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CONTRIBUIÇÕES DA MODELAGEM VIRTUAL 3D PARA O ENSINO DE GEOMETRIA DESCRITIVA Cláudio César Pinto Soares UFRJ EBA, Departamento de Técnicas de Representação [email protected] Alvaro José Rodrigues de Lima UFRJ EBA, Departamento de Técnicas de Representação [email protected] Resumo Este trabalho compara a resolução de alguns problemas clássicos de Geometria Descritiva (G.D.), pelo processo tradicional e pela modelagem virtual em 3D. O objetivo principal não é ensinar a resolver problemas deste tipo usando o computador e sim identificar as diferenças de raciocínio e de ações quando trabalhamos num ou noutro processo. No método tradicional, este raciocínio é focado na questão das projeções do evento geométrico sobre planos ortogonais e/ou auxiliares. Já no método de modelagem virtual em 3D, nos concentramos em reconstruir espacialmente o evento geométrico com sólidos virtuais. Isso permite que uma solução simples do problema aconteça naturalmente em consequência da visualização direta do evento geométrico (interseção, rebatimento, planificação, etc.). A identificação das diferenças na natureza das ações pode auxiliar na seleção dos conceitos básicos de G.D. que devam ser mantidos, excluídos ou alterados. Isso pode ser útil na adequação dos currículos aos tempos e necessidades atuais. Palavras-chave: Computação Gráfica, Geometria Descritiva, Desenho. Abstract This paper compares the solution of some classical problems in Descriptive Geometry (DG), by the traditional process or the virtual 3D modeling. The main goal is not to teach how to solve such problems using the computer, but rather identify the differences in thinking and actions when working in both processes. In the traditional method, this thinking is focused on the projections of the geometric event on orthogonal and/or secondary planes. On the other hand, in the virtual 3D modeling, the focus is on spatially reconstruction of the geometric events with virtual solids. This allows that an ordinary solution emerge as consequence of the direct visualization of the geometric event. The identification of the differences in thinking can aid the selection of the basic concepts of the DG that should be maintained,

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CONTRIBUIÇÕES DA MODELAGEM VIRTUAL 3D PARA O

ENSINO DE GEOMETRIA DESCRITIVA

Cláudio César Pinto Soares UFRJ – EBA, Departamento de Técnicas de Representação

[email protected]

Alvaro José Rodrigues de Lima UFRJ – EBA, Departamento de Técnicas de Representação

[email protected]

Resumo

Este trabalho compara a resolução de alguns problemas clássicos de Geometria Descritiva (G.D.), pelo processo tradicional e pela modelagem virtual em 3D. O objetivo principal não é ensinar a resolver problemas deste tipo usando o computador e sim identificar as diferenças de raciocínio e de ações quando trabalhamos num ou noutro processo. No método tradicional, este raciocínio é focado na questão das projeções do evento geométrico sobre planos ortogonais e/ou auxiliares. Já no método de modelagem virtual em 3D, nos concentramos em reconstruir espacialmente o evento geométrico com sólidos virtuais. Isso permite que uma solução simples do problema aconteça naturalmente em consequência da visualização direta do evento geométrico (interseção, rebatimento, planificação, etc.). A identificação das diferenças na natureza das ações pode auxiliar na seleção dos conceitos básicos de G.D. que devam ser mantidos, excluídos ou alterados. Isso pode ser útil na adequação dos currículos aos tempos e necessidades atuais. Palavras-chave: Computação Gráfica, Geometria Descritiva, Desenho.

Abstract

This paper compares the solution of some classical problems in Descriptive Geometry (DG), by the traditional process or the virtual 3D modeling. The main goal is not to teach how to solve such problems using the computer, but rather identify the differences in thinking and actions when working in both processes. In the traditional method, this thinking is focused on the projections of the geometric event on orthogonal and/or secondary planes. On the other hand, in the virtual 3D modeling, the focus is on spatially reconstruction of the geometric events with virtual solids. This allows that an ordinary solution emerge as consequence of the direct visualization of the geometric event. The identification of the differences in thinking can aid the selection of the basic concepts of the DG that should be maintained,

removed or altered. This would be necessary in order to adequate the curricula to the current times and needs. Keywords: Computer Graphics, Geometry Descriptive, Drawing.

