacional dos direitos humanos, eximindo-os da sujeição a um ato

jurídico complementar para sua exigibilidade. (RODRIGUES, 1999, p. 169) Nesse

sentido, Antônio Cançado Trindade ensina:

membros, enquanto que as recomendações devem apenas ser submetidas à autoridade competente para legislar sobre a respectiva matéria, a qual poderá, a respeito, tomar a decisão que entender.” (SÜSSEKIND, 2000, p. 182) 88 Ratificação é o ato formal pelo qual um Estado-membro da OIT decide adotar uma convenção internacional, incorporando-a ao seu direito interno. 89 “A ratificação é, pois, ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade no âmbito internacional e interno. Como etapa final, o instrumento de ratificação há de ser depositado em um órgão que assuma a custódia do instrumento – por exemplo, na hipótese de um tratado das Nações Unidas, o instrumento de ratificação deve ser depositado na própria ONU; se o instrumento for do âmbito regional interamericano, deve ser depositado na OEA.” (PIOVESAN, 2006, p. 48) 90 A previsão de aplicação imediata dos direitos e garantias decorrentes dos princípios adotados pela Constituição de 1988 ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte demonstra a existência de direitos fundamentais implicitamente reconhecidos pela mesma Lei Fundamental, tendo em vista que demonstra uma abertura do texto para outros direitos fundamentais não reconhecidos explicitamente pelo seu texto.

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“A especificidade e o caráter especial dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos encontram-se, com efeito, reconhecidos e sancionados pela Constituição Brasileira de 1988: se, para os tratados internacionais em geral, se tem exigido a intermediação pelo Poder Legislativo de ato com força de lei de modo a outorgar a suas disposições vigência ou obrigatoriedade no plano do ordenamento jurídico interno, distintamente no caso dos tratados de proteção internacional dos direitos humanos em que o Brasil é Parte os direitos fundamentais neles garantidos passam, consoante os artigos 5(2) e 5(1) da Constituição Brasileira de 1988, a integrar o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados e direta e imediatamente exigíveis no plano do ordenamento jurídico interno.”91 (TRINDADE, 2003, p. 513)

No entanto, a Emenda Constitucional n. 45/2004 trouxe para o corpo

constitucional (p. 3º.) a obrigatoriedade da consecução de um processo legislativo

para a aprovação e posterior incorporação dos Tratados e Convenções de Direitos

Humanos no plano interno, mediante votação por quorum de três quintos, nas duas

casas do Congresso Nacional, conferindo-lhes equivalência às emendas

constitucionais.

Alexandre de Moraes ensina que essa previsão traz à tona duas sistemáticas

para a incorporação das normas de direito internacional dos direitos humanos

provenientes dos Tratados e Convenções: a sistemática de incorporação

automática, conferindo-lhes status constitucional, e, a sistemática de incorporação

legislativa, conferindo-lhes status ordinário. (2006, p. 626)

Existe um debate que permeia a filosofia jurídica sobre a existência ou não de

unidade entre o direito internacional e o direito interno (e que de certa forma se

conecta com o conflito ora analisado) trazido pela corrente monista, que defende 91 Antônio Cançado Trindade ensina que a incorporação dos preceitos contidos nos Tratados de Direitos Humanos no plano constitucional tem sido uma tendência das Cartas contemporâneas, afirmando que algumas Constituições latino-americanas passaram a dispensar um tratamento diferenciado à matéria. “Na América Latina, surgem mostras em nossos dias de nova postura ante a questão clássica da hierarquia normativa dos tratados internacionais vigentes, como revelado pela nova tendência de algumas Constituições latino-americanas recentes...Exemplo dos mais marcantes, nesta nova linha, é fornecido pela [anterior] Constituição do Peru de 1978, cujo artigo 105 determinava que os preceitos contidos nos tratados de direitos humanos têm hierarquia constitucional, e não podem ser modificados senão pelo procedimento para a reforma da própria Constituição. Outro exemplo reside na Constituição da Guatemala de 1985, cujo artigo 46 estabelece que os tratados de direitos humanos ratificados pela Guatemala têm preeminência sobre o direito interno. ... Outra ilustração é dada pela Constituição da Nicarágua, de 1987, pelo disposto em seu artigo 46, integra para fins de proteção, na enumeração constitucional de direitos, os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, nos dois Pactos de Direitos Humanos das Nações Unidas (de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e de Direitos Civis e Políticos), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.” (2003, p. 511)

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que as relações de direito interno e internacional convergem para o mesmo fim, e de

outro lado pela corrente dualista, que defende um sistema de justaposição e

autonomia92 (ANDREIUOLO, 1999, p. 158-159). Sobre o tema, Flávia Piovesan

entende que o Brasil, ao aplicar os sistemas de incorporação automática e de

incorporação legislativa, optou por estabelecer um sistema misto (PIOVESAN, 2006,

p. 86). Todavia, afirma que a doutrina predominante tem entendido que:

“Em face do silêncio constitucional, o Brasil adota a corrente dualista, pela qual há duas ordens jurídicas diversas (a ordem interna e a ordem internacional). Para que o tratado ratificado produza efeitos no ordenamento jurídico interno, faz-se necessária a edição de um ato normativo nacional.”93 (PIOVESAN,2006, p. 86)

Ao dispor sobre a possibilidade de incorporação automática dos direitos

fundamentais decorrentes de Tratado ou Convenção Internacional de direitos

humanos, reconhecendo-lhes o status de norma constitucional, o legislador

constituinte confirmou a teoria de Herbert Hart (1989) que afirma que o sistema

normativo apresenta uma “textura aberta” e por isso caráter incompleto, devido à

constante evolução dos valores históricos da sociedade. Quanto ao caráter aberto

da cláusula constitucional disposta pelo artigo 5º, parágrafo 2º ensina José Afonso

da Silva:

“Levaremos em conta também a circunstância de a

Constituição mesma admitir outros direitos e garantias individuais não enumerados, quando, no p. 2º do artigo 5º, declara que os direitos e garantias previstos neste artigo não excluem outros decorrentes dos princípios e do regime adotado pela Constituição e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Daí, primeiramente, a divisão desses direitos individuais (deixemos as garantias para depois) em dois grupos: direitos individuais expressos e direitos individuais decorrentes do regime.” (SILVA, 2006, p. 194)

92 Entendem os monistas que a ordem jurídica é uma só e por isso deve ser harmônica para a consecução de seus fins, trazendo com isso a questão da prevalência de normas. Já os dualistas, entendem que não há que se falar em prevalência de normas de direito interno e internacional, uma vez que eles constituem sistemas jurídicos distintos. (ANEDREIUOLO, 1999, p. 158-159) 93 A autora critica o sistema de incorporação legislativa dos Tratados e Convenções de direitos humanos no sentido de que, após ser submetido ao rigor do processo de aprovação com status de emenda constitucional, nos termos do artigo 60, parágrafo 2º da CRFB, fica ainda condicionado a um decreto do Presidente da República, que muitas vezes não é imediato. (2006, p. 87)

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Oscar Vilhena Vieira propõe que a posição mais acertada acerca do tema é a

de que os direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela

Constituição Federal ou decorrentes dos tratados em que o Brasil seja parte, gozam

de hierarquia supralegal, porém, infraconstitucional. Assim, quando o legislador

ordinário quiser conferir hierarquia constitucional a direitos expressos em tratados

internacionais de direitos humanos, poderá fazê-lo de forma expressa por meio do

procedimento previsto no parágrafo 3º do artigo 5º da Lei Fundamental. (2006, p. 43)

Assim, delineadas as premissas sobre a normatividade e a incorporação das

Convenções ao direito interno, conclui-se que a abertura deixada pelo legislador

constituinte, no parágrafo 2º da Constituição Federal, ao regime de direito decorrente

dos princípios por ela adotados, permite a incorporação automática das disposições

contidas nas Convenções da OIT então ratificadas. Isto se explica pelo fato de que

esse dispositivo reconhece a existência de direitos fundamentais implícitos, isto é,

não enunciados expressamente no texto constitucional, e, não há outro

entendimento que não o de que devem ser automaticamente incorporados ao

ordenamento jurídico nacional normas que objetivem proteger e garantir a dignidade

do grupo vulnerável composto pelas crianças e pelos adolescentes, no bojo de um

Tratado ou Convenção internacional. Citam-se como exemplo para a aplicação

automática os dispositivos que expressam os direitos das crianças e adolescentes

dispostos pela Convenção Americana de Direitos Humanos94 (Pacto de San José da

Costa Rica) e pela Convenção dos Direitos da Criança da ONU.

2.3.1. Instrumentos normativos da Organização Internacional do Trabalho

Os instrumentos normativos da OIT demonstram que a comunidade

internacional atribuiu grande importância à questão do emprego do trabalho das

94 O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos apresenta instrumentos normativos de caráter regional, tendo sido pioneiro no que diz respeito à normatização em nível multilateral de preceitos que reconhecem e protegem os direitos fundamentais do homem. Nesse sentido, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), através do Protocolo Adicional de San Salvador, dispõe no artigo 7º sobre: “f) Proibição de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, de todo trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral. Quando se tratar de menores de 16 anos, a jornada de trabalho deverá subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum caso, poderá constituir impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiar-se da instrução recebida.” (Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Base3htm. Acesso em junho/2006.)

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crianças e dos adolescentes ao redor do mundo, conforme pesquisa das

convenções e recomendações editadas pelo organismo. Constata-se que, mediante

o panorama das relações econômicas desencadeadas pelo movimento tecnológico

iniciado no âmbito da Revolução Industrial, a introdução do grupo vulnerável ao

mercado de trabalho revelou-se inevitável. Com isso, as primeiras formas

encontradas para reduzir as conseqüências do precoce emprego dessa força de

trabalho, foram o estabelecimento de uma idade mínima e o reconhecimento do

direito à profissionalização.

Dessa forma, foram editados os seguintes instrumentos normativos:

Convenção n. 05 de 1919, sobre a idade mínima para o trabalho nas indústrias;

Convenção n. 07, de 1920, sobre a idade mínima para o trabalho marítimo;

Convenção n. 10, de 1921, sobre a idade mínima para o trabalho agrícola;

Convenção n. 15, sobre a idade mínima para o trabalho como paioleiro e foguista da

marinha mercante; Convenção n. 33, de 1932, sobre a idade mínima para o trabalho

não industrial; Convenção n. 58, de 1936, para revisar a Convenção n. 07;

Convenção n. 59, de 1937, para revisar a Convenção n. 05; Convenção n. 60, de

1937, para revisar a Convenção n. 33; Convenção n. 112, de 1959, sobre a idade

mínima para o trabalho como pescador e a Convenção n. 123, de 1965, sobre a

idade mínima para o trabalho em subterrâneos.95 (SÜSSEKIND, 1999, p. 266)

Quanto ao reconhecimento do direito e da importância da educação

profissional como forma de qualificação da mão-de-obra do grupo, tem-se as

seguintes Recomendações: n. 5, de 1921, que cuida do ensino técnico agrícola, n.

56, de 1937, sobre o ensino técnico em edificações, n. 57, de 1939, que trata da

distinção entre a formação profissional, o ensino técnico e a aprendizagem, n. 60, de

1939, que cuida da aprendizagem e seus princípios, n. 117, de 1962, sobre a

formação profissional e a de n. 87, de 1949, que trata da importância da orientação

profissional, a preocupação com a formação educacional e profissional do

adolescente com o objetivo de capacitá-lo a ocupar empregos que exijam mão-de-

obra qualificada. (Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/spanish. Acesso em

maio/2006)

Em 1973, a conferência geral dos países-membros da OIT elaborou a

Convenção n. 138, que unificou a idade mínima para a iniciação ao trabalho a ser

95 Destas Convenções, o Brasil ratificou apenas a de n. 05 e n. 58.

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realizado pelo adolescente, no intuito de que progressivamente cada país-membro

elevasse a idade mínima para tal. O objetivo principal desse instrumento era o de

que, mediante a elevação da idade mínima, cada Estado-membro criasse

mecanismos para a promoção do desenvolvimento socio-educativo de sua

comunidade infanto-juvenil, retardando o emprego de sua mão-de-obra.96

(Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/info/downlowd/conv_138.pdf. Acesso em

abril/2006)

Dessa forma, elevou-se para quinze anos a idade mínima para a iniciação ao

trabalho, prevendo-se exceção (art. 2, item 4) para os países que apresentarem

economia e meios de educação insuficientemente desenvolvidos, podendo estes

fixar a idade mínima de quatorze anos, após consulta prévia às organizações de

empregadores e de trabalhadores. (Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br.

Acesso em abril/2006)

O Brasil, através da Emenda Constitucional n. 20 de 1998, alterou a previsão

contida no artigo 7º., inciso XXXIII, que estabelecera a idade mínima de quatorze

anos para admissão do adolescente no mercado de trabalho, elevando-a para

dezesseis anos, entrando em conformidade com os ditames da Convenção n. 138.97

Em concomitância à mencionada Convenção, a OIT editou a Recomendação

n. 146, com o escopo de melhor traçar os objetivos almejados pela organização,

apontando diretrizes a serem seguidas pelos países-membros para o efetivo

combate à exploração da força de trabalho da criança e do adolescente. Objetiva-se

com a edição dessa Recomendação inspirar os Estados-membros a implantarem

políticas públicas que busquem atenuar a pobreza onde ela exista, mediante

medidas de seguridade social para que dessa forma se torne desnecessário o

recurso à mão-de-obra infanto-juvenil, demonstrando que a elevação da idade

mínima é apenas um aspecto da proteção e do progresso dos mesmos. (Disponível

em: http://www.oitbrasil.org.br. Acesso em abril/2006)

96 O Brasil ratificou a Convenção n. 138 somente em 1999, por meio do Decreto legislativo n. 179 de 14/12/99. 97 Assim como o Brasil, a Espanha também estabelece a idade mínima de dezesseis anos para a admissão do adolescente em emprego: “Los Estados nacionales comunitarios mejoran la legislación de la unión Europea em

cuanto a la edad mínima para trabajar. En el caso español, como limite absoluto, ‘se prohibe la admisión al

trabajo de los menores de 16 años’(artículo 6.1 del Estatuto del Trabajadores), y, como límite relativo, se

regula ‘los trabajadores menores de 18 años no podrán realizar trabajos nocturnos ni aquellas actividades o

puestos de trabajo que el Gobierno, a propuesta del ministerio de Trabajo y Asuntos Sociales, previa consulta

con las organizaciones sindicales más representativas, declare insalubres, penosos, tóxicos o peligrosos, tato

para su salud como para su formación profesional y humana (art. 6.2 del E.T), prohibiéndose también la

realización de horas extraordinárias (art. 6.3 del E.T)” (ALBA, 2004, p. 113)

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Em 1999, a OIT editou a Convenção n. 182 e a Recomendação n. 190, no

intuito de estabelecer metas direcionadas ao combate das consideradas piores

formas de trabalho infantil. Essa atitude brotou da necessidade de se especificar as

espécies de trabalho consideradas repugnantes e inaceitáveis de serem praticados

pela comunidade, propondo a promoção de políticas públicas no sentido de criar

metas de combate com a união das instituições públicas e privadas. O seu conteúdo

será abordado de modo mais amplo no próximo capítulo, que cuidará das formas de

trabalho proibidas ao adolescente.

2.4. A Convenção Interamericana e as formas de trabalho proibidas aos adolescentes

Os instrumentos normativos de caráter internacional mencionados até aqui,

como as Convenções da Organização Internacional do Trabalho e da Organização

das Nações Unidas, demonstram a existência de um sistema global98 de proteção

dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes, tendo em vista que foram

elaborados com caráter de normas universais mediante a participação de Estados

de vários continentes. Ao lado deste existem sistemas regionais, como o europeu, o

africano e o interamericano, que objetivam da mesma forma tutelar os direitos

humanos, em âmbito regional.

O sistema interamericano99 iniciou-se com a proclamação da Declaração de

Direitos e Deveres do Homem no ano de 1948 e tomou impulso quando positivou os

princípios nela reconhecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos100

(também denominada Pacto de San José da Costa Rica) assinada em 1969, que,

além de assegurar um amplo catálogo de direitos, instituiu a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como também a Corte Interamericana

98 “Consolida-se, assim, a convivência do sistema global – integrado pelos instrumentos das Nações Unidas, como a Declaração Universal de Direitos Humanos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e culturais e as demais Convenções internacionais – com instrumentos do sistema regional de proteção, integrado por sua vez pelo sistema interamericano, europeu e africano de proteção aos direitos humanos.” (PIOVESAN, 2006, p. 222) 99 Importante ressaltar que o sistema interamericano consiste em dois regimes: um baseado na Convenção Americana e o outro baseado na Carta da Organização dos Estados Americanos. 100 O artigo 26 da Convenção Americana expressa que os Estados-partes devem comprometer-se na plena realização dos direitos enunciados pela mesma de maneira ampla, objetivando alcançá-los progressivamente, mediante a adoção de medidas legislativas e outras que se mostrem apropriadas.

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de Direitos Humanos.101 (Disponível em:

http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-32.html. Acesso em junho/2006)

Todavia, este instrumento passou a vigorar somente a partir de 1978, quando o

número mínimo de Estados-membros da OEA o aderiu. Afirma Nádia Araújo que por

esta razão, a Corte só foi instalada no ano seguinte, e, atualmente conta com a

participação de vinte e cinco países, dentre eles o Brasil. (ARAUJO, 2005, p. 229)

Afirma Gabriel Pithan Daudt que:

“A regionalização dos órgãos de proteção dos direitos

humanos tem-se mostrado muito positiva para a

implementação de instrumentos com maior poder, como é o

caso dos órgãos judiciais. A participação de um número mais

limitado de países, com realidades culturais e políticas

semelhantes, faz com que exista uma menor resistência à

cedência de espaços da soberania estatal em favor de um

sistema de proteção dos direitos humanos.” (DAUDT, p. 124,

2006)

Tanto a CIDH quanto a Corte Interamericana têm competência para conhecer

os assuntos relacionados ao cumprimento dos compromissos assumidos pelos

Estados partes da Convenção Americana, conforme preceitua o artigo 33 da

mesma. Depreende-se que a diferença entre a atuação dos dois organismos reside

nos meios utilizados na busca do fim comum: a proteção dos direitos humanos na

América. Tem-se com isso, que a CIDH atuará administrativamente102 na promoção

101 José Augusto Lindgren Alves aponta a importância da existência de instituições judiciais de caráter regional com jurisdições supranacionais para os direitos humanos, levando em conta a possibilidade de maior adequação dos julgados às identidades culturais e institucionais de cada Nação partícipe. (2003, p. 33) 102 A CIDH tem por objetivo promover a observância e a proteção dos direitos humanos na América, apresentando funções administrativas conforme depreende-se da leitura dos artigos integrantes do capítulo VII da Convenção, tais como realizar recomendações aos Estados-membros prevendo a adoção de medidas adequadas à proteção desses direitos, preparar estudos e relatórios sobre o tema, solicitar aos Estados informações acerca das medidas adotadas para a consecução dos preceitos contidos na Convenção, dentre outras. “Integrada desde o início por sete membros, eleitos pela Assembléia Geral da OEA, a título pessoal, que se reúnem regularmente três vezes ao ano, a CIDH tem, atualmente, funções extremamente abrangentes, definidas em seu Estatuto, conforme se trate de países partes ou não da Convenção Americana de Direitos Humanos – ‘Pacto de São José’. Quase todas as funções são comuns para ambas as categorias: a realização de estudos e relatórios, a avaliação das legislações nacionais e, até, a realização de missões in loco com a anuência do governo respectivo....Na prática, a diferença essencial reside apenas nas referências de seu trabalho: para os Estados-partes do ‘Pacto de São José’, este constitui a base jurídica; para os demais membros da OEA, a base jurídica é o Protocolo de Buenos Aires, e os direitos a serem protegidos, aqueles definidos na Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem, de 1948.” (ALVES, 2003, p. 79)

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de medidas preventivas de violação desses direitos, enquanto a Corte

Interamericana se ocupará de cuidar das questões de âmbito judicial.

Dessa forma, a Corte Interamericana se apresenta como o órgão jurisdicional

do sistema regional, sendo composta por sete juízes nacionais dos Estados-

membros da OEA, eleitos a título pessoal apenas pelos Estados-partes da

Convenção, na forma do artigo 52 da respectiva Convenção, gozando de

competência consultiva e contenciosa. No exercício de sua função consultiva, a

Corte promove a interpretação das disposições da Convenção Americana, bem

como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos humanos

pactuados em âmbito regional.103 Quanto à função contenciosa, infere-se que esta

apresenta competência para o julgamento de casos nos quais seja constatada a

violação dos direitos humanos à luz da normativa regional, sendo sua jurisdição,

todavia, condicionada ao reconhecimento expresso pelo Estado-membro envolvido.

(Disponível em: http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-32.html. Acesso em

junho/2006)

“A Convenção Americana investe a Corte Interamericana em duas atribuições distintas. Uma envolve o poder de adjudicar disputas relativas à denúncia de que um Estado-parte violou a Convenção. Ao realizar tal atribuição, a Corte exerce a chamada jurisdição contenciosa. A outra atribuição da Corte é a de interpretar a Convenção Americana e determinados tratados de direitos humanos, em procedimentos que não envolvem a adjudicação para fins específicos. Esta é a jurisdição consultiva da Corte Interamericana.” (BUERGENTHAL apud PIOVESAN, 2006, p. 238)

O Brasil reconheceu a jurisdição da Corte Interamericana por meio do Decreto

Legislativo n. 89/1998, e por esse motivo, esclarece Nadia de Araújo (2005), a sua

atuação se apresenta como um tema novo para os tribunais brasileiros, sendo

imperioso, portanto, o respeito às suas opiniões consultivas e decisões contenciosas

no momento em que se objetivar a aplicação dos preceitos da Convenção no

ordenamento jurídico nacional. (2005, p. 229) Considerando-se esse

reconhecimento expresso e levando-se em conta o artigo 68 da Convenção

103 Expressa o artigo 64 que tanto os Estados-membros da Convenção Americana quanto os demais Estados pertencentes a OEA gozam de legitimidade para requerer a opinião consultiva da Corte sobre determinado dispositivo da respectiva Convenção. Mesmo os Estados que ainda não tenham reconhecido a sua jurisdição poderão aproveitar o conteúdo de suas decisões consultivas na aplicação das normas de direitos humanos.

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Americana, que dispõe que os seus Estados-membros deverão se comprometer a

cumprir a decisão da Corte em todos os casos em que forem partes, chega-se à

conclusão de que existe um amplo sistema de proteção dos direitos humanos, que

conta com instrumentos jurídicos nacionais e internacionais, que em conjunto

aprimoram o grau de proteção no âmbito do direito interno.

Quanto à questão do trabalho infantil e adolescente, constata-se a existência

de dispositivo no Protocolo Adicional à Convenção Americana (Protocolo de San

Salvador), que em seu sétimo artigo, alínea “f”, trata da proibição de trabalho

noturno, perigoso, insalubre e demais formas que possam implicar risco de danos à

saúde, segurança e moral aos menores de dezoito anos. Expressa o mesmo artigo

que, quando se tratar de menores de dezesseis anos, a atividade laboral somente

será permitida se for parte integrante da grade curricular do sistema de ensino, não

podendo em nenhuma hipótese constituir óbice para sua formação educacional.104

(Disponível em: http://www.cidh.org/Basicos/Basicos4.htm. Acesso em junho/2006)

2.5. Conclusões parciais

O reconhecimento dos direitos fundamentais do homem foi o ponto de partida

para a posterior proclamação e normatização dos direitos inerentes às crianças e

aos adolescentes através da Declaração e da Convenção dos Direitos da Criança

(ambas editadas pela ONU), dando ensejo à doutrina da proteção integral, a qual

atribui prioridade absoluta à promoção dos direitos reconhecidos à comunidade. A

incorporação da referida doutrina pelo texto constitucional demonstra a irradiação

dos valores históricos da comunidade internacional no plano do direito interno, que a

elevou à categoria de princípio constitucional.

Como princípio jurídico, o princípio da proteção integral revela sua

importância como norma e auxiliar interpretativo no caso concreto, na media em que

não padece de rigidez e não é aliado à categoria da vigência, como ocorre com as

regras. Um dos fundamentos do Estado brasileiro é o princípio da dignidade

humana, e a positivação do princípio da proteção integral é seu desdobramento.

104 Esse dispositivo é reforçado pelo conteúdo do artigo 19 do Pacto de San José da Costa Rica, que reconhece o dever da família, da sociedade e do Estado de proteger os direitos reconhecidos às crianças e aos adolescentes.

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Exatamente por serem compreendidas como pessoas em fase de

amadurecimento biológico, psíquico e social é que, a Organização Internacional do

Trabalho goza de amplo conteúdo normativo direcionado à tutela das crianças e dos

adolescentes no que diz respeito ao emprego de sua mão-de-obra no mercado de

trabalho, dispondo de instrumentos como Convenções e Recomendações, que

cuidam de estabelecer em âmbito internacional normas sobre idade mínima para o

ingresso, condições para a permissão da utilização do trabalho adolescente, formas

proibidas, direito à educação profissional, dentre outros. Nesse diapasão, o sistema

regional que objetiva tutelar os direitos humanos no âmbito dos países americanos,

dispõe sobre as formas de trabalho proibidas aos adolescentes através da

Convenção Americana de Direitos Humanos, demonstrando a comunhão de valores

universais acerca do reconhecimento do grupo como vulnerável.

Adiante serão examinados alguns mecanismos de proteção e defesa do

direito fundamental da criança e do adolescente de não trabalhar antes de completar

a idade mínima para admissão, como também nas formas consideradas nocivas à

sua formação, previstas pela Lei Magna, pelas convenções internacionais e seguida

pela legislação infraconstitucional.

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3 - Regulação proibitória: vedações normativas ao trabalho da criança e do adolescente no Direito brasileiro

É direito fundamental das crianças e dos adolescentes não trabalhar antes

dos dezesseis anos – ressalvada a hipótese de ensino técnico-profissional, que

envolve a aprendizagem curricular – e também não serem submetidas a atividades

laborais nocivas à sua formação, como as exercidas no período noturno, em locais

considerados de risco à sua integridade moral, e as consideradas penosas,

insalubres ou perigosas.

As normas internacionais, assim como as nacionais, reprimem o trabalho

infantil. A pobreza e a falta de escolaridade, aliados à questão cultural peculiar ao

Brasil, são os grandes inimigos da criança e do adolescente. No entanto, a

construção de um sistema de garantias fundamentado no princípio da proteção

integral, tem contribuído para a reversão desse quadro.

3.1. Da terminologia

A expressão “menor” tem sido empregada inadequadamente pelo legislador

pátrio e por alguns juristas quando pretendem designar a pessoa que ainda não

atingiu a idade adulta, pois, embora a Consolidação das Leis do Trabalho adote

essa terminologia, a Constituição de 1988, instituiu no ordenamento jurídico o uso

dos termos “criança” e “adolescente”. O Estatuto da Criança e do Adolescente adota

a mesma linguagem, definindo como criança a pessoa até doze anos incompletos, e

adolescente a pessoa entre doze e dezoito anos de idade.

Tendo em vista que o emprego da força de trabalho da criança é

terminantemente proibido, a regulação dos trabalhos permitidos e proibidos abrange

somente os adolescentes, respeitando-se, evidentemente, a idade mínima

positivada. Não há, portanto, que se utilizar o termo “trabalho do menor”, mas, sim,

“trabalho do adolescente”. Segundo Tárcio José Vidotti, o termo “menor”, ainda

adotado pelos juristas pátrios surgiu no Brasil no século XIX, quando um grande

número de crianças pobres ocupava as ruas paulistanas devido à crise

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socioeconômica vivenciada na época, terminando por sacramentar a associação das

crianças pobres à criminalidade (2005, p. 150). José Ricardo Cunha nesse cotejo

afirma que o atendimento à criança e ao adolescente, desde o fim do século XIX e

início do século XX, foi estigmatizado pelo “viés jurídico-penal, provocando graves

seqüelas até os dias de hoje, quando o senso comum confunde ‘menor’ com

trombadinha”. E nesse sentido, aponta o Código Criminal de 1830, como primeira

fonte legal que adotou tal expressão, nos dispositivos que pretendiam tutelar a

criança e o adolescente, vítimas de algum tipo de delito penal ou agente ativo deste.

(CUNHA, 1998, p. 97)

João Ricardo Dornelles, no entanto, aponta outra fonte:

“A origem do termo menor surgiu no Brasil no contexto da Medicina Legal, penetrando a doutrina jurídica e os textos legais, como o Código Civil de 1916, definindo-os como incapazes juridicamente para a vida civil.

A partir desse conceito jurídico sobre esse tipo especial de criança e adolescente se criou uma generalização para o uso do termo menor, caracterizando-o como alguém que não alcançou a maioridade civil (menor púbere e menor impúbere), e a responsabilidade penal.” (DORNELLES, 1992, p. 119-120)

Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro observa que:

“... muitas vezes, a palavra ‘menor’ é utilizada com intuito depreciativo, como sinônimo de infratores e delinqüentes. Sob essa óptica distorcida e preconceituosa, as expressões ‘criança’ e ‘adolescente’ apareceriam para designar os filhos das classes mais abastadas e ‘menores’ para designar os filhos das camadas pobres e, por isso, tendentes à marginalidade.” (MINHARRO, 2003, p. 29-30)

Alice Monteiro de Barros (2005) explica que atualmente a maioridade civil

disposta pelo artigo 5º do Código Civil de 2002 coincide com a maioridade

trabalhista, que é atingida quando o trabalhador completa dezoito anos.

Ressalvando-se, todavia, a exceção do instituto da emancipação, que dispõe sobre

as formas da cessação da incapacidade dos menores de dezoito anos105.

105 Nos termos dos incisos do artigo 5º do Código Civil de 2002, a incapacidade do menor de dezoito anos cessará: “I – pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tivesse dezesseis anos completos; II – pelo casamento; III – pelo exercício de emprego público efetivo;

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“Considera-se menor, à luz do art. 402 da CLT, o

trabalhador de 14 até 18 anos. Fica esclarecido, entretanto, que é proibido qualquer trabalho ao menor de 16, salvo se aprendiz e, ainda assim, desde que já tenha completado 14 anos (nova redação dada ao art. 403 da CLT pela Lei n. 10.097 de 19 de dezembro de 2000). Logo, no Direito do Trabalho, são absolutamente incapazes os menores de 16 anos, exceção feita ao aprendiz. Já os relativamente incapazes são os maiores de 14 anos (art. 1º. Emenda Constitucional n. 20). O menor de 14 anos será sempre absolutamente incapaz. (BARROS, 2005, p. 525)

De outro lado, João de Lima Teixeira Filho (1997) ensina que não se deve

confundir capacidade jurídica com os requisitos administrativos para o exercício de

uma atividade profissional, e ainda acrescenta:

“A inobservância das prescrições regulamentares não invalida o ato jurídico, sujeitando apenas, aquele que as infringe às sanções estabelecidas, de ordem penal ou administrativa. Se o ato, entretanto, for realizado no pressuposto da existência da ‘habilitação profissional’ do empregado, na realidade inexistente, a manifestação de vontade por parte do empregador, no caso, terá resultado de erro substancial, por dizer respeito à qualidade da pessoa a quem se referia (art. 88 do Código Civil). No direito comum, o contrato seria anulável, dependendo a anulação da propositura de ação judicial (art. 152 do Código Civil).” (TEIXEIRA FILHO, 1997, p. 252)

Apesar da modificação terminológica e conceitual apontadas, é possível

encontrar na doutrina autores que fazem uso da expressão “menor”. Mesmo porque,

o próprio Código Civil de 2002, ao tratar do instituto da adoção, no Livro IV,

especificamente no artigo 1.624106, se refere à criança e ao adolescente “cujos pais

sejam desconhecidos, estejam desaparecidos ou tenham sido destituídos do poder

familiar”, como “infante exposto”, resgatando a antiga expressão empregada pelas

Ordenações Filipinas, no bojo do século XVIII (Andréa Rodrigues Amin, 2006, p. 6)

IV – pela colação de grau em curso de ensino superior; V – pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.” 106 “Art. 1.624. Não há necessidade do consentimento do representante legal do menor, se provado que se trata de infante exposto, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos, estejam desaparecidos, ou tenham sido destituídos do poder familiar, sem nomeação de tutor; ou de órfão não reclamado por qualquer parente, por mais de um ano.”

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para rotular as crianças órfãs e pobres abandonadas nas ruas, nas portas das

igrejas ou dos conventos.

No entanto, no presente trabalho serão utilizados os termos “criança” e

“adolescente”, que consideramos a forma mais adequada para designar as fases de

desenvolvimento a que a lei visa tutelar, e que estão e plena consonância com a Lei

Fundamental e o ECA.

Enquanto não se atinge a meta da abolição do trabalho infantil e adolescente,

é importante destacar os riscos inerentes a determinadas atividades laborais e sua

proibição.

3.2. Do trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso

Pelo ordenamento jurídico em vigor, existem três instrumentos normativos

que estabelecem as atividades consideradas nocivas à formação biopsicossocial do

adolescente, a saber: a Constituição Federal, a Consolidação das Leis do Trabalho

(CLT) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Essas normas vedam expressamente o emprego de adolescentes em

trabalho noturno, perigoso, insalubre e penoso, sendo de suma importância a

compreensão conceitual de cada um desses tipos. A preocupação do legislador

constituinte para com a comunidade adolescente foi tanta que os trabalhos

considerados inadequados ao grupo lograram patamar de norma constitucional,

sendo prevista a proibição dos mesmos no artigo 7º, inciso XXXIII, que determina tal

limitação aos menores de dezoito anos.

A legislação infraconstitucional – CLT e ECA – também dispõe sobre a

vedação, a primeira nos artigos 404 e 405, inciso I e a segunda, no artigo 67, incisos

I e II, in verbis:

“Art. 404. Ao menor de 18 anos é vedado o trabalho

noturno, considerando este o que for executado no período compreendido entre as 22 e às 5 horas.

Art. 405. Ao menor não será permitido o trabalho: I – nos locais e serviços perigosos ou insalubres,

constantes de quadro para esse fim aprovado pela Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho;” (CLT)

“Art. 67. Ao adolescente empregado, aprendiz, em regime familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido

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em entidade governamental ou não-governamental, é vedado trabalho:

I – noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte;

II – perigoso, insalubre ou penoso;” (ECA)

Traçadas de maneira geral tais proibições, partir-se-á agora para o exame de

cada uma em separado, para a melhor compreensão e diferenciação.

3.2.1. Trabalho noturno

Conforme a própria lei define nos termos do artigo 73, p. 2º da Consolidação

das Leis do Trabalho compreende-se por trabalho urbano noturno aquele realizado

no período entre vinte e duas horas de um dia e cinco horas do dia seguinte, tendo o

trabalhador direito ao recebimento do adicional de 20% sobre a hora normal. O

trabalho rural noturno, todavia, é regulado por outra regra, a Lei n. 5.889/1973, que,

no artigo 7º, estabelece que considera-se noturno o trabalho executado entre as

vinte e uma horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte, na lavoura, e entre as

vinte horas de um dia e as quatro horas do dia seguinte, na pecuária. Nessa

hipótese, o adicional noturno é de 25% sobre a hora normal.

A Convenção n. 171 da OIT, incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro

pelo Decreto n. 5.005, de 8 de março de 2004, conceitua o trabalho noturno como

aquele realizado durante um período de pelo menos sete horas consecutivas, que

abranja o intervalo compreendido entre meia-noite e cinco da manhã, e reconhece

como trabalhador noturno “todo trabalhador assalariado cujo trabalho exija horas de

trabalho noturno em número substancial.” Contudo, exclui de sua esfera de

aplicação os trabalhadores rurais, conforme reza o artigo 2º (Art. 1º Decreto n.

5.005/2004).

A proibição desse tipo de trabalho ao adolescente se justifica sob o

argumento de que o trabalho executado nesse período é mais estafante do que

aquele realizado no período diurno, tendo em vista que o corpo e o sistema nervoso

trabalham no período em que estão preparados para dormir, exigindo um esforço

adicional. Além do fato de que o horário de repouso acontece durante o período em

que o corpo e o sistema nervoso se preparam para ativar, contrastando também

com o meio ambiente em plena atividade. Alice Monteiro de Barros aponta os danos

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ocasionados pelo trabalho noturno à saúde de um trabalhador adulto. Conclui-se

mediante leitura de sua afirmativa que, este tipo de trabalho de forma alguma poderá

ser exercido por alguém em fase de desenvolvimento, como o adolescente:

“Especialistas em ergonomia concluíram que ele ocasiona maior fadiga do que aquele realizado durante o dia, pois há uma maior fadiga do que aquele realizado durante o dia, pois há uma coincidência entre a ativação biológica e o horário de trabalho e entre a desativação cerebral e o sono. Logo, quem trabalha em estado de desativação noturna desenvolve esforço maior para a execução do mesmo trabalho. Além disso, o sono em estado de ativação cerebral é menos reparador.” (BARROS, 2005, p. 647)

Ante tais considerações, surge a questão da omissão do ECA quanto a

vedação do trabalho noturno também ao adolescente trabalhador rural, uma vez

que, ao pretender mencionar nominalmente as formas de trabalho não permitidas ao

adolescente e protegidas pela norma do artigo 67 mencionado no tópico 3.2., não o

incluiu nesse rol, deixando a dúvida quanto a sua abrangência. Por outro lado, o

artigo 8º da Lei n. 5.889 de 1973, que regula as relações de trabalho rural, dispõe

ser proibido o emprego de menor de dezoito anos em trabalho noturno, que nessa

esfera de abrangência tem período de duração maior do que aquela prevista pela

CLT para o trabalhador urbano, iniciando-se às vinte e uma horas e terminando às

cinco da manhã do dia seguinte.

Surge diante de tais previsões legais o questionamento sobre qual das

normas deverá ser aplicada na hipótese de trabalho exercido por adolescente no

âmbito rural, para compreender-se a partir de que horário este será considerado

noturno e, portanto, impróprio ao mesmo.

Constata-se, preliminarmente que é excluída da hipótese a aplicação do

princípio da especialidade,107 uma vez que tanto o ECA quanto a Lei do Trabalhador

Rural são normas gerais, pois não tratam exclusivamente da proteção do trabalho do

adolescente. Contudo, recorre-se a outro princípio para a solução do tema, que é o

princípio da norma mais favorável, dado o caráter tutelar do Direito do Trabalho e a

condição do adolescente de receber tratamento prioritário de acordo com os seus

107 O princípio da especialidade é aplicado como forma de solução de conflito aparente de normas, que surge quando duas ou mais normas aparentemente dispõem sobre determinada matéria. Nessa hipótese, analisam-se os elementos contidos em cada qual e aquela que se apresentar mais detalhada, com requisitos especiais em relação as demais normas deve ser interpretada no contexto para se chegar a conclusão de qual norma é mais específica para ser aplicada.

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direitos fundamentais. Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999) ensina que a aplicação

de tal princípio é condicionada à existência de pluralidade de normas jurídicas

válidas que se apresentem concorrentes ao caso concreto, e exatamente por esse

fato, verifica-se a colisão entre elas, sendo que nesse contexto o intérprete deverá

verificar qual das normas é a mais favorável ao trabalhador. O autor ressalta que

dois dispositivos da CLT fundamentam a aplicação do princípio em comento: o artigo

444 e o artigo 620. O primeiro faculta a livre estipulação das partes na celebração do

contrato de trabalho, no que não desrespeite as normas de proteção ao labor, aos

contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades

competentes. O segundo estabelece que as condições mais favoráveis estipuladas

no bojo de uma convenção coletiva prevalecerão sobre as estipuladas em acordo.

