contraponto nº 86

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JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP ANO 13 N 0 86 Agosto 2013

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Agosto 2013

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Page 1: Contraponto Nº 86

JORNAL LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes – PUC-SP

ANO 13 N0 86 Agosto 2013

Page 2: Contraponto Nº 86

CONTRAPONTO2 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

PUC

PUCEXPEDIENTE

Pontifícia Universidade católica de sÃo PaUlo

PUc-sP

reitor

vice-reitor

Pró-reitora de Graduação

Pró-reitor comunitário

facUldade de filosofia,comUnicaçÃo, letras e artes

faficla

diretorasandra de camargo rosa mráz

diretora adjuntamercedes fátima de canha crescitelli

chefe do departamento de JornalismoJosé arbex Jr.

suplentevaldir mengardo

coordenador do Jornalismofrancisco chagas câmelo

vice-coordenador do Jornalismovaldir mengardo

c o n t r a Ponto

conselho editorialHamilton octavio de souza, José arbex Jr.,

José salvador faro, marcos cripa,Pollyana ferrari

comitê laboratorialluiz carlos ramos, rachel Balsalobre, salomon cytrynowicz, Wladyr nader

editorJosé arbex Jr.

ombudsmananna feldmann

secretário de redaçãoBruno laforé

secretária de produçãoJacqueline elise

editora de fotografiavictória mantoan

E D I T O R I A L

SUMÁRIOcapa: fotos de Gabriela Batista

Jornadas de junho em são Paulo

memória PUC cria Comissão da Verdade ........................................................... pág. 3

históriaurbana Nome de rua não é lata de lixo .................................................. pág. 4

revoltanasruas Brasil em revolta exige o direito a uma vida digna ......................... pág. 6

entrevista “Jornalões” clamaram por intervenção militar em 64 ................ pág. 10

entrevista “Guerra às drogas” fracassa em todo o mundo ............................ pág. 11

ensaiofotográfico Um passeio no Pescoço da Lua ............................................................ pág. 12

marchadasvadias “A palavra vadia assusta? E a violência contra a mulher? .......... pág. 14

“bolsaestupro” As mulheres decidem, a sociedade respeita, O Estado garante ... pág. 15

virada Cultura ou massificação? ...................................................................... pág. 16

semanadejornalismo Direitos Humanos são coisa de bandido? ......................................... pág. 18

resenha Para ler e ouvir ........................................................................................ pág. 22

crônica Amador ........................................................................................................ pág. 22

antena O Brasil... acordou? ............................................................................... pág. 23

entrevista 32 anos e uma pauta ..................................................................... pág. 24

simetria design Gráfico – projeto/editoraçãoWladimir senise – fone: 3679.7746

contraPonto é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da PUc-sP.

rua monte alegre 984 – PerdizesceP 05.014-901 – são Paulo – sP

fone: 3670.8205

número 86 - agosto de 2013

Wt Gráficafone: 993.583.533

Fale com a genteenvie suas sugestões, críticas, comentários: [email protected]

O povo é sonâmbulo?No dia 02 de junho, as passagens do transporte coletivo na cidade de São Paulo tiveram um

aumento de R$3,00 para R$3,20. O reajuste de R$0,20 foi recebido com indignação pela popu-lação que não observou nenhuma melhoria nas condições do transporte. A nova tarifa afetou principalmente o orçamento das famílias que se encontram na base da pirâmide social, algumas delas passaram a pular refeições para garantir o mínimo de circulação pelo espaço urbano.

Não demorou a surgir manifestações chamadas pelo Movimento Passe Livre (MPL), organi-zação que luta há oito anos pela tarifa zero, ou seja, pelo transporte verdadeiramente público. O aumento do número de adeptos à causa presente nos atos cresceu de forma proporcional à repressão policial contra os manifestantes.

Os protestos em prol da revogação do aumento são legítimos e constitucionais. Lutar pela mobilidade urbana significa reivindicar a facilidade no acesso ao trabalho, saúde, lazer, cultura e educação. Muitos desses serviços concentram-se na região central da cidade, longe das residências da população mais pobre, que sofre diariamente com a ausência do poder público.

Quanto ao braço institucional do Estado, a Polícia Militar, essa se preparou para a guerra e a fez. No ato do dia 13 de junho, por exemplo, ficou claro que a violência partiu da PM. As bombas e balas de borracha dividiram o público que passava pacificamente pela Avenida da Consolação em grupos, que foram por sua vez direcionados para o campo de batalha definitivo a Avenida Paulista; lá a PM lançava bombas e atirava balas de borracha a vontade. A internet proporcionou notícias da repressão policial e incitou a participação popular nas próximas manifestações.

Incapacitados de impedir a tomada das ruas por aqueles cuja grande imprensa costumava chamar de “baderneiros” e deixando de ser a única fonte de informações, os meios tradicionais de comunicação decidiram orquestrar as manifestações e maquiar a causa central da revolta. Nos últimos grandes atos, centenas milhares de pessoas saíram às ruas sem foco, desviando o discurso inicial do movimento. Protestando contra tudo, acabam por não reivindicar nada e anulam o potencial transformador da mobilização coletiva.

Argumentos já gastos da imprensa direitista e de movimentos conservadores da classe média, como o “Cansei”, utilizados contra os governos minimamente progressistas do país estavam repre-sentados nas ruas em cartazes que pediam o fim da corrupção ou o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Além de fugir da pauta central do movimento, estas pessoas demonstram que compraram o discurso da mídia. Folha, Veja e Rede Globo deram um jeito de desviar a atenção do reajuste de R$0,20, que deve ser revogado, e mobilizaram seu público a favor dos interesses burgueses que sempre defenderam.

Enquanto isso, centenas de pessoas saíram às ruas para bradar que “o povo acordou”, mas não passam de sonâmbulos, que se movimentam sem a consciência necessária para atingir um objetivo sensato e racional. Enquanto os novos manifestantes descansavam, os movimentos sociais, que lutam por terra, moradia, causas feminista, LGBT e indígena, seguiam acordados levando porrada da Polícia e lutando por uma sociedade mais justa e menos desigual.

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3CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Por Beatriz morronee victoria azevedo

MemóriaCONTRAPONTO

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Anos 70: A PUC-SP foi palco de importantes exemplos de contestação e resistência ao regime ditatorial

No último dia 13 de maio foi publicado o Ato Conjunto de criação da Comissão da Verdade

da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que terá a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações contra os direitos humanos pra-ticadas na universidade no período entre 1964 e 1988. A Comissão foi nomeada como “Reitora Nadir Gouvêa Kfouri”, reitora da PUC-SP por duas gestões (entre 1976 e 1984) e a primeira a ser eleita democraticamente em uma universidade brasileira durante a ditadura militar.

A Instituição foi palco de importantes exemplos de contestação e resistência ao regime ditatorial. Um episódio que teve grande repercus-são foi quando o então secretário de Segurança de São Paulo, Coronel Erasmo Dias, comandou a violenta invasão do campus Monte Alegre em 22 de outubro de 1977, onde estavam reunidos es-tudantes de diversas partes do país, que tentavam refundar a União Nacional dos Estudantes (UNE), extinta pela ditadura militar. Policiais utilizaram bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, além da força física, e prenderam quase 2 mil es-tudantes, dos quais vários sofreram queimaduras e precisaram ser hospitalizados. A PUC-SP também abrigou professores de universidades públicas que estavam sendo cassados pela ditadura, como por exemplo, Paulo Freire, Florestan Fernandes e Octávio Ianni, que passaram a fazer parte do quadro de docentes da universidade, além de ter empregado pessoas que saíram das prisões ou regressaram do exílio.