1 Introdução

Muito se tem discutido, nos fóruns especializados, sobre a real importância do ensino

de G.D. nos diversos níveis de formação. Depoimentos e discussões acaloradas são

frequentes e passionais, impedindo uma visão clara do suposto “embate” entre a

corrente que defende o fim da G.D. e a que resiste radicalmente às mudanças.

Para esclarecer este embate muitas pesquisas de opinião, quantitativas e/ou

qualitativas, têm sido realizadas. Entretanto, pode-se observar que grande parte delas

incide no equívoco de aplicar questionários e entrevistas em grupos que podem ser

caracterizados como amostragens suspeitas, parciais. Como opinar com isenção

sobre o que não se conhece? É preciso, no mínimo, ter alguma vivência nos dois

ambientes (o do papel e lápis e o do computador) para se manifestar com segurança

sobre o assunto. Os pesquisadores precisam buscar depoimentos mais confiáveis

naqueles que viveram o melhor e o pior destes dois mundos. O bom senso indica,

entretanto, que estas duas correntes não precisam ser antagônicas e devem, isto sim,

interagir e se integrar, aproveitando o que cada sistema tem de bom. Segundo Croft

(1997, p.1) nos lembra, “Com o advento do CAD, os conceitos de geometria descritiva

não mudaram; no entanto, o processo através do qual obtemos o resultado mudou”.

Esta mudança no processo se dá com o advento da Computação Gráfica 3D onde

softwares como o pioneiro AutoCAD (mais conhecido como um programa genérico

para Desenho Geométrico e Desenho Técnico), e alguns mais recentes como o

Rhinoceros e o Solid Works por exemplo, revelam-se excelentes “solucionadores” de

problemas de Geometria Descritiva, como apontam Rohleder e Speck (2000).

Entretanto, para melhor entender os conceitos e os processos aos quais se refere

Croft, é preciso resgatar um pouco da história da G.D. e lembrar das razões que

justificam a sua existência.

2 Um breve histórico

Segundo Ulbricht (1998), Gaspard Monge definia a Geometria Descritiva como uma

ciência que permitia representar sobre um plano as figuras do espaço, de modo a

poder resolver, com o auxílio da geometria plana, os problemas em que se consideram

as três dimensões. A G.D. se tornou então a forma mais adequada para a resolução

de problemas como a construção de vistas, a obtenção das verdadeiras grandezas de

faces e dimensões dos objetos, etc. Todas as técnicas mongeanas foram

generalizadas num sistema chamado Geometria Descritiva ou Sistema De Projeções

Ortogonais, no seu tratado Geometrie Descriptive de 1795. O objetivo da G.D. é, nas

palavras de Monge, "Representar com exatidão, sobre desenhos que só tem duas

dimensões, os objetos que na realidade têm três e que são susceptíveis de uma

definição rigorosa". (TATON, 1960), (GAMA, 1986).

É justo reconhecer que sem a Geometria Descritiva, a engenharia e a tecnologia

não teriam progredido tanto no século XX. Entretanto, eis que ao longo deste mesmo

século XX, a industrialização intensa, a produção acelerada de bens de consumo, o

aparecimento de novos materiais e novas técnicas de fabricação e a crescente

demanda por produtos ergonômicos, bonitos e funcionais, alteraram profundamente a

morfologia dos objetos mais comuns, caracterizados modernamente por formas

orgânicas, moldadas, aerodinâmicas, etc. (SOARES, 2005).

