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Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo - ANALAM Corações ao alto Pés no chão Grande é aquele que serve Brasil, 2008 Subsídio de Formação nº 10

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Associação Nacional dos Leigos Amigosde Murialdo - ANALAM

Corações ao alto

Pés no chão

Grande é aquele que serve

Brasil, 2008

Subsídio de Formação nº 10

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Sumário

Apresentação ....................................................................................... 157

I - OLHANDO AO NOSSO REDOR ................................................... 159A latinha de leite ...................................................................................... 159

1.1 Mundo imaginário X mundo real .............................................................. 1601.2 Exclusão X diversidade ........................................................................... 1681.3 Ricos X pobres ................................................................................... 1701.4 Capitães da Areia X Corações ao alto, pés no chão .................................... 171

II - ILUMINANDO CORAÇÕES ................................................................. 174

O alpinista ............................................................................................. 1742.1 Entre montanhas e planícies .................................................................... 1752.2 Descobrir a sarça ardente da própria vida ................................................. 1772.3 Entre templos e tendas ........................................................................... 1792.4 “O Espírito do Senhor está sobre mim...” .................................................. 1802.5 “... e não pescamos nada” ....................................................................... 1822.6 “Quem é o meu...” .................................................................................. 1842.7 “A vida só tem sentido quando...” ........................................................... 187

III - ARREGAÇANDO AS MANGAS ........................................................... 191

Os Remos que levam ao porto .......................................................................................... 1913.1 Sobre místicas e ações............................................................................ 1923.2 Sobre ações que são serviço .................................................................... 1933.3 Sobre santos e santas ............................................................................. 194

3.3.1 São Leonardo Murialdo .................................................................. 1953.3.2 Irmã Dulce ................................................................................... 1963.3.3 Irmã Dorothy .................................................................................. 1973.3.4 Dom Luciano Mendes de Almeida .................................................. 1993.3.5 Madre Tereza de Calcutá ............................................................... 2013.3.6 Padre João Schiavo ....................................................................... 203

3.4 “Senhor que queres que eu faça?” ............................................................ 205

Referências Bibliográficas................................................................................ 207

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

Apresentação

Estimados associados(as) dos diversos núcleos da ANALAM.É com grata satisfação que o Conselho Formativo leva a vocêsmais um trabalho com o objetivo de criar identidade e ajudar aformar os leigos e leigas que optarem pela bela caminhada namística de São Leonardo Murialdo.

Este é o décimo volume do Kit construído para nossa formação e reflexão.Talvez, quando iniciamos com este trabalho, não imaginávamos que tomaria taldimensão e chegasse a completar uma dezena de volumes. Os subsídios são lidose usados por todos os leigos amigos de Murialdo do Brasil. Algumas pessoas, defora do país, já os levaram de modelos para suas comunidades e fazem sucesso.Uma coisa é certa: cada volume foi produzido com a máxima dedicação, pensandoem nossa realidade e necessidades. Gostaríamos que, também este, fosse usadoe ajudasse a cada um a ser melhor na sua caminhada em busca da santidade.

Sabendo que a responsabilidade aumenta em cada trabalho que realizamos,temos o objetivo de levar a você uma reflexão mostrando que, se estamos comnossos “corações ao alto”, descobrimos que podemos e somos capazes. Estaproximidade com o “alto” nos remete aos que mais necessitam e ilumina a nossamissão.

Este material renova o lembrete que Murialdo fez: “Devemos serextraordinários no ordinário”. Por isso ele nos apresenta exemplos que se fizeramou se fazem presentes entre nós. Podemos perceber através deles que nossasantidade depende muito mais de uma ação individual firmada em uma fé quealimentamos, do que eventos extraordinários que nos acostumamos a acharnecessário para estarmos ao lado de Jesus, o Filho de Deus.

Assim nosso subsídio busca, primeiramente, que nos espelhemos em Jesus,nosso mestre, aquele que nos intriga, afirmando que veio para servir e não paraser servido. Como afirma Jesus é preciso que cada leigo de Murialdo conclua aleitura deste subsídio com uma convicção: Só é realmente grande aquele queserve!

Conselho Formativo da ANALAM

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A latinha de leiteUm fato real. Dois irmãozinhos maltrapilhos, provenientes da favela, um

deles de cinco anos e o outro de dez, iam pedindo um pouco de comida pelascasas da rua que beira o morro. Estavam famintos “vai trabalhar e não amole”,ouvia-se detrás da porta; “aqui não há nada moleque...”, dizia outro...

As múltiplas tentativas frustradas entristeciam as crianças... Por fim,uma senhora muito atenta disse-lhes “Vou ver se tenho alguma coisa para

vocês... coitadinhos!” E voltou com umalatinha de leite.

Que festa! Ambos se sentaram nacalçada. O menorzinho disse para o de dezanos “você é mais velho, tome primeiro...” eolhava para ele com seus dentes brancos, aboca semi-aberta, mexendo a ponta da língua.

Eu, como um tolo, contemplava a cena...Se vocês vissem o mais velho olhando de ladopara o pequenino! Leva a lata à boca e,fazendo gesto de beber, aperta fortementeos lábios para que por eles não penetre umasó gota de leite. Depois, estendendo a lata,diz ao irmão: “Agora é sua vez. Só um pouco.”E o irmãozinho, dando um grande gole

exclama: “como está gostoso!”

“Agora eu”, diz o mais velho. E levando a latinha, já meio vazia, à boca,não bebe nada. “Agora você”, “Agora eu”, “Agora você”...

Depois de três, quatro, cinco ou seis goles, o menorzinho, de cabeloencaracolado, barrigudinho, com a camisa de fora, esgota o leite todo... elesozinho.

E então, aconteceu algo que me pareceu extraordinário. O mais velhocomeçou a cantar, a sambar, a jogar futebol com a lata de leite. Estava radiante,o estômago vazio, mas o coração transbordante de alegria. Pulava com anaturalidade de quem não fez nada de extraordinário, ou melhor, com anaturalidade de quem está habituado a fazer coisas extraordinárias sem dar-lhes maior importância.

Daquele moleque nós podemos aprender a grande lição, “quem dá émais feliz do que quem recebe.” É assim que nós temos de amar.

Autor desconhecido

I - OLHANDO AO NOSSO REDOR

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Subsídio 10

TRAPICHE: s.m. Armazém de mercadorias junto ao cais.

1.1 Mundo imaginário X mundo real

“...Sob a lua, num velho trapiche

abandonado, as crianças dormem...”

(AMADO, 1996, p. 19)

“CRIANÇAS LADRONAS: Já por várias vezes o nosso jornal, que ésem dúvida o órgão das mais legítimas aspirações da população baiana,tem trazido notícias sobre a atividade criminosa dos “Capitães da Areia”,nome pelo qual é conhecido o grupo de meninos assaltantes e ladrõesque infestam a nossa urbe. Essas crianças que tão cedo se dedicaram àtenebrosa carreira do crime não têm moradia certa ou, pelo menos, a suamoradia ainda não foi localizada. Como também ainda não foi localizadoo local onde escondem o produto dos seus assaltos, que se tornam diários,fazendo jus a uma imediata providência do Juiz de Menores e do Dr.Chefe de Polícia.

Esse bando que vive da rapina se compõe, pelo que se sabe, de umnúmero superior a 100 crianças das mais diversas idades, indo desde os8 aos 16 anos. Crianças que, naturalmente devido ao desprezo dado àsua educação por pais pouco servidos de sentimentos cristãos, seentregaram no verdor dos anos a uma vida criminosa. São chamados de“Capitães da Areia” porque o cais é o seu quartel-general. E têm porcomandante um molecote dos seus 14 anos, que é o mais terrível de todos,não só ladrão, como já autor de um crime de ferimentos graves, praticadona tarde de ontem. “Infelizmente a identidade deste chefe é desconhecida”.

Ao ler este trecho inicial, você deve ter se questionado de qual cidadebaiana esta notícia se refere. Também pode ter se lembrado de uma notícia

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semelhante lida em algum meio de comunicação recentemente. Pois é, notíciasassim, descrevendo a vida de crianças e adolescentes que vivem em situaçãode risco ou que usam de violência, são facilmente encontradas em nossos meiosde comunicação, independente da cidade em que estas vivam.

No entanto, a notícia que dá início a este texto faz parte da obra literária“Capitães da Areia”, escrita por Jorge Amado. Apesar da descrição cheia dedetalhes, que nos reporta para os dias de hoje, ela se refere a uma realidadecontada nos idos da década de 30, na primeira fase da carreira do escritor, enela notam-se grandes preocupações sociais. Os Capitães da Areia são tachadoscomo heróis no estilo Robin Hood. No geral, as preocupações sociais dominam,mas os problemas existenciais dos garotos os transformam em personagensúnicos e corajosos, corajosos Capitães da Areia de Salvador.

A obra traça um paralelocom a nossa realidade, pois mostraem seu contexto a denúncia deproblemas sociais como a questãoda criança e do adolescente, dasdiferenças de classes que geramdiscriminação, marginalidade,prostituição, miséria, pobreza,abandono, infelicidade, entre outros,mostrando a falta deposicionamento da sociedade noque tange à busca de uma soluçãopara questões presentes tambémhoje em nossa realidade.

A situação de rua de criançase adolescentes vem sendo estudada de forma sistemática desde a década de1970. Os primeiros estudos procuraram quantificar esta população e,posteriormente, para melhor conhecê-los, surgiram tipologias baseadas em umcritério, como tempo de permanência na rua ou tempo mais vínculo familiar.

Crianças e adolescentes perambulando pelas grandes cidades é um antigofenômeno tanto na vida real quanto no mundo imaginário. Ainda na época doPe. Leonardo Murialdo havia os “pequenos limpadores de chaminés”, que seespalhavam pelas ruas de Turim, e aos domingos eram reunidos no Oratório. E,

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no mundo literário, por sua vez, é possível encontrar na criação de personagensisolados, como Pixote, a Lei do mais Forte (anos 80), do escritor JoséLouzeiro, ou em grupo, como na obra Capitães da Areia, de Jorge Amado(anos 30), citada anteriormente.

“queria alegria, uma mão que o acarinhasse, alguém

que com muito amor o fizesse esquecer o defeito físico

e os muitos anos (talvez tivessem sido apenas meses ou

semanas, mas para ele seriam sempre longos anos) que

vivera sozinho nas ruas da cidade, hostilizado pelos

homens que passavam, empurrado pelos guardas,

surrado pelos moleques maiores. Nunca tivera família.

Vivera na casa de um padeiro a quem chamava

‘meu padrinho’ e que o surrava.”

(AMADO, 1996, p. 30-31)

Enquanto estas situações recheiam famosas obras literárias e incitamapenas a capacidade de leitura e imaginação, não há comentários maiores.Porém, quando estas situações saltam do mundo do imaginário para o mundoreal e passam a fazer parte de nossas vidas... aí é chegado o momento deanalisar o contexto sócio-histórico-cultural e buscar soluções.

Ainda na década de 70, emergem importantes movimentos sociais. Oápice de sua articulação foi o Movimento pelas “Diretas Já”, o processoconstituinte até 1988 e a polarização de projetos de país na disputa eleitoral àPresidência da República em 1989.

Também é importante citar o movimento dos “Caras Pintadas” - o jeitocriança de ser cidadão - que marcou o ano de 1992. Movidos pela ética e pelopatriotismo, estudantes de todo o Brasil pintaram o rosto de verde-amarelo,vestiram-se de preto e tomaram as ruas para exigir o impeachment (retirada dogoverno) do então presidente. Os jovens fizeram a diferença nesse processo!Reconheceram a importância de acompanhar a ciência política, reclamaram,manifestaram-se contra o governo e promoveram grandes mudanças no País.

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A culminância de inúmeras manifestações vem com a grande premissa“Criança é Prioridade Absoluta”, no artigo 227 da Constituição Brasileiraque determina que a família, a sociedade e o Estado devem assegurar para aspessoas em formação, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, àalimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além do deverde garantir que fiquem a salvo de toda forma de negligência, discriminação,exploração, violência, crueldade e opressão.

Desde a queda do muro de Berlim (1989) e eleição do presidente Collor(1989), o receituário neoliberal de Estado mínimo começa a ser seguido, inserindoo Brasil em posição subordinada no processo de globalização. Seu ápice ocorrenos mandatos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, embora os movimentossociais atuassem em oposição à sua implantação.

A forte resistência dos movimentos sociais não foi suficiente para impedira desregulamentação das relações entre capital e trabalho (contrato temporário,reforma da previdência, entre outros aspectos) e a desconstrução do frágilmodelo de Estado de Bem-Estar Social resultante do processo constituinte. Aimplantação do neoliberalismo jogou a maioria da população no “salve-se quempuder” da luta pela sobrevivência, reforçando o individualismo e favorecendoprocessos de cooptação de lideranças, o que diminuiu a capacidade demobilização dos sindicatos.

