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CRDA - CENTRO DE REFERÊNCIA EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM ANA LÚCIA DE SOUZA FRANZERI A ALFABETIZAÇÃO SEGUNDO A PEDAGOGIA WALDORF Monografia apresentada como parte dos requisitos para aprovação no curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de aprendizagem e submetida ao Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem CRDA, sob orientação da professora Lucilla da Silveira Leite Pimentel

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CRDA - CENTRO DE REFERÊNCIA EM

DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO LATO SENSU EM DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM

ANA LÚCIA DE SOUZA FRANZERI

A ALFABETIZAÇÃO SEGUNDO A PEDAGOGIA WALDORF

Monografia apresentada como parte dos requisitos pa ra aprovação no curso de Especialização Lato Sensu em Distúrbios de aprendizagem e submetida ao Centro de Referência em Distúrbios de Aprendizagem CRDA, sob orientação da professora Lucilla da Silveira Le ite Pimentel

RESUMO O tema abordado nesse trabalho é a Alfabetização segundo a metodologia Waldorf

fundada pelo filósofo austríaco, Rudolf Steiner no século XX.

Apresentados em capítulos, o primeiro trata do histórico e do que vem a ser a filosofia

denominada antroposofia e a pedagogia Waldorf, que para alfabetizar leva em consideração a

faixa etária do ser humano, ou seja, a criança aos sete anos de idade. Toda a preparação para a

alfabetização realizada em sala de aula demonstra como a metodologia desse conteúdo é

ministrada de tal forma que engloba o ser humano em sua totalidade: sentir, pensar e querer.

As letras M e A são trazidas como exemplos para comprovar que as crianças aprendem as

letras que surgem a partir das imagens. Também se dá ênfase à atividade de contar histórias que

na pedagogia Waldorf permeia todos os anos letivos, sendo no primeiro ano os contos de fadas.

No segundo capítulo há uma abordagem sobre a atualidade da infância relacionada à

proposta Waldorf, lembrando que a criança aos 7 anos de idade vive na imitação e no

movimento. Alguns exemplos de como auxiliar esse ser são citados, dando limites e diretrizes

para contribuir no seu desenvolvimento.

Para finalizar, o terceiro capítulo apresenta a questão da inclusão e relata o trabalho de

uma professora que aceitou uma criança inclusiva em sua classe, empregou a metodologia que

aqui se coloca em destaque e respeitou o ritmo de participação e de aceitação das atividades desse

aluno.

A intenção desta monografia é levar àqueles que desconhecem a metodologia Waldorf a

oportunidade de conhecimento visto que, atualmente, é trabalhada e reconhecida em todos os

continentes.

Palavras-chave: Alfabetização, Metodologia Waldorf, Imagens, Contos de Fadas, Inclusão.

RESUMÉ

Le thème abordé dans ce travail est l’alphabétisation selon la méthodologie Waldorf

fondée par le philosophe autrichien Rudolf Steiner au XXème siècle.

Le 1er chapitre traite de l’historique de la philosophie appelée Anthroposophie et de la

pédagogie Waldorf laquelle pour alphabétiser se base sur l’âge de l’être humain, c'est-à-dire,

l’enfant de 7 ans.

Toute la préparation pour l’alphabétisation réalisée dans la classe montre comment cette

méthodologie prend en compte la globalité de l’être humain ; sentiment, pensée et volonté.

Les lettres M et A sont apportées comme exemples pour illustrer le fait que les enfants

apprennent les lettres à travers les images.Raconter des histoires est aussi une activité importante

car cela fait partie du plan scolaire Waldorf dans toutes les années scolaires. En 1ère classe sont

racontés les contes de fée.

Dans le 2ème chapitre est abordé le développement de l’enfant en lien avec la pédagogie

Waldorf en rappelant que l’enfant de 7 ans vit dans l’imitation et le mouvement. Quelques

exemples de comment aider l’enfant à se développer harmonieusement sont cités : par exemple

en donnant des limites et des lignes directrices.

Pour finaliser, le 3ème chapitre présente la question de l’inclusion d’un enfant présentant

des troubles du développement et retrace le travail d’une maitresse qui a accepté un tel enfant

dans sa classe. Elle a employé la méthodologie Waldorf laquelle met en évidence le respect du

rythme de participation et d’acceptation des activités de cette élève particulier.

L’intention de cette monographie est d’amener quiconque ne connaissant pas la

méthodologie Waldorf à s’y intéresser et acquérir quelques connaissances s’y rapportant,

méthodologie qui est actuellement reconnue et pratiquée sur tous les continents.

Mots clef : Alphabétisation, Méthodologie Waldorf, Images, Contes de fée, Inclusion.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................6

CAPÍTULO I A PEDAGOGIA WALDORF .................. ................................................7

1. HISTÓRICO DA FILOSOFIA E DA PEDAGOGIA WALDORF ... ..........................7

2. A CRIANÇA DE 7 ANOS NA PEDAGOGIA WALDORF .......................................10

3. PREPARAÇÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO ..........................................................12

4. UM PLANO DE ENSINO PARA AS ESCOLAS WALDORF..................................15

5. A IMPORTÂNCIA DE CONTAR HISTÓRIAS : OS CONTOS D E FADAS ........21

6. DAS IMAGENS ÀS LETRAS......................................................................................25

CAPÍTULO II A RELAÇÃO ENTRE A ATUALIDADE DA INFÂN CIA E A PROPOSTA DA PEDAGOGIA WALDORF ..................................................................30

CAPÍTULO III A INCLUSÃO NA PEDAGOGIA WALDORF .... ............................33

1. INCLUSÃO.....................................................................................................................33

2. RELATO .........................................................................................................................35

3. RESULTADOS...............................................................................................................40

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................41

REFERÊNCIAS .................................................................................................................42

5

Um dos grandes presentes que recebi na vida foi o de ter sido aluna da Pedagogia

Waldorf. Recordo-me como sempre foi prazeroso ir à escola. Eu amava meus professores,

amigos (que são até hoje) e a escola em si. Cada aula recebida, cada matéria, era uma grande

vivência.

Hoje estou do outro lado. Sou professora e posso compreender o quanto essa pedagogia é

sábia e o quanto ela é importante na formação do ser humano: respeita a faixa etária da criança,

alimentando-a com tudo que necessita para crescer, amadurecer e tornar-se um indivíduo íntegro.

Neste meu trabalho pretendo esclarecer uma parte desse presente que hoje se apresenta

mais enriquecido com minhas experiências como docente em sala de aula e fora dela. Trabalhei

vários anos na Suíça e aqui no Brasil com crianças especiais no método Waldorf. Atualmente

trabalho com crianças normais.

Penso que conhecendo um pouco esse método difundido em todos os continentes, poderá

interessar àqueles que querem cultivar ainda mais o que há de belo na criança: a vivacidade e a

criatividade.

6

INTRODUÇÃO Além da metodologia Waldorf, a vivência da filosofia e a pedagogia fizeram parte da

fundamentação desta monografia, considerando-se como ilustração de seus procedimentos o

relato de um caso de inclusão.

Objetivo: A alfabetização para o ser humano é uma grande descoberta. Como fui alfabetizada na

pedagogia Waldorf e hoje alfabetizo meus alunos seguindo essa referência, gostaria de levar para

aqueles que ainda não tiveram acesso a essa metodologia, que possam conhecer um novo meio de

alfabetizar e de como dar aula que não seja o método tradicional, e sim que leva em conta o ser

humano como um todo.

Metodologia: O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro há um pequeno

histórico sobre a antroposofia e como a pedagogia e a escola Waldorf surgiram. Em que fase da

vida a criança está quando é alfabetizada na pedagogia Waldorf: a criança aos sete anos de idade.

A importância da imagem e das histórias para as letras surgirem.

Em seguida há uma reflexão a respeito da criança nos dias atuais e a relação com a

Pedagogia Waldorf.

Casuística: Acompanhamento do caso de G., um aluno que foi aceito por uma professora

Waldorf, como aluno inclusivo. Dentro de suas possibilidades participou das atividades propostas

sendo respeitado o seu ritmo de aprendizagem.

Resultado: Após meses de muito trabalho, G apoiado pela sua professora, pela

metodologia Waldorf e pelos colegas da classe conseguiu superar algumas dificuldades e

acompanhar as matérias dadas dentro de seu ritmo como indivíduo.