Neste novo universo de necessidades, revela-se a grande dificuldade do Desenho

Técnico, que é a expressão aplicada da G.D., em representar fidedignamente a

complexidade das novas formas pelos métodos tradicionais. É neste ponto que, aliada

à evolução dos recursos computacionais, a demanda por meios mais eficientes e

precisos de expressão gráfica oferece o ambiente ideal para o aparecimento da

Computação Gráfica (C.G.). Esta, com sua notação matemática precisa e alguns

novos recursos (câmera ou ponto de vista, por exemplo) colocam em xeque a

tradicional Geometria Descritiva e consequentemente, seu ensino. Por que recorrer a

artifícios de desenhos bidimensionais quando se pode trabalhar diretamente no

espaço virtual 3D, similar ao da nossa realidade física? Diante destas novas

possibilidades, estabeleceram-se duas correntes: a que defende simplesmente o fim

da G.D. e a primazia da modelagem 3D e a que resiste às mudanças colocando a

G.D. num patamar inatacável, menosprezando os benefícios do auxilio computacional.

Visando contribuir de forma mais concreta para esclarecer a tensão entre estes

dois pontos de vista, decidimos comparar os dois métodos em dois exercícios

clássicos sobre seções cônicas na G.D.

3 A construção de seções cônicas

O estudo das seções cônicas, conhecimento que remonta à Antiguidade Clássica, hoje

é justificado pelas inúmeras aplicações seja na Arquitetura, Astronomia, Ótica ou

Acústica (PRADO et al, 2005). Rodrigues (1964) em sua obra de referência obrigatória

de Geometria Descritiva, atribui a Apollonius de Perga os primeiros estudos sobre as

seções cônicas, inclusive a autoria da nomenclatura “elipse”, “parábola” e “hipérbole”.

Teorema de Apolonius - A seção feita num cone circular por um plano qualquer é uma elipse, uma parábola ou uma hipérbole, segundo o plano secante faz com o eixo do cone um ângulo superior, igual ou inferior ao semi-ângulo no vértice do cone (RODRIGUES, 1964, p. 108).

A representação gráfica dessas superfícies, realizadas com o instrumental

tradicional de desenho (régua, compasso e esquadros) segue o princípio geral da

utilização de planos auxiliares perpendiculares aos eixos de revolução da superfície

cônica. Eventualmente é necessário recorrer à chamada reta de máximo declive do

plano secante para determinar pontos importantes da seção. Noutras situações, o

recurso da terceira vista lateral em épura pode auxiliar na resolução gráfica de

problemas de seções cônicas. No portal de Geometria Descritiva da Escola de Belas

Artes da UFRJ (www.eba.ufrj.br/gd) encontram-se animações que simulam a

construção de diversas superfícies (incluindo as seções cônicas), destinadas ao

ensino dessa disciplina (LIMA et al, 2007).

Para este estudo de caso, selecionamos dois problemas clássicos de G.D. O

primeiro trata da construção de uma seção cônica parabólica produzida por um plano

de topo; o segundo é sobre a construção de uma seção cônica hiperbólica produzida

por um plano frontal.

3.1 Seção cônica parabólica produzida por um plano de topo

Problema: Determinar a seção cônica produzida por um plano de topo que corta um

cone (R (raio da base) =10 e H (altura do cone) =20) conforme a figura 1a. A solução

clássica, através do desenho, papel e lápis, requer o uso de planos auxiliares e,

resumidamente, tem os seguintes passos:

1 – Marcar o traço da interseção do plano de topo nos planos e . Ver figura 1a.

2 – Marcar os pontos de interseção do plano de topo com a base do cone (inicio e fim

da curva parabólica na vista superior (VS), e o ponto máximo da parabólica nas vistas

frontal (VF) e superior (VS) ainda segundo a figura 1b.

3 – Sabendo que a interseção de um plano horizontal com um cone de base horizontal

gera um círculo, traçar, na VS, uma série de círculos concêntricos que representam as

seções produzidas por diversos planos horizontais auxiliares. Confira na figura 1c.

4 – Da VS, alçar os pontos de interseção destes círculos com uma geratriz

(representada na VS pela linha horizontal que vai do vértice até o ponto quadrante

1800), até a VF, conforme a figura 1c.

5 – Na VF, traçar a representação destes planos horizontais auxiliares, que agora

aparecerão como planos de perfil representados pelas retas horizontais da figura 1c.