A ideia de se criar uma Comissão da Verda-de na PUC-SP surgiu de um grupo de professores e alunos que consideraram que a universidade tem uma importante contribuição a fazer na recons-tituição da verdade daqueles anos, prejudicada e mascarada pela Lei da Anistia promulgada em 1979, que impediu que os crimes cometidos pela ditadura fossem apurados e seus executores, puni-dos devidamente. Agora, finalmente, a Comissão espera poder contribuir para que se estabeleça um compromisso com o passado e com a memória do país.

“Diferentemente da Comissão Nacional da Verdade (que existe desde 2011), que têm como principal missão o esclarecimento sobre mortes, desaparecimentos e tortura praticados por agentes do Estado durante a ditadura, nossa Comissão pretende reconstituir o papel da PUC-SP como instituição de acolhimento de perseguidos e de entidades da sociedade civil, recolhendo testemu-nhos e documentação a respeito. No entanto, é possível que durante esse trabalho de reconstitui-ção dos fatos, apareçam elementos que ajudem na investigação das circunstâncias e dos responsáveis pelas mortes, desaparecimentos e torturas de an-tigos membros da comunidade puqueana ou de seus parentes e amigos. Nesse caso, enviaremos tais informações à Comissão Nacional da Verdade, para que ela possa incorporá-las às suas investi-gações”, explica Marijane Lisboa, professora da PUC-SP e integrante da Comissão.

A composição da Comissão começou com alguns professores historicamente comprometidos

da PUC em debates, pesquisas e na produção de documentação. Além disso, “pretende incentivar projetos de pesquisa acadêmica específicos sobre o assunto, na forma de Iniciações Cientificas, Trabalhos de Conclusão de Curso, Mestrados e Doutorados, bem como apoiar a elaboração de projetos de documentação, publicação, registro e divulgação do material coletado”, acrescenta Marijane.

Segundo ela, a ideia tem sido recebida com grande entusiasmo pelos estudantes dos diversos centros acadêmicos, que já estão se reunindo para formar um comitê estudantil de mobilização e participação. A criação foi aprovada também pelo Conselho Universitário (CONSUN) e pelo Centro de Ex-alunos da PUC-SP, além da repercussão externa positiva.

A criação da Comissão da Verdade na PUC-SP é uma importante iniciativa, que honra a história de tradicional engajamento social e político da instituição. As universidades têm como função essencial a formação, não simplesmente de profissionais, mas de cidadãos conscientes e participativos. A realização de pesquisas como essas, com o objetivo de resgatar a história e questionar atrocidades, contribui, portanto, para que essa função seja executada de forma mais significativa. É um exemplo a ser seguido pelas demais instituições de ensino.

PUC Cria Comissão da VerdadeUniversidade quer resgatar sua própria história

com a luta pela democracia e envolvidos em pesqui-sas e documentação da memória, que se reuniram para discutir a necessidade da implantação de um projeto como esse, devido da grande participação que a universidade teve na resistência à ditadura. A formação inicial contava com a participação de Leslie Denise Beloque (Economia), Marijane Vieira Lisboa (Sociologia), Rosalina de Santa Cruz Leite (Serviço Social) e Salma Tannus Muchail (Filoso-fia). Ao longo de reuniões realizadas no segundo semestre do ano passado, as integrantes julgaram necessária a participação de mais alguns membros: Antonio Carlos Malheiros, professor de direito mi-litante da causa dos direitos humanos, Heloisa de Faria Cruz (História), que hoje preside o centro de documentação e informação científica da PUC e Ana Paula Albuquerque Grillo, representante da Ar-quidiocese e da Fundação São Paulo. O grupo conta com o apoio técnico, administrativo e financeiro indispensável de órgãos institucionais da PUC.

A Comissão promete trabalhar para a defe-sa dos direitos humanos, assinando inclusive um termo de cooperação com a Comissão Nacional da Verdade e com todas as organizações, acadê-micas ou não, que defendam esses direitos, assim como com os pesquisadores, núcleos e centros de pesquisa da universidade.

A iniciativa exercerá um importante papel conscientizador, já que pretende não só divulgar os resultados obtidos, mas contar com a partici-pação ativa de professores, alunos e funcionários

1977: Estudantes detidos por policiais na invasão do Campus Monte Alegre da PUC-SP, comandada pelo

Coronel Erasmo Dias

Diferentemente Da Comissão naCional

Da VerDaDe (que existe DesDe 2011),

que têm Como prinCipal missão

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CONTRAPONTO� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

“É importante deixar claro que a mudança dos nomes das ruas não seria solução para todos os males”

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Por Beatriz morrone,thiago Gabriel

e victoria azevedo

Nome de rUa Não é lata de lixo

CONTRAPONTO

Vias e monumentos públicos são importantes pontos de referência das cidades, alguns até

cartões postais, que representam o município e são parte da história do lugar e da população que lá vive. O nome que carregam é, portanto, extremamente representativo, já que será repetido inúmeras vezes pelos que utilizam aquele espaço cotidianamente, além de ser escolhido para ho-menagear personagens importantes na história da cidade, do país ou até mesmo da humanidade.

Diante desta reflexão, surge o questio-namento sobre os critérios utilizados na escolha de como batizar logradouros públicos. A opção representa como o país lida com seu passado, o que dele valoriza e o que quer manter na memória de seus cidadãos futuramente, como exemplo para novas ações. Assim, esta escolha representa mais do que uma simples homenagem, mas uma memória dos feitos e importância que teve o per-sonagem na cultura e na história, seja ela referente ao local ou não.

Apesar de muitos desconhecerem os per-sonagens que dão nome aos pontos com os quais convivem diariamente, parece contraditório que alguns pontos públicos das cidades brasileiras car-reguem no nome a homenagem a atores diretos de um dos mais tristes e repressivos momentos da história do país, o período da Ditadura Militar entre 1964 e 1985. O regime ficou marcado por sua truculência e abusos de poder e os militares que o compunham se tornaram figuras temidas, que provocaram a desgraça de centenas de vidas.

Essas histórias de um passado lamentável parecem ter ficado pela metade, esquecidas por um país que tratou de negligenciar e colocar para debaixo do tapete as dores e angústias de tantos familiares que buscavam justiça e informações sobre o paradeiro de seus parentes.

Com a Lei da Anistia, criada ainda em 1979, os crimes políticos cometidos durante o regime passaram a ser desconsiderados e anistiados, tanto do lado dos que iam contra o governo quanto daqueles que o defendiam. O processo jogou uma cortina sobre os acontecimentos e, apesar de trazer de volta à legalidade muitos opositores do autoritarismo militar, inocentou aqueles que provocaram tantas perdas. Essa lei comprova que o Brasil não soube lidar com a sua história e com a memória que dela deveria ser preservada.

Em 2011, porém, foi criada a Comissão da Verdade, com o intuito de investigar e tornar públicos todos os abusos realizados por agentes do governo durante o período ditatorial. Mesmo que não se possa responsabilizar criminalmente os culpados, a Comissão tornaria, em tese, pos-sível o esclarecimento de fatos desconhecidos ou maquiados. Seria um resgate a memória do país, através de documentos da época.