(SILVA, 1999, p. 67)

Assim, a partir do momento em que se afirma que o trabalho noturno é de um

tipo que demanda sacrifícios e conseqüências biológicas, psíquicas e até mesmo

sociais para qualquer ser humano, conclui-se que o adolescente protegido

prioritariamente pela legislação não poderá exercer qualquer atividade durante esse

período. No entanto, há de se aplicar a ele a norma mais favorável.

Se o ECA considera noturno o trabalho praticado a partir das vinte e duas

horas de um dia as cinco do dia seguinte, e a Lei n. 5.889/1973 considera noturno o

trabalho iniciado às vinte e uma horas de um dia e findo às cinco do dia seguinte,

verifica-se que a segunda lei é mais benéfica ao adolescente do que a primeira, por

abranger maior período de horas. Por isso, quanto à proibição do emprego do

adolescente trabalhador rural no período noturno, a norma mais adequada a ser

aplicada é a Lei n. 5.889/1973, e não a disposta pelo ECA (quanto ao que este

considera período noturno) pois se apresenta mais benéfica.

3.2.2. Trabalho perigoso e insalubre

À luz da legislação brasileira, consideram-se atividades perigosas aquelas

que por sua natureza ou método de trabalho impliquem contato permanente com

substâncias inflamáveis, explosivos e com eletricidade, em condições de risco

acentuado, na forma preceituada pelo artigo 193 da CLT.

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Por insalubres, compreendem-se as operações que, por sua natureza,

exponham o trabalhador a agentes nocivos à sua saúde, acima dos limites de

tolerância, em razão do tempo de exposição aos seus efeitos, conforme depreende-

se da leitura do artigo 189 consolidado.

A partir dessas definições conclui-se que a diferença entre as conseqüências

acarretadas entre as duas condições de trabalho reside no dano possível de ser

acarretado: a periculosidade relaciona-se com o risco que a atividade exercida

oferece, já a insalubridade incide no efeito cumulativo pelo decorrer do tempo de

contato com agentes nocivos.

A Organização Internacional do Trabalho editou a Recomendação n. 190 no

ano de 1999, como complemento do teor normativo da Convenção n. 182, que tem

por finalidade promover a erradicação das piores formas de trabalho infantil,

inovando ao estabelecer metas para impedir e retirar as crianças e adolescentes

dessa situação no âmbito dos Estados-membros. Quanto ao trabalho considerado

perigoso, inova ao estabelecer critérios para a sua identificação, a saber:

“a) os trabalhos em que a criança ficar exposta a abusos de ordem física, psicológica ou sexual;

b) os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em alturas perigosas ou em locais confinados;

c) os trabalhos que se realizem com máquinas, equipamentos e ferramentas perigosas, ou que impliquem a manipulação ou transporte manual de cargas pesadas;

d) os trabalhos realizados em um meio insalubre, no qual as crianças estiverem expostas, por exemplo, a substâncias, agentes ou processos perigosos ou a temperaturas, níveis de ruído ou de vibrações prejudiciais à saúde,

e) os trabalhos que sejam executados em condições especialmente difíceis, como os horários prolongados ou noturnos, ou trabalhos que retenham injustificadamente a criança em locais do empregador.” (Art. 3º Recomendação OIT 190)

No plano doméstico, a Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho,

órgão do Ministério do Trabalho e Emprego, é o ente responsável pela definição do

que se compreende por condição perigosa ou insalubre de trabalho, em

conformidade com o inciso I, do artigo 405 da CLT. Atualmente, tal regulamentação

é fornecida pela Portaria n. 20, de 13 de setembro de 2001, instituída pela Secretaria

de Inspeção do Trabalho, que no parágrafo 1º do artigo 1º expressa o seguinte: “A

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classificação dos locais ou serviços perigosos ou insalubres decorre do princípio da

proteção integral à criança e ao adolescente, não sendo extensiva aos trabalhadores

maiores de 18 anos.”108 Assim, a Secretaria de Inspeção do Trabalho disponibiliza

uma relação anexa que indica as atividades consideradas insalubres e perigosas

para os adolescentes, tratando-se, portanto, de instrumento direcionado à

comunidade.

Contudo, a Portaria n. 4 de 21 de março de 2002, da mesma Secretaria,

acrescentou à redação do artigo 1º da Portaria n. 20 (que dispunha somente sobre a

proibição da prática de atividades perigosas e insalubres aos menores de dezoito

anos) dois parágrafos, que expressam que a proibição do caput poderá ser elidida

por um parecer técnico circunstanciado, elaborado por profissional especialista em

segurança do trabalho, que ateste “a não exposição a riscos que possam

comprometer a saúde e a segurança dos adolescentes”, que deverá ser depositado

na unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego, referente à

circunscrição onde ocorrerem as atividades; e que, na hipótese de controvérsias

acerca do parecer, estas serão apreciadas por um Auditor Fiscal do Trabalho.

Nota-se, por fim, que em relação às condições de trabalho perigosas e

insalubres o intérprete deverá recorrer ao princípio da proteção integral para analisar

o caso concreto conforme a própria Portaria expressa, pois tais atividades são

diferentes daquelas consideradas perigosas e insalubres para os trabalhadores

adultos.

3.2.3. Trabalho penoso 108 Eis alguns dos serviços e locais considerados perigosos ou insalubres pelo anexo I da Portaria 20/01: “1. trabalhos de afiação de ferramentas e instrumentos metálicos em afiadora, rebolo ou esmeril, sem proteção coletiva contra partículas volantes; 2. trabalhos de direção de veículos automotores e direção, operação, manutenção e limpeza de máquinas ou equipamentos, quando motorizados e em movimento, a saber: tratores e máquinas agrícolas, máquinas de laminação, forja e de corte de metais, máquinas de padaria como misturadores e cilindros de massa, máquinas de fatiar, máquinas em trabalhos com madeira, serras circulares, serras de fita e guilhotinas, esmeris, moinhos, cortadores e misturadores, equipamentos em fábricas de papel, guindastes ou outros similares, sendo permitido o trabalho em veículos, máquinas ou equipamentos parados, quando possuírem sistema que impeça o seu acionamento acidental; 3. trabalhos na construção civil ou pesada; 4. trabalhos em cantarias ou no preparo de cascalho; 5. trabalhos na lixa, nas fábricas de chapéu ou de feltro; 6. trabalhos de jateamento em geral, exceto em processos enclausurados; 7. trabalhos na douração, prateação, niquelação, galvanoplastia, anodização de alumínio, banhos metálicos ou com desprendimento de fumos metálicos; 8. trabalhos na operação industrial de reciclagem de papel, plástico ou metal; 9. trabalhos no preparo de plumas ou crinas; 10. trabalhos com utilização de instrumentos ou ferramentas de uso industrial ou agrícola com riscos de perfurações e cortes, sem proteção capaz de controlar o risco”. (Disponível em: http://www.mte.org.br/Empregador Acesso em abril/2006 )

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A figura do trabalho “penoso”109 foi introduzida ao ordenamento pelo ECA,

embora o mesmo não esclareça o que se deve entender por trabalho penoso. Com

isso, para que seja possível a sua compreensão confronta-se a definição do que

vem a ser considerado trabalho perigoso e insalubre, para chegar-se ao seu

conceito por exclusão.

Há duas correntes que definem o trabalho penoso. A primeira é defendida por

Oris de Oliveira, que compreende o trabalho penoso como aquele que acarreta

desgaste físico ou psíquico desproporcional a quem o realiza, podendo gerar algum

tipo de comprometimento. (OLIVEIRA, 2005, p. 233)

“Sua constatação não necessita de prévia regulamentação, porque certamente não será necessária alta indagação, por exemplo, para reconhecer como penoso o trabalho realizado de sol a sol na lavoura. Há de se levar em consideração uma certa relatividade, porque uma atividade pode ser penosa para o adolescente e não o ser para um adulto. Essa relatividade aparece em uma norma que proíbe que o adolescente seja empregado em serviço que demande o emprego de força muscular superior a 20 quilos, para trabalho contínuo, ou 25 quilos, para trabalho ocasional.” (OLIVEIRA, 2005, p. 233)

A segunda corrente, defendida por Alice Monteiro de Barros, sugere que o

conceito de trabalho penoso deve ser interpretado à luz da Recomendação n. 95 da

OIT, que cuida das formas de trabalho proibidas à mulher, implicando as atividades

de empurrar, levantar ou retirar grandes pesos ou que envolva esforço físico

excessivo. (BARROS, 2005, p. 530) Infere-se, no entanto, que o entendimento da

autora não se coaduna com a hipótese em análise, uma vez que o compara ao

trabalho a ser realizado por adulto, no caso a mulher.

A vedação contida no parágrafo 5º. do artigo 405 da CLT pode ser

compreendida como forma de proibição ao trabalho penoso, pois proíbe o

empregador de contratar adolescente para praticar serviço que demande o uso de

109 “Menores autorizados a trabalhar na colheita de cana-de-açúcar – Inadmissibilidade – Trabalho penoso que leva à fadiga física – Trabalho médico atestando inúmeros problemas físicos decorrentes de referido serviço – Preservação da saúde do ser humano ainda em desenvolvimento – Provimento do recurso.” (Apelação Cível n. 29.017-0. Apelante: Promotoria de Justiça da Vara da Infância e da Juventude da comarca de Pitangueiras) “Competência da Vara da Infância e da Juventude para apreciar e julgar ação civil pública proposta pelo Ministério Público visando à proibição de contratação de menores para trabalho considerado penoso – Incompetência da Justiça do Trabalho, já que não cuida a questão das relações de emprego – Provimento do Recurso.” (Agravo de Instrumento n. 31.072-0, Câmara Especial. Agravante: Ministério Público do Estado de São Paulo. Agravada: Boa Vista S.A. e outras. TJ/SP) (ISHIDA, 2006, p. 109-110)

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força muscular superior a vinte quilos para o trabalho contínuo ou vinte e cinco

quilos para o trabalho ocasional na forma do artigo 390.

Diante de um conceito jurídico indeterminado, e sob o princípio da proteção

integral, considera-se o pensamento de Oris Oliveira mais adequado à hipótese,

devendo o trabalho penoso ser compreendido como aquele realizado em condição

incômoda ou difícil, capaz de provocar o cansaço físico e mental excessivo.110

3.2.4. Outras formas de trabalho consideradas prejudiciais à formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social do adolescente

As normas infraconstitucionais também apontam outras atividades

consideradas prejudiciais à formação psíquica, moral e social do adolescente.

Os locais e espécies de trabalho considerados prejudiciais à moralidade do

adolescente são definidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, porque nesses

locais e contextos o adolescente estará em contato com realidades que poderão lhe

influenciar negativamente, uma vez que ainda se encontra em processo de

construção de valores, não estando apto – do ponto de vista psíquico e muitas vezes

físico – para tomar decisões que possam provocar a exposição e exploração de sua

imagem ou de sua força física. Assim é que estabelece o parágrafo 3º, artigo 405

consolidado, o seguinte:

“Art. 405. (...) p. 3º. Considera-se prejudicial à moralidade do menor o

trabalho: a) prestado de qualquer modo em teatros de revista,

cinemas, boates, cassinos, cabarés, dancings e estabelecimentos análogos;

b) em empresas circenses, em funções de acrobata, saltimbanco, ginasta e outras semelhantes;

c) de produção, composição, entrega ou venda de escritos, impressos, cartazes, desenhos, gravuras, pinturas, emblemas, imagens e quaisquer outros objetos que possam, a

110 A legislação brasileira veda o trabalho ao menor de 18 anos como propagandista e vendedor de produtos farmacêuticos, por meio da Lei n. 6.224/1975. Também dispõe sobre a vedação da contratação de menores de dezesseis anos como atleta de futebol, sendo que aos adolescentes entre 16 e 20 anos que pretenderem ingressar em um clube impõe o consentimento expresso do responsável, Lei n. 6.354/1976. O Decreto n. 1.232/1962 dispõe sobre restrições ao trabalho a ser realizado pelo “menor” na atividade de aeroviário. Sem prejuízo do disposto em tais normas, compreende-se que as formas de trabalho nelas dispostas se enquadram nos conceitos de atividades perigosa, insalubre ou que prejudicam de alguma forma o desenvolvimento do adolescente.

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juízo da autoridade competente, prejudicar sua formação moral;

d) consistente na venda, a varejo, de bebidas alcoólicas.” (CLT)

O Estatuto da Criança e do Adolescente, além de dispor sobre as proibições

então mencionadas no artigo 67, inciso III, estabelece mais uma forma de trabalho a

ser considerada inadequada, no inciso IV, que proíbe o emprego de adolescentes

em atividades que prejudiquem sua freqüência à escola, pois a realidade da miséria

e do ingresso prematuro do grupo no trabalho, em todas as suas modalidades

ilegais, deve-se principalmente ao fato de sua privação do direito de freqüentar

uma escola e nela ter acesso à educação.111

Todavia o artigo 406 da Consolidação prevê a possibilidade do adolescente, e

até mesmo da criança, trabalhar nos locais previstos pelas alíneas “a” e “b” , do

parágrafo 3º do artigo 405 – que cuidam dos trabalhos relacionados à arte da

interpretação e do show business – mediante prévia autorização do Juiz da Infância

e Juventude. Da mesma forma, o artigo 149, inciso II, do ECA, expressa que o Juiz

da Infância e da Juventude poderá disciplinar mediante portaria ou autorizar

mediante alvará a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos

e em certames de beleza, levando em conta os requisitos dispostos no mesmo

artigo.

Tal exceção segue a norma prevista pelo artigo 8º da Convenção 138 da OIT,

que prevê a possibilidade de a autoridade competente permitir a participação da

criança em representações artísticas – significando essa participação o emprego de

seu trabalho – mediante licença, observando cada caso individualmente. Oris de

Oliveira afirma que:

“Há de se reconhecer, todavia, que a matéria oferece complexidade, porque não é fácil distinguir os limites do uso e do abuso. Sobretudo, também, porque se tem que enfrentar o forte e ambicioso imaginário de pais que querem ter seus filhos artistas, o fortíssimo e ingênuo imaginário da criança e do adolescente que acalenta o sonho de ser artista bem remunerado e famoso, tudo se prestando à exploração por não

111 “O aprendizado feito de forma inadequada altera o ritmo normal da aquisição de conhecimento pelo menor, afetando os sistemas neurológico e psicológico, os quais passam a ter dificuldade de enfrentar novas habilidades.” (BARROS, 2005, p. 531)

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menos fortes interesses econômicos.”112 (OLIVEIRA, 2005, p. 234)

No entanto, as permissões infraconstitucionais do ingresso de menores de

dezesseis anos em trabalhos artísticos trazem à tona o seguinte questionamento:

seriam tais normas superiores à proibição constitucional do trabalho ao menor de

dezesseis anos? Pois, de acordo com o legislador constituinte, o emprego deste só

será permitido antes dos dezesseis anos (a partir dos quatorze anos) em caráter de

aprendizagem, que não é o caso das atuações em novelas, peças teatrais, filmes e

circo. Dessa forma, a possibilidade de autorização por parte de um juiz da Infância e

da Juventude prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como também

pela CLT, colide com a previsão constitucional contida no artigo 7º, XXXIII.

Nesse sentido, afirma Erotilde Minharro:

“Destarte, não poderia a norma infraconstitucional arrolar exceções outras, diversas daquelas expressamente previstas na Carta Maior.

Nem se diga que o trabalho artístico, por ser, na visão de alguns, uma atividade ‘mais leve’, mereça tratamento diferenciado, pois semelhante assertiva esbarra na vedação imposta pelo inciso XXXIII do artigo 7º. da CF, que proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos.” 113(MINHARRO, 2003, p. 64)

112 A Fundação Abrinq produziu um Protocolo de Adesão para ser oferecido às empresas de televisão com propostas para o acompanhamento psicológico e pedagógico das crianças e adolescentes artistas no intuito de incentivar sua escolarização, mediante reforço escolar e obrigação de reposição de aulas em razão do emprego de seu trabalho. (OLIVEIRA, 2005, p. 234) A Fundação Abrinq foi criada com a finalidade de conscientizar o setor empresarial nacional da importância do respeito aos direitos humanos das crianças e adolescentes e às normas proibitivas do emprego precoce de sua mão-de-obra. Institui dessa forma, o programa Empresa Amiga da Criança, e a empresa que se engaja nesse projeto se compromete a cumprir suas metas não empregando menores de 16 anos. (MINHARRO, 2003, p. 95) O emprego da mão-de-obra infanto-juvenil na televisão é bem aceito socialmente pelo fato de ser glamourisado. No entanto, é preciso encará-lo sob ponto de vista mais sensível, uma vez que a legislação examinada até o presente momento é clara ao terminantemente proibir o emprego de crianças e de adolescentes nas hipóteses expressas. A escolarização deve ser priorizada tanto para a criança como para o adolescente, por isso, as empresas que promovem espetáculos artísticos, seja na televisão, cinema ou teatro, devem adaptar sua rotina de trabalho aos direitos da criança de não trabalhar em horário noturno e prejudicial à sua formação de maneira geral. Haim Gruspun (2000) aborda o tema do emprego de artistas mirins no cinema de Hollywood, dentre as histórias citadas, destaca-se a seguinte: “Robert Blake, nascido em 1933, dançou e cantou no palco desde os dois anos de idade. Apareceu em várias comédias e foi o garoto mexicano do Tesouro de Serra Madre. Ganhou Emmy pela série da TV: Baretta. Ele conta de sua infância segundo Mofford: ‘Eu não era um astro infantil. Eu era um trabalhador infantil. De manhã, minha mãe me entregava para o estúdio da MGM como um cachorrinho em confiança... eu era como a maioria dos artistas mirins. Eu interpretava porque me mandavam. Eu não gostava. Não era um modo de se viver.’ Forçar um garoto para ser um artista é uma das piores coisas que podem acontecer a uma criança. Obriga-as a serem adultos quando ainda são crianças.” (2000, p. 68) 113 “Ressalte-se que a proibição do trabalho a menores de dezesseis anos não é limitada ao exercício de emprego. Ela alcança o trabalho eventual, temporário, a pequena empreitada, o trabalho avulso e o autônomo.” (SÜSSEKIND, 1999, p. 272)

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À luz do princípio da proteção integral, não é aconselhável a introdução de

crianças e de adolescentes menores de dezesseis anos em atividades artísticas que

caracterizem uma relação de emprego (serviço de natureza não eventual a

empregador sob dependência deste mediante salário), uma vez que na qualidade de

seres em pleno desenvolvimento, cada qual em seu estágio de maturação,

vivenciam o momento de explorar suas potencialidades através da escolarização,

prática de esportes, brincadeiras, desenvolvimento do lúdico, dentre outros campos,

não sendo adequado, portanto, assumir o peso de um contrato de trabalho. Sua

condição de ser em desenvolvimento não lhe permitirá realizar uma ponderação

sobre o assunto e suas conseqüências quando se encontrar envolvido no glamour e

fantasia do mundo artístico. Além desse argumento entende-se que há a prevalência

da lei fundamental em questão, que proíbe expressamente o emprego de

adolescentes menores de dezesseis anos.

3.3. Das piores formas de trabalho infantil

No ano de 1999 a OIT editou a Convenção n. 182 e a Recomendação n. 190

com o escopo de estabelecer as características gerais das consideradas piores

formas de trabalho infantil, para que no âmbito de cada Estado-membro fossem

estas identificadas e mediante a ratificação da Convenção cada membro instituísse

programas de combate específico (art. 4º). Muitas das piores formas de trabalho

tratadas pela Convenção e complementarmente pela Recomendação configuram-se

como atividades insalubres, perigosas e penosas, já consideradas pelo legislador

pátrio inadequadas para o ser em pleno desenvolvimento como o adolescente, como

se constata mediante sua leitura:

“Art. 3º. – Para os efeitos da presente Convenção, a expressão ‘as piores formas de trabalho infantil’ compreende:

todas as formas de escravidão ou práticas análogas à escravidão, como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de escravo e o trabalho forçado ou obrigatório, incluído o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para utilizá-los em conflitos armados;

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a utilização, demanda e oferta de criança para fins de prostituição, produção de material pornográfico ou espetáculos pornográficos;

utilização, demanda e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes;

trabalhos que, por sua natureza ou pelas circunstâncias em que são executados, são susceptíveis de prejudicar a saúde, a segurança e a moral da criança.” (Convenção 182 OIT)

Laura Mora Cabello Alba critica a elaboração de uma Convenção que trata

das piores formas de trabalho infantil, uma vez que entende que qualquer forma de

exploração do trabalho infantil e adolescente é repugnante:

“Desde esta prespectiva, el trabajo infantil, al igual que el adulto, por ser trabajo es explotación, pero al recaer en niños y niñas, multiplica los efectos de la misma, acabando com la propia esencia del ser nino, que como declara la Convención de los Derechos de la Infância integra el derecho al descanso y al juego (art. 31) y, como no, el derecho a la educación (art. 29). Por tanto, no comparto las clasificaciones, amparadas jurídicamente o no, que entendien que hay trabajo bueno y trabajo nocivo, o, incluso, trabajo malo y trabajo peor. El trabajo es en sí mismo explotación.” ( ALBA, 2004, p. 112)

A critica da autora é relevante na medida em que expressa que toda forma de

trabalho exercida por adolescente antes da idade mínima constitucional e por

criança, viola sua dignidade humana, e seguimos seu posicionamento muito embora

tenhamos para fim exemplificativo, enquadrado o trabalho com o corte de cana-de-

açúcar, nos lixões e como domésticos como três das piores formas de trabalho infatil

na forma da Convenção n. 182 da OIT.

3.3.1. O trabalho infantil doméstico, nos lixões e no corte de cana-de-açúcar, como três das piores formas de trabalho

No Brasil, dentre as tantas formas de trabalho que se enquadram nas

descrições das alíneas anteriores, identificam-se três muito corriqueiras e

repudiáveis segundo o Ministério Público do Trabalho, objetos de programas de

combate específico como o trabalho doméstico, nos lixões e no corte de cana-de-

açúcar.

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3.3.1.1. Trabalho doméstico

De acordo com informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE) no ano de 2001 existiam 5.482.515 crianças e adolescentes entre cinco e

dezessete anos no mercado de trabalho, e desse total, 494.002 pertence ao mundo

ilegal do trabalho doméstico, aquele desenvolvido dentro de casa e por isso de difícil

fiscalização e conseqüente erradicação. Destes, situam-se na faixa etária de cinco a

quinze anos 222.865 e 271.137 entre dezesseis e dezessete anos114. (LINS, 2005,

p. 3)

Segundo o Ministério Público do Trabalho, o maior problema no que tange à

erradicação desse tipo de trabalho parece ser sua fácil aceitação por parte da

sociedade, por dar uma falsa noção de inserção das crianças – em sua maioria

meninas pobres, negras ou “pardas” e de baixa escolaridade – em uma modalidade

laboral mais humana, tendo em vista que esta se desenvolve em ambiente familiar.

Citam-se como exemplo os empregadores que “contratam” meninas provenientes da

zona rural, que entendem prestar com esta atitude um grande favor às mesmas,

possibilitando que em tenra idade gozem de autonomia financeira e tenham a

possibilidade de ascensão social, pelo fato de serem deslocadas para os centros

urbanos. 115

114 “No que se refere ao trabalho infantil doméstico, dados oficiais confirmam ainda que 93% das crianças e adolescentes (com idade inferior a 16 anos) são do sexo feminino; 61% são negros; 72% não conhecem seus direitos mais básicos; 64% recebem valor inferior a um salário mínimo e trabalham mais de 40 horas por semana; 55% não têm direito a férias; 21% têm algum sintoma ou problema de saúde relacionado ao trabalho; 15% já sofreram acidente de trabalho; e 74% dos que estudam, o fazem de forma irregular, com alarmante índice de atraso escolar.” (Disponível em: http://www.pgt.mpt.gov.br/ Acesso: maio/2006) 115 A desculpa mais utilizada para justificar o emprego de uma criança para o trabalho doméstico, segundo artigo divulgado no site virtual da BBC Brasil, é que a mesma no local de trabalho usufrui de boa comida, ambiente melhor que o de sua família no qual receberá educação para a vida. Mencionando um caso concreto, relata a relação laboral entre Aline, adolescente de 13 anos, empregada doméstica, e Elizete, sua patroa: “Para a patroa, a menina ajuda porque gosta muito dela, e ela, em troca, “ajuda” Aline também. Mas diz que a trata como se fosse uma filha. ‘Se eu pudesse ajudar mesmo, pagar um salário para ela, eu faria, mas infelizmente não posso’, justifica-se. Em troca da ‘ajuda’, a patroa dá um trocado, ou um prato de comida, ou ajuda a pagar o gás.” O trecho dessa matéria demonstra a gravidade do emprego de crianças nesse tipo de atividade e a dificuldade de derrubar sua aceitação social. (Disponível em: http://www.bbc.uk./portuguese. Acesso em abril/2006) Estudos realizados pela OIT dão conta de que ao redor do mundo a maioria das crianças empregadas, menores de dezesseis anos, ocupam a função de empregada doméstica. Por isso, no terceiro Dia Mundial contra o Trabalho Infantil ocorrido em 11 de junho de 2004 a OIT voltou as atenções à importância do combate do trabalho infantil doméstico. (Disponível em: http://www.ilo.org/public/spanish//bureau/inf/event/cl2004 Acesso: maio de 2006)

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Defende-se aqui o enquadramento do trabalho doméstico116 como uma das

piores formas de trabalho infantil e adolescente, tendo em vista que as atividades

que o envolvem acarretam várias situações de risco e vulnerabilidade. A uma,

porque nele a criança ou adolescente poderá se sujeitar a carga horária ilimitada,

residindo ou não no local de trabalho, levando-se em conta a ausência de limitação

legal e a existência de uma relação discrepante entre este e a autoridade de um ou

mais adultos. A duas, porque a circunstância de ser um trabalho realizado em local

privado permite a exposição a qualquer tipo de abuso – físico, moral ou sexual. A

três, porque a lida com a limpeza da casa implica a manipulação de produtos

químicos, inflamáveis, peças cortantes, utilização de fogo na cozinha, além dos

aparelhos elétricos.117 E a quatro, porque a combinação de todos esses riscos

acarreta sérios comprometimentos biopsicossociais118 que por conseqüência

prejudicam a aprendizagem dessas crianças provocando sua evasão da escola.

Reforçando tal posicionamento, cita-se trecho do artigo “A puerta cerrada: el

trabajo infantil doméstico” divulgado pela OIT no ano de 2004, no Dia Mundial de

Combate ao Trabalho Infantil, que é celebrado no dia 12 de junho:

“Muchos niños que trabajan en el servicio doméstico son víctimas de explotación. Al limpiar, cocinar, cuidar a los hijos de su empleador o realizar tareas pesadas en la casa, se les priva de derechos que, como niños, les reconoce la legislación internacional: el derecho de jugar, a visitar a su familia y sus amigos, el derecho a un alojamiento decente y a la protección contra el acoso sexual o los abusos físicos o sociológicos.” (OIT, 2004)

Observa-se que, apesar de ser lícito ao adolescente maior de dezesseis anos

celebrar contrato de trabalho, assumindo a qualidade de empregado regido pelas

normas consolidadas no capítulo IV (que dispõe sobre a proteção do trabalho do

116 De acordo com artigo 1º da Lei n. 5.859/1972, doméstico é “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial destas.” 117 Nesse sentido, há quem defenda a inclusão dessa forma de trabalho na Portaria n. 20/2001 do Ministério do Trabalho, que trata das atividades proibidas para menores de dezoito anos, por serem perigosos ou insalubres, como afirma Maurício Correia de Mello. (2005, p. 167) 118 Esse tipo de trabalho acarreta impactos sobre a saúde de seus executores nas: “doenças nervosas (tais como doenças estomacais e dores de cabeça), desenvolvimento psicológico (amadurecimento acelerado, reduzindo o período da infância) e desenvolvimento social (privadas da convivência com suas famílias, não se sentem parte de um grupo social).” (Disponível em: http://www.andi.org.br Acesso: abril de 2006) Além desses identifica-se também dores na coluna, principalmente nas adolescentes que trabalham como babá, e depressão, pois o tempo livre é também vivenciado no ambiente de trabalho. (Disponível em: http://www.mpt.gov.br/trab_inf Acesso: abril de 2006)

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“menor”) tem-se que, na qualidade de doméstico, estará excluído do regime jurídico

da CLT, conforme preceitua o artigo 7º, sendo a categoria regulada pela Lei n.

5.859/1972.

Partindo-se dessa exclusão, extrai-se a problemática da jornada de trabalho

ilimitada da categoria por ausência de previsão legal, pois tanto a lei ordinária

quanto a Carta Constitucional não fazem menção à sua limitação. Por tal razão, a

doutrina majoritária119 entende que a jornada de trabalho de oito horas diárias e a de

quarenta e quatro semanais, prevista pelo inciso XIII, do artigo 7º da Constituição

Federal, não se estende aos empregados domésticos, uma vez que o parágrafo

único do mesmo artigo, ao delimitar o rol de direitos que lhes são assegurados,

exclui a disposição sobre a limitação da jornada.

Em face dessa constatação, afirma-se que o trabalho doméstico não é

adequado nem para a criança, por motivos óbvios, nem para o adolescente, uma

vez que este, apesar de poder figurar como empregado a partir dos dezesseis anos,

não pode se sujeitar aos riscos oferecidos por esse tipo de trabalho e a uma jornada

que o impossibilite de freqüentar a escola, de conviver com seus familiares e

amigos, dentre tantas atividades importantes a serem realizadas nessa fase de

amadurecimento psíquico, físico e social.

O Ministério Público do Trabalho considera o trabalho infantil doméstico uma

espécie de trabalho difícil de ser combatido pelo fato de ser realizado em ambiente

oculto, investindo por isso em ações repressivas com o apoio de órgãos

governamentais e de toda a sociedade.120 Outro aspecto que diferencia esse

trabalho dos outros igualmente ilegais é o fato de ocorrer fora do sistema econômico

– não visa o lucro – causando impacto diferente sobre a socialização para o trabalho

se comparado com aqueles praticados em estabelecimentos empresariais.

“...o trabalho infantil doméstico contribui menos para a experiência do trabalhador do que as outras formas de inserção no mercado de trabalho. Por ser realizado no âmbito residencial, onde não é possível uma fiscalização sistemática,

119 Por todos: Alice Monteiro de Barros (2005: 337) Élson Gottschalk e Orlando Gomes (1998, p. 92-93), Francisco Ferreira Jorge Neto e Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante (2004, p. 539) 120 O combate ao trabalho infantil doméstico é desenvolvido pela OIT através de um projeto regional para a sua erradicação abrangendo o Brasil, Peru, Colômbia e Paraguai e mais sete países da América Central. No Brasil, a OIT conta com a participação da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), da Fundação Abrinq, do Ministério Público do Trabalho, do Ministério da Promoção e Assistência Social, do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e Emprego. Conta também com a parceria do UNICEF e da Save the Children UK e mais 127 instituições e organizações. (Disponível em: http://www.mpt.gov.br/trab_inf Acesso: abril de 2006)

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ele expõe o (a) trabalhador (a) a uma série de injustiças, desde a baixa remuneração e longas jornadas de trabalho até as mais críticas, que envolvem abusos sexuais e atos de violência.”121 (Ministério Público do Trabalho)

Oris Oliveira (2005) chama atenção para o fato de que a participação dos

filhos nos afazeres domésticos não está abrangida pela proibição legal, tendo em

vista que esta faz parte do processo educativo familiar, no qual todos os filhos

prestam colaboração para a organização mínima do ambiente residencial. (2005, p.

209)

Pelas razões expostas, o trabalho doméstico constitui uma das piores formas

de trabalho infantil e adolescente, uma vez que é proibida a inserção de crianças em

qualquer forma de labor, e mesmo que o adolescente a partir dos dezesseis anos

possa celebrar contrato de emprego, a atividade doméstica não se apresenta

adequada, de acordo com o princípio da proteção integral, pois tal forma de trabalho

é imprópria para ser exercida por uma pessoa em desenvolvimento.

3.3.1.2. Trabalho na coleta de lixo

Outra atividade considerada como uma das piores formas de trabalho infantil

é a realizada nos lixões das cidades, apresentando-se como o reflexo do total

abandono das famílias miseráveis pelo governo e por toda a sociedade. Tais

famílias se vêem compelidas a buscar no lixo meios para a sua sobrevivência, e com

isso, terminam por introduzir também seus filhos nesta tarefa desumana. De acordo

com dados divulgados pelo UNICEF existem quarenta e cinco mil crianças e

adolescentes brasileiros trabalhando nos lixões juntamente com os pais, na coleta

de material reciclável.

121 Erotilde Minharro registra em seu livro sobre o trabalho do adolescente que é uma prática muito comum no norte e nordeste brasileiro a venda ou doação de filhas pelos pais para parentes e amigos para que estas realizem trabalho doméstico. (2003, p. 93) Essa situação não está nem um pouco distante daquela narrada no primeiro capítulo da presente livro, no contexto em que se aborda a falta de afeição dos pais para com os filhos na Idade Média na Inglaterra, baseada na narrativa de P. Ariès (1978). Esses também enviavam seus filhos para trabalhar em casa de terceiros quando tinham em torno de sete a nove anos de idade. No entanto, tal fato ocorria numa época em que a filosofia e a psicologia começavam a trabalhar no conceito de criança e adolescente e a importância de cada fase. Aqui no Brasil, o mesmo fato se repete em várias regiões, não obstante a proteção e proibição expressa do emprego de crianças e adolescentes no trabalho doméstico e o reconhecimento da importância de se vivenciar as duas fases sadiamente. Contudo, em decorrência da miséria e em nome da sobrevivência os pais agem assim com seus próprios descendentes. Não se pode valorizar a dignidade humana que não se conhece.

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Entende-se por lixo o conjunto de resíduos materiais sólidos, líquidos ou

pastosos considerados impróprios para uso, sendo interessante destacar a

classificação feita pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAM), na

Resolução n. 259, sobre resíduos sólidos, como segue abaixo:

“a) resíduos urbanos: provenientes de residências e da limpeza pública urbana;

b) industriais; c) de serviços de saúde; d) de atividades rurais; e) de serviços de transporte, e de rejeitos radioativos.”

(FERNANDES, 2001, p. 4)122

Mediante a especificação de alguns resíduos que compõem o lixo percebe-se

a gravidade do contato das crianças e dos adolescentes com material tóxico,

cortante e inflamável, além do perigo causado pelo movimento dos caminhões e

máquinas, e, o risco de abuso sexual123, estando expostos a comprometimentos

graves em sua saúde e a exclusão de um convívio social sadio.124

O Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF – realizou pesquisa

no ano de 1998 e estimou que cerca de 45 mil crianças e adolescentes, em todo o

território brasileiro, trabalhavam na catação de lixo, 30 % delas não freqüentavam a 122 A Resolução n. 313, de 29 de outubro de 2002, dispõe sobre o inventário nacional de resíduos sólidos industriais. “Art. 2º Para fins desta Resolução entende-se que: I - resíduo sólido industrial: é todo o resíduo que resulte de atividades industriais e que se encontre nos estados sólido, semi-sólido, gasoso - quando contido, e líquido - cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgoto ou em corpos d`água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água e aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição.” (Disponível em: http://www.mma.gov.br/port/conama Acesso em abril/2006) 123 Em artigo publicado em site virtual pela “BBC Brasil.com” Claudia Silva Jacobs, colaciona depoimento de uma criança, que retrata a situação de risco de abuso sexual no trabalho de coleta de lixo: “Dizendo-se homossexual, M assumiu que tem relações sexuais com os motoristas dos caminhões que levam lixo ao depósito. O menor disse que é a forma que encontrou para ganhar dinheiro.” (Disponível em: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2003/030428_tlixo.shtml. Acesso em abril/2006) 124 O artigo “Vidas recicladas” que trata do problema das crianças catadoras de lixo, fornece um caso concreto da penúria em que vivem esses pequenos seres e a total exclusão social: “Trabalhava com minha mãe e meus irmãos no lixão. Era muito perigoso, principalmente porque os carros (os caminhões que despejam lixo) podiam nos atropelar. Um dos meus irmãos morreu assim. Minha mãe morreu mais tarde. Na escola, os alunos das outras salas falavam que a gente era do lixo. Eu não respondia porque, pelo menos, eu trabalhava.” (Disponível em: http://www2.uol.br/aprendiz/n_revistas/revista_educação/setembro01/aprendiz Acesso em abril/2006) Tristeza e frustração são percebidas nas crianças forçadas pela miséria a trabalhar e a deixar o espaço lúdico das brincadeiras da infância e do aprendizado na escola. No artigo “Crianças trabalham em lixão para ajudar as mães”, de Claudia Silva Jacobs, encontra-se o depoimento de duas irmãs catadoras de lixo na região de Campos dos Goytacazes, Norte fluminense: “Tatiana e Raquel não gostam do lixo. Sem pestanejar respondem que preferiam ficar em casa brincando. ‘Aqui não tem brinquedo, é só trabalho. Eu ajudo a minha mãe aqui no lixão. Catar lixo não é bom’, diz Tatiana, que anda descalça em meio ao lixo, onde já cortou o pé”. (Disponível em: http://www.bbc.uk/portuguese/noticias/2003. Acesso em abril/2006)

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escola e 49% se concentrava no Nordeste. (Disponível em:

http://www.lixoecidadaniapr.org.br/erradicacaoII.html Acesso em abril/2006) A partir

dessa constatação, verificou-se a urgência de implementação de um programa de

combate e erradicação desse tipo de trabalho, motivando a instituição da campanha

“Criança no Lixo Nunca Mais”, juntamente com entidades civis, conselhos estaduais,

órgãos governamentais, Ministério Público do Trabalho e o Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI).125 (Disponível em:

http://www2.uol.com.br/aprendiz Acesso em abril/2006)

Pelo fato de ser considerado um trabalho degradante, a catação de lixo

apresenta alto risco de insalubridade, periculosidade e penosidade, mostra-se

completamente inadequado a qualquer ser humano e principalmente àqueles em

desenvolvimento como as crianças e os adolescentes.