6 – Dos pontos em que estas retas horizontais interceptam o traço do plano de topo na

VF, baixar retas verticais até cada uma das circunferências auxiliares correspondentes

da VS., conforme a figura 1c.

7 – Na VS, cada interseção da vertical com a sua circunferência correspondente,

determinar dois pontos da parabólica, conforme visto na figura 1c.

8 – Com o auxílio de um gabarito ou curva francesa, unir estes pontos e obter a VS da

curva parabólica, como se observa na figura 1d.

Figura 1a Figura 1b Figura 1c Figura 1d Figura 1: Seção cônica parabólica produzida por um plano de topo

Neste tipo de solução, destaca-se a quantidade de traçados necessários para

representar sobre o plano o que acontece no espaço. Isto leva os estudantes a

concentrarem esforços nas sequências de traçado para o rebatimento e darem pouca

atenção (imaginação) ao evento geométrico proposto (seccionamento do cone).

Também torna obrigatório recorrer a artifícios tais como o de imaginar planos

horizontais auxiliares (para gerar as sucessivas seções horizontais no cone),

complexos de se mentalizar, justamente por se estar trabalhando no plano e

raciocinando no espaço.

Observe-se também que, apesar de todo o traçado elaborado, só obtivemos as

vistas superior (VS) e frontal (VF) do cone com a parabólica, mostradas na figura 1d.

Se quisermos o desenho desta parabólica numa vista lateral esquerda (VLE) ainda

precisaremos rebater manualmente pontos da parabólica na VS e cruzá-los com estes

mesmos pontos rebatidos da VF.

Já a solução através da modelagem 3D no AutoCAD trata o assunto de forma

análoga à realidade física, ou seja, concentrando a atenção no evento geométrico que

ocorre no espaço e deixando a solução surgir naturalmente como consequência da

visualização. Para trabalharmos no espaço, entretanto, é necessário ter-se uma

percepção visual e um domínio de geometria espacial razoavelmente desenvolvido.

Corroborando esta afirmativa, encontramos em Masood e Maj (1990) que “... O

modelamento de sólidos trata de uma forma diferente a representação de objetos

tridimensionais, exigindo uma nova postura de raciocínio por parte do engenheiro ou

projetista”.

Na resolução do problema pela C.G., devemos optar a priori por uma visualização

em perspectiva para o desenvolvimento da solução. A visualização através da

ferramenta “câmera” (ou ponto de vista), presente em todos os softwares de CAD,

permite observar o evento geométrico por qualquer uma das seis vistas ortográficas

clássicas, de quatro posições pré-selecionadas em perspectiva isométrica, ou mesmo

sob qualquer outro ângulo ou ponto de vista desejado. Entretanto, para o

desenvolvimento da visualização e da percepção espacial, o estudante depende,

conforme Jenison (1990), de “... ser introduzido em sistemas de computação gráfica o

mais cedo possível e estes devem ser usados como ferramenta de visualização, para

que eles desenvolvam a habilidade de pensar tridimensionalmente”. O domínio da

capacidade de visualização é imprescindível para que entendamos também novos

conceitos emergentes como “plano de trabalho”, “plano de visualização”, “câmera”,

etc. Estes conceitos têm uma importância ainda não devidamente reconhecida, pois

estas novas possibilidades “libertam” o desenho dos antes obrigatórios planos de

projeção ortogonais. Considerando que “o resultado do processo de visualização é

sempre uma imagem” (VELHO, 1997, p.113), cabe então à geometria analítica

presente nos comandos dos softwares resolver numa fração de segundo a geração de

novas imagens e vistas de um objeto 3D.

Voltando ao estudo de caso, podemos usar uma das posições de câmera pré-

selecionadas (PRESETS) em perspectiva isométrica. As imagens apresentadas da

resolução do problema pela C.G., diferentemente da solução anterior, não precisam

ser ortogonais e podem ser exibidas segundo o plano de visualização mais adequado

para não ocultar detalhes importantes. A sequência das ações no AutoCAD seria:

1 - Modelar um cone: no comando CONE (DRAW / MODELING / CONE), informar o

ponto central da base, o raio da base (10) e a altura (20). A seguir, traçar uma geratriz

ligando o vértice do cone ao ponto quadrante 1800 da base, conforme a figura 2a.

