era vargas cpdoc

66
Era Vargas: Dos anos 20 a 1945 Apresentação "A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945" - é o título de um CD-Rom lançado pelo CPDOC em 1997. Seu conteúdo foi adaptado para ser o primeiro produto disponibilizado na página Navegando na História de nosso portal. São 126 textos, 300 imagens e 140 biografias apresentados em três módulos temáticos: Os Anos 20; Anos de Incerteza (1930 - 1937) e Diretrizes do Estado Novo (1937 - 1945) Getúlio Vargas governou o país em dois períodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Sua longa permanência no poder tornou-o uma das personalidades mais marcantes da vida política nacional no século XX, e permitiu que se falasse em uma "Era Vargas". Afinal, desde que assumiu o governo provisório da República com a vitória da Revolução de 30, Getúlio passou a representar um divisor de águas entre as forças políticas do país. Seus herdeiros políticos mais diretos - João Goulart, Leonel Brizola e o PTB - falaram em seu nome após sua morte. Outros, também vinculados ao seu legado, como Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves - o primeiro presidente civil eleito (ainda que indiretamente) após 20 anos de governos militares - permaneceram como símbolos da vida política brasileira. A força de sua figura também pôde ser sentida na trajetória de seus opositores, como Carlos Lacerda e a UDN, que pautaram suas carreiras pelo antigetulismo. Mas afinal, quem foi Getulio Vargas e que marcas seu governo deixou no Brasil? Os textos apresentados pretendem responder a essas perguntas. Pode-se dizer que em seu governo o Estado cresceu em tamanho e em poder e se tornou o principal responsável pelo processo de modernização do Brasil. O Estado passou a desempenhar um papel central tanto nos períodos de governo autoritário (de 1937 a 1945 e de 1964 a 1985) quanto no período de democracia liberal, com partidos e Congresso em funcionamento (de 1945 a 1964). Este pode ser entendido como um dos principais legados da Era Vargas. Discute-se até os dias de hoje se a Era Vargas já acabou... Navegando na História - A Era Vargas - oferece ao usuário fragmentos importantes desse período histórico através de textos e imagens. Esperamos que assim a história possa ser capaz de dialogar com as novas gerações. CRÉDITOS As fotos e documentos reproduzidos integram em sua quase totalidade o acervo do CPDOC. Agradecemos à Associação Nacional dos Veteranos da FEB, ao Arquivo Nacional, ao Projeto Portinari, e à Academia Brasileira de Letras pela cessão de alguns documentos de seus acervos. Anos de Incerteza (1930 – 1937) No País dos Tenentes Em síntese: O Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas teve no grupo dos "tenentes" um dos seus principais pilares de sustentação política. Vários líderes tenentistas, como Juarez Távora, João Alberto e Juraci Magalhães, ocuparam cargos de relevo na administração federal e nos estados. Os "tenentes" reivindicavam

Upload: gisela-vieira

Post on 15-Dec-2015

38 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

RESUMO DA ERA VARGAS.

TRANSCRIPT

Page 1: Era Vargas Cpdoc

Era Vargas: Dos anos 20 a 1945

Apresentação

"A Era Vargas - 1º tempo - dos anos 20 a 1945" - é o título de um CD-Rom lançado pelo CPDOC em 1997.Seu conteúdo foi adaptado para ser o primeiro produto disponibilizado na página Navegando na Históriade nosso portal. São 126 textos, 300 imagens e 140 biografias apresentados em três módulos temáticos: OsAnos 20; Anos de Incerteza (1930 - 1937) e Diretrizes do Estado Novo (1937 - 1945)

Getúlio Vargas governou o país em dois períodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Sua longa

permanência no poder tornou-o uma das personalidades mais marcantes da vida política nacional no século

XX, e permitiu que se falasse em uma "Era Vargas". Afinal, desde que assumiu o governo provisório da

República com a vitória da Revolução de 30, Getúlio passou a representar um divisor de águas entre as

forças políticas do país. Seus herdeiros políticos mais diretos - João Goulart, Leonel Brizola e o PTB -

falaram em seu nome após sua morte. Outros, também vinculados ao seu legado, como Juscelino

Kubitschek e Tancredo Neves - o primeiro presidente civil eleito (ainda que indiretamente) após 20 anos de

governos militares - permaneceram como símbolos da vida política brasileira. A força de sua figura também

pôde ser sentida na trajetória de seus opositores, como Carlos Lacerda e a UDN, que pautaram suas

carreiras pelo antigetulismo.

Mas afinal, quem foi Getulio Vargas e que marcas seu governo deixou no Brasil? Os textos apresentados

pretendem responder a essas perguntas. Pode-se dizer que em seu governo o Estado cresceu em tamanho

e em poder e se tornou o principal responsável pelo processo de modernização do Brasil. O Estado passou

a desempenhar um papel central tanto nos períodos de governo autoritário (de 1937 a 1945 e de 1964 a

1985) quanto no período de democracia liberal, com partidos e Congresso em funcionamento (de 1945 a

1964). Este pode ser entendido como um dos principais legados da Era Vargas. Discute-se até os dias de

hoje se a Era Vargas já acabou...

Navegando na História - A Era Vargas - oferece ao usuário fragmentos importantes desse período

histórico através de textos e imagens. Esperamos que assim a história possa ser capaz de dialogar com as

novas gerações.

CRÉDITOS

As fotos e documentos reproduzidos integram em sua quase totalidade o acervo do CPDOC.

Agradecemos à Associação Nacional dos Veteranos da FEB, ao Arquivo Nacional, ao Projeto Portinari, e à

Academia Brasileira de Letras pela cessão de alguns documentos de seus acervos.

Anos de Incerteza (1930 – 1937)

No País dos Tenentes

Em síntese: O Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas teve no grupo dos "tenentes" um dos seus

principais pilares de sustentação política. Vários líderes tenentistas, como Juarez Távora, João Alberto e Juraci

Magalhães, ocuparam cargos de relevo na administração federal e nos estados. Os "tenentes" reivindicavam

Page 2: Era Vargas Cpdoc

mudanças significativas na vida política e econômica brasileira que implicavam a permanência do poder nas mãos

de Vargas e o adiamento da constitucionalização do país. Esse projeto esbarrou na forte oposição de importantes

grupos regionais interessados em retomar as posições que haviam perdido. O conflito político iria se aguçar,

provocando, menos de dois anos depois da Revolução de 1930, um novo movimento revolucionário em São Paulo:

a Revolução Constitucionalista de 1932

A Revolução de 1930 colocou um ponto final na Primeira República. Era hora de promover uma renovação nos quadros

dirigentes do país. Para isso, Getúlio Vargas iria recorrer a um dos mais importantes grupos que participaram do

processo revolucionário: os "tenentes". Muitos não tinham mais essa patente, mas o título havia-se generalizado ao

longo do movimento tenentista.

Nos primeiros meses do Governo Provisório de Vargas, a situação permaneceu indefinida em muitos estados. Diversos

grupos políticos lutavam para indicar os interventores federais que seriam nomeados pelo presidente da República para

substituir os antigos presidentes estaduais eleitos, que foram depostos pela revolução. Essa situação de conflito era

mais grave nos estados do Norte e do Nordeste, o que obrigou o governo a indicar como delegado militar nessa região

o líder tenentista Juarez Távora. Juarez ficou encarregado de supervisionar a atuação dos interventores em um vasto

território que se estendia do Acre até a Bahia e influiu para que, na maioria dos casos, fossem nomeados interventores

militares. Em 1931, com exceção de Pernambuco e Bahia, todos os estados do Norte e do Nordeste tinham um

"tenente" no governo. Para impedir abusos e melhor controlar a ação dos interventores, o Governo Provisório criou, em

agosto daquele ano, o Código dos Interventores.

A força dos "tenentes" também esteve presente em São Paulo. Para eles, aquele estado, tão importante e poderoso na

Primeira República, poderia se constituir na principal força anti-revolucionária e por isso deveria ser mantido sob

vigilância. Assim, para a interventoria paulista foi nomeado o "tenente" João Alberto, e não um representante do Partido

Democrático de São Paulo, que tivera participação no movimento revolucionário e esperava ser recompensado. Para a

chefia da Força Pública do estado Vargas indicou Miguel Costa, outro importante líder do tenentismo. Essas nomeações

desagradaram profundamente o PDe importantes parcelas das elites paulistas, interessadas em manter o controle do

poder.

Em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, Vargas não considerou necessário enfrentar os grupos oligárquicos regionais

que haviam apoiado a Revolução de 1930. Minas foi o único estado que não teve interventor: foi mantido no cargo o

presidente estadual Olegário Maciel. No Rio Grande do Sul, que antes da revolução era governado pelo próprio Vargas,

foi nomeado interventor Flores da Cunha, homem de longa tradição na vida política gaúcha.

Os "tenentes" se consideravam os verdadeiros revolucionários. Não queriam que a Revolução de 1930 se

transformasse em uma mera troca de cadeiras entre os grupos oligárquicos. Trataram portanto de criar instrumentos de

ação política capazes de levar adiante o projeto de um governo centralizador, intervencionista e reformista. Por sua

iniciativa formaram-se em alguns estados legiões revolucionárias e, no Rio de Janeiro, fundou-se o Clube 3 de Outubro,

principal porta-voz do grupo. Apoiaram a criação do clube importantes lideranças civis, como os ministros Oswaldo

Aranha e José Américo de Almeida e os interventores Carlos de Lima Cavalcanti (PE) e Pedro Ernesto (DF).

O projeto tenentista divulgado por essas entidades defendia medidas como a centralização do sistema tributário, o

fortalecimento das Forças Armadas, a federalização das milícias estaduais, a criação de uma legislação trabalhista e a

modernização da infra-estrutura do país. Do ponto de vista político, os "tenentes" aprovavam a centralização do poder

nas mãos de Vargas e desconfiavam da representação partidária vista como palco para a atuação de grupos voltados

apenas para os seus interesses privados. Isso significava defender a manutenção de um governo de caráter

revolucionário e ditatorial e o adiamento do processo de constitucionalização. No entanto, naquele momento, a

introdução de um regime de base constitucional era a principal reivindicação dos grupos oligárquicos, que se sentiam

Page 3: Era Vargas Cpdoc

cada vez mais preteridos pelo governo e temiam o fortalecimento político dos "tenentes".

O conflito se acirrou no ano de 1932. Em julho os grupos políticos paulistas partiram para um confronto armado com

Vargas na Revolução Constitucionalista. Porém, sem o apoio dos outros estados, os rebelados foram derrotados pelas

forças legalistas. A "guerra paulista" teve como principal resultado a aceleração do processo de constitucionalização.

Em 1933, realizaram-se afinal as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte. Estava claro para o chefe do

Governo Provisório que não havia mais condições de continuar mantendo à margem do poder importantes grupos

políticos regionais que demonstravam explicitamente o seu descontentamento. Depois da vitória nas armas, era a hora

da composição política.

Os "tenentes" receberam mal as novidades. A constitucionalização do país significava que teriam que disputar o poder

no campo do adversário, isto é, no voto. O que fazer? Como manter um projeto revolucionário em meio ao processo de

normalização política? O resultado de tudo isso foi o esvaziamento do Clube 3 de Outubro e o agravamento da divisão

entre os "tenentes". Importantes líderes tenentistas, como Juarez Távora e o interventor na Bahia Juraci Magalhães, se

aproximaram dos grupos oligárquicos regionais com o intuito de garantir seu futuro político. Outros, como o ex-

interventor no Rio Grande do Norte Herculino Cascardo, se desiludiram com os rumos da Revolução de 1930 e

resolveram abandonar o governo. Outras lideranças militares mais antigas, como o general Manuel Rabelo,

continuaram a defender a implantação de uma ditadura no país.

As eleições de 1933, que iriam conduzir à Constituição de 1934, marcaram portanto o esgotamento de um movimento

de jovens oficiais que abalou as bases da Primeira República, teve um papel decisivo na Revolução de 1930 e

empalmou grandes parcelas do poder nos primeiros anos da Era Vargas. O tenentismo se diluiu porque se mostrou

incapaz de construir uma sólida base política, necessária à implementação de seu projeto de mudanças nas estruturas

do país.

• Código dos Interventores

Nome dado ao Decreto nº 20.348, de agosto de 1931, por meio do qual o presidente Getúlio Vargasregulamentou o

controle a ser por ele exercido sobre as interventorias federais nos estados.

A nomeação de interventores após a vitória da Revolução de 1930 não transcorreu sem problemas. Sentindo-se

preteridos, os membros das tradicionais forças políticas locais logo entravam em conflito com as novas autoridades, e

desse modo se criavam focos permanentes de crise política. Além disso, surgiam denúncias de abuso de poder por

parte dos interventores, cuja ação com freqüência extrapolava o âmbito estadual e influenciava os rumos da própria

política nacional.

O Código dos Interventores, que procurava exatamente evitar uma concentração excessiva de poderes nas mãos de

alguns governantes estaduais, entre outras coisas proibia os estados de contrair empréstimos sem a prévia autorização

do governo federal e restringia os recursos que cada estado poderia destinar às suas forças policiais, impedindo-as de

rivalizar com o Exército nacional. Tratava-se, em suma, de um instrumento de centralização do poder.

• Clube 3 de outubro

Organização política fundada em fevereiro de 1931, no Rio de Janeiro, por elementos vinculados ao movimento

tenentista, em apoio ao Governo Provisório de Getúlio Vargas.

Vitoriosa a Revolução de 1930e instalado o novo governo, logo surgiram atritos entre as forças que sustentavam

Vargas. De um lado, colocavam-se os "tenentes", que se auto-intitulavam revolucionários autênticos; de outro,

postavam-se os políticos ligados às oligarquias dissidentes que haviam dado apoio à revolução. Nesse ambiente, os

principais líderes da facção tenentista decidiram criar uma organização política que sistematizasse as propostas do

grupo e unificasse sua atuação. O Clube 3 de Outubro, assim denominado em homenagem à data do início da

Revolução de 1930, defendendia em princípio o prolongamento do Governo Provisório e o adiamento da

reconstitucionalizacão do país. Sua primeira diretoria foi formada por Góes Monteiro (presidente), Pedro

Page 4: Era Vargas Cpdoc

Ernesto (primeiro vice-presidente),Herculino Cascardo (segundo vice-presidente), Oswaldo Aranha (terceiro vice-

presidente), Augusto do Amaral Peixoto (tesoureiro), Temístocles Brandão Cavalcanti (primeiro-secretário) e Hugo

Napoleão (segundo-secretário).

Em junho de 1931, o general Góes Monteiro renunciou e Pedro Ernesto assumiu seu lugar. Iniciou-se, então, o período

de maior prestígio do Clube. Por sua influência, diversos "tenentes" foram nomeados interventores federais nos estados.

O próprio Pedro Ernesto, que não era militar, mais era considerado um "tenente civil", assumiu o governo do Distrito

Federal.

Em fevereiro de 1932, o Clube divulgou o esboço de seu programa, que orientaria a atuação de seus integrantes na

vida política brasileira. O documento, além de criticar o federalismo oligárquico vigente na República Velha, defendia um

governo central forte; a intervenção estatal na economia com o objetivo de modernizá-la; a convivência da

representação política de base territorial com a representação corporativa, eleita por associações profissionais

reconhecidas pelo governo; a instituição de conselhos técnicos de auxílio ao governo; a eliminação do latifúndio

mediante tributação ou simples confisco; a nacionalização de várias atividades econômicas, como os transportes, a

exploração dos recursos hídricos e minerais, a administração dos portos etc.; a instituição da previdência social e da

legislação trabalhista.

Ainda em fevereiro de 1932, o governo federal, contrariando as pretensões do Clube, promulgou o Código Eleitoral,

primeiro passo para a reconstitucionalização do país reivindicada pelos grupos políticos tradicionais. Membros do Clube

envolveram-se, então, no empastelamento do Diário Carioca, jornal alinhado às forças constitucionalistas. Esse fato

desencadeou séria crise política e marcou o início do declínio da influência do Clube junto ao governo federal. Em julho

seguinte, quando se realizou sua primeira Convenção Nacional, a organização já dava sinais nítidos de esvaziamento.

Entre julho e outubro, com a deflagração da Revolução Constitucionalista em São Paulo, suas atividades foram quase

inteiramente interrompidas. A partir de outubro o Clube ressurgiu, defendendo princípios claramente autoritários e dando

mostras de exacerbado nacionalismo, o que resultou inclusive no afastamento de várias de suas antigas lideranças.

Em julho de 1934, na época da eleição do presidente da República pela Assembléia Nacional Constituinte, o Clube 3 de

Outubro patrocinou a candidatura do general Góes Monteiro. Essa candidatura, porém, não obteve o apoio desejado e

foi retirada antes da eleição.

Em abril de 1935, por resolução de seus próprios membros, o Clube 3 de Outubro foi dissolvido.

Revolução Constitucionalista de 1932

Em síntese: Um dos mais importantes acontecimentos da história política brasileira ocorridos no Governo

Provisório de Getúlio Vargas foi a Revolução Constitucionalista de 1932 desencadeada em São Paulo. Foram três

meses de combate, que colocaram frente a frente nos campos de batalha forças rebeldes e forças legalistas. A

revolta paulista alertou o governo de que era chegado o momento de pôr um fim ao caráter revolucionário do

regime. Foi o que ocorreu em maio do ano seguinte, quando finalmente se realizaram as eleições para a Assembléia

Nacional Constituinte, que iria preparar a Constituição de 1934.

O estado de São Paulo havia sido a principal base política do regime da Primeira República, e por isso era visto por

vários membros do Governo Provisório como um potencial foco oposicionista. Lideranças civis e militares pressionaram

então Getúlio Vargas para que não deixasse o governo estadual nas mãos do Partido Democrático de São Paulo,

alegando que o PD havia apoiado a Aliança Liberal e a Revolução de 1930, mas não se envolvera diretamente nos

eventos revolucionários. Diante dessas pressões, Vargas terminou por indicar para os cargos de interventor e

Page 5: Era Vargas Cpdoc

comandante da Força Pública de São Paulo os líderes tenentistas João Alberto e Miguel Costa.

A exclusão do Partido Democrático teve como principal resultado o início de uma campanha de mobilização da

sociedade paulista. A palavra de ordem era a imediata reintegração do país em um regime constitucional. Essa

reivindicação era rechaçada pelos "tenentes", interessados em manter um governo discricionário para promover mais

facilmente as mudanças que consideravam necessárias. Durante o ano de 1931, o governo Vargas manteve-se muito

próximo das teses tenentistas, a ponto de se poder dizer que o Brasil era o país dos "tenentes".

A campanha constitucionalista fez sua primeira vítima em julho de 1931. Sem condições de governar, o interventor João

Alberto renunciou. Iniciou-se então um período de intensa luta política entre os diversos grupos que buscavam o poder

em São Paulo. Em um curto espaço de tempo foram indicados diversos interventores que caíam com a mesma

facilidade com que subiam. Essa instabilidade decorria também do fato de que o "caso de São Paulo" se tornava cada

vez mais um problema político que ultrapassava as fronteiras do estado. Qualquer medida do Governo Provisório no

sentido de atender ou não às reivindicações paulistas tinha repercussão política nacional. Setores políticos gaúchos e

mineiros emprestaram solidariedade à campanha constitucionalista sem, no entanto, romper naquele momento com o

governo de Vargas.

No final de 1931 e início de 1932, Vargas procurou conter as críticas organizando uma comissão, presidida pelo ministro

da Justiça Maurício Cardoso, encarregada de organizar o novo Código Eleitoral. Em fevereiro de 1932, o Código

Eleitoral foi publicado e um novo interventor foi nomeado para São Paulo, o civil e paulista Pedro de Toledo. Os sinais

de trégua emitidos por Vargas, no entanto, não arrefereceram os ânimos. Formou-se a Frente Única Paulista (FUP),

cujos principais lemas eram a constitucionalização do país e a autonomia de São Paulo.

Em maio de 1932, Vargas marcou a data das eleições para dali a um ano. A medida não teve resultados práticos no

sentido de conter a conspiração política, que naquele momento já corria solta. A morte de quatro estudantes paulistas

em confronto com forças legais criou mártires: as iniciais de seus nomes - Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo - foram

usadas para designar uma sociedade secreta, MMDC, que tramava para derrubar o governo.

No dia 9 de julho o movimento revolucionário ganhou as ruas da capital e do interior de São Paulo. Na linha de frente

das forças rebeldes estavam remanescentes da Revolução de 1930, como Bertoldo Klinger e Euclides Figueiredo, e

mesmo o antigo líder do levantes de 1924, Isidoro Dias Lopes. A revolução teve apoio de amplos setores da sociedade

paulista. Pegaram em armas intelectuais, industriais, estudantes e outros segmentos das camadas médias, políticos

ligados à República Velha ou ao Partido Democrático. O que os movia era principalmente a luta antiditatorial.

A luta armada dos constitucionalistas ficou restrita ao estado de São Paulo. Os governos do Rio Grande do Sul e Minas

Gerais, que a princípio viam com bom olhos a campanha pela constitucionalização, resolveram não enfrentar a força

militar do governo federal. Isolados, os paulistas não tiveram condições de manter por muito tempo a revolução. Em

outubro de 1932 assinaram a rendição.

No período seguinte Vargas emitiu dois sinais claros de que estava disposto a uma nova composição política com os

paulistas: nomeou interventor o paulista e civil Armando de Sales Oliveira (agosto de 1933) e adotou medidas que

permitiram o rescalonamento das dívidas dos agricultores em crise.

No governo de Armando Sales, as elites políticas paulistas procuraram se reorganizar. O novo interventor teve um papel

decisivo nesse processo, reconstruindo o aparelho administrativo paulista, destroçado após anos de instabilidade

política. Mas sua principal obra foi no campo da cultura com a criação da Universidade de São Paulo (USP), que em

pouco tempo se tornaria responsável pela formação de uma nova elite político-intelectual destinada a influir no futuro do

estado e do país.

• Código Eleitoral

Um código eleitoral é o conjunto de normas legislativas que rege o processo de eleição para cargos políticos.

As primeiras disposições eleitorais no Brasil datam da Constituição de 1824, a primeira do país. Através dos tempos,

Page 6: Era Vargas Cpdoc

diversas alterações, de maior ou menor relevância, foram sendo feitas na regulamentação das eleições brasileiras.

Porém, um código eleitoral propriamente dito, que reunisse todas as disposições legislativas referentes ao processo

eleitoral, só foi instituído no Brasil pelo Decreto nº 21.076, de fevereiro de 1932.

Elaborado por uma comissão nomeada pelo então ministro da Justiça Maurício Cardoso, o Código Eleitoral de 1932

regulava o alistamento dos eleitores e trazia como importantes inovações a instituição do voto feminino e do voto

secreto. Além disso, estabelecia a criação da Justiça Eleitoral, retirando do Poder Legislativo o controle sobre seu

próprio processo de renovação. Com o surgimento da Justiça Eleitoral, eliminava-se o mecanismo da degola, pelo qual

os candidatos oposicionistas eleitos para as casas legislativas do país muitas vezes tinham o reconhecimento de sua

eleição negado pelos membros da legislatura anterior. Outra conseqüência do estabelecimento da Justiça Eleitoral foi a

criação, em maio de 1932, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

No decorrer da história brasileira, novos códigos eleitorais foram instituídos, acompanhando as mudanças políticas

pelas quais passou o país.

• Frente Única Paulista (FUP)

Aliança política formada em fevereiro de 1932 pelos dois principais partidos políticos do estado de São Paulo, o Partido

Republicano Paulista (PRP) e o Partido Democrático(PD).

Com a Revolução de 1930, chegou ao fim o longo período de domínio do PRP sobre os governos federal e estadual,

exercido desde os últimos anos do século XIX. Contudo, as expectativas do PD de substituir seu rival no comando da

política paulista logo se frustraram, pois o presidente Getúlio Vargaspreferiu nomear interventor federal no estado, em

lugar de Francisco Morato, presidente do partido, o "tenente" João Alberto.

A animosidade entre os democráticos e as forças tenentistas logo se explicitaram, e em abril de 1931 o PD rompeu

com João Alberto. A deterioração das relações entre o PD e o novo regime atingiu um ponto insustentável em janeiro de

1932, quando o partido rompeu também com Vargas e iniciou imediata aproximação com o PRP. Foi essa a origem da

FUP.

O manifesto de lançamento da FUP foi redigido por Francisco Morato, representando o PD, e Altino Arantes,

representando o PRP. Os dois partidos exigiam a devolução da autonomia política a São Paulo, com a nomeação de um

interventor paulista e civil, e a reconstitucionalização do país, já que Vargas governava discricionariamente desde sua

posse. A união entre as duas agremiações se dava apenas em cima dessa plataforma específica, mantendo ambas sua

autonomia programática e organizacional. A aliança desde o início recebeu o apoio das grandes entidades de classe do

patronato paulista, como a Associação Comercial.

Imediatamente após a FUP ser fundada, iniciaram-se contatos nos meios militares com vistas à preparação de um

movimento armado contra o governo federal. A organização do levante ficou a cargo do general Isidoro Dias Lopes,

veterano das lutas tenentistas da década anterior e comandante supremo do levantes de 1924 contra o governo

de Artur Bernardes. O movimento armado foi efetivamente deflagrado em julho de 1932, mas foi derrotado pelas forças

do governo federal em outubro seguinte, apesar de ter contado com expressivo apoio da sociedade paulista. Os

principais líderes da FUP foram obrigados, então, a ir para o exílio.

Em 1933, quando Vargas convocou eleições para a Assembléia Nacional Constituinte, as forças organizadas na FUP

formaram a Chapa Única por São Paulo Unido, que obteve ampla vitória. Após as eleições constituintes, a FUP se

desfez.

• Criação da Universidade de São Paulo

Após a derrota da Revolução de 1932, São Paulo sentiu a necessidade de formar uma nova elite capaz de contribuir

para o aperfeiçoamento do governo e a melhoria do país. Com esse objetivo um grupo de empresários fundou a Escola

Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933, e o interventorArmando Sales criou a Universidade de São Paulo (USP),

em 1934. Como disse Sergio Milliet, "de São Paulo não sairão mais guerras civis anáquicas", e sim "uma revolução

Page 7: Era Vargas Cpdoc

intelectual e científica suscetível de mudar as concepções econômicas e sociais dos brasileiros". A busca de

conhecimentos aplicáveis à vida do país vinha reforçar a crítica à cultura bacharelesca e à formação deficiente das

escolas de direito.

A ELSP desejava formar elites administrativas para os novos tempos, marcados por uma atuação crescente do Estado,

enquanto a USP pretendia preparar professores para as escolas secundárias e especialistas nas ciências básicas. A

sociologia norte-americana constituiu o modelo da ELSP. Já o perfil da Faculdade de Filosofia da USP foi influenciado

pelo mundo acadêmido francês.

Professores estrangeiros como Roger Bastide, Emílio Willems, Donald Pierson, Pierre Monbeig e Herbert Baldus, entre

outros, difundiram nas duas instituições novos padrões de ensino e pesquisa, formando as novas gerações de cientistas

sociais no Brasil. A ELSP, a Faculdade de Filosofia da USP e o jornal O Estado de S. Paulo formavam o que o

historiador Carlos Guilherme Motta chamou de "um tripé de sólido enraizamento cultural e político".

O entrelaçamento entre cultura e política também se fez sentir na criação do Departamento de Cultura da cidade de São

Paulo em 1935, pelo prefeito Fábio Prado. Nesse órgão trabalharam Paulo Prado,Mário de Andrade, Antônio de

Alcântara Machado, Rubens Borba de Moraes e Sergio Milliet.

Outra conseqüência do projeto político-cultural que se desdobrou em São Paulo após a Revolução de 1932 por

iniciativa tanto de instituições governamentais como de empresas privadas foi o notável crescimento da indústria

editorial.

Constituição de 1934

Em síntese: De novembro de 1933 a julho de 1934 o país viveu sob a égide da Assembléia Nacional Constituinte

encarregada de elaborar a nova Constituição brasileira que iria substituir a Constituição de 1891. Foram meses de

intensa articulação e disputa política entre o governo e os grupos que compunham a Constituinte. Para o primeiro, a

futura ordenação jurídica do país deveria incorporar o conjunto de mudanças que vinham sendo promovidas nos

campos social, político e econômico. Essas posições também eram defendidas por lideranças tenentistas eleitas

para a Constituinte. Para a Igreja Católica, o momento era de afirmação e de maior intervenção na vida política do

país. Já para os grupos oligárquicos, a nova Constituição deveria assegurar aos estados um papel de relevo. O

maior desafio dos constituintes foi tentar encontrar caminhos capazes de atender a essa gama variada de projetos e

interesses.

Dominada a Revolução Constitucionalista, no final do ano de 1932 e começo de 1933 a campanha eleitoral para a

Assembléia Nacional Constituinte tomou conta do país. As forças políticas se reorganizaram para aquela que seria a

primeira eleição desde a vitória da Revolução de 1930. Novos procedimentos haviam sido introduzidos pelo Código

Eleitoralde 1932: o voto secreto, o voto feminino - pela primeira vez na história brasileira - e a Justiça Eleitoral,

encarregada de organizar e supervisionar a eleição política. O Código previa ainda a formação de uma bancada

classista composta por representantes de funcionários públicos, empregados e empregadores, eleitos por delegados

sindicais.

O Governo Provisório tratou de tomar iniciativas para poder conduzir os trabalhos da Assembléia segundo os seus

interesses. Criou uma Comissão Constitucional que elaborou um anteprojeto de Constituição, o qual foi entregue aos

constituintes para ser discutido e emendado. Coube também ao governo a elaboração do Regimento Interno da

Page 8: Era Vargas Cpdoc

Constituinte, ou seja, do conjunto de regras que iria reger o funcionamento da Assembléia. Com essas medidas, o

governo procurava intervir tanto no conteúdo dos debates como no seu encaminhamento.

A formação de uma bancada fiel ao governo ficou a cargo do ministro da Justiça, Antunes Maciel, que promoveu uma

intensa articulação política junto aos grupos oligárquicos regionais. O governo esperava também contar com o apoio de

setores expressivos da bancada classista, que teria 40 representantes num total de 254 constituintes. Os votos a favor

das propostas governistas deveriam vir principalmente dos representantes dos strabalhadores, eleitos por sindicatos

legalizados pouco antes pelo ministro do Trabalho, Salgado Filho.

Lideranças tenentistas que participavam do governo ou estavam próximas dele também buscaram reunir forças para

enfrentar os embates políticos da Constituinte. Para isso, contaram com o apoio do interventor no Distrito

Federal, Pedro Ernesto, que criou o Partido Autonomista, e do interventor em Pernambuco, Lima Cavalcanti, que criou o

Partido Social Democrático. Já em outros estados, mais distantes da influência tenentista, os grupos políticos trataram

de formar novas frentes ou partidos regionais. Em São Paulo, o Partido Democráticoe o Partido Republicano Paulista

uniram-se na Chapa Única por São Paulo Unido. No Rio Grande do Sul, Flores da Cunha organizou o Partido

Republicano Liberal; em Minas Gerais, Gustavo Capanema e Antônio Carlos de Andrada fundaram o Partido

Progressista. Finalmente, entre as forças que participaram das eleições, destacou-se a Igreja Católica, que tinha no

Centro Dom Vitalum núcleo de debates e difusão de idéias e, para a ocasião, organizou a Liga Eleitoral Católica.

As eleições se realizaram em maio de 1933 e deixaram clara a vitória dos grupos políticos regionais. Os "tenentes"

obtiveram fraca votação. Dois meses depois, as entidades de classe indicaram os representantes classistas. Entre os

254 constituintes foi eleita uma mulher: a médica paulista Carlota Pereira de Queirós, que intensificou a luta pela

participação política feminina.

A Assembléia Nacional Constituinte instalou-se em novembro de 1933. O confronto entre regionalismo e centralização

política dominou os debates que então se iniciaram. Enquanto os estados do Norte e Nordeste, mais fracos

economicamente e dependentes do governo federal, defenderam o centralismo, os estados do Centro-Sul reivindicaram

maior autonomia em relação ao poder central.

Após oito meses de discussões, finalmente, no dia 16 de julho de 1934, foi promulgada a nova Constituição. A

importância dos estados foi assegurada pela vitória do princípio federalista. Ao mesmo tempo, ampliou-se o poder da

União nos novos capítulos referentes à ordem econômica e social. As minas, jazidas minerais e quedas d'água

deveriam ser nacionalizadas, assim como os bancos de depósito e as empresas de seguro. No plano da política

socialforam aprovadas medidas que beneficiavam os trabalhadores, como a criação da Justiça do Trabalho, o salário

mínimo, a jornada de trabalho de oito horas, férias anuais remuneradas e descanso semanal. Mas o governo sofreu

uma importante derrota com a aprovação da pluralidade e da autonomia sindicais em lugar do sindicato único por

categoria profissional.

Outra novidade importante foi a introdução de um capítulo exclusivo sobre a família, que em grande parte decorreu da

pressão da bancada católica. Entre outras conquistas, a Igreja obteve a oficialização do casamento religioso.

A Constituição estabeleceu ainda que a primeira eleição presidencial após sua promulgação seria feita indiretamente,

pelo voto dos membros da Assembléia Nacional Constituinte. As futuras eleições deveriam realizar-se pelo voto direto.

No dia 17 de julho Getúlio Vargas foi eleito com 175 votos contra 71 dados aos demais candidatos, entre os quais se

incluíam Borges de Medeiros e Góes Monteiro.

A Constituição de 1934 teve vida curta. Ao mesmo tempo em que tentou estabelecer uma ordem liberal e moderna,

buscou também fortalecer o Estado e seu papel diretor na esfera econômico-social. O resultado não agradou a Vargas,

que se sentiu tolhido em seu raio de ação pela nova carta. Em seu primeiro pronunciamento, Getúlio tornou pública sua

insatisfação; em círculos privados, chegou a afirmar que estava disposto a ser o "primeiro revisor da Constituição".