Apesar disso, uma aliança estratégica entre os movimentos sociais e asbancadas dos partidos de esquerda (o campo democrático-popular) levava aoposição ao Congresso Nacional. A interlocução e acompanhamento do queocorria no parlamento possibilitou mobilizações importantes em momentosdecisivos, embora fossem raras as vitórias imediatas. As diferenças ideológicase estratégicas na condução das negociações com o Governo Federal nãoimpediam a unidade na intervenção social. Exemplos dessa unidade foram osplebiscitos sobre a Dívida Externa e a Alca e a aprovação da Lei 9840 - contraa compra de votos e uso da máquina administrativa (com mais de um milhão deassinaturas).

O governo FHC respondeu a essas mobilizações elaborando um marcoregulatório para o Terceiro Setor, baseado na concepção de “ONGs parceirasdo Estado” que executassem ações sociais do Estado na condição devoluntariado. Invertem-se então as relações entre sociedade civil e Estado: se

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antes a sociedade civil exercia o controle social sobre o Estado, a partir deentão o Estado controla as ações da sociedade civil por meio de convênios.

Se de um lado o governo se mostrava disposto a mudanças, a situação decrianças e adolescentes que perambulavam pelas ruas (agora não só no mundoimaginário!), ainda se fazia presente em todas as cidades, principalmente empaíses do terceiro mundo ou em desenvolvimento. Mas, ainda no ano de 1988,aconteceu uma grande mobilização popular em prol do bem-estar dessas criançase adolescentes: foi o Ano Internacional da Criança, promovido pela ONU.

Em 1989, a ONU aprova a Convenção dos Direitos da Criança, colocando-a como sujeito de direito e como cidadão privilegiado, dentro do princípio daproteção integral, e no Brasil já em 1990, como decorrência de discussões emâmbito nacional, aprova o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) deacordo com essa nova orientação.

“…muitos deles eram tão crianças que ainda tinham

medo de dragões e monstros lendários... Ficavam

todos juntos, inquietos, mas sós todavia, sentindo que

lhes faltava algo, não apenas uma cama quente num

quarto coberto, mas também doces palavras de mãe ou

irmã que fizessem o temor desaparecer.”

(AMADO, 1996, p. 52)

Apesar das inúmeras orientações dadas pelo Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA), muito há para se fazer como forma de proteção aos jovense crianças, pois muitos ainda “têm medo de dragões e monstros lendários”.Talvez estes, ganhem outra forma quando na vida real! A violência urbana e adesconfortável sensação de insegurança que assola os centros urbanos, inquietame produzem inúmeros rechaços como forma de enfrentamento desta questão.Uma delas é a situação da “delinqüência juvenil” que angustia a todos e abre avelha questão em torno da responsabilidade penal juvenil, da criminalidade juvenile também da delinqüência na adolescência.

No entanto, o foco destinado a estas questões costuma ser direcionadopara a proposta do rebaixamento da idade penal, ou seja, de tempos em tempos,retoma-se aquilo que já é lei, expresso no art. 228 da Constituição FederalBrasileira: inimputabilidade penal daqueles com idade inferior a 18 anos

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completos.

Todavia, é importante esclarecer que inimputabilidade não implicaimpunidade, uma vez que estabelece medidas de responsabilização compatíveiscom a condição de peculiar pessoa em desenvolvimento. Não significa,absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social. O que acontece é odesconhecimento do que prevê, realmente, a lei. Há um sistema triplo deprevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas deproteção) e prevenção terciária (medidas socioeducativas), que operam de formaharmônica, com acionamento gradual de cada um deles.

Ao revisarmos estudos sobre crianças em situação de rua, encontramos,num primeiro momento, artigos falando sobre o tema em vários periódicos erelatórios técnicos (Aptekar, 1991; Carrizosa & Poertner, 1992;Cosgrove, 1990;Lusk, 1992; Oliveira, Baizerman & Pellet, 1992; Unicef, 1991, l993), sendo quea maioria deles retrata países em desenvolvimento, principalmente os da AméricaLatina.

Segundo alguns deste relatórios ainda existem cerca de 80 milhões decrianças em situação de rua no mundo, 40 milhões delas vivem na AméricaLatina (que tem somente 10% da população mundial), e dessas 40 milhões,metade vive no Brasil. Esses números talvez tenham saído de projeções dapopulação geral do mundo, e particularmente, da América Latina e Caribe,pois, como Pilotti (1995) expõe, o número de crianças e adolescentes, no iníciodesta década, na América Latina e Caribe é impressionante: são cerca de 200milhões e representam perto de 45% da população.

Peter Mittler, em um artigo na revista Pátio (nº 20, 2002), apresenta dadosda realidade mundial que denunciam algumas das facetas do tema da exclusãosocial, especialmente no que tange à educação, compreendida aqui como pilarcentral do desenvolvimento da sociedade. Vejamos:

• 125 milhões de crianças em todo o mundo não freqüentam a escola,sendo que as meninas são dois terços desse grupo;

• 150 milhões de crianças abandonam a escola antes de aprender a ler ouescrever;

• 12 milhões de crianças morrem por doenças ligadas à pobreza todos osanos;

• um em cada quatro adultos nos países em desenvolvimento não sabeler nem escrever.

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Tomando como referên-cia alguns indicadores sociais, aobservação deste quadro políti-co-social da conjuntura atualcontempla os inúmeros proble-mas sociais vivenciados por so-ciedades cada vez maismarcadas pela miséria, fome,desemprego, sistema de saúdeprecário, sistema educacionalexcludente, presença do latifún-dio e etc., se configuram na verdade como problemas estruturais. Em outraspalavras, são problemas que são produzidos em larga escala pelo processo deprodução vigente e que, portanto, não são naturais.

Vejamos, então, alguns dados alarmantes:

a) No Brasil, há mais de 50 milhões de pessoas que vivem naindigência. Estas pessoas têm uma renda mensal inferior a R$80,00 e não consomem o mínimo de calorias recomendadas pelaOMS;

b) Na América Latina, há 220 milhões de pobres e mais da metadesão meninos, meninas e jovens. Portanto, no continente latino-americano, ter menos de 12 anos e não ser pobre pode serconsiderado como sorte e uma quase exceção, pois quase 60%são pobres;

c) Nas sociedades contemporâneas há mais de 850 milhões depessoas analfabetas;

d) Nestas sociedades, 2,4 bilhões de pessoas não têm saneamentobásico;

e) Aproximadamente 325 milhões de crianças não estão escolarizadas;

f) 11 milhões de crianças menores de cinco anos morrem por ano decausas evitáveis;

g) 1,2 bilhões de pessoas sobrevivem com menos de US$ 1 por dia.

(Dados no artigo “Os números do horror”, de Clóvis Rossi,publicado na Folha de São Paulo em 24 de março de 2002.)

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

“vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados,

agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de

cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que

a conheciam totalmente, os que totalmente

a amavam, os seus poetas...”

(AMADO, 1996, p. 21)

A afirmação acima também ilustra as páginas de Jorge Amado, mas nosobriga a refletir a questão da pobreza como única responsável pela situação derua em que vivem estas crianças e adolescentes. Mas há uma outra hipóteseexplicativa que se volta para a violência doméstica, aliada ou não à pobreza,violência que pode vir de pais ou responsáveis mentalmente enfermos, usuáriosde drogas lícitas ou ilícitas ou condições de vida desfavoráveis. Por último aquestão da modernidade tem sido vista pelo impacto das transformações quetodas as culturas estão sofrendo, como o aumento crescente das populaçõesdas cidades em detrimento do campo, novas tecnologias diminuindo o númerode empregos.

Interessa-nos refletir a respeito dos efeitos produzidos pelo processo deglobalização no que tange, por exemplo, à justiça social e à democracia. Naverdade, defendemos a idéia de que a globalização, da forma como vem sendoimposta, tem produzido em larga escala a exclusão social, intensificando asdesigualdades sociais e, também, resulta numa intensa criminalização dossegmentos excluídos.

Tendo em vista um cenário marcado por uma globalização excludente, e,por conseguinte, a inexistência de uma política de justiça social no sentido denão legitimar as desigualdades sociais, o que se observa então, é a lógicadominante da não-inclusão, portanto excludente, que vem aprofundandodrasticamente as desigualdades sociais, a marginalização social e a intolerâncianas sociedades contemporâneas.

Em todos estes números/dados levantados, como nas obras literárias deJorge Amado e José Louzeiro, infelizmente, criança e adolescente em fasepotencial de desenvolvimento, é que sofrem “na pele” o resultado da falta depolíticas públicas voltadas aos adultos, responsáveis pelo sustento de famílias.

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Subsídio 10

Os “Capitães da Areia” foram condenados à miséria e viviam do furto,pois a situação crítica do país remetia a uma realidade marcada por injustiçassociais. E como no romance, há uma supervalorização da humanidade dascrianças, na vida real o que há é uma grande ironia da ganância e do egoísmodas classes dominantes. Alguma semelhança com a situação que vivemos hojepode ser considerada mera coincidência!?

Mas e o que podemos fazer? Talvez esta pergunta venha-lhe à mente.Na obra literária de Jorge Amado, a Mãe de Santo e o Padre compartilhavamde um espaço ético religioso dos meninos, sabiam eles que Deus só podia chegaraté os garotos através de sua própria humanidade, e querendo dar-lhes proteçãoe carinho de um pai e de uma mãe, reconheciam que a pobreza dos meninosnão era apenas material, que eles precisavam de conforto e guia de uma figurade autoridade de mãe e pai e que, infelizmente, estes responderam com violênciae desamparo no momento em que eles mais precisavam.

“Não tinha mesmo influência nenhuma,

nem tampouco sabia como agir

para ganhar a confiança daqueles pequenos ladrões.

Mas sabia que a vida deles era

falta de todo carinho, era uma vida de fome e de

abandono. E se o Padre não tinha

cama, comida e roupa para levar até eles,

tinha pelo menos palavras de carinho e, sem dúvida,

muito amor no seu coração.”

(AMADO, 1996, p. 66)

1.2 Exclusão X diversidade

O Brasil, na vida real e também no romance citado, é marcado por umarica diversidade cultural, étnica e religiosa, mas não podemos negar usos eabusos de poder de segmentos majoritários e produção de contra-ataquesreacionários por minorias, de uma forma velada e ‘pacífica’. Por isso, ficamosassustados com os atentados e crimes cometidos em nome de Deus e baseados

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

em credos fundamentalistas em terras distantes e nos desculpamos em relaçãoàs nossas práticas religiosas segregacionais: a única diferença é que nósrealizamos atentados contra a vida de forma latente, velada e cínica.

Assim como na questão de gênero e raça, também no religiosoinstitucionalizamos um pacifismo mítico e hipócrita que esconde o quão ardilosassão nossas práticas e relações. Como exemplo disso, podemos citar a dificuldadede órgãos e segmentos religiosos se assentarem para o diálogo e a articulaçãode projetos sociais em favor do bemcomum. Se por um lado temosorganismos ecumênicos que seesforçam para essa articulação, temosretrocessos institucionais de intolerância.

Algumas instituições religiosas,mediadoras históricas do Sagrado,deveriam repensar suas teologias epráticas, não a partir de uma divindadefria e distante, mas pela sensibilidade aohumano em suas aspirações detranscender; deveriam basear-se numaética de cuidado por todo o mundohabitado (ecumenicidade) e nãomeramente por interesses pequeno-institucionais.

Neste cenário articulam-setambém os movimentos sociais. Por suanatureza, os movimentos sociais sãounidades autônomas que só se mobilizam para além de seus interesses específicosao se convencerem da validade de uma proposta. Em outras palavras, somentepessoas ou instituições com poder convocatório conseguem tirar os movimentosde suas bases locais e articulá-los em torno a projetos de âmbito geral. A Igrejacatólica exerceu essa liderança intelectual e moral nas décadas de 1970 e 80,mas após a movimentação da Constituinte voltou-se mais para questões internas.Embora alguns de seus organismos e Pastorais continuem fortes e atuantes nosmovimentos sociais. A Igreja Católica reconhece dificuldades em articular estesmovimentos em âmbito nacional.

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1.3 Ricos X pobres

A história do poeta baiano, que ilustra e nos faz pensar, é assombrosamenteatual. Depois de 70 anos, para uns o mundo tem dramaticamente mudado, maspara as crianças pobres pouca mudança se vê. Para os meninos e meninaspobres que fazem da rua sua morada, e das atividades ilegais sua forma desobrevivência, a situação é ainda pior. Nos anos 30 estavam armados de facas,agora de sofisticadas armas de fogo. Nos anos 30 procuravam conforto numcharuto, agora em drogas extremamente nocivas e ágeis na destruição de suascélulas nervosas. As gangues de hoje, lideradas por muitos adultos, são asresponsáveis pela marginalização cada vez maior e possuem códigos não éticosprofundos, onde a violência acompanha aquele que tenta se desprender destesmeios.