No entanto, a Comissão tem sido alvo de algumas críticas, que alegam, por exemplo, que sua investigação não está abrangendo tudo o que deveria. A superficialidade na apuração dos

História urbana

Projeto de lei e mobilização popular vetam homenagem a criminosos contra os direitos humanos

fatos decepciona e reforça teorias que afirmam a existência, ainda hoje, de vestígios da ditadura. Para Celso Lungaretti, ex-preso político e tortu-rado pelo regime, “o que restou (que ainda não foi incinerado) da documentação capaz de revelar a verdade permanece em arquivos militares aos quais a Comissão não esta tendo acesso. Sabo-tam seu trabalho e ela não se impõe, talvez por lhe faltar respaldo governamental para tanto”, e acrescenta ainda que “se os militares fazem a Comissão de gato e sapato, ela jamais cumprirá sua missão”.

Além disso, o trabalho desenvolvido não é fortemente divulgado. Os resultados e conclusões não estão disponíveis ao público, o que também prejudica seu sucesso, já que perde o caráter di-dático e esclarecedor.

Lungaretti acrescenta ainda que “quem realmente poderia dar às novas gerações uma noção exata daquilo que ocorreu, não o faz: a indústria cultural está aí para obnubilar a consci-ência das pessoas, não para abrir suas cabeças. É mais solidária aos carrascos do que aos resistentes de outrora”. E questiona: “Os tropicalistas não qualificavam nosso país de uma geléia geral? E não se atribuía ao De Gaulle a afirmação de que o Brasil não é um país sério? Isto não passa de mais uma comprovação da profunda amoralidade e ignorância histórica dos brasileiros”.

A mesma indústria cultural por ele citada, junto com demais instituições importantes no país, não presta verdadeiro serviço à população porque pode ter participado, outrora, da legiti-mação do regime, que foi possível por conta de

apoios econômicos, financeiros e institucionais. A imprensa e outros países, como os EUA, são exemplos disso. .

Muitos desses colaboradores e incentiva-dores do regime estão, até hoje, ocupando posi-ções expressivas e cargos de relevância no Brasil, detendo grande poder. Além deles, tantos outros que colaboraram com a ditadura convivem conos-co cotidianamente, como familiares e amigos. Isso confirma os vestígios deixados pelo período, que continuam a nos assombrar.

A polícia militar, por exemplo, mata habitantes de favela, afro-brasileiros, índios e pobres com toda a impunidade. Todas as vítimas políticas da ditadura constituem um número menor do que o que a polícia de São Paulo mata em um ano. Apesar do fim do regime repressivo, não houve no país uma depuração do Exército. Ele abandonou o poder porque já não lhe era conveniente, mas não foi expulso (como aconteceu com o exército nazista na Alemanha) o que pode explicar a manutenção de algumas práticas inadmissíveis a um país que se diz democrático.

Dessa forma, instigar a reflexão das pesso-as, principalmente das que não viveram durante a ditadura, sobre o que esse período representou para o Brasil é de suma importância, além de apontar como ainda existem resquícios dele em nossa sociedade. A educação, por exemplo, que hoje precisa desesperadamente de melhorias em seu sistema público, é resquício direto da ditadura, uma vez que foi nessa época que ocorreu o maior sucateamento do ensino.

Lugarzo acrescenta ainda que “com essa política, os prefeitos ou conselhos municipais que dão nomes às ruas estão exaltando figuras criminosas da ditadura. Isso pode acontecer por conta da ideologia fascista dessas autoridades, por subserviência ou também porque querem agradar os militares, já que sabem que eles estão detrás do poder”.

Só em São Paulo é possível observar casos famosos, como o do Elevado Costa e Silva (tam-bém conhecido como Minhocão) e o da rodovia Presidente Castello Branco, ambos ex-presidentes do regime militar. Casos como esses demonstram que ainda não está bem assimilada na memória dos brasileiros a maneira como lidar com estes personagens. Embora muitos saibam o quanto de sofrimento provocaram e desrespeito que exer-ceram contra os direitos humanos e políticos dos cidadãos, ainda aceitamos trafegar todos os dias em vias que remetem a atos temerários e perpe-tuam o reconhecimento de seus agentes.

Foi pensando nessa contradição que os vereadores Jamil Murad e Orlando Silva, ambos do PcdoB, propuseram um projeto de lei sancionado pelo prefeito Fernando Haddad em 24 de abril des-te ano, que permite a alteração do nome de ruas que prestam homenagem a políticos e autoridades com histórico de desrespeito aos direitos humanos

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através de um abaixo-assinado, que contou com a participação de seus moradores. Até então, uma via só poderia ter seu nome alterado legalmente no caso de existência de endereço igual ou expo-sição dos moradores ao ridículo. A nova lei vem acompanhada ainda de uma proposta do vereador Nabil Bondouki para que seja proibida a nomeação de vias públicas que homenageiem personagens que tenham colaborado para a vigência do regime militar no país.

A nova determinação vem servindo de inspiração para que outros grupos se organizem para colocá-la em prática. É o caso do grupo de jovens recém-formados no ensino médio, que tem como objetivo mudar o nome da rua que home-nageia Henning Albert Boilesen, um empresário dinamarquês radicado no Brasil de comprovada colaboração e apoio ao regime militar. A iniciativa do projeto surgiu quando, no fim do ano passado, os jovens assistiram na escola onde estudavam o documentário “Cidadão Boilesen”, que conta a história do empresário, seguido de uma discussão sobre o assunto. Várias pessoas ficaram indignadas como o fato de existir uma rua que o homenageia e, a partir disso, começaram a buscar informações sobre como mudar o nome de uma via pública.

Mesmo não tendo vivido na época da ditadura o grupo acredita “que o engajamento, independe de ter vivido durante o período ou não, é necessário a qualquer pessoa que tenha apreço pelos direitos humanos e se incomode com o desrespeito e com a maneira que o país lida com a sua história”. Os estudantes já se reuniram com diferentes vereadores e dizem ter sido bem recebidos por eles; no entanto, ao entrarem em contato com as subprefeituras e órgãos públicos, perceberam uma falta de preparo das pessoas que os compõe. Não possuíam informações precisas sobre o procedimento necessário para a alteração dos nomes das ruas e não conseguiam encaminhá-los para os setores responsáveis.

O fato de serem jovens também pare-ceu não atrapalhar. Atribuíram as dificuldades encontradas ao descaso com que a maioria das pessoas trata o assunto. A causa é considerada sem importância, irrelevante. Porém, eles insistem: “As pessoas que nos criticam deveriam ajudar no projeto, porque é uma questão suprapartidária, su-praideológica, uma questão de direitos humanos. O que está sendo discutido não é só o nome da rua, é como o nosso país encara o passado, como ele lida com os crimes que já foram cometidos. O jeito que você lida com o passado refletirá no presente e no futuro.”

O grupo, primeiramente, está conquistando o apoio de vereadores; posteriormente, pretende ir até a Rua H. Boilesen conversar com seus mo-radores, entregar os panfletos explicativos que estão criando e distribuir cópias do documentário “Cidadão Boilesen”, já autorizados pelo diretor. Só depois, então, voltarão para conseguirem as

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Elevado Costa e Silva, mais conhecido como “Minhocão”: o ditador do AI-5

essas histórias De um passaDo lamentáVel pareCem ter fiCaDo pela metaDe, esqueCiDas por um país que tratou De negligenCiar e ColoCar para Debaixo Do tapete as Dores e

angústias De tantos familiares que busCaVam justiça e informações

sobre o paraDeiro De seus parentes

assinaturas a favor da mudança. Para eles, é muito importante que haja um dialógo com os morado-res da rua, deixando claro que não pretendem im-por nada, mas sim criar um envolvimento mútuo; em última instância, caso o projeto não alcance seu objetivo, o grupo acredita que ao menos a tentativa incitará uma reflexão nos moradores, o que já seria uma vitória.

