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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. Permitida a cópia xerox. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. SIQUEIRA, Deoclécio Lima de. Deoclécio Lima de Siqueira (depoimento, 1993). Rio de Janeiro, CPDOC, 2005. 42 p. dat. DEOCLÉCIO LIMA DE SIQUEIRA (depoimento, 1993) Rio de Janeiro 2005

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FUNDAO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAO DE HISTRIA CONTEMPORNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibidaapublicaonotodoouemparte;permitidaacitao. Permitida a cpia xerox. A citao deve ser textual, com indicao de fonte conforme abaixo. SIQUEIRA,DeoclcioLimade.DeoclcioLimadeSiqueira (depoimento, 1993).Rio de Janeiro, CPDOC, 2005. 42 p. dat. DEOCLCIO LIMA DE SIQUEIRA (depoimento, 1993) Rio de Janeiro 2005 Deoclcio Lima de Siqueira Ficha Tcnica tipo deentrevista: temtica entrevistador(es): Glucio Ary Dillon Soares; Maria Celina DAraujo levantamento de dados: Equipe pesquisa e elaborao do roteiro: Equipe sumrio: Priscila Riscado conferncia da transcrio: Ignez Cordeiro de Farias copidesque: Leda Maria Marques Soares tcnico de gravao: Clodomir Oliveira Gomes local: Rio de Janeiro - RJ - Brasil data: 11/06/1993 durao: 2h 5min fitas cassete: 03 pginas: 41 Entrevistarealizadanocontextodoprojeto"1964eoregimemilitar",desenvolvidopelo CPDOC, com apoio da Financiadora deEstudos e Projetos (Finep), no perodo de 1992 e 1995. A pesquisa contou com a participao de Glucio Ary Dillon Soares. A partir de 1997, passou a integraroprojeto"Brasilemtransio:umbalanodofinaldosculoXX",apoiadopelo Programa de Apoio a Ncleos de Excelncia (Pronex) do Ministrio da Cincia e Tecnologia. O projetoresultounapublicaodatrilogia"VISESdogolpe:amemriamilitarsobre1964"/ Introduo e Organizao de Maria Celina DAraujo, Glucio Ary Dillon Soares, Celso Castro. RiodeJaneiro:Relume-Dumar,1994.,"OSANOSdechumbo:amemriamilitarsobrea represso"/IntroduoeorganizaodeMariaCelinaDAraujo,GlucioAryDillonSoares, CelsoCastro.RiodeJaneiro:Relume-Dumar,1994.e"AVOLTAdosquartis:amemria militar sobre a abertura" / Introduo e organizao de Glucio Ary Dillon Soares, Maria Celina DAraujo,CelsoCastro.RiodeJaneiro:Relume-Dumar,1995,almdolivrodedepoimentos "ERNESTO Geisel" / Organizadores Maria Celina DAraujo e Celso Castro. Rio de Janeiro: Ed. Fundao Getulio Vargas, 1997. temas:AtoInstitucional,5(1968),DeoclcioLimadeSiqueira,EduardoGomes,GuerraFria, GuerrilhaRural,JustiaMilitar,MilitareseEstado,RegimeMilitar,RegimesdeExceo, SuperiorTribunalMilitarDeoclcio Lima de Siqueira Sumrio Entrevista: 11.6.1993 Fita 1-A: Relato sobre as impresses e histrias sobre a Segunda Guerra Mundial e sua posio dentro da Aeronutica naquele momento; curso realizado em Natal, em conjunto com a Marinha norte-americanachamadoUnitedStatesBrazilianAirTrainningUnit(USBATU),duranteo qual assimilaram todo o conhecimento dos americanos. Fita 1-B: Desnvel da Aeronutica brasileira com relao a outros pases; a Segunda Guerra e a posio de alguns setores militares com relao aos pases envolvidos, em especial a Alemanha e Itlia; a posio do presidente Getlio Vargas com relao Segunda Guerra Mundial; relato sobreogolpemilitarde1964,envolvendoaanlisedoentrevistadosobreoepisdio,sua patentenapocaesuaparticipaonogolpe;exposiodasmudanasocorridasapartirda introduodoconceitodecidadonasForasArmadas;observaessobreogolpede1964, focando a "possvel preparao" do golpe pelos militares e da interpretao dada pela sociedade ao golpe de 1964.Fita 2-A: Divergncias entre os diferentes grupos nas Foras Armadas sobre o tempo de durao doperodomilitar;cassaodealgunsmilitaresdaAeronuticaqueeramafavordeJoo Goulart; articulao entre as Foras Armadas para analisar a situao do pas no perodo anterior aogolpe;relatosobreainexistnciadeumplanodegovernodelongoprazoporpartedos militaresapsatomadadepoder;ligaesdoentrevistadocommilitaresrepresentantesdaala castelista,comoGeiseleCasteloBranco,easrazesquelevaramformaodosgrupos militaresnoperododogolpe;grupos("duros"e"castelistas")quecompunhamasForas Armadas durante o perodo militar; opinio do entrevistado sobre a durao da ditadura militar.Fita 2-B: Relato sobre a Guerra Fria e a influncia que esta teria tido na "guerra suja" durante o perodomilitar;anlisedosmotivosmaisrecorrentesdosressentimentosemrelaosForas Armadasdevidoaoperododaditaduramilitar;brevecomentriosobreocasoParasarea posiodobrigadeiroEduardoGomes;funesdoentrevistadonoSuperiorTribunalMilitar (STM)eopapeldesempenhadoporestenoperodomilitar;relatosobreoCasoRiocentro; anlisesobreopensamentodosprincipaisrepresentantesda"linha dura" no perodo militar na Aeronutica;comentriossobreoscasosdetorturanopasnoperodomilitareaposiodo SuperiorTribunalMilitaredaAnistiaInternacionalcomrelaoaotema;preocupaocom umapossvelvoltadosmilitaresaopoderequaisasatuaispreocupaesatuaisdosmilitares; observaes sobre Ferdinando Muniz, do CISA, e sobre os avies de caa C-47. Deoclcio Lima de Siqueira Entrevista: 11.06.1993 M.A.-Brigadeiro,agentepoderiacomearfalandodaguerra.Osenhorjeraoficial, quandocomeouaSegundaGuerraMundial,eosenhortambm,desdeessapoca,vai trabalharjuntocomobrigadeiroEduardoGomes.Enfim,comoqueosenhorsentiuas repercusses da guerra nas foras armadas brasileiras e na recm criada Aeronutica? D.S.-AAeronuticaestavarecmformadanaquelapoca.Tinhapoucotempodevida. AcabaradeseconstituiroMinistriodaAeronutica,criadopelopresidenteGetlio Vargas, sob a orientao do ministro Salgado Filho, que era um civil com uma concepo polticamuitointeressante.Eraumhomemculto.AAeronutica,nesseponto,foimuito feliz com o seu primeiro ministro da Aeronutica, dr. Salgado Filho. Masasuaperguntafoicomoeuviaguerra,oseuincio,eoreflexonasforas armadasbrasileiras.ASegundaGuerraMundialjvinhasendoprevistaantesdeelase desdobrar, evidentemente, com aquele problema do nazismo na Alemanha, o fascismo na Itlia, regimes extremamente fortes. Eu era tenente e servia no Exrcito... M.A. - O senhor era capito-aviador, no ? D.S. - No. Era tenente-aviador. Fui promovido a capito j no Ministrio da Aeronutica. Sentamosnocomeo,aindanoExrcito,umainflunciamuitograndedaFrana,seu sistemaesuadoutrina.NaMarinha,predominavamaisainflunciainglesaenorte-americana.OMinistriodaAeronuticafoiformadoporessasduascorrentesde pensamento. No incio da guerra, em 1940, foi criado o Ministrio da Aeronutica1. Logo no comeo deste ministrio, mudou-se um pouco essa orientao. Depois da Revoluo de 1930,jhaviaumdesligamentodaorientaofrancesanoExrcito;sentamosisso claramente. Na dcada de 1930, houve uma tendncia a se evoluir para o lado americano e ingls. Tanto que, logo em 1940, uma comisso norte-americana de aviadores veio aqui, quatrooucincoelementoscomumacertaexperinciadeaviaomilitar,enos propiciaram uns cursos de certa importncia. Um deles, por exemplo, do qual me lembro, foi de vo por instrumento. Naquele tempo, esse vo por instrumento era muito misterioso, dadaafaltademeiosadequadosnapoca.Essacomissonospropiciouosprimeiros 1 O entrevistado enganou-se. O Ministrio da Aeronutica foi criado em janeiro de 1941.Deoclcio Lima de Siqueira conhecimentosdessetipodevo.Foramentoosprimeirosaviesamericanosque recebemosaqui,osfamososaviesNorthAmericanT-6,deummotor.Lembro-meque esse curso foi dado no Campo dos Afonsos e diversos grupos de oficiais o realizaram. Foi o primeiro passo no sentido de uma evoluo. Nessa poca, incio da dcada de 1940, ns j estvamos, ento, um pouco mais ligados aos norte-americanos. Nesta altura o Brasil se envolveu na Segunda Guerra Mundial. No s por influncia desses tradicionais aliados, e dosfrancesesedosingleses,massobretudoporqueacampanhasubmarinaalemseguiu umaestratgiamuitointeressante.Usavam,comoelementofundamentaldoxito,a surpresa. Por isto comearam atuando l no norte, contra a Inglaterra. Depois, buscando a surpresa, vieram descendo pela costa da Frana, no Atlntico, passaram por este oceano e acabaram chegando nas costas dos Estados Unidos. Os primeiros ataques dos submarinos doEixonacostabrasileiranoeramdealemes,mas,sim,deitalianos.Depoisqueos submarinos do Eixo esgotaram a surpresa nas costas americanas, comearam a se deslocar para o sul. Os primeiros foram os italianos, segundo uma estratgia que usavam muito: os italianosnofaziamgrandesataques,vinhamexplorarasituaonafrente.Assim,eles descerampelacostaamericana,passarampeloCaribeeacabaramentrandonacosta brasileira,ondecomearamaatacarosnossosnaviosqueparticipavamdoabastecimento dosAliadosatravsdaAmricaoudiretamente.Essaaverdade.Osnossosnaviosiam atNatal,nacostadoRioGrandedoNorte,e,dali,unsiamparaaEuropaeoutros,a maior parte, para a costa americana. Esses ataques dos submarinos do Eixo no nosso litoral aumentaram as preocupaes com o problema da guerra. O primeiro ataque foi em 22 de maio de 19422, ao norte de Fortaleza, realizado por um submarino italiano, o Barbarigo. O navio, oComandanteLira,noafundou,massofreuavariasnoataque,recolhendo-se ao porto de Fortaleza. O submarino pertencia a um grupo de quatro, os primeiros que vieram para a costa brasileira. No Nordeste ainda realizaram outros ataques, sem maiores danos. Nessetempo,jtnhamosemFortalezaumgrupodeaviesdestinadoadaptaoem aviesmodernos.Utilizava,basicamente,oavioB-25,pertencenteaoExrcitonorte-americano,destinadoaoperaescontraalvosnasuperfcieterrestre.Humaexplicao paraisso.Osamericanosforam,emparte,surpreendidoscomosataquessubmarinosdo Eixo.Reagiramcomopuderam,utilizandoataviesdeaeroclube.Tinhamtopoucos aviesparatal,quelanarammodeaviesdoExrcito,osB-25,parataisoperaes, 2 O primeiro ataque do submarino italianoBarbarigo ao navio brasileiroComandante Lira foi em 18 de maio de 1942. No dia 22 de maio ocorreu o primeiro ataque de um B-25 brasileiro ao mesmo submarino Barbarigo, como o entrevistado explica mais adiante. Deoclcio Lima de Siqueira especialmenteemproteoaoscomboiosdonortedaEuropavindosdaInglaterra.A MarinhadispunhadosfamososCatalina,osPBY,maselaestavatodaempenhadano Pacfico, com o japons. Por tudo isto, foi com um B-25 nosso primeiro ataque contra um submarino italiano, justo aquele que tinha atacado o primeiro navio brasileiro no norte. G.S.