.

7

CAPÍTULO I A PEDAGOGIA WALDORF Rudolf Steiner, nascido em Kraljevec (Áustria), em 27 de fevereiro de 1861 (faleceu em

Dornach, Suíça, em 30 de março de 1925), teve uma visão ampla das necessidades da sua época e

uma preocupação com o desenvolvimento do ser humano. Ele dedicou-se a uma intensa atividade

como conferencista e escritor e deixou uma preciosa obra no intuito de divulgar a antroposofia e,

partindo dela, a pedagogia Waldorf que veremos a seguir neste capítulo.

1. HISTÓRICO DA FILOSOFIA E DA PEDAGOGIA WALDORF Todos nós, certamente, guardamos de nossa infância a lembrança de um quadro, da

ilustração de um livro, que continuou atuando sobre nós mais que qualquer imagem da realidade.

A sede de imagens das crianças é insaciável. As firmas que se aproveitam dessa

circunstância, com histórias em quadrinhos e desenhos animados, têm à sua disposição um

mercado quase ilimitado para se satisfazer. Crianças na idade de 6 a 10 anos, que não se tornaram

embotadas através de histórias fictícias do tipo sensacionalista, têm uma predileção profunda por

contos de fadas ou imagens mitológicas.

Em todas as culturas e em todos os povos, houve épocas em que também os adultos

sentiam uma tal necessidade. Os mitos da criação, originários da Índia, da Babilônia, do Egito,

dos celtas, dos germanos e dos povos primitivos ainda existentes, dão testemunho de um estágio

de civilização do mundo e dos seres humanos.

Assim como as culturas que precederam a nossa tinham as representações como algo de

extrema importância para a evolução do ser humano, no século passado Rudolf Steiner utilizou as

imagens para poder transmitir às crianças o aprendizado através do mundo, mostrando como ele

possui as seguintes qualidades: bom, belo e verdadeiro.

A antroposofia foi trazida para o mundo no século XX, pelo filósofo austríaco Rudolf

Steiner, um dos maiores iniciados da nossa época. A palavra antroposofia vem do grego

anthropós - homem e sophia – sabedoria. É uma filosofia de vida que reúne os pensamentos

científicos, artísticos e espirituais numa unidade e que responde às questões profundas do homem

moderno sobre si mesmo e sobre suas relações com o universo. Aborda o ser humano em seus

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quatro níveis: físico, vital, anímico e espiritual e mostra como essas naturezas tão distintas atuam

entre si.

Durante 10 anos (dos 22 aos 32 anos) Rudolf Steiner dedicou-se aos estudos científicos de

Goethe em Weimar, Alemanha; publicou aos 33 anos o seu primeiro livro “A Filosofia da

Liberdade”. Depois foi professor na escola de trabalhadores de Berlin, Alemanha. Aos 40 anos

iniciou a dar palestras esotéricas nos círculos teosóficos; ligou-se à Sociedade Teosófica como

um dos dirigentes até os 52 anos, quando, então, fundou a primeira Sociedade Antroposófica

(1913), enveredando pelo caminho de colocar sua própria pesquisa espiritual a público.

Quando a primeira Guerra Mundial (1914-1918) estava próxima de seu fim a Rússia havia

se tornado comunista em 1917 e era apenas questão de tempo para que os impérios da Alemanha

e da Áustria-Hungria desmoronassem num desastre militar e social.

Rudolf Steiner via que as causas dos acontecimentos político-sociais estavam ligadas à

própria estrutura do organismo social.Teve a coragem de propor sua reestruturação total. Esse

novo sistema era fruto de um resultado de pesquisas científico-espirituais, embora Steiner, ao

formulá-lo, demonstrou conhecer a fundo a realidade político-econômico-social e suas leis.

Para Steiner, a vida em sociedade devia ser vista como sendo constituída por três setores:

- Setor Econômico: satisfação das necessidades materiais do homem por meio da

produção e consumo de mercadorias. Só a cooperação fraternal de todos os indivíduos que

participam desse setor pode conduzir a uma vida econômica sadia, da qual o impulso para o lucro

deveria ser excluído (fraternidade).

- Setor Político Jurídico: fixa e aplica as regras de jogo regulador do convívio humano.

Elaboração e aplicação das leis, instituições e governos, etc. Cada cidadão participa desse setor

por meio de um regime democrático em que reina o princípio da igualdade.

- Setor Cultural: inclui todas as atividades por meio das quais o homem se realiza como

indivíduo anímico espiritual, arte, ciência, esporte, religião, educação. Neste setor deve reinar a

maior liberdade, acoplada ao respeito pela individualidade do outro.

Tratava-se dos princípios da Revolução Francesa aplicados cada um num setor definido.

Logo depois da guerra, Steiner atende as perguntas práticas que vão lhe fazendo nos mais

diversos campos, o que o leva a cursos práticos e à fundação de várias instituições.

Em 1919, o diretor da fábrica de cigarros Waldorf Astoria, em Stuttgart, Alemanha, Emil Molt,

dirigiu-se a Steiner com a solicitação de que fundasse uma escola para os filhos de seus operários

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e funcionários e a dirigisse no futuro. Colocadas em prática, as teorias educacionais de Steiner

mostraram um retorno frutífero, lançando as bases da pedagogia fundamentada na Antropologia

Antroposófica.

O próprio Rudolf Steiner assumiu a direção da chamada escola Waldorf e ministrou um curso

para os primeiros professores, debatendo a aplicação prática das disciplinas e os caminhos para a

solução de problemas educacionais.Ele sempre trazia novos pontos de vista e razões sobre a

importância de satisfazer a necessidade das crianças por imagens.

A divisão da vida humana em setênios, ou seja, ciclos de sete anos, norteia a Pedagogia Waldorf.

O ritmo do aprendizado é estabelecido de acordo com os três primeiros setênios (0 a 7 anos, 7 a

14 anos e 14 a 21 anos). A educação infantil, maternal e jardim de infância, destina-se a crianças

de 1 a 6 anos. O ensino fundamental, do 1° ao 8° ano, é voltado para o segundo setênio (7 a 14

anos). Os jovens de 15 a 18 anos frequentam as classes do ensino médio, do 9° ao 12º ano.

“Não devemos nos perguntar o que o ser humano precisa saber ou dominar para viver dentro da

estrutura social que aí está; mas devemos perguntar-nos o que está predisposto nesse ser e o que

pode ainda ser desenvolvido. Assim, será possível, sempre, acrescentar à estrutura atual o que

fazem dela os seres integrais que nela ingressam, e não se fará, da geração que vem crescendo, o

que a estrutura social vigente quer fazer dela.”

( Steiner , apud Burkard, 2008: pág 15 )

Em 1920 foi inaugurado o 1° Goetheanum na Suíça, local onde deviam acontecer cursos

para cientistas e médicos.

Em 1921 Steiner iniciou cursos para médicos, teólogos, oradores e professores e foi

inaugurada a Clínica Ita Wegman, na Suíça.

Em 1922 foi criada a Comunidade de Cristãos.

No ano de 1924 iniciou os cursos de agricultura biodinâmica e o curso de Pedagogia

Curativa, destinado aos cuidados de crianças excepcionais e à fundação do primeiro instituto.

No ano de 1925 Rudolf Steiner adoece e morre em 30 de março, aos 64 anos.

Rudolf Steiner deixa cerca de 30 livros escritos, quase 5.000 palestras reproduzidas e

publicadas em 17 países. Uma parte desta obra acha-se traduzida para o português, publicada pela

editora Antroposófica.

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2. A CRIANÇA DE 7 ANOS NA PEDAGOGIA WALDORF

Quando recebemos as crianças no 1° ano escolar temos que ter em mente que elas, até o

presente momento, só brincavam no jardim de infância (tratando-se de um jardim Waldorf). Ela

imita o seu redor. Quando brinca está seriamente envolvida na sua atividade; o faz com alegria e

liberdade, não quer recompensa por brincar e tem uma meta na sua ação: o brincar.

Eis aqui alguns pontos determinantes de prontidão que a criança já deve ter adquirido ao

ingressar para o 1º ano escolar:

FÍSICO:

-habilidades motoras, fina e grossa com as mãos e pés ( pega do lápis, desenhar, fazer tricô de

dedo, pular corda, andar de perna de pau, subir em árvores)

-noções básicas de higiene

-transformação corpórea (perde o redondo da criança do 1° setênio; peito achata, abre o

ombro,alinha a cintura).