• Liga Eleitoral Católica

Page 9: Era Vargas Cpdoc

Na década de 1920, a crescente urbanização, a secularização da cultura e a fundação do Partido Comunista do Brasil

enfraqueceram visivelmente a influência tradicional do catolicismo. Para fazer frente a tais mudanças, o arcebispo do

Rio de Janeiro, dom Sebastião Leme, liderou um movimento destinado a defender os ideais cristãos na vida política

nacional. Foi com esse intuito que foram criados a revista A Ordem (1921) e o Centro Dom Vital (1922), sob a direção

de Jackson de Figueiredo. Foi somente no final da década de 1920, quando Alceu Amoroso Lima assumiu a direção do

Centro Dom Vital e de A Ordem, que a Igreja conseguiu se tornar uma força político-social expressiva.

Em 1932, com o objetivo de articular-se com o mundo da política, o grupo católico, tendo novamente à frente

dom Leme, criou a Liga Eleitoral Católica (LEC), que teve como secretário geral Alceu Amoroso Lima. Dom Leme optou

por essa estratégia em nome da "segurança da comunidade católica" e freqüentemente lembrava, nas páginas da

revista A Ordem, as virtudes da concessão e do compromisso àqueles que se opunham a Vargas e pretendiam formar

um partido católico de oposição.

Congregando intelectuais e segmentos da classe média, a LEC teve uma participação expressiva nas eleições de 1933

para a Assembléia Nacional Constituinte. Sua atuação consistiu em supervisionar, selecionar e recomendar ao

eleitorado católico os candidatos aprovados pela Igreja, mantendo uma postura apartidária. Argumentava-se não haver

necessidade de um partido católico, quando as mais variadas agremiações partidárias aceitavam os postulados da

Igreja. Numerosos deputados foram eleitos com o apoio da LEC, entre eles Luís Sucupira, Anes Dias, Plínio Correia de

Oliveira e Morais Andrade.

• Participação Política Feminina

O Código Eleitoral promulgado em fevereiro de 1932 concedeu pela primeira vez o direito de voto às mulheres. Antes

disso, é conhecido um caso de participação política feminina: em 1928, no Rio Grande do Norte foi eleita a primeira

prefeita da América do Sul, Alzira Soriano.

Muitas mulheres se candidataram à Constituinte de 1934, como Berta Lutz e Leolinda de Figueiredo Daltro, mas

apenas Carlota Pereira de Queirós conseguiu se eleger por São Paulo. No Distrito Federal Almerinda Farias Gama

participou como delegada sindical da eleição de representantes classistas. No discurso que pronunciou na Assembléia

em 13 de março de 1934, a deputada Carlota Pereira de Queirós enfatizou a colaboração imprescindível da mulher no

processo de reconstitucionalização do país.

Em 1933, Berta Lutz, líder da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, publicara A nacionalidade da mulher

casada, obra em que defendia os direitos jurídicos da mulher. Foi convidada pela deputada Carlota Pereira de Queirós

para elaborarem em conjunto um trabalho para a Constituinte de 1934. Nele era defendida a eleição da mulher e a

reforma do ensino de acordo com as demandas da nova sociedade urbano-industrial. Vários artigos da Constituição de

1934 iriam de fato beneficiar a mulher, entre eles os que estabeleciam a regulamentação do trabalho feminino, a

igualdade salarial e a proibição de demissão por gravidez.

Mas a questão do papel da mulher não despertava consenso. O grupo católico, articulado em torno do Centro Dom

Vital, fazia restrições à emancipação feminina, considerando-a uma ameaça à estabilidade familiar. Esse ponto de vista

iria se manifestar freqüentemente nas expressões do cotidiano. Nas revistas humorísticas ilustradas, a mulher

emancipada passaria a ser objeto de inúmeras charges e caricaturas.

Política Social

Em Síntese: O primeiro ministro do Trabalho, nomeado quando da criação do ministério, foiLindolfo Collor. A ele

coube colocar em andamento um conjunto de medidas destinadas a mudar o padrão das relações de trabalho no

país. Partia-se do pressuposto de que apenas com a intervenção direta do poder público seria possível amortecer

Page 10: Era Vargas Cpdoc

os conflitos entre capital e trabalho presentes no mundo moderno. Essa intervenção ganhou expressão concreta em

março de 1931, quando, pelo Decreto n° 19.770, foi estabelecida a Lei de Sindicalização. A nova lei tinha como

objetivo geral fazer com que as organizações sindicais de empresários e trabalhadores se voltassem para a sua

função precípua de órgãos de colaboração do Estado. A intenção, portanto, era colocar em prática um modelo

sindical baseado no ideário do corporativismo.

Para tanto, foi necessário romper com a pluralidade sindical existente até então. Pela nova legislação, adotava-se o

princípio da unidade sindical, em que apenas um sindicato por categoria profissional era reconhecido pelo governo. Tal

como em outros órgãos governamentais, vedava-se a propaganda política e religiosa no interior das agremiações

sindicais. A sindicalização não era obrigatória, mas a lei estabelecia que apenas as agremiações reconhecidas pelo

governo poderiam ser beneficiadas pela legislação social. Caberia ao Ministério do Trabalho supervisionar a vida

política e material dos sindicatos.

A reação contra essa política de enquadramento foi imediata por parte de lideranças católicas, empresariais e de

trabalhadores. A Igreja temia que a ampliação do raio de ação do Estado pudesse, na prática, inviabilizar o movimento

sindical católico em expansão naquele início dos anos 30. Setores do empresariado também se mostraram

descontentes. De um lado, porque temerosos da força de sindicatos únicos com respaldo governamental e, de outro,

porque interessados em preservar a autonomia das suas organizações sindicais, ainda que vissem com bons olhos o

propósito apaziguador da nova legislação. Finalmente, por parte das correntes operárias, interessadas em manter o

sindicalismo livre da tutela estatal, a lei foi recebida como uma séria ameaça à sobrevivência da liberdade sindical por

elas apregoada. A palavra de ordem passou a ser o máximo de resistência possível ao sindicalismo oficial.

Apesar das críticas, o governo não desistiu de implementar o seu projeto. Com o intuito de viabilizar o novo modelo de

sindicalismo, tratou também de introduzir uma série de novas leis trabalhistas e previdenciárias. Tanto na gestão

de Lindolfo Collor (1931-1932) no Ministério do Trabalho como, principalmente, na do seu sucessor Salgado

Filho (1932-1934), foram inúmeras as iniciativas governamentais no sentido de regulamentar as relações de trabalho no

país. Entre as mais importantes, pode-se destacar a nova Lei de Férias; o novo Código de Menores; a regulamentação

do trabalho feminino, e o estabelecimento de convenções coletivas de trabalho. Esse conjunto de medidas esbarrou,

muitas vezes, na resistência de setores do empresariado, preocupados com a crescente intervenção do Estado nas

relações de trabalho.

No campo da assistência social, o governo também introduziu importantes mudanças. Ao lado das Caixas de

Aposentadoria e Pensões (que vinham desde a década de 1920), foram criados os Institutos de Aposentadoria e

Pensões, órgãos controlados pelo Estado responsáveis pela extensão de direitos sociais a categorias nacionais de

trabalhadores. Durante a década de 1930, foram criados Institutos de Aposentadoria e Pensões de várias categorias

como industriários, comerciários, bancários, funcionários públicos etc.

A estratégia governamental surtiu efeito. Centenas de sindicatos de trabalhadores tornaram-se legais nos anos de 1933

e 1934 para poder gozar dos benefícios previstos pela nova legislação e para poder eleger deputados classistas à

Assembléia Constituinte. A luta sindical, cada vez mais, passou a orientar-se no sentido de ver aplicadas as leis

burladas pelas empresas. Nesse sentido, tornou-se muito importante o papel das Juntas de Conciliação e Julgamento,

criadas pelo governo em 1932 para dirimir conflitos trabalhistas. Esses órgãos foram a base da Justiça do Trabalho, que

seria estabelecida pela Constituição de 1934.

Na Assembléia Nacional Constituinte, o governo sofreu um importante revés quando sua proposta de manutenção da

unidade sindical foi derrotada e substituída pelo princípio da pluralidade sindical. A nova orientação, vista com bom

olhos pela Igreja Católica e pelo empresariado, foi expressa em uma nova Lei de Sindicalização (Decreto n° 24.694, de

julho de 1934), que garantiu maior autonomia sindical mas manteve a exigência de reconhecimento pelo Ministério do

Page 11: Era Vargas Cpdoc

Trabalho.

Os meses que se seguiram à promulgação da Constituição foram marcados pelo avanço do movimento sindical e pela

radicalização política. O novo ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães, atuou intensamente no sentido de manter a

situação social sob controle. Ao lado da criação de sindicatos-fantasmas leais ao governo ("sindicatos de carimbo"),

promoveu intervenção em um grande número de sindicatos de trabalhadores. A partir de abril de 1935, com a

aprovação pelo Congresso da Lei de Segurança Nacional - que deu carta branca ao governo para combater os

subversivos -, essa política intervencionista recebeu um novo impulso, prolongando-se até a década de 1940, em pleno

Estado Novo.

• Ministério do Trabalho

A criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, em 26 de novembro de 1930, foi uma das primeiras iniciativas

do governo revolucionário implantado no Brasil no dia 3 daquele mesmo mês sob a chefia de Getúlio Vargas. O

"ministério da Revolução" - como foi chamado por Lindolfo Collor, o primeiro titular da pasta - surgiu para concretizar o

projeto do novo regime de interferir sistematicamente no conflito entre capital e trabalho. Até então, no Brasil, as

questões relativas ao mundo do trabalho eram tratadas pelo Ministério da Agricultura, sendo na realidade praticamente

ignoradas pelo governo.

Na montagem do ministério, Lindolfo Collor contou com a colaboração de elementos experientes no trato de questões

trabalhistas, como Joaquim Pimenta e Evaristo de Morais Filho - ligados às organizações sindicais durante a Primeira

República -, e o empresário paulista Jorge Street, que se notabilizara por introduzir melhoramentos em suas fábricas em

benefício dos trabalhadores. Durante a gestão de Lindolfo Collor, o ministério conheceu intensa atividade legislativa,

referente sobretudo à organização sindical e aos direitos trabalhistas, e esboçou as linhas-mestras de sua atuação nos

anos seguintes. No campo da organização sindical, Lindolfo Collor declarava explicitamente que concebia os sindicatos

como um instrumento para mediar o conflito entre empregados e patrões. Seu objetivo era trazer as organizações

sindicais para a órbita do novo ministério, de forma que elas passassem a ser controladas pelo Estado. Por outro lado,

estimulava-se também a organização e reconhecimento de sindicatos patronais, na perspectiva de se construir uma

organização social sobre bases corporativas. No que se refere à questão dos direitos trabalhistas, o regime procurava

atender algumas reivindicações históricas do proletariado, ao mesmo tempo em que construía todo um discurso

ideológico sustentado na idéia da outorga dos direitos dos trabalhadores pelo Estado. Esse projeto foi intensamente

criticado pelos grupos de esquerda, que denunciavam seu caráter corporativista e diluidor dos conflitos entre capital e

trabalho. Por conta disso, nos primeiros tempos somente os sindicatos das categorias com menor tradição organizativa

aceitaram se enquadrar nas condições exigidas pelo Ministério do Trabalho para que fossem oficialmente reconhecidos.

De forma mais concreta, a gestão de Lindolfo Collor foi marcada pela extensão das Caixas de Aposentadoria e Pensões

- antes restritas a marítimos, portuários e ferroviários - a diversas categorias profissionais; pela criação de Comissões

de Conciliação entre empregadores e empregados, embrião da futura Justiça do Trabalho; e por medidas no sentido da

regulamentação da jornada de trabalho na indústria e no comércio, bem como do trabalho das mulheres e dos menores

de idade.

Em virtude de conflitos políticos surgidos no interior do governo em torno da reconstitucionalização do país, Lindolfo

Collor deixou o ministério em março de 1932. Para substituí-lo, Vargas nomeou Joaquim Pedro Salgado Filho, que

cuidou de regulamentar muitas das iniciativas do período anterior, como o trabalho feminino e as Comissões Mistas de

Conciliação. Além disso, Salgado Filho instituiu, em março de 1933, a carteira profissional. Merecem destaque também

suas iniciativas no sentido de criar os Institutos de Aposentadoria e Pensões, que revolucionaram o tratamento da

questão previdenciária no país, beneficiando diversas categorias profissionais.

Em julho de 1934, Agamenon Magalhães assumiu a pasta do Trabalho, substituindo Salgado Filho. A gestão

de Agamenon foi marcada pela intensificação do controle ministerial sobre as organizações sindicais, principalmente

após o fracassado levante armado articulado por setores da Aliança Nacional Libertadora (ANL) em novembro de

1935. Agamenon promoveu inúmeras intervenções em sindicatos, que tiveram seus diretores afastados e substituídos

Page 12: Era Vargas Cpdoc

por elementos considerados confiáveis.

Ao mesmo tempo, Agamenon Magalhães procurou fazer cumprir a legislação trabalhista que vinha sendo adotada pelo

governo. Foi instituído ainda o seguro em caso de acidente de trabalho, e foram previstas indenizações em caso de

demissão sem justa causa no comércio e na indústria. O processo de criação e organização dos Institutos de

Aposentadoria e Pensõesteve continuidade. Estreitamente vinculado a Vargas, Agamenon deu apoio incondicional ao

golpe liderado pelo presidente que originou a ditadura do Estado Novo em novembro de 1937. Logo após o

golpe, Agamenon assumiu a interventoria federal no estado de Pernambuco, sendo substituído no Ministério do

Trabalho porValdemar Falcão.

Na gestão de Valdemar Falcão, que correspondeu aos primeiros anos do Estado Novo, foi regulamentado o salário

mínimo (1938) e foi criado, em agosto de 1940, o Serviço de Alimentação da Previdência Social (SAPS). Em 1° de maio

de 1941 foi finalmente inaugurada a Justiça do Trabalho. Entre junho e dezembro de 1941, o ministério foi dirigido

interinamente por Dulfe Pinheiro Machado. Em seguida a pasta foi entregue a Alexandre Marcondes Filho. Iniciou-se,

então, a cobrança do imposto sindical, instrumento importante para a manutenção da tutela estatal sobre as

organizações sindicais. A obra maior de Marcondes Filho, porém, foi a sistematização e o aprimoramento de toda a

legislação social até então produzida, na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Nessa tarefa, Marcondes Filho foi

auxiliado por técnicos do ministério, como Arnaldo Sussekind e João Segadas Viana.

No início de 1945, após deixar o Ministério da Justiça, Marcondes Filho passou a dedicar-se à estruturação do Partido

Trabalhista Brasileiro, agremiação que visava canalizar o prestígio de Vargas e dos próprios dirigentes do ministério

para a disputa eleitoral. Em outubro daquele ano, em virtude da deposição de Vargas, Marcondes Filho deixou a pasta

do Trabalho, sendo substituído por Roberto Carneiro de Mendonça. No governo Dutra, iniciado em 1946, o ministério

seria entregue a Otacílio Negrão de Lima, representante do PTB.

• Institutos de Aposentadoria e Pensões

As Caixas de Aposentadoria e Pensões instituídas pela chamada Lei Elói Chaves, de janeiro de 1923, beneficiavam

poucas categorias profissionais. Após a Revolução de 1930, o novo Ministério do Trabalho incorporou-as e passou a

tomar providências para que essa garantia trabalhista fosse estendida a um número significativo de trabalhadores.

Dessa forma, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM) em junho de 1933, ao qual se

seguiram o dos Comerciários (IAPC) em maio de 1934, o dos Bancários (IAPB) em julho de 1934, o dos Industriários

(IAPI) em dezembro de 1936, e os de outras categorias profissionais nos anos seguintes. Em fevereiro de 1938, foi

criado o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). A presidência desses institutos era

exercida por pessoas livremente nomeadas pelo presidente da República.

Após 1945, os Institutos de Aposentadoria e Pensões expandiram suas áreas de atuação, que passaram a incluir

serviços na área de alimentação, habitação e saúde. Essa ampliação de funções, porém, não foi acompanhada da

necessária reformulação da sua gestão financeira, o que acarretou sérios problemas posteriormente. A falta de um

planejamento central foi também responsável por graves disparidades na qualidade do atendimento oferecido às

diversas categorias profissionais.

Em novembro de 1966, todos institutos que atendiam aos trabalhadores do setor privado foram unificados no Instituto

Nacional de Previdência Social (INPS).

• Justiça do Trabalho

A Justiça do Trabalho é encarregada de julgar e conciliar os dissídios surgidos, individual ou coletivamente, entre

empregados e empregadores, bem como quaisquer controvérsias surgidas no âmbito das relações de trabalho.

Embora os primeiros órgãos contemporâneos da Justiça do Trabalho tenham surgido na Europa no início do século XIX,

no Brasil eles só apareceram em princípios da década de 1920. A primeira iniciativa nesse sentido entre nós coube ao

então presidente do estado de São Paulo, Washington Luís, que criou os chamados Tribunais Rurais em 1922. Em abril

Page 13: Era Vargas Cpdoc

do ano seguinte, surgiu a primeira iniciativa de âmbito federal, quando o presidente Artur Bernardes instituiu o Conselho

Nacional do Trabalho.

Entretanto, foi somente após a Revolução de 1930 que medidas mais efetivas foram tomadas no sentido da

implantação de uma Justiça do Trabalho com um papel mais abrangente. Em maio de 1932, foram criadas as

Comissões Mistas de Conciliação, de funções ainda meramente conciliatórias, seguidas pelas Juntas de Conciliação e

Julgamento, instituídas em novembro do mesmo ano.

A Constituição de 1934 daria um passo decisivo ao estabelecer finalmente, em seu artigo 122, a criação da Justiça do

Trabalho. Era preciso porém regulamentá-la, e isso só veio a ocorrer em 1941, durante a gestão de Valdemar Falcão à

frente do Ministério do Trabalho.

A Justiça do Trabalho foi criada em 1934 fora do âmbito do Poder Judiciário, só vindo a ser a ele integrada pela

Constituição de 1946. Confirmada pelas Constituições posteriores da história brasileira, a Justiça do Trabalho é

composta pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), sua instância máxima, por Tribunais Regionais do Trabalho e por

Juntas de Conciliação e Julgamento. Sua jurisdição abrange todo o território nacional, e todos os seus órgãos possuem

composição paritária, com representantes dos empregados e dos empregadores.

Relações Internacionais

Em síntese:

A política exterior do governo Vargas na década de 1930 tem sido qualificada de diversas maneiras pelos estudiosos

do tema: jogo duplo, eqüidistância pragmática etc. Esses rótulos referem-se às relações que o Brasil mantinha

simultaneamente com os dois novos eixos de poder em ascensão no mundo, Estados Unidos e Alemanha.

Superado o constrangimento inicial causado pelo apoio norte-americano ao governo deposto em

1930, Vargas procurou dar continuidade à política externa praticada desde o início do século XX, que fazia dos

Estados Unidos o principal parceiro internacional do Brasil. No entanto, questões de natureza econômica levaram-

no a manter ao mesmo tempo um relacionamento com Berlim. Esse equilíbrio delicado só iria ser rompido com a

Segunda Guerra Mundial, quando o governo brasileiro foi forçado a tomar uma posição.

Passados os efeitos imediatos da crise de 1929, quando as economias avançadas da Europa e dos Estados Unidos

optaram por rígidas políticas protecionistas, os governos alemão e norte-americano entenderam que a saída para suas

respectivas crises econômicas era a reativação do comércio internacional. A Alemanha optou pelo comércio de

compensação, que consistia na troca de mercadorias sem a intermediação de moeda forte, enquanto os Estados

Unidos mais uma vez apostaram no livre-comércio. Para ambos os países, sem possessões coloniais, a América Latina

em geral, e o Brasil em particular, representavam um importante mercado fornecedor de matérias-primas e consumidor

de produtos manufaturados.

Também no terreno ideológico uma clara cisão separava os dois eixos de poder em ascensão. Os Estados Unidos

empunhavam a bandeira da liberal-democracia e invocavam os ideais pan-americanistas para se aproximar dos

vizinhos hemisféricos, desenvolvendo a chamada política de boa vizinhança. Já a Alemanha, que a partir da vitória do

Partido Nacional Socialista em 1933 adotara o nazismo como ideologia oficial, defendia o autoritarismo antiparlamentar

e nacionalista. Assim como o fascismo italiano, o nazismo expressava a falência do liberalismo na Europa. Foi nesse

Page 14: Era Vargas Cpdoc

contexto que, na área diplomática, Vargas adotou o que o historiador Gerson Moura chamou de política de

"eqüidistância pragmática".

Desde o início Vargas enfrentou problemas na definição de sua política econômica. Ao se iniciar seu Governo

Provisório, em novembro de 1930, o Brasil ainda sofria os efeitos da crise de 1929 e enfrentava dificuldades com seus

produtos de exportação, em especial o café, cujos preços internacionais tiveram acentuada queda. Além disso, o país

se ressentia dos danos decorrentes da interrupção da entrada de capitais estrangeiros e do aumento dos preços dos

produtos importados. Como resultado, registrou-se um profundo déficit no balanço de pagamentos, que terminou por

acarretar uma grave crise cambial e a suspensão do pagamento do serviço da dívida externa em 1931. A situação só

tenderia a melhorar um pouco no governo constitucional de Vargas (1934-1937), quando ocorreu uma relativa

liberalização e um rápido crescimento.

Não é de surpreender que no plano das relações econômicas internacionais Vargas tivesse procurado tirar o melhor

partido, tanto do sistema de comércio compensado da Alemanha como do livre-cambismo norte-americano. Essa

postura do governo brasileiro é ilustrada pela assinatura de acordos comerciais com ambos os países. Com a

Alemanha, o Brasil assinou Acordos de Compensação em 1934 e 1936, pelos quais ficava garantida a exportação de

algodão, café, laranja, couro, tabaco e carne enlatada em grandes quantidades, em troca de produtos manufaturados

alemães. Com os Estados Unidos, foi assinado o Tratado Comercial de 1935, pelo qual o Brasil oferecia concessões

tarifárias a determinados produtos norte-americanos, e os Estados Unidos liberavam de tributos os principais produtos

de exportação brasileiros. A tolerância de Washington e Berlim frente ao comportamento eqüidistante de Vargas se

explicava pelo interesse de ambas as potências em constituir seus respectivos sistemas de poder, estratégia que

colocava os interesses de natureza econômica temporariamente em segundo plano. Essa complacência, de outro lado,

alargava o campo de manobra do governo brasileiro.

Também no terreno ideológico o governo Vargas adotou posição eqüidistante, em parte atendendo às diferentes

simpatias que seus auxiliares diretos nutriam por cada eixo de poder. De um lado, o governo tinha homens

como Oswaldo Aranha, grande admirador dos Estados Unidos; de outro, homens comoEurico Dutra e Góes Monteiro,

simpatizantes do regime alemão. O governo brasileiro acabou por se inclinar em direção ao sistema de poder norte-

americano. Isso ocorreu graças a um conjunto de fatores, que incluiu os artifícios do discurso pan-americanista, a

composição de interesses domésticos e o próprio esgotamento dos recursos de barganha do governo brasileiro na

negociação de seu alinhamento aos Estados Unidos. Mas a situação só se definiria claramente com a entrada dos

Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, em fins de 1941.

• Política de Boa vizinhança

Implementada durante os governos de Franklin Delano Roosevelt nos Estados Unidos (1933 a 1945), a chamada

política de boa vizinhança tornou-se a estratégia de relacionamento com a América Latina no período. Sua principal

característica foi o abandono da prática intervencionista que prevalecera nas relações dos Estados Unidos com a

América Latina desde o final do século XIX. A partir de então, adotou-se a negociação diplomática e a colaboração

econômica e militar com o objetivo de impedir a influência européia na região, manter a estabilidade política no

continente e assegurar a liderança norte-americana no hemisfério ocidental.

Essa alteração respondia a interesses tanto político-estratégicos quanto econômicos de Washington.

No terreno político-estratégico, permitia aos Estados Unidos fazerem frente à competição internacional do nascente

sistema de poder alemão, assegurando um relacionamento cooperativo com as nações latino-americanas com vistas à

formulação de planos globais de defesa hemisférica.

Já no plano econômico, a política de boa vizinhança convinha aos esforços dos Estados Unidos para se recuperar dos

efeitos da crise de 1929 sobre sua economia. A retórica da solidariedade e os métodos cooperativos no relacionamento

com os países latino-americanos facilitavam a formação de mercados externos para os produtos e investimentos norte-

americanos, além de garantir o suprimento de matérias-primas para suas indústrias. A implantação dessa nova

estratégia de relacionamento com a América Latina representou a vitória da corrente política do governo norte-

Page 15: Era Vargas Cpdoc

americano que advogava o livre-cambismo como solução para a recuperação econômica dos Estados Unidos no plano

internacional.

O desaparecimento das condições que geraram a política de boa vizinhança nos anos 30 - depressão econômica,

liderança pessoal de Roosevelt, competição latente entre Estados Unidos e Alemanha etc. - e o surgimento de um nova

ordem internacional, com os Estados Unidos na posição de líder absoluto do hemisfério ocidental, levaram o governo

norte-americano a adotar uma política que priorizava a reconstrução econômica européia e a contenção da União

Soviética.

• Política Econômica

A crise de 1929 afetou profundamente a economia brasileira. A queda do preço café, reduzido a 1/3 de seu valor entre

1929 e 1931, provocou uma redução dramática da capacidade de importar e das receitas fiscais, além de ameaçar de

falência o mais importante setor econômico do país, a já endividada cafeicultura. De outro lado, a interrupção dos fluxos

financeiros internacionais inviabilizava o financiamento da dívida externa dos governos federal e dos estados e até

mesmo o pagamento dos juros, o que tinha repercussões negativas sobre a taxa de câmbio.

Diante desse quadro, a resposta inicial do Governo Provisório de Vargas, a par de medidas extremas e inevitáveis,

como a suspensão dos pagamentos externos (setembro de 1931) e o estabelecimento do monopólio do câmbio pelo

Banco do Brasil, seguiu linhas tradicionais. Procurou-se cortar despesas, negociar pontualmente as dívidas da

cafeicultura e buscar um acordo com os credores externos.

Após a demissão de José Maria Whitaker, Oswaldo Aranha assumiu o Ministério da Fazenda e Artur de Sousa Costa o

Banco do Brasil. Em março de 1932, foi assinado o terceiro acordo para a consolidação da dívida externa brasileira,

estabelecendo um rescalonamento dos pagamentos, masAranha continuou a negociar novos adiamentos. Em junho de

1932 foi criada a Caixa de Mobilização Bancária (Camob), que deveria funcionar como mecanismo de proteção contra

crises do sistema financeiro. No mesmo mês, a Carteira de Redesconto do Banco do Brasil foi autorizada a trabalhar

com títulos de longo prazo no financiamento da agricultura e da indústria.

Contudo, a gravidade dos problemas enfrentados e acontecimentos políticos imprevistos tornaram esse curso

insustentável. A Revolução Constitucionalista de 1932 e uma grande seca no Nordeste passaram a exigir pesados

gastos governamentais, ampliando um já expressivo déficit. Por fim o governo promulgou a Lei do Reajustamento

Econômico (Decreto n° 23.533, de 1° de dezembro de 1933), que previa o perdão de até 50% das dívidas dos

cafeicultores junto a fornecedores e ao sistema financeiro. Além dessas medidas, com a criação do Instituto Brasileiro

do Café, o governo federal voltou a ter uma política ativa de sustentação do preço do produto.

Os déficits governamentais, a política para com a dívida da cafeicultura e a diminuição da capacidade de importar

terminaram por evitar uma crise de liquidez de maior gravidade, mantiveram de alguma forma a renda dos cafeicultores

e trouxeram alguma proteção às atividades industriais, criando condições para uma razoável recuperação econômica.

Com Sousa Costa já ocupando o Ministério da Fazenda, os sinais de melhoria puderam ser sentidos na liberação do

câmbio, em setembro de 1934, e nas amplas negociações com o governo americano para a obtenção de uma solução

mais duradoura para a dívida externa e a assinatura de um novo tratado comercial (1935).

O agravamento da conjuntura internacional, provocado pela diminuição do ritmo de crescimento da economia

americana, forçaria porém uma nova reversão do quadro. Ao final de 1937, a situação da balança comercial brasileira

levou ao restabelecimento do monopólio cambial e à criação de controles sobre as importações. Diante da dificuldade

brasileira de honrar o pagamento de credores e fornecedores, o governo norte-americano passou a pressionar o

governo brasileiro para que revisse não somente sua política cambial, mas também os tratados comerciais firmados

com a Alemanha.

Os Intelectuais e o Estado

Page 16: Era Vargas Cpdoc

Em síntese:

Após a Revolução de 1930, o Estado lançou as bases de uma política cultural que teve como marco inicial a criação

do Ministério da Educação e se desdobrou na formação de diversos outros órgãos. Intelectuais das mais diversas

formações e correntes de pensamento, como modernistas, positivistas, integralistas, católicos e socialistas

participaram desse entrelaçamento entre cultura e política que caracterizou os anos 30, ocupando cargos-chaves na

burocracia do Estado. Apresentando-se como uma elite capaz de "salvar" o país, os intelectuais reinterpretaram o

passado, buscaram captar a realidade brasileira e construíram vários retratos do Brasil.

Já nos anos 20 o campo da arte e cultura era dominado por uma discussão sobre a identidade e os rumos da nação. A

ideologia revolucionária formulada nos primeiros anos da Era Vargas veio revelar fortes pontos de contato com as

propostas antiliberais desde então defendidas por intelectuais comoOliveira Viana, Azevedo Amaral e Francisco

Campos, que se tornou o primeiro ministro da Educação.

Para esses autores, os principais responsáveis pela crise brasileira eram as oligarquias rurais que se haviam apoderado

do Estado graças às deficiências do modelo de governo liberal-federalista introduzido pela Constituição de 1891,

incapaz de resolver os problemas nacionais. A experiência liberal, não só brasileira, mas mundial, esgotara-se, e com

ela instrumentos clássicos como os partidos políticos e o Congresso. Caberia ao governo central tomar as rédeas do

poder e ditar as diretrizes do desenvolvimento brasileiro. Essas idéias eram compartilhadas pelas lideranças tenentistas,

que no início do Governo Provisório ocupavam cargos estratégicos nos estados e na administração central.

Mas Vargas não se cercou apenas de "tenentes". Sua política cultural envolveu a nomeação de intelectuais para postos

de destaque e a criação de diversos órgãos capazes de atraí-los para junto do governo. Assim, em 1930, o

arquiteto Lúcio Costa foi indicado para a direção da Escola Nacional de Belas Artes. Manuel Bandeira foi convidado, em

1931, para presidir do Salão Nacional de Belas Artes. Em 1932, o escritor José Américo de Almeida assumiu a pasta da

Viação e Obras Públicas. Gustavo Capanema foi nomeado em 1934 ministro da Educação e Saúde Pública, e convidou

o poeta Carlos Drummond de Andrade para chefiar seu gabinete. Mário de Andrade iria assumir, em 1935, a direção do

Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo. Foi ele quem indicou, juntamente com Manuel Bandeira, o

nome de Rodrigo Melo Franco de Andrade para organizar e dirigir o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional,

principal instituição de proteção dos bens culturais do país que seria criada logo após o golpe do Estado Novo.

O governo Vargas também tinha um grande projeto universitário. As primeiras iniciativas nessa área, contudo, não

couberam ao governo federal: foram a Universidade de São Paulo, criada em 1934 porArmando Sales, e a Universidade

do Distrito Federal, criada em 1935 por Pedro Ernesto. Data somente de julho de 1937 a lei de criação da Universidade

do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A participação dos intelectuais na vida nacional respaldava-se na crença de que eles eram uma elite capaz de "salvar" o

país, pois estavam sintonizados com as novas tendências do mundo e atentos às diversas manifestações da cultura

popular. Os artistas e intelectuais tratavam em suas obras das questões sociais que estavam na ordem do dia e

participavam do debate político-ideológico entre a direita e a esquerda que mobilizava o mundo. Nos livros publicados

por uma indústria editorial em expansão, aprofundava-se a temática da cultura negra, indígena e caipira. Através da

literatura proletária e do romance regionalista fazia-se a crítica dos valores da sociedade patriarcal e oligárquica

identificados com o tempo passado. Interessava agora retratar a vida do homem comum das cidades e dos sertões.

Em 1933, Gilberto Freyre publicou Casa Grande e Senzala, obra que modificava o enfoque da questão das raças

formadoras do país e fazia a defesa da colonização portuguesa, expressa na idéia da democracia racial. Caio Prado Jr.

Page 17: Era Vargas Cpdoc

escreveu Evolução política do Brasil, livro de orientação marxista que enfatizava a participação das camadas populares

na história nacional. Em 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou Raízes do Brasil. Nessa obra o autor se

contrapunha a Gilberto Freire ao ressaltar a necessidade de o país superar as raízes culturais portuguesas como

condição para entrar na modernidade.

Na década de 1930 houve um debate intelectual e político sobre que matriz regional expressaria melhor a

nacionalidade. Além da sociedade nordestina retratada por Gilberto Freyre, tinha-se nos textos de Cassiano Ricardo a

defesa da sociedade bandeirante como modelo para a democracia brasileira. Alceu Amoroso Lima, por sua vez,

apontava na sociedade mineira traços do espírito de família e de religiosidade que seriam os verdadeiros valores da

civilização brasileira.

Após a Revolução de 1930 observou-se uma tendência de diversificação cultural e, ao mesmo tempo, de integração

política nacional, que permitiu realizar aspirações já formuladas nos anos 20. A cultura se beneficiou das mudanças na

educação, na literatura e nos estudos brasileiros, assim como da melhoria da qualidade do livro e do crescimento do

mercado editorial.

• Ministério da Educação

O Ministério da Educação foi criado no Brasil em 14 de novembro de 1930 como o nome de Ministério da Educação e

Saúde Pública. Sua criação foi um dos primeiros atos do Governo Provisório de Getúlio Vargas, que havia tomado

posse em 3 de novembro.