-Brigadeiro,em1942,ossubmarinosaindaspodiamfazerataquesdesuperfcie, no ? D.S. - No, faziam ataques submersos tambm. G.S. - J faziam submersos? D.S. - J. Faziam submersos, pelo periscpio. Tinham que freqentemente vir tona para poderrecarregarasbaterias,poisdispunhamdepoucaautonomiaquandosubmersos. Geralmente, durante o dia, ficavam submersos e, noite, permaneciam na superfcie para recarregarasbaterias.Poristomuitosforampegosdemadrugada,quandoacabavamde recarregar as baterias. O primeiro ataque feito pelo nosso pessoal da Aeronutica, foi bem cedo, s sete e pouco da manh, ao norte de Fortalezano dia 22 de maio de 1942. Por isto estadata,22demaio,oDiadaPatrulhanaFora Area Brasileira. Mas esse ataque ao nortedeFortalezafoioquemarcouaentradadoBrasilnaguerra.Muitagenteignora detalhesdissotudo.Nsaindanotnhamosentradonoconflito,masatacamosesse submarino.Pareceumatoprovocativo,mas,coincidentemente,esteeraoquehavia atacadoonossonavioComandanteLira.Emconseqnciadesseataque,oministro SalgadoFilho,entrevistadopelosjornalistas,disse:Realmenteatacamosumsubmarino doEixo(ousubmarinoalemo,porquenaqueletempossefalavanossubmarinos alemes).Eatacaremostantosoutrosqueaparecerem.Essasdeclaraesdoministro podem parecer, primeira vista, uma provocao, mas elas tm o suporte da realidade de ento.Haviaumadvidasobreguasterritoriaisnaqueletempo,seeramdetrs,12ou duzentasmilhas.OComandanteLira,queeradoLloyd,realmenteestavaaumas50e poucasmilhasdacosta,numtempoemqueoBrasilestavapreocupadocomaidiadas duzentas milhas por motivo de segurana, pois j havamos perdido alguns navios na costa dos EUA. A situao em nossas costas era, portanto, de sombria expectativa. svezes,ahistriaesquece-sedecertospormenoresimportantes.Aquinolitoral brasileiro morreram muito mais brasileiros do que na Europa na Segunda Guerra Mundial. Deoclcio Lima de Siqueira Noscamposdebatalhadelficaramunsquatrocentos,aqui,nosnaviosafundados,mais de mil. VoltandoaoministroSalgadoFilho,deve-seconsiderarsuaentrevistacomoum valenteprotesto.ElaestregistradanasmemriasdoalmiranteDnitz,ofamoso comandante dos submarinos da Marinha alem. Hitler soube do fato. Como os jornais s falavamemsubmarinoalemo,anotciasaiucomosendodeumdeles.Hitlerficou zangadoeordenouquesepreparassemdezsubmarinosparaviraoBrasilafimdefazer umataqueemmassaaosportosbrasileiros;issoteriasidoumatragdiaparans,pois estvamos muito despreparados. Para um submarino, j seria uma dificuldade, imagine se dezdeumasvez.FelizmenteosembaixadoresalemesnoBrasileparecequena Argentinasouberamdaidiaeinterferirammuitojuntoaogovernoalemoporque, alegavam,haviaaquiumacorrentemuitograndesimpticaaonazismo,oqueno mentira,porquenaqueletempohaviaumacertacorrentesimpticaaosnazistas.Assim, Hitler se deixou levar pelos argumentos dizendo: Est bem, vamos suspender a operao. Umsubmarinosvailefazumataqueemrepresliaspalavrasdoministro.Veio, ento,ofamososubmarinoalemooU-507quefezoataquenascostasdeSergipe, botando a pique os naviosBaependi, Araraquara eAnbal Benvolo. Depois, mais ao sul, nas costas da Bahia, no dia seguinte, afundou os navios Itagiba e Arar, alm da barcaa Jacira. G.S. - O Baependi... D.S. - S no Baependi mais de trezentos brasileiros morreram. Esse ataque, comeado nas costasdeAlagoas3,desencadeouparansaSegundaGuerraMundial,pois,em conseqncia dele, foi declarada guerra Alemanha. Na poca desse ataque, como tenente, euserviaemRecife,comobrigadeiroEduardoGomes.ComandavaoExrcitodaquela reaomarechalMascarenhasdeMorais,comsedeemFortaleza.Desejousobrevoara rea. Recebi ordem para apanh-lo em Fortaleza e ir ao local dos primeiros ataques. Tudo namadrugadadaquelanoite.FuiFortaleza,ondeomarechalembarcoueaindapela manhchegamosreadosacontecimentos.Avisodolocaleratrgica.Haviamuitos destroosemcimad'gua.Via-setudo:colches,mveis,atcorpos,muitagente chegando na praia, etc...Foi um espetculo dantesco. Depois pousamos em Aracaju, pois 3 O navio Baependi foi torpedeado e afundado na costa de Sergipe no dia 15 de agosto de 1942. Deoclcio Lima de Siqueira oacontecimentodeu-seprximodacapital.Encontramosopovoincendiandotudoque fosse de alemes. Essas injustias ocorreram nestas horas porque talvez eles no tivessem culpa. Tudo isso deu origem nossa entrada na guerra. A Aeronutica estava presente no Nordeste,sobocomandodograndelderEduardoGomes,poisalieraopontofocaldo movimentodossubmarinosdoEixo,quetinhamumaestratgia.Porqueali,viaNatal, passavatodootrfegodenaviosdosul,umaparteindoparaaAmrica,aoutra,paraa Europa.Era,portanto,umpontomuitofocaldenavegaomartimaatraindoos submarinos.Depois,aospoucos,foramdescendoparaosul.Nessapoca,houveum perododegrandepreocupao,quandoosalemes,sevencessemnonortedafrica, poderiam ameaar as Amricas atravs do Nordeste brasileiro. O general alemo Rommel, nonortedafrica,estavaconquistandopraticamentetudo.Asituaoficoumuitosria. Tudo isto levara oministro Salgado Filho a mandar o brigadeiro Eduardo para o Nordeste, embora, nessa poca, o brigadeiro j tivesse se desligado muito do presidente Getlio. Este desligamentovinhadesde1937,quandoopresidenteGetliodeuogolpeparaa implantaodochamadoEstadoNovo.Lembro-meaindaque,napoca,obrigadeiro ficaraextremamentemagoado,poistinharazes,atmesmodeordempessoal,vistoser muitoamigodeArmandodeSalesOliveira,candidatoapresidentedaRepblicapelo estadodeSoPaulo.EEduardoGomes,quecombateraarevoluodeSoPaulo,em 1932,tinhaumrespeitotodoespecialpeloquefossedaqueleestado.Naturalmente,os vitoriosos devem ter cometido muitas injustias, como acontece nessas horas e ele, que se mantinhasempredistantedetudoquefossevendetas,tinhaumespecialcarinhoporSo Paulo.Creiofirmementequeestasrazescontriburam,emparte,paraqueelese comprometesse muito com Armando de Sales Oliveira, que se aconselhava muito com ele sobreproblemasnareamilitartantoquenavsperadopresidenteGetlioterdadoo golpe, Armando Sales telefonou para o brigadeiro Eduardo perguntando sobre a existncia de um movimento suspeito que j era do conhecimento de alguns. Nesse tempo eu estava naEscolaMilitarcompletandoocurso.NaantevsperadoatodopresidenteGetlio,o comandantedaEscola,generalPaquet,nosreuniunoauditrioparadizerqueiahavero movimento. Lembro-me bem disto. M.A. - Na vspera? D.S.-Navsperaouantevspera.Tantoquenofomossurpreendidos.Ocandidato ArmandoSalesjdeviatersabidotambm.PerguntouaoBrigadeiro,queseinformou Deoclcio Lima de Siqueira com determinadas pessoas ligadas ao poder. Os perguntados de nada sabiam, ou negavam porsaberemdaposiodoBrigadeiro.Istoelenuncaperdoou.Foitotalmente surpreendido, o que o colocou numa posio muito difciljunto a Armando Sales. Nunca perdoariaopresidenteGetlio,comquemvinhadesdeomovimentode1930.Salgado Filho,quecolocavaoBrasilacimadessascoisas,sentindoqueasituaonoNorteera muitosria,convocou-o.Eeletambmnosenegouacolaborar,oquefezcomtodaa lealdade. O que se sentia no Nordeste era que a ameaa do alemo vindo do norte da frica complicava muito a situao. Tanto que toda a rea entrou na fase doblackout, ou seja, todas as luzes externas apagadas. Houve blackout at aqui no Rio de Janeiro. Tudo como conseqncia daquela ameaa vinda do norte da frica. Depois que Rommel foi vencido, as coisas melhoraram por aqui. Em 1943, a guerra de submarino ainda foi bastante ativa, masem1944,diminuiumuito.Nocomeode1943nsjtnhamosrecebido equipamentosmaismodernosdosnorte-americanos.AMarinhadaquelepasjtinha vindo e convivia conosco l nas bases do Nordeste, onde fez grandes instalaes. Junto ao brigadeiroEduardohaviadoiscomandantesdosEUAqueforambsicosnonosso relacionamento.UmeraogeneralWalsh,comandantedoAirTransportCommand,do Exrcito, sediado em Natal. Era um fervoroso catlico, como o era o brigadeiro Eduardo. Tornaram-seamigoseseentendiammuito.OoutroeraoalmiranteIngram,sediadoem Recife.Achoquenoeracatlico,mastinhaumtemperamentoaberto,muitoleal,muito simples,comquemobrigadeirosedavamuitobem,apesardeserumhomemdetipo completamentediferentedeEduardoGomes.Eu,queconviviaumpoucoprximodo brigadeiroEduardonessapoca,emRecife,sentiaqueessestrshomensforam fundamentais no bom relacionamento entre as foras que agiram no Norte e no Nordeste: a Marinhaamericana,oExrcitoamericano,aMarinhabrasileira,oExrcitobrasileiroea nossa fora area. O almirante Ingram era um chefe prtico e decidido. Logo no comeo, quandoseestabeleceramnabasedeRecife,nsjestvamoslepudemosobservarque aos sbados e domingos os marinheiros da U.S. Navy iam para a praia da Boa Viagem, a caminho da cidade, e l comeavam a beber, provocando muitas desordens. Eu tinha uma espciedeordenanaquetrabalhavacomigo,chamadoAdo.Eracamaradabonssimo, uma grande figura. Numa segunda-feira, ao chegar cedo na base, vejo