“As notícias eram veiculadas em jornais de classe,

pequenos jornais, dos quais não tinham existência

legal e se imprimiam em tipografias clandestinas,

jornais que circulavam nas fábricas, passados de mão

em mão... No ano em que todas as bocas foram

impedidas de falar, esses jornais (únicas bocas que

ainda falavam) clamavam pela liberdade”...

(AMADO, 1996, p. 256)

Conforme se lê na obra, o jornal era o meio de comunicação responsávelpor fazer chegar às pessoas notícias sobre os “Capitães da Areia”. Atualmente,muito importante também, é a postura que os meios de comunicação de massaapresentam ao relatar fatos de nossa atualidade. Visto que além dos grandesefeitos que já citamos aqui, agora se combinam também os efeitos da revoluçãoda informação: precarização do trabalho, novas tecnologias, competitividade,desemprego, redução dos salários e dos direitos sociais.

Os dados sobre os efeitos sociais da globalização por grandes regiõesevidenciam os avanços da Ásia oriental e o fracasso africano. As desigualdadesavançam entre ricos e pobres, entre urbanos e rurais, entre províncias e grupos

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

étnicos. O trabalho é pouco para os mais pobres. Eles têm que enfrentar difíceismigrações. Mesmo se as fronteiras se fecham, as migrações vão continuar,pois são inerentes à expansão do capitalismo agora planetário. A generalizaçãodas tecnologias da informação e da comunicação favorece novos deslocamentosque atingem, desta vez, os empregos qualificados e os serviços.

O Brasil, campeão das desigualdades, conseguiu reduzir a população emsituação de miséria, mas não reduziu a distância entre os muito ricos e os pobres.Ao contrário, a política econômica dos dois últimos governos transferiu muitomais renda para os ricos por meio das despesas financeiras, do que para ospobres pela assistência social e previdência pública.

Assim, o uso das tecnologias de informação e comunicação passa a serdiminuidora da distância e dasincompreensões entre as pessoas.Ao pensarmos nesta reflexão, somoslevados a estabelecer a inclusãocomo um desejo, uma realidade quesó será alcançada com grandestransformações sociais, políticas ereligiosas. Promovendo, assim, umaconsciência global interplanetária, dedireitos e deveres, no que diz respei-to à partilha de informação aos indi-víduos e à inclusão social.

1.4 Capitães da Areia X Corações ao altoPés no chão

Contudo, nossa sociedade “está doente” e precisa de pessoas que tenhamseus “Corações ao alto, pés no chão”. Pessoas que busquem estratégias quese traduzam em melhores condições de vida para a população, na igualdade deoportunidades para todos os seres humanos e na construção de valores éticossocialmente desejáveis. Estas são alternativas para enfrentar essa situação eum bom caminho para um trabalho que visa à democracia e à cidadania. Este

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Subsídio 10

deve ser um sonho para todo leigo que gosta de contribuir, mas também departilhar opiniões e jeitos de fazer, identificando-se com o carisma de SãoLeonardo Murialdo; que reconhece a premissa de que “Grande é aquele queserve” e, para servir, precisa perceber os sonhos que nascem do coração e sedesenvolvem no imaginário de toda criança.

Para isso, juntemo-nos ao escritor e religioso Frei Betto, que foi capazde descrever aqueles sonhos que inundam o imaginário de toda criança, inclusivedaqueles “Capitães da Areia”:

“Todas as crianças querem a paz no mundo, mas nem todas são educadaslivres da ótica da discriminação, do preconceito, em condições de encarar, comodotados de igual dignidade, brancos, negros, amarelos e indígenas.

Todas as crianças gostam de falar com Deus, mas nem todas aprendemque Deus ama, sem distinção, muçulmanos, judeus, cristãos, adeptos docandomblé, do Santo Daime, e até mesmo quem não crê.

Todas as crianças necessitam brincar, mas nem todos os pais têm condiçõesde evitar que enveredem pela senda do trabalho precoce, do ponto de esmolana esquina, da exploração sexual, das sendas do crime.

Todas as crianças são dotadas de incomensurável fantasia, mas muitasnão têm sonhos próprios, porque delegaram à TV o direito de imaginar por elas.Assim, crescem saturadas de (des)informações que não processam, vulneráveisem seu código de valores e confusas quanto aos princípios éticos a seremabraçados.

Todas as crianças adoram ouvir histórias, mas nem todas conhecem quemse disponha a contar-lhes o mundo da carochinha ou a ler para elas os textossagrados.

Todas as crianças imitam adultos que admiram, mas nem todas aprendema conhecer Jesus e Francisco de Assis, Gandhi e Che Guevara, e crescemempolgadas com o exterminador do passado, do presente e do futuro.

Todas as crianças adoram sonhar, mas se não encontram pelo caminhoquem infle os seus sonhos, como um balão que voa rumo à utopia, correm orisco de buscar na química das drogas o que lhes falta em auto-estima.

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“Todos nós deveríamos cultivar para sempre a criança que um diafomos. Aquela criança ainda sou eu... é você... somos todos!”

(“Todas as crianças”, artigo publicado na ADITAL - Agência de Informação

Frei Tito para a América Latina, dia 05.11.2007.)

“Importa educar o coração.”

(Murialdo)

Para Refletir

1.O que a história da latinha de leite nos ensina?

2. No mundo, tem muita coisa boa entregue por Deus a nós. O que é precisomudar com urgência para que as crianças, adolescentes, jovens e adultossejam mais felizes e com menos sofrimento?

3. Imitando Murialdo, em sua comunicação com Deus e em sua ação, o quepodemos fazer de concreto no ambiente onde estamos?

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O AlpinistaEsta é a história de um alpinista que sempre buscava superar os desafios.

Ele resolveu depois de muitos anos de preparação escalar o Monte Aconcágua.Mas ele queria a glória somente para ele, e resolveu escalar sozinho, sem nenhumcompanheiro, o que seria natural no caso de uma escalada dessa dificuldade.

Começou a subir e foi ficando cada vez mais tarde, e porque não havia sepreparado para acampar, resolveu seguir a escalada decidido a atingir o topo.Escureceu, e a noite caiu como um breu nas alturas da montanha, e não erapossível mais enxergar um palmo à frente do nariz, não se via absolutamentenada.

Tudo era escuridão, zero de visibilidade, não havia lua e as estrelas estavamcobertas pelas nuvens. Subindo por uma “parede” a apenas 1OOm do topo eleescorregou e caiu... Caía a uma velocidade vertiginosa, somente conseguia veras manchas que passavam cada vez mais rápidas na mesma escuridão, e sentiaa terrível sensação de ser sugado pela força da gravidade.

Ele continuava caindo... e nesses angustiantes momentos, passaram porsua mente todos os momentos felizes e tristes que já havia vivido em sua vida...de repente ele sentiu um puxão forte que quase o partiu pela metade. Shack!...Como todo alpinista experimentado, havia cravadoestacas de segurança com grampos a uma cordacomprida que fixou em sua cintura. Nesses momentosde silêncio, suspendido pelos ares na completaescuridão, não havia nada a fazer a não ser gritar:

- Ó meu DEUS, me ajude! De repente uma vozgrave e profunda vinda dos céus, respondeu:

- O que você quer de mim, meu filho?- Me salve meu DEUS, por favor!- Você realmente acredita que Eu possa te salvar?- Eu tenho certeza, meu DEUS.- Então, corte a corda que te mantém pendurado...Houve um momento de silêncio e reflexão. O homem se agarrou mais ainda

à corda e refletiu que se fizesse isso morreria...Conta o pessoal de resgate que, ao realizar as buscas, encontrou um

alpinista congelado, morto, agarrado com força com as suas duas mãos a umacorda... A somente dois metros do chão.

E você? Cortaria a corda?Autor desconhecido

II – ILUMINANDO CORAÇÕES

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2.1 Entre montanhas e planícies

Parece muito oportuno, no contexto do subsídio, nesta sessão do Julgar,fazer uma breve reflexão sobre o significado dos montes e das planícies naBíblia e mesmo na história da humanidade.

Na mitologia antiga, encontramos a morada dos deuses, no monte Olimpo,na Grécia. Na Bíblia os montes que aparecem são realmente muitos e emtodos eles encontramos elementos culturais e formativos para a vida daspessoas.

Os montes, as montanhas, criam um desejo enorme no coração da pessoa,de subir, de estar mais alto, de respirar um ar mais puro, de ver mais longe, degozar do silêncio. Um lugar mais fácil para se comunicar com Deus, de conversarcom ele, de se “carregar” de Deus e depois naturalmente voltar para aatividade...voltar para a planície.

O monte também é lugar do sacrifício, como encontramos no Gênesis22 quando Abraão, sobe o monte Moriá para sacrificar o filho Isaac. MasDeus impede o sacrifício de uma pessoa. E Abraão desce para dar início a umagrande geração.

A experiência de Moisés, no monte sinais, narrada no livro do Êxodo3,11-12 e 4, 27 é realmente impressionante. Depois de conversar com Deus,Moisés escreve a Lei e desce a montanha para partilhá-la com o povo. A Leide Deus gera um novo povo.

O monte também pode ser lugar de tentações, como está narrado noAntigo Testamento, como lugar de cultos aos deuses pagãos; lugar onde opróprio Jesus foi tentado, segundo Mateus 4, 8. Jesus experimentou a tentaçãono que se refere à abundância (ter), no prestígio (prazer), no domínio (poder).

A tentação do monte também pode se concretizar em fugir do meio dopovo, não ter preocupações com as outras pessoas... foi o que aconteceu nomonte Tabor, Mateus 17, 1-9 quando Pedro disse: “Mestre é bom estarmosaqui...vou fazer três tendas, uma para ti, uma para Moisés e uma para Elias”.Jesus, porém tocando-os disse: “vamos descer o monte, sem contar isso aninguém, até que o Filho do Homem tenha ressuscitados dos mortos.”

É sumamente importante subir ao monte, elevar os corações, - coraçõesao alto - mas com a intenção de voltar para a planície. O monte pode e deve

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ser o início de uma grande aventura... Abraão desceu do monte e encontrou afé... Moisés desceu do monte com a Lei... Jesus desceu do monte e escolheuos apóstolos.

O trabalho está na planície do dia a dia. A força e a energia vêm do alto,de junto de Deus, mas a ação é na planície...como as fontes de águas vivas quebrotam nos montes e descem pelas cascatas cantarolando e embelezando anatureza, para chegar na planície e fertilizar as grandes sementeiras, assimdeve ser o coração do amante de Deus e do apaixonado pelas pessoas humanas.

Murialdo, alpinista, junto ao irmão Ernesto e outros, proclama do alto doMonviso (Itália), de sentir-se muito perto de Deus, quase a experimentarsensivelmente a presença de Deus. Mas não fica lá. Desce para a planície doRio Pó, na cidade de Turim, onde encontra, debaixo das pontes, os limpa-chaminés, os meninos de rua, tomando cuidado deles. Em Murialdo há tambémum movimento inverso na pedagogia que usa para seus jovens.

Sua última subida em montanhas (2700m), foi em 1896, apenas 4 anosantes de morrer. Quis caminhar com os jovens montanha acima para indicar aeles que é preciso cada tanto sair das realidades negativas do dia a dia, pararespirar um ar novo, para olhar novos horizontes, para dar um pouco de distânciadas maldades possíveis nos ambientes cotidianos. Lá do alto canta com osjovens o Te Deum, agradecendo e louvando a Deus por tantas belas maravilhas.

No Evangelho encontramos a bela parábola do Bom Samaritano quedesce do monte de Jerusalém, depois de ter feito seus negócios e também suasorações; desce para Jericó e no caminho encontra o assaltado e a ele dá toda aatenção.

Os que querem seguir o carisma de Murialdo são chamados como ele ase encontrar pessoalmente como Senhor, para ter energias no tra-balho com os prediletos de Deus,as crianças, adolescentes e jo-vens empobrecidos. Murialdo sa-crificou toda a sua vida para es-tar com os Artigianelli. Podiamuito bem viver sua vida de pa-dre, num ambiente mais famoso,cumprindo o seu dever de padreMurialdo em visita a um operário na prisão

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apenas. Mas achou que isto era pouco para agradecer os dons que tinha rece-bido de Deus. Sobretudo o dom do perdão, da misericórdia de Deus. Sacrificouo que tinha de mais precioso para ele, a família, como Abraão esteve pronto asacrificar o filho Isaac. Ou como Moisés que, para ser libertador de um grandepovo, sacrificou sua liberdade pessoal que lhe permitia viver bem, sem se inco-modar com ninguém.

Eis a fonte, a ação e a missão do Leigo de Murialdo. Encontrar-se comDeus, no silêncio, na calma do monte, na calada da noite e depois partir paraanunciar as bem-aventuranças. Foi também numa pequena colina onde Jesusmostrou como se pode fazer uma boa aventura passando pelo mundo: sendopobres de espírito, mansos, pacífico, puros de coração, misericordiosos, aflitospor causa da justiça, assumindo até perseguições, para defender os maisenfraquecidos.

Nada de acomodar-se, de achar que já se cumpriu o próprio dever... queestá na hora da aposentadoria na relação com os outros. Não há aposentadorianeste campo.

