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1 Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo- ANALAM CARISMA, PROFECIA, DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA BRASIL, 2017

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Associação Nacional dos Leigos Amigos

de Murialdo- ANALAM

CARISMA,

PROFECIA,

DOUTRINA SOCIAL DA

IGREJA

BRASIL, 2017

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................... 5

1 O CARISMA ...................................................................................................................... 7

2 A PROFECIA .................................................................................................................... 8

2.1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 8

2.2 A PROFECIA NA BÍBLIA ................................................................................................. 9

2.3 CONTEÚDO DA PALAVRA PROFÉTICA: .................................................................. 10

2.4 PROFECIA NO SEGUNDO TESTAMENTO ................................................................. 11

2.5 A PROFECIA HOJE ......................................................................................................... 13

3 DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA .............................................................................. 15

3.1 A DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA NA HISTÓRIA .......................................................

3.2 CONTEÚDO E DESTINATÁRIOS DA DSI .......................................................................

3.3 AS FONTES DA DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA ........................................................

4 PROFECIA, CARIASMA, DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA VIVIDOS PELO

BEATO PE. JOÃO SCHIAVO. .............................................................................................. 2

4.1 UM POUCO DE HISTÓRIA ............................................................................................ 22

4.2 O CORAÇÃO MISSIONÁRIO: ....................................................................................... 23

4.3 FONTES DE ESPIRITUALIDADE. ................................................................................ 23

4.4 MANIFESTAÇÃO DA ESPIRITUALIDADE: PESSOAL – ECLESIAL – SOCIAL .... 25

4.5 ESPIRITUALIDADE E MÍSTICA ................................................................................... 26

4.6 PE. JOÃO EDUCADOR. ......................................................................................................

4.7 DEPOIMENTOS DE PESSOAS QUE VIVERAM DIA A DIA COM PE. JOÃO

SCHIAVO ...................................................................................................................................

4.8 IRMÃS MURIALDINAS ...................................................................................................

4.9 CONCLUSÃO................................................................................................................. 31

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................32

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................33

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APRESENTAÇÃO

Os subsídios produzidos pela Equipe formativa da ANALAM muito tem

contribuído para a reflexão e oração de seus membros, mas não só. Na medida em que os seus

conteúdos entram no coração das pessoas que fazem parte dos núcleos, produzem uma nova

compreensão de si e da realidade que os cerca, preparando-as melhor para um agir mais

consciente, constante e coerente.

Desta vez temos o desafio de ir às origens para buscar as motivações profundas

que nos mantém agregados, unidos e entusiastas nos núcleos que constituem a ANALAM.

É difícil que não apareça a palavra CARISMA, no encontro mensal, no momento

formativo. Pois vamos então refletir um pouco sobre este tema. Ao assumir o carisma, seja

pessoalmente, seja enquanto núcleo ou nacionalmente, sabe-se que a Associação realiza uma

missão profética em seu meio. Tem-se consciência de que viver e testemunhar o amor

misericordioso de Deus, comprometendo-se com a vida das crianças, adolescentes e jovens,

sobretudo empobrecidas, é a sua PROFECIA. Não se tem a pretensão de resolver todos os

problemas que eles enfrentam, mas de ser um sinal forte e permanente que aponte para a

possibilidade que todos têm de se indignar com a situação e de juntos empreenderem

inciativas de solidariedade. Fomos então buscar na Bíblia o exemplo dos profetas.

Nos documentos da ANALAM, fala-se de cuidar da dignidade dos pobres, de

solidariedade, de justiça, de inserir-se nas Políticas Públicas, de participar de redes de atenção

e assim por diante. São temas da esfera social. E, ainda que participando da vida da

ANALAM, às vezes estes temas causam certa estranheza e desconforto. Parece-nos mais fácil

ser católicos da missa e dos sacramentos, que são indispensáveis, mas que não encerram e

nem limitam a atuação de católicos no mundo. Nossa Igreja tem um longo percurso de

inserção no mundo do social, do político e do econômico. Pelo fato de ser Igreja no mundo,

de ser povo de Deus e de ser Sacramento de Jesus Cristo no mundo, estes temas são-lhe

próximos e ela não pode deixá-los à margem de sua reflexão e ação. As suas reflexões, os

documentos com este teor, os pronunciamentos relativos à justiça e às questões sociais, deram

origem à DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Nenhum católico e, particularmente,

nenhum membro ativo da Igreja, atuando em sintonia com um carisma, que é dom dado a uma

pessoa a serviço de toda a Igreja, pode ignorá-la.

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Encontraremos em PE. JOÃO SCHIAVO o testemunho de um homem de Deus

que, animado pelo carisma, viveu entre nós a sua profecia e, sem dúvidas, sintonizado com a

Doutrina Social da Igreja.

Temos consciência dos limites da reflexão, porém ficaremos satisfeitos se for

capaz de despertar maior amor pela causa a que se propõem os núcleos da ANALAM, através

de um pouco de aprofundamento.

Pe.Geraldo Boniatti

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1. O CARISMA

A graça do Espírito é luz interna que permanece em nós como “chama

bruxuleante”, resistindo ao sopro dos ventos contrários. A fé, como graça, é dom que

permanece conosco. É como a família da gente, em que a distância não nos separa dela,

pois a levamos conosco aonde quer que andemos. Assim aconteceu com os povos diante

dos exílios e invasões e consequentes imposições culturais e religiosas. Aparentemente, a fé

original deles estava silenciada e morta, depois explodia, fortalecendo a capacidade de

resistência. As brasas sob as cinzas surgiam como fogueiras mediante a oração, o culto e em

atitudes e atos éticos e morais próprios da mesma fé, aparentemente destruída.

Esta força irresistível em cada ser humano aflorou incontrolável nos profetas e

falamos claramente dos profetas bíblicos.

Parece ser este o sentido original de

carisma. Não é algo que dominamos ou possamos

comprar ou negociar. Vem do espírito de Deus

existente em nós, uma vez que fomos criados à sua

imagem e semelhança. O Senhor não força ninguém,

mas quando há uma pequena abertura do homem, o

seu espírito brilha e orienta. Este carisma habita em

todos e é ele que vai dirigindo para as vivências

específicas na fé (Diversidade de Carismas).

Dentro de nosso meio falamos bastante em carisma ao referir-nos ao dom

recebido por São Leonardo Murialdo, e herdado por nós. Ele, na experiência de vida, desde a

família, na crise da adolescência e no decorrer de sua história de sacerdote e religioso,

percebeu, aprofundou algumas facetas do amor de Deus,e passou a vivê-las,

particularmente nos Artigianalli. A sua percepção de ser amado por Deus com amor,

sobretudo misericordioso, de modo particular na sua crise da adolescência conduziu-o a

amar misericordiosamente, defendendo e promovendo a vida das crianças, adolescentes

e jovens. Esta particularidade de viver o evangelho é o carisma que ele recebeu e que a FdM

hoje está participando. O carisma é um vento sempre novo soprando coisas novas através da

participação em momentos especiais, no nosso rotineiro, isto é, está presente no cotidiano e

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faz-nos agir, de forma extraordinária, no ordinário da vida. É o carisma que nos ensina a

amar, pois amar é viver o carisma (1Cor 14).

A vivência dos cristãos que caminham nas pegadas de Jesus é feita pela ação do

carisma comum dado a todos como graça. Carismas particulares são dados e desenvolvidos

por algumas pessoas a fim de que estas realizem ações particulares ou especiais. É o caso dos

profetas, dos santos, dos místicos... Entre estes colocamos também São Leonardo Murialdo e

Pe. João Schiavo. O carisma também é infundido à Igreja como um todo para que ela esteja

sempre apta para o serviço evangelizador.