O primeiro ministro da Educação, Francisco Campos, veio de Minas Gerais. Sua nomeação foi uma compensação do

governo federal a Minas pela participação na Revolução de 1930, mas resultou também da pressão de setores

conservadores da Igreja Católica, liderados por Alceu Amoroso Lima.Francisco Campos já acumulava uma experiência

de reformador da educação em Minas Gerais na década de 1920. A reforma que fez no ensino primário e normal do

estado foi pioneira no país. Seguia os postulados da "Escola Nova", que haviam chegado ao Brasil pelas mãos de

educadores comoAnísio Teixeira e Fernando de Azevedo após a Primeira Guerra Mundial.

As principais medidas tomadas por Francisco Campos na pasta da Educação e Saúde Pública datam de abril de 1931.

Nessa ocasião foi assinado um decreto que afirmava ser preferível o sistema universitário ao das escolas superiores

isoladas e que estabelecia, como exigência para a fundação de uma universidade, a existência de três unidades de

ensino superior - as Faculdades de Direito, Medicina e Engenharia ou, no lugar de uma delas, a Faculdade de

Educação, Ciências e Letras. Outra medida importante foi a reforma do ensino secundário.

Com a demissão de Francisco Campos em 16 de setembro de 1932, outro mineiro assumiu o ministério: Washington

Pires. Em 25 de julho de 1934, este seria substituído por Gustavo Capanema, igualmente representante de Minas

Gerais.

Gustavo Capanema chefiou o Ministério da Educação por um longo período, de 1934 a 1945. Foi marcante a presença

de intelectuais famosos junto ao ministro, como consultores, formuladores de projetos, defensores de propostas

educativas ou autores de programas de governo. Durante toda a sua gestão Capanema contou com a fidelidade do

poeta Carlos Drummond de Andrade como seu chefe de gabinete, e recebeu também a colaboração de Mário de

Andrade, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo, Heitor Villa-

Lobos e Manuel Bandeira, entre outros representantes da cultura, da literatura e da música nacionais.

O ministério Capanema ficou conhecido pelas grandes reformas que promoveu. Projetos iniciados na gestão

de Francisco Campos foram amadurecidos e implementados. Entre eles destacam-se a reforma do ensino secundário e

o grande projeto de reforma universitária, que resultou na criação da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal

do Rio de Janeiro. Foi também nessa época que se definiu uma política de preservação do patrimônio cultural do país,

que culminou na criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), concebido por Mário de

Andrade e dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade. Merecem destaque, ainda, a criação do Instituto Nacional do

Livro e a construção do edifício-sede do Ministério da Educação no Rio de Janeiro, marco da moderna arquitetura

Page 18: Era Vargas Cpdoc

brasileira, com painéis de autoria de Cândido Portinari.

Mas a gestão de Capanema seria também marcada pelos efeitos da política autoritária e centralista do Estado Novo.

Foi assim que em 1939 foi fechada a Universidade do Distrito Federal. Também sob sua direção se desenvolveu uma

dura ação repressiva contra as escolas mantidas pelas colônias alemãs no sul do país. Foram fechadas mais de duas

mil escolas, sobretudo depois de 1942, quando o Brasil rompeu relações com a Alemanha. Esse ato do governo ficou

conhecido como a nacionalização do ensino.

Do ponto de vista da saúde pública, a segunda atribuição do ministério, houve uma preocupação de atender às

populações do interior. Em 1937 foi criado o Serviço Nacional de Febre Amarela, o primeiro serviço de saúde pública de

dimensão nacional, e em 1939, o Serviço de Malária do Nordeste. Vários hospitais, colônias e asilos foram construídos

para o tratamento de outras endemias, como a tuberculose e a lepra. Em 1941, o Departamento Nacional de Saúde

assumiu o controle da formação de técnicos em saúde pública.

• Literatura Proletária

A literatura dos anos 30 era bastante distinta da literatura modernista, que procurava romper com os padrões

convencionais através da pesquisa estética. A preocupação agora era trazer para as letras brasileiras um tema

praticamente desconhecido: o cotidiano dos pobres e oprimidos. Foi essa a origem do "romance proletário", inspirado na

temática da miséria urbano-industrial. O estilo dessas obras se aproximava do chamado "realismo socialista", centrado

no relato fiel dos fatos.

Em 1931 foi publicado o romance Gororoba, em que o engenheiro mecânico Juvêncio Campos relatava sua experiência

como técnico da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Em 1933 a escritora Patrícia Galvão, a Pagu, que

era filiada ao Partido Comunista, lançou Parque industrial, descrevendo a vida e a luta dos operários, divididos entre

não-militantes e politizados. Em 1934, o modernista Oswald de Andrade também aderiu a essa corrente literária,

publicando A escada vermelha. Mais tarde, iria descrever as transformações econômicas ocorridas em São Paulo em A

revolução melancólica (1943) e Chão (1945).

A vida dos trabalhadores do porto de Santos inspirou Navios iluminados (1937), de Ranulfo Prata.Jorge Amado iniciou a

publicação de sua vasta obra descrevendo as populações pobres do campo e da cidade: a Cacau (1933), seguiram-

se Suor (1934), Jubiabá (1936) e Capitães de areia (1937). Em 1942 seria publicada seu livro O Cavaleiro da

Esperança, biografia de Luís Carlos Prestes.

• Romance Regionalista

Dá-se o nome de "romance regionalista" ou "romance de 30" a um conjunto de obras de ficção escritas no Brasil a partir

de 1928, ano de publicação de A bagaceira, de José Américo de Almeida. Freqüentemente esses rótulos são

associados ao romance nordestino, especialmente às obras de José Lins do Rego, Graciliano Ramos e Jorge Amado.

Mas o fenômeno é bem mais abrangente, e o romance regionalista inclui também a produção de autores como Érico

Veríssimo, Marques Rebelo, Ciro dos Anjos, Lúcio Cardoso e Cornélio Pena.

O romance regionalista veio mostrar as contradições e conflitos de um Brasil que se queria moderno, urbano e

industrializado, mas guardava também traços arcaicos em sua diversidade regional. O Brasil não era composto apenas

de seus estados mais desenvolvidos ou de seus modernos centros urbanos em expansão. Havia também o campo,

dominado por uma sociedade patriarcal em decadência, e, nas cidades, havia o homem comum, enfrentando problemas

sociais. Assim como os autores da literatura proletária, os autores regionalistas tinham uma preocupação sociológica e

documental, distinguindo-se dos modernistas com seu experimentalismo estético.

A temática agrária aparece no romance regionalista em obras que retratam o problema da seca, comoO Quinze (1930),

de Raquel de Queirós, e Vidas secas (1938), de Graciliano Ramos, ou a decadência dos engenhos de açúcar,

como Menino de engenho (1932), Bangüê; (1934) e Usina (1936), de José Lins do Rego. Mas a temática urbana

também é trabalhada nas obras de Jorge Amado, que contam histórias de Salvador, ou de Érico Veríssimo,

Page 19: Era Vargas Cpdoc

como Clarissa (1933) e Caminhos cruzados (1935).

• Retratos do Brasil

Paulo Prado escreveu em 1928 seu famoso livro Retrato do Brasil, que tinha como subtítulo "Ensaio sobre a tristeza

brasileira";. A tristeza, o romantismo, a luxúria e o vício da imitação eram apontados como os maiores problemas da

nacionalidade. Dois outros livros, O país do carnaval, de Jorge Amado, e Maquiavel e o Brasil, de Otávio de Farias,

ambos de 1931, expressavam o clima intelectual da época, marcado pela idéia de crise e incerteza.

Diferentes diagnósticos sobre os males brasileiros estavam presentes nas coleções publicadas nos anos 30. A

Brasiliana, fundada e dirigida por Fernando de Azevedo na Companhia Editora Nacional, reeditou inúmeras obras de

viajantes. Problemas Políticos Contemporâneos e Documentos Brasileiros - esta última sucessivamente dirigida

por Gilberto Freyre, Otávio Tarquínio de Sousa e Afonso Arinos de Melo Franco na Editora José Olympio - traduziam a

necessidade de reinterpretar o passado, de compreender a realidade brasileira, de exprimir a consciência social dos

anos 30. A Coleção Azul, da Editora Schmidt, publicava os textos polêmicos da época. São exemplos os livros Brasil

errado, de Martins de Almeida, Introdução à realidade brasileira, de Afonso Arinos de Melo Franco, O sentido do

tenentismo, de Virgílio Santa Rosa, e A gênese da desordem, de Alcindo Sodré.

As mudanças na indústria do livro introduzidas nos anos 20 por Monteiro Lobato foram incorporadas por outras casas

editoras. Destacou-se na época a Editora Globo, de Porto Alegre, que contou com a colaboração do escritor Érico

Veríssimo, divulgou valores da literatura gaúcha e traduziu importantes autores da literatura mundial.

Radicalização Política

Em síntese:

Em síntese: Com a eleição indireta de Getúlio Vargas para o cargo de presidente da República pela Assembléia

Nacional Constituinte em 17 de julho de 1934, terminou o período de governo discricionário iniciado em novembro

de 1930. Mas o novo governo constitucional não foi nem longo nem tranqüilo. O movimento social se tornou cada

vez mais efervescente, greves operárias e manifestações da classe média surgiram em diversos estados do país, e

gradativamente a atividade política foi se radicalizando. O Poder Legislativo abria mão de suas prerrogativas,

enquanto o Executivo se tornava cada vez mais forte. Esse processo culminou em 10 de novembro de 1937 com o

golpe do Estado Novo, dado pelo próprio presidente Vargas, que implantou no país um regime ditatorial.

Ainda em outubro de 1932 fora criada a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento inspirado nofascismo italiano que

defendia um ideário nacionalista, antiliberal e anti-semita. A AIB tinha como chefe nacional Plínio Salgado e possuía

seções em diversos estados do país, congregando elementos das camadas médias urbanas como intelectuais, em sua

maioria católicos, profissionais liberais, funcionários públicos e militares. Seu lema era "Deus, Pátria e Família", e seus

principais ideólogos eram Plínio Salgado, Gustavo Barroso e Miguel Reale.

Querendo demonstrar sua força política, os integralistas costumavam realizar grandes desfiles em que usavam

uniformes que lhes valeram o apelido de "camisas-verdes". Nas manifestações de rua, os enfrentamentos com os

comunistas eram uma constante. A oposição que os integralistas faziam ao regime Vargas era difusa. As críticas ao

governo concentravam-se, sobretudo, no seu aspecto liberal.

Page 20: Era Vargas Cpdoc

Já depois de promulgada a Constituição de 1934, em 12 de março de 1935 foi criada a Aliança Nacional Libertadora

(ANL), organização inspirada na proposta das frentes populares surgidas em diversos países da Europa com o objetivo

de combater o avanço do nazi-fascismo. A ANL congregava comunistas, socialistas, "tenentes", liberais e católicos.

Pregando a formação de um governo popular-nacional-revolucionário, transformou-se, assim como a AIB, num grande

movimento de massas. De seu programa faziam parte a luta contra o latifúndio e o imperialismo, a defesa da reforma

agrária e das liberdades democráticas, a suspensão do pagamento da dívida externa brasileira e o combate ao nazi-

fascismo. Sua oposição a Vargas era nítida. Importantes "tenentes" que haviam atuado na linha de frente da Revolução

de 1930, como Miguel Costa, Hercolino Cascardo, Agildo Barata, João Cabanas, Silo Meireles e Roberto Sisson,

romperam radicalmente com o governo e tornaram-se dirigentes da ANL. Luís Carlos Prestes, um dos principais

expoentes do tenentismo e agora dirigente comunista, foi escolhido presidente de honra da entidade.

AIB e ANL representavam pólos opostos que contribuíam para tornar tenso o quadro político. O governo aproveitava

para pressionar o Congresso a adotar medidas autoritárias.

Ainda em abril de 1935, sob o impacto de várias greves, o Congresso aprovou a Lei de Segurança Nacional. A ANL foi

colocada na ilegalidade em 11 de julho, quatro meses após sua fundação. Com o seu fechamento, a perspectiva de

tomada do poder através de uma insurreição, sempre presente no horizonte dos comunistas e antigos "tenentes",

ganhou força. Dirigentes do Partido Comunista do Brasil, com o aval da Internacional Comunista , decidiram então

promover a derrubada do regime Vargas pelas armas.

Em 23 de novembro de 1935, em nome da ANL, uma revolta foi deflagrada em Natal por sargentos, cabos e soldados

do 21° Batalhão de Caçadores. No dia seguinte o movimento eclodiu em Recife, envolvendo civis e militares. Na noite

de 26 para 27, militares do 3° Regimento de Infantaria, sob a liderança de Agildo Barata, rebelaram-se no Rio de

Janeiro, enquanto um outro foco surgia no Campo dos Afonsos. Tanto em Recife como no Rio de Janeiro os revoltosos

foram rapidamente dominados. Entretanto, em Natal foi instalado um Governo Popular Revolucionário, sob a liderança

de João Praxedes de Andrade, sapateiro, membro da direção regional do PCB. O governador do Rio Grande do Norte,

Rafael Fernandes, e demais autoridades asilaram-se no consulado italiano, e durante quatro dias os rebeldes

dominaram a situação.

O fracasso dos levantes comunistas desencadeou intensa reação por parte da polícia política. Para as elites civis e

militares do país, o comunismo tornou-se o inimigo número um. Com o apoio de 2/3 dos parlamentares, Vargas

conseguiu aprovar uma série de medidas repressivas que iriam cercear cada vez mais o Poder Legislativo. O estado de

sítio foi decretado em todo o território nacional por 30 dias, e prorrogado depois por mais 90.

Entre o final de 1935 e o início de 1936, centenas de civis e militares foram presos em todo o país. Entre os prisioneiros

estava Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal, acusado de manter ligações com membros da ANL. A administração

Pedro Ernesto havia-se caracterizado por inovações na área de saúde e educação, e por uma maior aproximação com

os setores populares. A prisão de diversas lideranças comunistas e a apreensão de documentos em seu poder

forneceram a justificativa para a decretação, em março de 1936, do estado de guerra, que vigoraria até meados de

1937. Conferindo ao governo poderes de repressão quase ilimitados, a medida, aprovada pelo Congresso,

diferentemente do estado de sítio, tornava vulneráveis até mesmo os parlamentares. Dois dias após a decretação

do estado de guerra, foram presos os deputados oposicionistas Otávio da Silveira, Domingos Velasco, João Mangabeira

e Abguar Bastos, e o senador Abel Chermont.

Também em 1936 foi criada a Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo, encarregada de investigar a

participação de funcionários públicos e outros em atos e crimes contra as instituições políticas e sociais. O atestado de

ideologia passou a ser exigido para todos os que exercessem cargos públicos e sindicais. Instituiu-se o Tribunal de

Segurança Nacional para julgar os acusados de envolvimento com a revolta de 1935.

Finalmente, em 10 de novembro de 1937, o perigo de uma nova revolta comunista foi a justificativa apresentada pelo

governo para dar o golpe do Estado Novo.

Page 21: Era Vargas Cpdoc

• Ação Integralista Brasileira (AIB)

Organização política de âmbito nacional inspirada no fascismo italiano, fundada por Plínio Salgado em 1932.

Jornalista e escritor de renome vinculado à corrente modernista dos verde-amarelos, Plínio Salgadovoltou de uma

viagem que fez à Itália em 1930, durante a qual teve a oportunidade de entrevistar-se com o líder maior do fascismo,

Benito Mussolini, bastante impressionado com o regime vigente naquele país. Fundou então o jornal A Razão, em cujos

editoriais formulou de maneira mais acabada suas concepções políticas nacionalistas e antiliberais.

No começo de 1932, Plínio Salgado deu início à articulação entre grupos regionais simpáticos ao fascismo e ao mesmo

tempo fundou, no mês de fevereiro, a Sociedade de Estudos Políticos (SEP), reunindo intelectuais de tendências

políticas autoritárias. O sucesso dessas iniciativas levou à criação, em outubro daquele ano, da AIB. O Manifesto

Integralista, lançado na ocasião, sintetizava o ideário básico da nova organização: defesa do nacionalismo, definido

mais sobre bases culturais do que econômicas, e do corporativismo, visto como esteio da organização do Estado e da

sociedade; combate aos valores liberais e rejeição do socialismo como modo de organização social.

A AIB apresentava uma estrutura rigidamente hierarquizada, cabendo ao próprio Plínio Salgado, como chefe nacional, a

liderança incontestável. Nitidamente influenciada por suas similares européias, a AIB cultivava uma série de símbolos e

rituais com os quais buscava afirmar sua identidade, como os uniformes verdes envergados nas manifestações

públicas, a letra grega sigma (*) usada como emblema, e a saudação Anauê! empregada por seus militantes. O lema da

organização era "Deus, Pátria e Família".

Nos anos que se seguiram à sua fundação, a AIB teve rápido crescimento. Em abril de 1933 realizou seu primeiro

desfile público em São Paulo e em fevereiro do ano seguinte reuniu seu I Congresso Nacional em Vitória (ES). Plínio

Salgado era auxiliado por um Conselho Nacional, com funções consultivas, e por departamentos nacionais, que

funcionavam como ministérios. A AIB possuía, ainda, sua própria milícia armada e uma considerável estrutura de

imprensa, composta por diversos jornais de circulação local, duas revistas, um órgão oficial - Monitor Integralista - e um

grande órgão de divulgação nacional - A Ofensiva.

O grande número de adesões à AIB fez dela o primeiro partido político de massa organizado nacionalmente no Brasil.

Em 1936, o total de seus membros era estimado entre 600 mil e um milhão. A Aliança Nacional Libertadora (ANL),

fundada no ano anterior por setores de esquerda, também obteve expressivo crescimento, e conflitos de rua entre

militantes das duas organizações se tornaram freqüentes.

Em maio de 1937, a AIB lançou Plínio Salgado como candidato à eleição presidencial prevista para janeiro do ano

seguinte. A eleição, contudo, acabaria não se realizando em virtude do golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de

1937. Plínio Salgado esteve o tempo todo a par das articulações golpistas e lhes deu apoio. O próprio pretexto utilizado

por Vargas para golpear a democracia - o Plano Cohen, apresentado como um plano comunista para a tomada do poder

- não passava de um documento forjado, de autoria do então capitão Olímpio Mourão Filho, destacado dirigente

integralista. Para surpresa dos integralistas, porém, em dezembro de 1937 Vargas decretou o fechamento da AIB,

juntamente com todas as demais organizações partidárias do país.

Decepcionados, em maio de 1938 alguns dirigentes integralistas promoveram um levante no Rio de Janeiro para depor

o governo, mas foram derrotados sem dificuldade.

Em seguida, Plínio Salgado exilou-se por alguns anos em Portugal. Em 1945, com a redemocratização, voltou ao Brasil.

Fundou, então, o Partido de Representação Popular (PRP), no qual tentou reviver algumas das teses integralistas.

• Aliança Nacional Libertadora (ANL)

Organização política de âmbito nacional fundada oficialmente em março de 1935 com o objetivo de combater

o fascismo e o imperialismo.

No início da década de 1930, surgiram em diversos países frentes populares compostas por diferentes correntes

Page 22: Era Vargas Cpdoc

políticas que sentiam a necessidade de uma atuação unificada para deter o avanço do nazi-fascismo. Também no

Brasil, em reação ao crescimento da Ação Integralista Brasileira (AIB), formaram-se pequenas frentes antifascistas que

reuniam comunistas, socialistas e antigos "tenentes" insatisfeitos com a aproximação entre o governo de Getúlio Vargas

e os grupos oligárquicos afastados do poder em 1930.

No segundo semestre de 1934, um pequeno número de intelectuais e militares - entre os quais Francisco Mangabeira,

Manuel Venâncio Campos da Paz, Moésia Rolim, Carlos da Costa Leite e Aparício Torelly - começou a promover

reuniões no Rio de Janeiro com o propósito de criar uma organização política capaz de dar suporte nacional às lutas

populares que então se travavam. Dessas reuniões surgiu a ANL, cujo primeiro manifesto público foi lido na Câmara

Federal em janeiro de 1935. O programa básico da organização, divulgado em fevereiro, tinha como pontos principais a

suspensão do pagamento da dívida externa do país, a nacionalização das empresas estrangeiras, a reforma agrária e a

proteção aos pequenos e médios proprietários, a garantia de amplas liberdades democráticas e a constituição de um

governo popular, deixando em aberto, porém, a definição sobre as vias pelas quais se chegaria a esse governo.

No mês de março, constituiu-se o diretório nacional provisório da ANL, composto, entre outros, porHerculino

Cascardo (presidente), Amoreti Osório (vice-presidente), Francisco Mangabeira, Roberto Sisson, Benjamim Soares

Cabello e Manuel Venâncio Campos da Paz. No final do mês, a ANL foi oficialmente lançada em solenidade na capital

federal à qual compareceram milhares de pessoas. Na ocasião, Luís Carlos Prestes, que se encontrava na União

Soviética, foi aclamado presidente de honra da organização. Prestes, que nessa época já aderira ao comunismo,

desfrutava de enorme prestígio devido ao seu papel de líder da Coluna Prestes, que na década anterior havia tentado

derrubar o governo federal pelas armas.

Nos meses seguintes, calcula-se que dezenas de milhares de cidadãos filiaram-se formalmente à ANL, embora o

número exato dessas filiações jamais tenha sido conhecido. Houve adesões importantes, como as de Miguel

Costa, Maurício de Lacerda e Abguar Bastos. Diversas personalidades, mesmo sem se filiar, mostraram-se simpáticas à

Aliança, como os ex-interventores Filipe Moreira Lima, do Ceará, e Magalhães Barata, do Pará, o deputado federal

Domingos Velasco e o prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto. A entidade promoveu concorridos comícios e

manifestações públicas em diversas cidades e teve sua atuação divulgada por dois jornais diários a ela diretamente

ligados, um do Rio de Janeiro e outro de São Paulo.

Em abril de 1935 Luís Carlos Prestes voltou clandestinamente ao Brasil. Incumbido pela direção da Internacional

Comunista de promover um levante armado que instaurasse no país um governo nacional-revolucionário, recebia a

colaboração de um pequeno mas experiente grupo de militantes estrangeiros, entre os quais se incluía sua mulher, a

alemã Olga Benário. A opção de Prestes por manter-se na clandestinidade num momento em que a ANL ganhava as

ruas demonstra bem suas intenções insurrecionais e a heterogeneidade de perspectivas que caracterizava essa ampla

frente de esquerda.

À medida que a ANL crescia, aumentava a tensão política no país, com freqüentes conflitos de rua entre comunistas e

integralistas. No dia 5 de julho, a ANL promoveu manifestações públicas para comemorar o aniversário dos levantes

tenentistas de 1922 e 1924. Nessa ocasião, contra a vontade de muitos dirigentes aliancistas, foi lido um manifesto

de Prestes propondo a derrubada do governo e exigindo "todo o poder à ANL". Vargas aproveitou a grande repercussão

do manifesto para, com base na Lei de Segurança Nacional, promulgada em abril, ordenar o fechamento da

organização.

Na ilegalidade, a ANL não podia mais realizar grandes manifestações públicas e perdeu o contato com a massa popular

que com ela se entusiasmava. Ganharam então força em seu interior os membros do Partido Comunista e os "tenentes"

dispostos a deflagrar um levante armado para depor o governo. Em novembro de 1935 estourou em Natal (RN) um

levante militar em nome da ANL. Em seguida ao movimento em Natal, que obteve apoio popular e chegou a assumir o

controle da cidade por quatro dias, foram deflagrados levantes em Recife e no Rio de Janeiro. O governo federal não

teve dificuldade para dominar a situação, iniciando logo a seguir intensa repressão contra os mais variados grupos de

oposição atuantes no país, vinculados ou não ao levante. A ANL, alvo principal dessa onda repressiva, foi inteiramente

Page 23: Era Vargas Cpdoc

desarticulada.

• Internacional Comunista

A história da Internacional Comunista remonta a 1864, quando foi criada a Associação Internacional dos Trabalhadores

(AIT), integrada por organizações operárias de diversos países europeus. O mentor e principal líder da AIT era Karl

Marx. A repressão e as crescentes divergências internas enfraqueceram a organização, que acabou sendo extinta em

1876.

Treze anos depois, em 1889, foi criada em Paris a II Internacional dos Trabalhadores. Sua direção seguia a doutrina

marxista, mas encontravam-se presentes em seu interior diferentes correntes do movimento operário. Até a eclosão da

Primeira Guerra Mundial em 1914, a luta contra a guerra foi uma das principais bandeiras da Internacional. Com o

desenrolar do conflito, entretanto, as divergências vieram à tona e terminaram por enfraquecer a unidade da

associação.

Em 1919, logo após a vitória dos comunistas na Revolução Russa, foi criada a III Internacional, ou Internacional

Comunista, ou ainda Komintern. Seu principal objetivo era criar uma União Mundial de Repúblicas Socialistas

Soviéticas. Dominada pelo Partido Comunista da União Soviética, a Internacional emitia diretrizes que deveriam ser

seguidas por todos os seus filiados, inclusive o Partido Comunista do Brasil. Em 1943, em plena Segunda Guerra

Mundial, a Internacional Comunista foi dissolvida com a finalidade de tranqüilizar os aliados ocidentais da União

Soviética.

• Lei de Segurança Nacional (LSN)

A Lei de Segurança Nacional, promulgada em 4 de abril de 1935, definia crimes contra a ordem política e social. Sua

principal finalidade era transferir para uma legislação especial os crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os

a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais.

A LSN foi aprovada, após tramitar por longo período no Congresso e ser objeto de acirrados debates, num contexto de

crescente radicalização política, pouco depois de os setores de esquerda terem fundado a Aliança Nacional Libertadora.

Nos anos seguintes à sua promulgação foi aperfeiçoada pelo governo Vargas, tornando-se cada vez mais rigorosa e

detalhada. Em setembro de 1936, sua aplicação foi reforçada com a criação do Tribunal de Segurança Nacional.

Após a queda da ditadura do Estado Novo em 1945, a Lei de Segurança Nacional foi mantida nas Constituições

brasileiras que se sucederam. No período dos governos militares (1964-1985), o princípio de segurança nacional iria

ganhar importância com a formulação, pela Escola Superior de Guerra, da doutrina de segurança nacional. Setores e

entidades democráticas da sociedade brasileira, como a Ordem dos Advogados do Brasil, sempre se opuseram à sua

vigência, denunciando-a como um instrumento limitador das garantias individuais e do regime democrático.

• Tribunal de Segurança Nacional (TSN)

Tribunal de exceção instituído em setembro de 1936, subordinado à Justiça Militar. Era composto por juízes civis e

militares escolhidos diretamente pelo presidente da República e deveria ser ativado sempre que o país estivesse sob

o estado de guerra.

A criação do TSN está ligada à repressão aos envolvidos no fracassado levante comunista de novembro de 1935,

quando militantes da Aliança Nacional Libertadora se insurgiram contra o governo de Getúlio Vargas nas cidades de

Natal, Recife e Rio de Janeiro. A função do tribunal era processar e julgar, em primeira instância, as pessoas acusadas

de promover atividades contra a segurança externa do país e contra as instituições militares, políticas e sociais. Entre

setembro de 1936 e dezembro de 1937, 1.420 pessoas foram por ele sentenciadas.

Com a implantação da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937, o TSN deixou de se subordinar ao Superior

Tribunal Militar e passou a desfrutar de uma jurisdição especial autônoma. Ao mesmo tempo, tornou-se um órgão

permanente. Nesse período passou a julgar não só comunistas e militantes de esquerda, mas também integralistas e

Page 24: Era Vargas Cpdoc

políticos liberais que se opunham ao governo.

O TSN foi extinto após a queda do Estado Novo, em outubro de 1945.

• Polícia Política

A Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS) foi criada em 10 de janeiro de 1933 pelo Decreto n°

22.332 com o objetivo de entrever e coibir comportamentos políticos divergentes, considerados capazes de

comprometer "a ordem e a segurança pública". Era diretamente subordinada à Chefia de Polícia do Distrito Federal e

possuía uma tropa de elite, a Polícia Especial. Constavam de suas atribuições examinar publicações nacionais e

estrangeiras e manter dossiês de todas as organizações políticas e indivíduos considerados suspeitos.

A DESPS serviu de modelo para a criação de delegacias estaduais, já que à Chefia de Polícia do Distrito Federal cabia

determinar as diretrizes básicas do controle social a ser exercido pelas polícias dos estados, ainda que estas fossem

formalmente subordinadas aos governos locais. Para essa centralização foi decisiva a atuação de Filinto Müller, homem

de confiança de Vargas e chefe de Polícia do Distrito Federal de 1933 a 1942.

Os antecedentes institucionais da polícia política criada na Era Vargas remontavam ao início do século. Três órgãos se

sucederam a partir de 1907, tendo sido o mais famoso deles a 4ª Delegacia Auxiliar, criada em 1922 e da qual a DESPS

herdou as funções. As atividades da polícia política iriam se intensificar em meados da década de 1930, sob o pretexto

de combater manifestações perturbadoras da ordem. O rápido crescimento da Aliança Nacional Libertadora justificou a

promulgação, em 4 de abril de 1935, da Lei de Segurança Nacional, definindo crimes contra a ordem política e social.

Em seguida, a revolta comunista de novembro serviu para justificar o aumento da ação repressiva contra todos aqueles

que possuíssem vínculos reais ou presumidos com o Partido Comunista do Brasil e o comunismo internacional.

A instauração do Estado Novo em 1937, o levante integralista em 1938 e o desenrolar da Segunda Guerra Mundial

reforçaram a tendência à criminalização de toda e qualquer dissidência política em relação ao governo. Juntaram-se

assim aos comunistas, como alvo das ações repressivas, os integralistas e os "estrangeiros nocivos", considerados

difusores de "ideologias exóticas".

A transformação da Chefia de Polícia do Distrito Federal em Departamento Federal de Segurança Pública (DFSP) pelo

Decreto n° 6.378, de 1944, foi parte de uma reforma do Poder Judiciário realizada durante o Estado Novo. A DESPS

tornou-se então a Divisão de Polícia Política e Social, com duas delegacias, uma responsável pela matéria política e

outra pela matéria social. Essas delegacias dariam continuidade à política de especialização dos serviços referentes à

segurança pública e seguiriam orientando o controle político e social após a queda de Vargas em 1945.

• Administração Pedro Ernesto

A nomeação de Pedro Ernesto Batista para o cargo de interventor no Distrito Federal, em setembro de 1931, resultou de

sua antiga amizade com os "tenentes", a quem costumava socorrer desde os anos 20 em sua casa de saúde. Essa

ligação já o fizera tornar-se, depois da Revolução de 1930, médico particular de Getúlio Vargas e presidente do Clube 3

de Outubro.

O início do processo de reconstitucionalização do país, com a confirmação para maio de 1933 das eleições para a

Assembléia Nacional Constituinte, levou os "tenentes" e os interventores seus aliados a criar partidos políticos regionais

que pudessem eleger representantes comprometidos com a defesa do programa básico do Clube 3 de Outubro. Foi

assim que em março de 1933 Pedro Ernesto fundou o Partido Autonomista do Distrito Federal, que contava em seus

quadros com líderes tenentistas comoAugusto do Amaral Peixoto e João Alberto. O partido elegeu seis dos dez

representantes cariocas na Constituinte, o que já evidenciava o prestígio de Pedro Ernesto no Distrito Federal.

O sucesso da administração de Pedro Ernesto provinha do fato de ele ter buscado estender a rede de bens e serviços

públicos municipais a áreas anteriormente desassistidas, fazendo da construção de escolas, hospitais e postos de

saúde a principal marca de sua gestão. Ampliando o acesso à educação pública, leiga e gratuita e aos serviços

sanitários terapêuticos e preventivos, o interventor procurava melhorar a qualidade de vida da população e seu padrão

Page 25: Era Vargas Cpdoc

de competitividade no mercado. Preocupava-se também em incentivar a participação política dos cariocas. Em um

esforço concentrado de alistamento eleitoral nas favelas e subúrbios, conseguiu fazer saltar o número de eleitores de 70

mil, na eleição de 1933 para a Constituinte, para 110 mil na eleição municipal de outubro de 1934. O Partido

Autonomista conquistou então 20 das 22 cadeiras da Câmara Municipal. Pedro Ernesto foi o vereador mais votado, com

cerca de 42% dos votos válidos, e em seguida foi eleito pelo colegiado de vereadores prefeito constitucional do Distrito

Federal. Em sua posse, no dia 8 de abril de 1935, discursou da sacada da Câmara para uma multidão que enchia as

ruas e manifestava de forma calorosa o seu apoio.

Nos meses que se seguiram, Pedro Ernesto se afastou do núcleo que gravitava em torno de Getúlio Vargas e adotou

um novo padrão de atuação política, em que as massas urbanas assumiam o papel principal. O apoio à Aliança

Nacional Libertadora, o diálogo direto com as entidades classistas, a defesa de um projeto de educação laica (coroado

pela criação da Universidade do Distrito Federal em 1935), mas principalmente a possibilidade de competir com Vargas

na arena política nacional, terminariam por impor limites drásticos a seus projetos.

Em abril de 1936 Pedro Ernesto foi preso, acusado de envolvimento com o levante comunista de novembro de 1935, e

só às vésperas do golpe do Estado Novo, em novembro de 1937, foi posto em liberdade. Embora tenha sido combatido

politicamante, sua administração deixou marcas na memória carioca e serviu de inspiração para o próprio Vargas em

seu segundo governo.

• Universidade Distrito Federal (UDF)

A administração de Pedro Ernesto como interventor e depois prefeito do Distrito Federal, tendo Anísio Teixeira na

direção do Departamento de Educação, abriu espaço para uma experiência pioneira e original na história da

universidade no Brasil.