Morrer trabalhando para o bem das pessoas, como fez Murialdo, algumashoras antes de partir para a eternidade, escrevendo uma carta a um jovem, ex-presidiário, que tanto precisava da ajuda e de orientações esperançosas.

2.2 Descobrir a sarça ardente da própria vida

Já é bem conhecido o fato de Moisés sentir-se desafiado pelo fogo deuma sarça ardente. Um pequeno arbusto que cresce no deserto e, emdeterminadas condições de calor, solta fagulhas que impressionam a qualquervidente. Moisés estava tranqüilo, diz o livro do Êxodo, 3, cuidando do rebanhodo sogro. Mas de repente o sinal externo mexe nele. A sarça ardente oimpressiona, o questiona, o faz caminhar. Deve sair da acomodação.

Deve deixar as sandálias, que dão segurança a seu caminhar, paraexperimentar a realidade do caminhar pobre, pés descalços. Deve organizar alibertação do povo que está sofrido no Egito, de onde Moisés tinha fugido,vergonhosamente, para salvar sua pele. Quem quer salvar-se somente a si seperde, fica inquieto. Fica inquieto porque os irmãos e irmãs de raça estão napior. São crianças, adolescentes e jovens que não podem sonhar um futuroporque não há quem os ajude.

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A descoberta da própria sarça é um dom especial que a pessoa recebe.Precisa, porém, deixar-se contaminar pelas grandes causas da vida. A vida emprimeiro lugar. Vida que deve ser concebida, protegida, promovida, resgatada erecuperada, cuidada.

Vida com qualidade no biológico, na dimensão psíquica, relacional, social,lúdica (festiva), estética, espiritual.

Assim aconteceu com Murialdo. A sarça que o “queimou” por dentro epor fora foi ver quantos jovens pobres estavam jogados, sem nenhum cuidadodas pessoas... Não teve medo de deixar tudo para salvar, libertar este povo.

A sarça normalmente aparece nos sinais dos tempos. Sinais dos temposlidos numa ótica da palavra de Deus. Voltando à experiência de Moisés,encontramos Javé que dialoga dizendo:

“Eu vi muito bem a miséria do meu povo, eu ouvi o

clamor contra os opressores, eu conheço os seus

sofrimentos, por isso desci para libertá-los... e Javé

continuou, ‘vá, eu envio você, Moisés, para libertar o

meu povo...’ Moisés se surpreende. Moisés reluta

alegando incapacidade no falar, nas estratégias a

executar. Que garantias humanas... E Deus só garante

a sua presença. Vá, e eu estarei contigo.”

(EX, 3, 7-10)

Um olhar cheio de misericórdia eum ouvido atento aos clamores de cadadia, acabam mexendo no coração. Aíinicia a luta entre “posso fazer algo” e/ou “eu já fiz ou estou fazendo a minhaparte. Porque os outros não fazem nada”.O perigo de não deixar o coração seenternecer cresce a ponto de poder atéficar insensível. Mas quem continuaolhando a realidade, quem continua

escutando os gemidos, acaba sendo conquistado porque acontece o encontrodo Deus que está no coração sofrido com o Deus que está no coração de um

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amigo, de um irmão, de um pai. Nesta procura se concretiza a profecia deEzequiel: “Tirarei deles o coração de pedra e lhes darei um coração de carne.”(Ez 11, 19)

Quem consegue fazer a experiência da sarça em sua vida, não conseguemais ficar em paz e se poderia dizer como aquele santo: “Quem um dia seencantou pelo Reino de Deus não tem mais direito a descansar”.

2.3 Entre templos e tendas

Todo o trabalho visa uma significativa melhora na vida de cada pessoa.A tendência é a de girar ao redor do que deu certo uma vez, repetindo os feitos.Isto não está errado, mas poderia acontecer de trabalharmos muitos anos comopara construir algo seguro, algo imóvel; em outras palavras, o templo, a escola.Para o templo ou para a escola se convidam as pessoas. Porém, nem todas aspessoas têm acesso a estas estruturas. As estruturas são também necessárias,mas é preciso ter a sensibilidade de se ir bem além das mesmas.

Na verdade, hoje, com a mobilidade humana e mesmo com a globalização,devemos descobrir um novo jeito de estar com os mais pobres. E para estarcom eles é preciso tomar a atitude dos que moram em tendas. A tenda é mutávela cada dia. A tenda é adaptável. A tenda é pobre e frágil. Mas a tenda abriga,acolhe, permite o pouso, o diálogo bem aconchegante em busca de novoscaminhos, de esperanças e certezas, para seguir em frente.

Já não basta acolher o necessitado na instituição, no templo. Precisa iraté a família, pôr a própria tenda no meio dos excluídos, como JAVÉ quis colocara sua tenda no meio de nós.

Se Murialdo tivesse ficado no aconchego de seu lar, especialmente nosdias de rígido frio de Turim, nunca se teria encontrado com os jovens friolentos,debaixo das pontes do rio Pó, ou dormindo encostados à parede da EstaçãoFerroviária de Porta Nova.

Todo o ambiente, todo o templo, toda a casa que busca centralizar aoredor de si, toda a segurança possível, é um sinal de isolamento e da formaçãode uma cultura contra a solidariedade. Por não ter ido mais vezes, com a própriatenda, no meio dos desafios dos excluídos, ainda que morem do lado do palácio,normalmente se tem uma visão muito distorcida de como vivem os maisnecessitados. O fato de ir no meio deles, abre horizontes novos na vida de cada

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pessoa e, certamente, cada umdescobre que as pessoas, mais do quecoisas, estão necessitadas de carinhoe de oportunidades para viver. Asriquezas que elas têm são muitas emsolidariedade, em partilha, emcompromisso.

Murialdo não parou no “templo”do Colégio dos Artigianelli. Saiu para ir à prisão, a Generala, de Turim, ondeestavam também jovens presos, construindo com eles o sonho da recuperaçãoe recolocação na sociedade. Construiu a “tenda” da Casa Família para os jovensestudantes e operários que não tinham onde parar em Turim. Fundou umaColônia Agrícola para dar condições de trabalho especializado a jovens quequisessem viver como agricultores. Abriu escolas para o ensino formal. Organizouos jovens operários em associações. Criou a Liga da Boa Imprensa. Criou umaagência de empregos para os jovens. Elaborou projetos de Lei e os enviou aogoverno da época para defender os direitos das crianças e mulheres.

Tudo isto se traduz em não apenas ficar no templo, mas estar em tendasde muitas ações.

Na sociedade estruturada e controladora de cada indivíduo que estamosvivendo, os educadores que se inspiram em Murialdo, devem brilhar cominovações quase diárias, desconcertando o sistema com sempre renovadascriatividades em favor dos mais necessitados. Assim ninguém vai se perder.Ou, ao menos, o número dos desamparados e excluídos será reduzido.

2.4 “O Espírito do Senhor está sobre mim...”

A expressão “corações ao alto” é marcada por uma experiência deespiritualidade. Pode-se entender que este é um chamamento à vivência da fécom momentos e com práticas reservadas aos momentos de oração econtemplação.

Mas, como toda espiritualidade nasce de uma manifestação do Espírito,entendemos que ela não pode ser estática. Ela carrega uma força interior quelhe dá dinamismo e vigor para enfrentar as adversidades que a vida tambémoferece. Bem como, a espiritualidade pode dar o significado para a nossa vida.

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

O cristão e, é claro, o Leigo Amigo de Murialdo, está inserido no mundo.É do mundo e está no mundo. Esse mundo é aquele que condiciona o agir detodos nós. Devemos nos perguntar a cada instante sobre quais ídolos ficamos“namorando”.

São Lucas apresenta Jesus, depois de ter sido batizado, dirigindo-se àSinagoga de Nazaré. Lá lhe foi dado o livro do Profeta Isaías. Ele desenrolou-o e encontrou o texto:

“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me

ungiu para que dê a boa notícia aos pobres; enviou-me

a anunciar a liberdade aos cativos e a visão aos cegos,

para pôr em liberdade os oprimidos, para proclamar o

ano de graça do Senhor.”

(Cf. Lc 4,14-27).

A boa notícia traz consigo a certeza da libertação de qualquer tipo deopressão. O anúncio de Jesus vai ao encontro dos que sofrem, dos últimos.Mas Jesus não consegue se fazer compreender. O povo está com algumasexpectativas e já definira um perfil para Jesus. Esse é um risco da nossaespiritualidade: criar um Jesus à nossa imagem e semelhança. Então ele contrariaas expectativas e causa decepção.

Lucas descreve que logo após a leitura do texto, Jesus garante que aEscritura está se cumprindo, atribui o anúncio do texto a si próprio. Mas “todoso aprovavam”.

O conflito se inicia quando o povo espera os milagres, os fatosextraordinários... mas nada disso acontece. Jesus os decepciona e eles oexpulsam da sinagoga e querem matá-lo precipitando-o do alto de uma montanha.Mas ele passa tranqüilo pelo meio deles e vai embora.

A espiritualidade de Jesus é de outra linha. Ele não se deixa contaminarpela idolatria, isto é, pelo povo que queria apoderar-se dele como quem diz:“Esse profeta é nosso!” Contraria as expectativas porque ele se acha livre.Então desafia as pessoas para horizontes maiores. É o uso dessa sua liberdadeque lhe dá a estatura de profeta. É ao Espírito, só a Deus, que ele obedece.Então essa obediência o torna livre das exigências vãs do dia a dia.

Esse texto de Lucas nos remete também para a vida que pulsa aceleradanas veias de nossa sociedade. Marcada por jogo de interesses, as relações

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entre as pessoas humanas passou a ser objeto de jogos e manipulações: jogosde interesses.

O cristão dentro desse mundo não está isento dessa experiência. Masviver nesse mundo é testemunhar um jeito diferente de entender a vida, é sentir-se livre. Ser livre é sentir-se acima da corrupção, da falsidade, da mentira...Sentir-se livre é sentir-se comprometido com a solidariedade, com a prática dobem que não busca recompensa nenhuma.

Sentir-se sob a força do Espírito é encorajar-se para ser diferente e livrede todas as escravidões do mundo neoliberal para prestar serviço à vida. Assim,o “corações ao alto”, a espiritualidade, dinamiza a vida e exige liberdade paraestar muito próximo daqueles que nada têm e nada podem, os últimos.

2.5 “... e não pescamos nada”

Há um texto evangélico que nos ajuda a compreender a temática destesubsídio intitulado “Corações ao alto, pés no chão”: Lc 5, 1-11. O pano de fundoda narrativa do evangelista é a multidão que se comprimia; existe muita genteque está ouvindo Jesus que é quase impossível que todos possam ouvi-lo. Apaisagem é o lago de Genesaré, com toda a riqueza significante da água nasimbologia bíblica. No meio da multidão que se comprimia podemos imaginargente curiosa a respeito do fenômeno das massas que estava surgindo, doentesa espera de uma cura, visionários do futuro para conhecer as promessas dolibertador; imaginamos a presença de pessoas humildes, carregadas da fé bíblicae cheias de esperança, a presença de muitas crianças atraídas pela movimentação

de pessoas e, pescadores, porque não? Estamos às margensdo lago. Estavam aí ospescadores que voltavam dafrustrada pescaria e lavavamas redes.

Estrategista, Jesus sevê na necessidade de pediruma das barcas a fim demelhor se comunicar com amultidão. Havia duas delas

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

junto à margem. Sobe na de Simão. O chamado é subliminar, acontece nasentrelinhas. Pede a Pedro que se afaste um pouco da margem; e, então, faz seuanúncio. Mas nesse momento, para o evangelista e para a catequese àscomunidades, não é mais importante o conteúdo da mensagem. Precisa dardestaque ao que acontece após essa fala à multidão:

“Quando terminou de falar, disse a Pedro:

- Rema lago a dentro e joga as redes para pescar.

Replicou-lhe Simão:

- Mestre, trabalhamos a noite inteira sem nada conseguir;

porém, já que o dizes, jogarei as redes.”

(Lc 5, 4-5)

Na visão humana isso é ridículo. E Pedro tem medo de passar vexame nafrente da multidão. “Já trabalhamos a noite toda sem nada conseguir” é aexpressão da fadiga, da sensação do cansaço derrotado. Ou seja, já basta! Éhora de ir pra casa e descansar!

Porém, ainda resta uma fagulhazinha de esperança. Quem sabe? E seder certo? Mas todas as provas físicas evidenciam uma nova derrota e comuma imensa platéia para se decepcionar. A alternativa que se apresenta exigecoragem: é preciso correr riscos. E Pedro é levado a superar seus medos.Pedro estará pensando: “não pescamos nada até agora, hoje o dia não éfavorável e a lua não está boa para pesca... mas como esse Jesus está dizendo...;bom, por conta da palavra dele vamos lá! Mas por trás do texto e da narrativasomos levados a acreditar que a Palavra de Jesus passa a iluminar a noitetenebrosa de Pedro. A Palavra esclarece a situação e trata-se de arriscar otudo desse dia pelo nada daquela noite. A Palavra de Jesus compensa qualquerfadiga e está repleta de boas expectativas.