Todo o carisma vem de Deus, para orientar-nos ao interesse comunitário e não

voltar-nos somente ao bem particular (1Cor 1,57; 2Cor 8,7) e todo o cristão é um carismático,

como entende São Paulo e como fruto batismal ( 1 Cor 7,7; 1 Pd 4,10).

2. PROFECIA

2.1 Introdução

A profecia, como conhecemos, é própria do povo da Bíblia, isto é, do judaísmo do

Primeiro Testamento e do Cristianismo no Segundo Testamento. Entre os povos vizinhos

dos judeus, eram considerados profetas os adivinhos, aqueles que entravam em transe e que

falam “línguas estranhas”, a serem depois interpretadas por outras pessoas. Eles

pronunciavam um oráculo dos deuses aos reis ou a particulares, indicando cura de doenças,

aconselhando ou desaconselhando alianças políticas ou bélicas; sucesso ou fracasso nas

guerras, etc.

A profecia como conhecemos, ainda que tenha existido entre os povos acima

citados e outros mais, é uma instituição típica do judaísmo e depois também do cristianismo.

Na Bíblia encontramos vários grupos de profetas com seus modos de falar e de agir. Porém,

quando se fala em profecia, além de considerar Elias e de Eliseu (1Rs 17-21; 2Rs), pais do

profetismo hebreu e que viveram antes do exílio (587 AC), referimo-nos aos profetas

escritores, como Isaías e Jeremias e os demais profetas clássicos: Baruc, Ezequiel, Daniel,

Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias,

Malaquias.

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2.2 A Profecia na Bíblia

Para bem percebermos o estilo profético, sua linguagem, a narrativa do que faz do

momento sócio, político e religioso, bem como a promessa e/ou ameaça de Deus, leiamos o

texto do profeta Jeremias: Jr 22, 13-18

13 Ai daquele que constrói a sua casa sem justiça e seus aposentos sem direito, que faz o próximo

trabalhar por nada, sem dar-lhe o pagamento, e que diz: «Vou construir uma casa grande, com imensos

aposentos». E faz janelas, recobre a casa com cedro e a pinta de vermelho. 15 Você pensa que é rei porque tem

mais cedro que os outros? O seu pai não comeu e não bebeu? Pois ele fez o que é justo e o que é direito, e no

seu tempo tudo correu bem para ele. 16 Ele julgava com justiça a causa do pobre e do indigente; e tudo corria

bem para ele! Isto não é conhecer-me? - oráculo de Javé. 17 Mas você não vê outra coisa e não pensa a não ser

no lucro, em derramar sangue inocente e em praticar a opressão e a violência. 18 Por isso, assim diz Javé a

Joaquim, rei de Judá, filho de Josias: Ninguém vai chorar por ele, dizendo «Ai meu irmão, ai minha irmã! »

Ninguém vai chorar por ele: «Ai meu senhor, ai majestade! » 19 Ele será sepultado como jumento, será

arrastado e jogado fora, longe das portas de Jerusalém.

Sua atuação acontece entre os anos 627 e 686. Provavelmente ele viu Jerusalém ser sitiada e

destruída em 597 AC e a família real, os nobres, os trabalhadores especializados e outros serem deportado

para Babilônia. Viu também os maus tratos, as prisões, etc. Ele próprio foi exilado, porém, nunca fez anúncios

falsos para salvar a pele ou para favorecer as decisões dos governantes. Ao anunciar uma derrota foi colocado

numa cisterna de esgoto e depois o próprio mandante ordenou que fosse retirado.

Depois de lido o texto, vamos agora dar uma sobrevoada no tema da profecia

bíblica.

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A etimologia da palavra profeta não significa aquele que anuncia

publicamente ou aquele que anuncia em voz alta.

Eles, por sua vez, foram sempre pessoas muito respeitadas, temidas e também

odiadas pelos reis e por parte do povo. Porque eram sábios, terem liderança e carisma,

também Moisés e Abraão foram considerados profetas, pois eles falavam diretamente com

Deus.

Alguns grupos de profetas estavam ligados aos palácios e à estrutura de poder ou

ao culto oficial, sendo que os oráculos que pronunciavam favoreciam e respaldavam as

decisões palacianas. Percebemos na Bíblia uma tensão entre estes profetas e aqueles, “livres”,

pois não estavam ligados a ninguém ou a qualquer organização. O profetizar destes prendia-se

unicamente à palavra ouvida, ao carisma, livremente pronunciando, doa a quem doer. Quando

falamos sobre a profecia na Bíblia, normalmente estamos falando destes últimos.

No profetismo bíblico, a palavra é central, deixando-se para segundo plano os

êxtases e adivinhações, mas que poderiam também acompanhar. Porém, os gestos simbólicos

são bastante comuns ao profetismo, prefigurando a Palavra (Os 1,4.6.9;Is 7,3; 8,3; Jr 16,

2.5.8).

2.3 Conteúdo da palavra profética:

O profeta verdadeiro não diz a sua palavra, não externa o seu ponto de vista em

defesa dos seus interesses ou daqueles do próprio grupo. Sua palavra tem o selo de Deus,

onde a inspiração, o carisma, tomou conta do profeta e ele, de certa forma, é obrigado a

anunciar o oráculo do Senhor, com gosto ou desgosto.

A Palavra do Senhor a que o profeta é impelido a dizer aponta para temas bem

concretos vividos pelo povo: ou são as necessidades de justiça, de paz, de cuidado, de ter

governantes justos e bons pastores ou para seus desvios de rota tais como, alianças indevidas

com outras nações, ganâncias, roubos, descuidos para com órfão e viúvas e pobres do povo,

diferentes formas de idolatria...

As palavras dos profetas normalmente são precedidas pela fórmula “assim fala o

Senhor” ou terminam com a expressão “Oráculo de Javé”. Tais oráculos são classificados

como: de ameaça, de promessa, de recriminação e de advertência. Os oráculos podem ser

curtos em sua formulação e depois explicados mais detalhadamente pelos profetas, originando

os textos que conhecemos.

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De forma simplificada, dizemos que a missão do profeta e o conteúdo da profecia

é aquele de fazer com que o coração do homem volte-se para Deus. Com Deus ele encontra a

paz e a alegria, porque vence também a injustiça, a ganância, exploração e demais ídolos.

Estes, por sua vez, são falsos deuses que o povo adorou no passado e continua, consciente ou

inconscientemente, adorando nos dias atuais e carregando sobre os ombros as terríveis

consequências. Horrendos deuses que vivem do sangue dos pobres, do tempo bíblico ao

tempo de hoje, que também é tempo bíblico!

Na história do povo de Deus lemos também queixas onde se diz “não temos mais

nem chefes e nem profetas”, parece que Deus se esqueceu do povo, virando o rosto diante dos

pecados da nação. Afinal, foi Deus que, ausentando-se silenciou ou foram os homens que

endureceram o coração, tornando-se cegos à presença divina e surdos não ouviam mais a voz

de Deus?

2.4 Profecia no Segundo Testamento

A profecia aparece nos evangelhos na pessoa de João, o Batista. Ele foi

reconhecido pelo povo e até mesmo pelas autoridades. Seus oráculos chamam à conversão e

apontam para a Palavra que está para chegar. É o profeta arauto de Jesus.

Sua profecia é dura, suas palavras e modos nada têm de diplomático. Vai ao

centro dos temas (Mc 1, 2-8; Mt 3, 1-12). Jesus dá testemunho de João, afirmando-o como o

maior dos profetas (Mt 11, 7-14).Também ele teve o fim que tiveram os verdadeiros profetas

do Primeiro Testamento: morreu violentamente (Mt 14, 1-12).