LINGUAGEM :

-articula todos os fonemas

-vocabulário bem articulado e com significado

-expressa-se claramente

MEMÓRIA:

-Percepção: objeto presente, memória do momento, visual

-Memória rítmica (versos e canções). Ainda não tem relação com o tempo, tudo é presente.

-Memória de tempo ou representativa; a criança do 1° ano deve conseguir contar uma história.

BRINCAR:

Quando a criança brinca é verdadeira. O brincar mostra a sua habilidade corporal, sua memória, a

interação com o objeto e as suas relações com os demais colegas.

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DESENHO:

Ao desenhar a criança coloca o seu mundo no papel e a partir dele podemos visualizar sua

maturação psíquica e motora.

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3. PREPARAÇÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO Não podemos alfabetizar de imediato uma criança. Para que ela amadureça e consiga

transferir a linguagem falada (oralidade) à simbologia abstrata localizada no papel, ela precisa

situar-se bem no seu corpo (esquema corporal), conhecer-se como um ser possuidor de

lateralidade definida (direita/esquerda), resolver a definição de sua dominância (o lado que gosta

de usar) e ter percepção e discriminação espacial. Aos poucos é preciso desenvolver uma

organização temporal (horários, duração de aulas, dia da semana, etc).

Desde o primeiro dia de aula, o trabalho com a linguagem deve ser feito, através de

poesias, versos, ouvir e recontar histórias e recontar o conteúdo das aulas. Tudo isso sensibiliza a

audição da criança e ela aprende a descriminar os fonemas dos quais é composta a palavra, assim

como as palavras que compõem a frase.

Na fase preparatória, a criança fará muitos exercícios de dicção, falará versos

acompanhados de movimentos, para mais tarde escrever bem. A criança precisa fazer exercícios

de conscientização do esquema corporal, definir a lateralidade, estabelecer a dominância de um

lado sobre o outro e conquistar a geografia espacial.

O professor participa dos exercícios, fazendo-os frontalmente com a classe até que os

alunos tenham aprendido.

Após os exercícios citados acima há o trabalho com os dedos. Usa -se versinhos para

aprender os nomes dos dedos. Este exercício exige concentração, atenção, vivacidade, reação

rápida, apreciação segura da situação e resposta clara do que foi observado. No entanto, a maioria

das crianças se aproxima da resposta dentro dos limites de suas possibilidades, adquirindo maior

flexibilidade de suas faculdades representativas. Todas as representações assim formadas estão

unidas aos movimentos das extremidades (membros).

Estes exercícios exigem força de vontade, devem ser repetidos por muito tempo e

precisam ser feitos com brincadeiras bem alegres. Eles desenvolvem a consciência do espaço,

partindo-se da vivência do próprio corpo colocado no centro. Desperta o sentido da forma, da

configuração da letra, grafema. Além desses exercícios, é importante colocar o aluno no espaço

físico, fazendo com que ele obedeça ordens direcionais. (Ex: dois passos para frente/ três passos

para a esquerda, etc).

O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a formação da

personalidade da criança. É a representação relativamente global que a criança tem de seu próprio

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corpo. É a base para o seu sentir, pensar e agir. A criança precisa conquistar a noção de si própria

para depois conquistar o mundo.

Quando vamos trabalhar junto às crianças é fundamental levar em conta uma certa ordem

seqüencial. Por exemplo: Não podemos trabalhar a estruturação espacial e temporal, sem ter

atingido uma determinada fase do esquema corporal (geografia corpórea, lateralidade,

dominância). A forma Waldorf de trabalho visa incorporar em sua totalidade a atividade.

A função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão

intimamente ligados na criança. A psicomotricidade quer justamente destacar a relação existente

entre a motricidade, a mente e a afetividade e facilitar assim a abordagem global da criança.

Motricidade

(vontade de agir)

O GLOBAL DA CRIANÇA Afetividade

(sentir)

Mente (pensar)

A psicomotricidade abrange quatro aspectos:

1. A formação da percepção de “ser dotado de EU”, pelo desenvolvimento do Esquema

Corporal, momento em que a criança toma consciência de seu corpo e das possibilidades

de expressar-se.

2. Lateralidade e instalação da dominância de um dos lados. A criança percebe que seus

membros não são capazes de atuar ou reagir da mesma forma em ambos os lados. Ex:

pode pular com um pé só, entretanto, não consegue faze-lo bem com o outro. É a

preferência do uso de um dos pés, mãos, olhos ou ouvidos.

3. A maneira como a criança se localiza no espaço que a circunda. Ex: Estou atrás da

cadeira. Trata-se da estruturação espacial.

4. A orientação temporal diz respeito à maneira como a criança se situa no tempo (ontem,

hoje, amanhã).

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Na Pedagogia Waldorf, o aprender a escrever ocupa um amplo espaço e durante

bastante tempo só se escreve, não existindo a intenção de chegar imediatamente à leitura.

Pelo exercício constante da análise fonética, da cópia, geralmente no término do

ano, a maior parte da classe já lê (pré-leitura) de forma espontânea.O cultivo consciente

da leitura se dá a partir do 2º ano Waldorf.

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4. UM PLANO DE ENSINO PARA AS ESCOLAS WALDORF Na pedagogia Waldorf deve-se encarar a educação como uma arte, e o professor como um

artista. Cada aula deve ser uma obra de arte. Precisa conter: tensão, inquietude, relaxamento,

clímax, prólogo, epílogo. O professor necessita de tempo para dedicar-se à classe. É por isso que

na pedagogia Waldorf se põe a classe à disposição do professor, responsável pelo seu progresso,

por duas horas a cada manhã. Durante oito anos ele tem sempre a mesma classe para ensinar

todas as matérias que correspondem à cultura geral. Não ministra todas de uma só vez, mas

concentra-se em uma delas por três ou quatro semanas e passa a seguir a outra de forma similar.

O ensino em épocas foi uma das indicações de Rudolf Steiner referentes ao currrículo

Waldorf: o professor responsável pela classe dá a matéria escolhida daquele ano escolar durante

três ou quatro semanas, podendo assim adentrar no assunto profundamente. O tema é ministrado

de forma viva e atraente para que as crianças gravem mais facilmente na memória e evitem o

cansaço.

Podemos questionar: qual a vantagem de se ensinar em épocas? Durante três a quatro

semanas os alunos têm a sua atenção toda voltada para uma única matéria. Podem vivenciar

plenamente a matéria em questão e não mudar constantemente de assunto. O ensino em época é

mais compacto, concentrado e permite que o professor adentre a fundo na matéria a ser ensinada

aos alunos, transformando cada um deles. Os alunos vivenciam cada dia como sendo único e

muito precioso. Trazem ricas contribuições e participam da aula com total interesse.

O bom professor deixa pairar um pouco de mistério, provocando assim no aluno o

respeito diante do desconhecido e a curiosidade de saber mais. Se agirmos dessa forma, abrimos a

possibilidade para a mente do aluno desenvolver a fantasia e a criatividade. Para tal, a vida da

criança deve estar cheia de vivências que correspondam a anseios naturais como panificação,

jardinagem, construção de casa, etc.

A criança penetra com profundidade diariamente em cada matéria quando relembra o que

antes ouviu e todo dia avança mais um pouco em cada disciplina. Esse processo permite um

contato muito mais íntimo com cada setor do conhecimento.

E aqui se destaca o papel do professor, no ensino por períodos, e da “aula principal” de

duas horas diárias, a cada manhã.

Como funciona essa aula?

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A aula tem de começar, como toda obra de arte, com o prólogo. Devemos ter presente que

as crianças, ao entrar na escola, acham-se tomadas das impressões heterogêneas que cada um

vive durante o caminho da escola.

A primeira tarefa do professor, antes de começar a aula, consiste, pois, em afinar os

instrumentos que integram a orquestra, ou seja, os alunos. Precisamos deixar os alunos prontos

para querer aprender

O âmago de toda aula principal é constituido, por um lado, pela parte do pensar e

aprender, por outro lado, pela parte do exercitar. Essas duas partes principais são emolduradas

pela parte rítmica inicial (com duração de aproximadamente 30 minutos) que deve fazer com que

as crianças, que vêm para a Escola Waldorf de todas as regiões possíveis, fiquem “prontas para o

aprender”, portanto despertas e com boa vontade, e pela parte de contar história que deve

harmonizar o fim da aula, e da qual as crianças participam de forma mais sonhadora e cheia de

fantasia.