3.3.1.3. Trabalho nas plantações de cana-de-açúcar

O emprego da força de trabalho da criança e do adolescente nas fazendas

produtoras de cana-de-açúcar é uma das formas mais aviltantes dos direitos

humanos, associado diretamente ao trabalho escravo contemporâneo (SENTO-SÉ,

2000, p. 65), tendo em vista que é realizado em total desrespeito aos preceitos

legais e em troca dele o explorado não recebe sequer remuneração. Segundo Jô

Azevedo, na região de Campos dos Goitacazes, norte do Estado do Rio de Janeiro,

em 1993, o Sindicato dos Trabalhadores Rurais divulgava que cerca de cinco mil

125 Em junho de 1998, criou-se em Brasília o Fórum Nacional Lixo e Cidadania, por um grupo constituído de 19 instituições – que hoje conta com 56 instituições – coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, UNICEF, SEDU/PR (Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República), Ministério Público Federal, ONG Água Vida, ONG Missão Criança e Fundação Nacional de Saúde, que integraram a Secretaria Executiva do Fórum. O Fórum é um programa social, que faz parte do terceiro setor que tem por escopo convergir com os demais movimentos que visam combater e erradicar a pobreza e a exclusão social das crianças, adolescentes e adultos. “A idéia e a percepção da necessidade de se formar o Fórum se fortaleceu quando crianças, que se encontravam num lixão de Olinda, sofreram intoxicação alimentar e levadas ao hospital, descobriu-se através de análises laboratoriais que o que elas haviam ingerido era carne humana, lixo hospitalar proveniente de um hospital da região. A partir daí começou a luta, por parte dos integrantes do Fórum, para a retirada dessas crianças dos lixões, que na maioria das vezes, estavam nessa atividade para ajudar na escassa renda familiar, crianças cujos pais muitas vezes encontram-se desempregados. Percebe-se que o fato de elas estarem no meio do lixo, expostas a todo tipo de doença, é apenas conseqüência de um problema maior, a má estruturação social. Notando a carência social, o Fórum Lixo e Cidadania começa a preocupar-se em atuar no sentido de melhorar as condições de trabalho de quem sobrevive do lixo e erradicar o trabalho infantil no lixo.” (Disponível em: http://www.lixoecidadaniapr.org.br/forumII.htm Acesso em abril/2006)

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safristas que trabalhavam nas usinas do município eram crianças e adolescentes de

sete a dezessete anos de idade.126 (1994, p. 18)

Delma Pessanha Neves justifica esse fenômeno pela ocorrência de três

fatores: o primeiro diz respeito à influência do sistema escravista e pós-escravista

vigorante nas relações laborais no Brasil colonialista e neo-republicano, que arraigou

a aceitação da introdução do grupo vulnerável na lida como forma de repressão à

delinqüência e ociosidade aliada a idéia do engrandecimento do ser humano através

do trabalho. O segundo se relaciona com as mudanças tecnológicas ocorridas no

âmbito do processo produtivo da cana-de-açúcar, que propiciou a intensificação do

uso de instrumentos de trabalho mecanizados, restando ao trabalhador a tarefa de

produzir de acordo com a intensidade e rapidez das máquinas. O terceiro se refere

ao pagamento por produção, ou seja, o empregado só terá direito a receber a

quantia avençada se conseguir cumprir a cota fixada pelo “gato”, “capataz”,

“atravessador” ou “cabo”, seja debaixo de sol de quarenta graus ou de chuva, sem

alimentação adequada e instrumentos de proteção. Jairo Lins de Albuquerque

Sento-Sé, concorda com a autora afirmando que:

“Em tais casos, o que se verifica na prática é o dono da terra – o verdadeiro empregador – normalmente, realizar o adimplemento do obreiro através de um salário por produção (ou por empreitada). Acontece que o patrão fixa cotas absolutamente impossíveis de serem cumpridas por um ser humano numa jornada normal de trabalho. Por tal razão, ele se vê obrigado a se submeter a jornadas de trabalho intermináveis para atender à demanda estabelecida pelo dono da terra. Pior ainda, ele se vê compelido a colocar seu cônjuge e filhos a partir da mais tenra idade na faina laboral diária, a fim de cumprir a carga de trabalho exigida pelo patrão.” (2000, p. 65)

Jô Azevedo (1994), em sua primorosa obra intitulada Crianças de fibra ao

abordar a questão da exploração da força de trabalho da criança e do adolescente

nas fazendas de cana-de-açúcar, esclarece que a atividade neste setor envolve

várias funções além do corte da cana, como a formação dos feixes e o seu

transporte, que são funções realizadas por “cortadores e cambiteiros”, considerados

126 A Secretaria Municipal de Promoção Social, no ano de 1991, implantou o programa “Lugar de Criança é na Escola” em parceria com a Organização Internacional do Trabalho, assumindo o desafio de combater e erradicar o trabalho das crianças e adolescentes na lavoura de cana-de-açúcar. Atualmente, com o apoio do governo federal e estadual, concede bolsa de R$ 40,00 (quarenta reais) à família da criança retirada da situação de exploração, como incentivo para que a mesma freqüente o sistema de ensino. O programa conta com 34 pólos de ação. (Disponível em: http://www.censanet.com.br/hpages/secretprom/peti.htm Acesso em junho/2006)

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como “trabalho de fora”. Quanto ao “trabalho de dentro”, este é exercido pelo

“tombador”, que tem por tarefa jogar a cana na tronqueira, que depois é recolhida

pelo “botador”, que a coloca na moenda. Depois dessa etapa, faz-se a garapa,

produto da cana que futuramente sofrerá processos químicos para se transformar na

cachaça. O bagaço é levado para o pátio pelo “bagaceiro-fresco” e espalhada pelos

“ciscadores” para secar. Além disso, existe o trabalho nas caldeiras, com

temperatura de aproximadamente sessenta graus, na qual o mestre-da-rapadura

manipula o caldo até que o ponto seja dado. (AZEVEDO, 1994, p. 12) Segundo

descreve Delma Neves:

“O cultivo da cana é feito sob sol e chuva. O corte é manual, após a queima do canavial e sob intensa poluição do ar. Há riscos de ataque de insetos e cobras. A alimentação é precária e ingerida sob risco de deterioração, porque preparada na véspera ou nas primeiras horas da manhã e exposta ao sol ou ao calor até as 11 horas, quando os trabalhadores interrompem o trabalho para almoçar. Eles enfrentam dificuldades para obtenção de água para beber, mais que necessária em face da desidratação provocada pelo suor constante, derivado dos movimentos físicos sob o sol e com o corpo todo coberto para se proteger dos cortes e coceiras provocados pelas folhas da cana.” (NEVES, 2001, p. 155)

Assim, infere-se que é terminantemente proibida a introdução de crianças e

adolescentes no trabalho com a cana-de-açúcar, uma vez que identificam-se na

atividade condições de trabalho legalmente proibidas aos adolescentes e quiçá às

crianças, inadequados para o exercício por serem seres em fase de

desenvolvimento biopsicossocial. Tal atividade oferece grande risco de dano pelas

condições de perigo, insalubridade e penosidade através do contato direto com

poeira, palha cortante, alvoroço dos animais, calor, risco de mutilação e ainda a

pressão pela produção.127

127 El Salvador também enfrenta o problema da exploração de crianças e adolescentes no corte e cultivo de cana-de-açúcar, onde os dados estatísticos revelam que entre trinta mil crianças exploradas cinco mil tem apenas oito anos de idade, conforme artigo que denuncia a utilização de sua mão-de-obra para a produção de açúcar pela Coca-cola: “Sob a legislação salvadorenha, a idade mínima para o envolvimento em trabalhos insalubres é de 18 anos – e muitos consideram o trabalho em plantações de açúcar um dos mais perigosos empregos na agricultura. As leis, porém, geralmente não são cumpridas, em parte pelo fato de as crianças serem contratadas como ‘auxiliares’, o que não lhes dá o direito às mesmas proteções de empregados. Crianças empregadas como auxiliares geralmente têm de pagar pelo próprio tratamento médico caso sofram ferimentos nas plantações, apesar de medida do código trabalhista que estende aos empregadores a responsabilidade pelas despesas médicas provocadas por acidentes de trabalho.” (Disponível em: http://www.jubileubrasil.org.br/alca/coca.htm Acesso em junho/2006)

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À primeira vista, tem-se a impressão de que os primeiros exploradores dessa

força de trabalho são os próprios pais ou responsáveis, que ante o quadro de

extrema miséria se vêem compelidos a introduzir precocemente esses pequenos

seres na dura realidade do trabalho com a cana-de-açúcar, como forma de prover

sua própria subsistência e a de todo o grupo familiar, dificultando muitas vezes o

trabalho de fiscalização por parte do Ministério Público do Trabalho. De tal sorte que

mesmo que haja leve suspeita de que não é correto o emprego de crianças e

adolescentes na lavoura de cana-de-açúcar, as razões então exposadas parecem

justificar suas condutas. Nesse sentido, Jô Azevedo registra uma passagem:

“Apesar das leis, canavieiros continuam levando filhos para o corte, num jogo de esconde-esconde. Os empreiteiros fingem que não vêem e as famílias fingem que o menino vai ‘passear na roça’. É o caso dos irmãos Geone, 7 anos, Juliane, 10, e George, 13, que acompanham os pais George, 35 anos, e Maria Lúcia, 31. Contam com a cumplicidade de um dos empreiteiros de Guandu, onde a família mora num cômodo de chão batido. Cortando 200 metros de cana, a família inteira ganha por dia o equivalente a pouco mais de 3 dólares. Maria Lúcia lembra que a proibição de crianças no corte é antiga, mas a necessidade de comer é maior.” (AZEVEDO, 1994, p. 19)

Dessa forma, conclui-se que o trabalho em geral com a cana-de-açúcar se

apresenta como uma das piores formas de exploração do trabalho da comunidade

infantil e adolescente, uma vez que colide frontalmente com as normas

fundamentadas no princípio da proteção integral.

3.4. Mecanismos de combate e prevenção do trabalho ilegal de crianças e adolescentes

Para a proteção e defesa dos direitos e garantias fundamentais da criança e

do adolescente enumerados pela Lei n. 8.069/1990 (ECA), estabeleceu o legislador

no artigo 87 cinco linhas de ação: políticas sociais básicas; políticas e programas de

assistência social, em caráter supletivo; os serviços especiais de prevenção e

atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos,

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exploração, abuso, crueldade e opressão; serviço de identificação e localização de

pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; e proteção jurídico-social

por entidades de defesa de seus direitos.

Aqui, destacam-se as linhas de ação política e jurídica. A ação política se

remete às políticas públicas e programas128 de assistência social a serem

implementadas pelo Estado e pela sociedade, e a ação jurídica, aos mecanismos

judiciais disponibilizados pelo ordenamento, a serem utilizados quando constatado

qualquer obstáculo à consecução dos direitos do grupo vulnerável.

Todavia, apenas um dos programas da ação política será abordado, talvez o

de maior destaque, que demonstra o empenho do Brasil no combate e prevenção da

exploração dos infantes e adolescentes – o IPEC –, de iniciativa da Organização

Internacional do Trabalho. Depois, cuidaremos de destacar os principais

mecanismos jurídicos disponibilizados pela legislação.

3.4.1. O Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil e a ação conjunta das Instituições.

O Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC) foi

criado pela Organização Internacional do Trabalho com o objetivo de potencializar

as ações governamentais na esfera de cada Estado-membro, no sentido de

combater da exploração de crianças e adolescentes que estiverem exercendo

trabalho forçado, ocupações penosas, insalubres e perigosas.

128 De acordo com artigo disponibilizado no site virtual do Planalto, a integração entre as políticas setoriais da Educação, Saúde, Trabalho, Emprego e Renda, Assistência Social se associam direta ou indiretamente ao combate do trabalho infantil no Brasil. Assim, a Educação conta com os programas: de manutenção e desenvolvimento do Ensino Fundamental; nacional do livro didático; nacional do transporte escolar; de saúde escolar; nacional de merenda escolar; de aceleração da aprendizagem; de alfabetização de jovens e adultos; toda criança na escola; de educação profissional básica e de valorização do Ensino Fundamental e do Magistério. A Saúde e a Assistência Social contam com o Programa Brasil Criança Cidadã (BCC), e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), um de seus componentes, se apresenta como uma das ações da política de atendimento à criança e ao adolescente em situação de risco pessoal e social, prevista pelo ECA, buscando recriar condições mínimas para a família prover suas necessidades básicas sem que esta precise introduzir seu filho ainda em idade inadequada para o trabalho. E as áreas de Trabalho, Emprego e Renda, são contempladas por programas que visam criar oportunidades de geração de renda, através da promoção de capacitação profissional, no intuito de melhorar a qualidade de vida das famílias que teriam com isso um incentivo para não expor suas crianças precocemente no mercado de trabalho. Assim, essa área conta com o Programa Nacional de Qualificação Profissional (PLANFOR), coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego e, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), executado pelo Ministério da Agricultura. Todos esses programas são financiados pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador, priorizando-se as áreas de maior registro de emprego de mão-de-obra infantil e adolescente. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN.htm)

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O governo brasileiro introduziu o IPEC (International Programme on the

Elimination of Child Labour) na agenda das políticas nacionais no ano de 1992129,

quando este foi implementado em escala mundial, com o escopo de mobilizar as

nações para a questão da exploração da mão-de-obra do grupo vulnerável e para a

promoção de seus direitos e garantias fundamentais. Essa proposta possibilitou o

alargamento da visão sobre o problema e suas conseqüências devastadoras,

recrutando-se o governo, as organizações e a sociedade civil para a elaboração de

programas de incentivo a criação de políticas públicas voltadas para a urgência de

se combater o trabalho infantil e adolescente nas hipóteses contrárias à lei.

(Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/in_focus/ipec Acesso: abril/2006)

Em 1994, sob a coordenação do Ministério Público do Trabalho e com o apoio

do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), instalou-se no país o Fórum

Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil130 (FNPETI), contando

com o apoio de empresários, representantes de sindicatos, da Igreja, dos Poderes

Legislativo e Judiciário e de organizações não-governamentais, no intuito de reforçar

as ações repressivas e preventivas do trabalho infantil e do emprego de adolescente

em atividades inadequadas, através do estímulo do acesso, permanência e sucesso

destes na escola, mediante a articulação entre os vários projetos e programas

criados nas esferas federal, estadual e municipal, como afirma Inaiá Carvalho.

(2004, p. 50)

Dessa forma, o governo brasileiro, além de contar com um robusto sistema

normativo, voltado para a tutela dos direitos da criança e do adolescente, optou por

adotar uma política participativa e descentralizadora das estruturas jurídico-

administrativas entre os entes federativos, com o objetivo de garantir ações

conjuntas na prevenção e combate do emprego da força de trabalho dos pequenos.

129 O IPEC foi prorrogado até o ano de 2001 através de um Memorando de Entendimento firmado entre o governo brasileiro e a OIT em 1996. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN.htm Acesso em maio/2006) 130 O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil representa um espaço permanente de articulação e mobilização dos agentes institucionais envolvidos – Governo, organizações não governamentais, organismos internacionais, representantes de trabalhadores e representantes de empregadores – para criação de políticas e programas de enfrentamento do problema do trabalho infantil como também da proteção ao adolescente trabalhador. “Com o surgimento do ‘Fórum Nacional pela Erradicação do Trabalho Infantil’ em 1993, sob o patrocínio da OIT e do UNICEF, congregando mais de 30 entidades governamentais e não-governamentais comprometidas com a prevenção e a eliminação do trabalho infantil no nosso país, iniciaram-se campanhas efetivas, baseadas no conceito atual e universalmente difundido, o qual retoma e consagra o tripé constituído pela Família-Escola-Comunidade, ou seja, o lócus para o pleno desenvolvimento da criança e do adolescente e a garantia do exercício de sua cidadania.” (SENA, 1997, p. 45)

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Isso se concretiza através da integração entre o Conselho Nacional dos Direitos da

Criança (CONANDA) em âmbito nacional, os Conselhos Tutelares na esfera

municipal e estadual131 e os Núcleos de Erradicação do Trabalho Infantil e de

Proteção ao Trabalho do Adolescente, nas das Delegacias Regionais do Ministério

do Trabalho132. A articulação promovida pelo Fórum, no âmbito do poder local, visa

implementar o Programa de Ações Integradas – PAI, que consiste na mobilização

das entidades locais através da sensibilização dos atores e governos locais para a

questão do trabalho infantil. Passada essa etapa, parte-se para a elaboração de um

diagnóstico do problema e posteriormente traça-se o planejamento estratégico,

visando a obtenção de recursos técnicos e financeiros através de parcerias com o

governo estadual e municipal, a fim de lograr êxito na meta do combate. (Disponível

em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/colcao/trabin.32htm Acesso em maio/2006)

131 Viviane Colucci observa que os mecanismos legais instituídos pela Carta Constitucional de 1988 que viabilizam a participação da sociedade civil na concretização de suas normas, demonstram a característica comunitarista do ordenamento jurídico pátrio, que no dizer de Gisele Cittadino traduz uma “ordem concreta de valores”, partilhada pela comunidade através do alargamento do círculo de intérpretes da Constituição, que no processo hermenêutico reafirmam os valores de autogoverno e modos de vida. A partir dessa premissa, expressa que: “Os conselhos de direitos da criança e do adolescente e os conselhos tutelares, criados dentro desta nova perspectiva, constituem mecanismos oficiais para a consolidação do poder local. Os primeiros devem ser compostos, de maneira paritária, por representantes da sociedade civil e do governo e são os genuínos formuladores das políticas públicas locais.” (2005, p. 66) 132 “O Fórum Nacional estabeleceu como prioridade para sua ação inicial as carvoarias do Estado do Mato Grosso do Sul. Essa escolha fundamentou-se em denúncias recebidas, que apontavam a existência de 2.500 crianças trabalhando e vivendo sem condições mínimas de saúde, educação, alimentação e lazer. Assim sendo, em julho de 1996, foi lançado o Programa de Ações Integradas (PAI) nos Estados do Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Bahia, e iniciada a articulação para sua implantação, em 1998, na atividade canavieira do Estado do Rio de Janeiro, área em que se estima possam ser atendidas cerca de 6 mil crianças, e na extração do sisal no Estado da Bahia, onde serão atendidas em torno de 16 mil crianças.” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/publi_04/COLECAO/TRABIN32HTM Acesso em março/2006) “Antes do IPEC a referência ao trabalho infantil tinha conotação puramente acadêmica ou retórica, mas, por ser culturalmente aceito, pouco ou nada se fazia para debelá-lo. O IPEC no Brasil envolveu e envolve em sua dinâmica os órgãos da Administração Pública (especialmente o Ministério do Trabalho), da administração da Justiça (com destaque para a destemida atuação de muitos membros do Ministério Público Estadual, do Trabalho, Federal e de Juizados), da organização sindical patronal e operária brasileira (em diversos níveis, inclusive centrais sindicais), da sociedade civil organizada, na qual sobressaem os Centros de Defesa municipais, estaduais e nacionais. Muitos Conselhos Estaduais e Tutelares têm dado uma contribuição relevante na luta pela erradicação do trabalho infantil.” (OLIVEIRA, 2005, p. 210) “O Ministério do Trabalho é o órgão federal responsável pelas ações de auditoria fiscal e profissionalização no âmbito da política nacional de erradicação do trabalho infantil. Nesse sentido, cabe destacar o esforço e o expressivo incremento do Ministério do Trabalho, que após experimentar alguns tipos de arranjos institucionais para o tratamento da questão do trabalho infantil, a partir do ano 2000, por meio da Portaria n. 07 e Instrução Normativa n. 01, criou Grupos Especiais de Combate ao Trabalho Infantil e Proteção ao Trabalhador Adolescente – Gectipas, constituídos no âmbito das Delegacias Regionais do Trabalho em cada Unidade da Federação, com ações prioritárias de fiscalização, mapeamento dos focos do trabalho infantil, estudos e pesquisas, edição e distribuição de publicações, realização de campanhas.” (Disponível em; http://www.oit.org.br/spanish/260ameri/oitreg/activid/proyectos/ipec/documentos/polit_soc_ofert_inst_brasil.pdf Acesso em maio/2006)

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Em 1996, o governo implantou o Programa de Erradicação do Trabalho

Infantil (PETI) inicialmente como uma ação vinculada à Secretaria de Estado e

Assistência Social, direcionada à retirada de crianças e de adolescentes do trabalho

ilegal e nocivo à sua formação.

De acordo com o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o

PETI “é um programa de transferência direta de renda do governo federal para

famílias de crianças e adolescentes envolvidos no trabalho precoce.” (Disponível

em: http://www.mds.gov.br/programas/programas04/ Acesso em maio/2006) Por tal

razão, prioriza o atendimento às famílias em extrema pobreza (com renda per capita

de até meio salário mínimo), oferecendo uma espécie de compensação financeira

sob a condição de freqüência regular da criança e do adolescente à escola. Assim,

inicialmente, para cada criança retirada do trabalho na zona rural, a bolsa era de R$

25,00, e de R$ 40,00, para a criança residente em área urbana. (CARVALHO: 2004,

p. 51) A bolsa será concedida a cada criança até que esta complete quinze anos de

idade, para isso a família deve retirá-la do trabalho ilegal e participar dos programas

de qualificação profissional e de geração de renda oferecidos pelo PETI, com o

escopo de promover sua inclusão social por meio de sua emancipação financeira133.

Divulga-se que em 10 anos de atuação do PETI, mais de 800.000 crianças

foram retiradas do trabalho, através da mobilização social que envolveu governos

municipais, estaduais e Distrito Federal, entidades do Poder Público, organizações

de trabalhadores, organizações de empregadores e entidades da sociedade civil

organizada. (Disponível em: http://www.oitbrasil.org.br/prgatv/in_focus/ipec Acesso

em abril/2006)

Mato Grosso foi o primeiro Estado brasileiro a ser contemplado. Isto se

justifica pelo fato de terem ocorrido denúncias sobre o emprego de cerca de duas mil

e quinhentas crianças em carvoarias e outras espécies de trabalho nocivas à sua

integridade física e moral, estendendo-se pouco depois a Pernambuco e Bahia, que

apresentavam altos índices de emprego de mão-de-obra infantil e adolescente, na

zona canavieira e no sisal. (Disponível em:

133 Além da bolsa destinada às famílias a União Federal transfere periodicamente aos municípios verba para a implementação de ações sócio-educativas paralelas à escola, denominada de “Jornada escolar Ampliada”, recebendo cada ente em torno de R$ 10,00 por criança ou adolescente residente na zona urbana e R$ 20,00 por aquelas residentes na zona rural, com o escopo de viabilizar espaços e materiais necessários ao bom funcionamento dos mesmos. (Disponível em: http://www.andi.org.br/noticias Acesso em abril/2006)

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http://www.oit.org.br/spanish/260ameri/oitreg/activid/proyectos/ipec/documentos/polit

_soc_ofert_inst_brasil.pdf Acesso em maio/2006)

Revestiu-se da qualidade de programa independente quando da edição da

Medida Provisória n. 2.140, de 13 de fevereiro de 2001, aprovada pelo Congresso e

sancionada pelo Presidente da República através da Lei n. 10.219 de 11 de abril do

mesmo ano. Atualmente, segundo informações do Ministério do Desenvolvimento

Social e Combate à Fome, o PETI foi integrado a outro programa de políticas

públicas direcionado às famílias pobres, o Bolsa Família, que abrange todos os

programas sociais promovidos pelo governo: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação,

Auxílio Gás e Cartão Alimentação. Todos esses programas somados agora ao PETI

integram um único programa: o Bolsa Família134. (Disponível em:

http://www.mds.gov.br/noticias/noticias Acesso: maio/2006)

Assim como o Brasil, a OIT através do IPEC, desenvolve projetos em outros

países, como Camboja, que apresenta alto índice de crianças e adolescentes entre

cinco e quatorze anos trabalhando, e, dentre as formas inadequadas e proibidas de

trabalho, destaca-se a realizada nos campos de sal. Em reportagem sobre o tema, a

OIT destaca a importância da ajuda financeira proveniente dos Estados Unidos para

a continuação dos projetos realizados pelo IPEC no país a fim de erradicar as piores

formas de trabalho do grupo vulnerável, que nessa hipótese, ocorre da seguinte

forma:

134 A unificação dos programas sociais acarretará as seguintes modificações: “As famílias que têm renda per capita mensal igual ou inferior a R$ 100 que hoje recebem a bolsa do PETI para manter suas crianças longe do trabalho infantil serão transferidas para o Bolsa-Família e terão o benefício anterior cancelado. Permanecem no PETI aquelas com renda superior a R$ 100 e cuja transferência implique em redução do valor do benefício recebido através deste programa. Para esses casos – que o MDS estima em 10% a 15% do total de um milhão de famílias beneficiadas atualmente – serão mantidos no orçamento do Programa R$ 50 milhões, a serem usados para o pagamento das bolsas. Todas as crianças em situação de trabalho, inseridas no PETI ou no Bolsa-Família, têm como condicionalidade para receber a bolsa a freqüência à escola e às ações socioeducativas e de convivência.” (Disponível em: http://www.andi.org.br/noticias) É interessante destacar a iniciativa do governo da Bahia ao implantar o Programa Bode Escola, que tem por objetivo retirar a criança do trabalho e inseri-la na escola mediante a doação de quatro cabras e um bode à sua família pelo tempo determinado de um ano, período em que se espera já tenham dado a primeira cria, sendo então aqueles repassados a outra família. Tendo em vista que a inserção precoce do infante decorre do estado de pobreza das famílias, pretende o programa promover a subsistência das mesmas através da criação dos animais, não havendo mais justificativa para a introdução dos filhos menores de dezesseis anos no mundo do trabalho. (Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6983. Acesso em junho/2006) “O Programa funciona a partir do levantamento, pelos Estados, dos casos de trabalho infantil que ocorrem em seus municípios. As Comissões Estaduais de Erradicação do Trabalho infantil analisam e estabelecem critérios para atendimento preferencial dos casos mais graves. Após aprovação destas, os pedidos são submetidos à comissão Intergestora Bipartite (CIB), para pactuação.” (OLIVA, 2006, p. 144

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“Los campos de sal de la província costera de Kampot emplean más de 50.000 personas, incluidos cerce de 1.500 niños. El trabajo diario de los trabajadores jóvenes es tan difícil como penoso: no sólo realizan un trabajo extremadamente duro de transportar cargas pesadas, sino que la sal les quema y cuartea la piel. A consecuencia de los seis a ocho kilómetros de distancia que separan a muchos niños de la escuela más cercana, el analfabetismo también es un problema.” (OIT, 2000, p. 31)

O Ministério do Planejamento (2002) divulgou relatório sobre o desempenho

do PETI no ano de 2002, dando conta de que 796.609 crianças e adolescentes

foram retiradas do trabalho: na zona rural, 499.063 e na zona urbana 297.546.

3.4.2. Mecanismos jurídicos

Tanto o Ministério Público quanto terceiros interessados são legitimados ao

ajuizamento das ações cíveis que se fizerem necessárias para a proteção dos

direitos e garantias fundamentais do grupo vulnerável, expressos no texto da Lei

Fundamental e legislação infraconstitucional, conforme dispõe o ECA.135 Verifica-se

com isso que o legislador, além de reconhecer expressamente os seus direitos,

concedeu mecanismos jurídicos capazes de obrigar a quem quer que seja o seu

cumprimento, e eventual reparação por dano ocasionado pelo seu descumprimento.

Essa previsão pode ser compreendida pela natureza obrigatória das normas

protetoras dos direitos da comunidade que demonstram o interesse do Estado na

proteção dos seus futuros cidadãos.

Desse modo, as ações cíveis de responsabilização terão por escopo punir

patrimonialmente aquele que não respeitar a idade mínima de admissão ao trabalho

prevista em lei, violando, portanto, o direito fundamental do grupo vulnerável de não

trabalhar nesse estágio de desenvolvimento. A provocação do Estado juiz objetivará

o ressarcimento pelos danos provocados por tal violação, que incidirá diretamente

nos direitos da personalidade,136 uma vez que as atividades laborais praticadas por

135 Isto se justifica pelo fato de que o menor de dezoito anos não possui capacidade processual para postular em juízo, devendo, por isso, ser representado. (BARROS, 2005, p. 543) 136 Nas palavras de Orlando Gomes, os direitos da personalidade são compreendidos pelos: “direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana, preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte de outros indivíduos.” (1996, p. 130)

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seres humanos abaixo da idade mínima de dezesseis anos, expressa pela Lei

Fundamental e pela legislação ordinária, envolvem várias possibilidades de risco,

implicando por isso o dever de indenizar.

O dano137 é uma lesão a um bem jurídico. Na hipótese em exame, este será

potencializado a partir do momento em que se introduzir no mercado de trabalho

uma criança ou um adolescente. Assim, a partir do momento em que tais direitos

forem violados, ter-se-á configurada a lesão. Nesse diapasão, afirma Tárcio José

Vidotti que a obrigação de indenizar independe de qualquer comprovação imediata,

porque o surgimento do dano nesta hipótese só poderá ser comprovado

cientificamente com o decorrer dos anos. (2005, p. 173)

A materialidade imediata dos efeitos da lesão não será um fator decisivo para

a responsabilização138do agente causador do dano, uma vez que, além da

possibilidade de acarretar danos materiais, verifica-se a agressão direta aos direitos

da personalidade da criança, ou do adolescente menor de dezesseis anos,

ilegalmente empregados, configurando-se aí a ocorrência de danos morais. Maurício

Correia de Mello corrobora essa afirmativa:

“Para nosso objetivo, consideramos que ocorre dano moral quando alguém não reconhece a dignidade de outro ser humano, desrespeitando seus direitos fundamentais. Para esse fim, não é relevante se o ato causou efetivamente sofrimento, bastará que este ato atente contra a obrigação de reconhecimento da dignidade do ser humano.” (MELLO, 2005, p. 162)

137 O dano é o pressuposto central para que seja configurada a responsabilidade civil. 138 Ana Lúcia Kassouf, em artigo sobre a ameaça e o perigo à saúde que determinados tipos de trabalho podem provocar às crianças e adolescentes, colaciona dados estatísticos que comprovam a configuração da responsabilidade civil objetiva do tomador de serviços que as emprega em atividades de risco. Observa que os locais de trabalho, máquinas e utensílios utilizados não são anatomicamente adequados a estatura das crianças, implicando problemas ergonômicos e de fadiga. E, além disso, o grupo, por sua própria condição de desenvolvimento, apresenta a capacidade de analisar os perigos a que está submetido. Registra o número fornecido pelo PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios) referente ao ano de 2001, de crianças entre cinco e dezessete anos, que se acidentaram ou ficaram doentes por conseqüência da atividade. Na atividade agropecuária, 206.060, na prestação de serviços 54.900, no comércio, 25.864; na indústria, 42.261; na construção civil, 13.353, e em outras formas de trabalho, 4.436. E acrescenta: “Relatório do Banco Mundial (2001) comenta que a agricultura é uma das ocupações com maior risco em termos de morbidade e mortalidade. Os riscos estão relacionados ao maquinário usado; trabalho extenuante (levantar e carregar peso, trabalhar em posição desconfortável etc); produtos químicos, como pesticidas; e condição metereológica adversa (por exemplo, muito calor); entre outros. Machucados comuns no trabalho agrícola, por exemplo em plantações de sisal e cana-de-açúcar, ocorrem em função do uso de facas e similares para cortar, empilhar e transportar a colheita. Sabe-se que a exposição a pesticidas, produtos químicos, poeira e agentes carcinogênicos aumentam os riscos de desenvolvimento de bronquite, câncer e uma grande gama de doenças.” (2005, p. 127-128)

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Por tal razão, defende-se a aplicação da responsabilidade objetiva139 baseada

na teoria do risco expressa pelo artigo 927,140 parágrafo único do Código Civil de

2002, que trouxe a possibilidade de sua aplicação na hipótese de dano proveniente

de atividade que por sua natureza implicar risco para os direitos de outrem,

independente, pois, da comprovação da culpa.141

A reparação prevista pelo artigo em comento se baseia no dizer de Gustavo

Tepedino (2004), nos princípios da solidariedade social e da justiça distributiva,

capitulados pelo artigo 3º, incisos I e III, da Carta Constitucional, que constituem

fundamentos da República, e por isso, “impõem como linha de tendência, o caminho

da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento de

novos mecanismos de seguro social.”142 (2004, p. 194)

139 O Código Civil vigente consolida um modelo dualista de responsabilidade civil: de um lado, a teoria da responsabilidade subjetiva, expressa pelos artigos 186 e 187, que se origina do ato ilícito, e de outro, a teoria da responsabilidade objetiva, disposta pelo artigo 927. Arnaldo Rizzardo explica que, sobre responsabilidade subjetiva: “Vale afirmar que o ato ilícito nasce da culpa, no sentido amplo, abrangendo o dolo e a culpa propriamente dita, distinção não importante para a reparação do dano. Por isso, a indenização é imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo. A conduta antijurídica se realiza com o comportamento contrário ao direito, provocando o dano. A formação entre o nexo causal entre aquela conduta e a lesão enseja a responsabilidade.” (2003, p. 552) Quanto à responsabilidade objetiva, infere-se a desvinculação do elemento “culpa” para a sua configuração, sendo que a obrigação de reparar o dano emerge da prática ou da ocorrência de um fato que possa acarretar risco ao direito de outrem, pois segundo RIZZARDO: “Nem todos os males que acontecem se desencadeiam por motivo de atitudes desarrazoadas ou culposas. Basta, para obrigar, a causalidade entre o mal sofrido e o fato provocador.” (2003, p. 553) Tal reparação se baseia no dizer de Gustavo Tepedino, nos princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, capitulados no artigo 3º, incisos I e III, da Carta Constitucional, que constituem fundamentos da República, e por isso, “impõem como linha de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social.” (2004, p. 194) 140 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” 141 Carlos Young Tolomei, ensina que a responsabilidade civil contemporânea, por ser assentada nos fundamentos constitucionais da República impõe a ampla proteção dos indivíduos lesionados mediante a adoção da responsabilização subjetiva, baseada na prática de ato ilícito, e, objetiva, fundada no risco ocasionado por terceiro. (2003, p. 369-370) 142 Danilo Doneda entende que a evolução filosófica do conceito de responsabilidade civil modificou-se a partir do momento em que o valor concedido a dignidade humana revestiu-se de caráter normativo no que tange à sua promoção no âmbito nacional, constituindo-se como um dos pilares do Estado brasileiro: “A posição da cidadania e da dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (Constituição Federal, art. 1º, II e III), juntamente com as garantias de igualdade material (art. 3º, III) e formal (art. 5º), ‘condicionam o intérprete e o legislador ordinário, modelando todo o tecido normativo infraconstitucional com a tábua axiológica eleita pelo constituinte’ e marcam a presença, em nosso ordenamento, de uma cláusula geral da personalidade. Tal cláusula geral representa o ponto de referência para todas as situações nas quais algum aspecto ou desdobramento da personalidade esteja em jogo, estabelecendo com decisão a prioridade a ser dada à pessoa humana...” (DONEDA, 2005, p. 82)

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Neste cenário, é relevante destacar o deslocamento do eixo da obrigação do

ofensor de responder por suas culpas para o direito da vítima de obter reparação por

suas perdas no que concerne à responsabilidade civil. Isto certamente se deve ao

fato de ter sido a dignidade humana erigida à categoria de fundamento do Estado

brasileiro143. Com isso, o foco antes posto na figura do ofensor e na comprovação da

falta cometida, direcionou-se para a pessoa da vítima, seus sentimentos e dores.

Nas palavras de Maria Celina Bodin de Moraes (2003), a modificação do foco do ato

injusto para o dano injusto foi a principal alteração conceitual ocorrida no campo da

responsabilidade civil ao longo do século XX:

“...com outras palavras, a reparação do dano sofrido,

em qualquer caso, alcançou um papel muito mais relevante do

que a sanção pelo dano causado.

Com efeito, na busca da reparação mais ampla

possível, primeiro desvalorizou-se o ato (ilícito) de conduta em

relação à teoria do risco e, do risco, já se passa à idéia de

injustiça do dano, buscando oferecer sempre maior proteção à

dignidade humana, mas, em conseqüência, tendo como

resultante um manifesto processo de ‘desculpabilização.’”

(MORAES, 2003, p. 13, 14)

A Constituição Federal estabelece – por meio do artigo 114, inciso VI – que

compete à Justiça do Trabalho a apreciação de demanda em que se postule

indenização por dano moral decorrente de relação laboral, conforme alteração

efetuada pela Emenda Constitucional n. 45/2004. Após, o amplo debate doutrinário

(BARROS, 2005, p. 608) acerca de tal competência, tanto o Superior Tribunal de

143 A esse respeito, é importante destacar as palavras de Maria Celina Bodin de Moraes: “A responsabilidade civil tem representado nos países ocidentais um papel verdadeiramente revolucionário, configurando-se como uma das instâncias primárias de mediação entre as práticas sociais e a tutela jurídica. No Brasil, os impulsos transformadores carreados pelo instituto amplificaram-se a partir da promulgação da Constituição de 1988. A conseqüente expansão da responsabilidade, ressaltada por tantos, reforça a idéia, tornada realidade pela jurisprudência atual, segundo a qual o Direito se oferece como o instrumento por excelência indispensável para a promoção da pessoa humana. Desse modo. A responsabilidade civil tornou-se a instância ideal para que, através do incremento das hipóteses de dano indenizável, não somente seja distribuída justiça, mas também seja posto em prática o comando constitucional da solidariedade social. A estrutura do instituto, relativamente simples e flexível, apesar de suas dicotômicas controvérsias, converteu-o num amálgama formado por diversas e variadas funções, que lhe foram sendo atribuídas jurisprudencialmente e que hoje carecem de sistematização, ainda a ser levada a cabo pela doutrina. (MORAES, 2003, p. 23, 24)

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Justiça144 como o Supremo Tribunal Federal145 têm estreitado o entendimento

acerca dessa competência, reconhecida agora pelo texto constitucional após a

Emenda Constitucional n. 45/2004. Ressalta Maurício Correia de Mello que:

“Não há que se confundir a obrigação de reparar o prejuízo causado pela eventual não observância dos direitos trabalhistas, com os reflexos de uma relação de trabalho na preservação da dignidade da criança e do adolescente. Quando formulados perante a Justiça do Trabalho, serão pedidos originados em duas fontes diferentes. Os direitos trabalhistas estão assentados na Constituição, na CLT e na legislação trabalhista esparsa. Os direitos relacionados à dignidade da criança e do adolescente estão fundamentados na Convenção da ONU sobre Direitos da Criança, nas Convenções ns. 138 e 182 da OIT, na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente.” (MELLO, 2005, p. 171)

Não obstante a possibilidade de responsabilização por danos morais e

materiais em face do empregador ou tomador de serviços na esfera cível, com o

escopo de compensar o sofrimento e eventual redução patrimonial ocasionada e

desestimular a prática de atos lesivos aos direitos de outrem, verifica-se que a lei

penal também fornece mecanismos de proteção ao grupo quando submetido à

condição análoga a escravo.

O artigo 149 do Código Penal criminaliza a conduta de reduzir-se alguém a

condição análoga a escravo, mediante exercício de trabalho forçado ou jornada

exaustiva, em condições degradantes de trabalho, prevendo pena de reclusão de

dois a oito anos além da aplicação de multa. O parágrafo 2º majora a pena no

correspondente a sua metade quando o crime for cometido contra criança ou

adolescente, previsão acrescentada pela Lei n. 10.803/2003. Com efeito, verifica-se

que o legislador concedeu mais um mecanismo para o combate à exploração do

trabalho infantil e adolescente, condicionando, no entanto, a caracterização da

redução a condição análoga à de escravo.

É certo que muitas das atividades exercidas por menores de dezesseis anos

poderão se enquadrar na tipificação do artigo, como o trabalho com a cana-de-

açúcar e todos aqueles considerados impróprios, sendo condicionada, no entanto, à

144 MS 2006/0019891-1. Relator: Min. Ari Pargendler. Julgamento: 14/06/2006. (Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp? Acesso em junho/2006) 145 RE 238737 / SP – Recurso Extraordinário. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 17/11/1998 Órgão Julgador: Primeira Turma. (Disponível em: http://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp Acesso: junho de 2006)

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configuração de estar sendo submetido por alguém à condição análoga a de

escravo. Nesse ponto, defende-se a idéia da criminalização para o emprego de mão-

de-obra de criança ou adolescente nas formas proibidas por lei, pois, dessa forma, a

norma teria maior efetividade146.

3.4.3. A atuação do Ministério Público do Trabalho

O Ministério Público do Trabalho, no uso de suas atribuições conferidas pela

Carta Constitucional de 1988, 147 é o órgão competente para proteger os preceitos

constitucionais no âmbito das relações de trabalho, competindo-lhe, dessa forma,

defender os interesses decorrentes dessas relações que envolvam crianças e

adolescentes, conforme preceitua o inciso V do artigo 85 da Lei Complementar n.