2 - Fazer uma cópia paralela desta geratriz: com o comando OFFSET (MODIFY /

OFFSET), ajustar o afastamento da cópia (5 unidades, dado do problema) para obter o

traço do plano de topo sobre a VF, mostrado na figura 2a.

3 – Definir o plano de corte: Ajustar a variável THICKNESS (MODIFY / PROPERTIES),

atribuindo “espessura” a esta reta. A reta será como que “arrastada” lateralmente

formando um falso plano. Isto nos dará visualmente 4 vértices (só precisamos de 3)

que definem o plano de corte mostrado na figura 2b.

4 – Seccionar o cone: com o comando SLICE <3 points> (MODIFY / 3D OPERATION),

selecione o cone e clicar em 3 pontos para definir o plano de corte, dentre os 4

vértices (endpoints) do plano de topo. Clicar num ponto na parte seccionada do cone

que deve permanecer, gerando o resultado mostrado na figura 2c.

Figura 2a Figura 2b Figura 2c Figura 2: Inicio da construção da parábola no AutoCAD

5 – Copiar o cone seccionado e rotacioná-lo no espaço 3D: com o comando 3D

ROTATE (MODIFY / 3D OPERATION), rotacione 900 em torno do eixo X uma cópia do

cone seccionado, obtendo um objeto 3D na posição frontal (VF), conforme a figura 3a.

6 - Copiar o cone seccionado e rotacioná-lo no espaço 3D: com 3D ROTATE (MODIFY

/ 3D OPERATION), rotacione 900 em torno de Y, outra cópia do cone obtendo outro

objeto 3D na posição lateral esquerda (VLE), como na figura 3a.

Figura 3a – Sólidos em posição ortogonal Figura 3b – Vistas ortográficas Figura 3: Conclusão da construção da parábola no AutoCAD

7 – Gerar automaticamente os desenhos ortográficos: com o comando SOLVIEW

(DRAW / MODELING / SETUP / VIEW) e, em seguida, o comando SOLDRAW (DRAW

/ MODELING / SETUP / DRAW), converter o conjunto de sólidos posicionados

ortogonalmente em vistas ortográficas do Desenho Técnico, conforme a figura 3b.

Observa-se que, na solução pela C.G., não houve necessidade de traçados de

rebatimentos. A única linha desenhada foi necessária apenas para marcar o perfil do

plano de topo. Todas as demais ações se deram no espaço 3D, de forma análoga ao

da construção física do objeto. É fato, entretanto, que a facilidade para navegar no

espaço 3D demanda uma grande capacidade de abstração, percepção visual e

imaginação espacial do projetista, que precisa raciocinar, trabalhar e visualizar em 3D.

Uma facilidade extra obtida pela C.G. foi a geração de mais uma vista (a lateral

esquerda - VLE) do cone seccionado sem nenhum esforço adicional, pois bastou fazer

uma cópia do cone seccionado e reposicioná-la no espaço adequadamente. Neste

ponto, embora até então estivéssemos trabalhando com modelos 3D, foi possível

converter este arranjo espacial de modelos 3D em desenhos planos bidimensionais.

Para isto o software cria uma serie de linhas correspondentes às projeções sobre o

plano, das arestas e faces do sólido no espaço, distinguindo qual está “na frente” ou

está “atrás” e, aplicando os tipos de linha adequados (visíveis= contínuas e invisíveis=

tracejadas).

3.2 Seção cônica hiperbólica produzida por um plano frontal

Problema: Determinar a seção hiperbólica produzida por um plano frontal que corta um

conjunto de cones invertidos (R(raio da base)=10 e H(altura do cone)=20). O plano de

corte passa a 5 unidades de distância do centro da base. A solução tradicional,

através do papel e lápis, requer os seguintes passos:

1 – Traçar a VS do cone (círculo) e a correspondente VF do cone (triângulo). Na VF,

repetir o triângulo, invertendo-o conforme mostrado na figura 4a.