O professor é o primeiro a chegar à classe e pode decidir o momento em que as crianças

entrarão na sala de aula.

O entrar na sala de aula é dar o passo importante de transpor a soleira. A sala deve irradiar

uma atmosfera cordial e bela, que não pode ser perturbada com gritaria e bagunça. Por isso

cumprimentar cada aluno individualmente ao entrar na sala é de maior importância e não

deveríamos deixar uma única criança passar sem que nos olhe nos olhos pelo menos por um

instante.

Todas as questões externas de organização são tratadas antes do início real da aula; pôr

tudo em ordem, regar plantas, são funções que podem ser feitas pelos alunos.

A aula se inicia com um verso breve, que todos recitam em comum com as mãos unidas e

os pés juntos.Se o professor não chamar atenção para esses detalhes, permanece uma agitação,

durante o verso, partindo das crianças hiperativas, que são justamente as que necessitam dessa

ajuda exterior para alcançar a calma interior. Durante o verso, o professor atua através de sua

própria concentração, naquilo que ele diz. O verso não é interrompido! É preferível não começar

enquanto a atmosfera não se prestar para isso. Por outro lado, o efeito é forte se o professor diz:

“Paulo, ontem você não conseguiu ficar quieto; coloque-se hoje aqui à minha frente para dizer o

verso”. Isso fortalece justamente as crianças que querem acompanhar interiormente e que sofrem

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com a agitação. É bom, depois do verso, respirar por mais alguns instantes, guardando um

silêncio interior, antes de passar para a parte rítmica da aula.

Logo se segue um breve período de música, em forma de canto, acompanhados de flauta

doce soprano. A música apela diretamente à sensibilidade e ao sentimento rítmico das crianças.

Esta abertura musical é de importância até cerca de doze anos.

Após os exercícios musicais faz-se a seguir uma recitação, também em coro. Escolhe-se

uma poesia que guarda alguma relação com o tema principal que se está estudando na classe. A

linguagem falada apela à consciência mais do que à música.

É uma arte toda especial saber alternar, de forma saudável, falas em coro com falas

individuais. Falas em coro em demasia levam as crianças para fora de si mesmas, fazem com que

elas sonhem em grupo; falas individuais cansam a atenção, a qual é necessária para o aprender.

Em cada aula penetramos intelectualmente na matéria que se estuda e no que também se

apresentou em profundidade intelectual no dia anterior. Em seguida, passa-se a apresentar, em

forma de narração e apelando de imediato à sensibilidade da criança, um tema novo que

enriqueça sentimentalmente, que se dê uma nova roupagem ao que se estudou profundamente no

dia anterior. O professor deve preparar-se muito bem para as primeiras frases que vai dizer. Se

ele começar a retrospectiva com um “bate papo” sem compromisso, já terá “perdido a parada”. A

primeira frase da parte do aprender deve atingir o interesse das crianças, despertar o prazer de

pensar.

Seria bom que o professor, à noite, anotasse uma série de perguntas interessantes e de

manhã decidisse com qual delas iniciará a parte do pensar. Se no dia anterior ensinou-se a letra

M, podemos perguntar quais as palavras que temos na natureza que contém o M. Deixamos que

muitas crianças respondam, sem que o professor diga uma só palavra. De forma alguma

repetimos a resposta do aluno com voz alta, professoral, mania bem conhecida dos professores.

As crianças aprendem a escutar com atenção umas às outras! Para conseguir isso é necessário,

desde o início, muita disciplina e autoridade toda vez que uma criança interromper falando

quando outra fala. A todo momento estamos criando bons hábitos. Escutar o outro é uma técnica

que as crianças aprendem no dia a dia; é a condição prévia para aprender alguma coisa no grupo

grande.

Quando o professor atingir naquele dia o grau de conhecimento que ele pretende alcançar,

ele deve dizer à classe: “Hoje aprendemos a letra M, amanhã aprenderemos uma nova letra que

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encontramos no rio”... O professor tem como intenção provocar a curiosidade, despertar o

interesse para o dia seguinte. Se ele conseguir, as crianças chegarão cedo à escola, ávidas em

aprender.

E por fim, ao aproximar-se do término da aula de duas horas, efetivamos uma espécie de

resumo, um trabalho no qual intervenha a vontade da criança: escrever, desenhar, isto é, um

trabalho do qual as crianças participem com atividade própria.

Como prólogo, como primeira fase, recapitula o que se estudou no dia anterior,

ressuscitando imagens, visualizações e representações do que se apresentou em forma narrativa.

É o momento em que, pelo “conto” ou explicação da aula precedente, chega-se a um ensino

proveitoso, a uma dedução.Exemplo: mostra-se o desenho que contém uma montanha como

figura central, no dia seguinte se vê que a letra M surgiu dessa montanha e no dia posterior

estudam-se as palavras derivadas da letra M.

Durante à noite “digerimos” as vivências que tivemos durante o dia e ao mesmo tempo,

tornamos clara a situação; ao despertar na manhã seguinte, temos a vivência do dia anterior mais

ordenada, mais iluminada; assim é que ressurge a memória.

Analogamente no ensino, a repetição do que se viu no dia anterior também nos ajuda no

mesmo sentido. Se pela manhã, no início da aula principal, discutimos conceitualmente o que

vivenciamos no dia anterior, temos a experiência da véspera diante de nós em forma clarificada, e

não como se encontrava quando estávamos sob o impacto da impressão imediata.

Depois do prólogo e da primeira parte, que apela às energias intelectuais, vem a segunda

parte, expositiva, que apela ao sentimento.

Logo a terceira, o desenho ou o resumo do que se estudou, isto é, o exercício da vontade,

do agir.

As repetições das tarefas são benéficas! Por que não deveria uma criança escrever um

belo verso duas ou três vezes? Com isso fortalecemos as forças da vontade, ao passo que o que é

feito uma única vez só irá apelar para o intelecto, para a compreensão. E quando a criança tiver

aprendido a escrever um pouquinho, nós a encorajamos a anotar pequenas frases de sua própria

autoria.

Finalmente, os últimos quinze minutos da aula dedicam-se ao epílogo. Algum conto que

não necessita guardar relação direta com o tema de estudo, mas que distribua calor às almas das

crianças.

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As crianças necessitam de uns cinco minutos para realmente mergulhar numa história e

se esquecer de si mesmas e de tudo que as rodeia. Prepara-se o ambiente dos contos de fadas por

meio de uma conversa sobre o que foi contado no dia anterior. Fala-se sobre a nova história,

conversando antes sobre as coisas que talvez as crianças, sem um preparo, não entenderão, como

por exemplo: o que seja um poço, um fuso.

Em cada aula, as crianças precisam rir pelo menos uma vez. Uma aula sem pelo menos

uma gargalhada é uma aula mal preparada.

O encadeamento das matérias, por períodos de três ou quatro semanas, permite

concentração e, em seguida, ao seu “arquivamento”, um “descanso” por algum tempo.

Com igual intensidade, com igual entusiasmo, entra-se em nova disciplina, para de novo

ter experiências intensas com esta outra matéria. Isso possibilita um exercício de concentração,

um exercício da faculdade mental no mais profundo sentido.

As matérias ensinadas no 1°ano são longas e ainda pouco diferenciadas. Desenho de

formas, narrações plenas de sentido sobre a Natureza e as estações do ano, o ambiente e a terra

natal da criança; escrever, ler e aritmética alternam-se, conforme o que se sente e se percebe das

crianças.

A mesma matéria tem prosseguimento de duas a três vezes ao ano, as crianças têm tempo

de esquecer. Lembrando que se terá as matérias dadas durante quatro semanas e que são

denominadas “épocas”. No decorrer do ano haverá: quatro semanas de desenhos de formas,

quatro semanas de alfabetização, quatro semanas de matemática e assim sucessivamente até o

término do ano letivo. O que a noite representa entre os dias de aula, o mesmo representa a pausa

entre uma matéria e outra. Para desenvolver capacidades a partir dos conhecimentos é tão

importante acordar depois do sono. Justamente quando uma nova área de ensino ocupa a mente, e

quando a que terminou, que há pouco ainda “fazia época” na vida do aluno, entra no crepúsculo,

acontece algo muito significativo. A experiência surpreende sempre, mostrando que exatamente o

que foi absorvido com entusiasmo, configurando uma grande imagem da área de ensino, atinge

na “re-capitulação” um grau de maturidade mais elevado, resultando em capacidades. Mas

também o que não foi totalmente entendido, por exemplo, de repente pode parecer fácil e natural.