o Ado com a mo toda enfaixada e lhe pergunto: "O que que houve, rapaz?" Ele respondeu: "Nada, senhor, issofoiumaapostacomummarinheiroamericano." E perguntei:"Queapostaidiotaque acabou dando nisso?"Ele: "Ns comeamos a beber num bar e, l pelas tantas, apostamos Deoclcio Lima de Siqueira que se um bebesse um copo de cacos de vidro, o outro devia ultrapassar uma parede com umsoco.Omarinheirobebeuocopodevidro,amimcabia,ento,tentarultrapassara paredecomumsoco,poristoestouassim."Osdoisforamparaohospitalese recuperaram.Porestaseoutras,oIngramdeterminouqueaossbadosedomingos ningumpodiasairdabase,ondeopessoalnorte-americanopodiabebervontade.A guarda,naturalmente,erareforadanosportesdabasee,logicamente,sembebida.Esta soluo funcionou to bem, que nos dois anos seguintes de permanncia desse pessoal em Recife no houve mais problemas como o ocorrido com o soldado Ado. M.A. - Ento, esse contato com os americanos foi muito importante para as foras armadas brasileiras, no seu modo de ver? D.S. - Acho que foram. Embora a gama de meios do norte-americano seja to grande, e a nossa,poroutrolado,topequena,svezesponhoemdvidaestaafirmativa.Noseria melhorparansaantigainspiraofrancesademenosrecursosemaisengenhosidade, mais capacidade de criar? Na minha convivncia com os americanos no Nordeste e mesmo depois,naprpriaAmricaeemoutrossetores,desenvolviporelesumagrande admirao.umpovosimplesedevisomaisespiritualdavida...Refiro-meao verdadeiropovo,porquenosiludimosmuitocomoamericano.AAmricaointerior, aquelavidadefamlia,dereligio,decompreenso,etc...svezesdpreocupaoessa capacidademuitoelevadadedesenvolveratecnologia,oqueaumentaadistnciaqueos separa do resto do mundo. Mas a convivncia com eles no foi m. Para a Aeronutica, no meuentender,houveumfatoderepercussesparaofuturo,cujasconseqnciastm sacrificado a Aeronutica Militar, embora seja favorvel a outros segmentos da sociedade. Refiro-me s inmeras instalaes que as foras dos EUA deixaram no Norte e Nordeste. De repente, passamos de uma situao em que dispnhamos de apenas alguns campos na rea,paraumaoutra,acrescidadoenormeacervodeinstalaesdeixadaspelosnorte-americanos.Ora,issoprovocounaAeronutica,ounaforamilitar,umpoucode distoro, no sentido de se preocupar muito com a infra-estrutura em detrimento da prpria fora como um todo. Na fora area, por exemplo, para manter todas essas bases recebidas, comoasdeBelm,SoLusdoMaranho,Fortaleza,Natal,Recife,Bahia,verdadeiras pequenas cidades. [FINAL DA FITA 1-A] Deoclcio Lima de Siqueira D.S.-(...)Houvemuitadistoroderecursosqueseriammelhoraplicadosem equipamento areo. Por outro lado, as bases contriburam muito para o desenvolvimento e progresso daquelas reas. [INTERRUPO DE FITA] M.A. - Em 1943, o senhor fez um curso. D.S.-Emfinsde1943,fizemosumcursoemNatal,comaMarinhanorte-americana, chamadoUSBATU(UnitedStatesBrazilianAirTrainingUnit).Neleassimilamostodaa experincia dos americanos. O chefe desse curso foi o famoso comandante Davis, naquele tempocapito-de-fragata,quemaistarde,comoalmirante,foichefedeoperaesda Marinha dos EUA. Era muito preparado, e foi quem concebeu o novo avio Ventura para a guerraanti-submarina.Quandoesseavioficoupronto,lnosEstadosUnidos,elefoi chamado e fez o vo inaugural, da Amrica at a Austrlia. O avio tinha uma autonomia muitograndeparaapoca.Tratava-sedeumPV-5(apelidadomaistardedeTurtle Tartaruga),emseqnciaaosprimeirosPVs(PatrolVenturaestaumalocalidadeda periferiadeLosAngelesondeaLockheedtinhaumadesuasfbricas).Essecursofoi muitobomparaaaviaobrasileira,poiselemudouumpoucoanossamentalidade. Aprendemos a importncia da padronizao como elemento bsico para se poder planejar bem, assim como a tcnica mais moderna de uma operao militar, etc. Esse curso marcou poca na aviao, sobretudo na de avies mais pesados, porque aps o trmino da guerra o pessoalquetrabalhavanoNordeste,jcomnovasidiasdocurso,veioparaoCorreio Nacional, que tinha acabado de receber avies mais atualizados, o famoso Douglas C-47, que ns tnhamos ido buscar na Amrica. G.S. - C-47 a verso militar do DC-3. D.S.-Exatamente.ForamtrazidosdosEUAporelementosdaFAB.Eu,porexemplo, trouxe o primeiro que chegou ao Brasil, o 2009, que hoje est at no museu. O interessante queopessoalformadopeloUSBATUecursossemelhantes,comotrminodaguerra, veioparaoCorreio,edeuumavanoenormeaotransporteareomilitarnoBrasil. Trouxeramnovamentalidadeenovatcnicadeplanejamento,oquemelhoroumuitoa Deoclcio Lima de Siqueira operao. Foi um passo muito grande. Foram dois os setores que nos trouxeram lucros da guerra:aPatrulhaAreanoNordesteeoGrupodeCaaqueoperounaItlia.Comeles aprendemos padronizao, operaes mais modernas, maneiras de operar mais atualizadas, etc.EssasduasatividadesrevolucionaramtodaaparteoperacionaldaForaArea Brasileira. E vou lhe dizer, com certa preocupao, o que temos at hoje. Agora, com a GuerradoGolfo,tudomudou.OsensinamentosdaSegundaGuerraMundialesto enterrados,acabaram.Hoje,atcnicaoperacionalmilitararea,daaviao, completamente diferente. M.A. - Ento, nesse sentido, a Aeronutica brasileira est bem desnivelada. D.S.-Elaprecisaseatualizarnessapartedeoperaes,emboramuitosestudiosos preconizemqueaGuerradoGolfotrouxeoquehdesupra-sumodatcnicaaliadaa conceitosoperacionais.Esoparaaviaesultramodernas,militares.Agora,nsteremos responsabilidadessemelhantesGuerradoGolfonoBrasil?Aqueoproblema.Ou talvezanossaseguranaaindadependadessesmeiosclssicosquevieramdaSegunda GuerraMundial?umproblemadepoltica,nemdeestratgia,jdepolticade segurana mais elevada, etc... G.S. - Geopoltica. D.S. - Geopoltica. Horizontes mais elevados. Porque a situao do mundo mudou, e com ela, evoluiu completamente a estratgica militar mundial. Hoje s h conflitos locais. G.S. - Brigadeiro, ns estamos a par, pelo menos, dos vizinhos, ou ns estamos abaixo? D.S. - No, quanto aos vizinhos, ns estamos iguais. No h dvida. Porque eles tambm no evoluram em nada, exatamente porque muito difcil essa evoluo como foi feita na Guerra do Golfo, uma coisa fabulosa. G.S. - Muito cara tambm. D.S.-Carssima.Estupidamentecara.impressionante.Osequipamentosempregados, primeiro, so inacessveis no momento. Mesmo que o fossem, o custo seria fantstico. Deoclcio Lima de Siqueira coisa que extrapola. O mundo mudou e hoje as preocupaes so regionalizadas. Tenho a impressoque,paraisso,estamospreparados.Foradestequadro,nopodemosnos descuidardapartedoestudo,doconhecimento.fundamentalqueasnossasforas militares estudem em profundidade a Guerra do Golfo. No para execut-la, mas para estar a par de como se pode evoluir rapidamente para uma situao diferente. Mas, dentro desse conceitodeestratgiaemquetudoregional,pelomenosomundoestsemantendo assim at agora, ns no estamos mal. G.S.-Brigadeiro,voltandoumpouquinhoparaaSegundaGuerraMundial,quandoa Alemanha comeou com os seus grandes xitos, a tomada da Frana em 18 dias, uma coisa assim,eumelembrodeestudo,eueracriananapoca,houveumarepercussopositiva emalgunssetoresnoBrasil.Nosessasminoriasalems,masalgunssetoresmilitares ficarammeioentusiasmadoscomaquilo.Ehaviaumacorrente,digamos,germanfila.O quequeaconteceucomessacorrentequandoositalianosealemescomearama torpedear os nossos navios? D.S.-No,essascorrentes,nomeuentender,tiveramgrandezaobastantepara compreenderenoatrapalharamno.Elassecolocaram,oBrasilcaminhoucomoum todo, no sentido de apoiar os Aliados. G.S. - No rachou. D.S.-No,norachou.Emborahouvesse,nocomeo,umcertoperigo.Porexemplo, quandoosalemescomearamcomaquelafamosaBlitzkriegnaAlemanha,acoisa empolgou muita gente. Eu me lembro que no 1 Regimento de Aviao, onde servia, aqui noCampodosAfonsos,haviaumacorrentequevinhadointegralismo(nazismo,em verso nossa, com Plnio Salgado) e alguns oficiais, integralistas, seguiam aquela corrente. Mas com a guerra, eles se enquadraram direitinho e no houve problema algum. Lembro-me muito bem que tnhamos no regimento um coronel que era um contador de casos, e ns o admirvamos muito. Mas ele era germanfilo. Ento, a turma o provocava, de propsito, paraeledefenderaAlemanha.Tudoeranagozao,oquesequeriaeraqueele apresentasseosargumentos,oquefaziacomumbrilhantismoextraordinrio.Masele nuncaseops,nemnuncaparticipoudealgumamedidacontrria.Pelocontrrio,na aviao havia unanimidade. No Exrcito havia alguns simpatizantes da Alemanha, porque Deoclcio Lima de Siqueira algunsdosseusintegranteshaviamfreqentadocursosnaAlemanha,notempodo nazismo, e isso influenciou um pouco. Na Marinha acho que no, porque a Marinha, muito ligada aos ingleses, no sofreu tanta influncia como o Exrcito. Mas, faa-se justia, seus simpatizantesnuncainterferiramemnadaecumpriramcombravuraasmissesquelhes couberam. G.S. - Brigadeiro, a impresso que temos de que o Getlio ficou em cima do muro para ver de que lado a coisa ia, para no entrar no lado errado. D.S.