Em abril de 1935, pelo decreto municipal n° 5.513, foi criada a Universidade do Distrito Federal (UDF), composta de

cinco escolas: Ciências, Educação, Economia e Direito, Filosofia, e Instituto de Artes. O principal objetivo da nova

universidade era encorajar a pesquisa científica, literária e artística e "propagar as aquisições da ciência e das artes,

pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos de extensão popular". Na verdade, a UDF pretendia não apenas

produzir profissionais, mas formar "os quadros intelectuais do país".

No seu primeiro ano de funcionamento, a UDF inaugurou os primeiros cursos de formação de professores e de

especialização em diversas disciplinas. Para seu corpo docente foi articulada a vinda de uma missão francesa

composta de professores de diferentes áreas como Eugène Albertini, Henry Hauser, Jacques Perrot, entre outros.

Embora despontasse como um centro de ensino inovador no Brasil dos anos 30, a UDF logo iria enfrentar dificuldades

políticas provocadas pela revolta comunista de novembro de 1935. Logo em dezembro Pedro Ernesto foi obrigado a

demitir seu secretário de Educação Anísio Teixeira, o reitor da UDF Afrânio Peixoto e vários professores, abrindo-se

assim uma grave crise no interior da universidade recém-criada. Poucos meses depois o próprio prefeito seria preso.

Afonso Pena Jr., intelectual renomado, assumiu a reitoria da UDF e procurou enfrentar os desafios garantindo a

permanência de professores e atraindo novos especialistas. Em 1936 a UDF tinha cerca de quatrocentos alunos e em

1937 formava sua primeira turma. Parecia que o projeto de Anísio Teixeira poderia apesar de tudo se consolidar, mas a

impressão logo se mostrou ilusória, pois a UDF contrariava o projeto acalentado no Ministério da Educação por Gustavo

Capanema, de fortalecimento da Universidade do Brasil.

A instauração do Estado Novo em novembro de 1937 criou condições para a eliminação da UDF e a incorporação de

seus quadros à Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, criada em 1939. A nova escola deveria ser

dirigida por Alceu Amoroso Lima e se submeter ao estreito controle doutrinário da Igreja Católica, mas sua direção

acabou sendo entregue a Francisco Clementino de San Tiago Dantas.

Golpe do Estado Novo

Page 26: Era Vargas Cpdoc

Em síntese: O período autoritário que ficou conhecido como Estado Novo teve início no dia 10 de novembro de

1937 com um golpe liderado pelo próprio presidente Getúlio Vargas e apoiado, entre outros, pelo general Góes

Monteiro. Para que ele fosse possível, foi preciso eliminar as resistências existentes nos meios civis e militares e

formar um núcleo coeso em torno da idéia da continuidade de Vargas no poder. Esse processo se desenvolveu,

principalmente, ao longo dos anos de 1936 e 1937, impulsionado pelo combate ao comunismo e por uma campanha

para a neutralização do então governador gaúcho Flores da Cunha, considerado, por seu poder político e militar,

um obstáculo ao continuísmo de Vargas e à consolidação de um Exército forte, unificado e impermeável à política.

O Estado Novo foi um período autoritário da nossa história, que durou de 1937 a 1945. Foi instaurado por um golpe de

Estado que garantiu a continuidade de Getúlio Vargas à frente do governo central, tendo a apoiá-lo importantes

lideranças políticas e militares. Para entender como foi possível o golpe, eliminando-se as suas resistências, é preciso

retroceder ao ano de 1936.

A Constituição de 1934 determinava a realização de eleições para presidente da República em janeiro de 1938. Com

isso, desde 1936 a sucessão presidencial tomou conta da cena política, embora Vargas procurasse adiar e esvaziar o

debate. Armando de Sales Oliveira, governador de São Paulo, lançou-se candidato pela oposição depois de tentar, sem

sucesso, atrair o apoio das forças situacionistas. Estas, por sua vez, apresentaram o nome do paraibano José Américo

de Almeida. Além dos dois, outro pretendente à presidência foi Plínio Salgado, líder da Ação Integralista Brasileira (AIB).

A campanha sucessória desenrolou-se em meio a um quadro repressivo, de censura e restrição da participação política,

resultado do estado de guerra decretado no país em março de 1936 com a justificativa de combater o comunismo. Os

instrumentos de força criados para reprimir a ação comunista terminaram sendo utilizados também contra antigos

aliados de Vargas contrários ao continuísmo, enfraquecendo-os ou neutralizando-os. Desse modo, as resistências

políticas ao golpe foram sendo progressivamente minadas. O combate ao comunismo serviu igualmente para alijar

setores militares contrários ao projeto de Góes Monteiro de construção de um Exército forte, unificado e isento de

influências políticas.

Além da repressão ao comunismo, outro meio pelo qual se afirmou a hegemonia do grupo de Góes Monteiro foi a ação

contra o governador gaúcho Flores da Cunha. Flores era visto como um obstáculo, uma vez que desde de 1935 vinha

se intrometendo em assuntos militares, explorando e alimentando cisões no seio das Forças Armadas. Essa sua ação

pesou, inclusive, na própria saída de Góes Monteiro do Ministério da Guerra, naquele ano. E a ameaça representada

pelo governador era ainda maior pelo fato de ele ter sob seu comando uma poderosa Brigada Militar, bem armada e

numerosa.

Foi a investida contra Flores da Cunha que reaproximou o grupo de Góes de Vargas. Também para Getúlio o

governador gaúcho, com sua força política e militar, e sua oposição ao continuísmo repetidas vezes manifestada,

representava uma ameaça. Assim, ao mesmo tempo em que se abria a discussão sobre a sucessão presidencial,

punha-se em prática um plano elaborado por Góes Monteiro, com o apoio do presidente da República, para a

desarticulação de Flores.

O final do ano de 1936 foi marcado por importantes mudanças tanto nos meios políticos quanto nos militares. Na

política, as forças se realinharam e trocaram de posição de acordo com suas orientações estratégicas, preparando-se

para o embate da sucessão que se avizinhava. Diversas substituições foram feitas nos comandos militares do Sul

visando a uma maior eficácia na ação contra o governador gaúcho. Passo importante nesse sentido foi dado com a

substituição do ministro da Guerra João Gomes, reticente à intervenção no Rio Grande, pelo general Eurico Gaspar

Dutra.

Page 27: Era Vargas Cpdoc

Ao longo de 1937, o processo eleitoral foi sofrendo um progressivo esvaziamento. A própria candidatura situacionista

perdeu gradativamente consistência. José Américo de Almeida não obteve em nenhum momento o apoio de Vargas

que, ao contrário, fez o possível para esvaziá-lo. Mais do que isso, procurando marcar sua diferença em relação

a Armando Sales, que se apresentava como oposição, José Américo passou a sustentar um discurso mais radical que

seu concorrente e com um forte apelo popular. Acrescente-se ainda o fato de que, preocupando-se excessivamente

com o Norte,José Américo provocou um deslocamento progressivo de outras forças regionais que o apoiavam. Até

mesmo o governador mineiro Benedito Valadares, que havia garantido seu lançamento como candidato, a partir de fins

de setembro tornou-se defensor da idéia de retirada das candidaturas e de uma reforma constitucional visando à

prorrogação dos mandatos.

Outro importante elemento de esvaziamento da campanha sucessória foi o cerco promovido por Vargas em torno de

alguns focos regionais de resistência ao continuísmo. Em Pernambuco, o governador Lima Cavalcanti foi acusado

publicamente de envolvimento com o comunismo, abrindo-se em seu partido uma dissidência liderada pelo

ministro Agamenon Magalhães, que disputava a liderança no estado. Na Bahia, governada por Juraci Magalhães,

começavam a circular boatos de uma intervenção federal. No Rio Grande do Sul, o general Góes Monteiro preparava-se

para derrubar militarmente Flores da Cunha. Para tanto, mudanças fundamentais foram efetuadas nos comandos

militares a partir de junho de 1937. O general José Pessoa que, juntamente com Valdomiro Lima, mostrara-se contrário

à intervenção no Sul, foi substituído no cargo de inspetor do comando do distrito da Artilharia de Costa. Valdomiro

Lima foi preterido na chefia do Estado-Maior do Exército em favor deGóes Monteiro. O general Lúcio Esteves, por sua

vez, foi substituído pelo general Daltro Filho no comando da 3ª Região Militar, no Rio Grande do Sul.

Entrava na sua reta final o projeto golpista. No mês de setembro, de modo significativo, o governo realizou

antecipadamente as cerimônias de rememoração das vítimas da revolta comunista de novembro de 1935. Alguns dias

depois, o Ministério da Guerra divulgou o que ficou conhecido como Plano Cohen, um documento forjado que relatava a

preparação de uma nova ofensiva comunista. Essa foi a base para que o governo pedisse ao Congresso o retorno

ao estado de guerra, que havia sido momentaneamente suspenso.

Vendo-se cercado e perdendo o controle de sua Brigada Militar, que foi federalizada, Flores da Cunhaterminou por

renunciar ao governo gaúcho. Em 10 de novembro de 1937 o Congresso Nacional foi cercado por tropas da Polícia

Militar e fechado. No mesmo dia Vargas anunciou pelo rádio à nação o início de uma nova era, orientada por uma nova

Constituição elaborada por Francisco Campos. Começava ali o Estado Novo.

• Plano Cohen

Documento divulgado pelo governo brasileiro em setembro de 1937, atribuído à Internacional Comunista, contendo um

suposto plano para a tomada do poder pelos comunistas. Anos mais tarde, ficaria comprovado que o documento foi

forjado com a intenção de justificar a instauração da ditadura do Estado Novo, em novembro de 1937.

O panorama político no Brasil durante o ano de 1937 foi dominado pela expectativa da eleição do sucessor de Vargas,

prevista para janeiro do ano seguinte. O presidente, contudo, alimentava pretensões continuístas e nos bastidores

articulava o cancelamento do pleito. O pretexto para isso seria a iminência de uma revolução preparada pelos

comunistas, conforme informações obtidas pelas autoridades militares.

Em setembro, realizou-se uma reunião da alta cúpula militar do país, na qual foi apresentado o Plano Cohen,

supostamente apreendido pelas Forças Armadas. Participaram dessa reunião, entre outros, o general Eurico Dutra,

ministro da Guerra; o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército (EME); e Filinto Müller, chefe de

Polícia do Distrito Federal. A autenticidade do documento não foi questionada por nenhum dos presentes, e dias depois

o Plano Cohen seria divulgado publicamente, alcançando enorme repercussão na imprensa e na sociedade ao mesmo

tempo em que era desencadeada uma forte campanha anticomunista. O plano previa a mobilização dos trabalhadores

para a realização de uma greve geral, o incêndio de prédios públicos, a promoção de manisfestações populares que

terminariam em saques e depredações e até a eliminação física das autoridades civis e militares que se opusessem à

insurreição.

Page 28: Era Vargas Cpdoc

Vargas aproveitou-se em seguida para fazer com que o Congresso decretasse mais uma vez o estado de guerrae,

usando dos poderes que esse instrumento lhe atribuía, afastou o governador gaúchoFlores da Cunha, último grande

obstáculo ao seu projeto autoritário. No dia 10 de novembro, a ditadura do Estado Novo foi implantada.

Em março de 1945, com o Estado Novo já em crise, o general Góes Monteiro denunciou a fraude produzida oito anos

antes, isentando-se de qualquer culpa no caso. Segundo Góes, o plano fora entregue ao Estado-Maior do Exército pelo

capitão Olímpio Mourão Filho, então chefe do serviço secreto da Ação Integralista Brasileira (AIB) Mourão Filho, por sua

vez, admitiu que elaborara o documento, afirmando porém tratar-se de uma simulação de insurreição comunista para

ser utilizada estritamente no âmbito interno da AIB. Ainda segundo Mourão, Góes Monteiro, que havia tido acesso ao

documento através do general Álvaro Mariante, havia-se dele apropriado indevidamente. Mourão justificou seu silêncio

diante da fraude em virtude da disciplina militar a que estava obrigado. Já o líder maior da AIB, Plínio Salgado, que

participara ativamente dos preparativos do golpe de 1937 e que, inclusive, retirara sua candidatura presidencial para

apoiar a decretação do Estado Novo, afirmaria mais tarde que não denunciou a fraude pelo receio de desmoralizar as

Forças Armadas, única instituição, segundo ele, capaz de fazer frente à ameaça comunista.

Page 29: Era Vargas Cpdoc

Diretrizes do Estado Novo (1937 – 1945)

Política e Administração

Em síntese: O regime do Estado Novo, instaurado pela Constituição de 1937 em pleno clima de contestação da

liberal-democracia na Europa, trouxe para a vida política e administrativa brasileira as marcas da centralização e da

supressão dos direitos políticos. Foram fechados o Congresso Nacional, as assembléias legislativas e as câmaras

municipais. Os governadores que concordaram com golpe do Estado Novo permaneceram, mas os que se

opuseram foram substituídos por interventores diretamente nomeados por Vargas. Os militares tiveram grande

importância no novo regime, definindo prioridades e formulando políticas de governo, em particular nos setores

estratégicos, como siderurgia e petróleo. Em linhas gerais, o regime propunha a criação das condições

consideradas necessárias para a modernização da nação: um Estado forte, centralizador, interventor, agente

fundamental da produção e do desenvolvimento econômicos. Por todas essas características, muitos identificaram

Estado Novo e fascismo.

No dia 10 de novembro de 1937, depois de fechar o Congresso e assinar uma nova Constituição, Vargas fez um

pronunciamento, transmitido pelo rádio, em que procurava justificar a instauração do novo regime. Em sua

"Proclamação ao povo brasileiro", defendia o golpe como a única alternativa possível diante do clima de desagregação

e de afronta à autoridade em que megulhara a nação. Referia-se, entre outras coisas, ao perigo do comunismo,

lembrando a radicalização política que atingira o país. Anunciava, ainda, uma série de medidas com que pretendia

promover o bem-estar e o desenvolvimento da nação.

Entre essas medidas, destacavam-se a submissão dos governadores dos estados ao governo federal e a eliminação

dos órgãos legislativos, o que levaria à criação de novas interventorias e departamentos administrativos. O jogo político

representativo era eliminado em nome da eficiência e da racionalidade do Estado. O argumento para fortalecer o Poder

Executivo era que a Constituição de 1934, com seu liberalismo, o havia enfraquecido e tornado vulnerável aos

interesses privados. Por isso fora outorgada a Constituição de 1937, que concentrava o poder político nas mãos do

presidente da República.

O golpe foi seguido de uma forte repressão, a cargo da polícia política, que atingiu não apenas os comunistas ou os

liberais, mas mesmo aqueles que advogavam uma ideologia semelhante à do novo regime e supunham ser seus

aliados: os integralistas. Foi assim que, junto com os demais partidos políticos, a Aliança Integralista Brasileira foi

fechada por decreto presidencial. Em reação, seria deflagrado olevante integralista em maio de 1938, logo desbaratado.

A propaganda do regime e a repressão a seus opositores seriam duas faces do Estado Novo muito bem representadas

pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Criado para difundir a ideologia do Estado Novo junto às camadas

populares e, a partir do ideário autoritário do regime, contribuir para a construção da identidade nacional, o DIP exercia

também uma forte censura aos meios de comunicação, suprimindo eventuais manifestações de descontentamento.

Fiel ao princípio de que era necessário aplacar as disputas políticas para promover o desenvolvimento do país, também

no plano administrativo o governo do Estado Novo buscou eficiência e racionalidade. Procurou implantar, no

recrutamento do funcionalismo, a lógica da formação profissional, da capacidade técnica e do mérito, em substituição à

da filiação partidária ou da indicação política. Para tanto, foi criado em 1938 um órgão especialmente voltado para a

reforma e a modernização da administração pública, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Anos

Page 30: Era Vargas Cpdoc

mais tarde, a preocupação com a formação de pessoal para atuar na administração daria origem à Fundação Getúlio

Vargas (FGV). Foi o desejo de dispor de informações estatísticas confiáveis que levou à valorização do Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na área econômica, criaram-se durante o Estado Novo inúmeros conselhos e órgãos técnicos cuja função era promover

estudos e discussões, assessorar o governo na elaboração e na execução de suas decisões, e ainda propiciar o acesso

de setores empresariais ao aparelho estatal. Das negociações entre governo e empresariado resultariam, por exemplo,

a criação do >Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), destinado a formar mão-de-obra para a indústria,

assim como os estudos para a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), destinado a promover

a difusão e o aperfeiçoamento do ensino comercial no país.

A tendência à intervenção na atividade econômica, expressa no aparecimento das primeiras companhias estatais, fez

com que, a partir de 1937, ficasse difícil separar o binômio Estado e economia.

• Constituição de 1937

Quarta constituição da história brasileira, outorgada pelo presidente Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, no

mesmo dia em que, por meio de um golpe de Estado, era implantada no país a ditadura do Estado Novo. Foi elaborada

pelo jurista Francisco Campos, ministro da Justiça do novo regime, e obteve a aprovação prévia de Vargas e do ministro

da Guerra, general Eurico Dutra.

A essência autoritária e centralista da Constituição de 1937a colocava em sintonia com os modelos fascistizantes de

organização político-institucional então em voga em diversas partes do mundo, rompendo com a tradição liberal dos

textos constitucionais anteriormente vigentes no país. Sua principal característica era a enorme concentração de

poderes nas mãos do chefe do Executivo. Do ponto de vista político-administrativo, seu conteúdo era fortemente

centralizador, ficando a cargo do presidente da República a nomeação das autoridades estaduais, os interventores. Aos

interventores, por seu turno, cabia nomear as autoridades municipais.

A intervenção estatal na economia, tendência que na verdade vinha desde 1930, ganhava força com a criação de

órgãos técnicos voltados para esse fim. Ganhava destaque também o estímulo à organização sindical em moldes

corporativos, uma das influências mais evidentes dos regimes fascistas então em vigor. Nesse mesmo sentido, o

Parlamento e os partidos políticos, considerados produtos espúrios da democracia liberal, eram descartados. A

Constituição previa a convocação de uma câmara corporativa com poderes legislativos, o que no entanto jamais

aconteceu. A própria vigência da Constituição, segundo o seu artigo 187, dependeria da realização de um plebiscito que

a referendasse, o que também jamais foi feito.

Após a queda de Vargas e o fim do Estado Novo em outubro de 1945, foram realizadas eleições para a Assembléia

Nacional Constituinte, em pleito paralelo à eleição presidencial. Eleita a Constituinte, seus membros se reuniram para

elaborar o novo texto constitucional, que entrou em vigor a partir de setembro de 1946, substituindo a Carta de 1937.

• Estado Novo e facismo

O Estado Novo foi instaurado no Brasil ao mesmo tempo em que uma onda de transformações varria a Europa,

instalando governos autoritários e reforçando a versão de que a democracia liberal estava definitivamente liquidada.

Mussolini chegou ao poder na Itália em 1922 e aí implantou o fascismo; Salazar se tornou primeiro-ministro (presidente

do Conselho de Ministros) de Portugal em 1932 e inaugurou uma longa ditadura; Hitler foi feito chanceler na Alemanha

em 1933 e tornou-se o chefe supremo do nazismo. A guerra civil espanhola, que se estendeu de 1936 a 1939, banhou

de sangue a Espanha antes que Franco começasse a governar o país com mão de ferro.

O governo do Estado Novo foi centralizador, ou seja, concentrou no governo federal a tomada de decisões antes

partilhada com os estados, e autoritário, ou seja, entregou ao Poder Executivo atribuições anteriormente divididas com o

Legislativo. Sua ideologia recuperou práticas políticas autoritárias que pertenciam à tradição brasileira, mas também

incorporou outras mais modernas, que faziam da propaganda e da educação instrumentos de adaptação do homem à

Page 31: Era Vargas Cpdoc

nova realidade social. Era esse o papel do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), destinado não só a

doutrinar, mas a controlar as manifestações do pensamento no país.

A doutrina estadonovista propunha a concentração do poder no Estado, visto como única instituição capaz de garantir a

coesão nacional e de realizar o bem comum. Desenvolvia, também, a crença no homem excepcional, portador de virtú,

que seria capaz de expressar e construir a nova ordem. Havia muitas semelhanças com a doutrina fascista, e foi a partir

dos aspectos comuns que muitas vezes o Estado Novo foi identificado com o fascismo.

Dentre esses pontos comuns, pode-se destacar a valorização da missão histórica da nação representada pelo Estado; o

reconhecimento dos direitos individuais, mas apenas daqueles que não entravam em conflito com as necessidades do

Estado soberano; a ênfase no significado da elite como corporificação do gênio do povo; a solidariedade entre o capital

e o trabalho assegurada pela estrutura corporativa; o antiliberalismo, e o antiparlamentarismo. Ambas as doutrinas

apresentavam traços totalizadores, já que seu campo de ação não se atinha somente à ordem política, mas envolvia

também outros aspectos da vida social: cultura, religião, filosofia.

Por outro lado, o regime fascista italiano resultou de um movimento organizado que tomou o poder. O partido teve um

papel fundamental como propulsor das transformações por que iria passar o novo Estado, era uma entidade que

"representava" a vontade da nação, mobilizando intensamente a população e chegando a assumir feições militarizadas.

Já o regime de 1937 no Brasil não resultou da tomada do poder por nenhum movimento revolucionário, nem era

sustentado por qualquer partido. A mobilização e organização das massas em milícias também era recusada, como o

demonstra o caso da Organização Nacional da Juventude, que foi transformada em um programa de educação moral e

cívica.

Ainda que haja semelhanças no tocante ao cerceamento da liberade individual, percebe-se assim que tanto do ponto de

vista doutrinário como da realidade histórica, o Estado Novo brasileiro não foi a reprodução literal do fascismo italiano.

• Organização Nacional da Juventude

O primeiro projeto acabado de criação de uma organização da juventude foi apresentado em 1938, patrocinado pelo

ministro da Justiça Francisco Campos. Segundo esse projeto inicial, a Organização Nacional da Juventude seria uma

instituição de âmbito nacional e caráter paramilitar, nos moldes das organizações similares então existentes nos países

fascistas. O projeto de Francisco Camposdeterminava ainda que todas as instituições de educação cívica, moral e física

existentes no país deveriam se incorporar e subordinar à organização, que dessa forma já nasceria com grande

potencial mobilizador.

Esse projeto, porém, foi duramente combatido no interior do próprio governo. O ministro da Guerra, general Eurico

Dutra, por exemplo, contrariado com o caráter paramilitar previsto para a organização, denunciou a inspiração externa

do projeto, estranha às tradições do Brasil. Com adversários desse porte, o projeto foi sucessivamente reformulado,

absorvendo contribuições decisivas de Gustavo Capanema , ministro da Educação. Na versão final, a organização

desfez-se de qualquer traço que a fizesse parecer uma milícia, mantendo-se apenas como um movimento de caráter

cívico, voltado para o culto dos símbolos nacionais.. Foi com essas características que foi criado, em março de 1940, o

movimento da Juventude Brasileira.

Contudo, com a entrada do Brasil na guerraao lado dos países aliados, a Juventude Brasileira se esvaziou

definitivamente. Em agosto de 1945, pouco antes da queda do Estado Novo, um decreto-lei extinguiu o quadro de

funcionários da organização, que dessa forma deixou de existir.

• Levante Integralista

Movimento armado contra o governo federal deflagrado em maio de 1938 por membros da Ação Integralista Brasileira.

No segundo semestre de 1937,enquanto a campanha para as eleições presidenciais marcadas para janeiro do ano

seguinte se desenrolava nas ruas, o presidente Getúlio Vargas articulava com a alta cúpula das Forças Armadas o golpe

do Estado Novo. Plínio Salgado, principal dirigente e candidato da AIB à presidência, mantinha-se a par das intenções

Page 32: Era Vargas Cpdoc

de Vargas e dava-lhes, inclusive, apoio. Por isso mesmo, logo no início do mês de novembro retirou sua candidatura e

manifestou solidariedade à luta que Vargas dizia travar contra a ameaça do comunismo e os efeitos desagregadores da

democracia liberal. A expectativa que Plínio Salgado então cultivava, alimentada pelos contatos que mantinha com o

presidente, era de que o integralismo se tornasse a base política do regime a ser implantado com o golpe e que o

Ministério da Educação do novo governo fosse entregue a um dirigente da AIB.

Ao ser decretado o Estado Novo em 10 de novembro, porém, Vargas não fez qualquer referência ao integralismo em

sua mensagem à nação. Mesmo assim, Plínio Salgado declarou apoio à nova ordem e afirmou que a AIB deixava de ter

um caráter político e passava a limitar sua atuação ao âmbito cívico e cultural. Apesar disso, a AIB acabou sendo

incluída no decreto em que Vargas determinava o fechamento de todos os partidos políticos. Percebendo que suas

expectativas de participação no poder não se concretizariam, lideranças integralistas como Olbiano de Melo, Belmiro

Valverde eGustavo Barroso, ao lado de oficiais da Marinha, começaram a articular, no início de 1938, um golpe contra o

governo. Plínio Salgado trabalhava em duas frentes: ao mesmo tempo em que dava seu consentimeto aos preparativos

insurrecionais, buscava uma reaproximação com Vargas. Aceitaria, inclusive, rebatizar a AIB, que oficialmente passou a

denominar-se Associação Brasileira de Cultura. A disposição repressiva demonstrada pelo governo contra os

integralistas deixava claro, porém, que a reaproximação era inviável.

No dia 11 de março de 1938, os integralistas deflagraram pequenas agitações na Marinha e uma tentativa de ocupação

da Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro, que foram rapidamente debeladas. Seguiu-se uma violenta onda repressiva

contra os conspiradores que, além dos integralistas, incluíam alguns políticos de oposição como Otávio

Mangabeira, Flores da Cunha e o coronel Euclides Figueiredo. Com a prisão deste último, a chefia militar do movimento

passou às mãos do general João Cândido Pereira de Castro Júnior. Enquanto isso, Plínio Salgado mantinha-se

refugiado em São Paulo, evitando dar declarações públicas.

No dia 11 de maio, uma nova tentativa insurrecional foi promovida pelos integralistas. Dessa vez, sob o comando do

tenente Severo Fournier, um grupo atacou o Palácio Guanabara, residência presidencial, com a finalidade de depor

Vargas. A precariedade do ataque, porém, permitiu que a própria guarda do palácio, auxiliada pelos familiares do

presidente, repelisse os invasores. A chegada, horas depois, das tropas comandadas pelo general Dutra, ministro da

Guerra, acabou definitivamente com o levante. Os ataques previstos a outros pontos da cidade também fracassaram

devido à total desorganização dos revoltosos.

Os integralistas sofreram forte perseguição em todo o país, e muitos de seus principais líderes foram presos. Plínio

Salgado, entretanto, negou-se a admitir qualquer participação nos episódios e a princípio foi poupado. Somente em

janeiro de 1939 seria preso, mesmo assim por poucos dias. Em maio, foi novamente encarcerado, e só saiu da prisão

no mês seguinte para se dirigir a um exílio de seis anos em Portugal.

• Novas interventorias e departamentos administrativos

Um dos principais mecanismos de centralização político-administrativa utilizados pelo Estado Novo foi o sistema de

interventorias. Dentro desse sistema os Executivos estaduais passaram a ser chefiados por interventores diretamente

subordinados a Vargas. No lugar das assembléias legislativas foram criados departamentos administrativos, cujos

membros eram nomeados também pelo presidente da República e, em alguma medida, exerciam um controle sobre os

atos dos interventores. Aos departamentos administrativos cabiam a aprovação dos decretos-leis dos interventores, a

aprovação e a fiscalização dos orçamentos estaduais, a avaliação do desempenho e da eficácia dos órgãos estaduais,

e a apresentação de sugestões de mudança, entre outras tarefas.

Assim como a interrupção do jogo político representativo, o processo de centralização visava, segundo seus

promotores, a obter um aumento da eficiência e racionalidade do Estado, e eliminar a influência de grupos privados,

como as oligarquias regionais, sobre os processos decisórios nacionais. O que se pretendia era impedir que interesses

particulares, locais, pudessem se sobrepor aos nacionais.

De fato, o sistema de interventorias contribuiu, juntamente com uma série de outras medidas, para neutralizar o poder

Page 33: Era Vargas Cpdoc

dos grupos locais que até então controlavam os governos estaduais com base no sistema de representação tradicional.

Mais do que isso, ao submeter os poderes locais ao poder central, o sistema permitiu um deslocamento dos esquemas

de aliança e lealdade da esfera regional para a nacional. Ainda assim, os grupos locais continuaram bastante

poderosos.

Os interventores muitas vezes eram originários, eles mesmos, das oligarquias regionais - lembre-se que o próprio

presidente Vargas pertencia à oligarquia gaúcha. Quando isso não acontecia, procuravam construir vínculos estreitos

com elas, utilizando os recursos de que dispunham de forma clientelística. A nomeação para cargos nos departamentos

administrativos era um modo de favorecer antigos grupos dominantes ou promover a ascensão de novos. Por essa via,

vários interventores puderam criar bases de apoio nos estados, afirmando-se como grandes lideranças. Seriam eles

que iriam controlar localmente a principal máquina partidária que entraria em ação após a queda do Estado Novo: a do

Partido Social Democrático (PSD).

• Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP)

Órgão previsto pela Constituição de 1937 e criado em 30 de julho de 1938, diretamente subordinado à Presidência da

República, com o objetivo de aprofundar a reforma administrativa destinada a organizar e a racionalizar o serviço

público no país, iniciada anos antes por Getúlio Vargas.

Coerente com os princípios do Estado Novo, o DASP via uma incompatibilidade entre a 'racionalidade' da administração

e a 'irracionalidade' da política. Pretendia assim estabelecer uma maior integração entre os diversos setores da

administração pública e promover a seleção e aperfeiçoamento do pessoal administrativo por meio da adoção do

sistema de mérito, o único capaz de diminuir as injunções dos interesses privados e político-partidários na ocupação

dos empregos públicos.

Entre as atribuições do DASP estavam previstas também a elaboração da proposta do orçamento federal e a

fiscalização orçamentária. Na prática, porém, as iniciativas relativas à política orçamentária permaneceram nas mãos do

Ministério da Fazenda até 1940. Nesse ano, a situação foi contornada com a criação, no interior daquele ministério, da

Comissão de Orçamento, cuja presidência passava a ser acumulada pelo presidente do DASP. Somente no princípio de

1945 o DASP assumiu plenamente a responsabilidade pela elaboração da proposta do orçamento federal, com a

conseqüente extinção da comissão do Ministério da Fazenda.

Desde a sua criação até o fim do Estado Novo, o DASP foi presidido por Luís Simões Lopes. Nesse período, o órgão

conheceu um contínuo processo de fortalecimento, chegando a exercer forte influência sobre as políticas

governamentais então implementadas. Entre suas principais realizações nessa fase figura a sistematização dos direitos

e deveres do funcionalismo, definidos no Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, primeiro documento desse

tipo no Brasil. Com a queda de Vargas em outubro de 1945, o DASP passou por um profundo processo de

reestruturação, que resultou no seu parcial esvaziamento. A partir de então, suas funções assumiram um caráter de

assessoria, exceto no tocante à seleção e aperfeiçoamento de pessoal, área em que se manteve como órgão executor.

• Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Modernizar a burocracia do Estado foi uma necessidade que se colocou como fundamental após a Revolução de 1930e

que ganhou novo impulso dentro da política e administração do Estado Novo. A criação do Departamento Administrativo

do Serviço Público (DASP), em 30 de julho de 1938, foi a iniciativa de maior alcance nesse sentido. A tarefa prioritária

do DASP era a formação de quadros técnicos capazes de gerenciar a máquina do governo, que crescia para dar conta

das novas atividades assumidas pelo Estado.

O crescimento do Estado e a busca da eficiência formam igualmente o contexto de criação da Fundação Getulio

Vargas. Luís Simões Lopes, presidente do DASP, foi o "arquiteto" da FGV, instituição dedicada ao estudo e ao ensino

dos problemas de administração criada em 20 de dezembro de 1944. Órgãos públicos e empresas privadas fizeram

contribuições para constituir o patrimônio inicial da nova Fundação.

Page 34: Era Vargas Cpdoc

A atuação da FGV na área de economia iniciou-se em 1946, quando um núcleo de economistas liderado por Eugênio

Gudin passou a discutir e a propor novos estudos sobre os problemas econômicos brasileiros. A Revista Brasileira de

Economia e a Conjuntura Econômica são frutos dessa atividade, assim como o Instituto Brasileiro de Economia (IBRE),

criado em 1951, e a Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE), criada em 1966. No campo da administração, a

FGV criou a Escola Brasileira de Administração Pública (EBAP), em 1952, no Rio de Janeiro, e a Escola de

Administração de Empresas (EAESP), em 1954, em São Paulo. O Centro de Pesquisa e Documentação de História

Contemporânea do Brasil (CPDOC), foi criado em 1973.

• Instituto Brasileiro de Geografia e Estastística (IBGE)

Dispor de informações confiáveis e conhecer melhor o território nacional do ponto de vista geográfico eram demandas

centrais para o projeto modernizador do governo que Getúlio Vargas instalou no país após a Revolução de 1930.

Em julho de 1934 foi assim criado o Instituto Nacional de Estatística, que só foi efetivamente instalado em 1936, quando

foi criado o Conselho Nacional de Estatística. Seu objetivo era coordenar nacionalmente todas as atividades estatísticas

das diversas esferas administrativas. Em em 1938, o Conselho Nacional de Estatística e o recém-criado Conselho

Nacional de Geografia passaram a integrar o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em seus primeiros tempos, o

IBGE funcionou como autarquia subordinada à Presidência da República, o que demonstra a importância que se

atribuía à geografia e à estatística como braços da ação governamental. Somente em 1967 o IBGE transformou-se em

fundação.

O recenseamento de 1940, considerado um dos mais bem- sucedidos na história do país, produziu em seu primeiro

volume a obra monumental de Fernando de Azevedo, A Cultura brasileira.

• Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI)

O Senai é uma instituição de direito privado criada em 1942, diretamente subordinada à Confederação Nacional da

Indústria (CNI), órgão sindical representativo do patronato industrial brasileiro.