Não existe outra forma de trabalho que ofereça tantas possibilidades para concentrar e ativar o

interesse das crianças e para configurar a matéria com imagens tão completas e marcantes.

20

Pode-se experimentar a força de concentração desse processo de trabalho quando, como

adulto, a pessoa se propuser temas próprios, trabalhando-os intensamente durante algum tempo

até alcançar o objetivo proposto, a fim de mudar então para algo diferente. Esse procedimento

atua sobre a criança benéfica e disciplinarmente, em particular no âmago de uma civilização em

que o excesso de estímulos e distrações desempenha papel tão preponderante.

Os alunos recebem a matéria através da palavra do professor. Mas o professor se orienta

em livros didáticos.

Os alunos elaboram os “cadernos de época”; eles reúnem o resumo de um período de

aulas.

21

5. A IMPORTÂNCIA DE CONTAR HISTÓRIAS : OS CONTOS D E FADAS

“Os contos de fadas infantis são narrados para que, com sua luz pura e suave, os primeiros pensamentos e as forças do coração despertem e cresçam. Mas como, a qualquer pessoa, sua poesia simples pode alegrar e sua verdade pode ensinar, e por ser no recesso do lar que esses contos continuam sendo narrados e se transmitem de geração em geração, eles são também chamados contos de fada de família. O conto de fada fica afastado do mundo, num local cercado, tranquilo, de onde ele não espia para lado algum. Por isso, desconhece nomes ou lugares, nem tem mesmo uma terra natal definida, é algo que pertence a uma pátria comum.”

Wilhem Grimm No capítulo precedente foi mostrado como a aula da “época” é estruturada segundo a

pedagogia Waldorf. Desde a preparação da sala até o momento de redigir ou desenhar no

caderno (não há a utilização de livros no 1° ano escolar). Para encerrar a aula o professor conta

um conto de fadas.

A seguir pode-se ler sobre a importância dos contos de fadas e seus fundamentos.

Na Pedagogia Waldorf, em cada ano escolar há uma história que acompanha durante todo

o ano letivo. No primeiro ano os contos de fadas são contados diariamente aos alunos.

Vivendo numa era virtual, com a tecnologia e ciência em pleno desenvolvimento e nas

escolas Waldorf os alunos ouvem os contos de fadas, será que eles realmente assimilam e

aprendem?

Os alunos não se cansam de ouvir os contos e vivem suas fantasias de forma maravilhosa.

O ambiente de um conto de fada é algo que se situa entre o mundo exterior e tudo aquilo

que o homem via antigamente nos mundos espirituais, nos velhos tempos da primitiva

clarividência humana, aquilo que ainda hoje ele pode ver, se ele conseguir elevar-se até os

mundos espirituais.

De acordo com a pedagogia Waldorf, o conto de fada foi deixado para o homem como

herança daquilo que ele vivenciou na antiga clarividência, de uma forma que é, por isso mesmo,

tão legítima que ninguém em cuja alma se derramou na sua narrativa pretende que seus fatos

22

sejam condizentes com a realidade exterior. Na fantasia do conto de fada, o rapaz pobre, que em

geral tem um cavalo veloz, tem um palácio que chega até a realidade imediata. Por isso, o conto

de fada pode ser, para qualquer idade, um maravilhoso alimento espiritual.

Quando se conta à criança os contos de fada adequados, incentiva-se sua alma de tal

forma, que ela não seja apenas levada ao real, que ela não fique sempre presa ao ambiente da

realidade exterior que uma idéia possa provocar nela. Pois uma tal relação com o real resseca e

esvazia a alma. Por outro lado, a alma se mantém viva e renovada, a ponto de permear a

organização global do ser humano, quando nas imagens dos contos de fada, estruturados segundo

certas leis, ela sente o que é real num sentido mais alto, e isso eleva a alma totalmente acima do

mundo exterior. O homem se tornará mais forte diante da vida, tomará a vida nas mãos com vigor

se, na infância, atuaram em sua alma os contos de fadas.

Os velhos contos populares têm seu valor no conteúdo imensamente sábio que transmite

de uma forma imaginativa, verdades e realidades de ordem espiritual cujo objetivo é a

apresentação da evolução espiritual da humanidade e do indivíduo. Os contos de fadas devem ser

entendidos como descrições, sob forma de imagens, de profundas verdades. Para quem penetra

neles, abre-se um mundo tão rico e misterioso como dos sonhos; e na realidade, há uma afinidade

entre a consciência onírica e a mentalidade com que foram criados os contos de fadas. Estes

provêm de uma velha sabedoria popular, não tendo sido inventados e muito menos redigidos com

o intuito de divertir as crianças. São restos de uma velha mentalidade popular vazada em

imagens, e não em conceitos. Daí sua atração para as crianças, que na aludida idade se acham

num estado anímico semelhante.

Os contos são um alimento inexaurível para as crianças em determinada idade. Em suas

imagens eles mostram as tendências e expectativas que inconscientemente desenham na alma

infantil, gravando em seu subconsciente ideais e anseios que mais tarde se transformam

naturalmente nos ideais e aspirações da vida. Há uma afinidade profunda entre o mundo dos

contos e a alma infantil.

Segundo o mundo moderno, os contos de fadas são os verdadeiros sonhos dos povos

antigos. Nos sonhos não se pensa. As imagens passam pela alma numa grande variedade. Quando

dormimos preocupados, certamente sonharemos com algo simbólico. Ex: se sonhamos que nos

perdemos numa floresta e não achamos o caminho de volta, refletem preocupacões que estamos

passando na vida cotidiana e ainda não conseguimos soluciona-las.

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A palavra “Märchen”- conto de Fada - em alemão, tem nas raízes os significados de

grande, famoso, seguido de notícia; enquanto os contos foram sendo passados de geração para

geração, de pais para filhos, como bem cultural, conservou para si esse significado.

Os contos que os Irmãos Grimm colecionaram com uma incansável disciplina refletem os

caminhos do desenvolvimento e evolução pela qual a humanidade passou. As imagens mostram

os perigos dos caminhos a serem superados, as tarefas e provações que precisam ser transpostos

como degraus de desenvolvimento e evolução.

Os mais importantes contos de fada mostram um conhecimento tão profundo da entidade

humana, da sua evolução em direção a futuras metas, que são utilizados até hoje para conduzir

pedagogicamente as crianças que são confiadas à Escola Waldorf.

Quando se lê os contos, sabe-se que equivale a um pequeno drama, que é representado por

personagens que necessitam das aprovações para chegarem ao “final feliz”.

Nos dias de hoje é preciso se esforçar para entender o significado dos contos de fada, pois

o homem moderno já não compreende mais a linguagem das imagens, apesar de nossa língua

estar repleta delas. Todavia, o pensar intelectual já não vê mais as imagens. Reconhecê-las em

palavras é uma chave a ser descoberta.

A faculdade de criar imagens em seu interior e conferir-lhes também uma forma exterior é

uma qualidade essencial e singular do ser humano. A imagem tem para todos algo de fascinante.

Em épocas anteriores, como na Idade Média, as pinturas demonstram quão envolvidos na vida e

no sofrimento de Cristo viviam os homens daquela época. De modo semelhante, as obras

plásticas de todos os povos são expressões de imagens e vivências interiores refletidas também e,

sobretudo, nas grandiosas mitologias da era pré-cristã e em seus conteúdos geralmente religiosos.

Neste sentido, todas as imagens do passado são verdadeiras e representam para a alma humana

uma grande vivência.

Atualmente, vemos a importância da imagem no cinema, nas revistas, jornais, o progresso

da imagem televisiva, da internet e do celular com todos os seus recursos.

Com toda a grande evolução em que vivemos ainda temos hoje homens da ciência

moderna que, embora racionais, têm a sensibilidade para perceber os contos de fada como

alimento para a alma infantil.