-Eleeraumpolticoextremamentehbil.Issonosepodenegaraele.Manobrou numladoenoutro,atquandopde.Sdecidiumesmoentrarquandonohaviamais jeito, em conseqncia dos ataques feitos nas costas de Sergipe quando, aproximadamente, quinhentos brasileiros perderam a vida. Napocasurgiuaidiadequeosnorte-americanosteriamsidoosautoresdos torpedeamentos para levar o Brasil guerra. Tudo pura conversa fiada. Tenho a impresso queeratrabalhoda5Coluna,ouseja,tarefadopessoalsimpatizantedosalemes.Hoje tudo est provado. O prprio almirante Dnitz, o grande chefealemo,confessaemsuas memrias a autoria daqueles ataques. Jquevocsqueremevoluirparaopensamentodepoisdaguerra,ogrande problemaquesurgiunomundo,ensbrasileirosnonosapercebemosmuitodele,foia chamada Guerra Fria. Esta foi desencadeada pela Rssia, atravs da III Internacional, com muita inteligncia. Ns, s vezes, subestimamos o comunismo. Ele tinha gente inteligente e muito capaz. Sentiram claramente que, pela fora, como j haviam tentado na Espanha e noBrasilem1935,noconseguiriamavanarcomaidiadeuniversalizaodasua doutrina, condio prevista por Lnin para a sobrevivncia das suas idias. A tentativa de 1935, no Brasil, foi muito desfavorvel para os comunistas. Pelo que custou, no perdo o Prestes. Embora saiba que ele tenha sido uma grande inteligncia, no sei o que houve com ele,poisprecipitouumacontecimentonoBrasilparaoqualnohaviacondiesde sucesso. Foi um desastre. No Norte e aqui no Rio. Nos Afonsos, por exemplo, o brigadeiro Eduardo,scomsuapresenaliquidoucomatentativa.Estainpciadecertoslderes comunistaslevouaUnioSovitica,depoisdaSegundaGuerraMundial,amudarum pouco a estratgia. Primeiro conquistar as mentes para depois ento tentar a mudana. Essa foi agrande estratgia que redundou na famosa Guerra Fria. Guerra esta que no afetou o Brasil diretamente porque o conflito era mais acentuado entre URSS e EUA. Mas refletiu Deoclcio Lima de Siqueira aquinoBrasiltambm.Eestafoiacausafundamentalde1964.Lamentoqueestacausa aospoucosestejasendoesquecida,mesmopelaslideranasmilitaresdehoje.O movimentode1964esgotou-seporqueseprolongoudemais.Ocomeo,comCastelo Branco, nada mais foi do que uma ao anticomunismo, o qual estava se desenvolvendo no Brasilcomumaaceleraomuitoperigosa.Tinha-sequeprparadeironaquiloporque seno acabaramos entrando na rbita comunista. Numa situao muito difcil, at mesmo soboaspectogeogrfico,CubafoisustentadapelaRssiaessetempotodo.Maso problemaeramenor.ComoaRssiairiasustentaroBrasil?Nossaposioficariamuito difcil. 1964 foi mais uma conseqncia da Guerra Fria. Ningum se iluda. No foi nada de conquistar poder, nada disso. A Guerra Fria aqui no Brasil foi buscar, sobretudo nas reas subalternasdasforasarmadas,umcampoparaasuaao.Atcertopontohavialgica nesse caminho. Comearam os pronunciamentos para todos os lados. Em Braslia houve o problema serssimo da chamada revoluo dos sargentos envolvendo pessoal da Marinha edaAeronutica.NoRio,omovimentodosmarinheirosocupandooSindicatodos Metalrgicos foi outro acontecimento sombrio. Havia indcios de que a situao poderia se agravar. O presidente Joo Goulart, que no era um comunista, foi se deixando envolver. Ou se partia para um 1964 ou se caa num pandemnio. Vivia-se um episdio perifrico da GuerraFria,hojeconhecidapeloshistoriadoresmundiaiscomoumperododoaps Segunda Guerra Mundial. Comeou na Turquia, depois na Grcia, e por todo o mundo. Era ocomunismo,dentrodasuateoria,querendotirarvantagemdaposioquetinha conquistado na guerra. G.S. - Quer dizer, o senhor ento v 1964 no contexto da Guerra Fria, basicamente, como ummovimentoanticomunista,cujoestopim,digamosassim,teriamsidoasrevoltasdos sargentos e dos marinheiros. D.S. - A revolta dos sargentos foi um episdio que assustou muito. A dos marinheiros aqui eaquehouvenoAutomvelClube,comaparticipaodopresidenteforamoutrasque alarmaram. O que assustava era a presena, o envolvimento das altas autoridades naquele quadro geral de subverso. G.S. - A quebra da hierarquia. Deoclcio Lima de Siqueira D.S.-Sim,aquebradahierarquia.Emaispeloseguinte:sabia-seperfeitamentequea maioriadossargentosnoeracomunista.Eleserammanipulados.impressionante.A tcnicasoviticaeramuitointeressante,muitobemexecutada.Comoonazismoquando andouporaqui,elesnobrincavam.Tinhamoseuncleoondeseplanejavaaao.O PartidoComunistamanipulavacertasfrentes.Tinhamcertasligaes,tudomuito reservadamente,noapareciam.Quemapareciaeramossargentos,eramoscabos,eraa associaodisso,daquilo,etc...Trabalhavamamassaparadepoisdarogolpe.Istoera evidente.Existemdocumentosquefalamdisso.Portodasessasrazes,1964foi tipicamente um episdio da Guerra Fria. Foi a contrapartida de uma ofensiva comunista na Guerra Fria ento em marcha. G.S. - Em 1964, qual era a sua patente? D.S. - Era coronel, chefe do Departamento de Ensino da Escola de Estado-Maior. M.A. - O senhor conspirou contra o governo ento. D.S. - No, no conspirei. Alertava s claras. No conspirava. Tenho aqui uma publicao em que se transcreve uma palestra minha realizada para os alunos da Escola de Comando e Estado-MaiordaAeronuticaECEMARnoinciode1964,ondedigo:"Osassuntos dessaconferncia(issofoinocomeodoscursosde1964,aindanotinhahavidoa revoluo)constituemumasntesedasidiasquenortearamaEscoladeComandodo Estado-Maiornotrato,em1963, do problema da guerra revolucionria. Elas tm servido de subsdio para a elaborao pelo estado-maior da Aeronutica da doutrina de emprego da FAB na segurana interna." Mais adiante, referindo-me Guerra Fria, dizia eu: "Esse tipo deguerrafoiestudadoeanalisadopelosfundadoresdocomunismo,quepraticamentea incorporaram como idia bsica de sua doutrina. Isto se deve a Friedrich Engels, nascido emBarmen,naAlemanha,em1820,filhodeumindustrialalemo,amigoincondicional deKarlMarx,comquemcolaboroupormaisde40anos.Dedicou-seanlisedaarte militar e tanto nela se aprofundou que os amigos o chamavam afetuosamente de general. ComaajudadeMarx,estudouaguerradentrodafilosofiacomunistaefoibuscarem Klausewitz, que considerava o melhor no assunto, o aspecto ideolgico das mesmas, e sua classificao em guerras de conquista e de libertao." Deoclcio Lima de Siqueira O problema ideolgico nas guerras mais recente. Antigamente as populaes no tomavamparte.Eramosprncipeseseusexrcitosquelutavam.ApartirdeNapoleo, comeou a surgir a figura do cidado soldado e, em conseqncia, as populaes foram se envolvendo. Klausewitz, que a tudo observava, criou o conceito de guerras de libertao e guerrasimperialistas(oudeconquista),conceitosestesmuitodoagradodocomunismo paraasuaestratgiadeuniversalizaodosistema.Mastudoissoestaquinesta publicao.Seosenhorquiser,podetirarumxerox.Achoqueesteonicoexemplar. Pelo menos, nos meus guardados o nico. G.S. - Ns lhe devolvemos isso. Brigadeiro, um parnteses. Com a introduo do conceito de cidado soldado, os efetivos em confronto devem ter aumentado muito, no ? D.S.-Naquelapocaaumentoubarbaramente,oqueacabouresultandonomassacreda PrimeiraGuerraMundiale,emparte,nodaSegundaGuerra,conseqnciadocidado soldadosurgidonaRevoluoFrancesa.Hoje,porm,estasituaoestmudandocoma predominncia da tcnica nas guerras. A Guerra do Golfo foi decidida com pouca perda de pessoal,secomparadacomosconflitosacima.Oproblemademassapareceteracabado. Hoje o importante a qualidade do homem. Isso, sob certos aspectos, devia ter repercusso naestruturamilitarbrasileira.Masasnossasforasarmadas,sobretudooExrcito, propiciamsnossasmassasmenosfavorecidasdointeriordoBrasil,atravsdoservio militar obrigatrio, um certo grau de educao e at mesmo de apoio moral. Muitos entram para o quartel e de l saem com uma profisso. Talvez isto retarde no Brasil uma soluo maisracional,umconceitomaistcnico,poisadependnciadessaspopulaesmuito grande.Eufuichefedoestado-maiordaAeronutica.Quismudarosistemadebases areas,porqueconheciamuitobemoproblema.Dispomosdebasesareasenormesno Brasil, que vieram da Segunda Guerra Mundial. Bases com capacidade para apoiar 50, 60 aviesequetmcincoouseisavies.Anpolis,porexemplo,foifeitaparaapoiarcem avies. Apia 18. Ento, h uma desproporo, uma grande capacidade ociosa. Pois bem, como chefe do estado-maior, imaginei criar as bases tipo A e bases tipo B, uma idia mais evoluda. O que base tipo A?Se uma base completa para apoiar cem avies, deve ter essenmerodeavies.BasetipoBachamadabasenua.Elanotemnada.Apenaso campo de aviao, pontos de gua, etc. Num caso de necessidade, ela pode se transformar numabasenormalrecebendoinstalaesmveis,comobarracas,depsitos,etc.Em24 horas se arma uma base dessas, num lugar onde tenha ponto de gua, energia, campo, etc. Deoclcio Lima de Siqueira Pois bem, a idia no vingou. O ministro aprovou, o ato foi publicado, mas a reao foi de tal ordem que julgou-se prudente retroceder. M.A. - Reao de quem? D.S. - Da populao militar que vive nessas bases. Fez-se um inqurito. O comandante do ComandoGeraldoArfezumapesquisa.Asrespostasaosquesitosapresentadossode entristecer. As razes apresentadas contra a idia, em geral, eram de carter pessoal: um a mulher era professora na cidade; outro tinha os filhos em colgio; outro dependia de ajuda dafamlia,eassimpordiante.Emresumo,tudoligadoaumnvelreduzidoderecursos materiais e a uma viso empobrecida por deficincia de educao. G.S. - Extramilitares. D.S.-Extramilitares.Noaceitaram.Problemasdessaordemimpediramquese encontrasseumasoluorazovelparaoproblema.Ento,hoje,essasbasessograndes aeroportos, com muita capacidade, mas sem material areo. Em termos de fora area, uma infra-estrutura de gigantismo anormal. G.S.-Brigadeiro,voltandoaoqueestvamosfalandoantes,daparte,digamos, conspiratriade1964,depreparao,comoqueosenhorv1964?Osenhorvmais comoumaconspiraobemorganizada,ouforamplosconspiratriosquenotinham muito entrosamento um com o outro?