A lei não pretende esconder e apagar as figuras da história nacional para que não sejam mais lembradas. A ideia é que seus nomes apare-çam de outras formas, não como homenageados, mas como representantes da barbárie que carac-terizou o período. Uma forma de fazê-lo seria o que propõe Carlos Lungarzo, representante da Anistia Internacional no Brasil: “Devem-se abrir museus e galerias onde se exibam documentos com os crimes da ditadura, fotos dos criminosos e de suas vítimas, onde se ministrem palestras como nos museus alemães sobre o nazismo. A memória se está perdendo sim, e se deve fazer o seguinte: prestar homenagem, inclusive com nomes de ruas, praças, pontes, etc., às vítimas da ditadura, mas não aos algozes. Também se deve lembrar as atrocidades, com edifícios onde se reconstruam os cenários dos crimes. Por exemplo, na Polônia, há casas que representam as câmaras de torturas dos nazistas, com documentação sobre isso”.

Obviamente, grande parte da população brasileira desconhece muito do passado histórico do país por inúmeros motivos. A má qualidade do ensino é apenas um deles, mas essa é uma discus-são longa que demandaria muito tempo e várias páginas. O foco aqui é outro. É importante deixar claro que, a mudança dos nomes das ruas não seria a solução para todos os males. A recuperação da justiça, da história nacional e a conscientização pública são feitos tão importantes e necessários quanto difíceis. Demandam trabalho árduo e de-morado, que não pode ser feito do dia pra noite, muito menos por apenas alguns.

Porém, a retirada de nomes símbolos do desrespeito aos direitos humanos homenageados no cenário brasileiro é um passo para o esclareci-mento e para a justiça, que, até hoje, não aconte-ceu plenamente desde que atrocidades foram co-metidas. A iniciativa de jovens estudantes carrega grande significado nesse contexto. A consciência e a mobilização coletiva das novas gerações são fundamentais para que, por mais utópico que pa-reça, o país caminhe em direção a uma democracia mais plena e eficiente, que tenha como principais agentes a população que nele vive.

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da redação

Brasil em reVolta exige o direito a Uma Vida digNa

CONTRAPONTO

Tudo começou com uma reivindicação precisa: contra o aumento no preço da passagem do transporte urbano, programado para acontecer no começo de ju-

nho, em todo o país. Em São Paulo, a primeira passeata, convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL), foi realizada no dia 3, quando manifestantes fecharam com bar-ricadas a estrada de M’Boi Mirirm, na zona sul da capital. No dia 6, protestos com a participação de cerca de 2 mil pessoas, realizados na avenida Paulista, provocou a ação da Polícia Militar, que reprimiu com a tradicional truculência. Quinze foram presos e vários foram feridos. Atos de protesto foram registrado em Goiânia, Rio de Janeiro, Salvador e outras capitais e cidades brasileiras.

Nos dias seguintes, novos atos foram reprimidos com violência crescente. A PM utilizou balas de borracha, bombas de efeito moral e de gás para dispersar as ma-nifestações. Cenas de extrema brutalidade estamparam as páginas dos principais jornais e as imagens dos telenoticiários. No dia 13, a repressão da PM em São Paulo mandou pelo menos 105 pessoas para o hospital, incluindo os jornalistas Giuliana Vallone (TV Folha), Fábio Braga (Folha de S.Paulo), Bruno Ribeiro e Renato Vieira (O Estado de S. Paulo). Isso significa, concretamente, que houve uma brutalidade indiscriminada, que atingiu até mesmo quem estava apenas exercendo o dever profissional de informar.

Ao contrário, porém, de imprimir o medo e impedir novas adesões, cada vez mais gente se dispôs a tomar as ruas. Milhões se manifestaram em todo o país, provocando espanto e perplexidade generalizada, especialmente entre os governantes. As auto-ridades, em todo o país, iniciaram um movimento de recuo. No dia 17, o prefeito de São Paulo Fernando Haddad manteve uma reunião com representantes do MPL, ainda insistindo na inviabilidade de revogar o aumento da tarifa, mas já prometendo buscar alternativas. No dia 18, a presidenta Dilma Rousseff, em pronunciamento nacional, reconheceu a legitimidade dos protestos e declarou que o país mobilizado “amanhecia mais forte”. Prefeitos e governadores foram obrigados a revogar o aumento do preço das passagens. O movimento havia atingido uma vitória impressionante.

Mas as mobilizações não cessaram. Ao contrário. Ganharam maior força, mas am-pliando a pauta de reivindicações. Palavras de ordem que foram ouvidas desde o início das mobilizações, agora ganhavam maior força, incluindo as reivindicações da constru-ção de escolas e hospitais com “padrão Fifa”, numa alusão aos gastos faraônicos com a construção de estádios de futebol luxuosos para abrir a Copa de 2014. No final de junho, nada indicava o fim das mobilizações e o futuro do país era incerto.

“O gigante despertou”, diziam algumas faixas e cartazes; “a gente quer a vida sem catracas”, cantavam outros. E agora?

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Quebrar velhas catracas, abrir novos caminhosEm resposta a um convite para uma reunião, feito pela presidente Dilma Rousseff , o Movimento pelo Passe Livre (MPL) deu a seguinte resposta, em uma Carta Aberta divulgado no dia 245 de junho:

À Presidenta Dilma Rousseff, Ficamos surpresos com o convite para esta reunião. Imaginamos que também esteja surpresa

com o que vem acontecendo no país nas últimas semanas. Esse gesto de diálogo que parte do governo federal destoa do tratamento aos movimentos sociais que tem marcado a política desta gestão. Parece que as revoltas que se espalham pelas cidades do Brasil desde o dia seis de junho têm quebrado velhas catracas e aberto novos caminhos.

O Movimento Passe Livre, desde o começo, foi parte desse processo. Somos um movimento social autônomo, horizontal e apartidário, que jamais pretendeu representar o conjunto de manifestantes que tomou as ruas do país. Nossa palavra é mais uma dentre aquelas gritadas nas ruas, erguidas em cartazes, pixadas nos muros. Em São Paulo, convocamos as manifestações com uma reivindicação clara e concreta: revogar o aumento. Se antes isso parecia impossível, provamos que não era e avançamos na luta por aquela que é e sempre foi a nossa bandeira, um transporte verdadeiramente público. É nesse sentido que viemos até Brasília.

O transporte só pode ser público de verdade se for acessível a todas e todos, ou seja, entendido como um direito universal. A injustiça da tarifa fica mais evidente a cada aumento, a cada vez que mais gente deixa de ter dinheiro para pagar a passagem. Questionar os aumentos é questionar a própria lógica da política tarifária, que submete o transporte ao lucro dos empresários, e não às necessidades da população. Pagar pela circulação na cidade significa tratar a mobilidade não como direito, mas como mercadoria. Isso coloca todos os outros direitos em xeque: ir até a escola, até o hospital, até o parque passa a ter um preço que nem todos podem pagar. O transporte fica limitado ao ir e vir do trabalho, fechando as portas da cidade para seus moradores. É para abri-las que defendemos a tarifa zero.