Com a fantástica manifestação do divino, Pedro se vê espelhado naságuas de sua pequenez. As barcas se enchem e Pedro se esvazia:

“Ao ver isso, Simão Pedro caiu aos pés de Jesus e disse:

– Afasta-te de mim, Senhor, pois sou um pecador.”

(Lc 5, 8)

A grandeza de Jesus dá margem para o surgimento da insignificância dopescador. Mas é essa humildade que o torna grande:

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“Não temas, daqui para a frente serás pescador de homens.”

(Lc 5, 10)

E então o homem humilhado em sua pobreza se transforma no apóstolocorajoso e carregado de confiança; tudo isso porque acreditou na Palavra deJesus. O salto é da insegurança humana para a segurança divina. O seguimentode Cristo fundamentado na experiência da fé é uma resposta corajosa. E Pedroapresenta à comunidade esse novo rosto da fé: onde não se quer correr risco,não se tem nascimento novo. É também esse o processo da ressurreição deJesus e da nossa ressurreição. As inseguranças humanas morrem quando a luzda Palavra se apresenta como o inesperado, o único e possível: é preciso arriscara diferença.

Então do “corações ao alto”, somos chamados para as “mãos à obra”. Aespiritualidade é comunicadora da graça e lança a pessoa para fora de si e deseu mundo pessoal. É preciso ir mais adentro para jogar as redes. Além de irmais adentro tem que jogar as redes. Independente da fadiga, a Palavra necessitade atitudes. Nossa pequenez é assumida por Jesus para que a gente se sintalivre e empenhado.

O seguimento a Jesus é que nos torna livres para pescar. É essa liberdadeque nos desprende da rede envelhecida da contra-cultura dessa sociedade neo-liberal que estimula o consumismo a qualquer preço, a competição violenta, oindividualismo exacerbado e a luxúria em suas extravagâncias.

A espiritualidade do “corações ao alto” e das “mãos à obra” mostra queDeus é mais íntimo de nós do que nós mesmos. E recolhendo-nos no silênciointerior vamos encontrar a segurança para ir às profundezas das águas dosoutros através das malhas da rede da solidariedade.

2.6. “Quem é o meu...”

“Levantou-se um doutor da Lei e para o tentar perguntou:

‘Mestre, o que devo fazer para alcançar a vida eterna?’

Respondeu-lhe Jesus: ‘O que está escrito na lei? Como é que tu

lês?’ Ele respondeu dizendo: ‘Amarás o Senhor teu Deus de todo

o teu coração, com toda a alma, com todas as forças, e com toda

a mente, e o próximo como a ti mesmo’. Falou-lhe então Jesus:

‘Respondeste bem. Faze isto e viverás’.” (Lc 10, 25-28)

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

A pergunta do letrado é com a legalidade, ou seja: para chegar a algumlugar é preciso fazer. E toda a prática da legalidade exclui a generosidade, abondade ou a proposta de solidariedade. O legal faz cumprir aquilo que éprescrito. Quem cumpre meramente a formalidade da lei não é capaz de darum passo a mais como opção. E aí não consegue enxergar aquele que vive forados padrões da dita normalidade instaurada.

Mas nem por isso o jurista deixou de responder bem. Disse exatamente oque estava escrito na lei. E Jesus diz que a reposta está correta, a síntese dosmandamentos está bem feita. Isto é, o homem conseguirá a plenitude da vidaenquanto sair de si: caminhar em direção a Deus e em direção ao próximocomo lugar correlato. Esses dois mandamentos são a alma de todos os demais:é somente o amor que dá alma à lei e à justifica.

Aqui a temática do nosso subsídio “Corações ao alto, pés no chão” vaiencontrar mais uma fundamentação bíblica. O amor a Deus leva o coraçãopara o alto e a experiência da transcendência é algo de importância vital para apessoa. Mas, o outro, que vem em seguida para complementar, diz para amar opróximo. E o próximo está ao meu lado, é algo concreto que me desafia. Esteexige que eu ponha minhas mãos à obra.

O legista equivocou-se quando tentou se justificar perguntando “quem émeu próximo?” Busca uma escapatória na casuística de quem sabe quem éseu próximo, por isso está livre desse cumprimento legal. Ele problematiza algotão simples para, assim, neutralizar a validez desta máxima. Para ele identificarDeus não era problema, identificar o próximo, sim. E é exatamente esse operigo de ficar só com os corações ao alto. Mas Jesus não está a fim de teorizar.Para ele não existe escapatória e propõe uma parábola exemplar: é um espelhoonde o legista pode se ver não para justificá-lo, mas para denunciá-lo e corrigi-lo:

“Descia um homem de Jerusalém a Jericó. Pelo caminho caiu em poderde ladrões que, depois de o despojarem e espancarem, se foram,

deixando-o quase morto. Por acaso desceu pelo mesmo caminho umsacerdote. Vendo-o, passou ao largo. Do mesmo modo, um levita,

passando por aquele lugar, também o viu e passou adiante. Mas umsamaritano, que estava de viagem, chegou a seu lado e, vendo, sentiucompaixão. Aproximou-se, tratou-lhe as feridas, derramando azeite e

vinho. Colocou-o em cima da própria montaria, conduziu-o àhospedaria e teve cuidado dele. Pela manhã, tirando duas moedas de

prata, deu ao hospedeiro e disse-lhe: ‘Cuida dele e o que gastares amais, na volta te pagarei’.”

(Lc 10, 28-36)

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Subsídio 10

O texto faz perceber que o primeiro olhar de Jesus está voltado para osofrimento dos outros, e não para seus pecados. Até porque podemos dizer quepara Jesus o pecado é negar-se de participar do sofrimento do outro.

A parábola do Bom Samaritano é uma dessas histórias que se colocamna memória da humanidade. “Quem éo meu próximo?” Ou “por quem eu souresponsável?” Nem sempre é umapessoa definida anteriormente e tem umnome, um rosto, uma história. O“próximo” está no âmbito do ilimitado,do imprevisto. O critério para a medidae a extensão da ação é o sofrimentoalheio. E Jesus faz desse relato amemória à humanidade de que osofrimento passa a ser a base daresponsabilidade de todos; até mesmo o sofrimento dos inimigos.

Mas vamos ver e compreender a história narrada por Jesus na riqueza dealguns de seus detalhes sobre aquele que se faz próximo de quem sofre:

Um caminho - O outro está no nosso cotidiano; encontramos ele bemperto de nós, está ali, embaixo do nosso nariz; ele cruza o nosso caminho.

Um samaritano - Isto é, um estrangeiro, herege, discriminado, impuro,pagão: um homem excluído.

Estava viajando, se aproxima do caído – sai do seu mundo para entrarno mundo de dor e sofrimento do outro.

Chega junto - Quebra a distância derrubando a barreira da indiferença.Chega ao lado do sofredor porque ele sabe que a dor tem nome.

Vê - A dor do outro entra pelos seus olhos e pega fundo no coração.Mexe com ele e o coração o inquieta.

Move-se de compaixão - A dor do outro atingiu seu coração e não temcomo omitir-se. A cena exige que tome uma atitude.

Aproxima-se ainda mais - Isto é, está totalmente comprometido e seentrega sem reservas à dor daquele que está caído.

Cuida do outro no mediato e no imediato - A atitude docomprometimento com o outro faz nele um movimento que vai do coração para

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

o bolso, isto é, de um sentimento de “compaixão” para uma prática desolidariedade.

Em cima da própria montaria - O que precisamos querer para quemestá no sofrimento? O mesmo bem e os mesmos cuidados que quereríamospara nós. A compaixão oferece a própria montaria.

Pagou dois denários e na volta... - São mais ou menos 27 dias depensão. A dor compromete uma ação continuada.

Não deixou nome nem endereço - Entrou na dor. Socorreu sem criardependência ou obrigação.

Essa narrativa clássica que fundamenta a motivação cristã para a ajudaparte de um caminho a ser percorrido que exige um apiedar-se e um novo pôr-se-a-caminho. Existe ummovimento que precisa serfeito. É preciso sair domundo que nos aprisiona emnossos devaneios delegalismos, de indiferençasou justificativas para ir aoencontro para ver. Para veré preciso parar. Quando osamaritano pára então sai desi. Trata-se de ir maispróximo do próximo parainclinar-se. Quem se inclina também se levanta. Mas a dor da compaixão éaquela que não permite que você se levante só. O samaritano levanta-o e leva-o consigo. Põe suas mãos à obra.

2.7 “A vida só tem sentido quando...”

Nos perguntamos nesse momento do subsídio se não é iluminador quenos voltemos para a figura e a mística de São Leonardo Murialdo. E pareceque sim. É este o passo que vamos dar: buscar as motivações que conduziramesse santo. Essa máxima do “Corações ao alto, pés no chão” encontrou umaprática na vida de Murialdo. Buscaremos compreender como acontecia essaponte entre a espiritualidade e o apostolado; bem como, como fazia com que

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Subsídio 10

uma dimensão vivesse em harmonia com a outra ou como uma inspirava aoutra.

Sempre foi muita exaltado em São Leonardo esse equilíbrio entre oraçãoe ministério. Mas seu ministério foi coroado de êxito e de reconhecimento público.Dizia com toda segurança:

“Somos os artesãos de Deus: trabalhamos a seu serviço,

aquele da Igreja e da sociedade... Somos os agricultores do

Senhor: semeemos com mãos generosas obras novas segundo

os sinais dos tempos e as novas necessidades das almas, com

o calor da fé, da caridade e da esperança.”

Falar da atenção aos sinais dos tempos para dar respostas urgentes eeficientes não era coisa comum da época, dizem os historiadores. Trata-se desacrificar qualquer outra coisa para dedicar-se ao que é importante e urgente.Por isso ele afirmava já em 1864:

“Se é necessário, sacrifica qualquer outro ministério, para

consagrar-te inteiramente àquele da juventude operária e das

camadas mais pobres e humildes do povo.”

E mais tarde, se perguntará sobre as causas que levaram Deus a chamá-lo para esse apostolado. Escreve lembrando com saudades daquele tempo:

“E como meu pensamento voa até o Pó e ao Dora (Rios de

Turim), aos miseráveis casebres de Vanchiglia e de São Salvário,

aos queridos Oratórios do Anjo da Guarda e de São Luiz, para

onde Deus, com vocação de predileção, me conduz de imediato,

antes do meu sacerdócio, a trabalhar entre os meninos pobres e

necessitados, entre os filhos do povo, e da humilde gente.”

Nascido num ambiente católico, Murialdo teve a sorte de encontrarpessoas que lhe ajudaram a esclarecer suas dúvidas de fé e amadurecer seustemores. Sua época histórica e sua região geográfica também são importantespara compreender essa sintonia que conseguiu na relação fé e ação. De umlado, encontramos uma Itália machucada por movimentos anti-eclesiais. Poroutro, aquela Turim está carregada de gente miserável e de gente sábia e santa

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envolvida com atividades sociais: Giuseppe Benedetto Cotolengo, GiuseppeCafasso, Giovanni Bosco e Leonardo Murialdo. A Igreja perseguida é a Igrejasolidária, testemunha junto aos pobres.

A ação apostólica corre o risco do esvaziamento se não estiverfundamentada na solidez da fé. Essa é uma verdade vivida por Murialdo. Masa outra face também é verdadeira: a fé perde seu colorido e se torna vazia senão se compromete com a ação concreta. Tudo nos leva a crer que Murialdotenha se inspirado também na Carta de Tiago:

“Meus irmãos, de que serve para alguém alegar que tem fé, se

não tem obras? A fé poderá salvá-lo? (...) Da mesma forma que

o corpo sem o alento está morto, assim a fé sem as obras está

morta.” (Tg 2, 14.26)

Nesta linha de pensamento encontramos várias citações referentes aSão Leonardo Murialdo. Isso não significou que Murialdo tenha deixado de serum homem de oração. Pelo contrário, porque precisa fazer muito, ele procuravaser demais. E na experiência de fé é preciso ser demais; única forma de garantira eficácia das ações que exigem sempre mais.

“Rezemos, mas devemos também estar unidos e trabalhar

para que as almas não se percam e a nossa pátria não deixe

de ser religiosa e cristã.”

Fé e amor. Esse é o binômio que consegue dar dinamismo para a vida deMurialdo. A concretude de sua vida interior está marcada pelos seus escritos,especialmente pelo Testamento Espiritual. E é, sem dúvida, a experiência doamor de Deus, que revoluciona a sua vida. A compreensão espiritual desseamor acaba por lançá-lo ao amor ao próximo. Ele não se cansará de falar,durante sua vida sacerdotal, do equilíbrio, ou da síntese entre “oração e ministérioda palavra”, entre vida interior e empenho apostólico. Se não, vejamos maiseste seu escrito:

“À oração, ao sacrifício, às críticas é necessário unir a

propaganda da verdade, a caridade ativa em favor dos últimos,

dos pobres, dos operários, a ação e a união dos católicos... e não

abandonar o terreno ao inimigo nas atividades públicas e civis.”