Jesus é, por excelência, o revelador do rosto do Pai; é o Filho que manifesta a

vontade salvadora de Deus no meio dos homens. Sua encarnação como homem e sua vida

vivida humana e divinamente entre nós é a Profecia realizada. Jesus cumpre total e

universalmente, isto é, torna presente e atual em todos os tempos e lugares, aquilo que os

profetas previam no pedaço da história do tempo em que eles viveram. Os antigos profetas

desejavam que o coração dos homens se aproximasse de Deus e para tanto, anunciavam,

denunciavam e consolavam o povo a caminho. Jesus é o Deus que se aproxima da

humanidade, assume a sua condição, caminha com ela, ensina-a, deixa-se matar por amor ao

Pai e a ela, ressuscita e salva-a porque estava perdida. E com isso estabelece a paz entre

Deus e os homens. Com sua morte e ressurreição “o véu do templo rasga-se”, isto é,

deixa de existir a separação entre Deus e os homens. O preço foi alto, pois custou a vida do

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Filho, crucificado fora da cidade, como maldito. O amaldiçoado pelos homens é a

regeneração da humanidade.

Nas antigas profecias o tema da justiça era brandido com força; a vingança de

Deus aparecia com frequência, mas também aparece a ternura divina. Porém, no Evangelho a

justiça aparece superada pelo amor. Ela não vem substituída, mas incluída no amor. Quem

ama pratica a justiça e vai além dela. Quem somente se prende à justiça não dá o passo

evangélico de Jesus e está longe do Reino de Deus (Mt 17-20 e todo o Sermão da Montanha –

Mt 5-7, Mc 12,33).

As palavras e os gestos de Jesus apontam para a presença do Salvador no meio da

humanidade, mas não deixam de ser palavras e gestos proféticos, pois realizam o que o Pai

deseja para a humanidade. Ele fala e age atingindo o homem completo, isto é, em suas

necessidades humanas materiais e espirituais, pois “não só de pão vive o homem” ( Lc 4,4).

Quando ele diz, por exemplo, “teus pecados estão perdoados” (Mc 2,5), Ele está libertando o

homem na sua profundidade misteriosa, na sua alma. Quando ele diz “levanta, toma o teu

leito e anda” (Jo 5,8), Ele está restituindo a capacidade física de andar e apontando para a

superação de tudo o que nos mantêm presos ao chão, às dependências e fixações

escravizadoras. Quando ele multiplica os pães (Lc 9,10-17 e par.), está matando a fome

imediata, dizimadora da vida da multidão no deserto e aponta ao mesmo tempo para a

chegada do Reinado de Deus e sua justiça onde ninguém mais passará fome... Ele é o Pão do

Reino.

Não sendo possível fazer aqui uma leitura aprofundada da profecia no NT,

apontamos alguns textos, onde transparece o amor como sendo o novo conteúdo da profecia.

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A salvação é para todos, porém, quem exclui os outros do banquete da vida, estará

excluído da vida em Deus (Mt 25; Lc 16, 19-31).

Superação dos nacionalismos, legalismos (Lc 10,25-37). Amor aos pecadores (O

Pai misericordioso- Lc 15). Amor aos pobres (Tg 2, 1-12); A fé sem obras é morta (Tg 2,14-

26); Atenção, ricos! (Tg 1,1-6); Não se pode servir a Deus e ao dinheiro (Lc 16, 13); Amar é:

Servir os outros com liberdade (Gl 5,13); Vencer o egoísmo (Rm 15, 1; 1 Cor 13,5); Ser

ativo e acolhedor (Rm 12,11; Rm 12, 15); Procura a igualdade social (2Cor 8, 13-15).

2.5 A profecia hoje

Para que nos dias de hoje a palavra continue sendo ouvida como anúncio,

denúncia e consolação ou como promessa, recriminação, ameaça ou advertência, o Senhor

continua suscitando profetas. O Evangelho de Jesus é a nova profecia anunciada pelo Povo da

Nova Aliança, organizado como Igreja, comunidade de salvação. Nela, a profecia manifesta-

se nos seus membros, componentes ou não da hierarquia, pois pelo Batismo todos recebemos,

como dom do Espírito a graça do serviço da Profecia, do Sacerdócio e da Realeza (governo da

Igreja). Na Igreja todo o povo é povo profético.

Podemos até queixar-nos do silêncio da profecia, mas ela não foi e nem será

extinta. Nas diferentes fases sociais, políticas e religiosas vividas pelos povos e até mesmo

nas posturas predominantes das Igrejas locais e nacionais, a profecia ora é mais viva, ora é

mais pálida. Porém, coerentes e atentos ao dom recebido, os cristãos não se escondem,

fingindo não ver os males sofridos pelos seus contemporâneos; não estão alienados diante das

decisões políticas que colocam pesados fardos nos ombros dos fracos, aliviando as costas dos

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já satisfeitos e ricos; percebem que em nome do desenvolvimento e do saneamento das contas

públicas, a conta não pode ser paga pela parcela pobre da população e desta forma arredando-

a para as margens, para a precarização e assim por diante.

Com o Evangelho nas mãos e no coração, os profetas de hoje usam os meios à

disposição para contestar o tratamento dispensado aos pobres, maioria da população,

apresentando as propostas de Jesus. Os métodos usados não podem ser os mesmos dos

poderosos. Estes não têm escrúpulos em mentir, mascarar e distorcer os fatos e a verdade para

conseguir seus intentos. A força de Jesus, de sua pregação e atos e acima de tudo, sua morte e

ressurreição, que é a garantia de sua presença entre nós, é a força e o destemor da profecia

cristã de hoje.

A profecia, via de regra, vem dos pobres e estes não

têm a seu dispor o aparato da imprensa e da

multimídia, mas ela é proferida na periferia, nas

organizações populares, nos novos grupos e

comunidades surgidos à base de um carisma particular

como são os Leigos Amigos de Murialdo e a

ANALAM. É verdade que, vez por outra, surgem

figuras tomadas pelo espírito (Carismáticas) em que

suas manifestações ultrapassam os limites de suas

cidades e nações, tal como aconteceu com Tereza de

Calcutá, Helder Câmara, Luther King, Oscar Romero,

Pe. João Schiavo e Francisco e tantos outros. Estas

são expressões extraordinárias, porém, omesmo

espírito suscita profecia no cotidiano das pessoas em

suas comunidades locais e nacionais.

Neste contexto podemos situar os leigos membros da Família de Murialdo que

inspirados no amor misericordioso de Deus, medita e reza esta verdade e ilustra-a com as

imagens de crianças e adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade pessoal e social,

ou seja, em situação de exclusão, de falta de oportunidades, de risco de perderem sentido da

vida, etc, e corre ao encontro delas enquanto grupo organizado.

Exercendo esta profecia, os Leigos Amigos de Murialdo têm a clara consciência

de não garantir para si só unanimidade, honra e aplausos. Terão muitas resistências e

contradições. Nada de novo. Assim aconteceu com os antigos profetas que, na maioria não

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morreram de velhice em suas camas e assim também aconteceu com os novos profetas da

Igreja de todos os tempos. Todos, porém, confiaram no Senhor que os tomaram pela mão,

dera-lhes uma missão e totalmente confiantes em Deus Pai, no seu Filho Jesus e pela força do

Espírito Santo foram ressuscitando esperanças.

3. DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

Apesar sabermos que aconteceu o Concílio Vaticano II, que várias Encíclicas de

cunho social foram emanadas pelos últimos papas desde Leão XIII, bem como de termos

acompanhado as Conferências dos Bispos Latino-Americanos e escutamos que a Conferência

Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) vem constantemente se pronunciando sobre as

questões sociais e políticas de nosso país, mesmo assim ainda persistem resistências em

alguns grupos de cristãos católicos quando vem à tona em ambientes da Igreja o tema de

ordem política, econômica e sobre a situação social dos pobres. Parece-lhes que estes sejam

assuntos alheios à agenda dos cristãos e da Igreja. Há preferência para assuntos menos

polêmicos e que envolvam mais o seu aspecto interno, como Liturgia, Sacramentos e pastorais

menos conflitivas, preferindo uma Igreja de sacristia.

Acreditamos que tal postura deve-se em parte ao desconhecimento da Doutrina

Social da Igreja e as suas concretas implicações. Por isso pensamos apresentar o tema aos

Leigos Amigos de Murialdo. Aliás, Murialdo viveu nos primórdios do nascimento do

Pensamento Social, como hoje é conhecido e foi seu intrépido divulgador.

Anteriormente colocamos as bases para se falar da Doutrina Social da Igreja, isto

é, ela existe como dom, como carisma e é a expressão profética da Igreja em assuntos tão

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caros aos profetas do Primeiro Testamento, a Jesus e aos seus seguidores, desde a Igreja

Primitiva.

Sobre este assunto, disseram os bispos da América Latina, reunidos em Puebla em

1979: “Se a Igreja se faz presente na defesa ou na promoção da dignidade do homem, o faz

na linha de sua missão, que, mesmo sendo de caráter religioso e não social ou político, não

pode deixar de considerar o homem na integridade de seu ser. O Senhor delineou na

parábola do bom samaritano o modelo da atenção a todas as necessidades humanas, e

declarou que, em última análise, se identificará com os deserdados – enfermos, encarce-

rados, famintos, solitários – a quem se tenha estendida a mão. A Igreja aprendeu nestas e

noutras páginas do Evangelho que sua missão evangelizadora possui como parte

indispensável a ação pela justiça, e as tarefas de promoção do homem e que entre

evangelização e promoção humana existem laços bem fortes de ordem antropológica,,

teológica e de caridade; de modo que 'a evangelização não seria completa se não se levasse

em conta a interpelação recíproca que no curso dos tempos se estabelece entre o Evangelho e

a vida concreta pessoal e social do homem'" (EN 29). Isto já seria suficiente para estimular o

conhecimento e a sua prática, se o argumento de autoridade fosse também necessário.

3.1 A Doutrina Social da Igreja na História

Os cristãos, coerentes com seu divino fundador, nunca deixaram de cuidar dos

pobres em diferentes momentos históricos e lugares. A Igreja dos Santos Padres era radical

em suas doutrinas sobre a relação com os pobres em confronto com as riquezas. Nestas fontes

originais a Igreja sempre foi beber e nela se inspira para formular a sua moderna doutrina.

Dando enorme salto na História, entremos na modernidade europeia para

contemplarmos o surgimento da industrialização e o advento de novas situações que

conduziram a massa popular a situações de inimagináveis pobreza e exploração. Com isso

surgiram inevitáveis conflitos. De um lado as forças do poder econômico (donos das

máquinas, do dinheiro e das terras), com seus aliados políticos e de outro, a massa de

trabalhadores também com seus apoiadores. Este conflito colocou dois movimentos frente a

frente: os liberalistas que desejavam manter as coisas como estavam, favorecendo os donos do

poder, isto é, os capitalistas e aqueles de ideal socialista que preconizavam uma nova

sociedade, onde meios de produção pertenceriam ao Estado, sendo que este, por sua vez,

estaria nas mãos dos trabalhadores. Isto dito de forma excessivamente simplificada.

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Neste cenário sobressaiu o filósofo e economista Karl Marx que, em parceria com

o filósofo Friedrich Engels, lançou em 1848 o chamado Manifesto Comunista, com várias

teses sobre a política e a economia e conclamando o operariado mundial à união contra as

forças capitalistas e burguesas. A publicação repercutiu de forma muito ampla em toda a

Europa. Editado em alemão, foi rapidamente traduzido para várias línguas. O documento

apontava o profundo conflito de classes que se estabelecera nas relações, isto é, entre a

burguesia e os trabalhadores.

Enquanto isso a Igreja oficial permanecia silenciosa, existindo, porém, cristãos leigos e

sacerdotes, entre eles Murialdo, que se ocupavam em reflexões e iniciativas para aproximar-se

da classe trabalhadora. Os grupos mais esclarecidos e os intelectuais, ainda que tivessem

origens católicas distanciavam-se da Igreja, aproximando-se das teses socialistas, não aceitas

por ela. Com isso afirmava-se que “a Igreja perdeu a classe operária”. Enfim, diante destas

“coisas novas” expressas no movimento cultural, político e econômico da modernidade,

configurado também na revolução industrial da Inglaterra que se alastrava para outros países

e é bom recordar também a Turim de Murialdo, berço da revolução industrial na Itália,

finalmente a Igreja oficial veio se manifestar. O Papa Leão XIII, em 15 de maio de 91,

lançou a Rerum novarum- Das coisas novas.

As reações foram imediatas. Para os mais

conservadores e alinhados ao pensamento

liberalista, “o Papa enlouqueceu”. Para os mais

progressistas, se assim pode-se dizer, a

encíclica era profética, mas tinha alguns

pontos questionáveis. O fato é que a Igreja

começou a tocar em assuntos que antes eram

“tabus”, como é o caso da propriedade

privada.

Não podendo comentá-la, afirmamos que, com a Rerum Novarum a Igreja

inaugura o seu Pensamento Social, a sua Doutrina Social. A partir daí os assuntos de ordem

política, econômica e social passam a fazer parte do seu acervo doutrinário.

Apresentamos agora uma das relações das Encíclicas Sociais que constituem,

junto com outros documentos, a Doutrina Social da Igreja.

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Rerum novarum As coisas novas 5/05/1891 Leão XIII

Quadragésimo anno Aos quarenta anos 1931 Pio XI

Mater et Magistra Igreja Mãe e Mestra 1961 João XXII

Pacem in Terris Paz na Terra 1963 João XXIII

Gaudium et Spes Vaticano II 1965 Paulo VI

Populorum Progressio

Octogésimo Advenians

Progresso dos povos

Oitenta anos Rerum N.

1967

1981

Pulo VI

Paulo VI

Laborem Exercens

Trabalho Humano 1981 João Paulo II

Solicitudo Reis socialis Solicitude social 1987 João Paulo II

Centesimus annus Centenário da Rerum N. 1991 João Paulo II

Caritas in Veritate Caridade e verdade 2009 Bento XVI

Laudato Si Louvado seja 2015 Francisco

O nome das encíclicas é dado pelas primeiras letras do documento original escrito em latim.

3.2 Conteúdo e destinatários da DSI

Tudo o que diz respeito aos homens e às mulheres, diz respeito à Igreja; tem

incidência sobre todo o povo de Deus em suas diferentes latitudes, tempos também nas tarefas

e missões, independente de raça, cor e religião. Quando um membro se alegra, todos se

alegram, quando um membro sofre, todos sofrem. A Igreja é chamada a ser experta em

humanidade.

Esta sua missão carismática e

profética procede de seu Divino

Fundador, realizador das promessas do

Pai que perpassa toda a Bíblia. Desta

forma, a dimensão social dos filhos e filhas

da Igreja, participantes da vida de Jesus,

está inscrita na sua constituição cristã, não

sendo possível dissociá-la, separá-la como

algo que não lhe diz respeito. Como Igreja

no mundo, haveremos de estar atentos e

dispostos a apresentar Jesus e suas

propostas nas discussões dos temas

complexos da sociedade contemporânea.