[FINAL DA FITA 1-B] D.S. - Eu no acredito que tenha havido uma organizao para 1964. Mas houve a criao de uma conscincia da necessidade de se fazer alguma coisa para evitar que um mal maior acontecesse. G.S. - Esse mal maior seria uma comunizao do pas. D.S.-ImaginaseoBrasiltivessesecomunizadonaquelapoca.Osenhorjimaginou, hoje,comoestaramos?Emquedificuldade,nessemundoondeocomunismoacabou. Deoclcio Lima de Siqueira Estvamos como Cuba, com os problemas de Cuba, certamente. Houve a criao de uma conscincia.Recordo-mequeestavanaEscolaquandofuiconvidadoparaparticipardo movimentochamadotripartites.EramreuniesquetnhamosaquinaBarra,emSo Conrado,comaIgrejacatlica,osempresrioseosmilitares.Oquesediscutianoera fazer revoluo, mas, sim, a gravidade da situao que estava se complicando. Nessa poca fui a So Paulo, como chefe do Departamento de Ensino da ECEMAR,para visitar, com osalunos,certasindstrias.Faziapartedocurso.Estavaeunumhotel,issoem1963, quando, depois de um jantar, parado na porta de entrada, fui abordado por um senhor bem aparentado,deumacidadedointerior,quemedisse:"EutenhoumafazendaemJae soubequeosenhorestcomandandoessepessoalmilitaraquihospedado.Osenhor est bemapardasituaoaquiporSoPaulo?"Disse-lhe:"No,seiapenasquehmuita preocupao com a situao." Ele retrucou: "No senhor! Ns estamos nos armando." O homem estava bravo, e continuou: "Estou lhe dizendo isso porque sei que o senhor chefe deles,queriaalertar.Eutenhonaminhafazendadepsitodearmamentos."Fiquei impressionado.Conversamosmuitomaissobreasituao.Eraumcidadocomum revoltado.Haviaumclimadeinquietaoeformava-seumaconscinciaemtornoda necessidadedesefazeralgo.Osenhorvqueasreaesnoexistiram.Asreaes previstaspelogeneralqueerachefedaCasaMilitardoJango,quealiseraummilitar capaz e inteligente... M.A. - Assis Brasil. D.S. - Assis Brasil. Ele contava como certo que a situao estava tranqila. E no estava. Desmoronoucomoumcastelodeareia.OproblemadeBrasliaeoutrosemcertos quartis,principalmentenaAeronutica,demonstravaminsatisfao.Percebia-sequea coisaerameiomanipulada.Noerarazovel.EmBrasliamuitosnosabiamporque estavamagindo.EtambmhaviamuitapresenadoPartidoComunista.Aquelassuas bandeiras presentes nos acontecimentos alarmavam, sobretudo porque em outros pases da Europa j se tinha visto que estes eram os mtodos usados por eles para a tomada do poder. Achoqueoscomunistasacabaramperdendoporqueseprecipitaram.Comoaquele problemadeCuba.Quandomandaramaquelesmsseisparal,cometeramumerro elementar.QueriamameaarosEstadosUnidoscommeiadziademsseis?Podiamter mandadoparaqualquerlugar,menosparal.Umadecisosempnemcabea.Ali Deoclcio Lima de Siqueira comeou a deciso do confronto. Comeou o declnio da Guerra Fria. A partir de ento, a URSS foi dando para trs at conhecer o final. G.S. - Puxou uma briga que no podia ganhar. D.S. - Uma briga sem razo de ser. Eles estavam indo bem. A coisa estava indo at bem na Guerra Fria deles. Estava dando certo, no , nesses pases menos desenvolvidos. Mas ali elesderamumpassoemfalso.Oamericanoencrespoueelesrecuaramporque,na verdade,notinhambaseparaagentar.NoBrasil,oquehojediumpouco,que injusta a interpretao que se d Revoluo de 1964. G.S. - A que interpretao o senhor se refere? D.S. - Essa interpretao de agora. Por ela, o movimento de 1964 foi apenas ambio pelo podereprticadetorturas.Noverdade.1964foiummovimentoparaseantepor avanadadocomunismoerepresentaumcaptulodaGuerraFriaqueestava comprometendoasinstituies,sobretudoasmilitares.Sentia-seistoclaramentedentro dos quartis. Agora, pode-se alegar que demorou muito, que a vigncia de um poder mais forte foi muito longa. Isto outro problema a ser analisado. O que foi feito era necessrio. Seno a nossa situao hoje estaria muito difcil. M.A. - O senhor vai para o gabinete do Eduardo Gomes no governo Castelo Branco. E o Castelo Branco, ao que se sabe, no pensava um governo militar de to longa durao. O senhormesmoestdizendoqueaquiloeraumaintervenoquetinha um outro objetivo. Por que que ficou tanto tempo ento? D.S. - Castelo Branco queria passar o governo para um civil dentro de um tempo reduzido. Istofatohistrico.Tenhocertezaabsolutadistopois,nessaaltura,euerachefede gabinete do ministro Eduardo Gomes. O presidente no conseguiu seu intento porque uma corrente do Exrcito fez uma fora tremenda para que o presidente Costa e Silva fosse o sucessor dele. Faltaram ao presidente Castelo Branco condies para conter essa corrente. Foiumaderrotapolticaqueelesofreu.Emuitosria.Ali,entrouopresidenteCostae Silva, que por srio problema de sade no foi at o fim. Talvez, se pudesse ter governado Deoclcio Lima de Siqueira pormaistempocomsuaforaedisposio,pudesserealizaroqueoCastelotinha sonhado. G.S. -Brigadeiro,nasconversasquenstemostidocomoficiaisdoExrcito,elesfalam que nesse momento, as coisas mudam. Nesse momento, 1964, 1965, 1966, havia duas alas dentro do Exrcito muito fortes: a ala castelista, que queria terminar a revoluo atravs de eleies, dando o poder a um civil, e a ala costista, que alguns interpretam que no era nem ele,oCostaeSilva,mashomenspordetrsdelequeestavamquerendoumregimede maior durao. D.S. - Isso verdade. G.S. - E mais duro. Essa diviso que havia no Exrcito, havia na Aeronutica tambm? D.S.-No.ElafoimaiscaracterizadadentrodoExrcito.NaAeronuticanoerato forte. O que havia era a ala que sofreu com o golpe de 1964. Como este foi contra o Jango, forte aliado de Getlio Vargas, muita gente que vinha da ala getulista, como Nero Moura porexemplo,queinegavelmentefoiumgrandelder,haveriadesofrercertas discriminaes injustas. A maioria da Aeronutica seguia o Eduardo Gomes. E este seguia Castelo Branco. Mas os fatos no ocorreram como essa ala desejava, isto , passagem do governo para um civil, devidamente eleito. G.S. - Agora, brigadeiro, essa parte da oficialidade da Aeronutica que tinha sido, em certo sentido,lealaoJangoporquevinhadesdeoGetlio,alguns,oquequeaconteceucom ela?Elesforamcassados?Ousimplesmenteforampreteridosempromoes,foram colocados em postos irrelevantes? D.S.-Osenhorhdecompreenderquenestashoras,haexaltaodosvencedoresa provocarosofrimentodosvencidos.Houvealgumascassaes,queporsinal,jforam reparadas.NaAeronutica,voltou-seaumaconvivnciapacfica.Muitosnoeramda esquerda, esta que se chegou a eles. Tudo o problema da Guerra Fria, causa de muitas injustias. Esta guerra tem esta caracterstica de envolver o centro na direo dos extremos, fazendocomquetodossoframsuasconseqncias.Istoocorreporqueasituaono clara,muitomenostransparente.umaguerrasrdida.Nsvivemosaqueleperodoe Deoclcio Lima de Siqueira tenho amargas recordaes. uma guerra de subterfgios, de maldade, de fingimentos, de mentiras, etc... No limpa. a pior de todas. Mas a guerra que o nosso Engels, baseado emKlausewitz,defendecomoinstrumentocontraoimperialismo.Felizmenteela terminou, mas deixou mtodos para lutas futuras, para as quais ainda no se tinha atentado. A situao na Bsnia um exemplo. M.A. - O senhor se articulava com o pessoal do Exrcito durante a conspirao? Embora o senhor tenha dito que no tenha conspirado muito, mas o senhor estava... D.S.-Nsnoconspirvamos.Nessesencontrostripartitesanalisvamosagravidadeda situao. G.S.- Trocavam idias. D.S. - . Trocvamos idias. Havia um convencimento. Sob certos aspectos, aplicava-se a teoria de Engels no sentido inverso. Houve a criao de uma conscincia. Mas no houve conspirao,coordenao,avaliaodeforas,planejamento,etc,nadadisso.Na Aeronutica havia uma preocupao muito grande porque j tinha havido os problemas de Recife, de Braslia, do Rio. A Aeronutica foi muito envolvida. Nas bases, de uma maneira geral,haviamuitaebulio.TenhoaimpressoqueaAeronuticasofreumuitocomos acontecimentosporquemuitosdoselementosatingidospor1964erampessoasde prestgio.Hoje,felizmente,comasreparaes,voltaramaoconvviofelizdosnimos pacificados. G.S. - Agora, h a revoluo, se obtm o poder. Havia plano, plano de governo, um projeto para o Brasil, ou era s evitar a tomada do comunismo? D.S. - No. S o problema do comunismo. S o problema da Guerra Fria. G.S. - No havia um projeto: queremos fazer o Brasil assim ou assado. D.S.-No.Aprovaquenohaviaqueosenhorviucomofoi.OCastelofoiquase surpreendido. Adotou providncias estudadas na ltima hora. O Congresso continuou, no foi fechado. Deoclcio Lima de Siqueira G.S.-EoBrigadeirocomentavaessesplanosdecurtoprazo,dechegar,dizer:Bom, vamos resolver o problema e sair, ele comentava isso com o senhor? D.S. - . O Brigadeiro era um homem muito prtico. No era de grandes planos, mas era um homem de momento, de deciso. Naturalmente, orientado para o bem ou para o que lhe parecia ser o bem. Era de muita atuao imediata. Muito firme e muito ponderado. M.A.-Ecomoministro,eletinhaqueopinarsobreascassaes,aquelasprimeiras cassaes do presidente Castelo, o fechamento dos partidos polticos, como que...? D.S.- Tenho a impresso que ele deve ter participado das grandes decises. M.A. - O senhor no era consultado. D.S. - No, no era consultado. G.S. - Porque tinha que ter a assinatura de todos os ministros. D.S. - Creio que para reforar a fora do ato. G.S. - O chefe da Casa Militar que era o secretrio "ex-ofcio". D.S.-Sim.Agoraestoumelembrando.Vezououtraeleapareciacomosprocessos.O Eduardo assinava. Em geral, acompanhava o presidente Castelo. M.A. - De onde vem essa ligao do Brigadeiro com o presidente Castelo? D.S. - Com o Castelo Branco...? M.A. - Da guerra, ser? Deoclcio Lima de Siqueira D.S.-No.Naguerra,oBrigadeirotevemaisligaescomogeneralMascarenhasde Morais que era o comandante da Regio Militar do Nordeste4. O Castelo mandou buscar o Eduardo em Arax, onde se recuperava de uma operao. Foi o prprio presidente Castelo Branco que se lembrou dele para ocupar a pasta da Aeronutica. O antecessor, o brigadeiro Mrcio, no quis continuar por causa daquele problema de aviao com a Marinha. Ento opresidentelembrou-sedele.Achoqueantesnohaviaumaligaomaisdiretaentreos dois. M.A.