2 – Desenhar a VLE do conjunto de cones, como pode ser visto na figura 4a.

3 – Marcar a posição do plano de corte (frontal) sobre a VS, conforme a figura 4a.

4 – Marcar, por rebatimento, o plano de corte sobre a VF e a VLE, como na figura 4a.

5 – Determinar o ponto mais alto da curva que na VS está na interseção do plano de

corte com a linha de diâmetro vertical do cone e, na VLE, é o ponto de interseção do

plano de corte com a geratriz do cone. Deste ponto de interseção, traçar uma

horizontal até cruzar o eixo do cone na VF. Este ponto é o ponto máximo da curva na

VF conforme a figura 4b.

7 – Para obter mais pontos intermediários que ajudem a definir melhor a curva, traçar

dois círculos concêntricos à base do cone de modo que estes sejam interceptados

pelo plano de corte. Dos pontos de interseção entre o plano de corte e os círculos, na

VS, rebater pontos para a VF e a VLE, como mostra a figura 4c.

8 – Unir, com o auxílio de uma curva francesa, estes pontos na VF determinando a

curva hiperbólica. Nas outras duas vistas (VS e VLE), a curva estará contida no plano

de corte (visto de perfil) mostrada na figura 4d.

Figura 4a Figura 4b Figura 4c Figura 4d Figura 4: Seção cônica hiperbólica produzida por um plano frontal

Na solução pela Computação Gráfica teríamos esta sequência de passos:

1 – Modelar um cone: comando CONE (DRAW / MODELING / CONE), informar o

ponto central da base e o valor da altura (dados do exercício) como visto na figura 5a.

2 – Espelhar o cone: comando 3D MIRROR (MODIFY / 3D OPERATION / 3D

MIRROR), selecionar o cone e confirmar a opção <3 pontos> que definirão o plano de

espelhamento. O primeiro ponto pode ser o vértice do cone; o segundo ponto pode ser

um ponto qualquer do plano horizontal que passa pelo vértice do cone. Para isso

pode-se usar coordenadas relativas (ao primeiro ponto), atribuindo qualquer valor a X

e Y, mas mantendo o incremento da coordenada Z=0. (Ex: @72,34,0); o terceiro ponto

pode ser determinado da mesma forma, por coordenada relativa (ao segundo ponto),

mantendo o incremento da coordenada Z=0. (Ex: @53,17,0), conforme a figura 5a.

3 - Com o modelo 3D pronto, determinar o plano vertical de corte: traçar uma reta AB

horizontal (no plano XY), maior que o diâmetro da base do cone; movê-la fazendo

coincidir seu ponto médio com o ponto do centro da base do cone. No menu MODIFY,

comando OFFSET, opção DISTANCE, digitar 5 para gerar uma cópia paralela CD

afastada 5 unidades (dado do problema) da reta horizontal AB. Determinar com um

ponto (clique), o lado em que deseja a cópia paralela, conforme a figura 5a.

4 – Cortar os sólidos: comando SLICE (MODIFY / 3D OPERATION / SLICE),

selecionar o objeto e confirmar a opção <3 points>. Marcar o 10 ponto numa

extremidade da reta CD, o 20 ponto na outra extremidade e o terceiro ponto pode ser

digitado na forma de uma coordenada relativa (ao ponto anterior), atribuindo valor zero

(sem incremento) para X e para Y e informando um valor positivo para Z (Ex:

@0,0,76), ver Figura 5b. Clique um ponto na parte do sólido que desejar manter e a

outra parte cortada será deletada. O modelo 3D está concluído conforme a figura 5c.