O surgimento de situações novas exigirá da Igreja sempre um repensar para

dizer, de forma compreensível, atual e mobilizadora a verdade do amor de Deus, para

cada pessoa e para as estruturas de hoje.

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Não podendo aqui desenvolver o conteúdo total da Doutrina social da Igreja,

elencamos os principais temas que, refletidos à luz da Palavra, da Tradição e do Magistério

deram origem à sua Doutrina Social e continuam mobilizando-a: trabalho, trabalhador, classes

sociais, dignidade humana, justiça e justiça social, ética, paz, propriedade privada,

desenvolvimento, progresso, liberdade, solidariedade, Ecologia, Meio ambiente, Ecologia

humana.

3.3 As fontes da Doutrina Social da Igreja

No mundo todo e em todos os tempos, homens e mulheres solidarizaram-se uns

com os outros por razões humanitárias, filantrópicas e até por questão ideológica. É nobre,

necessário e elogiável o que eles fizeram e fazem para ser solidários (um só- unir-se) com

seus iguais da raça humana, porque a empatia e o cuidado incitaram-lhes e incitam ainda a

agir gratuita e heroicamente, entregando a própria vida, se necessário for.

Outros grupos, e entre eles estamos nós, além das razões presentes no grupo

anterior, somos impelidos pela fé, que é força e luz interior da graça de Deus. Esta harmonia

entre razão e fé cristã, conduz-nos ao compromisso social. Dito de outra forma: somos

chamados a ver, julgar e agir na realidade com o olhar e os critérios de Jesus, com olhar

bíblico, amparados também pelo saber das ciências de hoje que a melhor explique sem

contradições com o Evangelho. De posse de um ver e de um julgar, parte-se então para um

agir coerente e corajoso. Também para esta etapa, a Igreja tem oferecido muitas sugestões de

propostas. Porém, fique claro que não necessariamente os cristãos e a Igreja na sua hierarquia

a apresentar alternativas técnicas novas e revolucionárias, o que pode também acontecer. Mas

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eles, com mentalidade nova, vão inserir-se em tantas iniciativas existentes para responder aos

desafios da sociedade.

As fontes onde a Igreja ilumina-se para formular a sua Doutrina Social

encontram-se:

a) Na Palavra de Deus: Nela aprende-se o grande amor e fidelidade de Deus para

com o seu povo, mesmo se pecador e obstinado no erro. Exemplos: Ex 2,24; Ex 3,7; Ex

20,20; Is 1,23; Ez 16, 49;Os 12,8; Am 2,6; Mq 2, 1; Am 5,21-24; Is 1,11-17; Jr 7, 4-7. Os

exemplos do NT encontramos nas citações feitas no tema da Profecia.

b) Nos Santos Padres da Igreja: chamamos de «Padres da Igreja» (Patrística)

aqueles grandes homens da Igreja, aproximadamente do século II ao século VII, que foram no

Oriente e no Ocidente como que «Pais» da Igreja, no sentido de que foram eles que firmaram

os conceitos da nossa fé, enfrentaram muitas heresias e, de certa forma foram responsáveis

pelo que chamamos hoje de Tradição da Igreja; sem dúvida, são a sua fonte mais rica. Certa

vez disse o Cardeal Henri de Lubac:

«Todas as vezes que, no Ocidente tem florescido alguma renovação, tanto na

ordem do pensamento como na ordem da vida – ambas estão sempre ligadas uma à outra –

tal renovação tem surgido sob o signo dos Padres.

Para eles a Igreja deverá ter uma predileção pelos pobres: não se deve fazer

distinção de pessoas, pelo contrário deve-se visitar os pobres antes de qualquer outro

(Clemente Romano). As viúvas, os órfãos e as pessoas pobres são as que devem ser atendidas

prioritariamente (Policarpo, Pastor de Hermas ) Dever-se-ia antes vender as joias e riquezas

da Igreja para atender aos pobres porque assim se tornariam ouro útil, ouro de Cristo

(Ambrósio).

Amar os ricos é adverti-los do perigo das

riquezas: antes de adorar a estátua de ouro é

preferível cair na pobreza (Crisóstomo). A

riqueza provém da exploração do alheio

(Teodoro de Ciro). As riquezas fecham o

coração para a fraternidade e trazem outros

males (Crisóstomo); o dinheiro é o princípio

de todos os males (Policarpo); a riqueza exige

o sofrimento do pobre (Zenão de Verona); não

é o acaso que faz ricos e pobres mas é a rapina

e a acumulação de riquezas (Crisóstmo) .

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Ante aos males sociais a resposta cristã deve ser regida por estes princípios:

a) Não somos donos, mas administradores dos bens (Crióstomo, Basílio, Astério

Leão Magno).

b) Todos os bens da criação destinam-se a todos os homens (consenso bastante

claro entre padres gregos e latinos).

c) O homem tem uma natureza social, é chamado a viver em comunidade

(Basílio, Lactâncio e Agostinho).

d) Todos os homens temos igualdades básicas (Nazianzeno, Crióstomo,

Ambrósio, Nisseno e Lactâncio).

e) A propriedade privada sem solidariedade e respeito pelo destino universal de

todos os bens para todos os homens é fonte de egoísmos, divisões e

exploração (Didaquê, Tertuliano, Lactâncio, Basílio, Nisseno, Crisóstomo,

Ambrósio, Astério e Zenão de Verona).

f) A participação dos bens é uma exigência de justiça para cumprir o destino dos

bens criados. Quem não remedeia a fome é um homicida (Crióstomo); alguns

ajudam um pobre e empobrecem cem (Ambrósio); quando se dá esmola se

devolve ao pobre o que lhe pertence, é, portanto obra de justiça (Crisóstomo,

Ambrósio); a misericórdia com o pobre é justiça (Agostinho).

4. PROFECIA, CARIASMA, DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA

VIVIDOS PELO BEATO PE. JOÃO SCHIAVO.

Quando se fala de um santo, normalmente, de imediato, se pensa numa pessoa um

tanto diferente das outras pessoas. Imagina-se que foi e é alguém que tem grandes poderes,

que está um tanto separado das pessoas, que não tem grandes problemas e que até é

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importante ficar um pouco longe. Santo tem cheiro de velas, de estátuas, procissões. Assim é

a nossa imaginação.

O que eu quero mostrar nestas simples considerações é a figura do Pe. João

Schiavo, como uma pessoa comum, entre tantas pessoas, ciente de seu papel na sociedade, fiel

a seus compromissos, amigo de Deus e dos homens. Quereria com propriedade qualificá-lo,

como uma pessoa extraordinária no ordinário, apropriando-me das palavras pronunciadas pelo

Papa Paulo VI, em relação a Murialdo, no dia de sua canonização.

Vamos seguir alguns passos da vida deste sacerdote que viveu brilhantemente sua

vocação aqui, em nossa realidade, marcando as diferentes dimensões e ações de uma

congregação religiosa e da igreja local. Uma vida que podia simplesmente ser consumida,

dentro dos limites da congregação, mas que, qual perfume agradável, se espalhou e perfumou

a vida de milhares de pessoas de todas as classes sociais.

4.1 Um pouco de história

A Congregação de São José, Josefinos de Murialdo, teve seu ato de fundação no

dia 19 de março de 1873, por São Leonardo Murialdo, na cidade de Turim, Itália. Os

Josefinos de Murialdo chegaram ao Brasil em 1915, iniciando atividades em Jaguarão e outras

localidades do sul da fronteira gaúcha. Na região de Caxias do Sul, mais precisamente na

então Vila de Ana Rech, os Josefinos chegaram em 1928.