-Porqueeutenhoumacuriosidadeaseurespeito.Euvejoosenhorligadoao Eduardo Gomes, ligado ao Castelo e ao Geisel... D.S. - . Ao presidente Geisel nem tanto. O presidente Geisel era chefe da Casa Militar do Castelo,napocaemqueeuerachefedegabinetedoministroEduardo.Porativemos certas ligaes. Mas depois, o presidente Geisel foi para o Superior Tribunal Militar. M.A. - Mas o senhor vai bem depois. D.S.-Bemdepoisdele.Masnaquelapoca,asligaesqueeutivecomopresidente Geisel foram essas de chefe de gabinete do ministro da Aeronutica. Depois no tive mais, no. M.A. - Porque eu tenho uma certa curiosidade de ver como que se formam certos grupos dentrodasforasarmadas.Muitasvezesporqueservemjuntos,svezesporamizade pessoal, s vezes, eu acho que pensamento mesmo. D.S. - Comunho de pensamento, comunho de idias. M.A.-Comunhodeidias.Querdizer,osenhorotpicoqueagentechamaria...O senhorfoiumapessoaqueserviucomoCasteloedepoiscomopresidenteGeisel,quer dizer, em termos de... 4 Joo Batista Mascarenhas de Morais foi comandante da 7 Regio Militar, em Recife, de 1940 a 1943. Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - Com o presidente Geisel exerci a chefia do estado-maior da Aeronutica e, depois, fui para o Tribunal, mandado por ele. Naturalmente nos conhecamos. G.S. - Eram contatos mais formais. Profissionais. No eram contatos de amizade. D.S. - Mais formais. M.A. - O senhor no se julgava uma pessoa da linha Sorbonne, por exemplo, da linha mais moderada do Exrcito. O senhor no fazia essa distino. No fundo, eu estou fazendo essa distino. D.S. - No, eu sei. Mas eu era mais nessa tendncia para a linha da Sorbonne. G.S. - Teve ligaes com o Golberi? D.S. - No com o Golberi, mas com o Otvio Costa, o Meira Matos, etc. M.A. - O senhor era muito ligado ao Meira Matos? D.S.-AoMeiraMatos.PorquequandoeueradaEscola,daECEMAR,oMeiraMatos dava aula l e eu chefiava o Departamento de Ensino. Tinha, portanto, muito contato com ele. Ele morava na Urca e, s vezes, eu passava por l para lev-lo. Ento, tivemos muito contato. M.A. -Ecomoqueaconteceuasuanomeaoparao Supremo Tribunal? O presidente Geisel o convidou? D.S. - Supremo, no. Superior Tribunal Militar. Eu vou lhe contar. Houve uma vaga l... M.A. - Porque o senhor vai num momento difcil. 1977. D.S. - Quando fui para l, completara quatro anos como tenente-brigadeiro, tempo mximo depermanncianoposto.OministroAraripeconvidou-meparaafuno,oqueaceitei commuitoprazer.Tinha61anosdeidadeeaidaparaoTribunalmepermitiacontinuar Deoclcio Lima de Siqueira trabalhandoatos70anosnumafunodignificante.Umanoantes,jhaviasido convidado para o Tribunal, mas Eduardo Gomes, quando soube, fez muito alarde dizendo que eu devia esperar um pouco. At hoje ignoro por que ele fez tanta onda. Foi ao ministro e este suspendeu a minha nomeao, a pedido dele. G.S. - Postergou. D.S. - Postergou. Coincidiu que depois completei o tempo como tenente-brigadeiro. G.S.-Agora,brigadeiro,osenhorentoteriamaiorcomunhodeinteressescomaala castelista, com o Otvio, o Meira Matos, etc. D.S. - Essa era a minha linha. G.S.-NoExrcito,haviaumaaladura,doPortela,doMiltonTavaresevriosoutros. Quem seriam os duros na Aeronutica? A gente fala muito do Burnier. D.S.-Bom,naAeronutica,foioBurnier,acompanhandoobrigadeiroMrcio,quefoi ministro, e a ala dele. Desta ala participavam o brigadeiro Sousa e Silva, que foi chefe de gabinetedobrigadeiroMrcio,obrigadeiroLebre,quecomandavaaEscolada Aeronutica,obrigadeiroCoqueiroeoutrosoficiais,todosdemuitovaloredegrande firmeza na defesa dos seus pontos de vista. G.S. - At hoje. D.S.-Athoje.[risos]MaseramaispelobrigadeiroMrcio,umhomemdeaparncia calma e controlada, porm de convices muito firmes. Havia sido integralista. G.S. - Mrcio tambm? D.S. - Tambm. G.S. - O Mouro tambm. Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - No sabia. M.A. - Agora, tinha uma competio, dentro dessa linha mais dura, da Aeronutica com o Exrcito,notinha?PorqueoExrcitotinhaumalideranamaiordentrodogoverno militar. E tinha uma competio forte da Aeronutica, no ? D.S.-Haviaumacertaemulaooucoisaparecida.Umpoucoirracional,porquea Aeronuticaera,inegavelmente,muitomenordoqueoExrcito,commuitomenos presena poltica na nao. O Exrcito tem os quartis espalhados pelo Brasilinteiro,nos estados,nointerior.Humapresenamaiordele,geogrficaepoliticamente,noBrasil. Estaumaperguntaque,svezes,mefao.Atquandoosmilitaresseronecessrios nacionalidadebrasileira,emtermospolticos,emtermosdeintegraonacional?O Exrcitotevetambmumapresenamuitograndenaintegraonacional.Depois,a Aeronutica, com aquele empreendimento do Correio Areo, do qual eu participei muito, ajudoubastante.EuaindasoudotempoquenohaviaestradasnoBrasil.Mesmono litoral.Nocomeodaguerra,nodispnhamosdeligaesterrestrespelonossolitoral. Tudo trafegava de navio ou de avio. Por isso o estrago que os submarinos fizeram foi fatal paraoBrasilnapoca.svezesmeperguntoseosnossospolticosteriamtidovisoe condies para garantir a integridade nacional sem o concurso das foras armadas. Ou ser que nesse sentido o Brasil ainda vai precisar um pouco da presena do seu Exrcito, da sua AeronuticaetambmdesuaMarinha?Umaperguntadedifcilresposta.svezesme perguntoporqueopresidenteCasteloacaboucomalideranamilitarnoBrasil.Castelo era, inegavelmente, um homem, primeiro, de uma inteligncia extraordinria, uma cultura considerveleumidealismoatodaprova,eachouqueerachegadaahoradetiraros militaresdapolticanoBrasil,fatoqueocorriadesdeoImprio.AprpriaRepblica contou com a presena poltica dos militares. Um ato simples dele. Limitou a permanncia dosoficiaisgeneraisnaativa.Issoacaboucomalideranaprolongadanomeiomilitar, estendendo-senocampocivil.OnossobrigadeiroEduardoGomes,quefoiumgrande lder, permaneceu por mais de 20 anos como oficial general... G.S. - Cordeiro de Farias, Juarez Tvora. Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - Todos eles. Os grandes lderes militares ficaram todo esse tempo. Hoje o limite de 12 anos. Eu o cumpri totalmente. Fiquei quatro anos como brigadeiro, quatro como major-brigadeiro, quatro como tenente-brigadeiro. M.A. - Mas o senhor acha isso positivo? D.S.-CompreendendoavisodopresidenteCastelo,stenhoumadvida:senoteria sido um pouco cedo. Mas s o futuro poder responder. Evidentemente, o Brasil no podia continuareternamentemilitarizado,vivendocustadelideranasmilitares.Seria prejudicial para o pas. Mas no sei se foi cedo demais. G.S.-Brigadeiro,umaoutraperguntaarespeitodaqualnstemosrecebidoopinies muitodiferentes,quandoarevoluodeveriaterterminado...Qualasuaopinioa respeito, brigadeiro? D.S.-Ah,essaumaperguntamuitointeressante.Aminhaopinioqueeladeviater terminado no comeo do governo Mdici. M.A. - No comeo? D.S. - . No meio, mais ou menos, do governo. Quando vivemos um perodo de euforia. Quando se partiu, inclusive, para a Transamaznica,aquelessonhostodos.Alieraahora de ter parado. G.S. - Por que naquela hora? D.S. -PorqueoBrasilestavabem,estavaeufrico.Ento,aproveitavaaliumapassagem paraomeiocivil.Noseficariacomesseressentimentodosmilitares,nadadisso.Tudo issoacabariabem.Houveumperodo,domeioparaofim,noqualaintervenomilitar desgastou-se muito, refletindo nas corporaes militares, o que tem sido prejudicial. M.A. -Pois.Mastambm,oqueosoutrosmilitaresnosdisseram que no dava para sair com o Mdici porque a guerra subversiva no estava sob controle. Era um momento de prosperidade, de euforia, mas era necessrio limpar de vez a questo da subverso. Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - O Mdici foi na dcada dos 1970. M.A.-Foi1974.Euqueriaqueosenhorfalasseumpouquinhosobreessaquestoda chamada guerra suja. D.S. - . A Guerra Fria. M.A. - No. Eu estou falando da guerra da subverso aqui dentro. D.S.-EssaconseqnciadaGuerraFria.Estacomeouadeclinarem1972,como episdiodosmsseisparaCuba5,impugnadospelosEUAcomoconseqenterecuoda URSS. Como no Brasil a repercusso desses fatos tem retardo, a subverso continuou por mais alguns anos, mas j no tinha a mesma fora. [FINAL DA FITA 2-A] D.S. - Os prprios historiadores mundiais so unnimes em dizer que o marco do declnio da Guerra Fria foi o episdio de Cuba, em 19726. A guerra comeou a declinar dali. Ainda levoumaisunsanos,atofinaldadcadade1970,quandoseextinguiu.AURSS,em termos de Guerra Fria, no existia mais. G.S. - Em 1974, sobe o Geisel. 1979, sobe o Figueiredo. M.A. - Tinha a guerrilha do Araguaia, durante o governo Mdici. Tinha a guerrilha urbana e tinha a guerrilha do Araguaia. D.S. - Tudo isto verdade. A senhora v como tudo est ligado Guerra Fria. Talvez esses fatosaqueasenhorasereferetenhamcontribudoparaanosadadoMdicinaquela poca,realimentando,comisto,umprolongamentodaGuerraFrianoBrasil,sem nenhuma razo de ser. 5 O entrevistado confundiu-se. O episdio da Crise dos Msseis em Cuba ocorreu em 1962. 6 Ver nota 5.Deoclcio Lima de Siqueira M.A. - O senhor nunca participou de uma operao de segurana interna? O senhor estava muito ligado Escola. D.S.-No,anicaparticipaominhafoinaqueleproblemadoLamarca.Nofoi participao,porquenoparticipamosdiretamente,masconvivicomoproblemalem Salvador. Eu comandava o Comando Costeiro quando tudo aconteceu. G.S. - Na 6 Regio Militar? D.S. -Na6RegioMilitar,cujocomandoemSalvadorefoioresponsvelpelocerco quele capito do Exrcito. G.S. - O Lamarca. D.S.