75/1993, que dispõe sobre as atribuições e o estatuto do MP da União. 148

146 Luis Roberto Barroso explica que a noção de efetividade da norma corresponde ao que Kelsen retratou como sendo “o fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstância de uma conduta humana conforme à norma se verificar na ordem dos fatos.” E conclui: “A efetividade significa, portanto, a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.” (2006, p. 82-83) 147 A Constituição de 1988 preceitua no artigo 127 que o Ministério Público é uma instituição permanente e essencial ao exercício da jurisdição do Estado, que apresenta o objetivo de promover “a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”. Uma de suas funções institucionais é a de promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses difusos e coletivos, na forma do inciso III do artigo 129 da Lei Fundamental. Alexandre de Moraes salienta que a partir do momento em que o texto constitucional alargou o alcance do inquérito civil e da ação civil pública (instrumentos criados pela Lei n. 7.347/85 e que outrora apresentavam apenas a finalidade de responsabilização por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico) objetivou conceder ao Ministério Público a “titularidade genérica para promover medidas necessárias à proteção da vigência e da eficácia da Constituição”. (2006, p. 555) Partindo-se dessa premissa, verifica-se que a proteção da vigência e eficácia da Constituição se relaciona diretamente com a promoção da dignidade humana, que é um dos fundamentos do Estado democrático brasileiro, emanando, portanto, reflexos na esfera dos direitos e garantias fundamentais das crianças e dos adolescentes, decorrentes do princípio constitucional da proteção integral. 148 O artigo 201 do ECA elenca rol exemplificativo referente às atribuições do Ministério Público no que tange à proteção e defesa dos direitos da comunidade, destacando-se a competência do parquet para: “V – promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, p. 3º, inciso II, da Constituição Federal; VI – instaurar procedimentos administrativos e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimentos ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela polícia civil ou militar; b) requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades municipais, estaduais e federais, da administração direta ou indireta, bem como promover inspeções e diligências investigatórias; c) requisitar informações e documentos a particulares e instituições privadas; VII – instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude;”

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Desse modo, poderá atuar como órgão interveniente ao desempenhar o papel

de defensor da lei nos feitos judiciais que envolvam interesse público, na elaboração

de pareceres opinativos, mediante a participação em sessões de julgamento, como

árbitro e mediador nos dissídios coletivos, e na interposição de recursos, na hipótese

de desrespeito à lei. Poderá também atuar na qualidade de órgão agente ao receber

denúncias, instaurar procedimentos de investigação, inquéritos civis públicos,149

aplicar medidas administrativas, como o Termo de Compromisso de Ajuste de

Conduta e ajuizar ações judiciais. (Disponível em: http://www.pgt.mpt.org.br/ Acesso:

maio/2006)

Ao receber denúncia sobre o desrespeito ao direito fundamental de não

trabalhar da criança e do adolescente menor de dezesseis anos, e sendo esta

comprovada, o Procurador do Trabalho responsável pelo inquérito, poderá propor ao

inquirido que assine um Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta

(TCAC) – instrumento revestido de caráter executivo, com valor de título

extrajudicial, na forma do artigo 876 da CLT – através do qual o mesmo se

comprometerá a regularizar a situação, sob pena de multa na hipótese de

descumprimento, podendo ainda obrigar-se ao pagamento do que for devido aos

prejudicados a título de indenização. Se o TCAC não for aceito, o MPT poderá

recorrer à via judicial mediante a propositura da Ação Civil Pública perante o juízo de

uma Vara do Trabalho (Disponível em: http://www.pgt.mtp.gov.br Acesso:

maio/2006) postulando a condenação do “mau empregador” por dano moral coletivo.

(MELLO, 2005, p. 164)

A atuação do parquet no combate ao trabalho infantil e na regularização do

trabalho do adolescente ganhou maior impulso em novembro de 2000, com a

instituição da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da

Criança e do Adolescente, através da portaria n. 299, que tem por finalidade

promover a integração entre as Procuradorias Regionais do Trabalho no intuito de

convergir ações.150 A coordenação se estrutura em âmbito nacional e regional,

149 “O inquérito civil público é, pois, um instrumento de investigação exclusivo do Ministério Público. Isto significa dizer que os demais legitimados para ajuizarem a ação civil pública (União, estados, municípios, suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e associações constituídas há pelo menos um ano que incluam entre as suas finalidades institucionais um daqueles interesses ensejadores de tal proteção – art. 5º, incisos I e II, da Lei n. 7.347/85) não poderão se valer de tal mecanismo.” (SENTO-SÉ, 2000, p. 122) 150 Em 21 de julho de 2003, o Ministério Público do Trabalho integrou a Comissão Especial do Trabalho Infantil Doméstico – CETID, instituída pela Portaria Interministerial n. 6, dos Ministérios da Assistência Social e combate à Fome, da Educação e do trabalho e Emprego, com o objetivo de discutir e criar estratégias de intervenção com escopo de combater o trabalho infantil doméstico. Registra-se que, recentemente, a CETID

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contando com atuação preventiva e repressiva das procuradorias regionais do

trabalho no Brasil. Nas ações preventivas, baseia-se na investigação da existência

de exploração do trabalho de crianças e adolescentes, principalmente nas piores

formas dispostas pela Convenção da OIT n. 182, por meio de denúncias ou por

iniciativa própria. Já nas repressivas, o MPT atua na instauração de inquéritos civis,

ajuizamento de ações civis públicas, realizando o intercâmbio com o Ministério

Público Federal e Estadual quando se fizer necessário, para a apuração e

processamento dos responsáveis pelos ilícitos administrativos, civis e penais, cada

qual em sua esfera de atribuição. (Disponível em:

http://www.prt13.mpt.gov.br/coortrabalhoinfantil.html. Acesso em junho/2006)

3.4.4. A possibilidade de recurso à Corte Interamericana de Direitos Humanos

A Convenção Americana de Direitos do Homem instituiu a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos

Humanos como organismos do sistema regional competentes para zelar pela

proteção dos direitos humanos reconhecidos em âmbito regional e positivados no

corpo de seu texto. Assim, tanto a CIDH quanto a Corte Interamericana têm

competência para conhecer os assuntos relacionados ao cumprimento dos

compromissos assumidos pelos Estados-partes da Convenção Americana.

Quanto à atuação para combater a utilização da mão-de-obra infantil e

adolescente, a Corte é o órgão responsável uma vez que se apresenta como o

órgão jurisdicional do sistema regional com a competência para agir

repressivamente e preventivamente, através de pronunciamento consultivo ou

contencioso.

O artigo 7º, alínea “f”, do Protocolo adicional expressa a proibição de trabalho

noturno, perigoso, insalubre e demais formas que possam implicar risco de danos à

saúde, segurança e moral aos menores de dezoito anos. Quando se tratar de

menores de dezesseis anos, a atividade laboral somente será permitida se for parte

integrante da grade curricular do sistema de ensino, não podendo em nenhuma

hipótese constituir óbice para sua formação educacional. Esse dispositivo permite a

traçou plano de ação emergencial direcionado a crianças e adolescentes na faixa etária entre sete e dezesseis anos incompletos, envolvidos com o trabalho doméstico. (Disponível em: http://www.prt13.mpt.gov.br/pubartigos/pubartmecl00012005.pdf Acesso em junho/2006)

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possibilidade de responsabilização do Estado brasileiro quando suas instituições se

mostrarem falhas ou omissas (PIOVESAN, 2006, p. 250) no que tange ao fiel

cumprimento da norma proibitiva do emprego de menores de dezoito anos, nas

situações descritas pela Convenção.

Ao discorrer sobre a responsabilidade primária dos Estados frente às normas

das Nações Unidas, José Augusto Lindgren Alves (2003) ensina que estas têm

caráter complementar e subsidiário em relação às nacionais. Mutatis mutandis,

defende-se a aplicação de seu entendimento quanto à complementaridade das

normas da Convenção Americana, da qual o Brasil é signatário, frente às normas de

direito interno.

“O sistema internacional de proteção dos direitos

humanos construído pelas Nações Unidas tem caráter complementar e subsidiário. A responsabilidade primeira permanece com os Estados. Salvo casos excepcionais, decorrentes de situações bélicas, envolvendo ameaças à paz e à segurança internacionais, de Competência do Conselho de Segurança, o sistema é necessariamente cauteloso em relação às soberanias nacionais.” (ALVES, 2003, p. 70)

O artigo 46 da Convenção Americana consagra os requisitos de

admissibilidade obrigatórios das petições ou comunicações individuais a serem

dirigidas à Comissão ou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, e nesse

cotejo, depreende-se a manifestação da autonomia internacional dos direitos

humanos que reconhece a qualquer interessado ou até mesmo a vítima de violação

dos direitos humanos, a legitimidade ad causam para exercer o direito de petição.

Dispõe o mencionado artigo o seguinte:

“Art. 46 – Para que uma petição ou comunicação apresentada de acordo com os artigos 44 ou 45 seja admitida pela Comissão, será necessário:

a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da jurisdição interna, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralmente reconhecidos;

b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presumido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva;

c) que a matéria da petição ou comunicação não esteja pendente de outro processo de solução internacional; e

d) que, no caso do artigo 44, a petição contenha o nome, a nacionalidade, a profissão, o domicílio e a assinatura da pessoa ou pessoas ou do representante legal da entidade

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que submeter a petição.”151 (Disponível em: http://www.cidh/Basicos/Base3.htm Acesso em: janeiro/ 2007)

Não encontrou-se registros disponíveis sobre a existência de decisão

contenciosa ou consultiva, proferida pela Corte, sobre a violação do direito

fundamental de não trabalhar antes da idade mínima estabelecida pela Convenção

Americana. Contudo, destaca-se trecho do voto proferido pelo juiz Antônio Augusto

Cançado Trindade, na Opinião Consultiva (OC – 17/2002), de 28 de agosto de 2002,

formulada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos à Corte, na qual

solicitou-se a interpretação dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, com o

propósito de determinar se as medidas especiais estabelecidas pelo artigo 19 da

mesma Convenção, constituem limite ao arbítrio ou à discricionariedade dos Estados

em relação às crianças:152

“52. Pero no basta afirmar que el niño es sujeto de derecho, importa que él lo sepa, inclusive para el desarrollo de su responsabilidad. De ahí la transcendental importancia de la educación en general, y de la educación en derechos humanos en particular, debidamente reconocida en la presente Opinión Consultiva (págs. 84,-85 y 88). No son de difícil constatación las manifestaciones precoces de algunas grandes vocaciones, a veces muy temprano en la vida. Todo niño tiene efectivamente el derecho de crear y desarrollar su propio proyecto de vida. A mi juicio, la adquisición del conocimiento es

151 “Artigo 44 - Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção por um Estado-parte.” “Art. 45 – 1. Todo Estado Parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece a competência da Comissão para receber e examinar as comunicações em que um Estado Parte alegue haver outro Estado Parte incorrido em violações dos direitos humanos estabelecidos nesta Convenção. 2. As comunicações feitas em virtude deste artigo só podem ser admitidas e examinadas se forem apresentadas por um Estado Parte que haja feito uma declaração pela qual reconheça a referida competência da Comissão. A Comissão não admitirá nenhuma comunicação contra um Estado Parte que não haja feito tal declaração. 3. As declarações sobre reconhecimento de competência podem ser feitas para que esta vigore por tempo indefinido, por período determinado ou para casos específicos. 4. As declarações serão depositadas na Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos, a qual encaminhará cópia das mesmas aos Estados membros da referida Organização.” (Disponível em: http://www.cidh/Basicos/Base3.htm Acesso em: janeiro/2007) 152 O artigo 8º cuida das garantias judiciais para a defesa dos direitos violados, como contraditório e ampla defesa. O artigo 19 dispõe sobre o dever da família, da sociedade e do Estado de garantir os direitos das crianças e adolescentes por meio dos instrumentos de proteção disponíveis no ordenamento. E o artigo 25 expressa o dever dos Estados-partes de assegurar os direitos e garantias fundamentais previstos pela Convenção, pela Lei Fundamental ou por outra lei, no que tange ao direito de interposição de recursos judiciais perante os juízes ou tribunais competentes, e, ainda: “a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.” (Disponível em: http://www.oas.org/juridico/spanish/tratados/b-32.html Acesso em junho/2006)

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una forma - quizás la más eficaz - de emancipación humana, e imprescindible para la salvaguarda de los derechos inherentes a todo ser humano.

53. El corpus juris de los derechos humanos del niño se ha conformado como respuesta de la conciencia humana a sus necesidades de protección. El hecho de que los niños no disfrutan de plena capacidad juridical para actuar, y que tengan así que ejercer sus derechos por medio de otras personas, no les priva de su condición jurídica de sujetos de derecho. Nadie osaría negar el imperativo de la observancia, desde la aurora de la vida, de los derechos del niño, v.g., a las libertades de conciencia, pensamiento y expresión. Especial relevancia ha sido atribuída al respeto a los puntos de vista del niño, estipulado en el artículo 12 de la Convención de Naciones Unidas sobre los Derechos del Niño, la cual, a su vez, ha fomentado una visión holística e integral de los derechos humanos.” (OC – 17/2002)

3.5. Conclusões parciais

O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem em caráter universal é

marco histórico do estabelecimento de um sistema internacional de proteção. No

âmbito americano, o Direito Internacional dos Direitos Humanos conta com o apoio

do sistema interamericano, composto pelos Estados pertencentes à Organização

dos Estados Americanos, que fundamenta sua atuação jurídica na Convenção

Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), estabelecendo

através dela duas instituições responsáveis pela tutela dos direitos fundamentais dos

seus Estados-partes: a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. À

Comissão, competem as medidas preventivas de violação dos direitos fundamentais,

abrangendo não só os Estados signatários da Convenção como também todos

aqueles pertencentes à OEA. A Corte, no entanto, goza da prerrogativa de impor,

aos Estados que reconhecem a sua jurisdição, as decisões proferidas em seara

consultiva, mediante emissão de parecer, ou, contenciosa mediante julgamento do

mérito de questão levada ao seu conhecimento, na qual se constatar a violação de

um dos preceitos da Convenção.

A existência de um sistema regional de defesa dos direitos humanos

possibilita maior efetividade na observância e aplicação das normas internacionais

no plano do direito interno, por estar mais próximo da realidade cultural e

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institucional de cada nação regional. Assim, constata-se a consolidação de um

sistema internacional de proteção ao direito fundamental das crianças e dos

adolescentes de não trabalhar antes da idade mínima permitida e em condições

nocivas à sua formação e desenvolvimento, por meio das adesões às Convenções

da Organização Internacional do Trabalho e o reflexo de sua incorporação pelo

direito interno.

O movimento de proteção e defesa dos direitos fundamentais da comunidade

infantil e adolescente repercute no ordenamento pátrio não só por meio do

reconhecimento destes, mas também pela disponibilização de mecanismos jurídicos

e sociais, no bojo de uma ação política de atendimento, com a finalidade de ofertar

meios de prevenção e repressão da introdução precoce do grupo vulnerável no

mercado de trabalho. Nessa seara, destaca-se a importância do Programa de

Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), uma das políticas públicas adotadas pelo

governo federal, e a atuação do Ministério Público do Trabalho, mediante

fiscalização e ajuizamento de ações de responsabilização em face dos agentes

exploradores da mão-de-obra infantil e adolescente.

A atuação do parquet no combate ao trabalho infantil e na regularização do

trabalho do adolescente é de grande relevância e a instituição da Coordenadoria

Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente foi

fundamental para a promoção da integração entre as Procuradorias Regionais do

Trabalho no intuito de convergir ações preventivas e repressivas das procuradorias

regionais do trabalho no Brasil.

Busca-se, desse modo, combater todas as atividades consideradas

inadequadas ao grupo como o trabalho noturno, insalubre, perigoso, penoso, nocivo

à formação moral e as consideradas degradantes ou piores formas de trabalho,

exemplificadas nesta livro como o corte de cana-de-açúcar, a coleta de lixo e o

trabalho doméstico.

Além da possibilidade de responsabilização civil do tomador de serviços de

criança ou de adolescente o legislador inovou o ordenamento ao tipificar como crime

a ação de reduzir criança ou adolescente a condição análoga a de escravo mediante

exercício de trabalho forçado ou a jornada exaustiva, em condições degradantes de

trabalho, através da Lei n. 10.803/2003 que acrescentou o parágrafo 2º, ao artigo

149, do Código Penal. Assim, muitas das atividades exercidas por menores de

dezesseis anos poderão se enquadrar na tipificação do artigo, como o trabalho com

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a cana-de-açúcar e todos aqueles considerados impróprios, sendo condicionada, no

entanto, à configuração de estar sendo submetido por alguém à condição análoga a

de escravo. Defende-se aqui a idéia da criminalização da conduta do emprego da

mão-de-obra de criança ou adolescente nas formas proibidas por lei, para que a

norma tenha maior efetividade.

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4. A REGULAMENTAÇÃO DO TRABALHO DO ADOLESCENTE NO DIREITO BRASILEIRO

Conforme constatado até aqui, o reconhecimento da dignidade humana da

comunidade infantil e adolescente foi um fator decisivo para a asserção da

concepção da proteção integral no ordenamento jurídico pátrio. A irradiação de tal

princípio desencadeou o reconhecimento de vários direitos fundamentais do grupo

vulnerável, dentre eles, o de não trabalhar antes da idade mínima prevista pelo texto

constitucional (e repetida pela legislação ordinária), o de não ser submetido a

atividades consideradas nocivas à sua formação na hipótese de já dispor de

capacidade laboral, como também o direito à profissionalização. Neste sentido,

verifica-se que o legislador demonstra preocupação de aliar a necessidade de se

obter o retorno financeiro, por parte do adolescente que ingressa no mercado de

trabalho, à sua formação educacional e profissional, dispondo sobre as formas de

trabalho a ele permitidas e condicionando-as à viabilização da freqüência à escola.

Partindo-se dessas considerações, serão analisadas neste capítulo as formas

de trabalho e de relação de emprego que a lei permite aos adolescentes, com

enfoque naquelas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho.

4.1. A educação profissional do adolescente

Pelo fato de ser o Brasil um país de grandes desigualdades sociais com

discrepante distribuição de renda, as famílias de baixo poder aquisitivo e formação

educacional precisam valer-se da introdução prematura de seus filhos no mercado

de trabalho a fim de assegurar sua sobrevivência.

Tendo em vista que não se trata de uma realidade apenas do Brasil, mas

também de outros países153, a normativa internacional, por meio da OIT, sempre

153 “O trabalho de crianças, ao que se sabe, é um fenômeno social existente em todo o mundo, desenvolvido ou não. O que se observa, contudo, é que sua manifestação se dá de forma distinta de uma localidade para outra, seja região ou país, variando sua intensidade e gravidade. Países como o Brasil, cujo padrão de desenvolvimento apresenta uma distribuição de renda injusta, com desigualdades regionais muito profundas e onde existe um contingente de famílias em situação de extrema pobreza, associada às precárias condições da escola pública a

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buscou elaborar normas e orientações no sentido de regular o trabalho do

adolescente, inevitável frente aos problemas econômicos que cada nação enfrenta.

Assim, pode-se constatar através da leitura das Recomendações da OIT de n.

5 de 1921, que cuida do ensino técnico agrícola; n. 56 de 1937 sobre o ensino

técnico em edificações, n. 57 de 1939, que trata da distinção entre a formação

profissional, o ensino técnico e a aprendizagem; n. 60 de 1939 que cuida da

aprendizagem e seus princípios; n. 117 de 1962, referente à formação profissional, e

a de n. 87 de 1949, que trata da importância da orientação profissional, a

preocupação com a formação educacional e profissional do adolescente com o

escopo de capacitá-lo a ocupar empregos que exijam mão-de-obra qualificada.

(Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/spanish Acesso em: junho/2006)

As transformações tecnológicas aliadas aos efeitos da globalização da

economia no setor produtivo estão cada vez mais exigindo profissionais qualificados

e versáteis para rapidamente adaptarem-se a essas alterações, eliminando qualquer

vestígio dos modelos fordista e taylorista adotados na primeira metade do século

XX, que organizavam a produção por meio da divisão de tarefas.154 Por isso, o

Estado almeja viabilizar a profissionalização do adolescente mediante o ensino

técnico e profissional, para que possa ser inserido no mercado de trabalho como

mão-de-obra qualificada, e não submeter-se mais ao trabalho na qualidade de “meia

força”, mão-de-obra barata, conforme verifica-se no primeiro capítulo, quando se

abordou a situação das crianças e dos adolescentes nas indústrias, no período da

Revolução Industrial.

“A formação profissional de adolescentes é questão prioritária, posto que o mercado de trabalho do mundo informatizado demanda qualificação de trabalhadores que possam intervir criticamente no processo produtivo, ou atuar nos setores de prestação de serviço e de comércio, os quais demandam maior nível de preparação laboral, e têm-se apresentado como os que vêm ofertando maior oportunidade de trabalho.” (FONSECA, 2001, p. 146)

que seus filhos têm acesso, acarreta a necessidade, por parte dessas famílias, de utilizar o trabalho precoce de seus filhos.” (VILELA, 1997, p. 53) 154 “Iniciamos reiterando que entendemos o fordismo fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das funções; pela separação entre elaboração e execução no processo de trabalho; pela existência de unidades fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador coletivo fabril, entre outras dimensões.”(ANTUNES, 2002, p. 25)

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Dessa forma, seguindo as orientações da OIT acerca do tema, o comando

constitucional155, a CLT e o ECA dispõem sobre as formas de trabalho permitidas ao

adolescente, a partir dos dezesseis anos de idade – abrindo à exceção ao

adolescente a partir dos quatorze, que poderá ser contratado como aprendiz –

instituindo o trabalho como um dos componentes de sua formação educacional ao

pretender aliar o ensino à prática, observadas as diretrizes da Lei n. 9.394/96 que

dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

O Decreto n. 5.154, de 22 de julho de 2004, que revogou o Decreto n.

2.208/1997 e regulamenta o parágrafo 2º, do artigo 36, e os artigos 39 a 42 da LDB,

prescreve que a educação profissional será desenvolvida por meio de cursos e

programas de formação inicial e continuada de trabalhadores, educação profissional

técnica de nível médio e educação profissional tecnológica de graduação e pós-

graduação, buscando integrar o trabalho à ciência e à tecnologia, e com isso,

conduzir o educando ao desenvolvimento de suas aptidões para a vida produtiva.

(Disponível em: http://www.presidencia.gov.br Acesso em: junho/2006) Segundo

Rangel e Cristo o direito à profissionalização:

“Apresenta-se no novo contexto legal como uma das dimensões do direito do adolescente à cidadania plena. Os programas de aprendizagem devem ser concebidos, portanto, sob a diretriz do processo educativo, pois que já superado o paradigma da ‘socialização pelo trabalho’, que norteava os programas destinados especificamente à população carente.” (RANGEL, CRISTO, 2004, p. 86)

Oris Oliveira (2004), baseado no Glossário da UNESCO, faz distinção entre o

significado do ensino técnico-profissional, mencionado pelo artigo 62 do ECA e pelo

artigo 428 da CLT, e a formação profissional. O primeiro visa a formação social e

profissional do adolescente, através da combinação entre o ensino regular e a

aquisição de conhecimentos e aptidões práticas relativos ao exercício de

determinadas profissões. Já o segundo, tem por objetivo principal o treinamento

para a ocupação de um lugar no processo de produção. (2005, p. 213) Assim, a

155 O direito à profissionalização está incluído entre todos os outros dignos de proteção especial no artigo 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização” A profissionalização foi inserida no contexto educacional tanto pela Constituição nos artigos 203, III, 205, caput e 214, IV, quanto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus artigos 62 a 69.

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formação técnico-profissional insere-se no campo da educação permanente que,

segundo Oliveira (2004), está relacionada à filosofia de que a educação é um

processo de longa duração, iniciando-se no nascimento do ser humano e

prosseguindo por toda sua vida156. (2004, p. 213)

“O ensino técnico e profissional deverá constituir uma

parte integrante do sistema geral de educação e, em face disso, uma atenção particular deverá ser concedida a seu valor cultural. Deverá exceder a simples preparação para o exercício de uma determinada profissão, preparação cujo objetivo principal é fazer com que o estudante adquira competências e conhecimentos teóricos estritamente necessários a esse fim; deverá, juntamente com o ensino geral, assegurar o desenvolvimento da personalidade, do caráter e das faculdades de compreensão, de julgamento, de expressão e de adaptação. (OLIVEIRA, 2005, p. 213)

De acordo com documento do Ministério do Trabalho e Emprego, fazem parte

da rede de educação profissional do Brasil as seguintes entidades: universidades

públicas e privadas, escolas de ensino médio/técnico e supletivo públicas e privadas,

o sistema “S”, as empresas e entidades empresariais, as escolas/centros de

sindicatos de trabalhadores, as organizações não governamentais leigas e religiosas

sem fins lucrativos e o ensino profissional privado. (OLIVEIRA, 2004, p. 157)

O artigo 63 do ECA estabelece três princípios estruturadores da formação

técnico-profissional em seus incisos respectivos: “a garantia de acesso e freqüência

obrigatória ao ensino regular; atividade compatível com o desenvolvimento do

adolescente; horário especial para o exercício da atividade.” Depreende-se dessa

forma que o espírito da norma é o da prevalência da escolarização sobre o trabalho,

devendo a formação profissional do adolescente ser parte integrante da construção

do futuro adulto.

Interpretando-se a norma enunciada pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e pela Consolidação das Leis do Trabalho (redação

156 O direito à profissionalização é reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem como um direito fundamental, in verbis: “Art. XXVI. 1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.” (Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php Acesso em maio/2006) No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança: “Art. 28. Os Estados-Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente: b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas, tais como a implantação do ensino gratuito e concessão de assistência financeira em caso de necessidade.” (Disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/doc_crianca1.php Acesso em maio/2006)

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Lei n. 10.097/2000) constata-se que o adolescente poderá ser investido como

aprendiz em trabalho profissionalizante em estabelecimento empresarial por meio de

contrato de trabalho especial, por intermédio de entidade sem fins lucrativos, Escola

Técnica de Ensino ou ainda como estagiário.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 62, define como

aprendizagem a modalidade de formação técnico-profissional ministrada segundo as

diretrizes e bases da legislação de educação em vigor.

Oliveira (2004) conceitua aprendizagem como a primeira fase de um processo

educacional, no qual se adquire formação técnico-profissional, mediante a

alternação do ensino teórico e prático, em conformidade com um programa em que

se passa da atividade menos complexa para a mais complexa, sob orientação de um

responsável em ambiente adequado. (1994, p. 89)

Jorge Neto e Cavalcante (2004) definem a aprendizagem como:

“Processo conducente ao conhecimento de ofício, arte

ou função. O processo em causa corresponde à formação profissional conceituada de forma a abarcar todos os modos de formação ensejantes de conhecimentos técnicos e profissionais, quer se proporcione esta formação em escola ou no local de trabalho.

A aprendizagem pode ser ainda definida como sistema em virtude do qual o empregador se obriga, por contrato, a empregar um jovem trabalhador e a lhe ensinar ou a fazer que se lhe ensine metodicamente um ofício, durante período previamente fixado, no transcurso do qual o aprendiz se obriga a trabalhar a serviço de dito empregador.” (JORGE NETO, CAVALCANTE, 2004, p. 962)

Quanto ao modo de aquisição, a aprendizagem157 apresenta-se de duas

formas: empresária e escolar. (OLIVEIRA, 2005, p. 214) A primeira é regulada pela

Lei n. 10.097/2000, sendo desenvolvida nos estabelecimentos empresariais e nos

Serviços Nacionais de Aprendizagem. A segunda é adquirida nas escolas técnicas

ou nas entidades não governamentais sem fins lucrativos. O estágio é regido por lei

específica, mas é compreendido como a complementação da aprendizagem escolar.

157 “No sistema dual de formação, adotado pela Alemanha, os ofícios a serem ministrados são determinados pela União, pelos Estados e pelos parceiros sociais em estreita cooperação, atendendo a demanda do mercado de trabalho. A formação profissional pode durar de dois a três anos e meio, de acordo com o ofício escolhido, sendo que o conteúdo dos cursos tenta atender às exigências que, no futuro, o ofício imporá aos formandos, preparando os aprendizes para o seu ingresso e permanência no mercado de trabalho. No curso do contrato de aprendizagem, os aprendizes recebem uma remuneração.” (COELHO, 2005, p. 47)

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Partindo-se dessas considerações, verificar-se-ão as formas de trabalho

permitidas aos adolescentes à luz do princípio da proteção integral, que lhes confere

o direito ao trabalho sem prejuízo do direito à sua profissionalização e acesso à

escola. Sendo assim, serão analisadas, primeiramente, as formas de trabalho que

não configuram relação de emprego e a seguir as atividades que apresentam o

caráter de relação empregatícia protegida pela CLT.

4.2. As formas de trabalho que não constituem relação de emprego

Antes de apresentar as formas de trabalho permitidas aos adolescentes, é

preciso explicar o motivo de sua diferenciação e destaque face às que constituem

relação de emprego.

Afirma Maurício Godinho Delgado que a expressão “relação de trabalho”

apresenta caráter genérico, pois engloba todas as relações jurídicas que envolvam

obrigação de fazer consubstanciada em trabalho humano, referindo-se desse modo,

a todas as modalidades de contratação para prestação de serviços admitidas pelo

ordenamento jurídico pátrio. (1999, p. 230) De outro lado, tem-se a relação de

emprego, que se apresenta como uma das formas específicas de relação de

trabalho juridicamente positivadas, gozando de características que a destaca das

demais. O autor entende que esse tipo de relação adquiriu importância por ter se

estabelecido ao longo de muitos anos no contexto socioeconômico da sociedade

ocidental como forma mais utilizada de prestação de serviços. Daí sua projeção e

predomínio frente às demais relações de trabalho e a sistematização de normas

jurídicas próprias e específicas no âmbito de proteção. A respeito dessa

diferenciação, ensina Thiago Mota Fontenele e Silva:

“A relação de trabalho característica da Contemporaneidade é a relação de emprego assalariada, o que não quer dizer que não existam outros modos. O trabalho autônomo, por exemplo, não é emprego, nem é assalariado. Também não se diz relação de emprego o trabalho avulso e o eventual. A relação de emprego é, portanto, uma espécie, obviamente não exclusiva, porém predominante por sua importância social, de relação de trabalho.” (SILVA, 2005)

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Amauri Mascaro Nascimento (1992) define a relação de emprego como sendo

“a relação jurídica de natureza contratual158 tendo como sujeitos o empregado e o

empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado” (1992,

p. 269). Nesse sentido, depreende-se que a relação de emprego decorre de um

contrato individual de trabalho, que apresenta requisitos especiais como a não-

eventualidade e a subordinação do empregado ao empregador, tendo em vista que

o primeiro se sujeita aos poderes diretivos e disciplinares do segundo.

Nesse diapasão, define o artigo 3º da CLT que é considerado empregado,

toda pessoa física que prestar serviços de natureza não-eventual a empregador, sob

sua dependência e mediante salário. É a partir dessa definição, pois, que se chega à

158 A compreensão do vínculo de relação de emprego mediante contrato e característica de subordinação enseja o surgimento de teorias que buscam justificar a essência da relação de emprego, negando ou afirmando sua natureza contratual, conforme sinteticamente destaca Thiago Mota Fontenele e Silva: “A teoria anticontratualista (acontratualista) nega a natureza contratual do vínculo entre empregado e empregador. Nascida na Alemanha, com a teoria da relação de trabalho, prega que a empresa é uma comunidade de trabalho na qual o trabalhador incorpora-se para cumprir os fins objetivados pela produção nacional e nessa comunidade não existe uma soma de particulares relações contratuais entre os interessados. Há só uma relação de trabalho, sem margem para a autonomia da vontade e constituída pela simples ocupação do trabalho humano pelo empregador. A teoria da instituição (institucionalismo) tem origem Francesa e Italiana e seus defensores sustentam que a relação de trabalho resulta da simples inserção ou da ocupação de fato do trabalhador na empresa. O empregado não "contrata" com o empregador: torna-se membro da empresa, uma instituição. Por esta teoria não se admite a possibilidade de conflitos uma vez que empregado e empresa trabalham ambos com vistas ao bem comum. A teoria da relação de trabalho: esta teoria surgiu na Alemanha nazista e sustenta que empresa e empregados formam uma comunidade em que há estreita ligação entre o chefe e o grupo de trabalhadores, podendo aquele exigir com liberdade a produção, propiciando maior proximidade entre produção e administração. A teoria do ato condição, cujos defensores querem que, na admissão do empregado, configure-se um "ato-condição" porque já existe, antes dela, "um verdadeiro estatuto legal, convencional, judiciário e costumeiro que lhe será aplicado logo que se realize a simples formalidade da admissão". Assim, a única vontade manifestada é a admissão e o conteúdo do contrato já é previamente definido em leis e convenções. A teoria contratualista, por sua vez, considera a relação entre empregado e empregador um contrato e seu fundamento reside na tese de que a vontade das partes é a causa insubstituível e única que pode constituir o vínculo jurídico. A fase clássica do contratualismo é caracterizada pela explicação do contrato de trabalho com base nos mesmos tipos contratuais previstos pelo direito civil, a saber, o arrendamento, a compra e venda, a sociedade e o mandato. Entretanto, a doutrina moderna rejeita tais teorias porque esta prefere ver na relação de emprego um contrato de características próprias e regido por um ramo particular do direito, o direito do trabalho. A teoria moderna sustenta a natureza contratual reconhecendo a forte interferência estatal, de modo que as leis trabalhistas inserem-se automaticamente no contrato, restringindo a autonomia da vontade das partes. Alguns doutrinadores argumentam que o contrato de trabalho é de adesão, pois a autonomia da vontade está limitada às leis, convenções e acordos coletivos. Outros combatem esta tese defendendo que o contrato não pode ser de adesão pois as partes podem alterá-lo, não se limitando apenas à aceitação das cláusulas.” (SILVA, 2005) “Para alguns, como Mario de la Cueva, o contrato é o acordo de vontades e a relação de emprego é o conjunto de direitos e obrigações que se desenvolvem na dinâmica do vínculo, daí usar a expressão contrato-realidade. Nesse caso, o contrato é a fonte da qual a relação de emprego é o efeito que se consubstancia com a prestação material dos serviços no complexo de direitos e deveres dele emergente mas de outras fontes também, posição que Evaristo de Moraes também defende por entender que o contrato é o pressuposto da relação, embora critique a palavra contrato-realidade.” (NASCIMENTO, 1992, p. 295)

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conclusão de que na ausência de um desses requisitos não é configurada a relação

de emprego, mas sim a relação de trabalho.

Acrescenta-se o entendimento de Alice Monteiro de Barros:

“Os principais elementos da relação de emprego gerada pelo contrato de trabalho são: a) a pessoalidade, ou seja, um dos sujeitos (o empregado) tem o dever jurídico de prestar os serviços em favor de outrem pessoalmente; b) a natureza não-eventual do serviço, isto é, ele deverá ser necessário à atividade normal do empregador; c) a remuneração do trabalho a ser executado pelo empregado; d) finalmente, a subordinação jurídica da prestação de serviços ao empregador.

Não é, portanto, qualquer relação de trabalho que atrai a aplicação do Direito do Trabalho, mas apenas aquela dotada da configuração específica mencionada no parágrafo anterior.” (2005, p. 200)

Por tal motivo, certas relações de trabalho permitidas aos adolescentes como

a exercida em regime familiar, o contrato de estágio, a aprendizagem escolar e o

trabalho educativo, são excluídas da proteção e normatização expressas pela

Consolidação das Leis do Trabalho, possuindo regime jurídico próprio. Pretende-se

neste capítulo, enfocar de maneira breve, as formas de trabalho que não configuram

relação empregatícia, para depois tratar daquelas que constituem regime de

emprego.

4.2.1. O regime familiar

O trabalho em regime familiar é aquele realizado pelo núcleo familiar – pais e

filhos – o qual, sob a direção de um de seus membros, compartilha o lucro e o

prejuízo provenientes da atividade, mediante a distribuição de tarefas. (OLIVEIRA,

2004, p. 52) O artigo 11 da Lei de Benefícios da Previdência n. 8.213/1991 conceitua

essa espécie de trabalho como a atividade em que o trabalho dos membros da

família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua

dependência e colaboração, sem a utilização de empregados. (Disponível em:

http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Verifica-se que nessa espécie de trabalho não existem os elementos

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“subordinação159” e “salário160”, próprios de uma relação de emprego, conforme

expressa o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho. Aqui, há a relação de

colaboração e divisão dos lucros e dividendos entre os membros do núcleo familiar.

Por isso, é uma forma de trabalho excluída do regime consolidado.

Manuel Alonso Olea, ao tratar das formas de trabalho excluídas do regime do

Estatuto de los Trabajadores, da Espanha, aponta o trabalho em regime familiar

como uma delas e explica:

“Si no media salário, la relación que liga a un miembro de la família com otros de ella que junto con él trabajen está excluída del ET [art. 1, 3º, e], no porque los servicios prestados en el seno de la família sean gratuitos, sino porque en ella desaparece la ajenidad, subsumida en el complejo de las relaciones familiares. Al entrar las famílias como indivíduos en el mundo de las necesidades, la de trabajar incluida como enseño Hegel nos hallamos ante un trabajo de cuyas utilidades participan directamente todos los miembros de la comunidad familiar.” (2000, p. 61)

O trabalho exercido pelo adolescente em regime familiar conta com a

proteção de seus direitos e garantias fundamentais assegurada pela Carta

Constitucional e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, firmados no princípio da

proteção integral. Com isso, na hipótese de ser constatada qualquer violação a tais

direitos, como jornada de trabalho excessiva que não permita a freqüência à escola

ou momentos de lazer, ou atividades que envolvam risco, competirá ao Conselho

Tutelar tomar as providências que se fizerem necessárias para sanar tais

irregularidades e, se necessário, levar o caso ao conhecimento do Ministério Público

do Trabalho, como também ao Juízo da Infância e da Juventude161. (OLIVEIRA,

2004, p. 53) No mesmo sentido Erotilde Minharro, para quem:

159 Maurício Godinho Delgado, explica a importância da subordinação na caracterização da relação de emprego: “Para a teoria justrabalhista subordinação corresponde ao pólo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consistiria, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado comprometer-se-ia a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.” (1999: 261) 160 Sérgio Pinto Martins define salário da seguinte forma: “... é a prestação fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstas em lei.” (2006: 207) 161 “o fato de trabalhar em regime familiar não garante que a criança não esteja sendo explorada e que a lei não esteja sendo violada. São inúmeros os casos de exploração econômica de toda a família, segundo o Ministério Público do Trabalho, que, por falta de opção de sobrevivência, tem que contar com a mão-de-obra de crianças e adolescentes no processo produtivo, para engordar os parcos ganhos familiares.