Foi em Ana Rech que, em 25 de novembro de 1931, chegou, vindo da Itália, o Pe.

João Schiavo, ordenado padre apenas quatro anos antes, em 1927.

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Pe. João Schiavo queria ser missionário no Equador, doando toda a vida para a

evangelização dos povos equatorianos. Mas a Providência quis que viesse para o Brasil, pois

aqui precisava de um bom coração para educar outros orações no seguimento de Jesus Cristo.

De fato, já nos primeiros anos de Brasil, coube ao Pe. João Schiavo a formação

dos josefinos, desde 1932. O entusiasmo do Pe. João Schiavo encontrou receptividade em

outros corações, porque, desde a formação dele, desde os tempos vividos no seminário de

Montecchio Maggiore, a prioridade era para Deus. Percorrendo um pouco os passos de sua

infância, dos estudos, a preparação para o sacerdócio, percebe-se uma grande paixão pelo

Senhor. Naturalmente, além da graça de Deus que atuou nele em abundância, foi marcado

pelos princípios cristãos recebidos na família, através dos pais, do ambiente eclesial da época.

4.2 O coração missionário

Pe. João Schiavo faz parte da assim chamada primeira geração dos josefinos de

Murialdo. Ele solicitou ao Pe. Eugênio Reffo, co-fundador da Congregação de S. José, a graça

de ser acolhido na Congregação. Recebeu o hábito religioso, a batina, no ingresso do

noviciado do próprio Pe. Reffo. Portanto, Pe. João Schiavo hauriu das fontes genuínas e

primeiras da Congregação no que concerne o carisma, a espiritualidade e a paixão pela

missão.

Pe. João Schiavo sente o desejo de ser missionário ad gentes. Coloca-se à

disposição dos superiores e aguarda. A graça acontece em 4 de junho de 1931, Festa do Corpo

de Deus. Assim ele escreve: “Fui escolhido para a missão do Brasil. Graças a Deus.

Coração de Jesus seja feita a tua vontade. Ó Jesus, amantíssimo, por teu amor, renovo o

sacrifício da separação de meus pais, das minhas irmãs, do meu irmão, da minha pátria, do

meu colégio, dos meus confrades. Faze de mim o que quiseres”.

A separação foi dolorosa, mas se o grão de trigo não morrer, não dá fruto. Partiu

em 4 de julho de 1931.

4.3 Fontes de Espiritualidade

Nada consta que Pe. João Schiavo tenha frequentado escolas especiais de

espiritualidade a não ser as tradicionais oferecidas pela cultura familiar, devoções populares,

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sacramentos, romarias, novenas, ações práticas de caridade. Além destas, as devoções

aprendidas na Congregação e nos retiros anuais.

Padre jovem, escreve em seu diário espiritual: “Jesus! Com infinita generosidade,

eis-me aqui para ti. Eis para ti, uma página em branco para escrever o que quiseres. Estou

preparado; preparado está meu coração.” (Diário 22.07.1930). “Amor meu, como usarei as

infinitas criaturas com que enfeitaste o céu, a terra e meu corpo? Jesus! Só para te glorificar,

anunciando, respeitando, amando e reconhecendo-te em tudo” (Diário 23.07.1930).

Em muitas páginas de seu diário espiritual estão escritas e revistas mais vezes, as

sínteses dos retiros espirituais feitas como propósitos:

“Minha alma é uma águia, que, livre voa para Deus. Muitas vezes porém, está

amarrada a uma corda e cai, vítima da tentação:

Um fio de ouro, segura a gente: dinheiro, coisas.

Um fio de seda: amor próprio, estima pessoal, soberba.

Um cabelo: paixões humanas, apego às criaturas.

Para me tornar santo, devo desapegar-me destes fios e usar os meios para levantar voo

novamente”.

Em 1938 encontramos em seu diário:

“Quero ser santo pela glória de Jesus, Maria e José.

Quero ser santo pela salvação das almas.

Quero ser santo pelo triunfo do papa e dos mártires da santa fé.

Quero ser santo pela humilhação de Satanás.

Senhor, torna-me logo santo-missionário-mártir”

Falando especificamente do educador escreve para si:

“Quem sabe amar está no caminho de curar qualquer neurose. Em mim, sacerdote e

educador, todas as pessoas encontrem o pai, o mestre, o guia, o amigo de como os filhos de

Deus precisam de amor e amparo”.

São páginas e páginas onde reforça diuturnamente sua adesão a Cristo e a entrega

total à sua Vontade. Vive uma grande paixão pela Eucaristia e tem imensa devoção à Nossa

Senhora.

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4.4 Manifestação da Espiritualidade: Pessoal – eclesial – social

A espiritualidade de Pe. João Schiavo era

visível não apenas nos momentos de

oração, frequentes e longos, de

contemplação diante do Santíssimo

Sacramento e na celebração da Eucaristia,

mas também no falar, onde com facilidade

recordava a presença de Deus num gesto de

louvor, de ação de graças. Sendo um

homem apaixonado por Deus, não tinha

nenhum receio em convidar as pessoas com

quem se encontrava, a rezar para pedir uma

graça, uma força de Deus.

Na dimensão eclesial, Pe. João mostrava sua espiritualidade em atender com

solicitude os pedidos das pessoas de qualquer categoria social. Com muito zelo atendia as

pessoas em confissão, no aconselhamento e na orientação espiritual. Dedicava horas e horas

em atender espiritualmente os seminaristas, os confrades e, sobretudo, pessoas doentes e

problemáticas. Para todos dava o tempo necessário, a fim de que cada pessoa pudesse se sentir

feliz. Era comum ouvir dizer das pessoas por ele atendidas que tinham a impressão de ter

falado com um santo, até com Deus. Era muito solicitado para a pregação de retiros espirituais

especialmente entre o clero e sobretudo entre religiosas. Mas também tinha tempo para longas

conversas com pessoas de destaque na sociedade como médicos, professores, políticos, mas

sempre com predileção para os mais pobres. Seus diálogos com os Bispos da época eram

frequentes, familiares, respeitosos e prontos a qualquer forma de obediência se assim a

circunstância o exigisse.

Pe. João Schiavo sabia ser um presente de Deus para todas as pessoas, com sua

humildade, simplicidade, e o tradicional sorriso que o acompanhava sempre. Pode-se afirmar

que ele foi transformando a sociedade com suas atitudes. O fermento na massa, a luz que

brilha nas trevas de cada coração. Parece não ter sido um cientista social, que atentamente

analisa a sociedade em suas manifestações complexas e propõe saídas. Ao Pe. João Schiavo

interessava manifestar o amor misericordioso de Deus, dizer a verdade, batalhar pela sã

justiça e criar sempre um mundo de paz. Eis a concretização do Reino de Deus.

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4.5 Espiritualidade e Mística

Trabalhava muito durante o dia e rezava bastante à noite. Rezava nas viagens.-

Oração e ação. Fazia o planejamento espiritual anual a partir do retiro. Vivia e pregava a

modéstia, sacrifícios, penitências. Tinha grande Paixão pela Eucaristia. Devoção a Nossa

Senhora.

A personalidade do Pe. João Schiavo estava forjada sobre os tradicionais alicerces

da cultura do tempo. Escutar os mestres do tempo, acolher tudo com humildade, procurar

viver a atitude de discípulo, buscando inovar para o melhor. A personalidade, ou a formação

do caráter como se dizia uma vez, iniciou na família, com os sólidos princípios cristãos,

continuou no período de estudos e se fortificou nos desafios que teve de enfrentar diante das

responsabilidades recebidas aqui no Brasil, imediatamente após a sua chegada. Ainda não

dominando bem a língua, mas com as atitudes diárias, foi manifestando aquela grandeza dos

pioneiros na constituição de uma instituição de pessoas congregadas para implantar o reino de

Deus.