-OLamarca.AparticipaodaAeronuticalimitou-seaalgunshelicpterosque vieram do sul. Assim, diretamente no participei de nada. G.S.-Brigadeiro,osenhorfalouqueteriasidomelhorterminarantesporcausados ressentimentos. Quais seriam, na sua opinio,as causas dos ressentimentos em relao s foras armadas devido ao perodo militar? Quais so as principais, na sua anlise? D.S. - Na minha anlise, primeiro, a gente sente que h um medo, em certas correntes, de queosmilitarespossamvoltar.Ento,porisso,humapreocupaoemtamponartudo que seja de origem militar. H aquela esquerda comprometida, daquele tempo, que ficou. Narepressoelasofreu,svezes,traumassrios.Ficaramcontraosmilitares.Demodo que se somou uma srie de interesses prejudicados, ideologicamente e sob o ponto de vista poltico.Noentendobemporquesecriouessaanimosidadegeralcontraasforas armadas no Brasil. Houve tambm o interesse de reparo dos excessos cometidos. Pessoas quedesapareceram,famliasquehojequeremreceberressarcimento,osadvogados procurando causas para ganhar dinheiro, etc. O Estado tem que pagar tudo. Por isto acho que estendeu muito o perodo autoritrio. Todo regime excepcional tem o seu custo. Tem que ter, pois a relegao do direito que fica postergado. Como aumentou demais o tempo, ocustoficoumuitogrande.Eestrepercutindocontraasforasarmadasque,nasua maioria, pouco se envolveu com o problema. Foi um perodo poltico do pas. Deoclcio Lima de Siqueira G.S. - Brigadeiro, o senhor acha que alegislao de exceo, particularmente o AI-5, que foi uma legislao muito dura, que no entender de muitos cortou a cidadania brasileira... O senhor acha que ela era necessria, ou os mesmo resultados poderiam ter sido conseguidos sem ela, particularmente, o AI-5? D.S.-TalvezpudessetersidoumpoucomaisbrandooAI-5.Mas,emprincpio,foi necessrio. Porque a represso tinha que ter certos meios. como um estado de guerra. O estadodeguerraumestadodeexceo.Aqueeuachoquenessaparte o Brasil no querseconvencerquevivamosumaGuerraFria.Umaguerra.Seqestravam embaixadores,matavampessoas.Morrerammuitos.Jogaramumabombanacomitivado CostaeSilva,lemRecife,sacrificandopessoasinjustamente.Vivia-seumaguerra. Dentro dela, o lado que tinha o controle da legislao, do direito, viu-se obrigado a impor limites para evitar males maiores. Agora, a dosagem desses limites muito difcil. Por isto achoquetudoestrelacionadocomadurao.Umregimedeexceonopodese prolongar... G.S. - No pode durar 21 anos. D.S. - No pode. demais. Provoca distores que vo redundar em prejuzos, como agora acontece. M.A.-Agora,detodaforma,aAeronuticatinhaobrigadeiroEduardoGomes,queera umaautoridademoralequenopermitiuqueaAeronuticaparticipassedecertos excessos. O caso Parasar, por exemplo, isso chegou a aborrecer o senhor? D.S. - No, com o Parasar, no. No, porque o Parasar foi depois do brigadeiro Eduardo como ministro. Ele j tinha sado de ministro. M.A. - Sim, mas mesmo no sendo ministro, ele tinha uma autoridade moral muito grande na Aeronutica, no ? D.S. - Muito grande. Ah, muito. Deoclcio Lima de Siqueira M.A. - E no caso Parasar, ele atuou muito. G.S. - Para parar, no ? D.S. - Para parar. Ele se insurgiu... M.A. - Aquilo era uma loucura, no ? D.S. - Uma loucura. G.S. -Eumelembrodeumadeclaraomuitofortedele.Algonosentidodequealguns excessosnoeramcompatveiscomosnveismoraleticodaAeronutica,queeleno tinha criado a Aeronutica para isso. D.S.-.Eleeraintransigente.Eraumbaluarte.PorqueobrigadeiroEduardoera, sinceramente,umdemocrata.Acreditavanademocracia,nosprincpiosdemocrticos, comoacreditavanareligioquepraticava,areligiocatlica.De modo que todo ato que passasse da tica ele era contra. Radicalmente. Por isso na histria do Parasar ele investiu com muita violncia. Rompeu com o ministro Mrcio. Fez uma onda terrvel. No admitia atortura.Umavezpergunteiaele:"Brigadeiro,por que o senhor to contra a tortura?" [risos]Disse-me:"Porqueohomem foi feito imagem de Deus e, por isto, no pode ser atingidoemsuadignidade."Vejasaconcepodele.Fundamentadaemprincpios religiosos muito fortes. Era contra a tortura porque, indiretamente, ela atingia a Deus. E ele no deixava de estar certo. G.S.-Agora,brigadeiro,oSTMteveumafunobastanterelevantenosentidode redimensionaraquiloqueinchava,digamos,osnveismaisbaixosdaJustiaMilitar. Como que o senhor viu a funo do STM, os pepinos, os abacaxis que chegavam l para o senhor? D.S.-No,euosvi,noincio,atcomcertasurpresa.Masdepois,commuita compreenso.Isso tudoquensestamos conversando. Porque o STM tem a propriedade deprovocarmudanasnaspessoas.ConhecinoSTMumbrigadeiroGabrielGrnMoss Deoclcio Lima de Siqueira muitodiferentedoexaltadolinhadura.Quandoeupensavaemirparal,encontrei-o no Tribunal. Era um dos maiores defensores do direito. Contra a tortura, contra as violncias. G.S. - O mesmo homem. D.S. - . O mesmo homem. Depois, fui para l. Senti o por qu de tudo. Na convivncia comodireito,noqueeletemdemaisprofundo,comessasbasesfilosficas,comoado brigadeiroEduardo,ohomemsetransforma.Hoje,muitagentedizqueotribunalpodia desaparecer.precisosetomarcuidado.Anossasociedadecompartimentadapelo corporativismo.Ento,svezespensocomigo:imaginaseosmilitaresnotivessemum tribunal que cuidasse da justia militar? Grande parte dos crimes militares seria escondida dajustiacomum.Estaatendnciadocorporativismo.Ento,aJustiaMilitaruma necessidade. Porque uma maneira de se fazer o direito presente num universo que, sem ter um tribunal dessa ordem, pode se degenerar. G.S. - Tem o monoplio da fora. D.S. -Omonopliodafora.Operigoesse.Eporquequeeudigoisso?Porque,no Tribunal,fui,surpreendentemente,constatarqueoTribunalMilitarnoBrasilcancelou todasaspenasdemortequeforamdecretadasnasprimeiras instncias, durante o regime de exceo de 20 anos. Muitas penas de morte. Nenhuma delas o Tribunal aceitou. Todas foram transformadas em priso perptua. Depois, em 30 anos. Todos esto soltos por a. Querdizer,oTribunalevitouquepudesseseconsumarcertasinjustiassriasnaquele perodo.Entoachoque,sobesseaspecto,oTribunalumrgodemediao,de equilbrio,ondeessavisododireitoamainaumpoucotodosessesatosquepodiamser legais, mas no seriam justos. G.S. - O senhor chegou a conviver com o Grn Moss dentro do STM? D.S. - No. Quando entrei, ele j tinha sado. Sado h pouco tempo. G.S. - Ele morreu quando? D.S. - Morreu h uns cinco anos. Deoclcio Lima de Siqueira G.S.-Essaumaobservaointeressante,decomoaspessoasmudam,numafuno diferente daquela que tinham antes. D.S. - . Tem a oportunidade de analisar os problemas sob prismas diferentes. M.A. - O senhor foi colega tambm do general Reinaldo. D.S. - Fui. Ele foi do meu tempo. M.A. - Como que foi o caso do Riocentro? Deu muito trabalho para o senhor? D.S.-DeuporquemealinheinaquelaalacontraadecisoqueoTribunaltomou.Eu,o Bierrenbach, ministro Godinho e o ministro Anderson, da Marinha. Ns achvamos que o inqurito devia ser aprofundado, no precisava arquiv-lo como o tribunal resolveu. M.A. - E o Reinaldo teve uma atuao importante para arquivar, no ? D.S.- Muito importante. M.A. - Por qu? D.S. - Creio que ele representava o pensamento do Exrcito. Este estava muito preocupado comoproblemaporque achava que o inqurito indo at o fim, certos assuntos de carter sigiloso poderiam ser divulgados. No entanto, os prprios sacrificados foram do Exrcito, inclusiveosuboficialquemorreu.Talveztenhahavidoalgumaordem,atmesmomal interpretada,quetenhalevadoaquelescompanheirosparaolocal.Ofatoquehouve muito interesse em que o processo no se prolongasse. G.S. - Porque a impresso que ns, do lado de fora, temos a respeito daquele incidente de que a imagem do Exrcito ficou muito mais pisoteada com um inqurito muito mal feito, aquele do Job, no ... D.S. - . Na realidade o inqurito foi fraco. A nossa opinio tambm era essa. Deoclcio Lima de Siqueira G.S. - Do que se tivesse cavucado, aberto, visse e pronto. D.S.-.Oimportanteeradeslindarcertospontosquelanarammuitadvidaparao futuro. E o Tribunal se curvou. Isso que foi pior. M.A. - Pois . Quando o senhor fala... G.S. - Eram quantos? D.S. - Eram 15. So uns 15 l. G.S. - Foram quatro votos dissidentes. D.S. - Quatro ou cinco. Meu, do Bierrenbach, Godinho, do Anderson... No me recordo se houve mais um. Foram quatro ou cinco. M.A.-Porquequandoosenhorfalavahpoucoqueasociedadetemumaopinio desfavorvel aos militares, eu acho que, em algumas coisas, fizeram por onde. Eu acho que ocasodoRiocentroumcasomuito...Queumcasodeimpunidade,no?Uma instituio que usou seus valores corporativos para ficar impune. D.S. - . Agora, na raiz de tudo est a extenso do tempo em que houve a interveno. Os militaresnoestopreparadosparadirigirumpaspormuitotempo.Essadireoexige formao poltica, compreenso, e uma srie de outros requisitos. G.S.-Brigadeiro,osenhortinhacontatooutevecontatocomopessoaldalinhadura dentro da Aeronutica para saber o que que estava na cabea deles? Porque, no Exrcito, agentejentendeubastantebemqualeraoprojetodalinhadura.MasnaAeronutica, quais seriam as principais preocupaes, as principais diretrizes? Em outros termos, o que que faz a linha dura? O Grn Moss, o Burnier... D.S. - O Mrcio. Hoje, tudo isto acabou. Mas naquela poca, era a exaltao do problema da Guerra Fria. Deoclcio Lima de Siqueira G.S. - Sempre o anticomunismo. D.S.-.Aqueleanticomunismoexaltado.Sabe,emtodasascorrentesdeopiniohos exaltados, os que se exacerbam. Isso inevitvel, tanto de um lado como do outro. Eram homens at equilibrados. O Moss, por exemplo, se revelou um grande ministro. G.S.