Em 1939, o governo federal estabeleceu a obrigatoriedade de as indústrias com mais de quinhentos operários

instalarem cursos de aperfeiçoamento profissional para seus trabalhadores. Uma comissão interministerial, composta

por representantes das pastas da Educação e do Trabalho, foi formada para estabelecer a regulamentação desses

cursos. Essa comissão propôs o estabelecimento de normas nacionalmente unificadas para o ensino industrial,

aproximando-se do que sugeria o Bureau Internacional do Trabalho. Ao mesmo tempo, foram estabelecidos contatos

com entidades representativas dos industriais.

Em 1941, Euvaldo Lodi e Roberto Simonsen, presidentes respectivamente da CNI e da Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (FIESP), sugeriram ao presidente Vargas que a responsabilidade pelo ensino industrial ficasse a

cargo das federações sindicais do empresariado. Aceita a sugestão, o Senai foi criado pelo Decreto-Lei nº 4.048, de

janeiro de 1942. Seus recursos seriam garantidos pela contribuição compulsória de todos os estabelecimentos

industriais do país, correspondente a 1% de sua folha de pagamento.

Com uma administração nacional secundada por diversas administrações regionais, o Senai mantém centros de

treinamento de primeiro grau, bem como estabelecimentos profissionalizantes de segundo grau. O primeiro diretor-geral

de seu departamento nacional foi João Luderitz.

• Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)

O Senac é uma instituição de direito privado criada em 1946, subordinada à Confederação Nacional do Comércio

(CNC).

O primeiro passo para a criação do Senac foi dado em junho de 1945 por Alexandre Marcondes Filho, ministro do

Trabalho, Indústria e Comércio, que assinou portaria criando uma comissão especial destinada a promover a difusão e

aperfeiçoamento do ensino comercial no país. Em setembro daquele mesmo ano era criada a Confederação Nacional

Page 35: Era Vargas Cpdoc

do Comércio (CNC), órgão sindical patronal máximo do comércio no Brasil. Logo após seu surgimento, a CNC passou a

empenhar-se na criação do Senac, que foi afinal instituído pelo Decreto-Lei nº 8.621, de janeiro de 1946. Um outro

Decreto-Lei, o de nº 8.622, estabelecia a regulamentação do ensino comercial e fixava direitos e deveres de

comerciantes e comerciários.

O Senac possui uma rede de escolas próprias distribuídas por diversos pontos do país e se mantém com a contribuição

arrecadada de todos os estabelecimentos comerciais vinculados à CNC, correspondente a 1% do montante pago por

cada uma dessas empresas ao conjunto de seus empregados. A entidade possui uma administração nacional e

diversas administrações regionais. Seu órgão dirigente máximo, o Conselho Nacional, é composto pelo presidente da

CNC, representantes do Ministério do Trabalho e representantes dos diversos conselhos regionais. O primeiro

presidente do seu Conselho Nacional foi João Daudt de Oliveira.

Estado e Economia

Em síntese: A política econômica do Estado Novo, conduzida pelo ministro da Fazenda Sousa Costa,

caracterizou-se por um forte intervencionismo estatal. Foi o tempo da negociação da dívida externa e da criação de

conselhos regulatórios nas áreas de finanças, comércio e recursos energéticos, como o Conselho Nacional do

Petróleo ou o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica. Foi também o tempo da entrada do Brasil na guerra e

da criação de um órgão de planejamento integrado chamado Coordenação da Mobilização Econômica. Se a guerra,

de um lado, criou dificuldades impondo limites à importação, de outro, conduziu à retomada do crescimento,

estimulando a industrialização.

O agravamento da situação política na Europa ao longo do ano de 1938, e a percepção do governo norte-americano de

que precisava ter o continente americano a seu lado na hipótese de um conflito generalizado, tiveram algumas

conseqüências imediatas. Uma delas foi o abrandamento da posição norte-americana nas negociações com o Brasil,

que buscava obter vantagens comerciais e credíticias dos Estados Unidos. Assim, entre janeiro e março de 1939, a

Missão Aranha, enviada a Washington, conseguiu obter ganhos importantes que se traduziram na assinatura de uma

série de acordos com o governo norte-americano. Em abril de 1939, o câmbio voltou a ser liberado, e o Brasil foi

favorecido pela alta do preço do café nos mercados internacionais.

Com a deflagração da >Segunda Guerra Mundial em setembro de 1939, o preço dos produtos primários voltou a subir,

permitindo ao Brasil acumular reservas suficientes e negociar melhores termos para o pagamento de sua dívida

externa. Estabilizada a situação das contas externas, o governo brasileiro, diante dos entraves colocados à importação,

passou a incentivar a indústria, o que lentamente conduziu à retomada do crescimento. Após um biênio difícil, de 1940 a

1941, o crescimento industrial adquiriu novo ritmo, amparado por emissões e pela expansão de crédito do Banco do

Brasil. Em novembro de 1943, o Plano Sousa Costa, aprovado pelo governo norte-americano, iria reduzir

consideravelmente o volume da dívida e o pagamento de juros pelo Brasil.

Paralelamente a esse processo, outras iniciativas importantes foram sendo tomadas no sentido da intervenção do

Estado na economia. O Conselho Federal de Comércio Exterior (CFCE), criado em 1934 como um aparato pioneiro de

planejamento econômico, foi fortalecido no Estado Novo. A ele cabia decidir em que áreas seriam despendidos os

escassos recursos externos. Já com o objetivo de controlar as finanças estaduais e municipais, foi criado em 1937 o

Conselho Técnico de Economia e Finanças. A mesma preocupação regulatória foi estendida ao setor energético, com a

criação do Conselho Nacional do Petróleo (CNP), em 1938, e do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica

(CNAEE), em 1939. A criação do CNP, encarregado da administração das jazidas descobertas na Bahia e do

Page 36: Era Vargas Cpdoc

abastecimento de combustívei, e do CNAEE, encarregado de fixar tarifas e dar concessões para a produção de energia,

foi acompanhada da promulgação de uma extensa legislação nacionalista.

A par disso, o Estado foi gradativamente assumindo a responsabilidade pela produção de alguns insumos básicos,

como parte do esforço de guerra ou movido por uma visão mais estratégica acerca do futuro desenvolvimento do país.

Nos primeiros anos da década de 1940, foram sendo criadas as primeiras grandes empresas estatais brasileiras. Em

1940, assistiu-se à criação da Companhia Siderúrgica Nacional, em decorrência de acordo com os Estados Unidos. Em

1942, foi criada a Companhia Vale do Rio Doce, para a exploração das jazidas de ferro de Minas Gerais. Em 1943, foi a

vez da Companhia Nacional de Álcalis, para a produção de soda e barrilha, e da Fábrica Nacional de Motores. Por fim,

em 1945, foi constituída a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, com vistas ao abastecimento de energia elétrica

para o Nordeste do país.

Boa parte das iniciativas governamentais mencionadas só teria sua completa realização em períodos bem posteriores.

Assim, a produção de petróleo só experimentaria um real crescimento após 1946, e a primeira refinaria somente

entraria em operação em 1947-48. A Companhia Nacional de Álcalis teria de esperar o final dos anos 50 para iniciar

operação efetiva. Já a Fábrica Nacional de Motores não sobreviveu como projeto empresarial. Entretanto, o sentido das

transformações esboçadas - forte participação estatal no estímulo ao crescimento industrial - iria marcar profundamente

o desenvolvimento do país nas décadas seguintes.

• Missão Aranha

Nos últimos anos da década de 1930, uma das principais preocupações dos Estados Unidos no campo das relações

internacionais era o crescimento das relações comerciais entre Brasil e Alemanha, cuja base residia nos acordos de

comércio compensado estabelecidos entre os dois países. Por outro lado, o governo norte-americano, pressionado

internamente, era forçado a reivindicar do governo brasileiro o pagamento dos juros da dívida externa e dos atrasados

comerciais, que havia sido suspenso em 1937 devido às dificuldades que o Brasil enfrentava em seu balanço de

pagamentos. Isso acrescentava à preocupação de Washington com seus interesses comerciais prejudicados um outro

temor, dessa vez de cunho político: o de que a instabilidade econômico-financeira do Brasil pudesse favorecer uma

maior aproximação não só econômica, mas militar e político-ideológica com a Alemanha.

Convencido de que a guerra era inevitável, e além disso se alastraria para fora da Europa, o governo norte-americano

elaborou um plano para assegurar o apoio político e ideológico dos governos latino-americanos. Foi nesse contexto que

os Estados Unidos empreenderam uma forte campanha de penetração cultural na América Latina, e que, ainda no início

de 1939, atendendo a convite pessoal do presidente Roosevelt, foi enviada a Washington a Missão Aranha. Chefiada

pelo ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, e contando ainda com a participação do diretor do DASP, Luís

Simões Lopes, do diretor do Banco do Brasil, Marcos de Sousa Dantas, e dos diplomatas Carlos Muniz e Sérgio de

Lima e Silva, a missão manteve diversas conversações com autoridades norte-americanas entre os meses de janeiro e

março.

Como resultado, Brasil e Estados Unidos assinaram uma série de cinco acordos que estabeleciam a concessão de um

crédito de US$ 50 milhões para auxiliar a criação de um Banco Central brasileiro; a concessão de um empréstimo de

US$ 19,2 milhões do Eximbank para a liquidação de atrasados comerciais e a reativação do intercâmbio comercial entre

os dois países; o compromisso desse mesmo banco de financiar vendas norte-americanas para o Brasil com prazos de

pagamento e juros favorecidos, e a promessa do governo Roosevelt de facilitar a formação de companhias de

desenvolvimento, com capitais americanos e brasileiros, destinadas à industrialização de matérias-primas brasileiras.

Em contrapartida, o governo brasileiro assumiu o compromisso de liberar o mercado de câmbio para as transações

comerciais, facilitar a transferência de lucros de capitais norte-americanos aplicados no Brasil e retomar o pagamento

da dívida externa. A Missão Aranha acertou também a troca de visitas dos chefes de Estado-Maior dos Exércitos

americano e brasileiro, respectivamente o general Marshall e o general Góes Monteiro, iniciativa de significado mais

político do que militar, visando ao início de uma colaboração que barrasse o aumento da influência militar alemã.

Os resultados econômicos da Missão Aranha não encontraram boa receptividade em alguns setores do governo

Page 37: Era Vargas Cpdoc

brasileiro, o que tornou problemática a implementação dos acordos assinados. Embora alguns compromissos tenham

sido honrados - como a liberação do mercado de câmbio e a retomada do pagamento da dívida -, não houve uma

mudança radical no perfil das relações econômicas entre Brasil e Estados Unidos, que só seria alterado drasticamente

com a eclosão da >Segunda Guerra Mundial. Ainda assim, pode-se afirmar que os acordos resultantes da Missão

Aranha foram um marco inicial no movimento de aproximação política entre Brasil e Estados Unidos, que iria se

aprofundar nos anos seguintes.

• Conselho Federal de Comércio Exterior

Órgão criado em junho de 1934 com a finalidade de centralizar a política de comércio exterior do país, de forma a

racionalizá-la e expandi-la. A criação do CFCE se inseria em um projeto mais amplo do governo de Getúlio Vargas, que

visava à centralização político-administrativa e a uma intervenção mais decidida do Estado na vida econômica do país.

Diretamente subordinado à Presidência da República, o CFCE cumpria funções de planejamento econômico, já que

uma de suas atribuições era coordenar a atividade de outros órgãos de política econômica. Embora indefinições sobre

qual seria sua esfera exata de competência prejudicassem sua atuação, o CFCE viu sua importância crescer

continuadamente, sobretudo durante o Estado Novo. Em duas ocasiões, 1937 e 1939, o órgão teve sua organização e

suas atribuições alteradas, sempre no sentido da ampliação.

Compunham o CFCE, entre outros, representantes dos ministérios das Relações Exteriores, da Fazenda, da Agricultura,

do Trabalho, Indústria e Comércio, e da Viação e Obras Públicas, do Banco do Brasil e da Associação Comercial, todos

designados pelo presidente da República. Posteriormente, com a ampliação de suas funções, o Conselho passou a

incluir também representantes de entidades privadas. Sua estrutura organizativa era baseada em três câmaras: a de

crédito e propaganda, a de produção, tarifa e transportes, e a de comércio e acordos. Suas decisões eram

transformadas em lei somente após serem referendadas pelo presidente da República.

Importantes iniciativas do governo Vargas na área econômica, como a criação do Instituto Nacional do Mate e do

Conselho Nacional do Petróleo foram inicialmente sugeridas pelo CFCE. Além ser responsável em boa medida pela

linha nacionalista e estatizante adotada pelo governo no período, sua atuação foi decisiva também para o acesso dos

grupos empresariais ao aparelho estatal, realizado através da representação classista.

O CFCE foi extinto em 1949, sendo substituído pelo Conselho Nacional de Economia.

• Conselho Técnico de Economia e Finanças

Órgão técnico e consultivo do Ministério da Fazenda criado em 25 de novembro de 1937.

A excessiva autonomia estadual que prevaleceu durante a Primeira República levou o governo a elaborar um projeto de

centralização político-administrativa que teve início logo após a Revolução de 1930 e se estendeu até 1945. O CTEF

teve sua origem na Comissão de Estudos Financeiros e Econômicos dos Estados e Municípios, de 1931, criada com o

objetivo de levantar e reunir informações sobre a situação econômica e financeira das diferentes unidades da

federação.

Após essa primeira etapa, a partir de 1937, com o CTEF, procurou-se instituir formas de fiscalização e controle das

finanças estaduais e municipais e transferir para o governo federal, em caráter exclusivo, as operações financeiras

externas. Além disso, cabia ao CTEF estudar e formular pareceres sobre diversos aspectos da política econômico-

financeira do país, como tributação, legislação bancária e monetária, incentivos fiscais, aproveitamento de combustíveis

e política energética. Na prática, o CTEF desenvolveu trabalhos no sentido de disciplinar os empréstimos públicos

externos, assim como a política tributária e orçamentária, elaborou normas para a padronização dos orçamentos

estaduais e municipais e teve papel destacado na discussão e encaminhamento das políticas siderúrgica e petrolífera.

Foi também um canal de expressão das reivindicações do empresariado junto aos centros de decisão política.

O CTEF foi perdendo o seu prestígio após a queda do Estado Novo, mas sobreviveu até 1971, quando foi extinto.

Page 38: Era Vargas Cpdoc

• Conselho Nacional do Petróleo

A criação do CNP, pelo Decreto-Lei n° 395, de 29 de abril de 1938, representou a primeira iniciativa consistente do

Estado brasileiro de regulação do setor petrolífero. Constituiu o ponto final de um processo que, iniciado com a

promulgação da Lei de Minas de 1921, se tornou mais tenso a partir de 1933, com o conflito entre empresários e grupos

técnicos do Estado em torno da exploração do petróleo no país, e culminou com a vitória das posições nacionalistas,

sustentadas sobretudo por segmentos do Exército.

O CNP foi concebido como um órgão colegiado, composto pelos ministros das três Forças Armadas, os ministros da

Fazenda e do Trabalho, Indústria e Comércio, e representantes de sindicatos da indústria e do comércio. Suas decisões

sempre obedeceram à orientação preponderante de seu presidente, nomeado pela Presidência da República, e eram

passíveis de veto por parte dos ministros militares. Seu corpo técnico, constituído sobretudo após 1941, viria a constituir

a fonte mais importante de recursos humanos para a Petrobrás.

A legislação promulgada por ocasião da criação do CNP previa a imediata nacionalização de todas as atividades já em

curso (basicamente, pequenas refinarias) e o estrito controle governamental sobre todos os aspectos da indústria do

petróleo. Ainda que se previsse a participação do setor privado, por meio de concessões para a exploração e o refino, a

amplitude dos controles governamentais deixava clara a opção estatizante. O primeiro presidente do CNP, o general

Horta Barbosa (1938-1943), oficial nacionalista de formação positivista, não tardou a se utilizar da lei para dificultar a

operação de companhias privadas - atitude que daria origem a célebres conflitos com Monteiro Lobato e com a

Standard Oil Company -, para estatizar as jazidas petrolíferas descobertas na Bahia e para iniciar o planejamento de um

refinaria estatal.

Contudo, seja pela pouca confiança do próprio presidente Vargas em uma solução completamente estatal, seja por seu

desejo de evitar áreas de atrito com o governo norte-americano após as negociações que levaram à criação da

Companhia Siderúrgica Nacional, a influência dos setores nacionalistas começou a declinar a partir de 1943. Nesse

ano Horta Barbosa se demitiu, e em seu lugar foi nomeado o general João Carlos Barreto, que iniciou uma lenta

mudança de posição na direção de teses mais liberais. A manifestação mais clara dessa tendência foi a publicação de

editais prevendo concessões para a instalação de refinarias privadas no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em fins de

1946, seriam finalmente aprovadas as concessões para a construção da Refinaria União, em São Paulo, pelo grupo

Soares Sampaio, e da Refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, pelo grupo Drault Ernanny, que terminaram por

entrar em operação apenas nos primeiros anos da década de 1950.

• Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica

O CNAEE foi criado em março de 1939 com a finalidade de estudar o problema da exploração e utilização da energia

elétrica no país, em especial a de origem hidráulica. Era integrado por cinco membros, todos nomeados pelo presidente

da República.

A criação do CNAEE procurava colocar em prática as disposições contidas no Código de Águas de 1934. Sua finalidade

principal era proporcionar uma atuação coordenada do Estado no âmbito da produção hidrelétrica, até então entregue

quase exclusivamente à iniciativa privada.

Na década de 1960, após a criação da Eletrobrás e do Departamento Nacional de Águas e Energia, o CNAEE foi

perdendo gradualmente suas funções. Foi extinto em 1969.

• Criação da Companhia Siderúrgica Nacional

Já por ocasião da Revolução de 1930, a criação de uma grande indústria siderúrgica nacional havia sido fixada como

um dos objetivos do governo, visando a atender às necessidades não só do desenvolvimento econômico, mas da

própria soberania nacional. Foi exatamente a preocupação com a defesa nacional que fez com que, a partir de meados

da década, os militares passassem a desempenhar um papel chave na luta em prol da indústria siderúrgica brasileira.

Em junho de 1939, durante visita aos Estados Unidos do chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, general Góes

Page 39: Era Vargas Cpdoc

Monteiro, o governo norte-americano manifestou sua disposição de cooperar no reequipamento econômico e militar

brasileiro em troca de nossa colaboração nos planos de defesa continental traçados por Washington. Na ocasião foi

enviado ao Brasil um grupo de técnicos da United States Steel e, como resultado das conclusões favoráveis de seus

estudos, foi instalada a Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico. Contudo, em janeiro de 1940 o governo brasileiro

foi informado da decisão daquela empresa de que não iria mais participar da construção da usina no Brasil. Embora os

motivos dessa desistência nunca tenham ficado claros, é possível que estivessem ligados aos estudos que se faziam na

época em torno da criação de um novo Código de Minas que proibiria a participação estrangeira na atividade

metalúrgica. Em vista da decisão da empresa norte-americana, o governo brasileiro decidiu levar adiante o

empreendimento por meio da constituição de uma empresa nacional, com a ajuda de empréstimos estrangeiros. Ainda

em 1940 foi criada a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que estabeleceu metas de produção e

financiamento e decidiu pela localização da usina em Volta Redonda (RJ).

A embaixada brasileira em Washington foi então autorizada a solicitar ao Eximbank um crédito de US$ 17 milhões para

a aquisição de maquinaria. O governo norte-americano, entretanto, retardava qualquer definição e chegou a favorecer o

reatamento das negociações entre o Brasil e a United States Steel, solução que, àquela altura, não era mais desejada

pelo governo brasileiro.

O lance decisivo viria, por fim, com o discurso pronunciado por Vargas a bordo do encouraçado Minas Gerais em 11 de

junho de 1940. Contendo alusões simpáticas ao Eixo, o discurso pode ser interpretado como manobra para forçar os

Estados Unidos a uma definição favorável à implantação da siderurgia no Brasil. Logo a seguir, uma comissão integrada

por Edmundo de Macedo Soares,Guilherme Guinle e Ari Torres foi aos Estados Unidos para negociar o financiamento

junto ao Eximbank e obteve um empréstimo de US$ 20 milhões. Paralelamente aos trabalhos da comissão,

prosseguiam as negociações entre os governos norte-americano e brasileiro quanto às bases e ao alcance da

cooperação econômica e militar entre os dois países, que só se completariam em 1942. Isso não impediu que já em 7

de abril de 1941 fosse criada a Companhia Siderúrgica Nacional, sociedade anônima de economia mista cujo primeiro

presidente, nomeado também naquela data, foiGuilherme Guinle.

• Criação da Companhia Vale do Rio Doce

Empresa de capital misto criada através de decreto-lei pelo presidente Getúlio Vargas em junho de 1942. Com controle

acionário do governo federal, a CVRD foi organizada para impulsionar a exploração das riquezas minerais do subsolo

brasileiro, principalmente o ferro.

Coerente com as disposições contidas no Código de Minas - que fazia distinção entre a propriedade do solo e a do

subsolo e vedava a exploração do subsolo brasileiro a estrangeiros -, o governo federal implementou a partir da década

de 1940 uma política mais agressiva na área da exploração mineral. Com uma nítida postura nacionalista, o governo

Vargas eliminou definitivamente as pretensões que a Itabira Iron Ore Company mantinha no Brasil, contestadas por

políticos e intelectuais desde a Primeira República.

Em que pese a orientação nacionalista então manifestada pelo governo brasileiro, a criação da CVRD contou com a

colaboração dos governos dos Estados Unidos e da Inglaterra, obtida no contexto da aproximação do Brasil com as

potências aliadas na Segunda Guerra Mundial. A própria incorporação do patrimônio da Itabira Iron à nova empresa se

deu graças a um entendimento com o governo britânico.

Parte de um projeto de desenvolvimento econômico mais amplo que visava à industrialização do país, o surgimento da

CVRD se relaciona com o da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Assim como a CSN, a CVRD continuou se

fortalecendo ao longo dos anos. Na década de 1950, consolidou sua posição no mercado mundial. Nas duas décadas

seguintes, houve uma diversificação considerável de suas atividades, que passaram a incluir a construção e exploração

do porto de Tubarão, próximo a Vitória (ES).

Com uma área de atuação a princípio concentrada em torno das jazidas de ferro de Minas Gerais, a CVRD com o

tempo passou a operar também na região amazônica, onde se localizam as jazidas de Carajás, no sul do Pará. Hoje, a

Page 40: Era Vargas Cpdoc

CVRD forma um grande conglomerado estatal, constituído por mais de vinte empresas.

Educação, Cultura e Propaganda

Em síntese: Com o auxílio do Ministério da Educação e do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), o

regime autoritário do Estado Novo articulou uma dupla estratégia de atuação na área cultural, voltada tanto para as

elites intelectuais como para as camadas populares. Ao mesmo tempo em que incentivava a pesquisa e a reflexão

conduzidas pelos intelectuais reunidos no ministério chefiado por Gustavo Capanema, o governo estabelecia, via

DIP, uma rígida política de vigilância em relação às manifestações da cultura popular. A propaganda do regime foi

facilitada pelo controle dos mais variados meios de comunicação, e seus instrumentos principais foram o rádio e a

imprensa.

Nomeado ministro da Educação no início do governo constitucional de Getúlio Vargas, em 1934,Gustavo

Capanema manteve-se à frente do ministério durante todo o Estado Novo. Manteve igualmente o grupo de intelectuais

que o assessorava, do qual faziam parte Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Rodrigo Melo Franco de

Andrade e outros. Os projetos que vinham sendo desenvolvidos tiveram continuidade, o que resultou na implantação

definitiva de órgãos como a Universidade do Brasil, o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacionale o Instituto

Nacional do Livro. Também foi consumada a reforma do ensino secundárioe foi estimulado o ensino profissionalizante,

que permitiria a criação do Senai e do Senac. A afirmação dos princípios católicos na condução do ensino superior se

faria com a abertura das Faculdades Católicas, que daria origem à criação da Pontifícia Universidade Católica.

Modernizar a educação, incentivar a pesquisa e preservar as raízes culturais brasileiras foram metas almejadas pelos

intelectuais que cercavam o ministroCapanema, mas essas metas nem sempre foram alcançadas, pois muitas vezes

esbarravam nos procedimentos centralizadores e burocráticos do regime.

No DIP, sob a liderança de Lourival Fontes, iriam reunir-se os remanescentes do modernismo conservador representado

pela corrente dos verde-amarelos. Foi esse grupo que traçou efetivamente as linhas mestras da política cultural do

governo voltada para as camadas populares. Uma das metas fundamentais do projeto autoritário era obter o controle

dos meios de comunicação, garantindo assim, tanto quanto possível, a homogeneidade cultural. A ideologia do regime

era transmitida através das cartilhas infanto-juvenis e dos jornais nacionais, passando também pelo teatro, a música, o

cinema, e marcando presença nos carnavais, festas cívicas e populares.

Em 1940, a Rádio Nacional foi encampada pelo governo. Logo em seguida, foi a vez dos jornais A Manhã e A Noite. O

jornal A Manhã, sob a direção de Cassiano Ricardo, e a revista Cultura Política, sob a direção de Almir de Andrade,

tornaram-se os porta-vozes do regime. Ambas as publicações contavam com a colaboração de intelectuais das mais

diversas correntes. Já a revista Ciência Política reunia intelectuais de pouca projeção, voltando-se basicamente para a

doutrinação das camadas populares. Buscava-se construir a imagem de uma verdadeira simbiose entre o governo e os

intelectuais. Ao assumir sua cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 1943, Vargas estaria simbolicamente

corporificando essa comunhão de interesses. O curioso disso tudo é que, se a imprensa foi uma peça fundamental na

definição e na difusão da ideologia do Estado Novo, seria também através dela que a imagem do regime começaria a

ruir.

Seguramente o rádio foi um dos veículos de maior eficiência na difusão do projeto político-pedagógico estadonovista. A

Rádio Nacional contava com expressiva verba oficial para manter o melhor elenco da época, incluindo músicos,

cantores, radioatores, humoristas e técnicos. Em seus programas transmitiam-se os padrões de comportamento e

valores desejáveis. Buscando monopolizar a audiência popular, o governo instituiu concursos musicais em que a

Page 41: Era Vargas Cpdoc

opinião pública elegia seus astros favoritos. A apuração era feita no DIP, e o resultado era transmitido durante o

programa "Hora do Brasil". Em agosto de 1941, foi criado o "Repórter Esso", jornal radiofônico inspirado no modelo

norte-americano com notícias procedentes da United Press International (UPI). A Rádio Mauá, diretamente ligada ao

Ministério do Trabalho, e autodenominando-se "a emissora do trabalho", popularizava a imagem de Vargas.

Com o objetivo de incentivar as manifestações cívicas, o governo deu apoio ao projeto orfeônico de Villa-Lobos. As

apresentações de canto orfeônico eram comuns durante as grandes concentrações populares no estádio do Vasco da

Gama. O povo era considerado uma espécie de matéria bruta a ser elaborada pelo saber das elites. Baseado nesse

raciocínio, o governo justificava seu controle e fiscalização sobre as mais diversas expressões culturais. Até mesmo a

linguagem popular era alvo desse tipo de controle.

Foi durante o Estado Novo que surgiu o chamado "samba da legitimidade", em que se buscava converter a figura do

malandro na figura exemplar do operário de fábrica. O DIP incentivava os compositores a exaltar o trabalho e

abandonar a boemia. Também através do samba se ensinava a repudiar o comunismo como ameaça à nacionalidade

("Glória ao Brasil", 1938). Procurando construir uma imagem positiva do governo junto aos artistas, em 1939 Vargas

criou o "dia da Música Popular Brasileira".

Com construções arquitetônicas sólidas como o Ministério da Guerra e a estação da Central do Brasil, procurava-se

demonstrar a força e pujança do regime. Mas também se ousava nos pilotis e nos painéis do edifício-sede do Ministério

da Educação. Foi essa combinação entre conservadorismo e arrojo a marca do Estado Novo na área cultural.

• Universidade do Brasil

A Universidade do Brasil foi criada por lei oriunda do Poder Legislativo em 5 de julho de 1937, ainda antes do Estado

Novo. Dava continuidade à antiga Universidade do Rio de Janeiro, criada na década de 1920 como uma reunião das

escolas superiores existentes na cidade. A novidade já havia sido anunciada em 1931, quando Francisco

Campos estava à frente do Ministério da Educação e assinou decreto estabelecendo que o sistema universitário deveria

ser preferencial ao conjunto de escolas superiores isoladas.

O ministro Gustavo Capanema, dando continuidade ao projeto de Francisco Campos, formou em julho de 1935 uma

comissão encarregada de estudar a ampliação da Universidade do Rio de Janeiro, que em 1937 passaria a denominar-

se Universidade do Brasil. A comissão era composta de 12 membros, incluindo professores e intelectuais de diferentes

tendências ideológicas, como Inácio Azevedo Amaral, Edgar Roquete Pinto e Lourenço Filho. Ao ser criada, a

Universidade do Brasil reuniu 15 escolas ou faculdades que receberam a denominação de "nacionais" e 16 institutos,

alguns dos quais já existentes, além do Museu Nacional.

Com a criação da Universidade do Brasil o governo pretendia implantar em todo o país um padrão nacional de ensino

superior e estabelecer um sistema destinado a controlar a qualidade desse ensino. Esse projeto grandioso e altamente

centralizador acabaria sufocando outras iniciativas mais liberais. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a Universidade do

Distrito Federal, extinta em 1939, quando foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

Apesar de enfatizar o aspecto democratizante do ensino universitário, o ministro Capanema criou uma universidade

claramente destinada às elites. Nessa perspectiva se incluía o projeto grandioso de construção da Cidade Universitária,

que pretendia ser o núcleo da cultura brasileira. As obras, no entanto, não chegaram a ser iniciadas na gestão

de Capanema.

A Universidade do Brasil, com a reforma universitária iniciada em 1965, transformou-se na Universidade Federal do Rio

de Janeiro.

• Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Os chamados patrimônios históricos e artísticos têm nas modernas sociedades a função de representar simbolicamente

a identidade e a memória da nação. O pertencimento a uma comunidade nacional é produzido com a idéia de

propriedade (daí a palavra "patrimônio") sobre um conjunto de bens: relíquias, monumentos, cidades históricas entre

Page 42: Era Vargas Cpdoc

outros.

No Brasil, o reconhecimento da necessidade de proteger o patrimônio histórico e artístico já havia sido apontada nos

anos 20, época em que se registraram iniciativas locais e estaduais. Em 1936, Mário de Andrade foi solicitado a

preparar um para a criação de uma instituição nacional de proteção do patrimônio. Foi esse o documento que foi usado

nas discussões preliminares sobre a estrutura e os objetivos do SPHAN, criado afinal por decreto presidencial assinado

em 30 de novembro de 1937.

O decreto de criação do SPHAN definia o patrimônio histórico e artístico nacional como "o conjunto de bens móveis e

imóveis existentes no país e cuja conservação seja do interesse público quer por sua vinculação a fatos memoráveis da

História do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico". Eram também

classificados como patrimônio "monumentos naturais, bem como sítios e paisagens que importe conservar e proteger

pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana".

O SPHAN estava subordinado ao Ministério da Educação, e foi o ministro Capanema quem convidouRodrigo Melo

Franco de Andrade para dirigir a instituição recém-fundada. De 1937 até 1969, quando morreu, Rodrigo Melo Franco de

Andrade manteve seu cargo de diretor do Patrimônio. A instituição veio a ser posteriormente Departamento, Instituto,

Secretaria e, de novo, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), como se chama atualmente.

O projeto original de Mário de Andrade recebeu modificações significativas trazidas pela orientação de Rodrigo Melo

Franco de Andrade ao longo dos 30 anos em que esteve à frente do SPHAN. Durante esse período o SPHAN norteou

sua política pelas noções de "tradição" e de "civilização", dando especial ênfase à relação com o passado. Os bens

culturais classificados como patrimônio deveriam fazer a mediação entre os heróis nacionais, os personagens

históricos, os brasileiros de ontem e os de hoje. Essa apropriação do passado era concebida como um instrumento para

educar a população a respeito da unidade e permanência da nação.

Ao longo das décadas em que Rodrigo Melo Franco de Andrade e seu grupo estiveram à frente do SPHAN,

os tombamentos incidiram majoritariamente sobre a arte e a arquitetura barrocas concentradas em Minas Gerais,

principalmente nos monumentos religiosos católicos.

• Instituto Nacional do Livro

O Instituto Nacional do Livro foi criado em dezembro de 1937 por iniciativa do ministro Gustavo Capanema. Estavam

previstas como suas atribuições a edição de obras literárias julgadas de interesse para a formação cultural da

população, a elaboração de uma enciclopédia e um dicionário nacionais e, finalmente, a expansão, por todo o território

nacional, do número de bibliotecas públicas.

Para os formuladores da política cultural da década de 1930, anos de busca de uma identidade nacional, a organização

de uma enciclopédia e um dicionário da língua brasileira parecia fundamental à própria existência cultural do país. Já as

bibliotecas, na definição de Capanema, eram necessárias por serem "centros de formação da personalidade, de

compreensão do mundo, de auto-educação, enfim, centros de cultura".

Vários intelectuais passaram pelo Instituto Nacional do Livro durante o Estado Novo. Sua direção foi entregue

inicialmente ao escritor, poeta e crítico literário modernista Augusto Meyer. Sérgio Buarque de Holanda e Mário de

Andrade também estiveram ligados ao instituto.

Até 1945 não foram concluídos nem o dicionário nem a enciclopédia brasileira, mas o número de bibliotecas públicas,

principalmente nos estados menos prósperos do país, cresceu muito graças ao apoio do INL, que as auxiliava na

dispendiosa tarefa de constituição de acervo e capacitação técnica.