Pe.João Schiavo com as crianças da primeira comunhão em Galópolis, 1937.

O que destaca a personalidade do Pe. João Schiavo, imitando Murialdo era a sua

ação e presença nos diversos setores e atividades de cada obra. Além de dedicar-se com

seriedade à formação dos Noviços, se preocupava com finanças, construções de novas obras,

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atenção à saúde dos confrades, preocupação com as crises dos confrades. É uma ação e

preocupação holística.

Através das correspondências enviadas ao superior provincial percebe-se a

intuição que tem em dar responsabilidade aos confrades, ainda que jovens, mas capazes de

ajudar os outros. Sabia ver em cada um as potencialidades que tinha e os convocava à ação

educativa, pastoral, social. Uma verdadeira cultura murialdina. Ele viveu sua espiritualidade,

não apenas no rezar, mas sobretudo, no ser, no estar próximo. Aliás, esta foi uma das

características do Pe. João Schiavo, formar mais pela presença e exemplos do que por longos

tratados teóricos, que aliás não tinha, porque a urgência da missão não lhe permitiu grandes

tempos de estudos e aprofundamentos.

Tem a ternura de uma mãe, mas a firmeza de um pai que sabe ponderar e indicar

as limitações que devem ser superadas, para de verdade ser um autêntico discípulo do Senhor,

como Josefino de Murialdo.

Nota-se como o Espírito de Deus agia nele, pois tinha total confiança na

Providência de Deus.

Encantava como, com suas atitudes, diríamos, com sua personalidade,

rapidamente impressionava pessoas de todas as classes. Desde o povo mais simples que após

uma missa rezada por ele diziam: “Mas este padre é um santo”, como também o prazer de

estar e conversar com ele por parte de autoridades eclesiásticas, sobretudo bispos, civis,

políticos, médicos da sociedade de então.

Com rapidez e desenvoltura procurava as autoridades, prefeitos, políticos,

secretários da educação para avançar nos projetos que deviam surgir e se concretizar para o

bem dos jovens mais necessitados.

4.6 Pe. João Educador

Pe. João foi um grande educador. Esteve presente nos primeiros anos da

Fundação do Colégio Murialdo de Ana Rech, e no mesmo colégio foi o fundador da Escola

Normal Rural, famosa na formação de professores Rurais, durante 30 anos. Ali se formaram

800 professores Normais Rurais que se dedicaram à formação de milhares de jovens,

sobretudo nas fronteiras do Rio Grande do Sul e também de outros estados.

Para dar segurança aos jovens, seguindo as orientações de São Leonardo

Murialdo, iniciou em 1940 a construção do seminário de Fazenda Souza por onde passaram

mais de 1500 seminaristas e duas centenas deles se tornaram religiosos e sacerdotes.

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No compromisso com os pobres e abandonados, em 1947 deu início às atividades

no Abrigo de Menores São José, em Caxias do Sul, hoje Centro Técnico Social, Colégio

Paulo VI e Faculdade Murialdo.

Porém, não permaneceu apenas entre os conterrâneos italianos em cima da serra.

Diante da solicitação do Bispo de Pelotas, assumiu um orfanato para os pobres naquela

cidade. Aceitou ainda o desafio de abrir outro estabelecimento de atenção às crianças e

adolescentes pobres em Rio Grande. Em 1954, como Provincial, deu início à Obra São José

de Murialdo em Porto Alegre, hoje Colégio Murialdo, a Obra Social Murialdo e Santuário

São José de Murialdo. Antes de concluir seu mandato de provincial, iniciado em 1946 e

concluído em 1955, aceitou mais um desafio na educação. Assumiu o Colégio Mãe dos

Homens em Araranguá, no estado de Santa Catarina.

Acalentava profundamente o sonho de expansão em outros estados do centro e

norte do Brasil, especialmente nas periferias mais carentes das Capitais.

4.7 Depoimentos de pessoas que viveram dia a dia com Pe. João Schiavo

Pe. Armando Pietrobelli:

“No Seminário de Fazenda Souza passei dias felizes com o Pe. João Schiavo, um

homem não apenas santo no sentido devocional, de oração, mas na compreensão que tinha da

nossa juventude, de nossa necessidade de lazer. Ele gostava muito de passeios, especialmente

no campo. Em 19 de março de 1943 iniciei o noviciado tendo como mestre o Pe. João

Schiavo. Antes o admirava, agora muito mais. Sabia dosar a parte espiritual e humana. Ele

vivia continuamente a união com Deus, na oração e na alegria do lazer. No primeiro passeio

fomos para Água Azul e almoçamos no topo do Morro Grande.

Pe. João Schiavo lá do alto elevava seu louvor à Trindade com emoção e alegria.

O centro de sua devoção era a Eucaristia. Pe. João Schiavo estava presente em nossa vida, até

em situações diferentes do rezar, estudar, fazer apostolado, como por exemplo nos

acompanhando nas lidas do campo. Numa destas lidas, na mangueira, tive que dar uma laçada

e me sai bem. Embora, como clérigo isto fosse um tanto estranho, Pe. João Schiavo me

aplaudiu e me deu um abraço. Em Fazenda Souza trabalhamos muito para criar um pequeno

campo de futebol. Pe. João Schiavo assistia nossas peladas. Depois dos jogos, Pe. João

Schiavo, comentava conosco a partida e até uma dia disse: “Não sei se não vou comprar

também eu um par de chuteiras para jogar na extrema esquerda”.

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Sr. Aldo Comerlato:

“Lembro que quando o Pe. João Schiavo fazia o sermão, fechava os olhos.

Perguntei à minha mãe, porque ele fecha os olhos no sermão. Ela me disse: ‘porque é um

santo’. Era muito estimado por todos”.

Professor Mário Gardelin:

“Desde a infância eu sofria de uma certa insônia, com sonhos terríveis. Lutei

muito para me libertar, mas as coisas continuavam ano após ano. Contei isto ao Pe. João

Schiavo. Com um sorrisinho ele me disse que a partir daquela noite não iria acontecer mais

nada. E assim aconteceu. Uma mudança radical em minha vida, um milagre”.

Dr. Clemente Barreto:

“Eu era noviço, tendo Pe. João Schiavo como mestre. Depois de alguns meses de

noviciado entendi que não era aquela a vida que procurava. Falei com o Pe. João Schiavo que

se mostrou surpreso, mas ao longo de alguns meses, com a prudência que lhe era

característica, concordou que eu deixasse o Noviciado. Um homem sábio nos conselhos e

amável nas decisões”.

4.8. Irmãs Murialdinas

Embora com pouca idade, depois de tantos

anos de trabalho na organização da

Província religiosa e findando o período de

Superior Provincial, pensava num certo

descanso, pois também nunca foi de saúde

muito forte, sendo diagnosticado desde

1934 com problema cardíaco sério. Assim

não aconteceu. Quando o espírito de Deus

mora num coração as novidades acontecem

inesperadamente e mesmo diariamente. Eis

o Pe. João a dedicar-se ao um grupo de

jovens moças que queriam consagrar-se

como religiosas.

Havia, na serra gaúcha, muitas congregações femininas; as moças podiam ser

endereçadas a estas, mas Pe. João lembrou-se de que na Itália estava iniciando a

“Congregação das Irmãs Murialdians de São José”, pelo Pe. Luigi Casaril, em 1954, a pedido

do Venerável Pe. Eugênio Reffo, com elas iniciou à congregação em 1954, sendo assim

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considerado o iniciador e formador das Irmãs Murialdinas no Brasil. Na organização desta

congregação dedicou os últimos 11 anos de sua vida. Continuando sua ação de educador,

fundou com as irmãs duas escolas para pessoas mais pobres: uma em Fazenda Souza e uma

outra em Caxias do Sul. Pe. João faleceu em 1967, com apenas 64 anos, com fama de

santidade na boca de todo o povo.