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Mas não bastava comprometimento pessoal. Tinha também a convicçãode que era necessário formar família, ser uma forte equipe. A solidez, que vemda vida de fé do grupo e das obras, tem sua origem nas exigências do amor enas necessidades urgentes das pessoas.

“Nós, de nossa parte, à oração unamos as boas obras,o zelo católico, a união das forças, o ardor da

salvação das almas; mas antes, sem esperar

intervenções celestes e sonhos triunfalistas.”

Por fim, vale lembrar que todos os san-tos são pessoas de oração. São LeonardoMurialdo é uma dessas figuras ímpares queaparece na história. Amante do silêncio, ape-gado à oração, consegue fazer a união deuma espiritualidade contemplativa com oapostolado social em favor das crianças, ado-lescentes e jovens empobrecidos. Deus o es-colhe, e ele segue um caminho que lhe parece natural. Isso porque:

“A fé faz ver Deus em tudo, também nas pequenas coisas.” (...)“Amar a Deus implica no pleno abandono e na imensa

confiança na sua Providência que faz todo bem por nós.Deixemos Deus agir! Ele nos quer mais bem do quanto nósmesmos nos queremos, e a nossa vida está melhor nas suas

mãos do que nas nossas.”

Para Refletir

1.Por que o alpinista não cortou a corda? E você, cortaria a corda? Por quê?

2. Aproveitando o que foi descrito das “montanhas e planícies”, como podemosviver um equilíbrio entre a comunicação com Deus (todos de Deus) e a açãoapaixonada pelos que sofrem (todos dos homens)?

3. Das passagens bíblicas, quais melhor iluminam a nossa vida e missão?Indiqueoutras passagens da Bíblia que dão força para a caminhada.

4. Diz o evangelho que “onde está o teu tesouro ali está o teu coração”. Ondeanda o meu coração?

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

III – ARREGAÇANDO AS MANGAS

Os remos que levam ao portoUm viajante ia caminhando em solo distante, às margens de

um grande lago de águas cristalinas. Seu destino era a outra margem.

Suspirou profundamente enquanto tentava fixar o olhar no

horizonte. A voz de um homem coberto de idade, um barqueiro,

quebrou o silêncio momentâneo, oferecendo-se para transportá-lo.

O pequeno barco envelhecido, no qual a travessia seria realizada,

era provido de dois remos de madeira de carvalho. Logo seus olhos

perceberam o que pareciam ser letras em cada remo.

Ao colocar os pés em-

poeirados dentro do barco, o

viajante pôde observar que se

tratava de duas palavras:

num deles estava entalhada a

palavra ACREDITAR e no

outro a palavra AGIR.

Não podendo conter a

curiosidade, o viajante

perguntou a razão daqueles

nomes originais dados aos remos. O barqueiro respondeu pegando

o remo chamado ACREDITAR e remou com toda força. O barco, então,

começou a dar voltas sem sair do lugar em que estava.

Em seguida, pegou o remo AGIR e remou com todo vigor.

Novamente o barco girou, agora em sentido oposto, sem ir adiante.

Finalmente, o velho barqueiro, segurando os dois remos, remou

com eles simultaneamente e o barco, impulsionado por ambos os

lados, navegou através das águas do lago chegando ao seu destino,

à outra margem.

Então o barqueiro disse ao viajante: - Esse porto se chama

autoconfiança. Simultaneamente, é preciso ACREDITAR e também

AGIR para que possamos alcançá-lo!

Autor desconhecido

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Subsídio 10

3.1 Sobre místicas e ações

Com a análise anterior “Entre montanhas e planícies”, o texto abaixoganha referência, voltemos, pois a ele:

“Seis dias depois, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João,

e conduziu-os a sós a um monte, e transfigurou-se diante

deles. Suas vestes tornaram-se resplandecentes e de uma

brancura tal que nenhuma lavadeira sobre a terra as pode

fazer assim tão brancas. Apareceram-lhes Elias e Moisés, e

falavam com Jesus. Pedro tomou a palavra: “Mestre, é bom

para nós estarmos aqui: faremos três tendas: uma para ti,

outra para Moises e outra para Elias”. Com efeito, não sabia

o que falava, porque estavam sobremaneira atemorizados.

Ao descerem do monte, proibiu-lhes Jesus que contassem a

quem quer que fosse o que tinham visto, até que o Filho do

homem houvesse ressurgido dos mortos.” (Mc 9, 2-6. 9)

Por que Jesus não aceitou a proposta de Pedro para ficar no montejuntamente com Moisés e Elias? Afinal, Ele não havia vindo para salvar ahumanidade e aproximá-la do Pai e com isso todos desfrutarem do paraísopreparado para os filhos de Deus? Qual o objetivo de acenar com a visão doparaíso e logo em seguida proibir aos discípulos de revelar qualquer coisa destasaos demais?

Será possível para nós, hoje, aceitar esta proposta de negócio feita porJesus que “marketeia a mercadoria” e não entrega? Nesta nossa visãoimediatista é muito difícil aceitar a lição que se esconde atrás do textoapresentado. Jesus está apresentando um lugar que não é comprado, mas éconquistado por quem aceita sua proposta.

Estar no monte com Jesus não significa que já se está apto a desfrutaras maravilhas por Ele apresentadas, mas significa que caminhar e subir aolocal mais alto é fundamental para alcançar o paraíso.

A obrigação do cristão é fazer uma caminhada em direção à santidadeque só é alcançada quando se está próximo ao divino pastor que nos guia econduz. Mas fazer esta caminhada requer que não fiquemos acomodadosdebaixo das tendas construídas por Pedro, que estava mais preocupado em

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

desfrutar o paraíso do que construí-lo e, principalmente, distribuí-lo. Distribuir oparaíso é obrigação do cristão. Certamente é por isso que Jesus manda (e, maisimportante, desce junto) os discípulos descer de volta à planície e os proíbe defalar sobre o que viram. Do paraíso não se fala, se apresenta e se conduz paraele. A condução se dá através do exemplo e do serviço que o cristão exerce nomeio onde está inserido, ou seja, do “corações ao alto” somos chamados para“mãos-à-obra” e vice-versa.

As atitudes que os seguidores de Jesus apresentam, muitas vezes, estãona contra-mão dos valores que a sociedade apregoa. Sua atitude de defesa davida é, em sua maioria, vista como ultrapassada, pois a vida que eu precisodefender é a minha própria, porque hoje: “quem pode mais, chora menos”.

3.2 Sobre ações que são serviço

Ainda pensando no paraíso temos a certeza que ele é conquistado coma busca constante de elevarmos nossos corações ao mais alto e mais próximodo céu que pudermos chegar. Mesmo assim, nossos pés devem estar fixos nochão onde nos encontramos e nossas ações um serviço àqueles que maisnecessitam e estão mais distantes deste paraíso.

Jesus foi servo desde quando sua mãe intercede nas bodas de Canaã porfalta de vinho e segue sua vida servindo sempre e, muito embora sendo Filho deDeus, lava os pés dos discípulos naúltima ceia. Sendo o seu gesto maior deserviço no momento da cruz quandoentrega sua própria vida em favor denós que somos pecadores.

Talvez se encontre no serviço aosoutros a fonte mais virtuosa de onde sesacia a sede do amor de Deus. Aoservirmos estamos materializando avontade de Deus de que todos sejam umNele e Ele um em todos.

Fica, com certeza, uma questão no nosso íntimo: Como ser diferente nomeio da massa e como trilhar o caminho que leva a este paraíso proposto porJesus?

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Inseridos em uma sociedade consumista e materialista que, na maioriadas vezes, atropela quem não aceita ou vive os valores por ela apregoados ficamuito difícil ter a clareza de como fazer. Talvez seja por isso que os LeigosAmigos de Murialdo se reúnem em núcleos e se envolvem como membros deuma única família. Esta é a maneira mais concreta de ser bom no meio do mal.Somente quando nos sentimos amparados e apoiados é que somos fortes paravencer a maré que insiste em nos arrastar para o caminho contrário ao propostopelo Mestre.

Hoje é muito simples nos deixar convencer pelos meios de comunicaçãosocial que estão à serviço do ter e do poder. Só é feliz quem tem ou quem vivesegundo suas propostas e sinais por eles apresentados. Não é possível para umcidadão comum seguir um caminho alternativo solitariamente. Se, acaso eletentar, brevemente irá sentir-se um náufrago abandonado em uma ilha ecompletamente fora da realidade. Por isso que a formação de uma famíliaestruturada pelos valores cristãos e a participação em um grupo que venha seapresentar como uma embarcação segura para navegar neste mar infestadode tubarões faz com que o leigo amigo de Murialdo não apenas sinta-se felizvivendo nesta sociedade, mas tem a certeza de que deve tornar-se um sinal detransformação desta realidade.

Sabe-se que a ligação com o transcendente é que proporciona forçapara continuar a luta diária contra o mal existente na nossa realidade. Atravésda oração chegamos mais próximos do Cristo que apresenta o paraíso, masexige a volta à realidade e não só isso, volta junto com aqueles que Ele amapara ser o orientador e o amparo nos momentos de dificuldades.

Como sabemos que sozinho é difícil, o Senhor encarrega-se de suscitarem nosso meio exemplos que fazem-nos acreditar que é possível ser santo nosdias de hoje e realizar milagres nas menores ações.

3.3 Sobre santos e santas

Nossa reflexão se envereda agora pelas trilhas da solidariedade e dajustiça social. Alguns mártires são referências sobre as mais diversas formasde exercer a espiritualidade em atos de compaixão e ternura: esse jeito de serEvangelho, vejamos alguns exemplos:

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

3.3.1 São Leonardo Murialdo

Para nós, alimentados pela mística de São Leonardo Murialdo, temosnele o maior exemplo de que: “Grande é aquele que serve!”

Sua ação esteve sempre ligada ao ensinamento de Cristo e em momentonenhum se beneficiou da condição de reconhecimento de sua inteligência epotencial de liderança na sociedade de sua época. Muito pelo contrário, suavida foi pautada pela luta ao lado das crianças e jovens marginalizados e dosoperários, justamente os menores na realidade em que vivia. Não apenas lutoupara lhes devolver a dignidade, como foi capaz de gestos como se ajoelhar emfrente às crianças na capela dos Artigianelli por acreditar que no coração de

cada uma delas encon-trava-se o verdadeirosacrário onde Jesus ha-bitava.

Isto é certeza deque, ao seguirmos oensinamento e alimen-tar-nos da mística deMurialdo, estaremos natrilha que leva à santida-de e nos aproxima dia adia do paraíso prepara-do para os que crêem

em Deus. Este é o grande alento dos leigos amigos de Murialdo. Porém, nestasociedade imediatista, ter como inspiração uma pessoa que já morreu há maisde cem anos possa não sustentar a decisão particular que devemos tomardiariamente de não nos afastarmos do caminho escolhido. Além disso, cabe acada um de nós apontar o caminho que nos aproxima do paraíso, pois além deconquistá-lo, devemos partilhá-lo.

Se formos, como pedia Murialdo, “atentos aos sinais dos tempos”,poderemos citar uma infinidade de exemplos e de pessoas que elevaram seuscorações até o transcendente, mas não só isso, tornaram-se verdadeirosexemplos de serviço àqueles que representam a presença de Jesus indefeso erejeitado da manjedoura de Natal.

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3.3.2 Irmã Dulce

Podemos iniciar por um exemplo de nosso paísfalando de uma mulher de estatura pequena e frágil,mas de um coração e de uma coragem enormes paraenfrentar e transformar a realidade onde Deus a colocou.

O seu lema era: “A minha política é a do amor aopróximo.” Referimo-nos à Irmã Dulce que, ao nascer,recebeu o nome de Maria Rita de Souza Brito LopesPontes.

Aos 13 anos, depois de visitar áreas carentes, acompanhada por uma tia,ela começou a manifestar o desejo de se dedicar à vida religiosa. Com oconsentimento da família e o apoio da Irmã Dulcinha, foi transformando a casada família num centro de atendimento a pessoas necessitadas.

Em 8 de fevereiro de 1933, logo após se formar professora, Maria Ritaentrou para a Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceiçãoda Mãe de Deus, na cidade de São Cristóvão, em Sergipe. Em 15 de agosto de1934, aos 20 anos de idade, foi consagrada religiosa, recebendo o nome deIrmã Dulce, em homenagem à sua mãe.

Sua primeira missão como freira foi ensinar em um colégio mantido pelasua congregação, na Cidade Baixa, em Salvador, região onde dava assistênciaàs comunidades pobres e onde viria a concentrar as principais atividades dasObras Sociais Irmã Dulce.

A fragilidade de Irmã Dulce era apenas aparente. A miudinha freira,raro exemplo de bondade e amor, foi arquiteta de uma das mais notáveis obrassociais do Brasil.