Nesse sentido gostaríamos de conhecer o posicionamento da presidenta sobre a tarifa zero no transporte público e sobre a PEC 90/11, que inclui o transporte no rol dos direitos sociais do artigo 6o da Constituição Federal. É por entender que o transporte deveria ser tratado como um direito social, amplo e irrestrito, que acreditamos ser necessário ir além de qualquer política limitada a um deter-minado segmento da sociedade, como os estudantes, no caso do passe livre estudantil. Defendemos o passe livre para todas e todos!

Embora priorizar o transporte coletivo esteja no discurso de todos os governos, na prática o Brasil investe onze vezes mais no transporte individual, por meio de obras viárias e políticas de crédito para o consumo de carros (IPEA, 2011). O dinheiro público deve ser investido em transporte público! Gostaríamos de saber por que a presidenta vetou o inciso V do 16º artigo da Política Nacional de Mobi-lidade Urbana (lei nº 12.587/12) que responsabilizava a União por dar apoio financeiro aos municípios que adotassem políticas de priorização do transporte público. Como deixa claro seu artigo 9º, esta lei prioriza um modelo de gestão privada baseado na tarifa, adotando o ponto de vista das empresas e não o dos usuários. O governo federal precisa tomar a frente no processo de construção de um transporte público de verdade. A municipalização da CIDE, e sua destinação integral e exclusiva ao transporte público, representaria um passo nesse caminho em direção à tarifa zero.

A desoneração de impostos, medida historicamente defendida pelas empresas de transporte, vai no sentido oposto. Abrir mão de tributos significa perder o poder sobre o dinheiro público, liberando verbas às cegas para as máfias dos transportes, sem qualquer transparência e controle. Para atender as demandas populares pelo transporte, é necessário construir instrumentos que coloquem no centro da decisão quem realmente deve ter suas necessidades atendidas: os usuários e trabalhadores do sistema.

Essa reunião com a presidenta foi arrancada pela força das ruas, que avançou sobre bombas, balas e prisões. Os movimentos sociais no Brasil sempre sofreram com a repressão e a criminalização. Até agora, 2013 não foi diferente: no Mato Grosso do Sul, vem ocorrendo um massacre de indígenas e a Força Nacional assassinou, no mês passado, uma liderança Terena durante uma reintegração de posse; no Distrito Federal, cinco militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) foram presos há poucas semanas em meio às mobilizações contra os impactos da Copa do Mundo da FIFA.

A resposta da polícia aos protestos iniciados em junho não destoa do conjunto: bombas de gás foram jogadas dentro de hospitais e faculdades; manifestantes foram perseguidos e espancados pela Polícia Militar; outros foram baleados; centenas de pessoas foram presas arbitrariamente; algumas estão sendo acusadas de formação de quadrilha e incitação ao crime; um homem perdeu a visão; uma garota foi violentada sexualmente por policiais; uma mulher morreu asfixiada pelo gás lacrimogêneo. A verdadeira violência que assistimos neste junho veio do Estado – em todas as suas esferas.

A desmilitarização da polícia, defendida até pela ONU, e uma política nacional de regulamentação do armamento menos letal, proibido em diversos países e condenado por organismos internacionais, são urgentes. Ao oferecer a Força Nacional de Segurança para conter as manifestações, o Ministro da Justiça mostrou que o governo federal insiste em tratar os movimentos sociais como assunto de polícia. As notícias sobre o monitoramento de militantes feito pela Polícia Federal e pela ABIN vão na mesma direção: criminalização da luta popular.

Esperamos que essa reunião marque uma mudança de postura do governo federal que se estenda às outras lutas sociais: aos povos indígenas, que, a exemplo dos Kaiowá-Guarani e dos Munduruku, tem sofrido diversos ataques por parte de latifundiários e do poder público; às comunidades atingidas por remoções; aos sem-teto; aos sem-terra e às mães que tiveram os filhos assassinados pela polícia nas periferias. Que a mesma postura se estenda também a todas as cidades que lutam contra o aumento de tarifas e por outro modelo de transporte: São José dos Campos, Florianópolis, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia, entre muitas outras.

Mais do que sentar à mesa e conversar, o que importa é atender às demandas claras que já estão colocadas pelos movimentos sociais de todo o país. Contra todos os aumentos do transporte público, contra a tarifa, continuaremos nas ruas! Tarifa zero já!

Toda força aos que lutam por uma vida sem catracas!

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CONTRAPONTO10 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

A imprensa talvez tenha sido muito mais importante para influenciar as forças armadas a agir. Dentro de uma elite civil, seu papel foi importante para reforçar aquilo que já era pensa-do e de divulgar ainda mais essa paranoia existente sobre uma invasão comunista. Não podemos desvincular o Brasil daquilo que está ocorrendo no mundo. Há pouco tempo havia ocorrido a Revolução Cubana, seguida pela Crise dos Mísseis. Então, a ideia

de que existe nos Estados Unidos é a de criar uma cortina de proteção da América contra novas expe-riências como aquela que ocorreu em Cuba. Por conta disso, todo o quadro pintado pela im-prensa da época pode ter contribuído para levar as forças armadas de uma forma mais rápida e efetiva às ruas. Mas também não acho que a imprensa tenha sido tão decisiva, pois essa ideia já existia desde 1961, quando os militares tentaram impedir a posse do João Goulart.

CP – Você acredita que o poder de influência de um jornal na opinião de seu público pode ser ca-muflado quando ele se vende como um veículo neutro?LAD – De uma forma geral, é difícil imaginar que exista um veículo de comunicação neutro. Mesmo os jornais que se colocam como informativos, na verdade estão passando também suas próprias opiniões. É função deles informar e formar tam-bém o seu leitor. De uma forma geral, os jornais vinculados a sindicatos, partidos, ou seja, os jornais de esquerda vinculados a uma causa têm uma facilidade muito maior de assumirem-se como veículos parciais.Os jornais comerciais, sobretudo na segunda metade do século XX, ganham um aspecto mais profissional. Esse profissionalismo acaba sendo associado à transmissão da verdade, mesmo que seja uma verdade apenas para aquele jornal, para aquele grupo que está envolvido nele. Não existe jornal meramente informativo, ele está sempre passando uma opinião, além da informação.

Por Bruno laforé

“JorNalões” Clamaram Por iNterVeNção militar em 64

CONTRAPONTO

folha e estadão disseminaram a paranoia de uma invasão comunista no país ao representar os interesses da elite brasileira

O historiador e coordenador do curso de Histó-ria da PUC-SP, Luiz Antonio Dias, dedica-se

à pesquisa da relação da imprensa paulista com o poder. Nesta entrevista, ele expõe a atuação de dois dos principais veículos da grande mídia nos bastidores do golpe militar, que culminou na deposição do presidente João Goulart em 1º de abril de 1964.

A Folha e o Estado de S. Paulo publicaram textos, nas vésperas do golpe, praticamente exigin-do uma intervenção militar. Eles tinham noção do que estava por vir? Afinal, eles mesmos sofreram com as restrições da ditadura.

Até as vésperas do golpe há um processo longo, há todo um imaginário anti comunista que vem sendo criado pelo menos desde 1917, que foi o ano da Revolução Russa, e os jornais acabam servindo como um veículo de transmissão dessa paranoia, representando seus próprios interesses. Na direção desses grupos de comunicação, há uma visão empresarial que não difere muito de outra empresa qualquer, mas neste caso você consegue expressar opinião no seu produto.