• Reforma do Ensino Secundário

A discussão da reforma do ensino secundário se iniciou na gestão de Francisco Campos no Ministério da Educação. O

argumento do ministro era que "o mundo vive hoje sob o sinal do econômico, como já viveu em outros tempos sob o

Page 43: Era Vargas Cpdoc

sinal do religioso e do político". Daí a necessidade de uma reformulação do ensino, de forma que os indivíduos se

preparassem técnica e profissionalmente para uma sociedade das profissões.

Mas foi na gestão do ministro Gustavo Capanema que foi promulgada, em 9 de abril de 1942, a Lei Orgânica do Ensino

Secundário, também conhecida como Reforma Capanema. Por essa lei, foram instituídos no ensino secundário um

primeiro ciclo de quatro anos de duração, denominado ginasial, e um segundo ciclo de três anos. Esse último ciclo, que

na reforma planejada por Francisco Camposapresentava três opções, passou a ter apenas duas, o curso clássico e o

científico. Os novos currículos previstos na Lei Orgânica caracterizavam-se pela predominância do enciclopedismo, com

valorização da cultura geral e humanística.

Por influência da Segunda Guerra Mundial, a lei instituiu também a educação militar para os alunos do sexo masculino.

Reafirmou o caráter facultativo da educação religiosa e obrigatório da educação moral e cívica, e recomendou ainda

que a educação das mulheres fosse feita em estabelecimento distinto daquele onde se educavam os homens.

A Lei Orgânica do Ensino Secundário permaneceu em vigor até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, em 1961.

• Criação da Pontifícia Universidade Católica

Desde a década de 1920 os católicos vinham se organizando, através da revista A Ordem (1921) e do Centro Dom Vital

(1922), com o propósito de ter uma atuação mais marcante no processo decisório nacional. Sob a liderança do

arcebispo dom Sebastião Leme, do padre Leonel Franca e de Alceu Amoroso Lima, articulou-se assim um movimento

em prol da educação superior católica. Em 1929, foi fundada a Associação dos Universitários Católicos, em 1932 o

Instituto de Estudos Superiores e em 1933 a Confederação Católica Brasileira de Educação. Em 1934, realizou-se no

Rio de Janeiro o I Congresso Católico de Educação.

Para o grupo católico, a universidade enquanto espaço de socialização das elites dirigentes tinha necessariamente que

ser católica. Daí sua incompatibilidade com projetos como o da Universidade do Distrito Federal, identificada com

nomes como Pedro Ernesto e Anísio Teixeira, considerados homens de esquerda.

Em 1940, a Companhia de Jesus recebeu de dom Leme a incumbência de dirigir a futura universidade católica. Nesse

mesmo ano o Conselho Nacional de Educação concedeu por unanimidade autorização prévia para o funcionamento das

Faculdades Católicas, que incluíam uma Faculdade de Direito e sete cursos da Faculdade de Filosofia (geografia,

história, ciências sociais, pedagogia, letras clássicas, neolatinas e neogermânicas). A eleição das faculdades de

Filosofia e de Direito como núcleos do ensino superior católico convinha ao projeto da Igreja, já que a maior parte das

elites brasileiras era composta de juristas e advogados. Também interessava a disseminação da cultura humanística

entre as elites, facilitando a sua espiritualização.

Em março de 1941, na solenidade de abertura dos cursos, discursaram o padre Leonel Franca, reitor das Faculdades

Católicas, o ministro Gustavo Capanema e Alceu Amoroso Lima. O corpo de professores era em grande parte oriundo

da UDF e da Universidade do Brasil. Em 1946, com a agregação da Escola de Serviço Social do Instituto Social do Rio

de Janeiro às Faculdades Católicas, completou-se o número de unidades exigido pela legislação para a formação de

uma universidade. Em março desse ano, as Faculdades Católicas foram assim elevadas à categoria de universidade, a

primeira de caráter particular no país. Pensada originariamente para atender à elite católica, a Pontifícia Universidade

Católica acabaria servindo à educação das elites em geral.

• Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP)

O DIP foi criado por decreto presidencial em dezembro de 1939, com o objetivo de difundir a ideologia do Estado Novo

junto às camadas populares. Mas sua origem remontava a um período anterior. Em 1931 foi criado o Departamento

Oficial de Publicidade, e em 1934 o Departamento de Propaganda e Difusão Cultural (DPDC). Já no Estado Novo, no

início de 1938, o DPDC transformou-se no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), que finalmente deu lugar ao

DIP.

Page 44: Era Vargas Cpdoc

O DIP possuía os setores de divulgação, radiodifusão, teatro, cinema, turismo e imprensa. Cabia-lhe coordenar, orientar

e centralizar a propaganda interna e externa, fazer censura ao teatro, cinema e funções esportivas e recreativas,

organizar manifestações cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos, conferências, e dirigir o programa de

radiodifusão oficial do governo. Vários estados possuíam órgãos filiados ao DIP, os chamados "Deips". Essa estrutura

altamente centralizada permitia ao governo exercer o controle da informação, assegurando-lhe o domínio da vida

cultural do país.

Na imprensa, a uniformização das notícias era garantida pela Agência Nacional. O DIP as distribuía gratuitamente ou

como matéria subvencionada, dificultando assim o trabalho das empresas particulares. Contando com uma equipe

numerosa e altamente qualificada, a Agência Nacional praticamente monopolizava o noticiário.

Quanto ao rádio, buscou-se difundir seu uso nas escolas e nos estabelecimentos agrícolas e industriais, de modo a

promover a cooperação entre a União, os estados, os municípios e particulares. O programa oficial "Hora do Brasil" era

transmitido para todo o território nacional. Outra realização do DIP foi o "Cinejornal Brasileiro", série de documentários

de curta metragem de exibição obrigatória antes das sessões de cinema. No "Cinejornal" fazia-se a crônica cotidiana da

política nacional, recorrendo-se ao forte impacto dos recursos audiovisuais. Alguns filmes eram exportados para países

como a Argentina, o Uruguai e o Paraguai.

Um dos reflexos da guerra no Brasil foi uma campanha de penetração cultural do governo norte-americano destinada a

barrar a influência alemã no país. O DIP colaborou nessa campanha, que marcou a presença do Tio Sam no Brasil,

apoiando e desenvolvendo projetos conjuntos com a agência norte-americana criada para esse fim. Foi nesse contexto

que vieram ao Brasil artistas famosos como o cineasta Orson Welles, Walt Disney e Nelson Rockefeller. Também foi

instituída no DIP uma sessão de intercâmbio cultural luso-brasileiro. Um dos frutos desse intercâmbio foi a revista

Brasília, publicada pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra.

O DIP costumava realizar concursos de monografias e reportagens sobre temas nacionais. Foi através de seu setor de

divulgação que se editaram várias coleções como a Coleção Brasil, Vultos, datas e realizações e O Brasil na guerra.

Para divulgar essas obras foi criada uma rede de bibliotecas em escolas, quartéis, hospitais e sindicatos. A

centralização informativa era apresentada como fator de modernidade e justificada pelos princípios de

agilidade,eficiência e racionalidade.

Devido à importância de suas funções, o DIP acabou se transformando numa espécie de "superministério". Cabia-lhe

exercer a censura às diversões públicas, antes de responsabilidade da Polícia Civil do Distrito Federal. Também os

serviços de publicidade e propaganda dos ministérios, departamentos e órgãos da administração pública passaram à

responsabilidade do DIP.

Entre 1939 e 1942 o DIP esteve sob a direção de Lourival Fontes, que já dirigira o DPDC e o DNP. Seus sucessores

foram o major Coelho dos Reis, de agosto de 1942 até julho de 1943, e o capitão Amilcar Dutra de Menezes, que atuou

até a extinção do DIP, em maio de 1945.

• Imprensa

Praticamente durante todo o seu primeiro governo, de 1930 a 1945, o presidente Getúlio Vargasmanteve uma relação

conflituosa com a imprensa. O controle sobre ela exercido pelo DIP durante o Estado Novo pode ter contornado

problemas, mas certamente não os eliminou. Foi com a ajuda da imprensa que, em 1945, o regime começou a cair.

Logo de início, os jornais de maior circulação do Rio de Janeiro e São Paulo apoiaram a Aliança Liberal e a Revolução

de 1930. Entretanto, instalado o regime revolucionário, a situação começou a mudar. Em fevereiro de 1932, numa

época em que o Brasil podia ser chamado de o país dos "tenentes", ocorreu o empastelamento do Diário Carioca, jornal

que apoiara com entusiasmo os revolucionários de 1930, mas se mostrou desiludido logo nos primeiros meses do

Governo Provisório, passando a defender a constitucionalização do país. A destruição do jornal por elementos ligados

ao Clube 3 de Outubro desencadeou uma crise entre os revolucionários. Maurício Cardoso, então ministro da Justiça,

exigiu a apuração das responsabilidades, mas Vargas mostrou-se reticente. Diante disso,Maurício Cardoso, juntamente

Page 45: Era Vargas Cpdoc

com outros políticos gaúchos, afastou-se do governo.

A esmagadora maioria da imprensa nesse período, principalmente a da capital da República, era contrária a Vargas. Os

"tenentes", tendo à frente João Alberto, contribuíram com recursos financeiros para a criação de alguns jornais de apoio

ao governo, entre eles O Radical, fundado em junho de 1932. Mas foi durante o Estado Novo que Vargas aprofundou ao

mesmo tempo seu controle e suas incompatibilidades com a imprensa.

A razão fundamental do descontentamento dos jornais com o novo regime foi que a Constituição de 1937 aboliu a

liberdade de expressão. Todos os meios de comunicação e de expressão, como o teatro, o cinema, o rádio ou os

jornais, foram submetidos à censura prévia. Mais que isso: foi atribuído à imprensa o caráter de serviço de utilidade

pública, o que obrigava todos os jornais a publicar comunicados do governo. O não-cumprimento dessa exigência

levava à prisão o diretor do jornal. O DIP ficou encarregado de executar essas medidas e outras impostas logo a seguir,

como a que exigia o registro dos jornais e dos jornalistas no próprio DIP. Se esse foi o primeiro passo no sentido de

permitir ao governo eliminar vários jornais, em 1940 o cerco se fechou com o decreto que exigia o registro anual no DIP

para a importação de papel de imprensa. Nesse período dezenas de jornais deixaram de circular e centenas não

conseguiram registro. Um dos jornais mais atingidos foi O Estado de S. Paulo, mantido fechado ou sob intervenção

enquanto seu proprietário, Júlio de Mesquita Filho, partia para o exílio.

Apesar da repressão, surgiu nessa época uma imprensa clandestina que publicava jornais, folhetins e tablóides. Era o

caso do tablóide carioca Liberdade, que denunciava o amordaçamento da imprensa. Em São Paulo, orientadas por

professores e estudantes da USP, surgiram publicações que seriam divulgadas por todo o país, como Folha

Dobrada (1939) e Resistência (1944).

Tendo em vista a situação de rigorosa censura que vigorou durante o Estado Novo, é compreensível que a derrubada

do regime tenha-se iniciado via imprensa. Em 8 de fevereiro de 1945, Virgílio de Melo Franco, um dos líderes da

Revolução de 1930 que rompera com Vargas, deu uma entrevista ao jornalO Globo reclamando plena liberdade para as

eleições que se anunciavam e em seguida empenhou-se na articulação de um acordo entre todos os jornais do Rio de

Janeiro para que estampassem, num mesmo dia, uma notícia que tivesse sido vetada ou não submetida à censura do

DIP. Além disso, Virgílio e Luís Camilo de Oliveira Neto conseguiram que José Américo de Almeida desse uma

entrevista ao jornalista Carlos Lacerda. O texto, de teor francamente antiditatorial, foi entregue a vários jornais, mas

coube ao Correio da Manhã; dar o golpe de misericórdia na censura à imprensa, publicando a entrevista em 22 de

fevereiro, com enorme repercussão. Em sua edição do mesmo dia, à tarde, O Globo lançou publicamente a candidatura

do brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República.

Nos meses seguintes vários fatores iriam contribuir para uma crise que culminaria em outubro com a queda de Vargas e

o fim do Estado Novo.

• A Manhã

O jornal A Manhã;, órgão oficial do Estado Novo, esteve sob a direção de Cassiano Ricardo de maio de 1941 até

meados de 1945. Conforme depoimento do próprio Cassiano Ricardo, o jornal pretendia divulgar as diretrizes propostas

pelo regime junto a um público o mais diversificado possível. A Constituição de 1937, por exemplo, era exposta de forma

didática, aparecendo diariamente nas páginas do matutino.

A Manhã; dispunha de excelente documentação iconográfica e exibia uma paginação extremamente moderna para os

padrões jornalísticos da época. Seu corpo de colaboradores contava com intelectuais de grande projeção como Múcio

Leão, Afonso Arinos de Melo Franco, Cecília Meireles, José Lins do Rego, Ribeiro Couto, Roquete Pinto, Leopoldo

Aires, Alceu Amoroso Lima, Oliveira Viana, Djacir Menezes, Umberto Peregrino Vinicius de Moraes (crítica

cinematográfica), Eurialo Canabrava (crítica de idéias), Gilberto Freyre e outros. O jornal publicava dois tablóides

semanais que alcançaram grande repercussão: Autores e livros, sob a direção de Múcio Leão, e Pensamento na

América, dirigido por Ribeiro Couto.

Autores e livros é uma rica fonte de análise historiográfica, pois oferece uma verdadeira genealogia da vida intelectual

Page 46: Era Vargas Cpdoc

brasileira. Além do mais, traduz com nitidez a concepção de literatura adotada pelo projeto político-ideológico do Estado

Novo. Concebida como reflexo do meio e do espaço, a literatura deveria ser o "espelho da nacionalidade". O movimento

modernista da década de 1920 evidentemente era criticado por ter-se afastado dessa concepção documental. Outra

característica do projeto literário do regime era considerar as regiões geográficas como "arquipélagos culturais" carentes

de unificação e centralização. Essas idéias estavam na origem de um projeto ideológico de grande envergadura, de

reconstituição da história da cultura brasileira, levado a cabo pelo suplemento Autores e livros.

• Cultura Política

No Estado Novo, a questão da cultura passou a ser concebida em termos políticos. O regime criou seus próprios

aparatos culturais, que difundiam a ideologia oficial para o conjunto da sociedade. Entre as revistas destinadas a fazer a

propaganda do regime incluíam-se Cultura Política, Ciência Política, Estudos e Conferências, Dos Jornais e outras de

caráter mais efêmero como Brasil Novo e Planalto. Dirigida por Almir de Andrade, Cultura Política era a revista oficial,

diretamente vinculada ao DIP. Por ocasião do quarto aniversário do Estado Novo, o próprio presidente Vargas enfatizou

a importância de seu caráter doutrinário na construção das diretrizes do Estado Nacional.

Cultura Política circulou de março de 1941 até outubro de 1945. Era uma publicação bem divulgada, vendida nas

bancas de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Seus colaboradores eram bem remunerados, recebendo normalmente

o dobro do que pagavam as demais publicações. Conforme explicitava seu próprio subtítulo, Cultura Política era uma

"revista de estudos brasileiros", destinada a definir e esclarecer as transformações sócio-econômicas por que passava o

país. Além de relatar minuciosamente as realizações governamentais, a revista funcionava como uma espécie de

central de informações bibliográficas, noticiando e resenhando todas as publicações sobre Vargas e o Estado Novo.

Segundo Cultura Política, os intelectuais tinham um papel de fundamental importância na estruturação da "nova ordem".

Formadores da opinião pública, a eles cabia a função de unir governo e povo, traduzindo a voz da sociedade. A revista

contava com a colaboração da nata da intelectualidade brasileira, abrigando as mais diversas correntes de pensamento.

Entre seus colaboradores estavam os próprios ideólogos do regime: além de Almir de Andrade, Francisco Campos ,

Azevedo Amaral,Lourival Fontes e Cassiano Ricardo. Mas Graciliano Ramos, Gilberto Freyre e Nelson Werneck Sodré

também colaboraram com artigos.

Chama a atenção em Cultura Política seu alto grau de organização e eficiência no manejo da informação. Cada sessão

era precedida de uma nota introdutória onde se explicitavam seus objetivos e princípios norteadores, seguindo-se notas

bio-bibliográficas sobre os autores. Essas características da publicação mostram a eficácia do projeto ideológico

estadonovista, evidenciando sua modernidade.

• “Hora do Brasil”

Desde 1931, com o Departamento Oficial de Publicidade, substituído em 1934 pelo Departamento de Propaganda e

Difusão Cutural (DPDC), o governo já vinha implantando uma política de controle da informação transmitida pelo rádio e

pela imprensa. Quando o DPDC se transformou no Departamento Nacional de Propaganda (DNP), em 1938, inaugurou-

se o programa "Hora do Brasil", transmitido diariamente por todas as estações de rádio, com duração de uma hora,

visando à divulgação dos principais acontecimentos da vida nacional.

A partir de 1939 a "Hora do Brasil" passou a ser feita pelo DIP, que tomou o lugar do DNP. O programa destinava-se a

cumprir três finalidades: informativa, cultural e cívica. Além de informar detalhadamente sobre os atos do presidente da

República e as realizações do Estado, "Hora do Brasil" incluía uma programação cultural que pretendia incentivar o

gosto pela "boa música" através da audição de autores considerados célebres. A música brasileira era privilegiada, já

que 70% do acervo eram de compositores nacionais. Comentários sobre a arte popular, em suas mais variadas

expressões regionais, e descrições dos pontos turísticos do país também eram incluídos na programação. Quanto à

parte cívica, era composta de "recordações do passado", em que se exaltavam os feitos da nacionalidade. Nas peças

de radioteatro, para as quais eram convidados os mais destacados dramaturgos da época, como Joraci Camargo,

enfocavam-se dramas históricos como a retirada da Laguna, a abolição da escravidão e a proclamação da República.

Page 47: Era Vargas Cpdoc

Durante todo o período em que esteve à frente do Ministério do Trabalho, ou seja, de janeiro de 1942 até julho de

1945, Alexandre Marcondes Filho fez palestras semanais na "Hora do Brasil" dirigidas aos trabalhadores. Foram ao ar

mais de 200 palestras, com duração aproximada de dez minutos, todas as quinta-feiras. No dia seguinte as palestras

eram publicadas pelo jornal porta-voz do regime, A Manhã.

O programa "Hora do Brasil" ficou conhecido popularmente como "o fala sozinho". Para desfazer essa imagem, o

governo, através do jornal A Manhã, realizava enquetes de opinião nas ruas da cidade, cujos resultados procuravam

reforçar a impressão favorável do público.

Direitos Sociais e Trabalhistas

Em síntese:A instauração do Estado Novo permitiu a Vargas levar adiante e sistematizar, à sua maneira, a política

socialiniciada no começo da década de 1930. Retiraram-se de cena as forças político-sociais que nos anos que

antecederam o golpe de 1937 lutavam no Congresso e nos sindicatos contra a tutela do Ministério do Trabalho e

seu projeto de unidade sindical. Novas leis foram editadas, com o objetivo de consolidar no país uma estrutura

sindical baseada nocorporativismo. Fortaleceu-se enfim o Ministério do Trabalho, que, com o decorrer do tempo,

se transformou em um órgão político estratégico para a construção da imagem de Vargas como o "pai dos pobres",

amigo e protetor dos trabalhadores.

A Constituição de 1937 fixou as diretrizes da política social e trabalhista que seria implementada no Estado Novo.

Foram confirmados direitos trabalhistas já fixados na Constituição de 1934, como salário mínimo, férias anuais e

descanso semanal, e foi também mantida a Justiça do Trabalho, encarregada de dirimir conflitos entre empregados e

empregadores. Mas houve uma alteração importante: o princípio da unidade sindical foi restabelecido, e apenas os

sindicados legalizados poderiam defender os direitos da categoria que representavam perante o Estado. A greve e o

lock-out foram proibidos, pois passaram a ser considerados recursos "anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e

incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional".

O salário mínimo foi regulamentado em abril de 1938, devendo corresponder às necessidades básicas de um

trabalhador. Já a nova organização sindical foi definida em detalhes pelo Decreto nº 1.402, de julho de 1939. Foi dada

uma feição ainda mais centralizada à estrutura sindical, uma vez que se eliminaram as centrais que reuniam diferentes

categorias profissionais por município ou região em favor de uma organização de caráter vertical, em que os sindicatos

de cada categoria convergiam para as federações estaduais e confederações nacionais. Ao mesmo tempo, o governo

tratou de dar garantias de sobrevivência aos sindicatos através da instituição de uma contribuição sindical compulsória -

o imposto sindical, criado em 1940, correspondente a um dia de salário, pago ao sindicato por trabalhadores

sindicalizados ou não. A medida possibilitou a constituição e a manutenção de sindicatos de "fachada", que passavam a

não depender mais da contribuição voluntária dos associados. O governo se utilizou de muitos desses sindicatos e de

seus dirigentes, os chamadospelego, para fortalecer sua base sindical. Outra regulamentação importante feita durante o

Estado Novo foi a da Justiça do Trabalho, finalmente inaugurada em 1º de maio de 1941, na gestão do

ministro Valdemar Falcão.

O novo formato da legislação social brasileira acabaria por ser ordenado e sistematizado na Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT), editada em junho de 1943. A CLT iria reger por muito tempo as relações de trabalho no país.

Com a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados, o governo do Estado Novo começou a sofrer importantes

remanejamentos internos. Procurou-se elaborar uma estratégia para preparar o fim da ditadura, mantendo porém a

força e o prestígio do presidente da República. A partir daquele momento, a política social de Vargas ganhou maior

Page 48: Era Vargas Cpdoc

intensidade e visibilidade.

O grande articulador desse projeto de popularização da figura de Vargas foi o advogado paulistaAlexandre Marcondes

Filho, que havia sido nomeado ministro do Trabalho em dezembro de 1941. Para estreitar as relações entre o Estado e

as classes trabalhadoras, Marcondes Filho tratou de intensificar a sindicalização e, ao mesmo tempo, de utilizar

instrumentos de comunicação de massa como o rádio. Foi nesse contexto que ganhou maior dimensão o programa

radiofônico oficial "Hora do Brasil".

As grandes comemorações promovidas pelo governo também passaram a ganhar maior relevo. As festas mais

importantes eram as do dia do Trabalho (1º de maio) e do aniversário do Estado Novo (10 de novembro).

Comemoravam-se ainda o aniversário do presidente da República (19 de abril), o dia da Independência Nacional (7 de

setembro), o Natal e o final de ano. Na comemoração do dia do Trabalho, multidões ocupavam o estádio de futebol do

Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, para ouvir a palavra do presidente da República. Naquele momento, o líder dirigia-

se diretamemente ao povo trabalhador para enunciar alguma nova medida de alcance social.

Todas essas iniciativas implementadas pelo governo do Estado Novo e coordenadas por Marcondes Filho serviram

também de base para a constituição da chamada ideologia do trabalhismo, um conjunto de proposições políticas que

iria fundamentar a criação do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).

• Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)

A Consolidação das Leis do Trabaho (CLT), aprovada por decreto de 1° maio de 1943, representou a reunião e

sistematização da vasta legislação trabalhista produzida no país após a Revolução de 1930.

O processo de elaboração dessa legislação nem sempre obedeceu a um plano coerente, resultando num conjunto de

leis desconexas e, por vezes, até mesmo contraditórias. Com o objetivo de superar essa situação, em janeiro de 1942 o

presidente Vargas nomeou uma comissão encarregada de estudar e organizar um anteprojeto que unificasse a

legislação até então produzida. Do trabalho dessa comissão surgiu o texto encaminhado ao ministro do Trabalho que

daria origem à CLT.

Ainda que tenha recebido o nome de "consolidação", a CLT não se limitou a reunir uma legislação dispersa. Introduziu

também novos direitos e regulamentações trabalhistas até então inexistentes. Constituindo um código de considerável

abrangência, tratou minuciosamente da relação entre patrões e empregados e estabeleceu regras referentes a horários

a serem cumpridos pelos trabalhadores, férias, descanso remunerado, condições de segurança e higiene dos locais de

trabalho etc. A anotação dos contratos de trabalho deveria ser feita na carteira de trabalho, instituída em 1932 e

refomulada quando da aprovação da CLT.

A promulgação da CLT conferiu grande prestígio popular ao regime e em particular a Getúlio Vargas, que fortaleceu sua

imagem de protetor da classe trabalhadora. Nos anos que se seguiram ao fim do Estado Novo, a CLT passou por

sucessivas reformas e ampliações. Seu corpo básico, contudo, continua em vigência até os dias de hoje.

• Ideologia do Trabalhismo

Se desde o início de sua trajetória política nacional Getúlio Vargas foi considerado um líder, foi durante o Estado Novo

que se construiu e fixou sua imagem popular e mesmo carismática. Com o Estado Novo, entrou em funcionamento a

máquina de propaganda do DIP, que buscou conquistar para o regime e para o presidente a adesão e o apoio da classe

trabalhadora. A democracia social, a valorização do trabalho e do trabalhador estariam existindo graças à figura do

presidente. Foi com essa associação entre a obra e o líder que se criou a mitologia getulista, expressa na imagem do

"pai dos pobres".

A ideologia política centrada na figura do presidente, em sua obra social e em sua relação direta e pessoal com os

trabalhadores foi sendo construída dentro do Ministério do Trabalho principalmente depois de 1942. Foi fundamental

nesse processo o papel do ministro do Trabalho Alexandre Marcondes Filho, que dirigiu a montagem do sindicalismo

corporativista, articulou a invenção da ideologia trabalhista e se envolveu na criação do Partido Trabalhista Brasileiro.

Page 49: Era Vargas Cpdoc

Após a queda de Vargas e o fim do Estado Novo, o PTB iria atuar dentro das regras do jogo político liberal-democrático

como herdeiro do legado varguista.

• Partido Trabalhista Brasileiro

Partido político criado em março de 1945, portanto ainda antes da queda de Vargas e do fim do Estado Novo, dentro do

movimento de organização de partidos nacionais. Sua principal base política eram os trabalhadores urbanos cujas

entidades sindicais eram controladas pelo Ministério do Trabalho.

Após sete anos sob a ditadura do Estado Novo, com o Congresso fechado e os partidos políticos proibidos, o Brasil

iniciou o ano de 1945 com os diversos grupos políticos se articulando para a volta ao regime democrático. O próprio

governo reconhecia que a democratização era inevitável, e promulgou em fevereiro uma lei constitucional prevendo a

realização de eleições. Os setores liberais, que desde o início haviam feito oposição à ditadura varguista, se

aglutinaram na União Democrática Nacional (UDN). Já as forças varguistas se dividiram em duas agremiações: o

Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). O primeiro foi formado principalmente pelos

interventores estaduais e constituiu-se no partido da cúpula governamental estadonovista. Já o PTB foi concebido como

um grande partido de massas que teria como base o proletariado urbano beneficiado pela legislação trabalhista

implantada no Estado Novo.

Nas articulações para a criação do PTB destacaram-se Alexandre Marcondes Filho, o último titular da pasta do Trabalho

no Estado Novo, além de outros altos funcionários do ministério, como José Segadas Viana e Paulo Baeta Neves.

Algumas correntes de base doutrinária mais sólida, como o grupo gaúcho liderado por Alberto Pasqualini, também

participaram da formação do partido.

Na primeira convenção nacional, realizada em setembro de 1945, Paulo Baeta Neves foi escolhido presidente da

comissão executiva do PTB, enquanto Getúlio Vargas era eleito presidente de honra. Na mesma ocasião foi aprovado o

programa do partido, que defendia a manutenção e a ampliação da legislação trabalhista consolidada durante o Estado

Novo, a extensão dos benefícios dessa legislação aos trabalhadores rurais, a reforma agrária, o direito à greve pacífica

e a conciliação entre as classes sociais.

Quanto à eleição presidencial prevista para dezembro daquele ano, entretanto, a convenção partidária não chegou a

uma posição definitiva. Nessa questão os petebistas dividiram-se entre os que insistiam na candidatura do próprio

Vargas, os que defendiam o apoio a Eurico Dutra, candidato do PSD, e ainda os que achavam melhor a abstenção. A

decisão do partido de apoiar Dutra só seria definida pouco antes do pleito, em troca do compromisso de que o Ministério

do Trabalho do novo governo seria entregue a um petebista. Em novembro, já deposto, Vargas divulgou manifesto em

que conclamava os trabalhadores a votar nos candidatos do PTB nas eleições para a Assembléia Nacional Constituinte,

também marcadas para o mês de dezembro. Manifestou ainda seu apoio aDutra, em atitude que ficou conhecida com

"ele disse".

Realizadas as eleições, concorrendo em 14 estados, o PTB elegeu 22 deputados federais e dois senadores, entre eles

Vargas. Conquistou assim a terceira maior bancada do Congresso. No pleito presidencial o vencedor foi Dutra, que,

cumprindo a acordo pré-eleitoral com os petebistas, indicou Otacílio Negrão de Lima para a pasta do Trabalho.

Nos anos seguintes, o PTB conseguiria ampliar continuadamente sua bancada no parlamento, além de conquistar

alguns governos estaduais. Na maior parte das vezes, o aliado preferencial do PTB foi o PSD. Nas eleições

presidenciais de 1950, o PTB elegeu seu candidato: Getúlio Vargas.

A Guerra no Brasil

Em síntese: Entre setembro de 1939, quando começou a Segunda Guerra Mundial, e agosto de 1942, quando o

Brasil declarou guerra aos países do Eixo e se uniu definitivamente às forças aliadas, muita coisa aconteceu no

Page 50: Era Vargas Cpdoc

país. Nessa época, as relações do Brasil com os Estados Unidos foram pautadas pela negociação do alinhamento

brasileiro. Tratou-se do fornecimento de materiais estratégicos aos Estados Unidos e da permissão para o

estacionamento de tropas norte-americanas nas bases do Nordeste; como contrapartida, o governo brasileiro

reivindicava financiamento para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional e o reequipamento e modernização

das Forças Armadas. Antes que os termos do alinhamento fossem finalmente acertados, entretanto, o país já sofria

os efeitos do conflito mundial. O Brasil ainda não estava em guerra, mas a guerra certamente já havia chegado ao

Brasil.

Ao se iniciar a guerra na Europa, as relações internacionais do Brasil caracterizavam-se por uma política de

eqüidistância pragmática que consistia, basicamente, na aproximação simultânea com os Estados Unidos e a

Alemanha. Entretanto, diante da evolução do conflito europeu e do esgotamento de seus recursos de barganha, o Brasil

tornou-se cada dia mais comprometido com os preparativos norte-americanos para a entrada na guerra ao lado dos

Aliados.

Através das conferências interamericanas, o governo norte-americano vinha procurando garantir para si, na hipótese de

generalização do conflito, o apoio do conjunto dos países latino-americanos. Inicialmente, na conferência do Panamá

(1939), foi declarada a neutralidade das repúblicas americanas diante da guerra na Europa. A seguir, em Havana

Havana (1940), foi afirmada a solidariedade continental em face de uma agressão externa a qualquer país do

continente. Visando especificamente ao apoio brasileiro, o presidente Roosevelt favoreceu a ida aos Estados Unidos da

Missão Aranha e a assinatura de uma série de acordos, que previam a concessão de créditos ao Brasil em troca do

compromisso do governo brasileiro de regularizar o pagamento das dívidas e das remessas de lucros. Além disso,

Washington iniciou ferrenha batalha contra a forte presença germânica no contintente latino-americano em geral, e no

Brasil em particular, através de uma ofensiva político-ideológica sem precedentes na história das suas relações. Na

expressão cunhada pelo historiador Gerson Moura, era o Tio Sam que chegava ao Brasil para fazer frente ao fantasma

do Eixo.

Até que o alinhamento do Brasil aos Estados Unidos se consolidasse, entretanto, Vargas procurou obter financiamento

para a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, assim como para o reequipamento e modernização das Forças

Armadas. Os Estados Unidos, por seu lado, reivindicavam permissão para o estacionamento de tropas norte-

americanas bases do Nordeste e o fornecimento de materiais estratégicos. Esse processo de negociação do

alinhamento chegou ao fim com a entrada dos Estados Unidos na guerra após o ataque japonês à base norte-

americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941. A partir de então, e tendo em vista os compromissos assumidos

pelo Brasil desde a Conferência de Havana, tornou-se inevitável o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com

os países do Eixo.

O rompimento foi declarado por ocasião da Reunião de Chanceleres do Rio de Janeiro, em janeiro de 1942. O preço

dessa decisão não tardou a ser cobrado, com o afundamento de navios mercantes na costa brasileira. A partir daí, com

a população enfrentando as restrições impostas pelo cotidiano da guerra, iniciou-se forte mobilização civil e militar

mobilização civil e militar contra o Eixo. Mas apesar desse movimento crescente em direção ao alinhamento do Brasil

aos Estados Unidos, as vitórias dos alemães na Europa e na África continuaram a exercer forte influência sobre as

Forças Armadas, o que levou "aliadófilos" e "germanófilos" a se entrechocar por mais algum tempo dentro do governo

brasileiro. Finalmente, em agosto de 1942, iria começar a história do Brasil na guerra.

• Conferências Interamericanas

O início da consolidação da liderança dos Estados Unidos no hemisfério ocidental, às vésperas da Segunda Guerra

Mundial, teve como um de seus pilares o princípio da solidariedade americana contra o inimigo externo. Para fazer valer

Page 51: Era Vargas Cpdoc

esse princípio, Washington lançou mão dos ideais pan-americanistas, que apontavam como traços de identidade entre

as nações do continente a fé nas instituições republicanas, a aspiração à democracia, a crença na solução pacífica das

disputas e a soberania igual dos Estados. Dessa forma foi possível criar um elo de ligação entre regimes políticos tão

diversos quanto a democracia norte-americana e algumas ditaduras latino-americanas.