-NoExrcito,parterazovel,notoda,dalinhaduraestavamuitoassociadoaos DOI7, que eram o brao operacional do CODI8, do E-29, no ? Na Aeronutica, o CISA10 era conhecido por ser mais duro ou menos duro? D.S.-.MasnotinhaomesmoespritodoDOI.Falava-senoCISAcomcerta preocupao. Mas no havia tanta exaltao. Na Aeronutica sempre houve a influncia de Eduardo Gomes. O esprito esquerdista, digamos assim, de compreenso. G.S. - O Burnier esteve associado com o CISA tambm? D.S.-Issoeunopossolhedizer.Masquandoeleeradogabinetedoministro, provavelmente esteve. G.S. - Estive imaginando se o Burnier falaria com a gente. D.S.-Achoqueseriabom.Emboraelecontinueextremado,muitasdesuasidiasso vlidas e, por isto, devem ficar registradas para a histria. G.S. - Deu uma entrevista a com o J Soares, no foi? Meio explosiva. [risos] D.S. - aquele o jeito dele. G.S.-EletemumgrupoajuntocomoCoelhoNeto,umasociedadededefesada democracia, uma coisa assim. Mas parece que ele est meio cego, no ? 7 DOI Departamento de Operaes Internas. 8 CODI Centro de Operaes de Defesa Interna.9 E-2 Servio Secreto do Exrcito. 10 CISA Centro de Informaes de Segurana da Aeronutica. Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - Parece que sim. Mas ele continua exaltado. Hoje um pouco mais controlado. M.A. - E general, quando o senhor estava no Tribunal, o senhor deve ter recebido muitas denncias,muitasintervenesemrelaoviolaodosdireitoshumanosnoBrasil.A Anistia Internacional controlando aqui. Isso acontecia mesmo? D.S. - No, no era tanto assim. Havia muita interveno atravs dos advogados dos rus. Mas atravs dessas organizaes, no. Sentia-se que havia muita confiana no tribunal. De umamaneirageral,suasdeciseserambemaceitas.Talvezporqueeletenhadadoum exemplo de ponderao quando suspendeu todas as penas de morte. Mostrou que no tinha "parti pris". E no tinha mesmo. Homens como o brigadeiro Moss iam para l e mudavam. G.S.-Euestavapensando,oSTMteveumafunomuitomoderada,legalista,digamos assim.QuerecursostinhaoSTMquandooprocessoestavaobviamenteviciado,quando tinha tortura, quando era... mal instrudo. O que que podia fazer? D.S.-Elearquivavaourestituaprimeirainstnciaparainstruirbemoprocesso,de acordo com as normas. o que me lembro. M.A. - Isso demorava muito tempo, no ? D.S. - Ah, isso demorava. G.S.-Porquensentrevistamostambmopessoaldaesquerda,eumadasconstantes nessasentrevistasquequandooprocessolegaleraconstitudo,tudomudava.Mudava para melhor. No sentido de que a o arbtrio diminua tremendamente. E quando chegava ao STM, que o STM era bastante mais condescendente e muito mais ligado lei do que as instncias inferiores. Sobretudo do que o pessoal dos IPM, vamos dizer assim. D.S. - . Porque os IPM so dirigidos por pessoas com pouco conhecimento jurdico. G.S. - O senhor tinha jeito, por exemplo, de dar puxo de orelha em gente l embaixo da fila que estivesse torturando, machucando gente? O STM tinha jeito de repreender? Deoclcio Lima de Siqueira D.S.-No.Podia-semandarabririnqurito,sehouvessealgoerrado.Mandava-seabrir inqurito ou devolvia-se o processo. O cdigo, nesse ponto, abrangente. G.S. -Halgumlugarondesepossamencontrar estatsticas, por exemplo, do nmero de processos,quantosredundavam,forammandadosarquivarpeloSTM,emquantoshouve reduo de pena, em quantos houve manuteno de pena, etc.? D.S. - Tenho a impresso que s mesmo no tribunal. G.S. - No so estatsticas publicadas anualmente. D.S. - No. Acho que no. Mas se o tribunal for acionado, no se nega a fornec-los. G.S.-Brigadeiro,nsjentrevistamosmuitagentedoSNI,doDOI,doCIE11,ento, temos uma idia bem boa de como funcionava, do nmero de pessoas trabalhando; temos entrevistadogentequetrabalhoulequeeramoderada,gentequeeradura,masCISAe Cenimar12, at hoje ns no sabemos como que funcionava. No sabemos se era coisa de 20, duzentas ou 20 mil pessoas estou exagerando. Com quem o senhor nos recomendaria quefalssemos,paraentendercomoquefuncionavamosrgosdeseguranada Aeronutica? Tem algum que o senhor possa recomendar, que seja ponderada? D.S.-VocsprecisamdealgumquetenhatrabalhadonoCISA.Depronto,nome lembro. Um que trabalhou l no meu tempo, na direo, j faleceu. G.S. - O CISA era vinculado ao A-213? D.S. - No. O CISA era vinculado diretamente ao gabinete do ministro. G.S. - Igual ao CIE. 11 Centro de Informaes do Exrcito.12 Centro de Informaes da Marinha. 13 Servio Secreto da Aeronutica.Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - . Exato. Isso eu me lembro. E sempre foi assim. No meu tempo, no me recordo de algumqueltrabalhasse;notempoquepertenciaogabinetelembro-memuitodessede quemjlhefaleiequefalecido.Masestejfoimaistarde,quandoeujestavano Tribunal. Mas isso fcil de saber. Hoje, porm, acho que o rgo nem existe mais, no ? M.A. - Formalmente, existe. D.S. - Formalmente existe? Ento, fcil de saber. G.S. - Mas as funes so muito diferentes, tudo muito reduzido. No tem nada que ver com o que era antes. D.S. - Mas eu vou procurar saber de algum daquela poca, do CISA, que o senhor possa entrevistar. No tem problema. M.A.-Osenhorfalouumacoisaqueeufiqueicuriosa.Osenhordissequehuma preocupaoseosmilitarespodemvoltarounopodemvoltar.Oquequeosenhor acha? D.S. - O que acho que o futuro muito incerto. Por isto, preocupa-me o ato do presidente Castelo Branco reduzindo a liderana militar. Teria sido na hora certa, ou no? Tomara que tenha. S o futuro vai dizer. M.A. - Mas o senhor acha que h militares no Brasil hoje que tm a perspectiva de retornar ao poder? D.S. - Hoje, no. Digo com sinceridade. Hoje os militares s retomaro o poder no caso de uma convulso nacional, uma revoluo muito sria. Mas, por iniciativa deles, acho muito difcil. Muito difcil. Por isto, penso se teria sido oportuna a medida do presidente Castelo. Vamos ver. O futuro dir. G.S. - Mas isso vai manter lideranas militares, poltico-militares, digamos assim... Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - Poltico-militar poder. Democracia isso, um estado de turbulncia. O pessoal s vezes se assusta com a democracia, mas ela isso, movimento resultante do confronto de idias.Dasurgemoslderescivis.Demodoquesotempodirsepodemosouno dispensar as lideranas militares no campo poltico, porque sem lderes no h nao que sobreviva. M.A. - Com o que os militares se preocupam hoje? Transamaznica... D.S.-No,ograndeproblemahojeaAmaznia.Aquilolummundo.Muito apetitoso. Os interesses so muito grandes. M.A. - . Uma questo de segurana muito grande. D.S. - Muito grande. G.S. - E o nosso inimigo geopoltico tradicional est... Estamos de irmos com ele, no . A Argentina. D.S.-.Estamosdemosdadascomosldebaixo.TodooConeSulestmuitobem estabelecido, no h preocupao nenhuma. M.A. - O narcotrfico ainda no entrou aqui... G.S. - Essa uma pergunta que eu queria lhe fazer. [FINAL DA FITA 2-B] G.S. - Como que as foras armadas brasileiras, na sua leitura, lem ou no a participao nomovimentodecombatesdrogas?Masnocombateurbano,nosentidodeirlno morroeprenderotraficante,masdeimpediraentrada,quemuitasvezesarea,outras vezes terrestre. D.S.-Euachoqueasforasarmadastmsepreocupadomaiscomoproblemada fronteira.Violaodamesma.QuantoaoproblemadadroganoBrasil,elasaindanose Deoclcio Lima de Siqueira preocuparam tanto. No chegamos ainda ao problema que o americano tem, pois l a droga jcomprometeumpoucoasegurananacional.Adrogapodeterinflunciaatno psquicodopovodeumamaneirageral.MasnoBrasil,nsnotemosesseproblema. Primeiro, porque o nosso povo no tem muito poder aquisitivo para estar comprando droga avontade.Oamericanoumpoucodiferente,oproblemalum pouco diferente do daqui, pois pode afetar o campo psico-social. Por enquanto, ainda no temos esse tipo de problemaparanospreocupar.Anoseraviolaodasfronteiras,queomaissriono momento. G.S.-Eumproblemanoseiseissoestsendodiscutidoounoaformaode grupos criminosos com grande poder econmico. D.S. - Ah, bom. Isso um perigo que j comea a preocupar as foras armadas, haja vista a quantidade de armamento sofisticado encontrado nos ltimos confrontos da polcia com os traficantes. M.A. - Salrios... D.S.-Deummodogeraloproblemadainflao.Poderoestourarmanifestaese anarquia em determinados pontos. Essas coisas comeam a preocupar. Mas o mundo de hoje. G.S. - Brigadeiro, ns j aprendemos bastante... M.A. - Ferdinando Muniz no era da Aeronutica? D.S. - Ferdinando Muniz...?Esse nome no me estranho. M.A. - Do CISA. D.S. - Ah, ele foi do CISA...Muniz. Sei quem . Foi do CISA e boa gente. M.A. - O senhor no tem contato com ele, no? Deoclcio Lima de Siqueira D.S. - No. H muito tempo no o vejo. M.A. - Esse duro, no ? D.S. - . Linha dura maneira de dizer. Ele era executante, um homem de combate. M.A. - Ele era executante. Exatamente. G.S.-Seosenhornosconseguiralgumquepossanosdizercomoquefuncionavao CISA... Seno ns vamos escrever um livro que no tem nenhuma linha a respeito. D.S. - Vou procurar saber. s recordar um pouco. J faz tempo. Assim no me lembro. Esse que eu conheci, e era muito bom, j se foi. G.S. - O senhor deve ter andado muito de C-47, no ? D.S.-Muito.EutrouxeoprimeirodaforaareaqueveioparaoBrasil.Trouxeda Amrica. De San Antonio, no Texas. G.S.-MinhaprimeiraviagemdeaviofoinumC-47.Athojeaquelascoisasesto andando pelo mundo afora. D.S. - Era um grande avio. Grande, pelo que podia fazer e pelo muito que fez pelo nosso pas. [FINAL DO DEPOIMENTO]* * A fita 3-A no foi gravada integralmente.