Em 1936, ela fundou a União Operária São Francisco. No ano seguinte,junto com frei Hildebrando Kruthaup, abriu o Círculo Operário da Bahia, mantidocom a arrecadação de três cinemas que ambos haviam construído através dedoações. Em maio de 1939, Irmã Dulce inaugurou o Colégio Santo Antonio,voltado para os operários e seus filhos.

No mesmo ano, por necessidade, Irmã Dulce invadiu cinco casas na Ilhados Ratos, para abrigar doentes que recolhia nas ruas. Mas foi expulsa do lugare teve de peregrinar durante uma década, instalando os doentes em várioslugares, até transformar em albergue o galinheiro do Convento Santo Antonio,

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

que mais tarde deu origem ao Hospital Santo Antonio, centro de um complexomédico, social e educacional que continua atendendo aos pobres.

Considerada um “Anjo bom” pelo povo baiano, recebeu também o apoiode pessoas de outros estados brasileiros e de personalidades internacionais.Mesmo com a saúde frágil, ela construiu e manteve uma das maiores e maisrespeitadas instituições filantrópicas do país.

No dia 13 de março de 1992, Irmã Dulce morreu, pouco antes de completar78 anos. No ano de 2000 foi distinguida pelo papa João Paulo II com o título deServa de Deus e seu processo de beatificação segue tramitando na Congregaçãodas Causas dos Santos do Vaticano.

Olhando para a frágil “irmãzinha” fica uma indagação em nosso íntimo:Diante dos apelos de nossa realidade, quantos teríamos coragem de peregrinardurante uma década levando doentes de cá para lá com a intenção de amenizarsua dor? Se o padrão de beleza hoje se encontra em mulheres altas, magérrimase loiras, de preferência de olhos claros; por que uma pequena mulher nascidano nordeste brasileiro e que transformou um galinheiro em um centro de umcomplexo médico, social e educacional, foi considerada um “anjo bom?”

3.3.3 Irmã Dorothy

Também temos grandes exemplos de servos deDeus e do povo que vieram de outros lugares e deixaramgrandes exemplos para que nos aproximemos cada vezmais do reino do Pai, trazendo-o para o lado dos maisnecessitados.

Ir. Dorothy viveu entre os pobres e morreu por eles.

Dorothy Mae Stang, conhecida como Irmã Dorothy,foi uma freira norte-americana naturalizada brasileira. Pertencia às Irmãs deNossa Senhora de Namur, congregação religiosa fundada em 1804 por SantaJulie Billiart (1751-1816) e Françoise Blin de Bourdon (1756-1838). Estacongregação católica internacional reúne mais de duas mil mulheres que realizamtrabalho pastoral nos cinco continentes.

Ingressou na vida religiosa em 1948, emitiu seus votos perpétuos - pobreza,castidade e obediência - em 1956. De 1951 a 1966 foi professora em escolas

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da congregação: St. Victor School (Calumet City, Illinois), St. Alexander School(Villa Park, Illinois) e Most Holy Trinity School (Phoenix, Arizona).

Em 1966 iniciou seu ministério no Brasil, na cidade de Coroatá, no Estadodo Maranhão. Irmã Dorothy estava presente na Amazônia desde a década desetenta junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu.

Sua atividade pastoral e missionária buscava a geração de emprego erenda com projetos de reflorestamento em áreas degradadas, junto aostrabalhadores rurais da Transamazônia. Seu trabalho focava-se também naminimização dos conflitos fundiários na região. Atuou ativamente nos movimentossociais no Pará.

A sua participação em projetos de desenvolvimento sustentável ultrapassouas fronteiras da pequena Vila de Sucupira, no município de Anapu, no Estadodo Pará, a 500 quilômetros de Belém do Pará, ganhando reconhecimento nacionale internacional. Defensora de uma reforma agrária justa e conseqüente, IrmãDorothy mantinha intensa agenda de diálogo com lideranças camponesas,políticas e religiosas, na busca de soluções duradouras para os conflitosrelacionados à posse e à exploração da terra na Região Amazônica.

Dentre suas inúmeras iniciativas em favor dos mais empobrecidos, IrmãDorothy ajudou a fundar a primeira escola de formação de professores narodovia Transamazônica, que corta ao meio a pequena Anapu. Era a EscolaBrasil Grande.

Irmã Dorothy recebeu diversas ameaças de morte, sem deixar intimidar-se. Pouco antes de ser assassinada declarou: “Não vou fugir e nem abandonara luta desses agricultores que estão desprotegidos no meio da floresta. Elestêm o sagrado direito a uma vida melhor numa terra onde possam viver e produzircom dignidade sem devastar.”

A Irmã Dorothy Stang foi assassinada, com sete tiros, aos 73 anos deidade, no dia 12 de fevereiro de 2005, às sete horas e trinta minutos da manhã,em uma estrada de terra de difícil acesso, a 53 quilômetros da sede do municípiode Anapu, no Estado do Pará, Brasil.

Segundo uma testemunha, antes de receber os disparos que lhe ceifarama vida, ao ser indagada se estava armada, Ir. Dorothy afirmou “eis a minhaarma!” e mostrou a Bíblia Sagrada. Leu ainda alguns trechos das SagradasEscrituras para aquele que logo em seguida lhe balearia.

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Corações ao alto, pés no chão - grande é aquele que serve

Quantas crianças, adolescentes e jovens estão esperando que os leigosamigos de Murialdo defendam o sagrado direito a uma vida melhor numasociedade onde tenham dignidade e oportunidade. Ir. Dorothy nos ensina que aúnica arma que precisamos é a sagrada palavra de Deus que nos prepara ocaminho da vida eterna já neste mundo.

3.3.4 Dom Luciano Mendes de Almeida

O ano de 2006 foi marcado pela perda de umapessoa bem brasileira e que pautou sua trajetória pelaatuação forte ao lado dos mais necessitados nas maisdiferentes realidades onde percorreu. Trazemos alembrança de D. Luciano Mendes de Almeida, arcebispode Mariana (MG) e materialização humana da CNBB.

Luciano Mendes de Almeida nasceu no Rio deJaneiro, em 5 de outubro de 1930. Filho de CândidoMendes de Almeida e de Emília Mello Vieira Mendes de

Almeida. Na juventude, entrou para Companhia de Jesus, ordem religiosa deSanto Inácio – Jesuíta. Fez seus estudos de filosofia em Nova Friburgo, de1951 a 1953 e, em Roma, fez seus estudos de teologia, de 1955 a 1958 e doutorou-se em Filosofia (1965). Foi sagrado bispo em 2 de maio de 1976.

Entre outras funções que assumiu no serviço à Igreja de Deus, destacam-se:

- o trabalho na CNBB como: secretário-geral, de 1979 a 1987; presidente,de 1987 a 1994, e membro do Conselho Permanente desde 1987

- membro da Pontifícia Comissão Justiça e Paz desde 1992

- vice-presidente do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano)de 1995 a 1998

- Antes de receber a indicação para estar à frente da Igreja particular deMariana, foi bispo auxiliar na Arquidiocese de São Paulo, na região Leste I, de1976 a 1988

- Presidente da Comissão Episcopal do Mutirão para a Superação daMiséria e da Fome, até 2006

A sua atuação foi singular na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), em tempos difíceis e sombrios. Foi secretário geral da CNBB de

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1979 a 1987 e seu presidente de 1987 a 1995. Foram, talvez, os anos mais ricosdeste importante organismo, quando a Igreja Católica brasileira afirmou-se comouma das mais dinâmicas de todo o mundo, com marcado e decisivo compromissocom as causas sociais mais nobres: a pastoral da terra, a defesa dos índios,negros, mulheres, operários, a luta contra a violência, a defesa do solo urbano eo direito ao trabalho.

O caminho perseguido por ele era o mais evangélico possível: de trabalhoem favor dos pobres, das comunidades eclesiais de base (CEBs), de defesados famintos, abandonados e excluídos.

Todos os que conheciam de perto a Dom Luciano eram unânimes emdizer que o Pastor não dormia à noite, para que os colaboradores, os doentes,os pobres e os machucados se fortalecessem por sua oração e vigilância.

Dom Luciano viveu para a cidade de São Paulo através de seu amor aosmenores abandonados e ao “enxame” de pobres, os únicos que sempre sabiamonde encontrá-lo. As organizações em prol dos excluídos da sociedade criaramraízes em toda a cidade e em outras partes do país.

Profundamente humano! Sabia dialogar com sabedoria, respeito e firmeza,com todo tipo de autoridade: Papa, Presidente da República, Ministros de Estado,Diplomatas, Militares. Sabia, igualmente, levar um papo amigo com o pipoqueiroda praça, que, aliás, mereceu um artigo em sua coluna semanal na Folha. Queo digam também os mendigos do entorno da Igreja do Belém.

Quando a ocasião exigia era brilhantemente lúcido. Arguto. Convincente.Suas idéias, antes de se tornarem palavras nos lábios, eram banhadas por seucoração evangélico. Por vezes, brandiam-se como espadas de dois gumes,especialmente quando se tratava de defender o direito e a dignidade da vidados pobres, das crianças, dos povos indígenas, dos trabalhadores; enfim, daquelesque, em nossa sociedade, estão à margem, sem voz nem vez. Seu rosto entãose iluminava tomado de santa ira e indignação.

Acolhia as pessoas, fosse quem fosse, com simplicidade e carinho. Comatenção e paciência as escutava! Tinha sempre uma palavra, um gesto deconforto, ânimo, apoio, discernimento e encorajamento.

Nessas ocasiões concentrava-se de tal modo na pessoa, a ponto de dara impressão que nada era mais importante e urgente do que escutá-la com osouvidos e o coração. Ninguém saía ileso de um contato pessoal com ele. Ocalor de sua acolhida fraterna aquecia o coração do irmão (a) cujo nome,facilmente guardava de memória.

Dom Luciano, homem de Deus. Assim como subia a montanha para

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orar e contemplar, descia aos porões da vida para cuidar, levantar, curar asferidas, aliviar a dor! Em seu último texto antes de falecer, Dom Luciano deixouuma mensagem muito expressiva aos jovens intitulada “Partilha e Perdão”.Destacamos alguns aspectos importantes:

“Os jovens precisam assumir sua atuação na sociedade, oferecendo acontribuição do idealismo e a riqueza da esperança. O importante são os valorescom os quais podem fecundar e dinamizar a sociedade. No mundo de hoje, como recrudescimento da injustiça e da violência, urge superar esta situação caóticae demonstrar que um outro mundo é possível. Sem dúvida, nossa meta é o céuprometido por Deus. Mas a vontade de Deus, ao nos criar e colocar-nos nessemundo, é de que já se inicie o caminho para a felicidade, fazendo o bem, comocompete a filhos e filhas de Deus.

Eis aí o testemunho de amor mais forte que os jovens podem dar aomundo de hoje: pagar o mal com o bem. É essa atitude de amor maior, capaz devencer o ódio e a vingança e de promover a reconciliação e a concórdia, que háde caracterizar a vida dos jovens cristãos, chamados a alegrar cada dia o mundocom a beleza da confiança, da partilha e do perdão de Cristo.”

3.3.5 Madre Tereza de Calcutá

Estendendo nosso olhar para o mundocontemporâneo podemos afirmar que tivemos apresença de uma santa em nosso meio. Esta santa foireconhecida pelo próprio Papa João Paulo II e é umgrande exemplo para cada um de nós. Estamos falandode Madre Teresa de Calcutá. Podemos observar umpouco de sua história e seus ensinamentos.

Ganxhe Bojaxhiu nasceu em 26 de agosto de1910, na cidade Skopie, capital da Macedônia, em umafamília católica. Sua mãe, Drana, era uma pessoa de intensa religiosidade. Aos12 anos Ganxhe despertou para sua vocação religiosa.

A família vivia próxima à paróquia do Sagrado Coração e logo a mãe deGanxhe percebeu seu gosto pelos ofícios religiosos. O pároco Frnajo Jambrekovicincentivou Ganxhe à leitura de histórias missionárias.

“Não tinha completado ainda 12 anos, quando senti o desejo de sermissionária”, contou mais tarde Madre Teresa. “Aos pés da Virgem de Letnice,escutei um dia o chamado Divino que me convencia de servir a Deus”, disse

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muitos anos depois a Madre Teresa que confessou descobrir a intensidade dochamado graças “a uma grande alegria interior”. Em 25 de dezembro de 1938,aos 18 anos, se mudou para Rathfarnham, na Irlanda, onde ficava o Instituto daBeata Virgem.

Em 1929, após 37 dias de viagem pelo mar, Ganxhe chega em Begala,depois viajou a Calcutá e finalmente chegou em Dajeerling, onde, no seminárioda Ordem, estudou e em 24 de maio de 1931 escolheu o nome de Teresa,inspirada pela Santa Teresa D´Avila.