Os ideais do pan-americanismo foram insistentemente repetidos nas diversas conferências interamericanas realizadas

ao longo dos anos 30. Na Conferência de Buenos Aires, em 1936, foi estabelecido o princípio de que a ameaça a

qualquer nação americana seria considerada uma ameaça ao conjunto das nações do continente. Além disso, foi

aprovada a criação de um mecanismo de consulta entre as repúblicas que imprimiria maior rapidez a uma resposta

conjunta diante de uma eventual ameaça. A seguir, na Conferência de Lima, em 1938, ampliou-se o sistema de

consultas. A I Reunião de Consulta das Repúblicas Americanas foi realizada no Panamá, em 1939. Na ocasião decidiu-

se que as Américas manteriam sua neutralidade frente ao conflito europeu. Um ano depois, tendo em vista a ocupação

da França e da Holanda pelos alemães, ambos países possuidores de colônias na América Latina, a Conferência de

Havana determinou que qualquer tentativa de um Estado não-americano contra a integridade ou inviolabilidade do

território, soberania ou independência política de um Estado americano seria tomada como uma agressão a todos os

demais. Finalmente, com a entrada dos Estados Unidos na guerra após o ataque japonês a Pearl Harbor, Washington

procurou assegurar, na Reunião de Chanceleres do Rio de Janeiro, o rompimento de relações diplomáticas do conjunto

das nações do continente com os países do Eixo.

Graças a essa estratégia, aliada a uma política de aproximação cultural com a população latino-americana, o final da

Segunda Guerra Mundial testemunharia a consolidação do sistema de poder norte-americano.

• Segunda Guerra Mundial

Em uma atmosfera de grande depressão, causada pelos efeitos da crise de 1929 sobre a economia alemã - entre eles

uma inflação descontrolada e o desemprego em massa -, chegou ao poder em 1933, sob a liderança de Adolf Hitler, o

Partido Nacional Socialista da Alemanha. Apoiado na ideologia anti-semita do nazismo, o programa de governo de Hitler

visava à recuperação econômica e militar do país e à revisão dos termos do Tratado de Versalhes, assinado por ocasião

da Conferência de Paz de Parisde 1919.

França e Inglaterra, por seu lado, desejavam manter uma política não-intervencionista na Europa, para evitar qualquer

novo confronto armado. Foi essa a posição que adotaram diante da guerra civil espanhola, que teve início em 1936. E

foi essa a reação que tiveram diante das reivindicações territoriais de Hitler, numa política conhecida como

appeasement. Além de permitir o envio de tropas alemãs à zona desmilitarizada do Reno e a incorporação da Áustria à

Alemanha, França e Inglaterra endossaram a anexação pela Alemanha da região dos Sudetos, na Tchecoslováquia,

através dos Acordos de Munique de 1938. Essa decisão só contribuiu para legitimar a política externa expansionista de

Berlim que, após a assinatura do pacto de não-agressão com a União Soviética, ordenou a invasão da metade ocidental

da Polônia, iniciada em 1° de setembro de 1939. Dois dias depois, cumprindo o compromisso assumido com o governo

polonês em março de 1939 de garantir a integridade territorial polonesa, França e Inglaterra declararam guerra à

Alemanha. Começou aí a guerra na Europa.

Não demorou muito para que outros países europeus, alvo da política de ocupação alemã, se vissem envolvidos no

conflito. Foi o que aconteceu com Dinamarca, Noruega, Bélgica e Holanda. Por outro lado, o Japão, que buscava a

constituição da Grande Ásia, já se alinhara à Alemanha desde a assinatura do Pacto Anti-Komintern, em janeiro de

1936. E a Itália, sob o signo do fascismoimplantado por Mussolini, igualmente decidira apoiar o governo de Hitler, com

base no Pacto Ítalo-Germânico -Germânico de março de 1936, formando o eixo Roma-Berlim.

A União Soviética, que até então vinha adotando uma posição de quase aliança com a Alemanha, terminou por declarar

guerra a esse país após ter seu território atacado pelos alemães em junho de 1941. Foi também em 1941, em seguida

ao ataque japonês a Pearl Harbor no mês de dezembro, que os Estados Unidos decidiram se unir militarmente às forças

aliadas.

Page 52: Era Vargas Cpdoc

Até cerca de junho de 1942, a guerra se caracterizou pela expansão vitoriosa das forças do Eixo, com a crescente

crescente ocupação de territórios. A partir de então, até fevereiro de 1943, foi a fase de contenção do Eixo e início da

contra-ofensiva dos Aliados. Finalmente, a partir das vitórias contra os alemães no norte da África, foi-se consolidando a

ofensiva aliada, com a recuperação dos territórios ocupados pelos alemães, italianos e japoneses.

Os italianos renderam-se aos Aliados em setembro de 1943, com a assinatura de um acordo de paz em separado,

embora tropas alemãs permanecessem em seu território. Em 7 de maio de 1945 o governo alemão capitulou, pondo fim

à guerra na Europa. Finalmente, em 14 de agosto do mesmo ano, o Japão se rendeu às forças aliadas, em seguida ao

lançamento pelos Estados Unidos de duas bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki.

Durante os seis anos de guerra, estima-se a perda de 50 milhões de vidas, entre militares e civis. Destes, mais de cinco

milhões de judeus foram exterminados em campos de concentração nazistas, como parte da política anti-semita de

Hitler.

• Guerra Civil Espanhola

Considerada uma batalha ideológica entre adeptos do fascismo e do socialismo de todo o mundo, a guerra civil

espanhola teve início em 1936 com a revolta de líderes do Exército contra as crescentes tendências socialistas e

anticlericais do governo da Frente Popular Republicana do presidente Manuel Azaña.

Os insurgentes - monarquistas, católicos e membros da Falange Fascista - foram apoiados pela Alemanha e a Itália,

que reconheceram o governo instalado por Francisco Franco em outubro de 1936, quando a guerra civil estava ainda

em andamento. Os republicanos, que lutavam pela permanência do governo de Azaña, legalmente constituído,

receberam apoio da União Soviética e de cerca de 60 mil comunistas e simpatizantes de esquerda de todo o mundo,

que formaram as Brigadas Internacionais de voluntários. Embora apoiassem os republicanos, Inglaterra e França

optaram por uma política de não-intervenção.

Em três anos de acirradas lutas, período em que Moscou terminou por retirar seu apoio às forças governistas, estima-se

em cerca de um milhão o número de perdas humanas. Finalmente, em março de 1939, foi instaurado o regime

autoritário do Generalíssimo Franco, que permaneceu no poder até falecer, em 1975.

• Negociação do alinhamento

Na negociação do alinhamento do Brasil aos Estados Unidos, tendo em vista a Segunda Guerra Mundial, quatro

questões estiveram desde o início na agenda de discussões: de um lado, o fornecimento de materiais estratégicos.

brasileiros aos Estados Unidos e a cessão das bases do Nordestepara o estacionamento de tropas norte-americanas;

de outro, a concessão de financiamento norte-americano para a modernização das Forças Armadas brasileiras e a

criação da Companhia Siderúrgica Nacional.

Desde o início de 1941, os Estados Unidos estavam decididos a cortar o fornecimento de matérias-primas brasileiras ao

Eixo. Para tanto assinaram com o Brasil um contrato de aquisição de toda a sua produção de materiais estratégicos -

bauxita, berilo, cromita, ferro-níquel, diamantes industriais, minério de manganês, mica, cristais de quartzo, borracha,

titânio e zircônio. Nessas negociações, ênfase especial foi dada à borracha, produto que se tornara escasso após o

avanço japonês no Sudeste Asiático. Com a ajuda de recursos norte-americanos, desencadeou-se na época a "batalha

da borracha", projeto de estímulo à produção e distribuição do produto.. Com a entrada dos Estados Unidos na guerra

em dezembro de 1941 e o conseqüente aumento da necessidade desses e de outros produtos estratégicos para a

indústria bélica norte-americana, o governo brasileiro procurou associar novos acordos de venda à obtenção de

armamentos para suas Forças Armadas.

Um outro fator que veio contribuir para tornar mais complexas as negociações entre os dois países foi a intenção do

governo norte-americano de enviar tropas ao Nordeste brasileiro, com base no argumento de que a região se constituía

em alvo potencial para um avanço alemão em direção América. Enquanto a concepção de defesa nacional dos Estados

Unidos implicava a idéia de que cabia às forças norte-americanas arcar com a defesa do continente, e de que a

Page 53: Era Vargas Cpdoc

solidariedade continental deveria se traduzir na permissão para o estacionamento de tropas na bases militares do

Nordeste do Brasil, os brasileiros insistiam em se encarregar eles próprios da defesa de seu território. Para isso, porém,

precisavam de material bélico moderno.

Até que esse assunto fosse resolvido, o governo Vargas concedeu, de toda forma, facilidades importantes aos Estados

Unidos. Em outubro de 1940 foi criada a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, que trabalhou no aprimoramento de

medidas comuns de defesa. A seguir, em janeiro de 1941, um acordo assinado entre os dois países previu a instalação

no Rio de Janeiro de duas missões militares norte-americanas (Exército e Aviação). Em abril do mesmo ano, novo

acordo concedeu facilidades para a Marinha americana em operações na costa brasileira. Finalmente, em julho de 1941

o Brasil autorizou a utilização de suas bases navais e aéreas no Nordeste pelos norte-americanos.

A cada dia mais ciente da importância que a modernização do equipamento tinha para as Forças Armadas, e desejoso

de garantir o apoio destas a seu governo, Vargas decidiu finalmente condicionar a consolidação do alinhamento aos

Estados Unidos ao fornecimento do material solicitado. Foi o que fez por ocasião da Reunião de Chanceleres do Rio de

Janeiro, em janeiro de 1942, na qual os Estados Unidos esperavam obter o rompimento das relações diplomáticas dos

países do continente com os países do Eixo. A insistência no reequipamento feita pelos chefes militares brasileiros,

representados pelos generais Eurico Dutra, ministro da Guerra, e Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças

Armadas, baseava-se no argumento de que o Brasil não estava preparado para arcar com as conseqüências do

rompimento com o Eixo.

Após ajustes difíceis entre os interesses dos dois países, foi afinal assinado, em março de 1942, um acordo que

possibilitava o envio de armas e munições ao Brasil no valor de US$ 200 milhões, em desdobramento aos chamados

Acordos de Washington de 1942 que diziam respeito, basicamente, ao fornecimento de certas matérias-primas

brasileiras à indústria norte-americana. Em contrapartida, Vargas atendeu à reivindicação dos Estados Unidos de

aumentar seus efetivos no Nordeste e construir novas instalações militares na região. A seguir, com a assinatura de um

novo acordo político-militar em maio de 1942, foram criadas comissões militares, nos dois países encarregadas de

desenhar os planos de defesa conjunta para o Nordeste e elevar a capacitação das Forças Armadas brasieiras.

Às vésperas da declaração de guerra do Brasil à Alemanha e à Itália, em agosto de 1942, era indiscutível o

comprometimento brasileiro com os Estados Unidos. Mais uma vez, porém, a implementação efetiva dos acordos de

reequipamento das Forças Armadas enfrentaria problemas que só a criação da Força Expedicionária Brasileira iria

resolver.

• Tio Sam chega ao Brasil

Este é o título de um livro do historiador Gerson Moura que trata da ostensiva campanha de penetração cultural norte-

americana no Brasil desencadeada no início dos anos 40. Foi uma época em que gradativamente o american way of life

foi ganhando espaço na sociedade brasileira, graças a um cuidadoso plano de conquista. Esse plano fazia parte da

estratégia dos Estados Unidos de promover a cooperação interamericana e a solidariedade hemisférica, enfrentar o

desafio do Eixo e consolidar-se como grande potência. A campanha teve início com a propagação dos "valores pan-

americanos" durante as conferências interamericanas. O passo seguinte foi a criação, em agosto de 1940, de uma

superagência de coordenação dos negócios interamericanos, sob a chefia de Nelson Rockefeller, chamada Office of the

Coordinator of Inter-American Affairs (OCIAA). Essa iniciativa diferia dos programas de colaboração já em

funcionamento por estar diretamente vinculada ao Conselho de Defesa Nacional dos Estados Unidos.

Para alcançar seus objetivos, o OCIAA contava com as divisões de comunicações, relações culturais, saúde e

comercial/financeira. Cada uma dessas divisões subdividia-se em seções: rádio, cinema, imprensa; arte, música,

literatura; problemas sanitários; exportação, transporte e finanças. Durante todo o seu tempo de vida, o OCIAA contou

com ativa colaboração do DIP, quer na condução de projetos conjuntos, quer como órgão de apoio à sua ação no Brasil.

Na área de comunicação e informação, a agência norte-americana procurava veicular na imprensa brasileira notícias

favoráveis aos Estados Unidos e, nos Estados Unidos, divulgar o Brasil. Procurava também difundir as técnicas mais

Page 54: Era Vargas Cpdoc

modernas do jornalismo norte-americano, como por exemplo a recepção e transmissão de radiofotos transmissão de

radiofotos. Mas nada se comparava, em termos de glamour e apelo popular, aos programas radiofônicos e,

principalmente, às produções cinematográficas sob sua coordenação.

No rádio, um dos mais importantes instrumentos de propaganda da guerra, o OCIAA apresentava programas

transmitidos diretamente dos Estados Unidos ou por estações locais. Além de fazer a cobertura dos fatos relacionados

ao andamento da guerra, as transmissões procuravam divulgar a cultura norte-americana e se contrapor à propaganda

de guerra do Eixo em programas como "Família Borges", "Barão Eixo" ou "O Brasil na Guerra".

Já na área cinematográfica, tanto os filmes de ficção quanto os documentários desempenhavam o papel de difusores

culturais e ideológicos. Na produção dos primeiros, o OCIAA contou com a colaboração das indústrias cinematográficas

de Hollywood. Procurava-se evitar a distribuição na América Latina de filmes que expusessem instituições e costumes

norte-americanos malvistos, como a discriminação racial, ou que pudessem ofender os brios dos latino-americanos. Os

bandidos mexicanos, por exemplo, foram banidos das produções de Hollywood. Outra importante iniciativa foi a criação

de personagens que ajudassem a fomentar a solidariedade continental. Data dessa época o nascimento do conhecido

personagem dos Estúdios Disney, o papagaio Zé Carioca. O filme Alô Amigos, que apresentou esse personagem ao

mundo como amigo do Pato Donald, enfatizava a política de boa vizinhança. Vejamos o que diz Gerson Moura: "Zé

Carioca é falador, esperto e fã de Donald; sente um imenso prazer em conhecer o representante de Tio Sam e logo o

convida para conhecer as belezas e os encantos do Brasil. Brasileiramente, faz-se íntimo de Donald - quando este lhe

estende a mão, Zé Carioca lhe dá um grande abraço -, que aceita o oferecimento e sai para conhecer o Brasil."

Na área da saúde, a ação do OCIAA voltou-se basicamente para o controle da malária, o treinamento de enfermeiras e

a educação médica. Esses programas não tinham apenas o objetivo político de obter a aprovação da população à

atuação da agência no Brasil. Destinavam-se também a preparar o terreno para o provável estacionamento de tropas

norte-americanas em território brasileiro e para a extração de materiais estratégicos a serem fornecidos aos Estados

Unidos, ambas as questões presentes na agenda da negociação do alinhamento brasileiro.

Foi nessa época que Carmem Miranda se tornou símbolo da cultura brasileira nos Estados Unidos, que o Zé Carioca

ajudou a construir o estereótipo do brasileiro simpático, que a Coca-Cola substituiu os sucos de frutas na mesas da

classe média brasileira etc. etc. Apesar dos focos de resistência à sua ação, o OCIAA conseguiu erradicar a influência

do Eixo no Brasil e sedimentar o discurso pan-americanista da solidariedade continental. Terminada a guerra, o governo

dos Estados Unidos encerrou as atividades da agência, deixando a cargo embaixada americana no Brasil a condução

de algumas de suas atividades.

• Cotidiano da Guerra

Com o desenrolar da guerra iniciada na Europa em 1939, o petróleo começou a rarear no Brasil, pois os países

produtores reduziram as exportações. Os transportes, quer por via marítima, rodoviária ou ferroviária, começaram a se

aproximar perigosamente de um colapso. Em conseqüência foram feitas adaptações nos veículos movidos a gasolina,

que passaram a utilizar o gasogênio, aparelho que produz combustível pela queima de carvão. Em 1941 entraram em

circulação em São Paulo os ônibus a gasogênio. Outra medida importante foi o racionamento dos derivados de

petróleo, decretado em 7 de maio de 1942.

Os problemas na área de transportes repercutiram imediatamente nos outros setores da economia e, em última

instância, no abastecimento. Houve uma escassez geral de gêneros alimentícios e produtos industriais, o que provocou

uma alta alarmante de preços. Quando, em agosto de 1942, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo e entrou

formalmente na Segunda Guerra Mundial, as dificuldades se agravaram ainda mais.

A necessidade de transformar a economia imposta pela situação de guerra obrigou o governo a criar, em 28 de

setembro de 1942, a Coordenação da Mobilização Econômica, nomeando para presidi-la João Alberto Lins de Barros. A

indústria, a lavoura e os transportes, indiscutivelmente os setores mais atingidos pela guerra, mereceram desde logo as

atenções do novo órgão. Preocupada com as dificuldades de abastecimento e a "ganância sem limites dos

Page 55: Era Vargas Cpdoc

aproveitadores", a Coordenação tentou controlar estoques e organizar o racionamento de artigos de primeira

necessidade, o que gerou protestos dos produtores e a formação de um mercado paralelo. Indústrias como as de

tecidos, aniagem, calçados e remédios foram submetidas a rigorosa regulamentação, que pretendia obrigá-las a

produzir artigos de qualidade a preços inferiores.

Apesar dessas medidas, a carestia tornou-se o tema de todas as conversas, e o governo perdeu apoio principalmente

na classe média. Com o objetivo de angariar fundos para a economia de guerra, os funcionários públicos de todo o país

passaram a receber 3% de seu salário em Obrigações de Guerra, e em 1944 foi instituído o imposto sobre lucros

extraordinários. Paralelamente, os meios de comunicação iniciaram um trabalho de conscientização da população para

o enfrentamento das dificuldades. A empresa distribuidora de gás no Rio de Janeiro, por exemplo, espalhou cartazes

visando à redução do consumo: "Aproveitem o verão para reduzir ainda mais o consumo de gás comendo pratos frios. A

senhora defenderá assim a sua saúde e o seu bolso e contribuirá para a vitória do Brasil, pois toda diminuição no

fornecimento de gás representa um aumento na produção de coque para a indústria de guerra."

Além de enfrentar restrições ao consumo, a população se exercitava no uso de máscaras contra gases e era orientada

sobre como proceder em casos de bombardeios aéreos. Por precaução, começou-se a praticar o blackout total em toda

a orla marítima do país. Em setembro de 1942, por segurança, o bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro, ficou três

noites na mais completa escuridão.

Intensificou-se a propaganda de guerra com o apelo ao alistamento voluntário, ao apoio aos países aliados e à repulsa

aos países do Eixo. Adotaram-se medidas de rígido controle sobre os estrangeiros, principalmente os oriundos dos

países inimigos, suspeitos de formar uma quinta colunano país. Instituiu-se o salvo-conduto, documento obrigatório para

viagens pelo interior. No sul do país, onde era forte a colonização de origem alemã, as medidas foram ainda mais

severas, sendo inclusive proibido o ensino de língua estrangeira nas escolas, como parte do projeto de nacionalização

do ensino posto em prática pelo Ministério da Educação.

Data igualmente desse período a intensificação dos pedidos de entrada no Brasil de refugiados judeus. Entretanto,

devido a resitências dentro e fora do governo a este e a outros grupos de imigrantes, e diante da ausência de uma

política imigratória definida, poucos estrangeiros entraram no país durante os anos de guerra. Entre 1942 e 1945,

apenas 235 judeus entraram legalmente no Brasil.

• Propaganda de Guerra

Desde a criação do DIP, o Estado assumiu como sua tarefa o controle sistemático de todos os meios de comunicação

social disponíveis. A justificativa para esse controle e para a maciça publicidade da ação do governo estava ligada à

concepção da propaganda como fator de segurança da nação e de defesa das instituições nacionais. Propaganda e

censura eram vistas como armas de que o Estado Novo dispunha para ajudar a manter a unidade ideológica da nação,

elucidar as propostas do governo e educar a opinião pública dentro dos princípios doutrinários do regime.

Pode-se dividir a ação estatal em relação à informação sobre o tema da Segunda Guerra Mundialem dois momentos

distintos: antes da Reunião de Chanceleres do Rio de Janeiro em 1942, ou seja, enquanto o Brasil mantinha sua

neutralidade diante do conflito europeu, e a partir do rompimento de relações e da declaração de guerra com a

Alemanha, Itália e Japão.

No primeiro momento, o governo determinava que a imprensa e o rádio permanecessem neutros ao divulgar notícias

sobre a guerra. A censura era então exercida com rigor, e era proibida a publicação de notícias, correspondências e

artigos nos quais se pregasse ou insinuasse a necessidade de uma tomada de posição do governo brasileiro diante do

conflito. Da mesma forma era proibido publicar "telegramas, comunicados, fotografias ou gravuras" que atribuíssem a

qualquer dos beligerantes "atos reprováveis". Matérias a favor ou contra qualquer dos lados envolvidos não seriam

divulgadas, bem como caricaturas, anedotas e fotografias "ofensivas a qualquer homem público ou exército das nações

em guerra" ou relativas à "vitória ou derrota nos campos de batalha".

A partir do seu novo posicionamento no plano internacional, e em virtude do estreitamento das relações com os Estados

Page 56: Era Vargas Cpdoc

Unidos, o Brasil passou a permitir, cada vez mais, a influência norte-americana sobre todos os meios de comunicação,

ao mesmo tempo em que era deflagrada uma propaganda sistemática contra a ideologia e os países do Eixo. A

imprensa, o cinema, o rádio e outros veículos de comunicação brasileiros eram "abastecidos" com propaganda norte-

americana, apresentando desde temas como o sacrifício dos soldados na guerra e o poderio militar dos Estados

Unidos, até os hábitos e estilo de vida que constituíam o american way of life. Por isso foi possível falar na chegada de

Tio Sam ao Brasil. Esse esforço tinha um propósito: afastar a influência alemã e italiana exercida pelas comunidades

imigrantes ou por simples simpatizantes dos países do Eixo, suspeitos de formar uma quinta coluna no país.

Mas o Brasil também produzia sua própria propaganda de guerra. O DIP se dedicava a isso organizando cerimônias e

concentrações populares cujo objetivo era a mobilização moral e material para o esforço de guerra. Toda a propaganda

era feita no sentido de enaltecer as Forças Armadas do país, mostrando-as aparelhadas a aptas a enfrentar o desafio,

salvaguardando assim a ordem e integridade da nação. Através dos cinejornais ou documentários de curta metragem,

então de exibição obrigatória nos cinemas, eram mostrados o embarque dos pracinhas, sua atuação no front, as

batalhas vencidas, o estado de espírito da população brasileira diante do desenrolar dos acontecimentos na Europa.

Eram ainda produzidos cartazes sobre os mais variados temas, como as Obrigações de Guerra, a convocação para o

alistamento, a arrecadação de fundos etc. O DIP editou também a coleção O Brasil na Guerra, reunindo dados sobre a

participação brasileira no conflito, enquanto os grandes jornais constantemente eram abastecidos com matérias sobre

questões as mais diversas relativas à Segunda Guerra Mundial.

• Reunião dos chanceleres do Rio de Janeiro

Convocada por Washington em seguida ao ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, III Reunião de

Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas Americanas realizou-se no palácio Tiradentes, no Rio

de Janeiro, de 15 a 28 de janeiro de 1942. O principal objetivo da reunião era a aprovação unânime de uma resolução

de rompimento imediato de relações diplomáticas e comerciais dos países americanos com o Eixo. Ao final, por força da

recusa argentina e chilena em firmar tal posição, foi aprovada uma resolução que apenas recomendava o rompimento

de relações.

De toda forma, a conferência logrou a aprovação de uma série de resoluções que consolidavam a colaboração dos

países do continente com os esforços de guerra dos Estados Unidos. Os países latino-americanos se prometeram

fornecer matérias-primas estratégicas para a indústria bélica norte-americana, criar condições propícias ao livre

movimento de capitais e manter a ordem interna para evitar a alteração de compromissos políticos assumidos com os

Estados Unidos.

O fato de não ter havido qualquer compromisso na área militar gerou insatisfação em setores das Forças Armadas

brasileiras interessados em participar militarmente no conflito mundial ao lado dos Aliados. A resolução a respeito

limitava-se a criar uma agência de estudos sobre a defesa continental, isto é, uma agência que visava a encorajar a

solidariedade hemisférica no plano militar, mas que não se destinava propriamente a assumir funções relevantes de

defesa da região.

Como parte de sua estratégia de negociação do alinhamento brasileiro aos Estados Unidos, Vargasdeixou para o último

momento o anúncio do rompimento brasileiro com os países do Eixo. Finalmente, tendo obtido do governo Roosevelt o

compromisso de reequipar suas Forças Armadas, o Brasil anunciou sua decisão de romper relações diplomáticas com a

Alemanha, a Itália e o Japão, no dia de encerramento da Conferência.

O Brasil na Guerra

Em síntese: Em represália ao rompimento de relações diplomáticas do Brasil com os países do Eixo, a partir de

janeiro de 1942 vários navios mercantes brasileiros foram torpedeados por submarinos alemães. A esses incidentes

Page 57: Era Vargas Cpdoc

seguiu-se uma forte mobilização popular em favor da entrada do país na Segunda Guerra Mundial para lutar ao lado

dos Aliados contra o nazi-fascismo. O governo brasileiro finalmente declarou guerra à Alemanha e à Itália em agosto

de 1942, mas só após ajustes difíceis com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha foi criada a Força Expedicionária

Brasileira (FEB), que levou o Brasil ao teatro de operaçõesna Itália. A contradição entre lutar a favor da liberal-

democracia ao lado dos Aliados na Europa e manter uma ditadura no país em muito contribuiria para a queda

de Vargas e o fim do Estado Novo em 29 de outubro de 1945.

O rompimento de relações diplomáticas do Brasil com os países do Eixo, anunciado ao final da Reunião de Chanceleres

do Rio de Janeiro, em 28 de janeiro de 1942, tornou os navios brasileiros alvo de ataques dos submarinos alemães.

Nos sete meses seguintes cerca de 19 navios mercantes brasileiros foram torpedeados na costa do paíscosta do país,

causando centenas de perdas humanas. Nesse momento foi de fundamental importância a ação de patrulhamento do

Atlântico Sul realizada pela Força Aérea Brasileira (FAB), que mais tarde também iria atuar no front italiano.

A indignação provocada pelos torpedeamentos fortaleceu a campanha em favor da entrada do Brasil na guerra, da qual

participavam diversas entidades, entre elas a União Nacional dos Estudantes(UNE). Em resposta aos apelos da

sociedade, finalmente o Brasil decretou o estado de beligerância (22 de agosto) e a seguir o estado de guerra (31 de

agosto de 1942) contra a Alemanha e a Itália. No mês seguinte, o governo criou a Coordenação da Mobilização

Econômica, com o propósito de coordenar o funcionamento da economia no contexto de emergência gerado pelo

conflito mundial.

Iniciaram-se então as conversações sobre o envio de um contingente brasileiro à frente de combate. A formação de uma

força expedicionária correspondia a um duplo projeto político de Vargas: de um lado, fortalecer as Forças Armadas

brasileiras internamente e aos olhos dos vizinhos do Cone Sul, em especial a Argentina, e com isso garantir a

continuação do apoio militar ao regime do Estado Novo; de outro lado, assegurar uma posição de significativa

importância para o Brasil no cenário internacional, na qualidade de aliado especial dos Estados Unidos. Entretanto, as

vitórias aliadas no norte da África, em novembro de 1942, reduziram consideravelmente a importância estratégica do

Nordeste do Brasil e, por extensão, as possiblidades de reequipamento das Forças Armadas brasileiras. Preocupado,

Vargas insistiu com o presidente norte-americano Franklin Roosevelt, quando este visitou Natal em janeiro de 1943, no

fornecimento do material bélico prometido pelos Estados Unidos e no interesse brasileiro em tomar parte ativa nos

combates. Com a concordância de Washington, a Força Expedicionária Brasileira(FEB) foi finalmente estruturada em

agosto de 1943. Para seu comando foi convidado o general Mascarenhas de Morais.

Da criação da FEB até o embarque do 1° Escalão para a Itália transcorreu quase um ano. Nesse período, dedicado à

preparação e treinamento das tropas, inúmeros foram os desencontros entre Brasil e Estados Unidos, desde os

relativos à liberação do equipamento militar necessário para a atuação das forças brasileiras, até os decorrentes da

ausência de uma definição quanto à área de atuação da FEB. Finalmente liberados os armamentos norte-americanos

de que o Brasil necessitava no início de 1944, e superada a resistência britância à presença de uma força brasileira no

Mediterrâneo, o primeiro contingente de tropas brasileiras embarcou em 30 de junho de 1944 rumo à Itália. Ao longo

dos oito meses seguintes, outros quatro escalões seguiram para o teatro de operações. Também a FAB se fez

representar com um grupo de aviação de caça e uma esquadrilha de ligação e observação.

O envio da FEB e da FAB ao teatro de operações veio coroar um processo que se iniciara quase quatro anos antes,

mas constituiu também o ponto de partida de uma nova etapa, qual seja, a da busca, por parte do governo brasileiro, de

participação nos arranjos do pós-guerra que iriam definir uma nova ordem mundial.

Além de ter viabilizado o reequipamento das Forças Armadas, a participação militar direta do Brasil na guerra, num

primeiro momento, fortaleceu o regime e ampliou o poder e o prestígio de setores civis e militares da classe governante.

No entanto, logo se evidenciou uma contradição, na medida em que o Brasil apoiava as forças aliadas na sua luta

Page 58: Era Vargas Cpdoc

contra os regimes autoritários nazi-fascistas e, ao mesmo tempo, mantinha internamente um regime ditatorial que

restringia a participação popular. Não demorou muito para que o Estado Novo sofresse os efeitos desse contra-senso. A

despeito das medidas liberalizantes adotadas pelo governo, procurando atender às demandas das oposições, um golpe

desfechado em 29 de outubro 1945 sob a liderança do alto comando do Exército provocou a queda de Vargas e o fim do

Estado Novo.

No plano da política externa, a participação na guerra não chegou a favorecer o objetivo do Brasil de se tornar um ator

influente na construção da nova ordem internacional. Na verdade, enquanto o Brasil ainda negociava sua participação

militar na luta contra o Eixo, os Aliados já estavam se articulando para a construção do pós-guerra nas Conferências

Aliadas. De toda forma, o Brasil participou da Conferência de Paz de Paris em 1946 e obteve um assento não-

permanente no Conselho de Segurança da recém-criada Organização das Nações Unidas.

• União Nacional dos Estudantes

Órgão máximo de representação dos estudantes universitários brasileiros, a UNE foi criada por decisão do II Congresso

Nacional dos Estudantes, realizado em dezembro de 1938, em pleno Estado Novo, no Rio de Janeiro. Esse congresso

contou com a presença de um representante do ministro da Educação, Gustavo Capanema, e de dezenas de delegados

representando 80 centros acadêmicos de diversos pontos do país. Em 1942, pelo Decreto-Lei nº 4.080, o presidente

Vargas institucionalizou a UNE como entidade representativa dos universitários brasileiros.

A primeira tarefa assumida pela UNE foi organizar o movimento estudantil em diretórios acadêmicos e em federações

estaduais. Apesar de filiadas à UNE, essas entidades manteriam sua autonomia, podendo negar-se a adotar a linha

política seguida pelo órgão central.

Já nos seus primeiros tempos de vida, a UNE engajou-se na campanha em prol da entrada do Brasil na Segunda

Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Essa campanha, deflagrada num momento em que a corrente simpática ao Eixo

ainda era bastante forte no interior do governo brasileiro, ganhou as ruas e teve grande influência na mobilização da

opinião pública. A UNE desempenhou também, nessa mesma época, papel importante na luta pela redemocratização

do país.

• Coordenação da Mobilização Econômica

Órgão criado pelo governo federal em setembro de 1942, com a finalidade de melhor coordenar o funcionamento da

economia brasileira no contexto de emergência gerado pela entrada do Brasil na guerra. Era diretamente subordinada

ao presidente da República, tinha sede no Rio de Janeiro e possuía escritórios regionais nas principais capitais do país.

Teve três coordenadores: o primeiro foiJoão Alberto Lins de Barros, ao qual se seguiram João Carlos Vidal e general

Anápio Gomes.

O início da >Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939, interferiu fortemente no comércio internacional. O Brasil,

apesar de sua neutralidade inicial, foi afetado pela queda nas exportações de seus produtos agrícolas, principalmente o

café, e pela dificuldade de importar máquinas, matérias-primas industriais e combustível. Assim, já em 1939, o governo

resolveu criar a Comissão de Defesa da Economia Nacional e a Comissão de Abastecimento. Depois de agosto de

1942, porém, quando o governo brasileiro declarou guerradeclarou guerra às potências do Eixo, essas duas comissões

foram substituídas pela Coordenação da Mobilização Econômica, órgão de funções mais abrangentes.

Encarregada do controle e supervisão de outros órgãos e empresas estatais e privadas, a Coordenação da Mobilização

Econômica representou um importante esforço de planejamento integrado que veio corroborar a tendência dominante

na época, de intervenção do Estado na economia. Era dividida em vários departamentos - produção industrial,

abastecimento, preço e licenciamento de produtos importados - e tinha como principais funções o estímulo à produção

agrícola e industrial, o abastecimento do mercado interno, o tabelamento de preços dos produtos alimentícios

essenciais, a melhoria no sistema de transportes e o combate à inflação. Foi extinta em dezembro de 1945, meses após

o fim da guerra, mas quase todos os seus departamentos foram absorvidos pelos diversos ministérios.

Page 59: Era Vargas Cpdoc

• Força Expedicionária Brasileira (FEB)

Força militar enviada pelo Brasil à Europa para lutar ao lado dos Aliados, contra o Eixo, na Segunda Guerra Mundial. Foi

constituída em agosto de 1943 e entregue ao comando do general-de-divisãoJoão Batista Mascarenhas de Morais.