O governo João Goulart até representava um risco por conta das reformas que foram pro-postas em sua campanha, como a reforma agrária. Mas eu particularmente não acho que o governo do Jango tenha sido tão radical à esquerda. De qualquer forma, isso gerava uma histeria muito forte, porque ele, assim como alguns ministros de seu governo, é tachado de ser comunista por muitos empresários e pelos próprios jornais.

A questão é que os jornais quase que exigi-ram a saída do Goulart. O Estado de S. Paulo era claro ao cobrar uma intervenção militar enérgica das Forças Armadas e a deposição do Goulart. A Folha de S. Paulo tinha um discurso um pouco mais brando nos dois anos que antecederam o golpe. Em fevereiro e março de 1964, ela toma uma posição mais evidente. Porém nenhum dos dois jornais tinha clareza do que viria pela frente.

A família Mesquita, dirigente do Estado de S. Paulo, imaginava que os militares seriam os árbitros finais de um conflito e que, em 1965, já tivéssemos novas eleições, das quais o João Gou-lart não participaria. Mas não imaginava, quando apoiou a deposição do Goulart, que os militares tomariam o poder e implantariam um regime di-tatorial, com o apoio de parte da sociedade civil, e estendesse isso até a década de 80. Justamente por isso, já nos anos de 1967 e 1968, fica nítida uma oposição ao governo por parte do Estadão, ele tinha até um censor na redação, ao contrário da Folha, que fez autocensura.

Contraponto – Como era o encarte “64: O Brasil continua”, lançado pela Folha de S. Paulo, e de que maneira ele representa sua posição alinhada aos militares?Luiz Antonio Dias – Conhecendo um pouco das técnicas jornalísticas, sei que não dava para produzir um caderno como o “64: O Brasil Con-tinua” em uma semana. Então, era um fascículo que já estava montado e guardado. Isso é uma prova de que tínhamos um golpe em marcha. O

que alguns autores e pesquisadores escrevem, especialmente a partir da década de 90, é que este golpe já estava sendo articulado há certo tempo, inclusive com a participação dos Estados Unidos. Hoje há documentos que provam a participação dos EUA no golpe.O golpe acontece definitivamente em 1º de abril e, no dia 31 de março, começa a circular este caderno. A impressão que eu tive é que ele seria uma forma de preparar a população para uma mudança radical, uma ruptura no governo. É um tipo de caderno que normalmente circularia em janeiro, pois tratam-se de previsões para o ano, com propagandas de uma série de empresas, como a Votorantim, a Ultragaz, etc. Os textos giravam em torno do progresso, dizendo que o Brasil iria crescer, que as pessoas não precisavam se preocupar, que um novo futuro estava começando naquele momento.

CP – Os jornais acabam virando documentos históricos e símbolos da memória da época. Você acredita que estes veículos possam ter influenciado a opinião da sociedade civil, visto que até hoje há uma pequena parcela da população apoia a ditadura ou uma nova intervenção militar?LAD – Eu acredito que os veículos de imprensa, sobretudo os grandes jornais, possuem um pú-blico em sintonia com o seu pensamento. Não acho que tenham tanta força para influenciar seu público, mas há uma sintonia, já que as pessoas leem jornais que dizem aquilo que elas imaginam estar correto. Nesse sentido, a imprensa tem um potencial enorme de reforçar as opiniões já existentes. Aquele setor da sociedade civil que considerava que o governo Goulart colocava em risco a família, a economia e as instituições teve sua ideia reforçada. A população de forma geral, principalmente a parcela mais pobre, apoiava o governo Goulart, segundo pesquisas realizadas pelo IBOPE em março de 1964. Porém o IBOPE não as divulgou na época. Elas ficaram escondidas, porque não seria prudente divulgar 70% de aprovação ao Goulart nas vésperas de um golpe. Há, nessa pesquisa, questões especí-ficas sobre a reforma agrária, por exemplo, e 70% da população também era favorável a ela.

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Propaganda do grupo Votorantim no fascículo “64: O Brasil continua”, da Folha

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11CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Por Bia Ávila

CONTRAPONTO

Entrevista

leve aumento no consumo, muitas vezes seguido de uma queda. Essas oscilações muitas vezes não têm nada a ver com a lei em si, mas com outros fatores.

CP – É possível ocorrer a legalização da maconha aqui no Brasil?MF – No cenário atual, nada indica que isso vá ocorrer, infelizmente. Acho que ocorre justamente o contrário, há movimentos que reforçam a proi-bição no Brasil. O que pode avançar no país é a legalização da maconha para fins medicinais. No Brasil, temos uma carga moralista muito forte, além de uma classe política muito dependente do discurso anti-drogas. Isso trava o debate no Legislativo. No âmbito Judiciário há uma espe-rança ainda, com o Supremo Tribunal Federal. A descriminalização da posse para consumo está na pauta dos juízes deste ano.

CP – Fala-se muito na legalização da maconha. Como pensar também na descriminalização ou legalização de outras drogas, consideradas “mais pesadas”?MF – Cada droga vai demandar um cuidado muito específico na hora da venda, com mais limitação de quem pode comprar ou não, acho que muito mais do que a maconha. Há algumas ONGs que trabalham na elaboração de modelos para a regu-larização, inclusive de drogas como a cocaína e a heroína. Talvez seja possível pensar em um modelo farmacêutico, usando um controle de quem está comprando.

CP – Quais são os melhores modelos de regula-mentação já implementados?MF – O Uruguai está propondo um modelo interessante de produção e venda de maconha, misturando uma produção estatal com a cola-boração de cooperativas sem fins lucrativos. Nos Estados Unidos, em Colorado e na Califórnia, foi permitido o uso recreativo da maconha através de um plesbicito. Eles ainda estão desenvolvendo

Em breve, vou propor a revisão de todo o código penal federal, para incluir punições mais severas

em relação às drogas e ao crime”. A declaração feita por Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos na década de 70, iniciou a chamada de Guerra às Drogas, com total intolerância ao con-sumo das substâncias ilícitas, consideradas a partir daquele momento como “o inimigo número um” dos EUA. Mais de quarenta anos depois do discur-so de Nixon, o mercado ilícito movimenta quase um trilhão de dólares por ano e gera uma violência absurda em escala mundial, mesmo com políticas cada vez mais repressivas. No Brasil, o Projeto de Lei 7663 reforça ainda mais o proibicionismo, ao propor um aumento da pena mínima para o trá-fico. Além disso, o foco do projeto é reforçar as políticas de internação no país. Enquanto a maioria dos países está no movimento da regulamentação ou da legalização, o Brasil parece querer insistir nessa política falha. “Não vejo a legalização das drogas em um futuro próximo”, opina Maurício Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdis-ciplinares sobre Psicoativos (NEIP). Em entrevista ao Contraponto, o bacharel em Ciências Sociais e mestre em Antropologia Social pela USP esclare-ceu algumas das principais questões envolvendo a legalização e regulamentação das drogas.

Contraponto – Quais são as principais consequ-ências da proibição das drogas?Maurício Fiore – Há duas principais consequên-cias da proibição das drogas: a ação é uma medida autoritária por parte do Estado, que proíbe a liber-dade individual. A segunda é o efeito colateral do mercado proibido, que gera muita violência.

CP – Qual seria a relevância da legalização das drogas no âmbito nacional e internacional?MF – A legalização internacional seria muito mais interessante, já que a proibição é um sistema mun-dial, criado por uma convenção da ONU. Revisar essa atitude acabaria com os problemas gerados pelo mercado ilícito, que gera muita violência e morte. A regulamentação das drogas no Brasil re-duziria a violência no país, responsável pela morte de mais de 50 mil pessoas por ano.