Foi sepultado no terreno das Irmãs Murialdinas, em Fazenda Souza por sugestão

do Bispo diocesano Dom Benedito Zorzi. No túmulo está escrita a síntese de sua vida: “Pai

eu sempre quis fazer a tua vontade”. Desde o dia do falecimento, as visitas ao túmulo do Pe.

João, para pedir graças, foram ininterruptas.

As Irmãs Murialdinas de São José tem como carisma o mesmo que o Murialdo

confiou aos Josefinos: educação da juventude pobre e abandonada com especial atendimento

às famílias em suas necessidades.

O Processo para a Beatificação do Pe. João Schiavo foi iniciado pelo Bispo

diocesano, Dom Paulo Moretto, em 2001. Tudo procedeu rapidamente, pois a fama de

santidade e as graças alcançadas foram e continuam sendo inúmeras. Uma cura milagrosa

aconteceu para um senhor, morador de Caxias do Sul, em 1997, o Sr. Juvelino Cara.

Diagnosticado com Isquemia Intestinal Mesentérica Venosa, foi milagrosamente curado pela

intercessão de Pe. João Schiavo. O médico Dr. Ademir Cadore declarou que diante do quadro

em que encontrou o paciente não havia nada a fazer a não ser esperar o óbito. Na cura

instantânea só pode ter havido a mão de Deus. (Atestado 03/10/1998)

Pe. João de Servo de Deus passou a ser Venerável em dezembro 2015 e

reconhecido o milagre em 2016, será declarado Beato pela Igreja Católica, em Caxias do Sul

no dia 28 de outubro de 2017, com a presença do representante do Papa, Cardeal Ângelo

Amato .

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4.9 Conclusão

Assim são os santos. Passam pelo mundo iluminando a realidade e impregnando a

sociedade com valores, que tem sua origem em Deus. Normalmente eles não usam estratégias

especiais, conhecimentos altamente científicos. Vivem a vida com naturalidade, apenas

seguindo as orientações de um coração conduzido por Deus. A ciência e sabedoria brotam de

um coração entregue a Deus, o qual escreve seu plano de amor, numa folha em branco, isto é,

num coração todo entregue a Ele. Sabem dar respostas às realidades do seu tempo, sem

grandes análises da realidade, onde normalmente são considerados inúmeros problemas que

criam indignação com poucas soluções. Pe. João Schiavo foi um destes transformadores da

sociedade, não pelas grandes teorias ou análises, mas pelas suas atitudes de viver segundo as

indicações do Evangelho. No meio de um mundo em transformação o santo é sempre o sinal

luminoso, o coração acolhedor, o caminho seguro para Deus e para a harmonia com os

irmãos. Realmente concretizam em suas vidas, como no caso do Pe. João, o que dizia um

padre da igreja antiga: “Quem um dia se encantou pelo Reino, não tem mais direito de

descansar”.

O caminho iluminado, as pegadas bem visíveis de uma vida totalmente dedicada

ao Reino de Deus, a água viva que dá novo vigor no caminho, a indicação certa de que a

felicidade está em amar a Deus e ao próximo, tudo isto é a herança que o Pe. João nos deixou.

Não fosse assim, não estariam acorrendo milhares de pessoas ao seu túmulo para contar com

sua intercessão junto a Deus. Como Pe. João Schiavo foi tão próximo das pessoas em vida,

continua sendo bem próximo agora depois de 50 anos de sua partida para junto de Deus. Nós

que vivemos com ele em vida, o sentimos muito próximo, porque os ensinamentos de sua vida

nos provocam a sermos simples, humildes, obedientes, amantes de Deus, das pessoas e de

todo o universo criado por Deus. Ele viveu e nos mostrou um caminho de santidade ao

alcance de todos. Como Murialdo, Pe. João Schiavo soube aceitar as limitações, sobretudo na

saúde, pois esteve em perigo de vida diversas vezes, para deixar a Deus realizar o milagre da

força, do vigor, da esperança, do trabalho de dia e de noite, onde se encontram as fraquezas

pessoais e das pessoas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nós, Leigos Amigos de Murialdo, precisamos estar sempre

nos renovando na Fé, no Carisma, na Profecia para termos claro as

Doutrinas Sociais da igreja e seguirmos a nossa missão de acolher a

criança, o adolescente e o jovem em situação de risco, de vulnerabilidade pessoal e social, ou

seja, em situação de exclusão, de falta de oportunidades, de sonhos.

Por isso é muito importante que estes Subsídios produzidos pelo Conselho

Formativo da ANALAM cheguem nas reuniões, nos momentos de formação, nos retiros

espirituais, nos congressos regionais e nacionais para o crescimento espiritual de cada

membro e de cada associação.

Quando falamos de Murialdo, falamos de Carisma, o dom recebido de Deus de

amar o pobre, o menos favorecido, herdado por nós leigos. Quem dera nos aproximarmos do

grande amor a Deus vivido por ele, demonstrado em toda sua existência através de ações

concretas.

Também o Padre João Schiavo foi uma pessoa comum, simples, que fez do

ordinário o extraordinário e se tornou um santo da igreja, recebeu o dom da graça do Amor

misericordioso de Deus. “Quem sabe amar está no caminho de curar qualquer neurose. Em

mim, sacerdote e educador, todas as pessoas encontram o pai, o mestre, o guia, o amigo de

como os filhos de Deus precisam de amor e amparo” Como se pode ver ele trazia consigo um

amor incondicional.

Nós, Leigos Amigos de Murialdo, recebemos a missão da profecia, de levar a

palavra de Deus onde estivermos, principalmente com os mais jovens, ajudando-os a manter-

se perseverantes no bem. Eles devem ser nossa prioridade absoluta.

Pertencemos a Família de Murialdo e a igreja católica, e esta sempre esteve ao

lado do menos favorecido com sua Doutrina social, solidarizando-se uns com os outros.

Continuemos nossa missão com alegria, pois recebemos o chamado e como

disse Pe. João Schiavo “ Pai, eu sempre quis fazer a Tua vontade.”

Carmelita Masiero Fontanella

Presidente da ANALAM

Gestão 2016/2019

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Síntese elaborada pelos padres do Conselho Formativo:

Pe. Geraldo Boniatti, Josefino de Murialdo, atualmente mestre de noviços da

congregação no Brasil. Licenciado em filosofia (Viamão- RS), Bacharel em Sociologia

(PUCRS), Bacharel em Teologia (Pontifício Ateneu Anselmiano – Roma), Especialista em

Gestão de Pessoas (Pitágoras- Kroton, MG).

Pe. Antônio Lauri de Souza - Licenciado em Filosofia. Provincial dos Josefinos

de Murialdo

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Título: Carisma, Profecia, Doutrina Social da Igreja

Subsídio para os Congressos Regionais de 2017

Elaboração: Conselho Formativo

Responsável Técnico: Ivonete Frasson Cesário - LP nº 646/84

Site: www.professoraivonete.com.br

Diagramação: Diretoria da ANALAM

Responsabilidade: Diretoria da ANALAM

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Associação Nacional dos Leigos Amigos de Murialdo

Av. 7 de Setembro, 2364 - Centro

88900-110 - Araranguá - SC

www.analam.com.br

Fone: (48) 3524-0356/ 3522-0273