Adotou como emblema uma cobra fumando, em alusão àqueles que diziam que era mais fácil uma cobra fumar do que

o Brasil participar da guerra.

Durante a fase de estruturação da FEB, diversos oficiais brasileiros foram enviados aos Estados Unidos para se

familiarizar com os métodos militares norte-americanos. No final de 1943, foi decidido que o destino do corpo

expedicionário brasileiro seria o teatro de operações do Mediterrâneo. O 1º Escalão da FEB, chefiado pelo

general Zenóbio da Costa e composto de aproximadamente cinco mil homens, desembarcou na em julho de 1944. Em

setembro, desembarcariam os 2º e 3º Escalões, comandados, respectivamente, pelos generais OsvaldoCordeiro de

Farias e Olímpio Falconière da Cunha. Até fevereiro de 1945 ainda chegariam à Itália mais dois escalões, além de um

contingente da Força Aérea Brasileira (FAB) com cerca de quatrocentos homens, sob o comando do major-aviador Nero

Moura. Ao todo, o Brasil enviou à Itália pouco mais de 25 mil homens.

As forças brasileiras integraram-se ao V Exército norte-americano, comandado pelo general Mark Clark, que por sua

vez fazia parte do X Grupo de Exércitos Aliados. O objetivo maior dos Aliados na Itália naquele momento era manter o

exército alemão sob pressão, de modo a não permitir que seus comandantes deslocassem tropas para a França, onde

se preparava a ofensiva final das forças aliadas no ocidente.

As primeiras vitórias da FEB ocorreram já em setembro de 1944 com a ocupação de Massarosa, a tomada Camaiore e

a queda de Monte Prano. No início de 1945, as tropas brasileiras.. participaram da conquista de Monte Castelo,

Castelnuovo e Montese. Em 2 de maio cessaram as hostilidades na Itália com a capitulação do último corpo de exército

alemão. Em 8 de maio a guerra acabou na Europa, com vitória dos Aliados e a rendição definitiva da Alemanha. A FEB

deixou sepultados na Itália, no cemitério de Pistóia, 454 mortos.

Ao regressar ao Brasil., os pracinhas da FEB foram recepcionados com grande entusiasmo popular. A volta dos

brasileiros que combateram na Itália sem dúvida precipitou a queda de Vargas e o fim do Estado Novo, inaugurando

uma nova fase de redemocratização na história do país.

• Força Aérea Brasileira (FAB)

O Ministério da Aeronática só foi criado em 20 de janeiro de 1941, tendo como primeiro titular o civil Joaquim Pedro

Salgado Filho. O novo ministério englobou o Departamento de Aeronáutica Civil e as já existentes aviação militar (do

Exército) e aviação naval (da Marinha). O pessoal oriundo das duas últimas passou a compor a Força Aérea Brasileira.

A despeito de sua posição de neutralidade no início da Segunda Guerra Mundial, em julho de 1941 o governo brasileiro

autorizou a utilização pelos norte-americanos, que na época também se mantinham neutros, de suas bases navais e

aéreas localizadas no Nordeste, visando a garantir a integridade do continente. A FAB, nesse momento, passou a

desempenhar sua primeira grande missão, de patrulhamento da costa brasileira.

Com a entrada dos Estados Unidos na guerra, a base de Natal passou a ter papel fundamental no transporte de

homens e materiais para o teatro de operações do norte da África. Ao mesmo tempo, Recife passou a ser o principal

centro de comando contra a guerra submarina na região. Os ataques de submarinos alemães a navios mercantesnavios

mercantes no Atlântico Sul, principalmente depois que o Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo,

obrigou a organização de comboios marítimos com proteção naval e aérea. O primeiro encontro entre aviões da FAB e

submarinos alemães ocorreu em 22 de maio de 1942, e a ele se seguiram vários outros.

Após o Brasil ter entrado efetivamente na guerra em agosto de 1942, foi decidido o envio de tropas brasileiras para o

teatro de operações no Mediterrâneo, incluindo uma esquadrilha de ligação e observação e um grupo de aviação de

caça. Como conseqüência dessa decisão, em janeiro de 1944 quatro oficiais da FAB seguiram para os Estados Unidos

para fazer o curso de estado-maior, e cerca de 350 homens seguiram para treinamento na base aérea de Água Dulce,

Page 60: Era Vargas Cpdoc

no Panamá. Enquanto isso, era treinado no Brasil o pessoal de manutenção. Em setembro seguiu para a frente de

batalha o I Grupo de Caça, com cerca de 400 homens, sob o comando do major-aviador Nero Moura. Esse grupo

integrou-se à Força Aérea do Mediterrâneo, comandada pelo general norte-americano Ira Eaker.

O I Grupo de Caça adotou o lema "Senta a pua" como conclamação a que seus integrantes se lançassem sobre o

inimigo com decisão, golpe de vista e vontade de aniquilá-lo. Realizou vários bombardeios e apoiou decisivamente a

FEB na conquista de Monte Castelo.

• O Brasil no teatro das operações

Exatamente sete meses e 19 dias foi quanto durou a campanha da FEB na Itália. De 16 de setembro de 1944, quando

um batalhão do 6° Regimento de Infantaria iniciou a marcha que redundaria nas conquistas de Camaiore e Monte

Prano, até 2 de maio de 1945, dia em que a ordem de cessar fogo foi expedida pelo comando do 4° Corpo do V

Exército americano, ao qual a FEB era subordinada, os brasileiros se empenharam em várias batalhas.

A FEB lutou na Itália em duas frentes. A primeira foi na região do rio Serchio durante durante o outono de 1944, e a

segunda no vale do rio Reno, em plena cordilheira apenina. Aí, por mais de dois meses os soldados brasileiros

enfrentaram um rigoroso inverno e, sob o fogo constante do inimigo, alcançaram seus maiores feitos: as conquistas de

Monte Castelo, em 22 de fevereiro de 1945, e de Montese, em 14 de abril, e o aprisionamento da 148ª Divisão Alemã,

de remanescentes de uma Divisão de Infantaria Italiana e de forças blindadas do Afrika Korps, em 28 de abril.

A missão mais importante que coube à FEB foi, sem dúvida, a tomada de Monte Castelo. A elevação, dominada pelos

alemães, era uma posição estratégica que impedia o 4° Corpo de Exército de prosseguir a marcha até Bolonha, objetivo

maior do comando das Forças Aliadas na Itália. No dia 24 de novembro de 1944 foi feita a primeira ofensiva. Depois de

se apoderarem do monte Belvedere, ao lado de Castelo, os brasileiros sofreram uma violenta contra-ofensiva alemã

que os obrigou a abandonar as posições já conquistadas. No dia 29 os Aliados iniciaram a segunda ofensiva a Monte

Castelo, igualmente barrada pelos regimentos de infantaria alemães. No dia 12 de dezembro iniciou-se o também

frustrado terceiro assalto dos expedicionários brasileiros a Monte Castelo, que não durou mais de cinco horas. Mesmo

assim, as vanguardas da FEB conseguiram chegar além da metade do caminho programado.

O dia 19 de fevereiro de 1945 foi a data estabelecida pelo comando do V Exército para o início de nova ofensiva, que

ficaria conhecida como Operação Encore. Nela seriam empregadas todas as forças do 4° Corpo de Exército, visando a

expulsar o inimigo do vale do rio Reno e persegui-lo até o vale do rio Panaro. A missão dos brasileiros seria desalojar os

alemães de Castelnuovo de Vergato, do Monte Soprassasso e, mais uma vez, de Monte Castelo. A grande vitória

finalmente ocorreu em 21 de fevereiro.

Do início de março a meados de abril de 1945 houve um período de menor número de operações. O comando aliado

aliado organizava, então, o plano final da campanha da Itália, a chamada Ofensiva da Primavera, destinada a levar com

rapidez à derrota definitiva teuto-italiana. Foi estabelecido que caberia à FEB seguir na direção de Vignola, o que veio a

acarretar os vitoriosos ataques a Montese e Zocca. A partir dessas vitórias iniciou-se a perseguição aos alemães que

batiam em retirada. Seguiram-se o cerco a Colecchio, Fornovo di Taro, a rendição de divisões inimigas e a corrida para

o vale do Pó. Prosseguindo em direção a Turim, os brasileiros ocuparam a cidade de Alessandria, em 30 de abril.

De 8 de maio - data da rendição da rendição da Alemanha e portanto do fim da guerra na Europa - até 3 de junho a FEB

foi empregada na ocupação militar do território conquistado e começou a preparar seu retorno ao Brasil, l. Quando o 1°

Escalão regressou ao Brasil, em 18 de julho de 1945, 454 mortos, ficaram enterrados no no cemitério brasileiro

localizado na cidade de Pistóia, perto de Florença.

• Conferências Aliadas

Entre 1943 e 1945 ocorreram diversos encontros e conferências entre os Aliados para tratar dos rumos da guerra e do

novo ordenamento mundial do pós-guerra. Seis desses encontros tiveram especial importância.

Em janeiro de 1943, o presidente norte-americano Franklin Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill

Page 61: Era Vargas Cpdoc

encontraram-se em Casablanca, no Marrocos, para tratar, entre outros assuntos, do desembarque na Sicília e da

intensificação do bombardeio norte-americano sobre o território alemão. Alguns meses depois, em outubro, os ministros

das Relações Exteriores reuniram-se em Moscou para discutir a possível participação da URSS na guerra contra o

Japão e a necessidade de criação de uma organização supranacional, a futura Organização das Nações Unidas (ONU).

Em novembro de 1943 foi a vez de Roosevelt e Churchill reunirem-se com Chiang Kai-chek no Cairo, no Egito, para

acertar as operações militares contra o Japão. Entre novembro e dezembro de 1943, Roosevelt, Churchill e Stalin

reuniram-se em Teerã, no Irã, para discutir detalhes do desembarque aliado na França, a ofensiva soviética contra a

Alemanha e as novas fronteiras da Polônia. Oito meses depois, em agosto de 1944, iniciou-se em Dumbarton Oaks

(Estados Unidos), a conferência entre União Soviética, Estados Unidos, Grã-Bretanha e China na qual se discutiu o

formato da ONU, incluindo a criação de um Conselho de Segurança. Em fevereiro de 1945, em Ialta, na Criméia, foi

finalmente acertada a entrada da União Soviética na guerra contra o Japão e sua colaboração para o estabelecimento

da ONU, além da divisão do mundo em zonas de influência entre os Aliados.

Finalmente, fechando o ciclo de conferências aliadas, o presidente Truman - substituindo Roosevelt, recém-falecido -,

Stalin e Churchill reuniram-se em Potsdam, na Alemanha, para ratificar algumas das decisões tomadas anteriormente.

Foram confirmadas na ocasião a desmilitarização da Alemanha e sua divisão em quatro zonas de ocupação (soviética,

norte-americana, inglesa e francesa), a criação do Tribunal Internacional para o julgamento dos crimes de guerra e

outras providências relativas à nova ordem internacional.

• Organização das Nações Unidas (ONU)

A ONU foi oficialmente criada em 26 de junho de 1945, quando representantes de 50 países assinaram a Carta de São

Francisco. Seu formato, porém, começou a ser discutido pelas grandes potências nas conferências aliadas realizadas a

partir de 1943.

Pensada como um sucedâneo da Liga das Nações, a ONU foi criada com os objetivos principais de salvaguardar a paz

mundial, proteger os direitos humanos, fomentar direitos iguais para todos os povos e melhorar os padrões de vida no

mundo. Seu principal órgão é o Conselho de Segurança, hoje formado por dez membros não-permanentes e cinco

membros permanentes com direito de veto - Estados Unidos, União Soviética, Grã-Bretanha, França e China. Há ainda

a Assembléia Geral, que se reúne uma vez por ano, constituída por todos os Estados-membros; a Secretaria Geral, que

é o principal órgão administrativo, chefiada por um representante escolhido pelo conjunto dos membros da

Organização; o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela, a Corte Internacional de Justiça e agências

especiais.

Além do Conselho de Segurança, outras características distiguem a ONU da Liga das Nações, entre elas a

determinação para que cada Estado-membro disponha de suas Forças Armadas para compor missões de paz ou para

agir na eventualidade de a Organização ter de repelir um agressor. Oswaldo Aranha foi eleito presidente da Primeira

Sessão da Assembléia Geral da ONU, realizada em abril de 1947. Desde então a sessão anual de trabalhos da

Assembléia Geral anual é aberta por discurso de um representante do Brasil.

• O Brasil no cenário internacional

A participação no esforço de guerra aliado e, principalmente, o envio da FEB ao no front italiano, em 1944, levaram o

governo brasileiro a supor que o país teria um papel importante a desempenhar nas negociações de paz do pós-guerra,

na qualidade de "potência associada" e "aliado especial" dos Estados Unidos. A reivindicação de um assento

permanente no Conselho de Segurança da ONU transformou-se assim em meta prioritária da diplomacia brasileira,

embora as negociações relativas ao formato da nova organização tenham ficado desde o início restritas às grandes

potências participantes das conferências aliadas.

Se é verdade que, durante conferência de no Dumbarton Oaks (1944), o presidente Roosevelt chegou a defender a

ampliação do número de membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU de forma a acomodar um país

latino-americano, possivelmente o Brasil, também é verdade que a proposta foi logo posta de lado diante da oposição

Page 62: Era Vargas Cpdoc

da Grã-Bretanha e da União Soviética. Isso não impediu, contudo, que o governo brasileiro continuasse a alimentar

esperanças, realizando sucessivas consultas ao governo norte-americano. As respostas deste último eram vagas e

ambíguas, o que mantinha vivo nas autoridades brasileiras um sentimento de prestígio, ainda bastante útil na

manutenção da aliança Brasil-Estados Unidos. A visita ao Brasil, em fevereiro de 1945, do secretário de Estado norte-

americano Stettinius constituiu o exemplo mais significativo da forma como Washington alimentava as pretensões

diplomáticas brasileiras a fim de obter concessões de natureza econômica e militar. Na ocasião, Stettinius garantiu a

renovação de acordos para fornecimento de material atômico brasileiro aos Estados Unidos, naquele momento crucial

para a fabricação da bomba atômica.

Compreendendo finalmente que o assento permanente no Conselho de Segurança estava fora de questão, o Brasil

concentrou-se, a partir da criação da ONU na Conferência de São Francisco, em junho de 1945, na candidatura a um

assento não-permanente - para o qual foi eleito em no 1947.

O que se revelou a partir dos anos 1944-45 foi que a capacidade do Brasil de transformar a "aliança especial" com os

Estados Unidos em uma fonte de concessões econômicas e militares e de prestígio externo chegara ao seu ponto

limite. Os Estados Unidos haviam se transformado, então, numa potência hegemônica mundial cujas preocupações

estratégicas se voltavam para a Ásia e a Europa, relegando a América Latina a um plano secundário.

Queda de Vargas e fim do Estado Novo

Em síntese:Para o Estado Novo, a entrada do Brasil na guerra ao lado dos Aliados teve efeitos contraditórios. De

um lado, o regime ganhou tempo. O estado de guerra representava um bom argumento para o governo adiar por

tempo indeterminado a consulta popular que deveria validar a Constituição de 1937. De outro, a opção por lutar

contra o nazi-fascismo colocou em xeque a manutenção de uma ditadura no país. As oposições procuraram

aproveitar o desgaste do governo decorrente dessa contradição para retomar a iniciativa. Foi nesse quadro de

redefinições que o Estado Novo entrou em crise e finalmente caiu em outubro de 1945.

A partir de 1942, o governo Vargas começou a se movimentar no sentido de preparar a transição controlada de um

Estado autoritário para um regime mais aberto. Não por acaso, naquele ano o ministro do Trabalho Marcondes

Filho iniciou uma campanha de popularização da figura de Vargas nos meios de comunicação, principalmente através

do programa radiofônico "Hora do Brasil". O objetivo era assegurar maior base de apoio para o governo entre as classes

trabalhadoras. Esta era também a raiz da preocupação de consolidar os direitos sociais e trabalhistas, expressa em

medidas aprovadas em 1943 como a CLT e o aumento do salário mínimo.

Mas a transformação do Estado Novo passava também pela formulação de uma estratégia para enfrentar a questão

político-eleitoral. No interior do governo, surgiram propostas variadas, todas preocupadas em criar mecanismos de

transição seguros que mudassem o regime mas mantivessem o poder nas mãos de Vargas. Uma alternativa aventada

foi a de se promover eleições imediatamente, com base nas entidades de classe existentes, em geral dominadas pelo

próprio governo. Vargas, no entanto, procurou não se precipitar e aguardou o rumo dos acontecimentos nos planos

externo e interno.

A partir de 1943 a oposição passou a se movimentar com maior desenvoltura, a despeito da ação da censura e de

outros órgãos repressivos. Durante todo o ano sucederam-se passeatas de estudantes, promovidas pela UNE, contra o

nazi-fascismo. Em outubro, importantes lideranças civis e liberais de Minas Gerais lançaram um documento contestando

o regime ditatorial conhecido como o Manifesto dos Mineiros. O governo reagiu punindo vários dos signatários,

acusados de insuflar "nosso pior inimigo: as divergências internas". Vargas prometeu a normalização da vida política do

país para logo após o fim da guerra, em "ambiente próprio de paz e ordem".

Page 63: Era Vargas Cpdoc

A tensão política manteve-se no ano seguinte. Tornou-se muito difícil para o governo conservar unida a sua base de

sustentação no momento em que se abria a possibilidade de retorno ao regime da competição política. As dissensões

internas tornaram-se inevitáveis. Um exemplo foi a renúncia do ministro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, após

o fechamento pelo governo de um organismo de apoio aos Aliados - a Sociedade Amigos da América.. Apesar de tudo,

o governo continuou apostando na estratégia da candidatura única de Vargas nas futuras eleições presidenciais.

Durante todo o ano, Marcondes Filho tratou de intensificar sua campanha de enaltecimento da figura de Vargas no

rádio.

As oposições, por seu lado, partiram para uma atuação mais agressiva e começaram a costurar alianças com um ator

que ganhava cada vez mais prestígio naqueles anos de guerra: os militares. Em outubro de 1944, a candidatura

presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes, herói dos 18 do forte, começou a ser articulada nos meios militares e civis.

Em janeiro de 1945, no I Congresso Brasileiro de Escritores, intelectuais de renome defenderam a imediata

redemocratização do país. Em fevereiro, a imprensa resolveu desconhecer a censura oficial e publicou uma entrevista

com José Américo de Almeida defendendo eleições livres e apresentando Eduardo Gomes como candidato das

oposições.

Para fazer frente às pressões e romper o isolamento político, ainda em fevereiro o governo resolveu baixar a Lei

Constitucional nº 9, que previa a realização de eleições em data a ser marcada 90 dias depois. Era o primeiro passo

para a redemocratização do país. Em maio foi decretado o Código Eleitoral: as eleições para a presidência da

República e para o Parlamento Nacional seriam realizadas no dia 2 de dezembro daquele ano, e em maio de 1946 se

realizariam as eleições para os governos e assembléias estaduais. De acordo com as regras do jogo, Vargas poderia

concorrer às eleições, desde que se desincompatibilizasse do cargo três meses antes do pleito. O presidente, no

entanto, afirmava que não tinha interesse em permanecer no poder.

A redemocratização do país mobilizou a sociedade brasileira. Surgiram partidos políticos nacionais que teriam a partir

daquele momento, até a década de 1960, grande importância. Foram eles a União Democrática Nacional (UDN), que

reunia grande parte das oposições; o Partido Social Democrático (PSD), beneficiário da máquina política do Estado

Novo, e, finalmente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), formado a partir da base sindical controlada por Vargas.

Enquanto a UDN apoiou a candidatura de Eduardo Gomes, o PSD lançou a do general Eurico Dutra. O PTB

inicialmente manteve-se distante dos dois candidatos.

Mesmo com a campanha nas ruas, continuavam as dúvidas. Vargas seria candidato? Que papel teria ele na

redemocratização do país? Setores oposicionistas e segmentos da elite estadonovista temiam os projetos continuístas

do ditador. Temiam também seu prestígio junto às forças populares. Por isso, queriam afastá-lo do poder o mais rápido

possível.

A UDN defendia a convocação imediata da eleição para a presidência da República, deixando a promulgação de uma

nova Constituição para um segundo momento. Os udenistas não admitiam que coubesse ao ditador a tarefa de presidir

a constitucionalização do país. Já para os comunistas, que puderam atuar livremente após a anistia de abril de 1945, o

primeiro passo para a implantação do regime democrático deveria ser a instalação de uma Assembléia Nacional

Constituinte. Sob a vigência de uma nova Carta é que deveriam ser realizadas as eleições para a presidência da

República, governos estaduais e assembléias legislativas. Na prática, a proposta dos comunistas implicava que Vargas

permanecesse no poder ainda por um largo período. Essa proposta aproximava o PCB do PTB e fortalecia o movimento

queremista, surgido em meados de 1945, cujas principais palavras de ordem eram "Queremos Getúlio" e "Constituinte

com Getúlio". Rapidamente o queremismo ganhou as ruas, deixando as elites civis e militares preocupadas com as

intenções continuístas do presidente.

No dia 10 de outubro, Getúlio baixou um novo decreto antecipando para 2 de dezembro as eleições estaduais. Segundo

o decreto, os então interventores deveriam outorgar dentro de um prazo de 20 dias as constituições estaduais. Caso

quisessem ser candidatos, bastaria renunciar aos seus mandatos 30 dias antes do pleito. Tudo levava a crer que Vargas

sairia profundamente fortalecido das eleições, realizadas sob a égide de seu governo. A partir de então, aceleraram-se

Page 64: Era Vargas Cpdoc

as articulações conspiratórias. Entre os principais envolvidos estavam o ministro da Guerra, generalGóes Monteiro, e o

candidato do PSD à presidência da República e ex-ministro da Guerra, generalEurico Dutra. Os conspiradores

contavam também com a aval do embaixador americano no Brasil, Adolf Berle.

No dia 25 de outubro, Getúlio nomeou seu irmão Benjamim Vargas chefe de Polícia do Distrito Federal. Circulavam

rumores de que, ao assumir o cargo, Benjamim prenderia todos os generais que estivessem conspirando contra o

regime. Essa nomeação funcionou como uma espécie de gota d'água. No dia 29 de outubro, Getúlio Vargas foi deposto

pelo Alto Comando do Exército e, declarando publicamente que concordava com a deposição, retirou-se para São

Borja, sua cidade natal. No dia seguinte, José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, assumiu a presidência

da República, para transmiti-la, em janeiro de 1946, ao candidato vitorioso nas eleições,Eurico Dutra.

• Manifesto dos Mineiros

Manifesto divulgado em outubro de 1943 por membros da elite liberal de Minas Gerais, defendendo o fim da ditadura do

Estado Novo e a redemocratização do país. Entre seus 92 signatários incluíam-se Virgílio de Melo Franco, Pedro

Aleixo, Milton Campos, Artur Bernardes, Afonso Arinos de Melo Franco, Adauto Lúcio Cardoso, Adolfo Bergamini,

Afonso Pena Jr., Alaor Prata, Bilac Pinto, Daniel de Carvalho, José de Magalhães Pinto, Mário Brant e Odilon Braga.

Com a instauração da ditadura do Estado Novo, os setores liberais, ainda que não tivessem sofrido a violenta

perseguição destinada aos setores de esquerda, principalmente aos comunistas, também se viram impossibiliados de

agir sobre os destinos políticos da nação. Essa situação só começou a se modificar quando o governo brasileiro optou

por apoiar os Aliados na Segunda Guerra Mundial. A contradição entre as posturas externa e interna foi logo apontada

pelos setores de oposição, que aproveitaram a oportunidade para romper o longo silêncio a que haviam sido obrigados.

As manifestações estudantis de apoio aos Aliados, realizadas durante o ano de 1942, transformaram-se em atos pela

democracia e representaram uma primeira transgressão à ordem ditatorial. Em agosto de 1943, representantes de

Minas Gerais no Congresso Jurídico Nacional manifestaram-se a favor da redemocratização. Em seguida, membros da

elite mineira realizaram sucessivas reuniões no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, decidindo divulgar um manifesto

público que explicitasse suas aspirações democráticas. Surgiu assim o o Manifesto dos Mineiros, a princípio intitulado

Manifesto ao Povo Mineiro. Num primeiro momento foram tirados 50 mil exemplares do documento, impressos

clandestinamente em uma gráfica de Barbacena e distribuídos de mão em mão ou jogados por baixo das portas das

residências, em virtude da censura à imprensa ainda vigente. Sua importância decorreu do fato de ter sido a primeira

manifestação aberta contra a ditadura, assinada por indivíduos pertencentes a famílias de grande tradição social e

política em Minas Gerais.

A reação do governo não tardou. Embora os signatários do manifesto não tenham sofrido qualquer tipo de perseguição

policial, muitos deles foram afastados dos cargos públicos que ocupavam ou foram demitidos de seus empregos em

empresas privadas em virtude das pressões exercidas pelo governo.

O Manifesto dos Mineiros abriu caminho para que outros documentos da mesma natureza viessem a público, como a

Carta aos Brasileiros, divulgada por Armando de Sales Oliveira em dezembro de 1943, quando ainda se encontrava no

exílio, e a Declaração de Princípios do I Congresso Brasileiro de Escritores, de janeiro de 1945.

• I Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores

Em 1942, por iniciativa de escritores contrários à falta de liberdade de expressão imposta pelo Estado Novo, foi fundada

no Rio de Janeiro a Associação Brasileira de Escritores. Entre seus fundadores incluíam-se Otávio Tarquínio de Sousa

(presidente), Sérgio Buarque de Holanda,Astrojildo Pereira, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Sérgio Milliet, Mário

de Andrade, Oswald de Andrade e Érico Veríssimo.

Em 1944, incentivada por Jorge Amado, Aníbal Machado, Oswald de Andrade e outros, a associação resolveu realizar

um congresso. No dia 22 de janeiro de 1945, reuniu-se assim no Teatro Municipal de São Paulo o I Congresso Nacional

de Escritores. A reunião foi uma manifestação de oposição ao governo Vargas, contribuindo para aprofundar a crise do

Page 65: Era Vargas Cpdoc

regime.

Participaram do I Congresso Brasileiro de Escritores nomes expressivos da intelectualidade do país, além de

convidados estrangeiros. A mesa diretora era composta, entre outros, por Aníbal Machado (presidente), Sérgio Milliet,

Dionélio Machado, Murilo Rubião e Jorge Amado. Durante o encontro foi redigido um manifesto exigindo a legalidade

democrática como garantia da completa liberdade de pensamento, e a instalação de um governo eleito pelo povo

mediante sufrágio universal direto e secreto.

• Partidos Políticos Nacionais

Foi na conjuntura final do Estado Novo que foram criados os principais partidos políticos brasileiros atuantes da década

de 1940 à de 1960: a União Democrática Nacional (UDN), o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista

Brasileiro (PTB). A lei eleitoral de maio de 1945, elaborada sob a supervisão do ministro da Justiça Agamenon

Magalhães, determinou a constituição de partidos de caráter nacional, o que rompia com a tradição regionalista da

política partidária brasileira.

A UDN foi fundada no dia 7 de abril de 1945, reunindo diversas correntes que nos anos anteriores haviam-se colocado

em oposição à ditadura do Estado Novo. Setores liberais que desde 1943, com o lançamento do Manifesto dos

Mineiros, vinham se manifestando pelo fim do regime ditatorial, se articularam para lançar a candidatura do

brigadeiro Eduardo Gomes à presidência da República. Para dar sustentação a essa candidatura foi criada a UDN, que

num primeiro momento constituiu uma ampla frente anti-Vargas.

Participaram da fundação da UDN setores oligárquicos desalojados do poder pela Revolução de 1930, representados

por figuras como o baiano Otávio Mangabeira, o paulista Júlio Prestes ou o ex-presidente Artur Bernardes, e por clãs

politicos estaduais como os Konder, de Santa Catarina, ou os Caiado, de Goiás. Ingressaram também na UDN outros

setores oligárquicos que só romperam comVargas no decorrer da década de 1930, como José Américo de

Almeida, Juarez Távora, Antônio Carlos, Juraci Magalhães, Carlos de Lima Cavalcanti e Flores da Cunha. Havia ainda

liberais históricos, como os irmãos Virgílio e Afonso Arinos de Melo Franco, Raul Pilla, Pedro Aleixo, Odilon

Braga, Milton Campos, entre outros. Finalmente, estiveram entre os fundadores do partido até mesmo alguns grupos e

personalidades de esquerda, como Silo Meireles, rompido com o PCB em virtude da aproximação desse partido com

Vargas, e socialistas como Hermes Lima, Domingos Velasco e João Mangabeira, aglutinados na chamada Esquerda

Democrática. Essa frente ampla começou a dissolver-se, contudo, ainda durante o ano de 1945. Em Minas Gerais, o

grupo ligado ao antigo PRM, liderado por Artur Bernardes, optou por organizar o Partido Republicano (PR), enquanto no

Rio Grande do Sul foi criado o Partido Libertador, dirigido por Raul Pilla. PR e PL, entretando, mantiveram seu apoio à

candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes. No ano seguinte, a Esquerda Democrática abandonaria a UDN para

organizar o Partido Socialista Brasileiro (PSB). Até a sua extinção em 1965, o partido esteve no centro dos principais

acontecimentos da vida política do país. Caracterizou-se pela defesa da democracia liberal e pelo combate aguerrido às

correntes getulistas.

O Partido Social Democrático (PSD) foi fundado no dia 17 de julho de 1945 sob o comando dos interventores estaduais

nomeados por Vargas durante o Estado Novo, entre os quais se destacaramBenedito Valadares, de Minas Gerais;

Fernando Costa, de São Paulo; Ernani do Amaral Peixoto, do Rio de Janeiro; Nereu Ramos, de Santa Catarina,

e Agamenon Magalhães, de Pernambuco. Sua criação esteve relacionada às articulações das lideranças ligadas a

Vargas para se contrapor ao lançamento da candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes pela UDN. Dessas iniciativas

surgiria a candidatura presidencial do general Eurico Dutra, ex-ministro da Guerra de Vargas. Em seu programa o PSD

defendia a legislação trabalhista e a intervenção do Estado na economia. A primeira comissão diretora do partido era

composta por Getúlio Vargas (presidente), Benedito Valadares (1º vice-presidente) e Fernando Costa (2º vice-

presidente). Na prática, porém, Vargas jamais assumiu suas funções, que a princípio ficaram a cargo de Benedito

Valadares em caráter interino. Em seguida, a presidência do PSD foi exercida por Nereu Ramos (1947-49), Cirilo Júnior

(1949-51) e Ernani do Amaral Peixoto (1951-65).

As eleições presidenciais realizadas em dezembro de 1945 tiveram como vencedor o general Dutra, candidato do PSD.

Page 66: Era Vargas Cpdoc

O partido não conquistou, contudo, uma supremacia clara no governo Dutra, que preferia declarar-se "presidente de

todos os brasileiros". Ainda assim, o PSD exerceu ampla hegemonia sobre a política brasileira entre 1945 e 1965: além

de eleger dois presidentes da República e um grande número de governadores, manteve sempre a maioria na Câmara

dos Deputados e no Senado e foi o partido que mais indicou ministros no período. Durante sua existência, o aliado

preferencial do PSD foi o PTB, enquanto seu grande rival foi a UDN.

• Queremismo

Movimento político surgido em maio de 1945 com o objetivo de defender a permanência de Getúlio Vargas na

presidência da República. O nome "queremismo" se originou do slogan utilizado pelo movimento: "Queremos Getúlio".

Diante das evidências de que a ditadura do Estado Novo caminhava para o seu final, as forças políticas que haviam se

oposto ao regime iniciaram o ano de 1945 reivindicando a redemocratização do país. Pressionado, Vargas

comprometeu-se a realizar eleições. Organizaram-se partidos políticos nacionais, que lançaram candidatos, enquanto o

próprio Vargas mantinha-se numa posição dúbia em relação à possibilidade de candidatar-se. O prestígio de que então

desfrutava junto aos trabalhadores urbanos fazia com que seus passos fossem decisivos para os rumos da eleição.

Nesse contexto, surgiu em São Paulo, entre os meses de março e maio, o movimento da panela vazia, manifestação

pioneira em defesa de sua permanência na presidência. Logo em seguida, ainda no mês de maio, foi lançado o

movimento queremista, no Rio de Janeiro. Os queremistas reivindicavam o adiamento das eleições presidenciais e a

convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Caso as eleições fossem mesmo confirmadas, queriam o

lançamento da candidatura de Vargas.

O Partido Comunista do Brasil, recém-legalizado após anos de clandestinidade, logo manifestou apoio à bandeira da

Constituinte com Getúlio. Nos meses seguintes o movimento atingiu outras capitais e ganhou dimensões de massa. O

empresário Hugo Borghi se destacou como um de seus principais líderes, chegando a adquirir três estações de rádio

para colocá-las à disposição da campanha. No Rio de Janeiro, o jornal O Radical encampou as teses do movimento.

Em julho quando o primeiro escalão de pracinhas regressou da Itália e foi aclamado nas ruas do Rio de Janeiro, Getúlio

também desfilou em carro aberto e recebeu uma consagração popular. Os queremistas estavam seguros do prestígio

do presidente. Nos meses de agosto, setembro e outubro grandes manifestações se sucederam. Vargas saudava os

manifestantes da sacada do palácio presidencial e, aos poucos, começava a dar mostras de que pretendia continuar no

poder.

No final do mês de outubro, quando Vargas tentou substituir o chefe de Polícia do Distrito Federal,João Alberto Lins de

Barros, por Benjamin Vargas, seu irmão, a manobra foi interpretada por seus adversários como um golpe para preparar

sua continuidade no poder. No dia 29, o alto comando do Exército, tendo a frente o ministro da Guerra, general Góes

Monteiro, depôs Vargas da presidência, que em seguida foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, José

Linhares.

Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/apresentacao