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“Assim, os pais ou responsáveis que impedirem o ingresso e a freqüência de seus filhos menores à escola, ou exigirem labor considerado noturno, insalubre, penoso ou perigoso aos menores de dezoito anos, podem ser processados e julgados pelo Juízo da Infância e da Juventude.” (MINHARRO, 2003, p. 84)

A permissão do trabalho do adolescente em regime familiar decorre do poder

familiar, conferido aos pais pela legislação civil, que lhes permite exigir que lhes

sejam prestados respeito e obediência. Os serviços próprios de sua idade e

condição, conforme mencionam o artigo 1.634, inciso VII do Código Civil162, são

considerados partes integrantes do processo de educação e formação social do

adolescente163. Ressalta OLIVA que a subordinação à direção paterna ou materna é

um aspecto inerente ao poder familiar. (2006, p. 212) Para Valentim Carrion:

“Em princípio, onde trabalhem exclusivamente pessoas da família, não se constitui a relação de emprego. A exceção não necessitaria referir-se apenas às mulheres pois é questão de conceito. Entretanto, haverá situações em que a relação será de emprego: a) quando assim o quiser o cabeça e empresário, arcando com os ônus previdenciários etc; b) quando o grupo não estiver agindo com espírito verdadeiramente comunitário (os lucros não sejam aplicados e usufruídos por todos, inexistindo comunhão de interesses).” (CARRION, 2004, p. 247)

As atividades desenvolvidas deverão ser de natureza leve, compatível com o

desenvolvimento físico e intelectual do adolescente, contando este sempre, com a

assistência dos pais, sem o comprometimento de seu aproveitamento escolar e dos

momentos de lazer. (Disponível em: http://www.mpt.gov.br/trab_inf Acesso em:

junho/2006) A participação de crianças na cultura do tabaco, no corte da cana ou nos lixões são exemplos típicos em que uma família recebe por produção e tem que contar com toda mão-de-obra disponível.” (Disponível em: http://www.bb.uk/portuguese/noticias/2003) 162 “Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.” (2002, p. 341-342) 163 Nota-se que a Bíblia Sagrada também registra o trabalho realizado em regime familiar entre José, que era carpinteiro, e Jesus, pai e filho, sendo este parte integrante de sua educação. “Por sua parte, Jesus era-lhes submisso (Lc 2, 51), correspondendo com o respeito às atenções dos seus pais. Dessa forma quis santificar os deveres da família e do trabalho, que ele próprio executava ao lado de José.” (Disponível em: http://www.cleofas.com.br/virtual/impressao.php?doc=espiritualidade&id=201 Acesso em junho/2006)

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Discussão interessante no âmbito do trabalho em regime familiar surge

quando este é desenvolvido no meio rural, uma vez que a Lei de Benefícios da

Previdência no artigo 11, inciso VII, classifica como segurado obrigatório especial:

“o produtor, o parceiro, o meeiro, e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros, e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, além de outros tipos de trabalhadores, os filhos maiores de quatorze anos que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Dessa forma, o adolescente maior de quatorze anos que comprovadamente

exerça atividade laboral rural em regime familiar, passou a ser considerado pela Lei

n. 8.213/1991 segurado especial. O debate provém da contagem do tempo de

serviço para fins previdenciários, pois antes da mencionada lei os filhos dos

segurados não eram considerados segurados, mesmo que eventualmente

ajudassem seus pais no trabalho, exceto na hipótese de terem optado por contribuir

como autônomos durante o período da menoridade trabalhista.

Destaca o Procurador Federal Vinícius de Carvalho Madeira que o STJ tem

se manifestado equivocadamente ao estender o benefício da aposentadoria

mediante a consideração do tempo de serviço trabalhado pelo segurado no campo

em regime familiar, quando este foi desenvolvido antes da Lei de Benefícios, que

data de 1991. No seu entender, aqueles que trabalharam na condição prevista pelo

artigo 11 antes de sua vigência não podem ser por ele abrangidos. Para o autor:

“Antes ele não era segurado. A contagem recíproca do tempo de serviço e a extensão de outros benefícios previdenciários não existia antes. Assim, se no tempo que trabalhou com menos de 16 anos em regime de economia familiar o indivíduo não era considerado segurado, não pode agora ter direito a contar este tempo de serviço, pois não contribuiu como segurado e não era, à época, considerado beneficiário da previdência social.

A regra constitucional que veda o trabalho do menor protege os direitos trabalhistas dele, não os direitos previdenciários.” (MADEIRA, 2001, p. 4-7)

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Por outro lado, colaciona-se o entendimento adverso de Társis Nametala

Jorge (2006), que atribui ao princípio constitucional da dignidade humana pela

valorização do trabalho a sustentação do sistema de proteção social estabelecido

pelo ordenamento pátrio, uma vez que a Previdência Social é um seguro coletivo

público e compulsório, com a finalidade precípua de substituir os rendimentos do

trabalho quando a pessoa humana não puder mais viver de sua própria força laboral.

(2006)

A proteção social da força de trabalho ativa realiza-se através das normas de

proteção ao trabalho, as quais destaca-se a Consolidação das Leis do Trabalho, ou,

através de benefícios previdenciários, que têm por fim possibilitar o retorno do

trabalhador à sua vida ativa, como os auxílios acidente e doença. Da mesma forma,

tal sistema visa a proteger a pessoa que não mais puder viver de sua força laboral, e

aí surge o benefício da aposentadoria, concedido ao contribuinte que logrou

trabalhar no período estabelecido, contando-se o tempo de serviço efetivamente

trabalhado. Por isso defende o autor que o critério para se calcular tempo (carência)

para aposentadoria deve estar associado não a tempo de serviço nem de

contribuição, mas de efetivo trabalho.

“Se é o tempo de trabalho efetivo que deve ser

contabilizado como carência, não importa se, à época, o trabalhador era ou não considerado segurado ou se podia ou não trabalhar de acordo com as leis trabalhistas. Se trabalhou e comprovou esta circunstância de maneira firme, faz jus à contagem carencial, sob pena de, em assim não o sendo, se perpetrar uma dupla apenação do indivíduo: trabalha quando ainda não pode e não pode contar carência.” (JORGE, 2006)

Neste sentido, concorda-se com o segundo posicionamento na forma do

artigo 11 da Lei n. 8.213/1991, tendo em vista que o que deve prevalecer é o

princípio fundante do Estado Democrático brasileiro, estabelecido pelo artigo 1º da

Carta Constitucional, que é o da dignidade humana e dos valores sociais do

trabalho, bem como o princípio da proteção integral, por se tratar de interesse de

adolescente.

Assim, quando se tratar de trabalho rural exercido em regime familiar por

menor de dezesseis anos, deverá ser levado em conta o maior interesse do

adolescente, à luz do princípio da proteção integral e dos demais princípios

mencionados, para ser realizado o cômputo do período de trabalho efetivamente

exercido para fins de aposentadoria.

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4.2.2. O trabalho educativo

Entende-se por trabalho educativo a atividade laboral inserida em um

programa social desenvolvido por entidade governamental ou não-governamental

sem fins lucrativos, em que as exigências pedagógicas relativas ao desenvolvimento

pessoal e social do educando se sobrepõem ao aspecto produtivo. (Lei n.

8.069/1990, artigo 68)

Oris Oliveira (2005) conceitua da seguinte forma:

“É educativo o trabalho: a) em que há exigências pedagógicas relativas ao

desenvolvimento pessoal e social do educando; b) do qual resulta produção; c) em que as exigências pedagógicas prevalecem sobre

as da produção; d) do qual se aufere remuneração, que não desfigura ou

descaracteriza o caráter educativo.” (OLIVEIRA, 2005, p. 235)

A modalidade de trabalho em comento apresenta-se como uma iniciativa do

terceiro setor que, além de poder intermediar alunos para assumirem a condição de

aprendizes164 nas empresas mediante ensino metódico, apresenta a alternativa do

trabalho educativo, reconhecendo a importância da qualificação profissional do

adolescente no intuito de aprimorar sua empregabilidade, consistindo dessa forma

na articulação entre educação, trabalho e renda (THOMAZINE, 2004, p. 569) no bojo

de um programa social. Antônio Carlos Gomes da Costa compreende tal modalidade

da seguinte forma:

“A articulação educação-trabalho-renda no interior de um mesmo programa social implica a superação da perspectiva da educação para o trabalho (o educando aprende para trabalhar) e a sua substituição pela noção de educação pelo trabalho (o educando trabalha para aprender).

Assim, ao lado das categorias tradicionais do menor-aprendiz e do menor-trabalhador, o conceito de trabalho

164 “O assistido difere do aprendiz, porque enquanto este celebra um contrato individual de trabalho com a empresa que irá lhe promover sua formação profissional mediante convênio com o SENAI, SENAC, SENAT ou SENAR, ou com as entidades especificadas no artigo 430 da CLT, aquele, assistido, deverá ser encaminhado à empresa ou entidade concedente da bolsa de iniciação pelos Conselhos Tutelares, Conselhos Municipais de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente, bem como pelas entidades governamentais ou não-governamentais sem fins lucrativos”. (MORAES FILHO, MORAES, 2003, p. 596)

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educativo insere uma terceira figura, que é a do trabalhador-educando, isto é, aquele que participa de um programa de trabalho educativo.” (COSTA, 2005, p. 239)

Ao dispor sobre o trabalho educativo no artigo 68, pretendeu o legislador

referir-se ao adolescente assistido mencionado pelo artigo 67 do mesmo Estatuto,

incluindo-o no rol de modalidades de trabalho permitidas ao adolescente, sem, no

entanto, fornecer qualquer definição. Verifica-se, todavia, que a assistência ao

adolescente foi instituída no ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto-lei n.

2.318/1986, que dispõe dentre outras coisas sobre a admissão de “menores” nas

empresas:

“Art 4º. As empresas deverão admitir, como assistidos, com duração de quatro horas diárias de trabalho e sem vinculação com a previdência social, menores entre doze e dezoito anos de idade, que freqüentem escola.

§ 1º Para os efeitos deste artigo, as empresas que tenham mais de cinco empregados ficam obrigadas a admitir, a título de iniciação ao trabalho, menores assistidos no equivalente a cinco por cento do total de empregados existentes em cada um de seus estabelecimentos.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Todavia, o Decreto n. 94.338/1987165, que apresentava por escopo

regulamentar a norma acima, embora revogado, contém a definição de quem é

considerado “menor assistido”, como o adolescente desprovido de condições

essenciais de subsistência, vítima de maus-tratos, em perigo moral, privado de

representação ou assistência legal, com desvio de conduta ou envolvido em infração

penal.

Como se vê, o programa social que tem por um dos pilares o trabalho

165 “Art. 6º Em cada município será organizado um comitê encarregado de cadastrar e encaminhar, para efeito de admissão ao programa de bolsa de iniciação ao trabalho, menores que estejam em uma das seguintes situações: I - desprovidos de condições essenciais a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsáveis para provê-las; II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, por encontrar-se: a) em ambiente contrário aos bons costumes; b) na prática de atividades contrárias aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - envolvido na prática de ato que constitua infração penal.” (Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1987/94338/htm Acesso em junho/2006)

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educativo visa a disponibilizar ao adolescente pobre e sem perspectiva de acesso à

educação e formação profissional, em cumprimento de medida socioeducativa ou

não166, oportunidades de aliar educação, trabalho e renda, por meio da cooperação

entre as instituições de atendimento e as entidades cooperadoras. Estas são

compreendidas pelas empresas que através de convênio, se propõem a oferecer

capacitação profissional ao adolescente, por meio de sua inserção em departamento

para nele, com auxílio de empregado encarregado pelo monitoramento, ter

experiências práticas de determinada atividade167, mediante concessão de bolsa

mensal.

“Por isso, pouco importa que o trabalho desempenhado pelo menor seja simples, desqualificado ou inepto para a profissionalização formal. O importante é que seja útil como componente de um programa de educação, numa estratégia de capacitação informal e difusa para o trabalho remunerado, programa que possibilite que o educando vá, paulatinamente, se acostumando à disciplina, ao mundo do trabalho e ao relacionamento ético e civilizado com as pessoas com as quais passa a conviver no exercício do trabalho educativo, ou assistido.”168 (THOMAZINE, 2004, p. 569)

A hipótese prevista pelo artigo 430, inciso II, que condiciona a possibilidade

da entidade poder ministrar o ensino teórico supletivamente ao sistema “S” ao

registro no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente também é

aplicada ao trabalho educativo, nos termos do mesmo artigo combinado com o artigo

90 do ECA. Além desse requisito, deverá a entidade contar com instalações

adequadas de higiene, salubridade, segurança, dentre outros elencados no artigo 91

do ECA.

Para que o adolescente possa participar do programa de trabalho educativo,

deverá ser matriculado em instituição de atendimento e no ato da matrícula seus

pais ou responsável legal será submetido a entrevista no intuito de fornecer dados

sobre a família e receber orientação relacionada ao programa, assinando ao final um

166 Existem entidades com perfis e atuações variadas; umas atendem especificamente adolescentes-infratores, outras fazem com os não-infratores, uma espécie de trabalho preventivo. (THOMAZINE, 2004, p. 567) 167 O trabalho do adolescente assistido, nos termos do artigo 2º do Decreto n. 94.338/1987, compreende a execução de tarefas simples, correspondentes ao serviço, ofício ou ocupação compatível com o seu grau de desenvolvimento físico e intelectual. (Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1987/94338/htm Acesso em junho/2006) 168 Compartilham da opinião JORGE NETO e CAVALCANTE, para quem importa mais a concessão de trabalho ao adolescente do que a formação profissional em si. (2004, p. 965)

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termo autorizativo para o seu encaminhamento a uma das entidades cooperadoras

conveniadas. (THOMAZINE, 2004, p. 567)

Ressalta-se que, a relação constituída entre o aluno e a escola, no caso a

entidade de atendimento, não gera vínculo empregatício, mesmo que este perceba

bolsa-auxílio (artigo 13 do Decreto n. 94.338/1987), uma vez que tal instituto não é

regido pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho, mas sim pelo Estatuto

da Criança e do Adolescente, no que tange aos direitos e garantias fundamentais

acobertados pelo manto da teoria da prioridade absoluta ou proteção integral.

Thomazine (2001) explica que, para que seja constatada a existência da

relação de trabalho é preciso haver prestação de serviços de natureza não eventual

por parte de uma pessoa física ao empregador sob sua dependência e mediante

salário. Na hipótese em análise, é possível constatar a ocorrência de dois

elementos: serviço não eventual e dependência. Todavia, tal não se dá quanto ao

salário, pois, de acordo com o ECA, no trabalho educativo a remuneração recebida

pelo aluno-educando apresenta natureza de participação na venda do produto

(2001, p. 293) ou de bolsa, conforme expressa o artigo 13 do Decreto acima

mencionado.169

Apesar de não configurar relação de emprego e por conseqüência não gozar

o aluno-educando dos direitos trabalhistas e previdenciários, o contrato será regido

segundo com as normas de proteção ao trabalho do adolescente dispostas pelo

ECA, sendo competência da Justiça da Infância e da Juventude coibir os casos de

abuso por parte das entidades de atendimento e cooperadoras170.

169 Esse entendimento tem sido confirmado pelos Tribunais: “Relação de emprego. Trabalho educativo. Guarda-mirim. As instituições de guardas-mirins realizam um trabalho social dando oportunidade a seus integrantes de dar os primeiros passos no caminho do trabalho e da convivência social. Reconhecer a relação de emprego quando da existência de trabalho educativo seria penalizar as empresas que colaboram com tais instituições, impondo um ônus a quem na verdade mereceria aplausos. TRT – 15ª. Reg. – Proc. 33.374/98 – (15.680/00) – 5ª. T. – Rel. Juíza Eliana Felippe Toledo. DOESP 2.5.2000.” (BARROS, 2005, p. 544) “Inexiste relação de emprego entre o menor carente integrante de Programa Promocional ... e a empresa que recebe este menor, mediante convênio firmado com aquele programa se o trabalho desenvolvido pelo menor se presta exatamente aos fins daquele programa. TRT 2ª. Região/1983. Acórdão – 732/93 RO 1702/82”. (THOMAZINE, 2001, p. 295) 170 Luís Carlos Mello dos Santos ao lecionar sobre a ampliação da competência da Justiça do Trabalho a partir da Emenda Constitucional n. 45/2004, esclarece que a expressão “relação de trabalho” introduzida nos incisos I e IV, do artigo 114 da Lei Fundamental originou diferentes interpretações acerca de tal competência. Ressalta o autor: “Em razão de sua natureza especializada, a Justiça do Trabalho, por disposição constante no antigo texto do artigo 114 da Constituição Federal, no campo individual, analisava, em regra, apenas litígios decorrentes da relação de emprego e, em caráter excepcional, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, como por exemplo, nas hipóteses previstas no artigo 652, a, III e V, da CLT, em razão de expressa autorização constitucional para ampliação da competência material por meio de lei ordinária (antiga redação do artigo 114, da CF).

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4.2.3. O estágio curricular ou profissionalizante

Conforme explicado anteriormente, o estágio é uma das expressões da

aprendizagem, regido por lei específica, Lei n. 6.494 de 7 de dezembro de 1977,

regulamentada pelo Decreto n. 82.497/1982, configurando-se como um

complemento do ensino teórico ministrado na escola ao comportar a alternância

entre o ensino teórico e prático. No âmbito da aprendizagem escolar, tem-se que

esta poderá ser desenvolvida na própria instituição de ensino, por meio de seus

laboratórios e oficinas, como também pelo contrato de estágio.

O estágio poderá ser desenvolvido em caráter curricular ou extracurricular,

sendo o primeiro definido da seguinte forma:

“Art . 2º Considera-se estágio curricular, para os efeitos

deste Decreto, as atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais de vida e trabalho de seu meio, sendo realizada na comunidade em geral ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Essa forma de estágio é realizada entre o estudante e o sujeito concedente,

que se obriga, mediante termo de compromisso, a cooperar com a instituição de

ensino, no que tange a proporcionar complemento ao ensino do curso no qual o

estudante deverá estar matriculado. O compromisso é um instrumento obrigatório,

que tem por escopo reconhecer a relação triangular de estágio estabelecida entre o

estudante, a entidade cedente e a instituição de ensino. Na hipótese de sua

ausência, poderá ser caracterizada uma relação de emprego, que não é o objetivo

do contrato em análise.

“A relação jurídica que se estabelece entre o

adolescente estagiário e a empresa, desde que obedecidos os parâmetros da lei sobre o estágio, não é de emprego, porque, pela letra e espírito da lei, o estagiário não é um empregado a

...há autores sustentando que, em razão do disposto no inciso IX, do artigo 114, a competência para apreciar litígios decorrentes da "relação de trabalho" estaria limitada à existência de lei trazendo esta previsão. Assim, como os litígios decorrentes da relação de emprego (CLT, artigo 652, a, IV), do contrato de empreitada do pequeno empreiteiro (CLT, artigo 652, a, III) e do trabalho avulso (CLT, artigo 652, a, V), contam com esta previsão, a Emenda Constitucional 45/2004 nenhuma alteração teria acarretado neste tocante.” (SANTOS, 2005)

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mais para integrar-se no processo produtivo.” (OLIVEIRA, 2005, p. 215)

Infere-se com isso que, tendo o estágio o escopo de promover a

aprendizagem do estudante, esta se concretiza na medida em que as atividades

realizadas proporcionam a integração entre o aluno e a empresa, mediante o

treinamento prático, aperfeiçoamento técnico, científico e cultural, como também

humano, através da experiência da profissão171. (MELLO, 1998, p. 107)

Tal experiência somente será apreendida se o estudante atuar como auxiliar

das tarefas passíveis de aprendizado, compatíveis com a grade curricular de sua

instituição, sob a orientação dos empregados da empresa ou do próprio

empregador. Do contrário, estará configurada uma relação comum de trabalho,

dando ensejo à fraude, no dizer de Ileana Neiva Mousinho Mello:

“Um dos aspectos reveladores da fraude, relacionado à finalidade pedagógica do estágio, está precisamente em o estagiário trabalhar sem orientação dos empregados da empresa ou do próprio empregador. O estagiário deve prestar serviços sempre com o auxílio e a orientação de outros empregados ou do empregador. Estes, colaborando com a escola, são os ‘professores extraclasse’ do estudante. Se o estagiário não é um auxiliar, mas quem faz todo o serviço, está claro que ele está suprindo uma necessidade econômica da empresa (necessidade de recursos humanos)172.” (1998, p. 107)

De acordo com a alteração realizada pela Medida Provisória n. 2.164 de

2001, poderão exercer a qualidade de estagiário os alunos173:

“Art. 6º. O § 1º do art. 1º. da Lei no 6.494, de 7 de dezembro de 1977, passa a vigorar com a seguinte redação:

171 “Contrato de estágio. Validade. O fato de o estudante de curso superior ou de ensino profissionalizante do 2º grau e supletivo exercer atividades desempenhadas pelos empregados da empresa concedente da oportunidade de estágio não provoca a nulidade do ajuste. O importante é que o contrato esteja afinado com os propósitos da Lei n. 6.494/77 e Decreto n. 87.497/82, quais sejam: proporcionar experiência na linha de formação do discente, bem como complementação do ensino e da aprendizagem profissional, social e cultural. As situações vivenciadas durante o estágio curricular serão fatores diferenciadores para a aceitação no mercado de trabalho, cada dia mais exigente. TRT, 3ª Reg., RO 16.491/02 – (Ac. 2ª T.) – Rel. Juíza Ana Maria Amorim Rebouças. DJMG 29.1.03, p. 17.” (SAAD, SAAD, 2006: 354) 172 “A realidade fática é que vai indicar se o estágio tem como objetivo a aprendizagem, ou se objetiva o aliciamento de mão-de-obra mais barata. Se um estudante de engenharia exerce atividades meramente burocráticas, sem jamais acompanhar a construção de uma obra ou efetuar cálculos relativos à estrutura das obras, decerto que não se trata de estagiário, mas de empregado da empresa.” (MELLO, 1998, p. 107) 173 O artigo 1º. da Lei n. 6.494/1977, com redação dada pela Lei n. 8.859/1994, prevê o estágio para os estudantes portadores de deficiência que freqüentem escola de educação especial.

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"§ 1º. Os alunos a que se refere o caput deste artigo devem, comprovadamente, estar freqüentando cursos de educação superior, de ensino médio, de educação profissional de nível médio ou superior ou escolas de educação especial174” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/CCIVIL/MPV/2164-41.htm Acesso em: junho/2006)

Ressalta-se, todavia, que, embora a redação atual do artigo supra faça

menção pura e simplesmente aos alunos do ‘ensino médio’, a contratação do

adolescente como estagiário somente será permitida quando este tiver no mínimo

dezesseis anos, pois conforme demonstrado anteriormente a Carta Constitucional

prevê uma única hipótese de ingresso no mercado de trabalho antes dessa idade,

que é na condição de aprendiz. O intérprete da norma deverá, portanto, ter cautela

no que se refere à sua abrangência, tendo em vista que normalmente ocorre o

ingresso de adolescentes entre quatorze e quinze anos no ensino médio. Contudo,

estes não são autorizados a celebrar contrato de estágio.

Outro fato a ser observado é que o estágio deverá ser exercido pelos

adolescentes matriculados em instituições que o prevejam em seu currículo, na

forma do artigo 4º do Decreto 87.497/82:

“As instituições de ensino regularão a matéria contida neste Decreto e disporão sobre:

a) inserção do estágio curricular na programação didático-pedagógica;

b) carga-horária, duração e jornada de estágio curricular, que não poderá ser inferior a um semestre letivo;” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Por essa razão, verifica-se ser necessária175 a correlação entre o estágio e as

disciplinas escolares e não simplesmente estar o estudante matriculado em

174 “Educação especial é definida como a modalidade de ensino que se caracteriza por um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais organizados para apoiar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação formal dos educandos que apresentem necessidades educacionais muito diferentes das da maioria das crianças e jovens. Tais educandos, também denominados ‘excepcionais’, são justamente aqueles que hoje tem sido chamado de ‘excepcionais’, ou ‘alunos com necessidades educacionais excepcionais’. Entende-se que tais necessidades educacionais especiais decorrem da defrontação das condições individuais do aluno com as condições gerais da educação formal que lhe é oferecida.” (MAZZOTTA apud OLIVEIRA, 2004, p. 147) 175 Em sentido contrário: “Estágio. Lei n. 6.494/77. A correlação entre o currículo escolar e a atividade desenvolvida pelo estudante na empresa não constitui exigência expressa na Lei n. 6.494/77, relativa aos estágios. Mesmo porque, a finalidade básica desse aprendizado é a integração sócio-cultural-profissional do

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instituição de ensino médio profissionalizante para ingressar aleatoriamente numa

empresa e fazer estágio, conforme positivado no artigo 36, parágrafos 2º e 4º da

LDB:

“Art. 36. ... p. 2º O ensino médio, atendida a formação geral do

educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.

p. 4º A preparação para o trabalho e facultativamente a habilitação profissional poderão ser desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino médio ou em colaboração com instituições especializadas em educação profissional.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

No entanto, observa Oliva (2006) que muitas entidades de integração176 entre

escola e empresa aproveitam-se da aparente abertura legal de oportunidades de

estágio ao aluno do ensino médio profissionalizante, a fim de intermediá-los às

empresas, para que sob o manto do contrato de estágio substituam pessoal

permanente, eximindo-se dos encargos trabalhistas e previdenciários, uma vez que

a espécie contratual em comento não gera vínculo laboral177.(2006, p. 252)

O contrato de estágio poderá ser celebrado com pessoas jurídicas de direito

privado, órgãos da Administração Pública direta (União, Estados, Município e Distrito

Federal) e indireta (fundações, autarquias, sociedades de economia mista e as

empresas públicas) e instituições de ensino, nos termos do artigo 1º da Lei n.

8.859/1994.

Quanto à jornada de estágio, deverá ser compatível com o horário escolar e,

durante as férias escolares, poderá ser objeto de acordo entre o estagiário e a

entidade concedente. E, conforme citação do texto legal, o prazo de duração do

contrato é de no mínimo seis meses. estudante, o que contribui para a sua futura atividade. Não há, assim, como se pretender violação direta da lei. TST, SDI, E-RR 55902/92.7, in DJU 24.3.95, p. 6.919.” (SAAD, SAAD, 2006, p. 354) 176 NETO e CAVALCANTE apontam como exemplo de entidade de integração entre empresa e escola o CIEE – Centro de Integração Empresa-Escola, “que é uma entidade de direito privado, de âmbito nacional e de reconhecida utilidade pública. O agente de integração não participa da relação estudante-escola e cedente. Trata-se de um simples intermediário entre as escolas e as entidades interessadas em conceder estágio e na colocação do estagiário.” (2004, p. 1133) 177 O estudante estagiário poderá contribuir como segurado facultativo, na forma do artigo 14 da Lei 8.212/1991: “Art. 14. É segurado facultativo o maior de 14 (quatorze) anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 21, desde que não incluído nas disposições do art. 12.” O seguro contra acidentes pessoais em favor do estudante (art. 8º Decreto 87.497/1982) se apresenta como uma forma de proteção a este que não tem o seu contrato protegido sob a égide das garantias do contrato de trabalho.

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Enquanto o estágio curricular se revela obrigatório para o estudante, a lei

também prevê o estágio comunitário, que de forma inversa se apresenta como uma

opção daquele, manifestada através de atividades práticas comunitárias ou de fim

social, não sendo necessária a existência do termo de compromisso. Contudo, o

Decreto 87.497/1982 regulamentou apenas o estágio curricular ou profissionalizante.

“O ‘comunitário’ assume forma de atividades de extensão do estudante em empreendimentos ou projetos de interesse social (art. 2º.). Os projetos ‘Integração’, ‘Rondon’, do passado, eram estágios comunitários; atualmente há vários programas que desenvolvem estágio comunitário: ‘Cidadania Jovem’(patrocinado pela Fundação Abrinq – Pelos Direitos da Criança e do adolescente) e muitos outros incentivado o lazer, o esporte, conjuntos musicais junto a populações mais carentes, instruindo sobre aleitamento materno, sobre alimentação, saúde.” (OLIVEIRA, 2004, p. 146)

Existem também estágios profissionalizantes direcionados aos estudantes da

graduação e da pós-graduação, como os disponibilizados pelos órgãos dos Poderes

Executivo e Judiciário, e entidades privadas para os estudantes de Direito, nos

termos da Lei n. 8.906/1994, artigo 9º178, e a residência médica, sob a forma de

especialização, nos termos da Lei n. 6.932/1981.179

É importante destacar a jurisprudência do TST acerca da diferenciação entre

os estagiários e os alunos-aprendizes, citada por Eduardo Gabriel Saad:

“Súmula n. 96 do TCU. Estágio. Aprendizes e estagiários pertencem a duas categorias distintas entre si. O objetivo de ambos é adquirir na empresa uma formação profissional, mas, enquanto os aprendizes se caracterizam pela aprendizagem de uma atividade técnico-profissional que lhes permitirá, mais tarde, exercer o ofício como empregado, o estagiário é oriundo de faculdade ou escola técnica e busca o conhecimento prático em função do conhecimento teórico da profissão que escolheram. A Súmula n. 96 do Tribunal de

178“Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário: I - preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do art. 8º; II - ter sido admitido em estágio profissional de advocacia. § 1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior pelos Conselhos da OAB, ou por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e Disciplina.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em junho/2006) 179 “A residência médica constitui modalidade de ensino de pós-graduação, sob a forma de curso de especialização. Caracteriza-se por treinamento em serviço e funciona sob a responsabilidade de instituição de saúde, universitária ou não, sujeita a orientação de médicos de elevada qualificação ética e profissional.” (BARROS, 2005, p. 206)

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Contas da União aborda a situação do aluno-aprendiz e tem como um dos fundamentos legais o Decreto-lei n. 8.590/46, que dispõe sobre a realização de exercícios escolares práticos sob a forma de trabalho industrial nas escolas técnicas e industriais, prevendo uma parte da dotação orçamentária para o pagamento da remuneração da mão-de-obra dos alunos. Referida súmula não se aplica à figura do estagiário que foi instituída nas empresas pela Portaria n. 1.022/67 do Ministério do Trabalho, cujo artigo 3º descartava a hipótese de vínculo empregatício. Atualmente a matéria encontra-se regulada pela Lei n. 6.494/77. TST, OE, RMA – 318.787, in DJU de 21.8.98, p. 307.” (2006, p. 356)

Verifica-se dessa forma que o estágio curricular constitui-se como importante

expressão da aprendizagem, tendo em vista que possibilita que o adolescente

adquira o conhecimento prático que somado ao teórico ministrado em escola técnica

ou faculdade, desenvolve suas habilidades para o exercício de profissão futura.

4.3. O contrato de emprego e o contrato especial de aprendizagem

Conforme afirmado até aqui, é constitucionalmente vedado o trabalho de

menores de dezesseis anos, ressalvando-se a exceção do contrato de

aprendizagem que poderá ser firmado por adolescente a partir de quatorze anos.

Tendo em vista que as demais formas de trabalho, outrora apresentadas, não

constituem relação de emprego, tem-se que, as únicas formas de relação de

emprego a serem constituídas pelo adolescente maior de dezesseis anos são: a

aprendizagem empresária e a relação de comum de emprego.

Ao regular as relações de emprego permitidas aos adolescentes na qualidade

de empregado, o legislador positiva o contrato especial de aprendizagem e o

contrato de emprego. Primeiramente irá se tratar da relação contratual de emprego

em sentido estrito, para depois se verificar de onde se extrai o caráter especial ou

sui generis da relação de emprego, decorrente do contrato de aprendizagem.

4.3.1. Adolescente empregado.

A relação de emprego decorrente do contrato de trabalho se apresenta como

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uma relação jurídica que impõe a subordinação do prestador de serviços ao

empregador, mediante acordo expresso ou tácito, por meio do qual o primeiro se

compromete a executar em favor do segundo, serviços de natureza não-eventual em

troca de salário180, na forma do artigo 3º da CLT. Compreende-se por empregado181

toda pessoa física que contrate, tácita ou expressamente, a prestação de seus

serviços a um tomador, realizados estes com pessoalidade, onerosidade,

subordinação e não-eventualidade, que figuram como requisitos para a sua

caracterização.

Contratado como empregado, o adolescente terá assegurado todos direitos

sociais conferidos aos adultos empregados como repouso semanal182, férias,

180 “O contrato de trabalho é um contrato realidade: são os fatos que definem sua existência e não o nomem juris que lhe possa ter sido atribuído. O contrato de trabalho, por ser oneroso e de trato sucessivo, é, ao mesmo tempo, um contrato de troca de atividade. ... Daí a alienação originária do resultado do trabalho como traço característico do trabalho subordinado como fator de produção (força de trabalho) de que se vale quem exerce uma atividade econômica organizada (empregador). Instrumento jurídico dessa alienação é o contrato de trabalho. (MARANHÃO, CARVALHO, 1993, p. 47) Contrato de trabalho é a convenção pela qual um ou vários empregados, mediante certa remuneração e em caráter não-eventual, prestam trabalho pessoal em proveito e sob direção de empregador. (GOMES, GOTTSCHALK, 1998, p. 118) É importante ressaltar que a subordinação do empregado é requisito primordial para a caracterização do contrato em tela, uma vez que existem modalidades laborais que não contam com a mesma, como o exemplo dos trabalhadores autônomos. “O termo empregado deve ser reservado para quem trabalha em virtude de um contrato de trabalho. Assim, trabalhador é gênero de que empregado é espécie.” (GOMES, GOTTSCHALK, 1998, p. 81) 181 “...empregado é aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração.” (TAVARES, 2004, p. 57) O artigo 7º da Carta Constitucional estende aos empregados rurais todos os direitos trabalhistas, não permitindo qualquer diferença entre estes e os urbanos. 182 O direito ao repouso semanal remunerado apresenta-se no rol dos direitos sociais elencados no artigo 7º da Constituição Federal. JORGE NETO e CAVALCANTE explicam que o descanso remunerado é parte integrante do direito tutelar do trabalho, fundamentado no dever de assegurar-se ao trabalhador sua saúde física e mental, correspondendo: “...a vinte e quatro horas consecutivas, de preferência aos domingos e feriados, nos quais o empregado não é obrigado a comparecer ao serviço, uma vez por semana, recebendo a remuneração correspondente.” Quanto às férias do adolescente empregado a CLT concede tratamento especial, as quais, nos termos do artigo 134, p. 2º, estas não poderão ser fracionadas, sendo dessa forma concedidas de uma só vez, e, na hipótese deste ser estudante, reza o artigo 136, p. 2º que, terá direito de fazê-las coincidir com as férias escolares. No que tange ao direito aos feriados, esclarece Oris Oliveira: “O empregado tem direito a repouso também nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local, garantida a remuneração respectiva. Há uma peculiaridade do repouso nos feriados: sua concessão encontra limites nas exigências técnicas da empresa. E quando estas forem reconhecidas por regulamento administrativo, o empregador tem a opção de ou pagar em dobro o feriado trabalhado ou determinar outro dia de folga compensatória.” (2004, p. 75) A remuneração é definida pelo artigo 457 da CLT da seguinte maneira: “Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber. p. 1º. Integram o salário, não só a importância fixa estipulada, como também as comissões, percentagens, gratificações ajustadas, diárias para viagem e abonos pagos pelo empregador. p. 2º. Não se incluem nos salários as ajudas de custo, assim como as diárias para viagem que não excedam de cinqüenta por cento do salário percebido pelo empregado.

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feriados e remuneração, dentre outros, sendo tal contrato, todavia, permeado pelo

princípio da proteção integral, do qual decorre a proteção especial prevista no

capítulo IV, da CLT e por todas as normas que visem a resguardar os seus direitos e

garantias fundamentais. Dessa forma, ser-lhe-á proibido o trabalho noturno,

perigoso, insalubre, penoso e nos locais considerados prejudiciais à sua formação

moral, conforme explicita o artigo 425 (CLT): “Os empregadores de menores de 18

anos são obrigados a velar pela observância, nos seus estabelecimentos ou

empresas, dos bons costumes e da decência pública, bem como das regras de

higiene e medicina do trabalho.”

Verificando a autoridade competente ou o responsável legal que o

adolescente exerce tarefas que poderão acarretar-lhe prejuízo físico ou moral,

poderá requerer a extinção do contrato, caso a empresa não providencie

modificações para reversão do quadro, através da rescisão indireta, na forma do

artigo 483, conforme preceitua o artigo 407 consolidado183.

p. 3º. Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também aquela que for cobrada pela empresa ao cliente, como adicional nas contas, a qualquer título, e destinada à distribuição aos empregados.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em junho/2006) Mediante tal distinção, compreende-se que o salário é a retribuição do empregador pelos serviços prestados pelo empregado por força do contrato de trabalho, não podendo este ser inferior ao mínimo vigente, conforme expressa o inciso VII do artigo 7º. da Constituição Federal. E a remuneração é a soma do salário percebido com os proventos auferidos por força do mesmo contrato de trabalho. Saad e Saad fazem a seguinte distinção: “Na morfologia do salário, entram dois elementos: a) o básico, isto é, a soma em dinheiro prefixada no contrato; e b) os marginais, que podem ser fixos ou variáveis e pagos em dinheiro ou in natural.” (2006, p. 409) Süssekind cita Barassi para explicar a aferição objetiva dos elementos que compõem o salário: “...a necessidade de ajustar a taxa do salário às exigências da vida, à possibilidade da produção e ao rendimento do trabalho, a experiência, mestra sempre das coisas, e o engenho sutil dos homens consideraram indispensável decompor a retribuição...em elementos múltiplos, cada um dos quais com um regime próprio. E desta variada conjunção se pode conseguir o melhor ajuste possível da retribuição.” (1997, p. 354) 183 “Art. 407. Verificado pela autoridade competente que o trabalho executado pelo menor é prejudicial à sua saúde, ao seu desenvolvimento físico ou à sua moralidade, poderá ela obrigá-lo a abandonar o serviço, devendo a respectiva empresa, quando for o caso, proporcionar ao menor todas as facilidades para mudar de funções. Parágrafo único. Quando a empresa não tomar as medidas possíveis e recomendadas pela autoridade competente para que o menor mude de função, configurar-se-á a rescisão do contrato de trabalho, na forma do artigo 483.” Reza o artigo 483: “Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

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153

O contrato de trabalho a ser firmado entre o adolescente e o empregador

deverá ser formalizado através da anotação em sua Carteira de Trabalho, na qual

serão discriminadas as seguintes informações: a função a ser desempenhada, a

data da admissão, a duração do mesmo quando esta for determinada, o salário, o

cadastramento no PIS184, o banco de depósito do FGTS185. (MORAES, MORAES

FILHO, 2003, p. 328) Quanto à capacidade do adolescente de celebrar contrato de

trabalho sem a assistência de seus pais ou responsável legal, Alice Monteiro de

Barros (2005) esclarece que a jurisprudência se orienta no sentido de considerá-lo

apto para tal, uma vez que para a expedição da CTPS as informações nela contidas

deverão ser previamente confirmadas por estes conforme determina o p. 1º do artigo

17 da Consolidação186. Na ausência dessa formalidade, será permitida a utilização

de todos os meios de prova admitidos em Direito como depoimento pessoal, oitiva

de testemunhas, documental e outras de valor probante, na forma do artigo 456 da

CLT, pois conforme Enunciado n. 12 do colendo TST as anotações apostas pelo

empregador na carteira profissional do empregado não geram presunção juris et de

jure, apenas juris tantum. (CARRION, 2004, p. 98)

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço. § 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho. § 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final da decisão do processo” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em junho/2006)) 184 A Lei n. 9.715/1998 dispõe sobre as contribuições para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP), determinando que as contribuições serão apuradas mensalmente: “I - pelas pessoas jurídicas de direito privado e as que lhes são equiparadas pela legislação do imposto de renda, inclusive as empresas públicas e as sociedades de economia mista e suas subsidiárias, com base no faturamento do mês; II - pelas entidades sem fins lucrativos definidas como empregadoras pela legislação trabalhista e as fundações, com base na folha de salários; (vide Medida Provisória nº 2158-35, de 24.8.2001) III - pelas pessoas jurídicas de direito público interno, com base no valor mensal das receitas correntes arrecadadas e das transferências correntes e de capital recebidas.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em junho/2006) 185 Diferentemente da previsão de recolhimento de 2% sobre o salário do aprendiz, a Lei n. 8.036/1990 dispõe que será recolhido 8% sobre o valor total da remuneração a título de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. 186

“MENOR. CONTRATO DE TRABALHO FIRMADO SEM ASSITÊNCIA. IMPEDIMENTO. INEXISTÊNCIA. Não há no ordenamento jurídico previsão legal que impeça menor de 18 anos de firmar contrato de trabalho sem assistência dos responsáveis. O impedimento somente irá aparecer por ocasião da quitação das verbas. Recurso desprovido por unanimidade”. (TRT – 24ª. Reg. – Ac. TP 519/97 – RO 1741/96. Rel. Juíza Geralda Pedroso) “MENOR. CAPACIDADE CONTRATUAL. Presume-se autorizado, por seus responsáveis legais, para ajustar contrato de trabalho, o menor portador de carteira profissional, só lhe sendo vedado, sem a assistência de quem sobre ele detém o pátrio poder, dar quitação pelas verbas rescisórias (CLT, art. 439)”. TRT – 12ª. Região – 1ª. T – Ac. N. 2575/92 – Rel. Juiz Pedro Alves de Almeida” (BARROS, 2005, p. 526)

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A jornada de trabalho do adolescente será de oito horas diárias como

determinam as disposições consolidadas e em observância ao inciso XIII, do artigo

7º, da Constituição Federal, que estabelece a limitação de oito horas aos

trabalhadores urbanos, facultando a compensação de horários e a redução da

jornada, mediante acordo ou convenção coletiva. Por força do artigo 413 da CLT, a

compensação da jornada poderá se estender pelo máximo de duas horas, desde

que o excesso de horas de um dia seja compensado pela diminuição em outro, sem

ultrapassar o limite máximo de quarenta e quatro horas semanais ou outro fixado na

mesma forma, uma vez que o empregador deverá viabilizar a freqüência à escola.187

“A prorrogação da jornada de trabalho do adolescente é, como regra, proibida (art. 413). Por convenção ou acordo coletivo (no particular a lei é expressa, não admitindo a aplicação do entendimento de que o acordo poderia ser individual, pois inclusive remete para os ‘termos’ do Título VI da CLT, que trata das Convenções Coletivas de Trabalho), pode ser prorrogada a jornada diária em até duas horas.” (OLIVA, 2006, p. 213)

Para efeitos de contribuição previdenciária188, o adolescente empregado

assume a qualidade de segurado obrigatório, nos termos do artigo 12, inciso I, da

Lei de Custeio da Previdência n. 8.212/1991, in verbis:

“Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

I - como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou

rural à empresa, em caráter não-eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como diretor empregado;” (Disponível: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

A permissão constitucional de contratação dos adolescentes para assumirem

a qualidade de empregados no bojo de um contrato de trabalho deve ser

interpretada sob a égide do princípio da proteção integral, que impõe certas

187 O empregador é obrigado a conceder ao menor o tempo necessário para a freqüência às aulas nos termos do artigo 427 da CLT. Na hipótese em que os estabelecimentos situarem-se em localidade com distância maior que 2 quilômetros da instituição de ensino dispondo de mais de trinta adolescentes entre analfabetos como empregados, estes serão obrigados a manter local apropriado em que lhes seja ministrada a instrução primária, conforme estabelece o parágrafo único do artigo 427 da CLT. 188 IBRAHIM explica que a contribuição previdenciária apresenta duas funções: fiscal e protetiva, pois é securitária e não apenas previdenciária, substituindo a remuneração do trabalhador quando este, por algum motivo, deixe de recebê-la por conta própria, como uma invalidez. (2003, p. 181)

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limitações àqueles ao ingressarem nas diversas atividades oferecidas pelo mercado

de trabalho. Dessa forma, não poderão realizar tarefas que envolvam risco à sua

integridade física e moral, pois são compreendidos como seres em fase de

amadurecimento, sendo o contrato de trabalho regido por capítulo específico da

CLT, que confere disposições especiais ao adolescente empregado.