CP – Quais seriam as consequências negativas da legalização?MF – O Estado vai ter que propor políticas criativas de controle para todas as substâncias. Cada droga teria que ter sua própria política, e estas seriam constantemente reformuladas para resolver no-vos desafios. É claro que isso demanda trabalho e uma certa burocracia, mas é essencial realizar esse trabalho, inclusive com as drogas legais, que são mal reguladas. O dinheiro que é gasto com a guerra às drogas atualmente – uma quantidade absurda - poderia ser usado para bancar os gastos com a burocracia.

CP – O consumo de drogas pode aumentar com a legalização?MF – Ele pode aumentar, sim. Dados coletados em países europeus mostraram que houve um

A ineficiência da política de repressão às drogas traz à tona o debate sobre a legalização

“gUerra às drogas” fraCassa em todo o mUNdo

como será o sistema de controle, venda e pro-dução. Parece que vão implantar um sistema de regulamentação do mercado, com limite de venda, taxas, e proibição da venda para menores de idade. Nesse modelo, é importante ter um cuidado para evitar o monopólio da produção, ou seja, impedir a formação de cartéis.

CP – Com a legalização e a regulamentação das drogas, como evitar a dependência química?MF – Temos que elaborar políticas públicas que pensem naquele tipo de droga, principalmente em seus efeitos. Mesmo assim, o Estado ou a lei de drogas têm pouca influência se alguém vai virar dependente ou não, isso depende de uma série de fatores externos. É importante também que pensar em uma educação sobre as drogas e seus riscos, sem fazer moralismos ou terror.

CP – Qual é a melhor abordagem ou tratamento para dependentes químicos?MF – A internação muitas vezes é necessária, pelo menos por um tempo. A internação involuntária ou a compulsória é pensada para emergências, quando a pessoa está correndo risco de vida ou é uma ameaça aos outros. Sabemos que é uma medida pouco efetiva para curar alguém, mas serve para segurar crises. A internação só tem mais eficácia quando é voluntária. Quando o de-pendente não quer, a abordagem forçada só gera mais estigma, mais violência e muitas vezes viola os Direitos Humanos. É interessante pensar na redu-ção de danos, uma forma de tratar os dependentes com diversas estratégias para ajudar o indivíduo, sem necessariamente força-lo à abstinência. Por exemplo, se um dependente não consegue largar a droga, podemos tentar diminuir a quantidade que ele usa, o que já é um avanço. Outra medida é fornecer seringas para o uso de drogas injetáveis, a fim de evitar o uso compartilhado e, consequen-temente, evitar a contaminação de doenças como a hepatite ou o HIV.

“Maurício Fiore fala aos estudantes, durante a Semana de Jornalismo da PUC

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Drogas em um futuro próximo

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CONTRAPONTO12 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

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CONTRAPONTO

ensaiofotográfico

Um passeio no pescoço da LUa

CONTRAPONTO

ensaio fotográfico

fotos: marcos mendez

Marcos Mendez registra a escalada do vulcão Cotopaxi, situado cerca de 30 km ao sul de Quito (capital do Equador). O Cotopaxi é um dos

mais altos vulcões ativos do planeta (o pico está a 5.897m acima do nível do mar). A última grande erupção aconteceu em 1903-04, mas emissões de gás sulfúrico foram registradas em 2002. A origem e o significado do nome são controversos. A versão mais aceita é a de que significa “Pescoço do Lua”, em idioma indígena arcaico.

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13CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Um passeio no pescoço da LUa

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Por lya fichmanne thiago munhoz

Manifestação em São Paulo foi inspirada por um ato realizado em Toronto (Canadá), em abril de 2011

CONTRAPONTO

“a PalaVra Vadia assUsta? e a ViolêNCia CoNtra a mUlher?”

Marcha das Vadias

No dia 3 de abril de 2011 ocorreu em Toron-to, no Canadá, um protesto no qual teria

inspirado e originado o movimento Marcha das Vadias, repercutido em várias partes do mundo. O gesto popular feminista reivindica mais respeito às mulheres, principalmente em relação a seu corpo, tal como igualdade de gênero. Contrariando o pensamento machista de que as vestimentas são ousadas, provocadoras e por isso justificam os as-sédios sexuais, elas vão às ruas com cartazes e ditos de contestação, muitas dotadas de pouca roupa, pinturas e frases escritas nas partes expostas.

Quando, na Universidade de Toronto, casos de abuso em mulheres começaram a ocorrer com muita frequência, o policial Michael Sanguinetti pediu a elas que “evitassem se vestir como vadias”. Foi então que a primeira passeata se concretizou, levando a manifestação a ser adotada em outros países, inclusive em inúmeras cidades do Brasil. Não se pode negar que os estupros fazem parte da realidade brasileira, cada vez mais presentes. Por conta disso, as mulheres comparecem em grande quantidade e atuam de maneira intensa nesta causa.

Pessoas de diferentes idades, raças, cultu-ras, classes sociais e até mesmo opções sexuais se reúnem para o evento. O intuito é de incentivar as vítimas a denunciarem agressões físicas e verbais; aumentar a segurança à mulher; conscientizar os homens para que seja possível amenizar o machis-mo, assim como o preconceito e ideia de superio-ridade; aniquilar estereótipos e mais ainda fazer com que os indivíduos do sexo feminino aceitem a sua estrutura física, sem se preocupar com o ideal de beleza imposto pela sociedade capitalista.

“Não perguntaram que roupa meu es-tuprador usava”; “Lei Maria da Penha me vin-gou”; “Minha minissaia não é um convite, seu tarado”; “Mantenha sua opinião longe do meu útero”; “Você não pode tocar aqui sem meu consentimento” (escrito com batom sobre os seios); “Estupro é crime e a culpa nunca é da ví-tima”; “Meu corpo, minhas regras”; “Se o Papa fosse mulher, aborto não seria crime”; “A gente não quer só fazer comida”; “Sou vadia, mas não sou sua”. Essas são algumas das frases encontra-das durante as marchas já realizadas.

Viver numa comunidade na qual o homem sempre foi visto como trabalhador enquanto a mulher como dona de casa não é uma tarefa fácil. Por mais que o gênero feminino já venha conquis-tando diversos direitos de igualdade, influência ativa na política, economia e cultura, romper com a hierarquia masculina continua sendo um dos objetivos primordiais na atualidade. Por mais que o movimento seja bem sucedido, não só nas ruas, mas também no ambiente virtual, deve-se ter em mente que a jornada em busca do equilíbrio e justiça entre os sexos está apenas começando.

O texto da fotógrafa Claudia Regina, que resolveu abrir os olhos dos homens e mostrar-lhes como é o dia a dia feminino, ganhou destaque nos meios midiáticos, principalmente nas redes sociais. Em seu texto “Como se sente uma mu-

lher”, publicado no site Papo de homem, há o relato de preconceitos e abusos sofridos por mu-lheres e a proposta dos homens se colocarem no lugar dessas mulheres que sofreram abusos.

“Embora a gente tenha uma presidente mu-lher, ainda estamos bem longe de conseguir um país com igualdade de gêneros. As metas são muitas, como acabar com a cultura do estupro, que culpa as vítimas, descriminalizar o aborto, ter igualdade na educação, na política, nos salários. Enfim, falta muita coisa ainda”, acredita a fotógrafa.