René Diatkine, psiquiatra e psicanalista francês originário da Bielorússia (1918- 1998),

deu um formidável impulso ao progresso da psiquiatria da criança e do adulto (tratamentos das

24

psicoses e à psicanálise); fez um trabalho revolucionário com crianças através de contos de fada,

essenciais na formação da criança pois ela distingue perfeitamente a linguagem dos contos e a do

cotidiano. Ouvindo ou lendo os contos a criança cria um espaço em si própria para um mundo

literalmente fabuloso no qual ela aprende a reagir a situações desagradáveis e a resolver seus

conflitos pessoais.

O significado dos contos infantis, quanto à higiene da alma, só se realiza quando aquilo

que contamos às crianças é verdadeiro e genuíno.

Os contos de fadas constituem como um primeiro ensino da História, ensino mais

verdadeiro, porque conduz diretamente ao estado mental do homem pré-histórico.

Nas escolas Waldorf, o professor conta a história e não lê, pois assim ele está diretamente

ligado ao aluno e pode sentir imediatamente sua reação.

25

6. DAS IMAGENS ÀS LETRAS

No tópico anterior abordamos a importância que a pedagogia Waldorf demonstra ao

contar os contos de fadas para as crianças. É um alimento que preenche as almas dos alunos do

primeiro setênio.

Segundo esta pedagogia, a criança aprende as letras através de estórias criadas pelos

professores onde surgem as letras e o seu som, tema que será abordado no capítulo que se segue.

Podemos nos lembrar que a humanidade levou milênios de anos para desenvolver a

escrita. De simples anotação figurativa esta passou a ser silábica, até chegar à abstração extrema

de ser puramente fonética. Os hieróglifos egípcios ilustram essa lenta evolução.

Antigamente, os sábios que dominavam a escrita eram venerados, mais tarde até

admirados com medo ou inveja pelos que não sabiam ler. Também hoje, com a grande superação

do analfabetismo no mundo ocidental, esse abismo foi vencido aparentemente.

Na passagem do mundo infantil da imaginação figurativa até a abstração intelectual da

escrita moderna, o professor que atua na pedagogia Waldorf deve percorrer um caminho

semelhante. Ele o fará da seguinte maneira:

Uma das divisões de classe mais importantes e marcantes continua ocorrendo entre as

pessoas que estão mais ancoradas no mundo dos objetos e aquelas que vivem mais no mundo dos

símbolos.

Essa diferença não aparece necessariamente na primeira infância. Algumas crianças têm

muita facilidade para ler e escrever; sua tendência à atividade puramente intelectual ainda é

intensamente estimulada com isto. Outras têm muito mais dificuldade, correndo o risco de

desenvolver uma aversão a se ocupar com os livros.

Será que esse processo complicado não se torna enfadonho para crianças inteligentes, que

talvez já tenham aprendido a ler e a escrever por si mesmas antes do ingresso na escola?

Isso depende exclusivamente da competência do professor para tornar as formas de

imagens e movimentos suficientemente interessantes para seus alunos. Quando o desenho e a

pintura prendem a atenção e as histórias relativas às letras preenchem o coração da criança, esses

problemas não tendem a ser difíceis. Pode ser que uma criança de 7 anos se aprofunde de tal

maneira na atividade artística que a capacidade de leitura adquirida antes se torne insignificante,

quase se perca, para então voltar com mais segurança.

26

Questiona-se: como se dá essa imagem até chegar à letra? Exemplo: letra M.

As crianças recitam em coro, fazendo um ritmo com as mãos e pés, um verso com a letra

M . Depois, elas ouvem uma história e estão aprendendo uma estrofe sobre a montanha. O

desenho da montanha é feito. No dia seguinte, a criança desenha a forma da montanha e no fim

surge a letra M. Pode-se observar a seqüência a seguir nos desenhos.

De forma semelhante são introduzidas as demais consoantes: Um livro torna-se um L,

uma borboleta um B, e assim por diante.

27

Em seguida, esses movimentos se transformam em símbolos. Como “sons do mundo” e

“sons da alma”, as consoantes e vogais já se diferenciam no primeiro aprendizado por sua

origem.

Desta forma efetuou-se a transição da imagem para o símbolo.

As vogais são introduzidas como expressão dos sentimentos, por exemplo: A expressa o

sentimento de admiração, de veneração; corresponde ao braço aberto.

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Nem todas as letras precisam ser introduzidas dessa forma. Será interessante que seja feita

para quinze consoantes. As letras restantes podem ser simplesmente apresentadas.

Gradativamente palavras muito simples são compostas e escritas: mãe, pai, mar, rei, rato,

boi, etc. Frases curtas e breves relatos são escritos no caderno. No término do 1º ano as crianças

sabem ler em letras maiúsculas.

A escrita, portanto, vem antes da leitura. No decorrer do 1° ano letivo foram introduzidas

todas as letras, as crianças lêem apenas o que elas mesmas escreveram.

Pergunta-se: por que este processo de aprendizagem tão longo?

29

Até agora as crianças viveram num mundo de objetos, em que cada coisa era o que

representava. Com as letras, isto é diferente. Elas, em si, não são nada: só significam algo. Para

muitas crianças aprender a ler num mundo de sinais abstratos é mais difícil do que se imagina.

A transição é facilitada quando as letras ocupam a fantasia, primeiro em forma de

imagens, e encontram total receptividade.

Na alfabetização, ao desenhar e escrever, treina-se a própria vontade da criança, ou seja,

trabalha-se a motricidade. No momento em que a criança vivencia a estética e a leitura da própria

escrita está apelando para o sentimento. Já na leitura de outras escritas está direcionando a

observação ao intelecto.

30

CAPÍTULO II A RELAÇÃO ENTRE A ATUALIDADE DA INFÂNCIA E A PROPOS TA DA PEDAGOGIA WALDORF Sabemos que uma criança deve ser conduzida cuidadosamente de um estágio de vida a

outro, e ao entrar à escola a sua fantasia criativa unida ao elemento rítmico não deve ser

interrompida. O 1° ano escolar se diferencia do jardim de infância pelo fato que nele a vontade

acordará, ou seja, a parte do querer da criança será trabalhada. A criança ainda não está madura

para receber representações e ensinamentos abstratos nem mesmo se adaptará a suportar horas de

uma aula cansativa.

Somente no final do sétimo ano a criança entra em uma nova fase da sua vida. O seu

corpo passa por um momento de mudanças: de criança de jardim de infância passa a ser criança

do ensino fundamental. Nesse período de transição as pernas começam a crescer, o tronco se

diferencia e a criança se torna mais móvel.O rosto da criança começa a mudar intensamente. Essa

nova expressão que surge é acompanhada da veneração que ela tem pelos os adultos e o mundo.

A criança do jardim de infância é toda aberta ao mundo, é como um órgão interno que

assimila tudo aquilo que pode encontrar e receber dele. O olhar curioso, a grande confiança no

mundo e o rir alegre se apresentam sob essa forma de expressão.

A criança de sete anos se mostra com uma imagem diferenciada. Seus olhos estão mais

atentos e voltados para tudo que está ao seu redor. Nesse momento sua vida será impregnada e

repleta de imagens que permearam durante um período na qual os elementos e os objetos a sua

volta se encontram todos em um lugar e na vida da criança. A atividade do mundo interior se

desenvolve construindo imagens e ideias.

Ao se levar em conta o que se acaba de ler sobre a transição da criança, que sai do jardim

de infância e ingressa no 1° ano escolar, deve-se ter em mente em qual momento a criança se

encontra, que ainda está amadurecendo e precisa ser respeitada.

Uma grande preocupação é o fato de que crianças de hoje têm menos qualidade de

experiências de que necessitam para a formação de base, capaz de dar sustentação à competência

para a aprendizagem. Crianças de dois a quatro anos passam diariamente quase três horas diante

de uma televisão ou computador. Essas horas perdidas sem brincar fazem com que a criança

deixe de sentir o mundo. As crianças começam a ficar irritadas, depressivas, apáticas pois o seu

corpo fica estático, sem quase movimento e sem desenvolver a sua criatividade.