4.3.2. A especialidade do contrato de aprendizagem

O artigo 428189 consolidado, com nova redação dada primeiramente pela Lei

n. 10.097/2000190 e atualmente pela Lei n. 11.180/2005, aborda a aprendizagem sob

o aspecto contratual, considerando-a um contrato de trabalho especial, ajustado por

escrito e por prazo determinado, por meio do qual o empregador se compromete a

assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos, inscrito em

programa de aprendizagem, a formação técnico-profissional metódica mencionada

pelo artigo 62 do ECA.191

Essa espécie contratual é formal e solene, tendo em vista que somente será

considerada válida se observados os requisitos previstos em lei, tais como a sua

oficialização mediante ajuste por escrito em instrumento contratual com a indicação

do ofício a ser desenvolvido, o prazo de duração do curso192 e a instituição em que o

189 “Art. 428. Contrato de aprendizagem é o contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de 24 anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.” 190 Em consonância com o disposto no artigo 7º., inciso XXXIII da Carta Constitucional, a Lei 10.097/00 alterou a redação do artigo 403 da CLT, elevando a idade mínima para admissão no trabalho para dezesseis anos, ressalvando a hipótese de aprendizagem ao adolescente a partir dos quatorze anos. 191 O Decreto-lei n. 31.546 de 6 de outubro de 1952, definia como de aprendizagem o contrato individual de trabalho realizado entre um empregador e um trabalhador maior de quatorze anos e menor de dezoito anos, pelo qual o primeiro se obrigava a submeter o empregado à formação metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício tivesse sido admitido. (Disponível em: http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/23/1952/ Acesso em junho/2006) 192 O contrato de aprendizagem é um contrato a termo e não pode ter duração superior a dois anos, conforme reza o parágrafo 3º do artigo 428 consolidado. Dessa forma, ele será extinto pela sua conclusão ou quando o aprendiz completar vinte e quatro anos. “O contrato de trabalho, como sabemos, é um contrato sucessivo. Daí resulta que, como acontece com os demais contratos dessa natureza, ele não se realiza, de regra, no que se refere à sua duração, sem determinação de prazo. Portanto, o contrato de trabalho caracteriza-se, em princípio, pelo sentido de continuidade; vive enquanto não se verifica uma circunstância a que a lei atribui o efeito de fazer cessar a relação que dele se origina. Dessa continuidade específica dos contratos sucessivos deriva a conseqüência de que a indeterminação do prazo se presume. À parte interessada cabe fazer a prova – contra essa presunção – de que determinado contrato de trabalho foi celebrado a termo.” (MARANHÃO, 1997, p. 266)

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adolescente estiver matriculado, além da anotação da condição de aprendiz em sua

Carteira de Trabalho193.

Com o advento do Decreto n. 5.154/2005, que revogou o Decreto n.

2.208/1997 e regulamentou os artigos referentes à educação profissional da Lei de

Diretrizes e Bases da Educação, novas diretrizes curriculares foram definidas pelo

Conselho Nacional de Educação no que diz respeito à educação profissional. Uma

das mais importantes versa sobre a articulação entre as áreas da educação,

trabalho e emprego, ciência e tecnologia, para o desenvolvimento de cursos e

programas voltados “à formação inicial e continuada de trabalhadores; educação

profissional de nível médio; e educação tecnológica de graduação e de pós-

graduação”. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

Nesse diapasão, foi editada a Medida Provisória n. 251, de 14 de junho de

2005, convertida na Lei n. 11.180/2005, que institui o Projeto Escola de Fábrica194 e

“O contrato por prazo determinado é o que possui, quando da sua celebração, a fixação do prazo quanto ao seu término. A fixação do termo final pode ocorrer através da fixação de data certa, da execução de serviços especificados ou, ainda, da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada (art. 443, p. 1º, CLT).” (JORGE NETO, CAVALCANTE, 2004, p. 211) 193 “p. 1º. A validade do contrato de aprendizagem pressupõe anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, matrícula e freqüência do aprendiz à escola, caso não haja concluído o ensino fundamental, e inscrição em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica. p. 2º. Ao menor aprendiz, salvo condição mais favorável, será garantido o salário mínimo hora. p. 3º. O contrato de aprendizagem não poderá ser estipulado por mais de dois anos. p. 4º. A formação técnico-profissional a que se refere o caput deste artigo caracteriza-se por atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho. p. 5º. A idade máxima prevista no caput deste artigo não se aplica a aprendizes portadores de deficiência. p. 6º. Para fins do contrato de aprendizagem, a comprovação da escolaridade de aprendiz portador de deficiência mental deve considerar, sobretudo, as habilidades e competências relacionadas com a profissionalização.” (CLT) Verifica-se que a Lei n. 11.180/2005 reconheceu o direito do adolescente portador de deficiência física de celebrar contrato de aprendizagem, entrando em consonância com a previsão constitucional que proíbe a discriminação no tocante ao salário e critério de admissão do trabalhador portador de deficiência, no artigo 7º, inciso XXXI, como também, o direito que este goza em face do Estado de ser inserido no sistema educacional, conforme expressa o artigo 206 da Carta Constitucional, quando prevê a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. 194 “O Programa Escola de Fábrica é definido como um programa de inclusão social, voltado para beneficiar estudantes excluídos do mercado de trabalho, e que pretende estimular empresas privadas a praticarem a responsabilidade social. Paralelamente a essa política tem-se, ainda, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens - PROJOVEM (Brasil, 2005), implantado pela Secretaria-Geral da Presidência da República em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Seus destinatários são jovens de 18 a 24 anos, que terminaram a quarta série, mas não concluíram a oitava série do ensino fundamental e não têm vínculos formais de trabalho. A finalidade do PROJOVEM é proporcionar formação ao jovem, por meio de uma associação entre a elevação da escolaridade, tendo em vista a conclusão do ensino fundamental, a qualificação com certificação de formação inicial e o desenvolvimento de ações comunitárias de interesse público. Argumenta-se que o Programa pretende contribuir especificamente para a re-inserção do jovem na escola; a identificação de oportunidades de trabalho e capacitação dos jovens para o mundo do trabalho; a identificação, elaboração de planos e o desenvolvimento de experiências de ações comunitárias; a inclusão digital como instrumento de inserção produtiva e de

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autoriza a concessão de bolsas de permanência a estudantes beneficiários do

Programa Universidade para Todos, ampliando com isso a idade máxima para

admissão do aluno como aprendiz para vinte e quatro anos (art. 2º)195. Essa

modificação tem o objetivo de promover o acesso dos jovens de classes menos

favorecidas financeiramente, entre dezoito e vinte e quatro anos de idade, à

qualificação social e profissional e a oportunidade de inserção no mundo do

trabalho196. Expressa o artigo 2º da Lei n. 11.180/2005 o seguinte:

comunicação. Um projeto político-pedagógico com diretrizes e orientações proporciona aos jovens um curso de 5 horas diárias, por um período de 12 meses, totalizando 1.600 horas. Aos alunos matriculados é concedida uma bolsa no valor de R$ 100,00. Ambos os programas, com diferenças na sua finalidade e organização, resgatam um preceito que pretendíamos ter superado desde a revogação da Lei n. 5.692/71, qual seja, tomar a qualificação profissional como política compensatória à ausência do direito de uma educação básica sólida e de qualidade. Esta deve ser garantida em qualquer idade, integrada à possibilidade de habilitação profissional mediante a qual se constituam identidades necessárias ao enfrentamento das relações de trabalho excludentes. No caso específico do Escola de Fábrica, ao depender da parceria empresarial para sua realização, além do uso do fundo público pelas organizações privadas, tende a predominar o viés assistencialista. No fundo, essa política retoma o fundamento que esteve na origem da educação profissional no início do século passado: formar mão-de-obra necessária ao desenvolvimento econômico e educar psicofisicamente os jovens trabalhadores para a divisão social do trabalho.” (Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101 Acesso em maio/2006) 195 O Sistema de Aprendizagem de Portugal é baseado nos seguintes instrumentos normativos: Decreto-lei n. 205/96, Despacho n. 7.699/99, Decreto-Regulamentar n. 15/96, Despacho n. 760/97 e Despacho Normativo n. 53-A/96 e estende a qualificação profissional por meio da aprendizagem dos adolescentes a partir dos quinze anos aos jovens de até vinte e cinco anos, não se apresentando de forma isolada a nova previsão da legislação pátria. (COELHO, 2005, p. 50) 196 Eis algumas das justificativas contidas na exposição de motivos da Medida Provisória assinada pelo Ministro da Educação Tarso Genro, Ministro do Trabalho e Emprego Ricardo Berzoini e pelo Chefe da Secretaria Geral da presidência da República Luiz Dulci: “1. É indisputável que o Governo Federal tem focado a atenção em políticas públicas voltadas tanto à inclusão social do jovem carente em situação de vulnerabilidade social quanto a políticas públicas de expansão do acesso à educação, em suas mais variadas modalidades. São exemplos o Programa Nacional do Primeiro Emprego, contando inclusive com os Consórcios Sociais da Juventude, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego; o Programa Universidade para Todos - PROUNI, no âmbito do Ministério da Educação, e o mais recente Programa Nacional de Inclusão de Jovens - ProJovem, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da República. 2. É nesse contexto geral que se insere a presente minuta de Medida Provisória ao criar o Projeto Escola de Fábrica: permitir a concessão de bolsas de permanência a estudantes de baixa renda, instituir o Programa de Educação Tutorial - PET e ampliar a faixa etária do menor aprendiz na Consolidação das Leis do Trabalho. O primeiro Projeto é a oficialização, na forma de política pública, de experiências bem sucedidas da sociedade civil, porém difusas. Os outros dois projetos complementam e regularizam os programas desenvolvidos pelo Ministério da Educação. A alteração da CLT amplia consideravelmente a faixa de jovens que terão acesso ao mercado de trabalho pelo contrato de aprendizagem. 5. O Projeto Escola de Fábrica está inserido no Programa de Reforma da Educação Profissional - PROEP e faz parte do esforço governamental de construção de uma política nacional para a juventude, que procura tornar mais conseqüente e objetiva a multiplicidade de iniciativas e ações das esferas de governo e da própria sociedade civil. 6. Embora o público alvo seja composto por jovens de baixa renda com idade entre 16 e 24 anos, o Projeto não se confunde nem se sobrepõe a outras iniciativas do Governo Federal direcionadas a esse mesmo público, pois prevalece a preponderância da educação, do desenvolvimento humano e social acompanhado de iniciação à formação para o trabalho; a meta do Projeto não é a formação ou a qualificação técnico-profissional. Por essa razão, o Projeto Escola de Fábrica não se confunde, em medida alguma, com o contrato de aprendizagem previsto pela legislação trabalhista.”(Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em maio/2006)

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“Art. 2º Os jovens participantes do Projeto Escola de Fábrica deverão ter idade entre dezesseis e vinte e quatro anos, renda familiar mensal per capita de até um salário mínimo e meio, e estar matriculados na educação básica regular da rede pública ou na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, prioritariamente no ensino de nível médio, observadas as restrições fixadas em regulamento.”

(Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/PET/pet_mp_251.pdf)

Observa José Roberto Dantas Oliva (2006, p. 218) que, apesar de o projeto

apresentar boas intenções ao elevar a idade máxima para a admissão do estudante

como aprendiz em empresa, não reúne pressupostos materiais e formais para

legitimar a adoção de uma Medida Provisória para cuidar do assunto, conforme os

elencados no artigo 62 da Carta Constitucional.

José Afonso da Silva (2006) explica que para a Medida Provisória com força

de lei ser adotada pelo Presidente da República deverá observar o seguinte:

“para serem legítimas, hão de atender a pressupostos formais, materiais e, ainda, a regras de procedimento que agora se exigem no art. 62 da CF com o enunciado oferecido pela EC-32/2001. Os formais são a relevância e a urgência; os materiais dizem respeito à matéria que pode ser por elas regulamentada. (...) Agora a deliberação de cada uma das casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias depende de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais, tanto os formais quanto os materiais (art. 62, p. 5º.). Significa, por um lado que tais pressupostos são sindicáveis; por outro lado, que o entendimento da Casa por onde se inicia a sua votação – a Câmara dos Deputados – no sentido de que foram atendidos não vincula a Casa revisora – o Senado Federal; e, de outra banda, ainda, que, sendo apreciáveis objetivamente, o Poder Judiciário não pode recusar sua apreciação quando, para tanto, invocado.” (2006, p. 532)

A relevância e urgência do tema tratado na Medida Provisória são justificadas

no bojo de sua exposição de motivos:

“22. É evidente a presença dos requisitos de relevância e urgência para a edição de Medidas Provisórias, nos termos do art. 62 da Constituição Federal. Diante da construção da

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Política Nacional de Juventude conduzida pelo Governo Federal, é premente a implementação de ações no âmbito da educação profissional, do acesso, da permanência e da qualificação no ensino superior.” (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em: junho/2006)

Baseado em precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca da

possibilidade de controle jurisdicional do conteúdo considerado relevante e urgente,

ensejador de uma Medida Provisória, Alexandre de Moraes, explica que a

interpretação sobre a relevância e urgência do tema é subjetiva.197 (2006, p. 613)

Assim, verifica-se que esse foi o posicionamento aplicado na aceitação dos

critérios apontados como de relevância e urgência da matéria tratada no bojo da

Medida Provisória n. 251 de 2005, uma vez que após algumas alterações efetuadas

pelo Poder Legislativo (OLIVA, 2006, p. 219) foi sancionada pelo Presidente da

República.

Não obstante a sanção da MP em comento, é possível constatar uma

impropriedade acerca da alteração da idade máxima para admissão do estudante

em contrato de aprendizagem empresária. Com a nova redação, os jovens

aprendizes entre dezoito e vinte e quatro anos têm seus direitos trabalhistas

inseridos no capítulo IV, da CLT que tem o seguinte título: “Da proteção do trabalho

do menor” e, ainda, a Seção IV, que cuida: “Dos deveres dos responsáveis legais de

menores e dos empregadores. Da aprendizagem.” Assim, o instituto da

aprendizagem encontra-se inserido no capítulo que cuida dos direitos trabalhistas

197 Nesse sentido, MORAES aponta o entendimento do STF: “A jurisprudência do STF tem considerado da competência da Presidência da República e do Congresso Nacional a avaliação subjetiva da urgência da Medida Provisória. É de se exceptuar, apenas, a hipótese em que a falta de urgência possa ser constatada objetivamente. E, no caso, não há evidência objetiva da falta de urgência, sendo a relevância da Medida Provisória incontestável. (STF – Pleno – Adin n. 1.516-8 – medida liminar – Rel. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 13 ago. 1999, p. 3)” (2006, p. 613) “Contrariamente ao sustentado na inicial, não cabe ao Poder Judiciário aquilatar a presença ou não dos critérios de relevância e urgência exigidos pela Constituição para a edição da medida provisória. (cf. ADIs 162, 526, 1.397 e 1.417) (Pleno – Adin n. 1.667-9 – medida liminar – Rel. Min. Ilmar Galvão, Diário da Justiça, Seção I, 21 nov. 1997, p. 60.586).” (2006, p. 634) Em sentido contrário, STRECK: “Dois grandes problemas colocaram-se desde o início da vigência do texto constitucional: o problema da atribuição de sentido ao que seria relevância e urgência e a questão atinente ao prazo de trinta dias, quando deveria ocorrer a perda de eficácia da medida provisória. O primeiro problema foi ‘resolvido’ a partir da tese de que a atribuição de sentido ao que fosse relevância e urgência estava reservada à esfera de discricionaridade (sic)do Presidente da República, tese absolutamente inconstitucional, porque conferia prerrogativa ao Poder Executivo acima de todos os demais Poderes, além de delegar ao Presidente da República um verdadeiro ‘skeptron’(cetro, da fala de Homero), estabelecendo, arbitrariamente, o sentido às palavras relevância e urgência, donde se podem retirar medidas provisórias que vão desde aumento de vencimentos a funcionários públicos a alterações do Código de Processo Civil, isso para dizer o mínimo.” (2004, p. 553)

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dos “menores”, considerados – como explicado no capítulo anterior – toda pessoa

menor de dezoito anos.

Ocorre que a elevação da idade máxima para vinte e quatro anos fez com que

a proteção se estendesse também aos jovens não conceituados como “menores” e

que, portanto, não gozam da proteção especial prevista pela CLT. Além, também, da

incompatibilidade com os preceitos estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do

Adolescente, que como já se disse reconhece o direito à proteção integral à criança

e ao adolescente, dispondo dentre outras coisas do seu direito à profissionalização.

Apesar de tais incompatibilidades, OLIVA afirma que o artigo 2º da Lei n.

11.180 de 2005 em comento é constitucional porque a Carta, ao tratar do instituto da

aprendizagem, estabelece somente a idade mínima de quatorze anos, mas não a

máxima. (2006, p. 220) Compartilha-se do mesmo posicionamento, pois realmente o

texto constitucional restringe-se a estabelecer apenas a idade mínima para tal o que

não prejudica as disposições de proteção e defesa dos direitos fundamentais do

adolescente. Assim, quando se tratar de adolescente que entre quatorze e dezoito

anos celebrar contrato de aprendizagem, a norma a ser aplicada será a vigente à luz

do princípio da proteção integral, quando o aprendiz for pessoa maior de dezoito

anos a legislação a ser observada será a comum.

4.3.3. A relação de emprego decorrente de contrato especial de aprendizagem

A redação dada pela Lei 10.097/00 dissipa qualquer dúvida198 acerca de ser o

contrato de aprendizagem compreendido como espécie de contrato de trabalho

regido pelas normas e princípios comuns do Direito do Trabalho, porque lhe confere

natureza especial199. Esta natureza decorre do seu objeto, que é a aprendizagem

metódica de um ofício no ato prático da prestação do serviço somada ao

198 NASCIMENTO ensina que, quanto à natureza jurídica da aprendizagem, antes da alteração feita pela Lei n. 10.097/00 havia quem defendesse que o contrato era discente e por esse motivo não sujeito aos princípios dos contratos de emprego em geral. (1992, p. 543) 199 “Contrato de aprendizagem. Para que se configure o contrato de aprendizagem, nos termos do Decreto-lei n. 8.622/46 e do Decreto n. 31.546/52, é imprescindível que o menor aprendiz seja submetido à formação profissional metódica, condição que não restou atendida pela reclamada. Disso resulta que, na hipótese, o contrato firmado pelas partes constitui-se em contrato de trabalho normal, sem prazo determinado.”(RO 00616.022/94-8. TRT 4ª. Região, 4ª. Turma, Rel. Teresinha Maria Delfina Signori Correia) (Disponível em: http://www.trt4.gov.br/ Acesso em junho/2006) “O contrato de aprendizagem pressupõe formalidades extrínsecas. Não comprovadas estas, não há que falar-se em ensinamentos metódicos. (TST, RR 2.554/71, Barata Silva)” (CARRION, 2004, p. 269)

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compromisso assumido pelo aprendiz de freqüentar as aulas200, mediante a

contraprestação pecuniária201, diferenciando-se do contrato comum, que visa tão-

somente à prestação de serviço em troca do salário.

Constata-se com isso que nessa espécie contratual há o entrelaçamento

entre o trabalho produtivo e o trabalho formativo, diferentemente do que ocorre no

contrato de trabalho stricto sensu, que no dizer de Arnaldo Süssekind (1997) se

caracteriza por ser um negócio jurídico, por meio do qual uma pessoa física se

obriga, mediante o pagamento de uma contraprestação, a prestar trabalho não-

eventual em proveito de outra pessoa, física ou jurídica, a quem fica juridicamente

subordinada. 202 (1997, p. 243-244)

Ao lecionar sobre o contrato de aprendizagem, Carmen Camino o classifica

como uma das exceções ao princípio da continuidade da relação de emprego203,

tendo em vista que, de acordo com o parágrafo 3º do artigo 428, tal contrato não

poderá ser estipulado por mais de dois anos204, sendo considerado, pois, como

contrato por prazo determinado. (2004, p. 286)

Entende-se por contrato de trabalho por prazo determinado aquele em que as

partes envolvidas na relação (empregador e empregado) estipulam por escrito o

200 Sobre a obrigatoriedade de freqüência às aulas, ensina Carmen Camino: “Conquanto também seja a freqüência regular à escola uma obrigação do menor, a validade do contrato de aprendizagem é do interesse do empregador, que, no exercício do poder diretivo, haverá, não só de possibilitar que o menor freqüente a escola (observando rigorosamente a jornada de seis horas e compatibilizando o horário de trabalho com o horário das aulas, por exemplo), como exigir e fiscalizar a regularidade da freqüência. A resistência do empregado legitimará atos de advertência do empregador e, se for o caso, a antecipação do termo final e conseqüente dispensa do empregado...” (2004, p. 307) 201 O contrato de aprendizagem gera obrigações recíprocas: o empregador se compromete a transmitir a formação técnico-profissional ao adolescente e este a se submeter ao processo das atividades programadas. (OLIVEIRA, 2005, p. 220) “Como acentua Martins Catharino, ‘o empregado discente é credor de ensino. O empregador docente, por si ou por outrem, deve satisfazer a obrigação assumida ou imposta, que é a de fazer. Ora, na relação de emprego comum, a prestação principal e típica do empregador resulta, quase sempre, de uma obrigação de dar; a do empregado, trabalhar em proveito e sob as ordens do outro contratante. Assim, a aprendizagem introduz sensível modificação do conteúdo ordinário do contrato de emprego’. Trata-se de um contrato de trabalho especial.” (MARANHÃO, 1993, p. 166) 202 “O contrato de trabalho é, desse modo, um contrato bilateral, sinalagmático e oneroso, por envolver um conjunto diferenciado de prestações e contraprestações entre as partes, economicamente mensuráveis.” (JORGE NETO, CAVALCANTE, 2004, p. 457) 203 “Na atual sistematização do direito brasileiro, o contrato-padrão é informado pelo princípio da continuidade ou da preservação da relação de emprego: seu prazo é indeterminado. Contudo, há situações em que a manutenção indefinida da relação de emprego é incompatível com a atividade econômica, ou porque esta é limitada no tempo ou pela sazonalidade que a caracteriza. Casos há, ainda, em que a própria natureza da prestação dos serviços é incompatível com a indeterminação do prazo.” (CAMINO, 2004, p. 286) 204 “Art. 445. O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos, observada a regra do art. 451. Art. 451. O contrato de trabalho por prazo determinado que, tácita ou expressamente, for prorrogado mais de uma vez, passará a vigorar sem determinação de prazo.” (CLT)

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prazo de vigência, tal como expressa o artigo 443, parágrafo 1º da CLT, sendo a

cláusula que prevê o seu termo vinculada ao que dispõe o parágrafo 2º do referido

artigo, que reconhece sua validade quando: a natureza ou transitoriedade do serviço

justificar a predeterminação do prazo, quando se tratar de um contrato de

experiência ou de atividades empresariais de caráter transitório. Orlando Gomes e

Élson Gottschalk (1998) consideram o contrato por tempo determinado como

exceção, só admissível em determinadas condições:

“Toda relação contratual de trabalho deve ter duração ilimitada. É a regra. Excepcionalmente, certos contratos são limitados no tempo. Essa tendência já se concretizou no Direito mexicano. Conforme expressa disposição legal, o contrato só pode ser por tempo determinado quando assim o exija a natureza do serviço a ser prestado.” (1998, p. 176)

Interpretando-se os preceitos consolidados, chega-se à conclusão de que a

natureza especial do contrato de aprendizagem justifica seu caráter transitório.

Entretanto, Moraes e Moraes Filho (2003) entendem ter sido prejudicial a

classificação do contrato de aprendizagem como especial e de prazo determinado:

“a nova legislação prejudicou o adolescente aprendiz de 14 (quatorze) anos, uma vez que a única restrição prevista, nos termos do art. 5º. do Decreto n. 31.546, de 6.10.52, era que ‘nenhum contrato de aprendizagem terá validade se o tempo estabelecido ultrapassar o limite determinado na forma dos arts. 3º e 4º, bem como se tal condição não for previamente anotada na carteira do menor’. Havia cursos com duração de até 3 (três) anos e o contrato de aprendizagem não era qualificado como de prazo determinado.” (MORAES, MORAES FILHO, 2003, p. 589)

Partindo-se então das afirmações apresentadas até aqui tem-se que o

contrato de aprendizagem poderá ser extinto assim que completar o prazo de dois

anos ou que o aprendiz completar vinte e quatro anos, conforme expressa o artigo

433 da Consolidação. Camino (2004) ressalta que, tendo em vista que o processo

de aprendizagem não dispõe de desdobramento previsível, seria facultado ao

empregador estendê-lo pelo período que entendesse suficiente para obtenção de

êxito. Todavia, tal prorrogação implicaria, nos termos do artigo 451, na conversão

daquele contrato especial para contrato comum de trabalho. (CAMINO, 2004, p. 306)

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Quanto aos requisitos de validade desse contrato sui generis, eis que são

idênticos àqueles instituídos pela legislação civil: agente capaz, partes legítimas e

objeto lícito. O aprendiz deverá ser maior de quatorze anos e a empresa dispor de

funções que demandem aprendizagem, na forma do artigo 429 consolidado. Já o

objeto do contrato é a aprendizagem metódica de um ofício ou profissão, mediante a

prática efetiva na prestação de serviço por parte do adolescente à empresa

contratante, conforme determinação legal.

No que diz respeito à autonomia da vontade205, um dos princípios regentes do

contrato, eis que se apresenta de forma mais restrita do que aquela permitida no

âmbito do contrato comum de trabalho. Isso acontece pelo fato de a própria norma

obrigar o empregador a efetuar a contratação, indicando a cota206 de aprendizes, e a

matriculá-los nos cursos207 dos Serviços Nacionais de Aprendizagem, configurando

dessa forma o caráter sui generis de tal espécie contratual.

O percentual208 de contratação de adolescentes para o exercício da

aprendizagem nas empresas, de acordo com redação dada ao artigo 429 pelo

Decreto n. 5.598 de 1º de dezembro de 2005 – que regulamenta a contratação de

aprendizes– é de 5% no mínimo e de 15% no máximo sobre o número de

empregados que exerçam funções passíveis de aprendizagem209,

205 Délio Maranhão ensina que a autonomia da vontade individual, embora limitada no que tange às condições contratuais mínimas, resultantes de lei, subsiste no contrato de trabalho: “O contrato de trabalho – já o dissemos – é um ‘contrato regulamentado’. Como esclarece La Cueva, ‘tem o direito do trabalho como finalidade primeira proteger a saúde e a vida do trabalhador e garantir-lhe um nível de vida compatível com a dignidade humana. E, se este é seu propósito, é natural que, estando condicionada à realização desse objetivo pelo conteúdo da relação de trabalho, tivesse a lei o cuidado de fixá-lo de modo imperativo’. A lei contém um contrato mínimo de trabalho’, para usarmos a expressão feliz de La Cueva. Este contrato mínimo se impõe à vontade das partes na estipulação de cada contrato individual.” (1997, p. 254) 206 “Art. 429. Os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.” 207 O Decreto n. 31.546/1952 dispunha que na hipótese de não haver na localidade curso oferecido pelo sistema “S”, ou na sua existência este não dispuser de vagas, a aprendizagem poderia ser realizada no próprio estabelecimento. Contudo, a alteração do artigo 428 pela Lei n. 10.097/00 deixa bem claro que a validade do contrato de aprendizagem pressupõe a inscrição do adolescente em programa a ser desenvolvido sob a orientação de entidade qualificada para tal. 208 “a nova redação dada ao art. 429 da CLT generalizou a todas as espécies de aprendizagem os limites mínimos e máximos, estabelecidos na letra ‘a’, ora revogada, para os cursos mantidos pelo SENAI. Quanto aos estabelecimentos comerciais de qualquer natureza, que possuíam mais de nove empregados, eram regulados pelo Decreto-lei n. 8.622/46, que os obrigava a empregar e matricular, nas escolas de aprendizagem do SENAC, um número de trabalhadores menores, como praticantes, até o limite máximo de 10% (dez por cento) do total de empregados de todas as categorias em serviço no estabelecimento, cujas funções ou práticas demandem formação profissional.” (MORAES, MORAES FILHO, 2003, p. 590) 209 “Art. 10. Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

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independentemente de serem estas proibidas aos menores de dezoito anos210. A

esse respeito, o Ministério do Trabalho, através da Secretaria de Inspeção do

Trabalho, editou a Instrução Normativa SIT/MTE n. 26, de 20 de dezembro de 2001,

que apresenta parâmetros sobre as funções que demandam formação profissional.

A generalização trazida pelo mencionado Decreto acarretou modificações

substanciais no instituto da aprendizagem, já que passou a permitir que a mesma se

realize em ambiente insalubre ou perigoso. Contudo, explicita o Decreto n.

5.598/2005 que a permissão da aprendizagem nesses locais é concedida somente

aos aprendizes maiores de dezoito anos:

“Art.11. A contratação de aprendizes deverá atender, prioritariamente, aos adolescentes entre quatorze e dezoito anos, exceto quando:

I - as atividades práticas da aprendizagem ocorrerem no interior do estabelecimento, sujeitando os aprendizes à insalubridade ou à periculosidade, sem que se possa elidir o risco ou realizá-las integralmente em ambiente simulado;

II - a lei exigir, para o desempenho das atividades práticas, licença ou autorização vedada para pessoa com idade inferior a dezoito anos; e

III - a natureza das atividades práticas for incompatível com o desenvolvimento físico, psicológico e moral dos adolescentes aprendizes.

Parágrafo único. A aprendizagem para as atividades relacionadas nos incisos deste artigo deverá ser ministrada para jovens de dezoito a vinte e quatro anos.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

A fiscalização do cumprimento da cota de aprendizes por parte dos

estabelecimentos abrangidos pela obrigatoriedade211 será realizada pelo Ministério

§ 1º. Ficam excluídas da definição do caput deste artigo as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança, nos termos do inciso II e do parágrafo único do art. 62 e do § 2o do art. 224 da CLT. § 2º. Deverão ser incluídas na base de cálculo todas as funções que demandem formação profissional, independentemente de serem proibidas para menores de dezoito anos.”(Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em maio/2006) 210“Art. 12. Ficam excluídos da base de cálculo de que trata o caput do art. 9º deste Decreto os empregados que executem os serviços prestados sob o regime de trabalho temporário, instituído pela Lei no 6.019, de 3 de janeiro de 1973, bem como os aprendizes já contratados. Parágrafo único. No caso de empresas que prestem serviços especializados para terceiros, independentemente do local onde sejam executados, os empregados serão incluídos na base de cálculo da prestadora, exclusivamente.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em maio/2006) 211 Os estabelecimentos não abrangidos pela obrigatoriedade legal de contratação de adolescentes para o posto de aprendizes são as microempresas e empresas de pequeno porte, nos termos do artigo 11 da Lei n. 9.841/1999 (Estatuto da Microempresa), aqueles em que os empregados desenvolvem atividades em ambientes insalubres ou

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Público do Trabalho, através da atuação de seus Auditores Fiscais e Procuradores

mediante exame do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados – CAGED –

instituído pela Lei n. 4.923/1965 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso

em: junho/2006) em observância aos artigos 41, 47 e 48 da CLT ou pela atuação

nos próprios estabelecimentos. (SANTOS, 2003, p. 65)

A lei atribui competência para ministrar cursos de aprendizagem metódica às

unidades do Sistema Nacional de Aprendizagem212, às escolas técnicas de

educação ou às entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a assistência

ao adolescente e a educação profissional. Todavia, expressa que compete ao

perigosos, as entidades sem fins lucrativos os profissionais liberais, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, como bem ressalta SANTOS. (2003, p. 60-62) O Decreto n. 5.598/2005 que regulamenta a contratação de aprendizes também faz a ressalva da dispensa das empresas de pequeno e médio porte, no bojo do artigo 14. 212 “Os serviços nacionais de aprendizagem são instituições privadas de âmbito nacional, criadas por lei (ADCT, art. 62) e que atuam no campo da educação profissional. Cada qual é organizado pela confederação patronal (associação sindical de grau superior representante dos empregadores) de sua área.” (SANTOS, 2003, p. 109) “Os serviços sociais autônomos são entes paraestatais, organizados para fins de amparo, de educação ou de assistência social, comunitária ou restrita a determinadas categorias profissionais, com patrimônio e renda próprios, que, no caso da União, pode ser auferida por contribuições parafiscais, tudo obedecendo a parâmetros constitutivos instituídos por lei, que lhes confere delegação legal, no campo do ordenamento social e do fomento público.” (MOREIRA NETO, 2001, p. 259) Atualmente, o sistema “S”, além dos tradicionais cursos profissionalizantes direcionados ao comércio e à indústria, oferece cursos voltados para outras áreas como o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), o SENAT (Serviço Nacional de Aprendizagem no Transporte) e o SESCOOP (Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo). A principal fonte de recurso desses Serviços Nacionais são as contribuições recolhidas em face dos empregadores. Társis Nametala Jorge (2005) colaciona decisão da 2ª Turma do STJ sobre a fundamentação acerca das contribuições devidas pelos empregadores aos sistemas de aprendizagem correspondentes às suas atividades: “As contribuições referidas visam à concretizar a promessa constitucional insculpida no princípio pétreo da ‘valorização do trabalho humano’, encartado no art. 170 da Carta Magna in verbis: ‘A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (...)”. (2005, p. 319) O SENAI tem suas origens inspiradas no antigo Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP), criado em 1934 no estado de São Paulo. O Centro Ferroviário é considerado marco inicial na evolução de conceitos e métodos da formação profissional no SENAI, instituído pelo Decreto-lei n. 4.048/42 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em 2005). Deu início à educação profissional no Brasil, apoiada pelo então Presidente, Getúlio Vargas. (Disponível em: http://www.fiepa.org.br/senai Acesso em 2005) O SENAC, em cumprimento aos Decretos Leis n. 8.621 e 8.622 de 1946, que deram origem à instituição, será administrado pela Confederação Nacional do Comércio. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em 2005) O SENAR foi instituído pela Lei n. 8.315/91, com o escopo de formar o profissional rural bem como promover sua socialização, sendo organizado e administrado pela Confederação Nacional da Agricultura. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em 2005) O SENAT foi instituído pela Lei n. 8.706/93, tendo por objetivo apoiar programas voltados à aprendizagem do trabalhador em transporte rodoviário e do transportador autônomo, “nos campos de preparação, treinamento, aperfeiçoamento e formação profissional”, art. 3º. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ Acesso em 2005) O SESCOOP foi instituído pela Medida Provisória n. 1.715/98 e pelo Decreto n. 3.017, de 19 de Abril de 1999, vinculado a Organização das Cooperativas Brasileiras. “Objetivos: apoiar o Programa de Revitalização de Cooperativas de Produção Agropecuária – RECOOP, para operacionalizar o monitoramento, a supervisão, a auditoria e o controle nas cooperativas. Organizar, administrar e executar o ensino, a formação profissional e a promoção social dos trabalhadores e do quadro social das cooperativas de todo o território nacional”. (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso em 2005)

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empregador213 recorrer primeiramente aos cursos do sistema “S”, e em sua

ausência, ou na hipótese de existir mas não dispor do curso desejado ou de vaga

para o ofício ou profissão214, a aprendizagem poderá ser ministrada supletivamente

pelas escolas técnicas ou pelas entidades mencionadas.

Conforme expressa o artigo 22, p. 1º do Decreto n. 5.598/05, as aulas teóricas

deverão ser ministradas em ambiente físico adequado ao ensino, com meios

didáticos apropriados, sendo vedada qualquer atividade laboral a não ser o

manuseio de materiais, ferramentas e instrumentos assemelhados. Já as aulas

práticas poderão ocorrer tanto na própria entidade qualificada em formação técnico-

profissional metódica, quanto no estabelecimento contratante ou concedente da

experiência prática ao aprendiz. (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br

Acesso em: junho/2006)

Em virtude de ser um contrato a termo e com idade limite para o contratado

figurar como aprendiz, certamente será extinto ao final do prazo de dois anos ou

quando o aprendiz completar vinte e quatro anos de idade. Porém, além dessas

hipóteses, o legislador, por meio do Decreto n. 5.598/2005, inovou ao estabelecer

formas de rescisão contratual por justa causa, determinando no artigo 433

consolidado, que este poderá ser rescindido quando for constatado o desempenho

insuficiente ou inadaptação do aprendiz, a ocorrência de falta disciplinar grave, a

ausência injustificada à escola, que implique perda do ano letivo, ou ainda a pedido

do aprendiz215.