O momento crucial para a sua vida que a convertia em Madre Teresa deCalcutá, deu-se de improviso. Ela mesma nos conta: “Ocorreu em 10 de setembrode 1946, durante a viagem de trem que me levava ao convento de Darjeelingpara fazer os exercícios espirituais. Enquanto rezava em silêncio a nosso Senhor,adverti um chamado dentro do chamado. A mensagem era muito clara: deviadeixar o convento de Loreto (em Calcutá) e entregar-me ao serviço dos pobres,vivendo entre eles”. Logo iniciou sua vida como: Madre Teresa de Calcutá.

Recebeu a permissão da Santa Sede para levar os moribundos das ruaspara um lar onde eles pudessem morrer em paz e dignidade, também abriu umorfanato. Em 1950 fundou uma congregação religiosa. As irmãs de caridadesão mais de 4.000, espalhadas por 95 países, e todas as nações permitiram seustrabalhos.

Gradualmente, outras mulheres se uniram a ela de modo que, em 1950recebeu a aprovação oficial do Papa Pio XII para fundar uma congregação dereligiosas, as Missionárias da Caridade, que se dedicariam a servir aos maispobres entre os pobres.

O Papa João Paulo II confiou às religiosas de Madre Teresa a casa“Dom de Maria” aberta no Vaticano, ao lado do Palácio do Santo Ofício, paraassistir aos mais pobres e aos moribundos da Itália. Em 1979 Madre Teresarecebeu o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho. Madre Teresa de Calcutáfaleceu na sexta-feira, 5 de setembro de 1997, vítima de uma parada cardíaca.Milhares de pessoas de todo o mundo se congregaram formando várias filas naIgreja de Santo Tomás para despedir-se da Madre Teresa.

Podemos levar para nossas vidas grandes ensinamentos de Madre Teresa.Ressaltamos apenas alguns que podem servir para nossa caminhada como LeigosAmigos de Murialdo:

“Mas eu sinto que o maior destruidor da paz hoje é o aborto, porque éuma guerra contra a criança - um assassinato direto da criança inocente -assassinato pela própria mãe. E se nós aceitamos que uma mãe pode matar até

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mesmo sua própria criança, como nós podemos dizer para outras pessoas quenão matem uns aos outros?...”

“A pior calamidade para a humanidade não é a guerra ou o terremoto. Éviver sem Deus. Quando Deus não existe, se admite tudo. Se a lei permite oaborto e a eutanásia, não nos surpreende que se promova a guerra!”

“O mundo que Deus nos deu é mais do que suficiente, segundo oscientistas e pesquisadores, para todos; existe riqueza mais que de sobra paratodos. É só uma questão de reparti-la bem, sem egoísmo. O aborto pode sercombatido mediante a adoção. Quem não quiser as crianças que vão nascer,que as dê a mim. Não rejeitarei uma só delas. Encontrarei uns pais para elas.”

“Como Jesus, pertencemos ao mundo inteiro, vivendo não para nósmesmos, mas para os outros. A alegria do Senhor é a nossa força”.

“Os pobres que buscamos podem morar perto ou longe de nós. Podemser material ou espiritualmente pobres. Podem estas famintos de pão ou deamizade. Podem precisar de roupas ou do senso de riqueza que o amor deDeus representa para eles. Podem precisar do abrigo de uma casa feita detijolos e cimento ou da confiança de possuírem um lugar em nossos corações.”

3.3.6 Pe. João Schiavo

Enquanto Leigos Amigos de Murialdo não nos faltaexemplos de santidade, ou seja, de pessoas que viveramo batismo de modo exemplar. Bem pertinho de nós, daFamília de Murialdo, temos o Pe. João Schiavo.

Pe. João Schiavo nasceu aos 8 de julho de 1903 emSanto Urban, Vicença, Itália. Seus pais, Luiz e Rosa, lhederam oito irmãos. Aos quatro anos foi acometido de fortemeningite e paralisia infantil. Curou-se milagrosamente.

Estudou em Santo Urban, seu povoado nativo até o terceiro ano do primário.Depois percorria a pé os 7 km que o separavam do Seminário Josefino deMontecchio Maggiore.

Em 1917 solicitou ao Pe. Eugênio Reffo, co-fundador da Congregaçãodos Josefinos de Murialdo, para ser admitido na Congregação. Fez seu Noviciadoem Volvera e emitiu sua primeira profissão religiosa aos 13 de agosto de 1919,data que coincidiu com a comovente cerimônia de adeus a três novos missionáriosdestinados ao Brasil: Pe. Clemente Ughetto, Pe. Luigi Balbi e Ir. CasimiroPeretti.

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Em outubro de 1919 João começou os estudos filosóficos e depois osteológicos. No final do ano 1924, expressou o desejo de ir para as MissõesJosefinas. Porém, o Superior Geral, necessitando de um ótimo formador, enviou-o para o Seminário de Montecchio Maggiore, onde estudara quando rapaz.

Sua vida consagrada crescia em entusiasmo e bom exemplo. Aos 13 deagosto de 1925 emitiu sua consagração definitiva. Prestados os exames dosestudos de teologia recebeu a ordem do diaconato e, aos 10 de julho de 1927,foi ordenado sacerdote. O desejo missionário continuava sempre mais forte. Oimpulso decisivo deu-se com a partida do mano, o Irmão Hermenegildo Schiavo,para as missões do Brasil em 19 de dezembro de 1928.

Finalmente, no dia 04 de junho de 1931 chegou a esperada autorizaçãopara ir às missões. Chegaram a Jaguarão dia 05 de setembro de 1931. Começavaa realização de seu sonho missionário!

No dia 25 de novembro foi transferido para Ana Rech, seu destino final,para começar o trabalho de animação vocacional, formador dos seminaristas emestre de noviços.

Os frutos do trabalho vocacional do Pe. João se consolidaram e sedemonstraram promissores, tendo iniciado o noviciado três noviços no dia 19 demarço de 1932. Os três fizeram seus primeiros votos aos 19 de março de 1933.

Aos 19 de março de 1935, Pe. João foi transferido para Galópolis, umpequeno povoado não distante de Caxias do Sul, para dirigir uma escola e animara Paróquia, com muitas perspectivas vocacionais.

No dia 31 de janeiro de 1937 Pe. João voltou para Ana Rech e, no iníciode março, com a ida para Roma do Pe. Agostinho Gastaldo, assumiu a direçãodo Colégio Murialdo e a Coordenação da Vice-Província do Brasil.

Em dezembro de 1944, Pe. João soube da morte de seu querido pai,ocorrida aos 05 de dezembro de 1940. Eram os duros tempos da segunda guerramundial.

Os trabalhos de construção do Seminário de Fazenda Souza tiveraminício em dezembro de 1940. A inauguração foi em 19 de março de 1941. Em1946 Pe. João foi nomeado como primeiro superior provincial.

A devoção a Maria Santíssima do Pe. João era exímia. Ele batalhou paraque a titular da Província fosse o “Imaculado Coração de Maria”, a quemconsagrou a Província Brasileira, no dia 22 de agosto de 1948.

Um imenso sonho de Pe. João realizou-se aos 09 de maio 1954: pôdeacompanhar, em Fazenda Souza, a cerimônia, da vestição das primeiras seteIrmãs Murialdinas de São José no Brasil. Já havia um grupo na Itália...

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Pe. João, apesar de seus afazeres materiais, dedicava-se intensamentena formação dos confrades e das Irmãs Murialdinas. Era exemplar na piedade,no diálogo paciente e humilde.

Aos 20 de novembro de 1966 sua fibra cedeu mais uma vez e desta vezfoi hospitalizado, de onde não mais saiu vivo... Suas últimas palavras ouvidasforam: “Meu Jesus misericórdia. Obrigado minha mãe...”.

Os solenes funerais foram um triunfo e o povo repetia que morrera umsanto. No mesmo dia do seu sepultamento, começou a peregrinação, junto aotúmulo do Pe. João, de pessoas que vão agradecer graças alcançadas por suaintercessão.

Permanece o exemplo de um homem que viveu em profundidade o carisma,a missão e a espiritualidade de Murialdo.

3.4 “Senhor, que queres que eu faça?”

Se quiséssemos, poderíamos continuarnomeando muitos outros exemplos que comprovam oque o próprio Jesus afirmava de que onde está o teucoração aí está o teu tesouro. Todos estes exemplosapresentados têm no amor incondicional a Cristo omaior motivo de sua prática, seu sacrifício, suadedicação e entrega de sua própria vida.

Quando lembramos de pessoas como IrmãDulce, Irmã Dorothy, Madre Teresa de Calcutá, Pe. João Schiavo e tantosoutros santos atuais percebemos que são pessoas comuns, mas que sentiram-se chamadas e aceitaram esse chamado. Que abraçaram uma causa acreditandoe entregando-se totalmente ao chamado; que enfrentaram situações difíceis e,por vezes, perigosas, mas não desistiram; que se sentiram profundamenteapaixonados pelo trabalho que realizavam e, principalmente, porque sabiamque a recompensa de todo esse empenho era uma inundação de paz vinda doalto.

Ainda na primeira parte deste Subsídio nos deparamos com pessoas assim!Pois é... os “Capitães da Areia”, da obra de Jorge Amado, encontraram pessoasque não desistiram de suas crenças. Pessoas que acreditaram que aquelesmolecotes eram capazes de muito mais do que assombrar as longas ruas deSalvador.

A convicção de fazer alguma coisa para ajudar os mais desprovidos fez

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de cada um, daqueles da obra literária e da vida real, pessoas especiais e, hoje,quando lembramos de suas histórias, sentimos que também podemos e queremosfazer nossa história acontecer, temos um ideal, um carisma, um exemplo quebrota de São Leonardo Murialdo. Falta-nos arregaçar as mangas, pois asnecessidades são muitas e as carências inúmeras. Às vezes nos perguntamos:por onde começar? Começamos entregando nossos corações a Deus e pedindoque Ele nos mostre os caminhos. Precisamos estar disponíveis e em sintoniacom Ele e então nos unirmos, formarmos um grupo forte e direcionarmos nossasmetas.

Nós, como Leigos Amigos de Murialdo, já temos uma caminhadacomeçada, vários desafios nos são propostos todo tempo, a cada ano mais emais crianças e jovens vêm até nós de um jeito ou de outro precisando de todoo tipo de ajuda, (às vezes apenas de um carinho ou atenção). Precisamos darrespostas, assumirmos uma identidade de Leigos Amigos de Murialdo. Nãotemos receio de ser taxados de diferentes, preservarmos um coração BOM nomeio de tantas propostas enganosas de falsa felicidade e de futilidades.

O nosso coração deve voar alto, alcançar os mais altos montes. Como aságuias ele deve arriscar-se e sonhar muito alto, sonhar igualdade, justiça, direitosiguais, sonhar paz, mas os nossos pés devem estar aqui, fincados no chão darealidade em que vivemos e buscando soluções para estas dificuldades que nossão apresentadas todos os dias.

Voltando nossos olhos para o ensinamento evangélico e analisando osexemplos trazidos até nós pelos santos atuais, podemos resumir a nossa buscae nossa certeza de alcançarmos o paraíso proposto por Jesus Cristo em umaatitude de vida inspirada em São Paulo. Nosso dia a dia deve ser construído nabusca da resposta de uma pergunta que São Paulo faz no momento de suaconversão: “Senhor, que queres que eu faça?”

Para Refletir

1. O que dizer da história “os remos que levam ao porto”?

2. Como ser uma manifestação do amor misericordioso de Deus, diante dassituações de maldades que encontramos?

3. Qual a característica, a virtude, de cada um dos modelos apresentados maischama atenção na ajuda aos mais pobres?

4. Porque o Leigo Amigo de Murialdo é igual aos outros e, ao mesmo tempo, édiferente em suas ações?

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Referências Bibliográficas

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GENTILI, Pablo. Educar na esperança em tempos de desencanto. Vozes,2ª ed., Petrópolis, 2002

_____ Cidadania Negada. Cortez, 2001

MARTINS, Raul Aragão. Uma Tipologia de Crianças e Adolescentesem Situação de Rua Baseada na Análise de Aglomerados. UniversidadeEstadual Paulista, São José do Rio Preto. 2002

PILOTTI, F. Crise e perspectivas da assistência à infância na AméricaLatina.

PILOTTI F. & I. RIZZINI (Orgs.). A arte de governar crianças: A históriadas políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil(pp.11-45). Rio de Janeiro: Instituto Interamericano Del Niño, EditoraUniversitária Santa Úrsula, Amais.

Revista Pátio, nº 20, 2002.

SITES:

www.adital.org.br

www.andi.org.br

www.cnbb.org.br

www.murialdo.org

www.planalto.gov.br/sedh/conanda

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Título: Kit de Formação - Módulo 02

Subsídios nº 06 a 10 da Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo- ANALAM

Elaboração: Conselho Formativo

Jornalista Responsável: Bernardete Chiesa - MTb 10187

Revisão: Thaís Nascimento

Tiragem: 1.000 exemplares

(54) 3221.14.22Caxias do Sul - RS