5 - Extrair os desenhos ortográficos do modelo 3D: primeiramente posicionar o modelo

numa vista frontal paralela ao plano frontal com a opção FRONT (VIEW / 3D VIEW /

FRONT) e ajustar o referencial dos eixos (UCS) em posição paralela à tela com a

opção VIEW (TOOLS / NEW UCS / VIEW). Em seguida usar o comando SOLVIEW

(DRAW / MODELING / SETUP / VIEW) para gerar uma imagem ortogonal do modelo

3D num plano frontal. Repetir esta última ação para gerar as duas outras vistas

ortográficas, a VS e a VLE. Finalmente, usar o comando SOLDRAW (MODELING /

SETUP / DRAWING) para converter o modelo em desenho.

Figura 5a Figura 5b Figura 5c Figura 5: Construção de seção hiperbólica no modelo 3D

Voltando ao MODEL SPACE (espaço de trabalho em 3D) podemos ver, na figura 6ª,

em perspectiva o sólido e suas projeções ortogonais. Estas projeções podem ser

arrumadas conforme as vistas exigidas no desenho técnico, vide figura 6b.

Figura 6a Figura 6b Figura 6: Conversão da seção hiperbólica do modelo 3D em desenhos ortográficos

4 Conclusões

4.1 - Nos exemplos utilizados pode-se perceber nitidamente a necessidade de um

maior trabalho braçal quando resolvidos pelos métodos tradicionais de projeções e

rebatimentos. No CAD, o número de ações é menor.

4.2 - Apesar do maior esforço para a construção do traçado, o processo tradicional

fornece menos informações. No caso do exercício 3.1, não foi elaborada a VLE. Já

com o uso da modelagem 3D, bastou reposicionar o sólido para se obter esta (ou

qualquer outra) vista desejada.

4.3 - A precisão no traçado é incomparavelmente maior no CAD do que no traçado

tradicional. Atente que a conclusão (traçado da curva) no processo tradicional é feita

por meio de um gabarito e/ou régua francesa dependente de acuidade visual. No CAD

a curva é a expressão gráfica de uma fórmula matemática precisa.

4.4 - Fica patente também que na solução tradicional, os esforços de percepção

espacial foram maiores já que era preciso imaginar o que acontece no espaço, embora

tivéssemos que desenhar a sua projeção (representação) num plano. Já no CAD é

possível ver diretamente (com o uso da câmera em perspectiva), o que acontece no

espaço 3D. E, a solução do problema emerge simplesmente como consequência do

evento geométrico (interseção, rebatimento, projeção, etc.) que ocorre.

4.5 - Entretanto, é preciso concordar parcialmente com Croft (1997) quando este

responde sim à pergunta sobre se existe necessidade de geometria descritiva no

mundo da modelagem tridimensional. A tecnologia mudou e o desafio é determinar

como fazer o melhor uso da nova tecnologia. Geometria Descritiva utilizando técnicas

de CAD requer um domínio ainda maior de relacionamentos espaciais do que o

exigido para a tradicional geometria projetiva. O CAD nos permite usar uma variedade

de métodos para resolver o mesmo problema, mas é essencial que o usuário tenha

uma base sólida de relações espaciais e visualização, de forma que as soluções

desenvolvidas sejam as mais eficientes.

4.6 - Nos dois casos é clara a necessidade do domínio da geometria plana (conceitos

básicos, lugares geométricos, construções geométricas e propriedades das figuras

planas); de geometria analítica (coordenadas de pontos); de geometria espacial (leis

de formação dos sólidos, propriedades dos sólidos); da imaginação espacial (entender

e imaginar o evento geométrico) e da percepção visual (relação entre o que acontece

e o que se visualiza). O processo tradicional ainda exige a habilidade de operar

instrumentos de desenho (esquadros, compasso, etc.) e o processo de modelagem

necessita de algum treinamento para operar os comandos do software.

4.7 - Desta forma, à parte a concordância com a afirmação de Croft (1997) acima de

que a G.D. ainda é necessária, defendemos enfaticamente que esta disciplina

necessita de uma profunda revisão nos seus conteúdos programáticos, eliminando

tópicos que se tornaram obsoletos e desnecessários (sequências de traçado, por

exemplo) e redirecionando seu foco para os tópicos acima citados.

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