213 “A escolha cabe ao empregador, mas ele deve proceder com razoabilidade. Embora a lei não faça restrição expressa à liberdade do empregador, deve-se ter sempre em conta que uma das finalidades da aprendizagem é criar condições para que o adolescente, concluindo o curso de qualificação, seja efetivado como empregado no estabelecimento, em substituição aos empregados antigos que vão demitindo ou se aposentando.” (SANTOS, 2003, p. 66) 214 De Plácido e Silva realiza a seguinte distinção entre os termos ofício e profissão: “Profissão – [Termo] tomado no sentido equivalente de ocupação. E se aplica, igualmente, como ofício ou cargo. (...) Exercício de um ofício, arte ou cargo, com habitualidade.” (SILVA, 1993, p. 467) “Ofício – Do latim officium, originariamente quer exprimir o dever, a obrigação ou tudo que se deve fazer por obrigação. Neste sentido, pois, ofício confunde-se com a própria função, ou seja, a soma de atribuições ou de deveres impostos à pessoa, em virtude do cargo, de encargo, de ministério, de ocupação exercida, ou de mister. Praticamente, ofício e profissão possuem significações equivalentes. (...) Somente, tecnicamente, a profissão tem sentido mais estrito, porque, além de se mostrar a ocupação remunerada, em regra se revela a especialização de uma arte, enquanto ofício pode ser cargo ou encargo em que não se exijam conhecimentos técnicos, e pode não produzir proventos pecuniários para quem o exerce.” (SILVA, 1993, p. 280) 215 Caio Santos em obra dedicada especificamente ao contrato de aprendizagem, aponta outras hipóteses de extinção do contrato de aprendizagem outrora não mencionadas pelo legislador, quais sejam a rescisão indireta, a culpa recíproca e a extinção do estabelecimento. (2003, p. 144-147) Em sentido contrário, SAAD e SAAD: “Prevê o dispositivo sob análise a automática extinção do contrato do aprendiz com o término da sua aprendizagem e isto ainda que ele não tenha completado os dezoito anos. Não há

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Ao abordarem o tema da extinção do contrato, Gomes e Gottschalk (1998)

ensinam que, na medida em que o contrato a termo possui data prevista para o seu

fim, a eventual ocorrência de justa causa enseja a “ruptura antecipada” do mesmo,

pois o seu término já era previsto216. (1998, p. 176) Afirma Süssekind (1997) que o

afastamento do empregado no contrato de trabalho por tempo determinado é uma

decorrência de um ato faltoso, de inexecução contratual, pois:

“No contrato de trabalho a termo, nenhuma das partes tem o direito de dissolver o vínculo antes de expirado o respectivo prazo, o que seria um contra-senso: o direito de não cumprir o contrato. Assim, o afastamento do empregado, no contrato de trabalho a termo, é uma decorrência de um ato faltoso, de inexecução contratual. Rompe, indevidamente, o contrato aquele que descumpre as suas obrigações. Não há falar, aqui, tecnicamente em dispensa do empregado, que pressupõe o exercício de um direito potestativo.” (SÜSSEKIND, 1997, p. 565)

Da previsão das hipóteses de rescisão do contrato de aprendizagem, chega-

se a duas conclusões: a primeira é a de que se o aprendiz manifestar vontade de se

desligar do contrato antes do término pactuado, não será obrigado a indenizar o

empregador, na forma do artigo 480, conforme preceitua o parágrafo 2º do artigo

433. E, a segunda, é a de que, durante o período da relação de aprendizagem,

poderá ser atribuída ao contrato o instituto da estabilidade, contudo provisória,

transitória como o contrato, uma vez que o contrato só poderá ser extinto nas

hipóteses fixadas em lei.217. (SANTOS, 2004, p. 135)

óbice legal à celebração, ato contínuo, de um contrato por tempo indeterminado, sempre com a assistência do seu responsável legal.” (2006, p. 358) Acrescenta-se ainda o modo a ser utilizado pelo empregador para detectar a incidência de uma das hipóteses de rescisão contratual, conforme estabelece o Decreto n. 5.598/2005: “Art. 29. Para efeito das hipóteses descritas nos incisos do art. 28 deste Decreto, serão observadas as seguintes disposições: I - o desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz referente às atividades do programa de aprendizagem será caracterizado mediante laudo de avaliação elaborado pela entidade qualificada em formação técnico-profissional metódica; II - a falta disciplinar grave caracteriza-se por quaisquer das hipóteses descritas no art. 482 da CLT; e III - a ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo será caracterizada por meio de declaração da instituição de ensino.” (Disponível em; http://www.presidencia.gov.br/) 216 “Art. 480. Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem.” (CLT) 217 Contudo, há divergência sobre a matéria, colacionando-se dois julgados: “Ementa: Contrato de Aprendizagem. Goza o menor aprendiz, durante todo o período de aprendizagem, de estabilidade provisória, não podendo o empregador rescindir o contrato antes do seu termo, a não ser por justa causa incluída a específica do art. 432, § 2º da CLT. (RO 02950468033, 1995, 8ª Turma. Data de publicação: 08/05/1997. Partes: Ronei Moreira Sampaio. Emp Transp Coletivo São Bernardo” (Disponível em: http://www.trt02.gov.br Acesso em maio/2006)

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No que diz respeito à jornada de trabalho, estabeleceu o legislador diferença

no tratamento entre o aprendiz que ainda não tenha concluído o ensino fundamental

e aquele que já o tiver completado. O primeiro poderá realizar a jornada máxima de

trabalho de seis horas diárias, e o segundo poderá ter a jornada ampliada em mais

duas horas, vedando-se a prorrogação e a compensação da mesma, conforme reza

o artigo 432, caput, da CLT.

Rangel e Cristo218(2004) posicionam-se contrariamente a tal diferenciação.

Entendem que a jornada deveria ser igual para todos os aprendizes, pois a previsão

legal parece demonstrar a valorização e incentivo apenas àqueles que se encontram

no sistema de ensino fundamental, em detrimento dos outros que estejam cursando

nível de ensino mais avançado. Corrobora-se com esse entendimento, pois o

incentivo à escolarização deverá permear toda a vida do aluno-aprendiz, como

“Ementa: Contrato de aprendizagem – Estabilidade Provisória. Obrigatória a contratação de menores aprendizes por estabelecimentos industriais, segundo o art. 429 da CLT, e possibilitada a respectiva dispensa somente por justa causa, aqui em face do conteúdo do § 2º. do art. 432 da mesma Consolidação, conclusão inarredável é a de que, legalmente formalizado o contrato de aprendizagem, goza o menor de estabilidade provisória durante todo o período, englobadas as fases escolar e do estágio, não podendo ser dispensado imotivadamente. Aliás, o direito da criança e do adolescente à educação e à profissionalização é dever de todos, consoante art. 227 da Constituição Federal. In casu, sobressai ainda a garantia normativa, renovada ao longo do tempo pelas categorias econômica e profissional, a qual resguarda o direito ao emprego durante o contrato de aprendizagem, ressalvados os motivos disciplinares, escolares ou por mútuo acordo, este apenas com assistência sindical. (RO 020768, 1998, Relator: Valdevir Roberto Zanardi, 1998, 5ª. Turma. Data de publicação: 14/02/2000 Partes: Alexandre Ramalheiro de Andrade e Toolyng e Comércio Ltda.) (Disponível em: http://www.tst.gov.br Acesso em maio/2006) Em sentido contrário, o mesmo Tribunal: “Ementa: Estabilidade Provisória. Menor aprendiz. Não reconhecimento. Decreto n. 31.546/52).O contrato de menor aprendiz matriculado junto ao Senai, estipulado pelo prazo determinado de 36 meses é plenamente válido, uma vez disciplinado pelo Decreto nº 31.546/52, norma especial. Por se tratar de contrato a termo, não comporta ele estabilidade provisória. (RO 005194, Acórdão n. 014799/2001. Relator: Luis Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, 2ª Turma, 15ª Região. Data da publicação: 19/04/2001. Partes: Levelitor Belchior Messias da Silva e Citrosuco Paulista S/A)” (Disponível em: http://www.tst.gov.br Acesso em maio/2006) “Ementa: Contrato de Aprendizagem e estabilidade provisória. O contrato de aprendizagem é, por sua própria natureza, transitório e, por isso mesmo, um contrato a termo, sendo, por via de conseqüência, incompatível com o instituto da estabilidade provisória. Processo nº: 02950095717 ,1995, 6ª Turma. Data de publicação: 04/09/1996 Partes: Recorrente(s): Fabiano Trajano da Silva. Recorrido(s):CIA Municipal de Transportes coletivos.” (Disponível em: http://www.trt02.gov.br Acesso em maio/2006) E, ainda, o posicionamento de Arnaldo Süssekind, sobre a configuração da estabilidade provisória durante a vigência do contrato de aprendizagem, antes da edição das Leis ns. 10.097/2000 e 11. 180/2005: “Nos termos do p. 5º do art. 10 do Decreto-lei n. 4.481, de 17.7.42, introduzido pelo Decreto-lei n. 9.576, de 12.8.46, ‘nenhum aprendiz poderá antes do fim do curso ser retirado da escola do Senai ou substituído por outro, por iniciativa do empregador’. Trata-se de autêntica estabilidade provisória...” (1997, p. 567) 218 “Em nosso entendimento, a jornada reduzida de seis horas deve ser garantida não somente ao adolescente que esteja cursando o ensino fundamental, mas também àquele que esteja no ensino médio, ao revés do estabelecido no p. 1º do art. 432. Também não há fundamentação jurídica que dê suporte a que a exigência de freqüência do aprendiz à escola ocorra somente com relação aos alunos que estejam cursando o ensino fundamental como equivocadamente dispôs o p. 1º do artigo 428, com a redação dada pela Lei n. 10.097/00, mormente considerando que o artigo 63 do ECA enuncia como primeiro princípio a ser observado na formação técnico-profissional a garantia de acesso e freqüência obrigatória ao ensino regular, não fazendo qualquer restrição ao ensino médio.” (RANGEL, CRISTO, 2004: 89)

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forma de incentivá-lo a buscar melhor qualificação profissional e ampliar o seu

potencial intelectual. (2004, p. 89)

4.3.4. A aplicação dos acordos e convenções coletivas de trabalho aos contratos de aprendizagem

Segundo o artigo 26 do Decreto n. 5.598/2005, que regulamentou a Lei n.

11.180/2005 e realizou novas alterações no instituto da aprendizagem empresaria as

cláusulas sociais resolvidas em convenções e acordos coletivos somente serão

estendidas aos aprendizes quando expressamente previstas; do contrário, serão

excluídas.

Compreende-se por convenção coletiva o acordo de caráter normativo219 pelo

qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e

profissionais, estipulam condições de trabalho às relações individuais existentes no

âmbito de suas representações, estipulando dentre outras coisas o prazo de

vigência. E por acordo coletivo o ajuste entre as categorias profissionais com uma

ou mais empresas correspondentes às referidas categorias, aplicável apenas entre

as partes acordantes. Conclui-se, a partir dessas definições, que os preceitos

existentes em tais instrumentos são incorporados ao contrato individual de trabalho,

preenchendo lacuna a respeito da matéria abordada ou substituindo previsão que

lhe contrariar. (SILVA, 1999, p. 110)

219 “...uma das espécies dos contratos normativos é o celebrado entre pessoas físicas ou jurídicas, pelo qual estas estabelecem as condições gerais de futuros contratos individuais a serem firmados com terceiros, de sorte que as partes do contrato unilateralmente normativo se encontram, nos contratos individuais, sempre e exclusivamente de um só lado. Possuem assim, uma eficácia interna.” (GOMES, GOTTSCHALK, 1998, p. 597) Sobre o caráter normativo das convenções coletivas, cita-se o posicionamento de Alice Monteiro de Barros: “Os autores são quase unânimes em considerar a convenção coletiva fonte do Direito do Trabalho, salvo alguns (Gama Cerqueira), que negam essa condição, afirmando que a convenção coletiva está subordinada à lei, tem objetivo e duração limitada.” (2005, p. 1193) Délio Maranhão e Luiz Inácio B. Carvalho definem a convenção coletiva como um “contrato-ato-regra”: “Não há como fechar os olhos a este fato para ver, unicamente, os efeitos normativos da convenção. Assim, este duplo aspecto da convenção coletiva leva-nos necessariamente a uma concepção dualista de sua natureza jurídica. O ato jurídico é um só. Mas não é só contrato, nem só ato-regra. É, por isso, uma figura jurídica sui generis: normativa, por um lado, contratual, por outro.” (1993, p. 333)

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Entende-se que tal restrição é ilegal e inconstitucional, partindo-se do

pressuposto de que os instrumentos em comento poderão dispor de cláusulas

favoráveis ao adolescente aprendiz no bojo do contrato especial de trabalho220.

Ora, no segundo capítulo tratou-se da normatividade dos princípios, e naquele

verificou-se que esses, no dizer de Dworkin (2002) e J.J. Canotilho (1997), norteiam

todo o sistema jurídico, formando um complexo de valores históricos e morais de

determinada sociedade que fundamentam as regras, exercendo uma função de

integração sistêmica. Partindo-se da premissa de que a Carta Constitucional elevou

à categoria de princípio o direito da criança e do adolescente à proteção integral,

conclui-se que este prevalece sobre qualquer outra norma que se apresente

desfavorável ao grupo considerado vulnerável.

Além desse princípio, que é direcionado aos pequenos, informa o

ordenamento jurídico pátrio no que tange às relações laborais o princípio da

condição mais benéfica, que zela pela manutenção das vantagens obtidas pelo

trabalhador quando da aplicação de normas anteriores, se mais benéficas, ou

quando estas não são contempladas pela norma que a substitui. (SILVA, 1999, p.

101)

Ao tratar do princípio da condição mais benéfica, Luiz de Pinho Pedreira da

Silva se remete à definição de Ojeda Avilés, que ensina que este significa “a

conservação das vantagens obtidas por aplicação de normas anteriores se mais

benéficas ou não contempladas pela norma substituinte”. Segundo o autor, as

normas não devem ser modificadas nem substituídas em prejuízo do trabalhador,

devendo ser respeitada a situação mais favorável que este gozava antes do pacto,

norma ou convenção coletiva. (1999, p. 101-102)

Ressalta Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999) que para se verificar a

possibilidade de aplicação do princípio da condição mais benéfica faz-se necessário

questionar-se se a convenção ou o acordo coletivo deve ser respeitado mesmo após

o prazo de vigência ter expirado. Partindo-se do pressuposto de que os preceitos

decorrentes de tais instrumentos são incorporados ao contrato individual de trabalho,

entende-se que sim; os preceitos já incorporados precisam continuar sendo

respeitados, e para tal afirmativa encontra-se respaldo na própria CLT, que no artigo

220 Sayonara Grillo Leonardo da Silva entende que tal restrição é inconstitucional quando interpretada à luz do artigo 7º, inciso XXI da Lei Fundamental, que assegura o reconhecimento dos acordos e convenções coletivas de trabalho. Compreende dessa forma que todas as cláusulas sociais são aplicadas aos empregados aprendizes, mesmo que não expressamente indicados. (SILVA, 2005)

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444 expressa que a autonomia de vontade na celebração dos contratos individuais

não poderá contrariar norma de convenção ou acordo coletivo. Nesse diapasão,

expressa o artigo 468:

“Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a

alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e, ainda assim, desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

A ultratividade das condições mais benéficas, no entanto, ocorrerão somente

em relação às cláusulas normativas, que segundo Barros (2005), são aquelas que

predeterminam o conteúdo dos contratos individuais de trabalho, tais como: reajuste

salarial, férias, jornada, indenização, estabilidade, prêmios etc. As cláusulas

obrigacionais, todavia, não poderão ser objeto de ultratividade por se relacionarem

aos deveres instituídos para as próprias partes no que tange a aplicação de

penalidades na hipótese de descumprimento do que for acordado, na forma do

inciso VIII, do artigo 613, da CLT.

Destarte, constata-se a inadequação da norma constante do artigo 26 do

Decreto n. 5.598/2005, a partir do momento em que ao apresentar a proposta de

legislar sobre uma categoria especial de trabalhadores, que representa a exceção

constitucional no que se refere à idade mínima para o ingresso no mercado de

trabalho, a eles atribui o ônus cruel de não serem protegidos pelas cláusulas sociais

estabelecidas no bojo de uma convenção ou acordo coletivo, quando estas não lhes

forem expressamente reconhecidas.

Não obstante a inexistência de hierarquia entre os princípios, posiciona-se

aqui à luz dos ensinamentos de Dworkin (2002), que afirma que a dimensão do

princípio não se relaciona à categoria de vigência, mas sim de peso ou importância.

Partindo-se dessa premissa, pondera-se que na hipótese analisada, sem prejuízo da

aplicação do princípio do Direito do Trabalho da condição mais benéfica, o princípio

da proteção integral dos direitos e garantias fundamentais das crianças e dos

adolescentes apresenta maior peso, devido à especificidade das relações e,

portanto, deve ser aplicado primeiramente na análise do teor do dispositivo em

comento, prevalecendo os interesses dos adolescentes aprendizes.

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4.3.5. Salário e férias

Antes da Lei 10.097/00, o artigo 80 da CLT221 dispunha que durante a

primeira metade do curso de aprendizagem o empregador poderia pagar ao

adolescente meio salário mínimo e, na segunda metade, dois terços. Todavia, com a

promulgação da Carta Constitucional de 1988, que assegura pagamento de salário

“nunca inferior ao mínimo”, conforme reza o inciso VII, do artigo 7º, e veda a

diferença salarial por motivo de idade pelo inciso XXX do mesmo artigo, o dispositivo

consolidado tornou-se inconstitucional.

Com o advento da mencionada lei, o aprendiz passou a ter reconhecido o

direito à percepção do salário mínimo calculado em salário mínimo horas,

observando-se a jornada máxima de seis ou oito horas diárias, conforme o caso.

Destarte, na primeira hipótese, o aprendiz fará jus a 75% do salário mínimo e, na

segunda, à sua totalidade. Rangel e Cristo entendem que o aprendiz terá direito ao

salário mínimo hora, quando não houver condição mais benéfica garantida por

instrumento coletivo de trabalho, como acordo ou convenção, ou ainda, por

liberalidade do empregador.222 (2004, p. 90)

No que diz respeito às férias, poderão coincidir com as férias escolares do

ensino regular. Para isso, o aprendiz deverá encaminhar solicitação ao empregador,

conforme expressa o parágrafo 2º. do artigo 136 da Consolidação.

À luz do Direito Previdenciário, o contrato de aprendizagem assume a

qualidade de um contrato de trabalho comum, desencadeando reflexos no âmbito da

seguridade social, uma vez que o aprendiz assume a qualidade de segurado, nos

termos da Lei de Custeio da Previdência n. 8.212/91223.

Marcelo Leonardo Tavares (2004, p. 334) explica que o salário-de-

contribuição do aluno-aprendiz é a base de cálculo do salário-de-benefício, e o limite

mínimo daquele corresponde à sua remuneração definida em lei (o salário mínimo

221 “Ao menor não aprendiz é devido o salário mínimo integral (TST – Súmula 134, cancelada Res. TST 121/03, 19.11.03).”( CARRION, 2004, p. 136) “Desde que o menor não esteja em regime de aprendizado, atenta contra a Constituição da República o pagamento de piso salarial inferior ao pagamento percebido pelo adulto em igual função”. (BARROS, 2005, p. 542) 222 Outra hipótese de condição mais favorável conforme reza o parágrafo único do artigo 17 do Decreto n. 5.598/05 seria quando os Estados ou Distrito Federal, nos termos da Lei Complementar n. 103, de 14 de julho de 2000, instituírem ‘piso salarial’ próprio. 223 Com a ressalva prevista no artigo 431, que expressa não reconhecer da mesma forma o adolescente contratado pelas entidades governamentais ou não-governamentais sem fins lucrativos, pois sua contratação em um desses casos não gerará vínculo empregatício.

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proporcional ao número de horas trabalhadas), conforme expressa o artigo 28,

parágrafo 4º da Lei de Custeio da Previdência.

Na qualidade de segurado, o adolescente aprendiz terá o direito de somar o

tempo em que trabalhou como tal para a contagem de tempo para efeitos de sua

aposentadoria, conforme se constata da seguinte decisão:

“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO-

APRENDIZ. O tempo de estudos do aluno-aprendiz, realizado em escola pública profissional, sob as expensas do poder público, é contado como tempo de serviço para efeito de aposentadoria previdenciária, ex vi do art. 58, XXI, do Decreto n. 611/92, que regulamentou a Lei n. 8.213/91. Resp n. 217.445-RN, rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 22/2/2000.”224 (TAVARES, 2004, p. 582)

No tocante ao depósito a ser efetuado pelo empregador a título de Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – tem-se que, de acordo com dispositivo

constitucional, artigo 7º, inciso III, este será devido tanto ao trabalhador urbano

quanto ao rural. Partindo-se da premissa de que o contrato de aprendizagem é uma

espécie de contrato de trabalho, verifica-se que assiste direito ao adolescente

aprendiz o recebimento desse fundo.

Antes da alteração promovida pela Lei 10.097/00, que inseriu o parágrafo 7º,

no artigo 15, da Lei 8.036/1990 (Disponível em: http://www.planalto.gov.br Acesso

em: junho/2006) que dispõe sobre o FGTS e dá outras providências, a alíquota

obrigatória a ser recolhida pelo empregador era de 8% do o valor da remuneração

de cada empregado. No entanto, após o advento do mencionado dispositivo, a

alíquota foi reduzida para 2% na hipótese de contrato de aprendizagem.

A diferença entre os percentuais é justificada pelo fato de o contrato de

aprendizagem ter caráter sui generis, de finalidade e remuneração diferenciadas em

relação ao contrato comum. Contudo, há quem defenda a violação do princípio da

igualdade por essa previsão legal na medida em que impõe uma desigualdade de

tratamento quanto ao percentual.225

224 TAVARES colaciona também o seguinte verbete da Seção judiciária do Rio Grande do Norte: “O período de estudo do aluno-aprendiz, desde que realizado em escola profissional e comprovada a contribuição pecuniária à conta do orçamento público sob a forma de alimentação, fardamento, material escolar ou mesmo parcela de renda auferida com a execução de encomendas para terceiros, é contado como tempo de serviço para aposentadoria.” (2004, p. 631) 225 “A nosso ver, a redução do FGTS para 2% avilta o direito constitucional, principalmente em se tratando da aprendizagem. Afinal, a remuneração do aprendiz é quase sempre menor do que um salário mínimo, em razão da jornada reduzida; como a quantia que se recolhe ao FGTS é um percentual da remuneração, o montante recolhido até o final do contrato já seria pequeno. A redução do percentual diminuiu o que já era pequeno, para

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Compreende-se que a postura adotada pelo legislador é contraditória com o

próprio conceito legal do contrato de aprendizagem, pois, se a lei atribui a essa

espécie contratual a qualidade de relação de emprego, com algumas peculiaridades,

não pode a mesma ser tão discrepante ao prever a desigualdade entre os

percentuais referentes à contribuição do empregador para fins de FGTS. Entende-se

com isso que o empregador deveria contribuir com o mesmo percentual do contrato

comum de trabalho na hipótese de contrato de aprendizagem, porque o interesse do

adolescente é prioritário.

4.4. A Aprendizagem escolar

A aprendizagem escolar é desenvolvida através das escolas técnicas de

educação226, instituições de ensino regular técnico e tecnológico, com o objetivo de

disponibilizar cursos profissionalizantes de nível médio e superior, conforme os

preceitos sobre a qualificação profissional, disciplinados na Lei de Diretrizes e Bases

da Educação, com as respectivas alterações realizadas pelo Decreto n. 5.154/2004,

e na forma do artigo 430, I, da CLT. Desse modo, na ausência de condições de

realização da aprendizagem pelos serviços nacionais de aprendizagem (sistema

“S”), as empresas, obrigadas a contratar o percentual estabelecido em lei, poderão

optar pelo ensino metódico ministrado pelas escolas técnicas matriculando os seus

aprendizes.

Nesse sentido, as atividades teóricas serão desenvolvidas no ambiente

escolar e as práticas, metodicamente organizadas em tarefas de complexidade

progressiva, serão ministradas e desenvolvidas na empresa, desencadeando, pois,

torná-lo ínfimo.” (SANTOS, 2003, p. 89) Por outro lado, tem-se o posicionamento da assessoria jurídica da Fiesp/Ciesp, em parecer, que corrobora a alteração realizada pelo legislador no que tange ao tema: “As mesmas considerações também afastam a possibilidade de ofensa ao princípio da igualdade em relação aos demais trabalhadores, pois, como se vislumbra da leitura do disposto no caput do artigo 428 da CLT, o contrato de aprendizagem, pela própria essência, é um contrato especial, com características próprias e com a finalidade social específica de preparar o menor para o mercado de trabalho, buscando sua profissionalização. Pelas mesmas razões, para os contratos de aprendizagem iniciados após a edição da Lei 10.097/00, também não vislumbramos qualquer óbice ao recolhimento dos depósitos à alíquota de 2%. Por fim, a redução da alíquota do FGTS para os contratos de aprendizagem, antes de ser considerada como ilegal ou atentatória aos direitos sociais, deve ser interpretada como um incentivo a mais na profissionalização do menor.” (FIESP, CIESP, 2002, p. 88) 226 Registra-se que as escolas técnicas de hoje, organizadas em sua maioria em Centros Federais de Educação Tecnológica, são desdobramentos das antigas Escolas de Aprendizes e Artífices, instituídas em 1909 com o escopo de capacitar profissionalmente as crianças e adolescentes pobres. (RANGEL, CRISTO, 2004, p. 95)

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a formação do vínculo empregatício227entre o aluno-aprendiz e a empresa e não

para com a instituição em que estiver matriculado, pois a relação é simplesmente de

aprendizagem em ensino profissionalizante. Por tal razão, essa modalidade de

aprendizagem se encontra no tópico das modalidades de relação de emprego as

quais poderá o adolescente figurar.

Ressalvam Saad e Duarte Saad, que é aconselhável que o aluno de escola

técnica seja protegido por um seguro de acidentes pessoais, aplicando-se em seu

favor as normas especiais de segurança e medicina do Trabalho. (2006, p. 357)

“o adolescente estuda para aprender um ofício ou uma

profissão que o habilite a obter um emprego ou desenvolver uma atividade regular remunerada. Não é modalidade de trabalho comparável às demais. As escolas técnicas são de nível médio e seus alunos, quando trabalham, o fazem como estagiários.” (THOMAZINE, 2004, p. 565)

Nos termos das diretrizes estabelecidas pelo Decreto n. 5.154/2004, a

educação profissional técnica de ensino médio228 será realizada em articulação com

o ensino médio, de forma integrada, sendo oferecida somente a quem tenha

227“EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO. ALUNO - APRENDIZ. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. SUM - 96 DO TCU. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. FALTA DE TEMPO DE SERVIÇO. DEC - 611, ART-58. INC-21. LEI - 8.213, ART-52. 1 - Não é todo estudante de escola técnica que se enquadra no conceito de aluno-aprendiz, na acepção do DEL-4073 42, havendo direito à contagem de tempo de serviço somente para o aluno cujo processo de aprendizagem envolve vínculo laboral, com trabalho remunerado, que gera vinculação obrigatória à Previdência Social. 2 - O rateio das sobras do resultado da produção, industrializada e comercializada pelos alunos, não se equipara à retribuição pecuniária. Inexistindo as características de dependência, subordinação e remuneração, não se configura relação empregatícia, não podendo ser computado como tempo de serviço o período em que o autor freqüentou curso de aprendizado profissional em escola técnica. 3 - A SUM-96 do Tribunal de Contas da União não é aplicável ao caso, pois também pressupõe a existência de vínculo empregatício, com salário pago pela União. (TRF 4ª Região; Processo nº 53954; Decisão publicada no DJ de 09.04.97, pg. 78211; Relator: Juiz Carlos Sobrinho).” (Disponível em: http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/1998/1263htm. Acesso em maio/2006) 228 No Rio de Janeiro, a FAETEC – Fundação de Apoio à Escola Técnica – criada em 1997, passou a gerenciar a rede de ensino tecnológico do Estado, que atualmente abrange 101 unidades. Administra além do ensino técnico, a educação profissional em três níveis: básico, técnico e tecnológico. Assim, disponibiliza cursos profissionalizantes em diversas áreas, como por exemplo: agropecuária para os níveis técnico e tecnológico; artes, para o nível básico; construção civil, para o nível técnico, dentre outros. (Disponível em: http://www.faetec.rj.gov.br/shared Acesso em maio/2006) O revogado Decreto n. 2.208/1997, que regulamentava os artigos 39 a 42 da LDB, fornecia importantes subsídios para a compreensão da educação profissional, a saber: “Art 3 º A educação profissional compreende os seguintes níveis: I - básico: destinado à qualificação, requalificação e reprofissionalização de trabalhadores, independente de escolaridade prévia; II - técnico: destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos matriculados ou egressos do ensino médio, devendo ser ministrado na forma estabelecida por este Decreto; III - tecnológico: correspondente a cursos de nível superior na área tecnológica, destinados a egressos do ensino médio e técnico.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em maio/2006)

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concluído o ensino fundamental ou concomitante a quem esteja cursando o ensino

fundamental ou médio, e subseqüente, a quem já os tiver concluído.229

Da mesma forma, são abrangidos pelos benefícios da formação profissional

garantidos pelo Decreto em comento os estudantes de nível superior ou tecnológico

de graduação e pós-graduação uma vez que o legislador prevê a criação de

programas e cursos para o fomento de sua profissionalização, mediante articulação

entre as áreas da Educação, Trabalho e Emprego e Ciência e Tecnologia.

“Art. 7º - Os cursos de educação profissional técnica de nível médio e os cursos de educação profissional tecnológica de graduação conduzem à diplomação após sua conclusão com aproveitamento.

Parágrafo único. Para a obtenção do diploma de técnico de nível médio, o aluno deverá concluir seus estudos de educação profissional técnica de nível médio e de ensino médio.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em: junho/2006)

A oportunidade de formação técnica e profissionalizante pelas escolas

técnicas apresenta-se como importante opção para os adolescentes que desejarem

ingressar no mercado de trabalho, pois oferecem áreas diversificadas para a

formação e qualificação profissional, com proposta pedagógica alicerçada nos

preceitos da LDB.

4.5. A intermediação de mão-de-obra aprendiz por entidade governamental ou não governamental sem fins lucrativos

229 “§ 1º. A articulação entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio dar-se-á de forma: I - integrada, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica de nível médio, na mesma instituição de ensino, contando com matrícula única para cada aluno; II - concomitante, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio, na qual a complementaridade entre a educação profissional técnica de nível médio e o ensino médio pressupõe a existência de matrículas distintas para cada curso, podendo ocorrer: a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se as oportunidades educacionais disponíveis; ou c) em instituições de ensino distintas, mediante convênios de intercomplementaridade, visando o planejamento e o desenvolvimento de projetos pedagógicos unificados; III - subseqüente, oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em maio/2006)

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Trata-se aqui da aprendizagem ministrada supletivamente por entidades230

sem fins lucrativos aos adolescentes e jovens que aspirem lograr qualificação

profissional mediante o ensino teórico metódico e a prática, através da vivência de

situações reais no corpo de uma empresa. A atribuição conferida a tais entidades

configura-se como mais uma das novidades trazidas pela Lei n. 10.097/2000, tendo

em vista que, na ausência de vagas ou do próprio sistema “S” em determinada

localidade, o empresário, obrigado por lei a preencher seu quadro de empregados

com um percentual mínimo e máximo de alunos-aprendizes, poderá se valer das

mencionadas entidades, devidamente registradas pelo Conselho Municipal dos

Direitos da Criança e do Adolescente231, matriculando os alunos-aprendizes em seus

cursos.

Essa viabilização da aprendizagem demonstra a preocupação do legislador

em proporcionar a inclusão social dos adolescentes mediante a promoção de sua

qualificação profissional e retorno financeiro. Nestes termos, a entidade sem fins

lucrativos poderá se apresentar como associação ou fundação, quando de direito

privado, de acordo com 44 e 53 do Código Civil de 2002, ou como autarquia, quando

de direito público, instituída por lei específica conforme dita o artigo 37, inciso XIX da

Carta Constitucional.232 (SANTOS, 2003, p. 111) Atribui-se a qualidade de entidade

sem fins lucrativos à organização da sociedade civil que em conformidade com a Lei

n. 9.790, de 23 de março de 1999, não distribui, entre os seus sócios ou associados,

conselheiros (...) os eventuais excedentes operacionais, dividendos, bonificações ou

parcelas do seu patrimônio.

Diferentemente da aprendizagem empresária, a aprendizagem em análise

não gera vínculo empregatício entre o aluno-aprendiz e a empresa tomadora de

serviços, mas sim entre este e a entidade intermediadora233, que assume todas as

230 De acordo com o artigo 90 do ECA, as entidades mencionadas “são as que atendem tanto os adolescentes e crianças em situação de direitos violados ou ameaçados ou as que abrigam menores infratores.” (ISHIDA, 2006, p. 132) 231 O parágrafo único do artigo 90 do ECA também determina a inscrição de programas de entidades governamentais e não-governamentais no Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. 232 “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: I – as associações; II – as sociedades; III – as fundações; ...” “Art. 53. Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizam para fins não econômicos. Parágrafo único. Não há, entre os associados, direitos e obrigações recíprocos.” 233 “Art.15. A contratação do aprendiz deverá ser efetivada diretamente pelo estabelecimento que se obrigue ao cumprimento da cota de aprendizagem ou, supletivamente, pelas entidades sem fins lucrativos mencionadas no inciso III do art. 8º deste Decreto. § 2º. A contratação de aprendiz por intermédio de entidade sem fins lucrativos, para efeito de cumprimento da obrigação estabelecida no caput do art. 9º, somente deverá ser formalizada após a celebração de contrato entre o

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obrigações inerentes ao contrato comum de trabalho. Dessa forma, uma das

obrigações da entidade sem fins lucrativos é assumir a qualidade de empregador do

adolescente, nos termos do Decreto n. 5.598/2005.

“Nesta hipótese, a entidade passa a ter duas funções:

de empregadora e de centro de formação, devendo encaminhar o adolescente para prestar serviços em uma empresa, que é simples tomadora dos serviços. Configura-se, assim, uma relação jurídica triangular, que tem em seus angulos: o adolescente, a empresa como tomadora e a entidade, assumindo esta todas as obrigações inerentes a um contrato em regime de emprego. Ainda nesta hipótese, a entidade deve exigir que a empresa tomadora lhe repasse todo o numerário bastante para cobrir tudo o que é devido ao adolescente aprendiz e os ônus que a entidade tem como empregadora.” (OLIVEIRA, 2005, p. 221)

Sem prejuízo da previsão legal que expressamente reconhece a existência do

vínculo empregatício entre o aluno-aprendiz e a entidade, questiona-se a formação

de tal vínculo, uma vez que a entidade não emprega os adolescentes para usufruir

de sua força de trabalho e sim para propiciar-lhe instrução técnica profissional.

Carmem Camino (2004, p. 310) observa que, a partir do momento em que as

instituições se revelam filantrópicas, de caráter eminentemente social, não podem

atuar como empregadoras típicas, apenas “pro forma”. Para figurarem como

empregadoras típicas, deveriam usufruir da prestação de serviços realizados pelo

aluno-aprendiz, efetuados com as características do contrato de trabalho, como a

pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e sob a sua subordinação. Na

realidade, tudo isso ocorre na relação estabelecida entre o aluno-aprendiz e o

tomador de serviços, pois na verdade este é o empregador de fato234.

estabelecimento e a entidade sem fins lucrativos, no qual, dentre outras obrigações recíprocas, se estabelecerá as seguintes: I - a entidade sem fins lucrativos, simultaneamente ao desenvolvimento do programa de aprendizagem, assume a condição de empregador, com todos os ônus dela decorrentes, assinando a Carteira de Trabalho e Previdência Social do aprendiz e anotando, no espaço destinado às anotações gerais, a informação de que o específico contrato de trabalho decorre de contrato firmado com determinado estabelecimento para efeito do cumprimento de sua cota de aprendizagem;” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ Acesso em maio/2006) “A Lei estabeleceu que na hipótese da contratação do aprendiz ser efetuada pela ESFL, não há vínculo de emprego entre o aprendiz e a empresa na qual se efetivará a parte prática da aprendizagem. A responsabilidade pelo processo técnico-profissional é da entidade, assim como o contrato de trabalho poderá ser firmado com esta, que assumirá a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviço, na hipótese de inadimplemento da ESFL, segundo posição jurisprudencial do TST.” (CRISTO, RANGEL, 2004, p. 93) 234 “Há uma hipótese na qual o contrato de aprendizagem não configurará vínculo de emprego, portanto sem obrigações trabalhistas: quando o aprendiz é admitido por entidades sem fins lucrativos de assistência ao adolescente e à educação profissional regularmente registradas, caso em que o trabalho do aprendiz em empresa tomadora dos serviços não gerará relação de emprego. Trata-se, portanto, de um tipo especial de aprendiz não empregado, quando a regra geral é a do aprendiz-empregado.” (NASCIMENTO, 2005, p. 218-219)

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Camino (2004) sustenta ainda a existência de um contrato civil entre a

entidade intermediadora, a empresa tomadora de serviços e o aluno-aprendiz, no

qual a primeira assume em face dos outros, obrigações inerentes a um contrato em

regime de emprego. Na hipótese de se encontrar impossibilitada de cumprir tais

obrigações para com o aluno-aprendiz, deverá a empresa ser subsidiariamente

responsável por tal cumprimento. (2004, p. 311-312)

“Isso nos leva a sustentar, como fizemos em relação ao trabalho temporário, a responsabilidade subsidiária da empresa empregadora de fato em relação a todos os créditos trabalhistas do aprendiz, e, caso caracterizada a insolvência da entidade ministrante da aprendizagem, não temos a mínima dúvida em invocar, analogicamente, o disposto no art. 16 da Lei n. 6.019/74, onde prevista a responsabilidade solidária da empresa cliente em caso de falência da empresa de trabalho temporário.” (CAMINO, 2004, p. 312)

Outra diferença é que as entidades mencionadas pelo artigo 430, inciso II, se

referem à assistência e educação profissional apenas de adolescentes, uma vez que

mesmo após a alteração promovida no instituto da aprendizagem pela Lei n.

11.180/2005 o dispositivo continuou enfocando o trabalho das entidades com os

adolescentes. Esse entendimento é confirmado pela interpretação de dois

instrumentos de orientação sobre o tema: a Portaria n. 702 de 2001 do Ministério do

Trabalho e Emprego (Disponível em:

http://www.mte.gov.br/Empregador/fiscatrab/Legislacao/Portarias/conteudo/port_702

Acesso em: junho/2006) e Resolução n. 74 de 2001 do Conselho Nacional dos

Direitos da Criança e do Adolescente (Disponível em:

http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/resolucao74_2002.htm Acesso em:

junho/2006), que em observância ao dispositivo mencionado em conjunto com o

artigo 90 do Estatuto da Criança e do Adolescente limitam o desenvolvimento de

programas de aprendizagem a adolescentes entre quatorze e dezoito anos de

idade.235 Portanto, constata-se que os jovens entre dezoito e vinte e quatro anos só

poderão figurar como aprendizes na forma dos artigos 428 e 429 da consolidação.