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O que se poderia fazer? Em primeiro lugar é preciso lembrar que a criança nessa faixa

etária é puro movimento, necessita de um ritmo e limites, assim se sentirá segura. A criança

pequena gosta de brincar e “trabalhar” pois é na imitação que ela, criança, espelha o adulto e´por

isso que o brincar é algo tão importante e ela o leva a sério. Que tal, cortar os legumes para

preparar uma suculenta sopa ou preparar o pão para o lanche? As crianças gostam de cozinhar e

acima de tudo de ajudar os adultos. Pegar os ingredientes, colocar numa vasilha, mexer, sovar a

massa do pão, fazer os pãezinhos, untar a forma e levar para assar. Sentir o “cheirinho” dos pães

assando. Enquanto esperam, chega o momento de lavar os utensílios. As crianças gostam de subir

em uma cadeira para poder alcançar a torneira e lavar a louça, é uma festa! Finalmente o grande

momento chega, o de degustar os pães!!

As crianças adoram desenhar, brincar com bloquinhos de madeira, com as quais ora

constroem um castelo, uma casa, uma ponte, etc; a imaginação da criança é vasta e sem limites.

Em um dia ensolarado que tal ir à piscina, brincar de saltar, com a bóia, com uma bola ou

simplesmente nadar! Ir ao parque; subir na árvore, correr, andar de bicicleta, ir ao escorregador,

ao trepa-trepa, ao gira-gira, brincar na areia, fazer bolos, castelos, um buraco, etc. Se no parque

há animais, dar comida aos patos, peixes, pombas; as crianças têm adoração pelos animais.

No quintal de casa, podem pular corda, andar de perna de pau, com panos construir

cabanas, castelos, soltar a imaginação. Brincar de roda, de casinha, de carrinhos, cantar.

As atividades para oferecer às crianças são inúmeras e, além de cuidar do brincar é de

suma importância que as crianças se alimentem adequadamente. Grãos, cereais, raízes, hortaliças,

frutas são importantes, e devem fazer parte do cardápio das crianças. Ingerir muito líquido: água,

sucos e chá. Toda a criança tem prazer em ajudar a preparar a mesa e ter toda a família reunida

para juntos partilhar a refeição daquele momento, deve ser algo prazeroso, um momento de

encontro e de tranquilidade para saborear aquele alimento que foi preparado com tanto carinho.

A preparação para ir dormir também merece um ritual tranquilo.A criança com pijama

vai para o seu quarto acompanhado por um adulto, a mãe ou o pai, lá há uma luz de fundo (um

abajur ou uma vela acesa), ela deita na sua confortável cama e o adulto que a acompanha pode

contar uma história de conto de fadas, cantar uma música tranquila, fazer uma oração e, assim, a

criança se prepara gradativamente para adormecer tranquilamente. O sono da noite é a reposição

para todas as energias gastas durante o dia. O ideal para a criança é que ela durma entre 19:00h e

20:00h e tenha doze horas de sono.

32

Muitas vezes, os adultos esquecem que as crianças necessitam de muitas horas de sono e

de uma boa alimentação. A criança precisa de um ritmo diário que ajuda a fortalecer esse ser que

está em pleno desenvolvimento.

Cada vez mais crianças sofrem de alergias, depressão, hiperatividade, doenças crônicas

(bronquite, asma). Será que estas crianças apenas são “difíceis” ou querem mostrar algo a nós

adultos?

Nós temos que nos lembrar que fomos criados com valores pelos nossos pais e hoje em

dia, cada vez mais estamos perdendo esses conceitos, e não conseguimos passar aos nossos

filhos. Com o ritmo diário frenético em que vivemos, nos esquecemos da importância vital para o

desenvolvimento do ser humano, do brincar criativo e vivo, da importância do papel da arte para

uma vida psíquica sadia. Olhemos as nossas crianças!!

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CAPÍTULO III A INCLUSÃO NA PEDAGOGIA WALDORF Diante da criança com dificuldade, a escola Waldorf se compromete a aceitá-la desde que

o professor responsável pela classe esteja disponível e tenha habilidades para lidar com a

problemática do aluno.

A seguir a definição da inclusão e, posteriormente um relato de uma professora Waldorf,

que atualmente trabalha com um aluno inclusivo em sua classe.

1. INCLUSÃO Muito se tem falado, refletido e discutido sobre a inclusão escolar. Devido à falta de uma

proposta pedagógica, o que ocorre nas escolas públicas, até o momento, é a integração escolar e

não a tão esperada inclusão.

A lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN n° 9.394/96 prevê no artigo 12,

incisivo I que “os estabelecimentos de ensino, respeitados as normas comuns e as do seu

sistema de ensino, terão a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica”.

Isso significa que a escola tem autoridade para expressar a sua intencionalidade educativa e faze-

la realizar num determinado espaço de tempo. Sendo assim, no que se refere à inclusão, a escola

deve elaborar sua proposta pedagógica de forma a atender o aluno com necessidades educativas

especiais dentro dos critérios de crescimento intelectual, social e humano.

A escola inclusiva deve ser a solução para as pessoas com necessidades educativas

especiais, uma vez que é a escola responsável por formar a cidadão “e a ele deve ser dada a

oportunidade de obter e manter um nível aceitável de conhecimentos” (Declaração de Salamanca,

1994). Portanto a proposta pedagógica precisa buscar alternativas que possibilitem preparar estas

pessoas para exercer sua cidadania com dignidade, bem como “sua inserção no mercado de

trabalho” (art. 2° - LDBEN).

A pesquisadora Maria Tereza Mantoan explica que “uma escola inclusiva propõe um

modo de organização do sistema que considera as necessidades de todos os alunos e que é

estruturada em função dessas necessidades” (MANTOAN, apud OLIVEIRA, 2007, p.19). Neste

seu artigo, Eugênia Fávero, mãe de criança portadora de necessidades especiais, relata: “Pude

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constatar que a maioria das escolas regulares recusa-se a receber crianças que não se encaixam no

seu critério de normalidade”(ibidem).

A escola inclusiva tem por fim promover o acesso, a permanência e o sucesso dos alunos

com necessidades educativas especiais, na rede regular de ensino de forma geral, já que existem

tantas possibilidades de fazê-lo.

Inclusão implica mudanças tanto no sistema quanto na escola. Nesta começa-se pela parte

física e continua-se até o currículo, que deve ser reestruturado, adaptado: acessível ao portador de

tais necessidades.

É necessário que os sistemas de ensino criem estruturas e programas de apoio aos

professores na capacitação e remuneração adequada, e também possibilitem às escolas

instrumentalização e espaços adequados que possam estimular o aprendizado dos alunos que

apresentam essas condições.

Para que a educação inclusiva seja realmente efetiva e eficaz, o que se propõe é que se

cumpram as leis.

A jornalista e escritora Cláudia Werneck afirma: “A escola é o começo de tudo. Se ela não

alterar seus princípios, adeus sociedade inclusiva”. (WERNECK, apud OLIVEIRA,2007, p.19)

A proposta da Pedagogia Waldorf pode ser inclusiva, porém depende do professor

responsável pela classe. O professor leva em conta o grupo que tem em sala de aula e se é

possível aceitar uma criança inclusiva na sua turma.

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2. RELATO Neste momento, será relatado o trabalho de uma professora com uma criança com

necessidades educacionais especiais que não encontrou um meio para progredir dentro de sala de

aula tradicional, mas ao se deparar com a pedagogia Waldorf e com sua educadora ele

desabrochou como aluno.

G. nasceu em 2 de março de 1996. No ano de 2008 ele ingressou em uma classe do 5°ano

da Pedagogia Waldorf. Quando a família chegou à escola, a mãe buscava uma escola que olhasse

as capacidades de G. Na escola anterior estava cursando o 4°ano, porém ele tinha uma grande

defasagem nas matérias curriculares. As aulas de reforço nada adiantaram. O médico e a sua

fonoaudióloga indicaram a Pedagogia Waldorf para ele.

Quando G. chegou não podia ser inserido no 6° ano (que para a sua idade seria o

indicado), pois tinha muitas dificuldades. Mesmo a idade não sendo equivalente, ele passou a

freqüentar o 5° ano.

A professora avaliou o aluno e ficou claro que seria um caso de inclusão. Ele tem uma

deficiência visual: astigmatismo, miopia e nistagmo. Balança muito a cabeça e tem dificuldade

para se locomover. Sentia muita dificuldade para descer as escadas, descia de lado. Hoje já desce

de frente com um pouco de receio.