235 Reza o artigo 1º da Portaria: “As entidades assistenciais e educacionais sem fins lucrativos de que trata o inciso II do art. 430 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, que se proponham a desenvolver programas de aprendizagem para adolescentes na faixa de 14 a 18 anos de idade, deverão proceder à inscrição desses programas junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, na forma do parágrafo único do art. 90 da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990.” (Disponível em: http://www.mte.gov.br/Empregador/fiscatrab/Legislacao/Portarias/conteudo/port_702 Acesso em junho/2006)

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Camino (2004) atribui à Lei n. 10.097/2000 caráter flexibilizador236 ao dispor

sobre a intermediação de mão-de-obra do aprendiz a partir do momento em que

expressa que a relação entre este e a empresa na qual realizará as atividades

práticas não gera vínculo empregatício, como ocorre com a aprendizagem em

concomitância com o Sistema Nacional de Aprendizagem.

Por outro lado, José Roberto Dantas Oliva (2006) afirma ser perfeitamente

justificável a flexibilização disposta pelo artigo 431 da CLT dado os propósitos da

aprendizagem. Na sua atualização a grande novidade da Lei n. 10.097/2005 é

possibilitar a inclusão social de adolescentes que muitas vezes perderiam a chance

de ingressar no mercado de trabalho como aprendizes por ausência de vagas ou

dos próprios cursos do Sistema Nacional de Aprendizagem na localidade da

empresa. (2006, p. 234)

Evidentemente, a contratação de alunos aprendizes por entidades

filantrópicas termina por apresentar grandes vantagens, tanto para a própria

entidade como para o empresário, tomador do serviço, como bem salienta Oliva

(2006). A primeira, por gozar de natureza filantrópica, é reconhecida por lei como

isenta237 da obrigação de recolher a contribuição relativa ao empregador na

Previdência Social, e o segundo, além de não arcar com qualquer ônus relativo aos

direitos trabalhistas e previdenciários do adolescente, obtém por meio da

Já a Resolução do CONANDA, conforme sua própria nomenclatura se apresenta, cuida dos interesses da criança e do adolescente. Portanto, os jovens entre dezoito e vinte e quatro anos não são por ela alcançados. 236 Alice Monteiro de Barros explica que deve ser entendido por flexibilização das relações de trabalho o conjunto de regras com o objetivo de instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica e tecnológica existentes entre o capital e o trabalho às formas de organização da produção aos métodos utilizados na gestão da mão-de-obra. (2005, p. 423-424) Afirma a autora que: “Sustenta-se que essa relação de trabalho ‘típica’ é incompatível com a necessidade da empresa moderna de adaptar-se a um processo econômico competitivo. Passou-se, então, a sugerir um modelo contraposto, cujo traço distintivo era o recurso a diversas modalidades de emprego chamadas flexíveis, entre as quais inclui-se a terceirização.”(2005, p. 424) 237 Sobre a isenção da contribuição previdenciária pelas entidades filantrópicas, estabelece a Lei n. 8.212/91: “Art. 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os arts. 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda aos seguintes requisitos cumulativamente: I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; III – promova, gratuitamente e em caráter exclusivo, a assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadores de deficiência; IV – não percebam seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores, remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e desenvolvimento de seus objetivos institucionais apresentando, anualmente ao órgão do INSS competente, relatório circunstanciado de suas atividades.” (Disponível em: http://www.presidencia.gov.br Acesso em maio/2006)

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intermediação de sua mão-de-obra, o cômputo para a cota obrigatória. (OLIVA,

2006, p. 237)

O Ministério do Trabalho e Emprego instituiu a Portaria n. 702 de 2001, que

dispõe sobre os critérios para a avaliação das mencionadas entidades238.Quanto à

fiscalização dos estabelecimentos utilizados pelas mesmas, editou o Conselho

Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente a Resolução n. 74 de 2001, que

é da competência dos Conselhos Tutelares verificar a adequação das instalações, a

compatibilidade das atividades desenvolvidas pelos adolescentes, dentre outras

exigências239.

Sem prejuízo das controvérsias destacadas acerca da introdução da figura da

intermediação da mão-de-obra de adolescentes, observa-se a importância da

iniciativa da sociedade civil, que busca suprir as deficiências e atender à demanda

238 “Art. 2º O programa de aprendizagem para o desenvolvimento de ações de educação profissional, no nível básico, deve contemplar o seguinte: I - público alvo do curso: número de participantes, perfil socioeconômico e justificativa para seu atendimento; II - objetivos do curso: propósito das ações a serem realizadas, indicando sua relevância para o público alvo e para o mercado de trabalho; III - conteúdos a serem desenvolvidos: conhecimentos, habilidades e competências, indicando sua pertinência em relação aos objetivos do curso, público alvo a ser atendido e potencial de aplicação no mercado de trabalho; IV - carga horária prevista: duração total do curso em horas e distribuição da carga horária, justificada em função do conteúdo a ser desenvolvido e do perfil do público alvo; V - infra-estrutura física: equipamentos, instrumentos e instalações demandados para o curso, em função dos conteúdos, da duração e do número e perfil dos participantes; VI - recursos humanos: número e qualificação do pessoal técnico-docente e de apoio, em função dos conteúdos, da duração e do número e perfil dos participantes; VII - mecanismos de acompanhamento, avaliação e certificação do aprendizado; VIII - mecanismos de vivência prática do aprendizado e/ou de apoio; IX - mecanismos para propiciar a permanência dos aprendizes no mercado de trabalho após o término do contrato de aprendizagem. Parágrafo único. Para a execução do programa de aprendizagem, as entidades mencionadas no art. 1º poderão contar com a cooperação de outras instituições públicas ou privadas.” (Disponível em: http://www.mte.gov.br/Empregador/fiscatrab/Legislacao/Portarias/conteudo/port_702 Acesso em junho/2006) 239 “Art. 3º. Os Conselhos Tutelares devem promover a fiscalização dos programas desenvolvidos pelas entidades, verificando: I – A adequação das instalações físicas e as condições gerais do ambiente em que se desenvolve a aprendizagem; II – A compatibilidade das atividades desenvolvidas pelos adolescentes com o previsto no programa de aprendizagem nas fases teórica e prática, bem como o respeito aos princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; III – A regularidade quanto à constituição da entidade; IV – A adequação da capacitação profissional ao mercado de trabalho, com base na apuração feita pela entidade; V – O respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento do adolescente; VI – O cumprimento da obrigatoriedade de os adolescentes já terem concluído ou estarem cursando o ensino obrigatório, e a compatibilidade da jornada da aprendizagem com a da escolar; VII – A ocorrência de ameaça ou violação dos direitos do adolescente, em especial tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, bem como exploração, crueldade ou opressão praticados por pessoas ligadas à entidade ou aos estabelecimentos onde ocorrer a fase prática da aprendizagem; VIII – A observância das proibições previstas no art. 67 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Parágrafo único. As irregularidades encontradas deverão ser comunicadas ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e à respectiva unidade descentralizada do Ministério do Trabalho e Emprego.” (Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/conanda/resolucao74_2002.htm Acesso em junho/2006)

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não atingida pelas políticas públicas, através de iniciativas privadas direcionadas ao

interesse público. Rangel e Cristo240 afirmam tratar-se de uma boa alternativa aos

adolescentes de classe econômica menos favorecida, pois avanços tecnológicos

exigem cada vez mais mão-de-obra qualificada no setor produtivo. (RANGEL,

CRISTO, 2004, p. 91)

4.6. Breves considerações acerca das nulidades no âmbito dos contratos em exame

O contrato de trabalho poderá ser considerado nulo quando forem

configuradas as hipóteses de nulidade do negócio jurídico em geral, previstas pelo

artigo 166 do Código Civil de 2002, ou quando concluído com o objetivo de

desvirtuar, impedir ou fraudar as normas de proteção ao trabalho, conforme

preceitua o artigo 9o da CLT. Assim, será considerado nulo o contrato celebrado por

pessoa absolutamente incapaz; quando o seu objeto for ilícito, impossível ou

indeterminável, ou quando o motivo comum entre as partes for considerado ilícito;

não se revestir de forma prescrita em lei; quando uma das solenidades exigidas por

lei for preterida; quando tiver o objetivo de fraudar a lei; e quando taxativamente o

declarar nulo ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. (REALE, 2002, p. 34)

Verifica-se que a nulidade contratual se dará quando for configurada no ato

de sua formação violação aos preceitos legais. Afirma Süssekind (1997) que as

normas de proteção ao trabalho são imperativas, de ordem pública, e, por isso, é

considerado nulo o ato jurídico que as contrarie. (1997, p. 255) Já as hipóteses de

anulabilidade decorrem de vício da vontade na realização do negócio. Sobre o tema,

leciona Silvio Rodrigues:

“De fato, há preceitos que são de ordem pública, social e econômica do Estado, de modo que a infringência a um preceito dessa natureza representa ofensa direta à estabilidade, senão à estrutura da comunidade. Não raro, o ato

240 “Se as entidades do Terceiro Setor viabilizarem programas de profissionalização estarão se desincumbindo de tarefas aprioristicamente devidas pelo Estado, fazendo jus, portanto, a incentivos que já se dão às entidades filantrópicas, as quais são isentas da contribuição previdenciária patronal e do imposto de renda. Parece que esse incentivo deveria alargar, tanto porque a aprendizagem se apresenta como demanda urgente da sociedade brasileira, quanto porque há que se proteger o adolescente trabalhador justamente por estar em condição de desenvolvimento físico, moral, intelectual e psicológico.” (FONSECA, 2005, p. 225)

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tem uma finalidade que colide com a ordem pública, ou que machuca a idéia de moral social ou de bons costumes. É o interesse público que é lesado... Noutras hipóteses, o legislador tem por escopo proteger determinadas pessoas, que se encontram em dadas situações, tal como o menor púbere, ou ainda, o que consentiu inspirado num erro, induzido por dolo... Nestes casos, não houve ofensa direta a um interesse social, mas é possível que tenha resultado prejuízo para aquela pessoa que o ordenamento jurídico quer proteger.” (RODRIGUES, 1997, p. 285)

De acordo com o Código Civil, a nulidade pode ser considerada total quando

invalida todo o negócio realizado, ou parcial quando se restringe a invalidar parte do

negócio. Assim, a sentença que declara a nulidade do contrato reconhece a

inexistência do que já era considerado inválido, produzindo efeitos ex tunc.

(RIZZARDO, 2003, p. 501-527) Esses efeitos, todavia, não são aplicáveis ao

contrato de trabalho nulo, tendo em vista que, por mais que a formalidade exigida

por lei para a consecução do contrato não tenha sido observada, o fato a ser

considerado primordialmente se refere à força de trabalho efetivamente despendida

pelo empregado. Nesse sentido explica Süssekind:

“Quando a cláusula desrespeita o conteúdo mínimo

necessário, dá-se sua automática substituição, na medida dessa regulamentação. A nulidade aí é automaticamente sanada em benefício do empregado, já que o “contrato mínimo” não pode ser afastado pela vontade das partes.

Atingindo a nulidade o próprio contrato, segundo os princípios do direito comum, produziria a dissolução ex tunc da relação. A nulidade do contrato, em princípio retroage ao instante mesmo de sua formação....

Acontece, porém, que o contrato de trabalho é um contrato sucessivo, cujos efeitos, uma vez produzidos, não podem desaparecer retroativamente. Evidentemente, não pode o empregador ‘devolver’ ao empregado a prestação de trabalho que este executou em virtude de um contrato nulo. Assim, não é possível aplicar-se no caso o princípio do efeito retroativo da nulidade.” (SÜSSEKIND, 1997, p. 255-256)

Alice Monteiro de Barros (2005, p. 490) ensina que no campo das nulidades

do contrato de trabalho reside a peculiaridade de considerar-se a produção dos

efeitos no bojo de um contrato nulo até a data de sua decretação. Significa que os

efeitos de tal decretação serão ex nunc, invocando-se como justificativa os princípios

da proteção e da primazia da realidade.

Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999) explica que as relações laborais são permeadas pelo princípio da proteção,

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pois se atribui ao empregado a condição de vulnerabilidade em face do empregador e do objeto do contrato. Esta vulnerabilidade pode ser traduzida pela posição de superioridade hierárquica e dependência econômica, pelo comprometimento de sua incolumidade física durante a realização do trabalho e pela presunção de ignorância daquele sobre os seus direitos. (DA SILVA, 1999, p. 25) No que se refere ao princípio da primazia da realidade este apresenta por fundamentos a boa-fé, a dignidade humana, a vulnerabilidade do empregado e a interpretação racional da vontade real das partes, que levará o intérprete a buscar nos fatos a vontade real das partes, quando da existência da relação contratual241. (DA SILVA, 1999, p. 211-212)

A partir dessas considerações, conclui-se que, na hipótese da não

observância dos requisitos legais para a formação do contrato de trabalho, deverá o

intérprete recorrer aos princípios da proteção integral e da primazia da realidade

para a solução da contenda, uma vez que não poderá o adolescente que empregou

a sua força de trabalho em qualquer atividade laboral não ver reconhecidos os

direitos dela decorrentes.

São aplicados também os efeitos do reconhecimento do vínculo empregatício

entre o adolescente e a empresa na hipótese de contrato especial de aprendizagem,

pois como a própria lei determina essa espécie de contrato depende de

reconhecimento expresso por parte do empregador, que na forma do parágrafo 1º,

do artigo 428, da Consolidação, deverá proceder a anotação na Carteira de Trabalho

e Previdência Social do status de aprendiz, o número da matrícula deste e a

freqüência à escola, e a qualificação em formação profissional metódica exercida

pelo aluno-aprendiz. Não observando o empregador os requisitos de validade dessa

espécie contratual tem-se que o contrato será compreendido como contrato comum

de emprego242.

241 Sobre a presunção da realidade contratual, expressa Luiz de Pinho Pedreira da Silva (1999): “A legislação pátria não acolhe de modo explícito a presunção de contrato de trabalho em decorrência do fato da prestação de serviços. Não se conclua, apressadamente dessa afirmação, que careça tal presunção de apoio em nosso direito positivo. Ao contrário, a presunción laboral encontra suporte em mais de uma disposição do nosso direito constituído, como, ainda, em princípio doutrinário chancelado pela nossa jurisprudência. Assentando a presunção em causa no informalismo do contrato de trabalho, que pode ser deduzido de fatos concludentes como o comportamento das partes, serve-lhe de alicerce o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho, em conformidade com o qual ‘O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito’...” (1999, p. 218) 242 “CONTRATO DE APRENDIZAGEM. A condição de menor aprendiz deverá constar da CTPS do obreiro, nos termos do Decreto 31546/52 e pressupõe estar ele sujeito à formação profissional metódica do ofício, a qual deveria corresponder a um processo educacional, com o desdobramento do ofício ou da ocupação, em operações ordenadas de acordo com um programa cuja execução se faça sob a direção de um responsável, em ambiente adequado à aprendizagem (Portaria 27 do MT, de 18.12.56). Ausentes estes requisitos, deve-se assegurar ao trabalhador o salário mínimo integral e não a redução prevista no art. 80 da CLT, pois de aprendiz não se trata.

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É comum entre as empresas a utilização da mão-de-obra de estudantes

adolescentes para o exercício de atividades próprias de relação de emprego sob a

máscara do contrato de estágio. No entanto, interpretando-se o caso concreto à luz

dos princípios ora mencionados, será obtido o reconhecimento da existência da

relação de emprego e a partir desse reconhecimento terá o adolescente direito a

todas as garantias a ela inerentes243.

4.7. Conclusões parciais

Conferiu-se no presente capítulo que a legislação pátria, em razão do

inevitável ingresso dos adolescentes no mercado de trabalho, atua no sentido de

criar mecanismos que objetivem resguardar os direitos e garantias fundamentais do

grupo, através do reconhecimento do seu direito à profissionalização e ao trabalho

protegido observados os requisitos estabelecidos em lei.

O direito à profissionalização se apresenta no novo contexto legal como uma

das dimensões do direito à cidadania do adolescente. Por isso os programas de

aprendizagem devem ser concebidos sob a diretriz do processo educativo, o qual

depreende-se que o espírito da norma é o da prevalência da escolarização sobre o

trabalho, devendo a formação profissional do adolescente ser parte integrante da

construção do futuro adulto. Verifica-se a superação do paradigma da ‘socialização

pelo trabalho’, que antes da Carta Constitucional de 1988 norteava os programas

destinados especificamente à população carente, a partir da incorporação do

conceito de “educação pelo trabalho”.

A lei permite que o adolescente exerça atividades que poderão constituir

relação de trabalho ou relação de emprego. A relação de trabalho apresenta caráter

genérico englobando todas as relações jurídicas que envolvam uma obrigação de

fazer consistente em trabalho humano. Dentre estas relações, o adolescente poderá

figurar o contrato de estágio, o trabalho educativo e em regime familiar. Quanto a TRT – 3ª. Região – Ac. 2ª. T. – RO – 19710/92 – Rel.: Juíza Alice Monteiro de Barros – DJMG de 23.7.93” (BARROS, 2005, p. 290) 243 “Reconhecimento do vínculo empregatício. Estágio. Cabimento. O contrato de estágio tem seu objetivo desvirtuado, se as atribuições cometidas ao estagiário não correspondem ao curso de formação profissional, o que autoriza o reconhecimento do vínculo empregatício, preenchidos os requisitos do artigo 3º, da CLT. (TRT/SP – 02486200202602002 – Ac. 5ª T. – 20030193677. Rel.: Juiz Fernando Antônio Sampaio da Silva. DOE 9.5.2003)” (BARROS, 2005, p. 538)

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relação de emprego, verifica-se que se apresenta como uma das formas específicas

de relação de trabalho juridicamente positivadas, com características próprias

definidas pela CLT. O adolescente figura como empregado no contrato especial de

aprendizagem, na aprendizagem escolar e no contrato comum de emprego.

A elevação à condição de segurado obrigatório do adolescente que trabalha

em regime familiar no meio rural e, a possibilidade da contagem do tempo de serviço

para fins previdenciários pela Lei n. 8.213/1991, suscitou controvérsia acerca do

cabimento de efeito retroativo em benefício de contribuinte que antes de sua

vigência exerceu trabalho rural em regime familiar, na forma do artigo 11. Ao

demonstrar-se que o Estado democrático brasileiro se fundamenta na dignidade

humana e na valorização social do trabalho, concluiu-se que, o fim social a que a

norma previdenciária se destina permite a aplicação da regra em favor daqueles que

efetivamente preencham seu comando, independentemente desses trabalhadores

terem exercido tal atividade antes da vigência da norma.

Os institutos da aprendizagem (de modo geral, desenvolvido em escolas

técnicas e entidades sem fins lucrativos) e do estágio curricular, que é uma variação

da aprendizagem, demonstram a preocupação do legislador com a formação técnica

e profissional do adolescente, ao projetar o seu futuro profissional através da

promoção de meios que elevem o seu conhecimento e possibilitem que ocupe área

de trabalho condizente com as necessidades tecnológicas da sociedade da

informação na qual vive.

Quanto à permissão para a celebração de contrato de emprego, disponibiliza

o legislador mecanismos especiais de proteção ao adolescente e ao seu trabalho, na

medida em que confere a este todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho

reconhecidos aos adultos, e proteção especial, como a proibição do exercício de

atividades consideradas nocivas à sua formação, conforme o texto constitucional,

como também nas localidades nominalmente dispostas pelo artigo 405, dentre

outros.

No entanto, apesar do vasto conteúdo normativo apresentado, a realidade

dos fatos demonstra um quadro bem diferente do que se poderia esperar. Percebe-

se que a situação de pobreza que atinge grande parte da população, aliada ao

desconhecimento das normas de proteção ao trabalho e do direito à

profissionalização e a tolerância da sociedade, contribuem, consideravelmente, para

a precoce introdução do grupo vulnerável em atividades não profissionalizantes,

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irregulares e ilícitas, prosseguindo o ciclo de exploração e desqualificação,

vivenciado pelos pais desses adolescentes e crianças.

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Considerações Finais Esta livro se propõe a analisar a problemática introdução de crianças e

adolescentes no mercado de trabalho antes da idade mínima constitucionalmente

estabelecida para o exercício lícito desse trabalho no Brasil, bem como a regulação

incidente sobre o labor realizado por adolescentes. Em especial, analisa os institutos

jurídicos específicos aplicáveis às múltiplas relações de trabalho dos adolescentes,

no âmbito do direito do trabalho em sentido estrito (tais como o contrato de trabalho

e o contrato de aprendizagem), ou não (estágio, regime familiar, etc.), sempre à luz

do princípio constitucional da proteção integral das crianças e adolescentes.

O tema apresenta grande relevância e apelo humanitário, por se tratar de

seres em pleno desenvolvimento, portadores de direitos e garantias fundamentais

que convergem para o principal direito, que é o de desenvolver-se sadiamente nas

esferas biológica, psíquica e social. A partir do momento em que são precocemente

introduzidos no mercado de trabalho, passam a assumir compromissos e pressões

inerentes às atividades exercidas, consideradas impróprias para o estágio de vida

em que se encontram. Optou-se pelos termos “criança” e “adolescente”, utilizados

pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente,

para designar o estágio de vida em que se encontram.

O estudo realizado no primeiro capítulo teve por finalidade resgatar na história

as origens do trabalho infantil no Brasil e no mundo, como também a evolução

legislativa no plano internacional e no plano do direito interno. Demonstrou-se que o

sistema escravista adotado no país contribuiu significativamente para o surgimento

da “doutrina da situação irregular”, nascida no período neo-republicano e que

acompanhou a legislação até a promulgação da Carta Constitucional de 1988.

A fundamentação da nova ordem jurídica que se erigiu a partir da

Constituição Federal de 1988 no princípio da dignidade humana demonstra a

irradiação dos valores internacionais de direitos humanos em seu contexto, na

medida em que estes decorreram do movimento internacional que reconheceu

primeiramente os direitos fundamentais do homem como ente genérico (através da

Declaração Universal da ONU), e, em seguida, os direitos fundamentais da criança e

do adolescente por meio da Declaração e da Convenção dos Direitos da Criança da

ONU. A evolução dos conceitos sobre os sujeitos carecedores de tutela especial do

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Estado culminou na atribuição do caráter de grupo vulnerável à comunidade de

crianças e adolescentes, e desse movimento, surgiu a “doutrina da proteção

integral”.

O movimento constituinte acompanhou essa evolução teórica e incorporou ao

texto magno a mencionada doutrina que ao assumir o caráter de norma

constitucional deixou o plano teórico e passou a apresentar-se como princípio

regente das relações jurídicas que envolvam interesse de crianças e adolescentes,

conferindo absoluta prioridade à efetivação de seus direitos fundamentais.

A partir dessa compreensão, analisa-se a atuação dos organismos

internacionais no que tange ao reconhecimento desses direitos e demonstra-se que

a OIT goza de amplo conteúdo normativo direcionado à tutela do grupo frente às

relações laborais.

No âmbito dos países americanos verificou-se que a Convenção Americana

dispõe de normas proibitivas e protetoras do trabalho dos adolescentes, e nesse

diapasão, se constata a comunhão universal no que diz respeito ao reconhecimento

do grupo como vulnerável.

Ao tratar da regulação proibitória, apontou-se que a legislação veda o trabalho

aos menores de dezesseis anos (com a ressalva do contrato especial de

aprendizagem, que poderá ser celebrado por adolescente a partir de quatorze anos).

E além dessa vedação, o texto legal expressa que, mesmo que o adolescente

apresente a idade mínima permitida para o exercício de atividade laboral não poderá

realizar atividades em período noturno, em ambiente insalubre, em condição

perigosa ou penosa, e ainda, atividades consideradas nocivas a sua formação moral

e educacional.

Destacou-se também o universo das “piores formas de trabalho infantil”

qualificadas pela Convenção n. 182 e Recomendação n. 190 da OIT, que mesmo

antes de serem reconhecidas como tais, a legislação brasileira já as considerava

impróprias para o grupo vulnerável. Contudo, tais instrumentos têm por escopo

conferir maior ênfase à sua ocorrência e com isso provocar a mobilização da

sociedade civil e das entidades estatais de cada país-membro no que tange à

instituição de programas de prevenção e combate. Nesse sentido, aborda-se o

trabalho doméstico, o trabalho com o corte de cana-de-açúcar e o trabalho de coleta

de lixo como três das piores formas de trabalho infantil e adolescente praticadas em

nosso país.

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Em que pese a ocorrência da exploração da força de trabalho das crianças e

dos adolescentes, constata-se a existência de um movimento de proteção e defesa

dos direitos fundamentais do grupo mediante a integração entre mecanismos

jurídicos e sociais disponibilizados pelo sistema positivo.

Nessa seara, apontou-se a importância do Programa de Erradicação do

Trabalho Infantil (PETI) e a atuação do Ministério Público do Trabalho mediante a

fiscalização e ajuizamento de ações de responsabilização civil em face dos agentes

exploradores.

Verificou-se, ainda que, além da possibilidade da responsabilização civil do

tomador de serviços o legislador inovou ao tipificar como crime a ação de reduzir

criança ou adolescente a condição análoga a de escravo, mediante exercício de

trabalho forçado ou jornada exaustiva, em condições degradantes, com a edição da

Lei n. 10.803/2003 que inseriu o parágrafo 2º ao artigo 149 do Código Penal.

No bojo do sistema regional americano, verificou-se a possibilidade de

responsabilização do Estado brasileiro pelo não cumprimento do dever de proteção

do trabalho do adolescente e proibição do trabalho infantil estabelecidos pela

Convenção Americana de Direitos Humanos.

Ao cuidar da regulação permissiva do trabalho do adolescente conferiu-se

que a legislação pátria, em razão do inevitável ingresso dos adolescentes no

mercado de trabalho, atua no sentido de criar mecanismos que objetivem resguardar

o seu direito à profissionalização, à escolarização e ao trabalho protegido.

O direito à profissionalização se apresenta no novo contexto legal como uma

das dimensões do direito à cidadania do adolescente. Por isso os programas de

aprendizagem devem ser concebidos sob a diretriz do processo educativo, o qual o

espírito da norma é o da prevalência da escolarização sobre o trabalho, devendo a

formação profissional do adolescente ser parte integrante da construção do futuro

adulto.

A lei permite que o adolescente exerça atividades que poderão constituir

relação de trabalho ou relação de emprego. A relação de trabalho apresenta caráter

genérico englobando todas as relações jurídicas que envolvam uma obrigação de

fazer consistente em trabalho humano. Dentre estas relações, o adolescente poderá

figurar o contrato de estágio, o trabalho educativo e em regime familiar. Quanto a

relação de emprego, verifica-se que se apresenta como uma das formas específicas

de relação de trabalho juridicamente positivadas, com características próprias

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definidas pela CLT. O adolescente figura como empregado no contrato especial de

aprendizagem, na aprendizagem escolar e no contrato de emprego em sentido

estrito

Sobre as formas de relação de trabalho exposadas, destaca-se a importância

do respeito às normas de proteção especial que proíbem atividades perigosas,

insalubres, penosas ou prejudiciais a moral e a freqüência ao sistema de ensino.

Nesse sentido, o trabalho em regime familiar não poderá extrapolar o que a

legislação civil atribui aos pais em decorrência do poder familiar, como o dever de

respeito e obediência a ser exigido dos filhos. Com efeito, o trabalho realizado na

célula familiar pode ser compreendido como parte integrante do processo de

educação e formação social do adolescente.

O trabalho educativo e o estágio, não obstante natureza jurídica distinta,

apresentam proposta de promover a qualificação profissional do adolescente,

mediante sua inserção no ambiente de trabalho das entidades cooperadoras para

nestas desenvolver atividades práticas relativas à determinada modalidade laboral.

Há que se verificar, todavia, se no caso concreto as atividades realizadas no bojo de

cada espécie contratual estão sendo realizadas de acordo com a lei específica que

rege cada qual, pois na hipótese de sua não observância, ter-se-á a possibilidade de

configuração do vínculo empregatício na forma da CLT.

Quanto à permissão para a celebração de contrato de emprego, disponibiliza

o legislador mecanismos especiais de proteção ao adolescente e ao seu trabalho, na

medida em que confere a este todos os direitos decorrentes do contrato de trabalho

reconhecidos aos adultos, e proteção especial, como a proibição do exercício de

atividades consideradas nocivas à sua formação, conforme o texto constitucional,

como também nas localidades nominalmente dispostas pelo artigo 405, dentre

outros.

As demais formas de relação de emprego permitidas aos adolescentes

decorrem do instituto da aprendizagem, que se manifesta como contrato especial de

trabalho por meio do qual o empregador se compromete a assegurar ao adolescente

o ensino prático referente a uma modalidade laboral, a qual este recebe o ensino

teórico numa das entidades estabelecidas em lei, mediante contraprestação salarial.

A Lei n. 10.097/00 renovou o sistema de aprendizagem nacional no que

concerne aos aspectos contratuais no âmbito do direito do trabalho e trouxe

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modificações significativas que em linhas gerais logrou beneficiar muitos

adolescentes em face de maior expectativa de trabalho e qualificação profissional.

Primeiramente, definiu o instituto sob o aspecto contratual conferindo a ele

caráter “sui generis” por conta dos elementos que o diferenciam do contrato de

emprego em sentido estrito, não obstante ter dissipado qualquer controvérsia

doutrinária e jurisprudencial acerca de sua qualidade de relação de emprego.

A instituição de cota mínima e máxima de caráter obrigatório a ser observada

por estabelecimentos empresariais, no que se refere à contratação de alunos-

aprendizes também se manifesta como importante benefício trazido pela

mencionada lei. Pois se por um lado o legislador interferiu na autonomia da vontade

das entidades patronais quanto a real intenção de contratação de aprendizes para o

quadro de empregados, por outro, possibilitou que o ensino metódico fosse

ministrado não só pelo sistema “S”, mas também pelas escolas técnicas e pelas

entidades governamentais ou não governamentais sem fins lucrativos (ESFL). Foi

bem o legislador no que tange à descentralização do ensino metódico do sistema “S”

porque do contrário, não seria possível para os empresários e para as instituições de

ensino pertencentes ao sistema “S” atender a demanda imposta por lei.

Por ser considerada relação de emprego, o contrato de aprendizagem confere

direitos trabalhistas e previdenciários ao aluno-aprendiz em certo grau de igualdade

para com o trabalhador urbano.

Essa afirmativa se justifica primeiramente, no que se refere ao seu salário

uma vez que a lei prevê o direito ao recebimento de salário-mínimo horas, isto é,

proporcional ao número de horas trabalhadas. Entendemos que deveria fazer jus à

totalidade do valor do salário-mínimo, independente de cumprir jornada de seis ou

oito horas diárias.

Em segundo lugar, compreende-se que o dispositivo do Decreto n. 5.598/05

(que regulamenta a Lei n. 11.180/05 que promoveu alterações no instituto da

aprendizagem) que exclui os aprendizes do aproveitamento das cláusulas sociais

resolvidas em convenções ou acordos coletivos, quando estas não os abrangerem

expressamente. No entanto, demonstrou-se a inadequação da norma tendo em vista

tratar-se de interesse de pessoa especialmente protegida pelo ordenamento jurídico

sendo certo que a relação jurídica nessa hipótese será permeada pelo princípio da

proteção integral. Além do caráter protetivo da lei ao cuidar das relações jurídicas

formadas por adolescentes no bojo do contrato de trabalho, demonstra-se que este

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é regido genuinamente pelo princípio da ultratividade das condições mais benéficas

ao empregado. Portanto, a previsão legal de sua exclusão das cláusulas sociais

pertencentes a instrumento coletivo de trabalho, quando estas não os abranger

expressamente, revela desarmonia com as normas de proteção especiais vigentes

em nosso ordenamento.

Em terceiro lugar pela redução da alíquota a ser recolhida pelo empregador

para o FGTS. Antes da alteração promovida pela Lei n. 10.097/00, a alíquota

equivalia a 8% do valor da remuneração de cada empregado, inclusive dos

aprendizes. Todavia, a mencionada lei revogou o dispositivo da Lei n. 8.036/1990 ao

reduzir a alíquota referente àqueles para 2%. Sustenta-se que o empregador deveria

contribuir com igual percentual relativo ao contrato de trabalho em sentido estrito,

sob pena de violação do princípio da igualdade, posto que, a relação contratual de

aprendizagem é equiparada pelo legislador à relação de emprego.

E em quarto lugar, em que pese o caráter flexibilizador da Lei n. 10.097/00 ao

permitir a intermediação de aprendizes às entidades cooperadoras por meio das

ESFL, o Decreto n. 5.598/05 introduziu no âmbito da especialidade contratual em

comento, uma via igualmente peculiar. Isto se explica pelo fato de que previu que

nesta hipótese o vínculo empregatício não será formado entre o aluno-aprendiz e a

empresa, que efetivamente se beneficiará de seu serviço e proporcionará a prática

de atividade passível de aprendizagem. Mas sim entre aquele e a própria ESFL, que

assumirá a posição de empregadora e de instituição de ensino.

Por mais que a lei determine as partes que formarão o vínculo laboral,

demonstra-se que o empregador de fato será o tomador de serviços do aluno-

aprendiz, pois nessa relação é que serão identificados os requisitos caracterizadores

do contrato de trabalho como a subordinação, continuidade e não eventualidade, por

exemplo. Destarte, defende-se a responsabilidade subsidiária da entidade

cooperadora, real tomadora de serviços, na hipótese de eventual descumprimento

de obrigação laboral e previdenciária da ESFL para com o adolescente-aprendiz.

Embora o sistema de aprendizagem apresente as falhas apontadas, as

inovações trazidas pela Lei n. 10.097/00 foram de um modo geral favoráveis ao

instituto. As demais modificações nele realizadas provenientes da Lei n. 11.180/05 e

Decreto n. 5.598/05 nem tanto. Tais normas cuidaram de estender o sistema de

aprendizagem aos jovens entre dezoito e vinte e quatro anos através do Projeto

Escola de Fábrica e nesse sentido conceder outras providências.

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Obviamente a exclusão dos aprendizes do benefício das cláusulas sociais

que não lhes forem estendidas expressamente no bojo de instrumentos coletivos de

trabalho, disposta pelo Decreto mencionado e, ainda, a determinação das partes que

a formarão o vínculo laboral na hipótese de aprendizagem entre o aluno-aprendiz,

entidade cooperadora e ESFL, foram pontos importantes estabelecidos pelo

Decreto. Contudo, a renovação do instituto e disposição de um sistema garantista e

flexibilizador, foi realizada pela Lei n. 10.097/00.

Sobre a possibilidade de configuração da nulidade contratual numa das

formas de relação de trabalho ou de emprego exposadas, verificou-se que para a

interpretação do caso concreto deverão ser aplicados os seguintes princípios

específicos do Direito do Trabalho: o princípio da proteção e o princípio da primazia

da realidade. Como auxiliares interpretativos, apresentam por objetivo a valorização

social do trabalho mediante a consideração da boa-fé, da dignidade humana, da

vulnerabilidade do empregado mediante a superioridade hierárquica e dependência

econômica vivenciada na relação laboral de modo geral. E ainda, por óbvio, o

princípio da proteção integral, por se tratar de relação jurídica que envolve interesse

de adolescente.

Dessa forma, o não cumprimento dos requisitos contratuais específicos de

cada forma de trabalho permitida ao adolescente, como limitação de jornada de

trabalho, inserção em departamento que goze de atividades passíveis de

aprendizagem metódica com o monitoramento e auxílio de funcionário designado

para tal, correlação com a grade curricular, recebimento de bolsa-auxílio, salário-

mínimo horas ou por produtividade, dentre outros, ensejará o reconhecimento do

vínculo laboral entre o adolescente e o estabelecimento empregador, na forma da

Consolidação das Leis do Trabalho.

Partindo-se dessas considerações, conclui-se que o Brasil vive uma situação

paradoxal: de um lado, apresenta um amplo conteúdo normativo, que atribui às

crianças e aos adolescentes direitos e garantias fundamentais decorrentes do

princípio da proteção integral, dentre eles o de não ser submetido ao trabalho antes

da idade mínima constitucional. E de outro, a realidade dos dados estatísticos, que

revelam um quadro bem diferente do que se poderia esperar: a exploração de

muitos pequenos, que em atividades variadas, como o trabalho doméstico, corte de

cana-de-açúcar e coleta de lixo, se vêem compelidos a deixar as brincadeiras

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próprias da idade para empregarem precocemente sua força de trabalho,

canalizando todas as suas potencialidades em atividades prejudiciais a si mesmas.

A pobreza vivenciada por grande parte da população, o desconhecimento das

normas de proteção ao trabalho e do direito à profissionalização e principalmente a

tolerância por parte da sociedade, são fatores determinantes para a permanência da

atual conjuntura.

Esse quadro precisa ser modificado, e acredita-se que a atuação do Estado

através de suas instituições e política de atendimento, a qual objetiva retirar as

crianças e adolescentes do trabalho exercido antes da idade mínima e, em

condições consideradas inadequadas pela lei, por meio de programas de assistência

ou medidas preventivas e repressivas adotadas por seus organismos, tem

contribuído muito para a reversão desse quadro. A colaboração das famílias, ao se

comprometerem em não mais aproveitar da mão-de-obra de seus filhos a partir do

momento em que se cadastram nos programas de assistência, se apresenta como

bom exemplo para a redução dos números indicativos. Além disso, a atuação da

sociedade civil e a contribuição dos juristas mostram-se de fundamental importância.

A primeira ao oferecer formas de inclusão social do grupo vulnerável através da

oferta de cursos de qualificação e capacitação intelectual, cooperando para a

promoção da dignidade humana do mesmo. Os segundos através da valoração do

tema por meio de críticas à legislação e jurisprudência e aprofundamento sobre os

institutos que regulam as formas de trabalho do adolescente, que enriquecem sem

dúvida o acervo jurídico do Brasil, como fonte de direito.

É de suma importância a atuação conjunta entre o Estado, as famílias e toda

a sociedade no combate a violação do direito fundamental do grupo de não trabalhar

antes da idade mínima prevista, mesmo porque tal cooperação se reveste de caráter

axiológico, uma vez que decorre do princípio da cooperação previsto pelo artigo 227

da Lei Fundamental.

Do contrário, se permitirá a perpetuação do ciclo de pobreza, que acontece da

seguinte maneira: as crianças introduzidas precocemente no labor, deixam a escola

e não desenvolvem sadiamente suas potencialidade na fase de maturação

biopsicossocial em que se encontram. Ao atingir a idade adulta, apresentam

desgaste físico e mental, pois na fase indevida vivenciaram a pressão e o estresse

próprios das atividades laborais. Por não gozarem de qualquer preparo profissional,

capaz de retirá-los das atividades braçais, em decorrência da evasão da escola em

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troca da “enxada”, percebem que estão “presas” àquela triste realidade, e passam a

aceitá-la com total naturalidade, pois não conheceram outra forma de vida, a vida

dos direitos. Com isso, ao terem filhos, passam a introduzi-los também no trabalho,

em estágio bem precoce, principalmente quando surge como primeira necessidade a

subsistência da família, perpetuando de tal forma o ciclo de pobreza.

Por isso, é necessário o trabalho conjunto entre o Estado, a família e a

sociedade para a conscientização de que a criança e o adolescente ocupam espaço

prioritário no ordenamento, gozando do direito e garantia fundamental de vivenciar

sadiamente uma das melhores fases da vida que é a infância, momento de brincar e

construir através das experiências com o lúdico, o adulto, futuro ator de sua

sociedade.

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