Na matemática só sabia fazer a adição. Sua leitura era truncada, parava ou passava por

cima das consoantes. Ele pulava ou não enxergava as letras. Não tinha memória, não retinha

nada. Na escrita, muitas vezes uma palavra se sobrepunha à outra, ora vogais, ora consoantes.

Apesar de alfabetizado, não conseguia fazer ditados, sua escrita era um martírio para ele.

De acordo com seu histórico, antes de completar um ano de idade, os pais perceberam que

ele tinha um problema motor. Sua articulação era incompreensível, não desenvolveu bem a fala

antes de andar. Andou por volta de dois anos de idade. No decorrer do seu crescimento foi se

percebendo que ele balança muito a cabeça (como se o corpo não consegue sustentar a cabeça), é

muito inquieto, sua fala não é fluente. Até hoje ele ainda não tem um diagnóstico fechado.

No primeiro semestre de 2008, já na pedagogia Waldorf, a professora não exigiu dele

todas as tarefas solicitadas para a classe. Ela ficou observando o quanto G. sabia fazer as tarefas e

a sua curiosidade em conhecer as novas matérias.

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A professora fazia desenhos de formas (são exercícios de retas e curvas que ajudam a

harmonizar o ser humano, auxilia na concentração e acompanha o nível de maturidade de cada

aluno) todos os dias na sua classe. Fazia espirais para trazer a concentração, de fora para dentro.

(mão livre) Quando G. fez a espiral ele começou a passar mal. Nos primeiros cinco dias vomitava no

momento de realizar o desenho. Quando chegou no 5° dia ele não participou e esteve bem.

Durante a segunda semana não participou dessa aula e não passou mal. Iniciou a fazer formas

retas contínuas e conseguia faze-las com prazer.

(mão livre) Só de ver figuras que continham espirais G passava mal.

A professora chegou à seguinte conclusão: desenhar para ele as espirais não era benéfico

pois atingia o seu problema motor. As retas conseguia fazer e lhe davam mais estabilidade.

Durante quatro semanas ele não participou das aulas de desenho de formas; fazia um trabalho de

movimento enfocando o equilíbrio com a auxiliar da classe.

A professora começou a trabalhar com ele os desenhos de formas utilizando o tato, na

coluna, ele tem a postura encurvada. Fez também com os olhos vendados.

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Na lousa ele fez uma transformação da reta para a curva. Exemplos:

(mão livre) (mão livre) G não conseguia fazer traçados no papel. Não cruzava as mãos e nem as pernas. Aos

poucos, a professora mostrou-lhe a transformação da reta em curva com diferentes objetos: lixa,

água, com o pé, com giz de lousa e por fim giz de cera no papel.

No final do primeiro semestre de 2008, G. conseguiu fazer a leminiscata (desenho a

baixo) e, consequentemente, fazer traçados cruzados.Através dessa tarefa ele começou a trabalhar

as operações básicas da matemática, principalmente a multiplicação.

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(mão livre) O convívio social para G. sempre foi muito difícil. A linguagem oral e escrita de G.era

quase incompreensível porém, hoje, ela se faz mais compreensível. Para fortalecer o seu social e

acreditar nas suas capacidades, a professora começou a trabalhar os ritmos feitos no 2° e 3° ano

escolar do ponto de vista corporal. Ele ouvia as histórias com total veneração. Sua escrita era toda

emendada. Ele falava sem pausas, sem respirar, tinha bronquite.

A partir do segundo semestre G iniciou a compreender a divisão e também a se perceber

no seu corpo. Quando conseguiu ordenar seus pensamentos e ações isso deu a ele mais segurança

e compreensão do que é capaz.

Nas aulas de trabalhos manuais fez tricô de dedo e correntes de crochê. Na aula de artes

aplicadas construiu com a professora uma espiral em argila num tabuleiro e adorou.

Sua concentração surgiu e fez com que ele realizasse suas atividades.

No final de 2008, G conseguiu reter na memória as brincadeiras para o aprendizado das

tabuadas até o número 12.

Hoje, primeiro semestre de 2009, G. cruza braços e pernas. Seu traçado é feito com

dificuldade pois ele treme. Ele consegue observar figuras em espirais e desenha-las sem que aja

uma indisposição física. Atualmente G. é capaz de amarrar sozinho os cadarços dos sapatos. Está

mais envolvido na matemática. Ao escrever, ainda pula algumas letras.

Pela primeira vez G. conseguiu fazer a seqüência da matéria estudada no caderno. Ele

participa da retrospectiva, lembra das tarefas solicitadas e as faz.

É um garoto brincalhão e alegre, os demais alunos da classe têm paciência com ele. G.

precisa sentar na primeira fila para poder acompanhar a aula; ainda levanta da cadeira, entretanto

demonstra ser um aluno muito responsável.

Hoje, G. ainda tem as suas dificuldades, mas está incluído na classe e na escola. É um

menino aceito e feliz.

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Esse progresso do aluno deveu-se à postura da professora. Desde o primeiro instante em

que a professora encontrou G. teve a vontade, persistência e a metodologia Waldorf para poder

dar recursos e ajudar o aluno a encontrar o seu caminho dentro da sala de aula, respeitando o seu

ritmo e deu chance para que ele evoluisse como indivíduo.

40

3. RESULTADOS

A partir do momento em que o aluno G foi inserido numa classe da Pedagogia Waldorf e

foi olhado como um indivíduo; iniciou-se um trabalho em conjunto com ele e a professora

responsável pela classe visando suas limitações e potenciais.

Com o trabalho de Desenhos de Formas, G demonstrou o quanto era sensível e como

reagiu aos exercícios propostos em sala de aula. Ele trilhou um caminho como aluno e o seu

ritmo de aprendizagem foi respeitado dando a possibilidade a ele de evoluir e conseguir

concretizar as tarefas solicitadas. Após alguns meses de trabalho direcionado exclusivamente a

ele porém amparado pelos colegas de classe e pela professora G sentiu inserido no grupo e

conseguiu responder às atividades solicitadas.

Seu progresso foi gradativo porém verdadeiro possibilitando assim a continuidade dele

nessa sala e a cada dia podendo adentrar ainda mais nos conteúdos trazidos pela professora que o

acolheu.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como origem mostrar como as crianças em idade de alfabetização

submetem-se ao método da pedagogia Waldorf permeado de imagens; respeitando a sua idade e

individualidade para poder aprender a escrever e a ler.

Foi apresentado aqui como a filosofia e a pedagogia Waldorf surgiram através de muitos

estudos do austríaco Rudolf Steiner e que hoje ambas estão difundidas em todos os continentes

do mundo.

Através das imagens as crianças aprendem as letras e confeccionam o caderno com total

primor! A imaginação é trabalhada, assim como a fala e o movimento, fazendo com que a criança

se desenvolva integralmente.

A inclusão foi abordada para comprovar que a escola Waldorf também se coloca

comprometida com crianças com necessidades educacionais, esclarecendo, a partir do relato de

um caso, a dinâmica empregada para ajudar o aluno a progredir em suas aprendizagens. Fica

claro como cada ser humano tem o seu próprio ritmo, que respeitado, torna-o capaz de aprender.

Cabe ao professor aceitar o aluno na sua sala de aula, visando toda a constelação da classe.

Como esta Pedagogia acredita nas crianças e no seu desenvolvimento, sabe-se que são

dotadas de uma grande riqueza interior e cabe ao professor descobrir essa preciosidade, dar a

chance a cada aluno de se desabrochar como indivíduo, aprendendo os ensinamentos dados em

sala de aula.

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REFERÊNCIAS CARLGREN,Frans; KLINGBORG,Arne. Educare alla Liberta. Milão: Editora Filadelfia,1990. BURKARD, G. K. Iniciativas Antroposóficas no Brasil. São Paulo: Associação Sagres, 2008. STEINER, Rudolf. Para a estruturação do ensino do 1° ao 8° ano nas Escolas Waldorf. Federação das escolas Waldorf no Brasil, 1999. OLIVEIRA, V. M. Reflexão sobre a Inclusão. Artigo publicado na edição 375 jornal Mundo Jovem, pág 19, 2007. BRASIL. Ministério da Educação. Lei n° 9.394/96 – Diretrizes e Bases da Educação Nacional. MEC/Brasília, 1996.