A autora do texto descreve situações pelas quais já passou ao longo de sua vida e sofreu pre-conceito, como em sua pré-adolescência não agir “como uma moça deveria”. Para ela essa ideologia de que a moça deve seguir os bons costumes ainda acontece hoje da mesma maneira.

A divulgação de obras como essa permite uma maior reflexão sobre a desigualdade de gênero e o machismo, ambos presentes incisivamente na sociedade. A internet é hoje um dos meios de divul-gação de ideias mais importantes. É complicado até pelo grande número de pessoas que lançam dados na rede, mas é um meio democrático. “Sendo blo-gueira há dez anos, sou bem parcial: a internet está permitindo muita criação e divulgação de cultura das minorias. O que antes não era possível”. Ela acrescenta que o resultado efetivo em falar sobre preconceitos nesse meio midiático não pode ser medido: “Esperamos que isso vá se somar às forças de todos que fazem o mesmo”.

Claudia participou da Marcha das Vadias realizada este ano na Avenida Paulista, São Paulo. Claudia tem a mesma opinião das organizadoras

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do evento: “nenhuma mulher no mundo merece ouvir que ‘não se dá o valor’ ou que ‘estava pe-dindo pra ser estuprada’ por causa da roupa que estava usando”. A roupa usada pela mulher define o valor de seu corpo. Só ela pode decidir o que fazer com ele, mais ninguém pode.

A vestimenta não seria de modo algum um sinal verde para homens tentarem algo com as mulheres como se ela que estivesse atiçando-o. A culpa muitas vezes cai sobre ela por esse pensamento estar muito presente na sociedade ocidental. De acordo com Claudia, “Colocar as mulheres como as culpadas do machismo é muito comum”, e ainda acrescenta que “as víti-mas continuam sendo vítimas, mesmo que elas compactuem com o sistema social ocidental por qualquer motivo que seja”.

Todos em sociedade têm o direito de liber-dade de expressão, de acordo com a constituição brasileira. Isso não permite que as opiniões pesso-ais venham à tona. Muitos confundem liberdade de expressão com liberdade para falar o que quiser sem consequências. “A liberdade de expressão é ótima, mas crime é crime e se alguém escreve na internet uma ameaça, por exemplo, deverá sofrer as consequências legais por isso”.

Muitas falas e atos machistas passam despercebidos e as mulheres em muitos casos ig-noram, mas isso não quer dizer que os aprovam. Assim, o machismo acaba sendo disseminado sem querer. “Pessoalmente, é preciso deixar pra lá, ou vamos à loucura. O que não podemos deixar é a luta contra a cultura que permite que esse tipo de coisa aconteça”. A fotógrafa afirma que deve-se ter a consciência de que pequenos atos machistas são só reflexos dos grandes. “A mesma cultura que não me deixa pagar a conta mata mulheres. É exatamente a mesma fonte”.

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mulheres

A Marcha contou com a participação de baterias que tocaram músicas de teor político alinhado à manifestação

Cartazes continham mensagens fortes e criativas para chamar a

atenção da sociedade

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1�CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

O direito de escolha da mulher e o aborto foram algumas das pautas

levantadas pelos manifestantes

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Milhares de manifestantes ocuparam a Praça da Sé contra a aprovação do Estatuto do Nascituro

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Por talula mel

CONTRAPONTO

“Bolsa Estupro”

necessária, uma gravidez totalmente indesejada, o Estado lhe forçará, ainda, a manter o vínculo com seu agente violentador perante a justiça.

O governo não fomenta uma educação - tanto formal, nas instituições públicas de ensino, quanto na sociedade de uma maneira geral - que

Diversos cartazes coloriram a Praça da Sé, dia 15 de junho de 2013, no ato convocado por

coletivos feministas para protestarem contra a aprovação do Estatuto do Nascituro. O poder de decisão da mulher sobre o seu corpo foi levantada nas falas das representantes de diversos movimen-tos, que se fizeram ouvir e foram aplaudidas por um público visivelmente indignado com a possível consagração do projeto de lei.

Talvez muita gente não saiba o que significa a palavra que dá nome ao estatuto. Pois então, pelas palavras do Houaiss: nascituro adj.s.m 1 que ou aquele que vai nascer. 2 diz-se de ou o ser hu-mano já concebido, cujo nascimento é dado como certo. O Estatuto do Nascituro consiste, portanto, em designar direitos jurídicos para “aquele que vai nascer”, em detrimento dos direitos daquela que já tem vida: a mãe. No dia 14 de junho, o deputado Marco Feliciano (PSC-SP) apresentou requerimen-to pedindo “a revisão do despacho dado ao PL 478/2007, a fim de que o mesmo tramite pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias”.

A mesma Comissão que aprovou o projeto da “cura gay” quer, agora, aprovar a redução da condição de mulher cidadã, dona do seu próprio corpo e escolhas, à uma condição perante a lei pior que a de um conjunto de células humanas fecundadas. De acordo com o projeto, os direitos da mulher de decidir sobre seu corpo serão re-duzidos ainda mais, desproporcionalmente à sua criminalização já que, se aprovado o estatuto, a lei poderá penalizá-la em qualquer caso de aborto, ainda que fruto de um estupro, ou ainda que a gravidez apresente risco à sua vida.

Se uma mulher descobre que tem câncer depois de saber que está grávida, ou se, mesmo tendo ciência da doença, ela engravidar, a lei proibirá os médicos de iniciarem um tratamento de quimioterapia, por exemplo, simplesmente por priorizar a saúde do feto e, literalmente, crimina-lizar a sobrevivência da mulher.

Cerca de 20% das mulheres no Brasil sofrem abortos espontâneos durante os três pri-meiros meses da gravidez. Não bastasse o luto da perda, a mulher e sua família poderão ser invadidas por uma “investigação policial” (ou seja, caso de segurança pública) para verificar se o motivo da morte do bebê foi realmente natural, e não indu-zido propositalmente.

Afora todos esses artigos que compõem o Projeto de Lei 478/2007 e que, por si só, ferem radicalmente as demandas de anos de luta femi-nista no Brasil e todas as conquistas que já foram asseguradas, o Estatuto do Nascituro traz em si a legitimação do estupro – crime que consta como hediondo em nossa legislação. Se a bancada evan-gélica conseguir a aprovação e o país der mais um passo na contramão da defesa dos direitos huma-nos, o homem que estuprar e engravidar terá que pagar uma pensão (também chamada de “bolsa-estupro”) para a vítima do crime: a “mãe do seu filho”. Como se não bastasse proibir a mulher de interromper, com toda a segurança que lhe fosse

Feministas protestam contra o Estatuto do Nascituro, que criminaliza o aborto e propõe vínculo entre a vítima e o estuprador

as mUlheres deCidem, a soCiedade resPeita, o estado garaNte

desmaterialize o machismo impregnado nas mais diversas inter-relações pessoais; também não in-veste como deveria na formação dos profissionais da área para atender dignamente as mulheres vítimas de todo tipo de violência de gênero. Mas, pior do que não atender a essas demandas, é transvestir o fanatismo religioso com o argumen-to de “reparação de danos”. A implementação da “bolsa-estupro” subestima a apropriação da mulher dos próprios desejos, e são elas próprias, as que poderão usufruir do novo direito, que o renegam e não o aceitam. Mas essa voz, histori-camente, nunca foi ouvida pelo Estado.

A indignação por esse cenário de opres-são se fez valer em uníssona voz das mulheres e homens reunidos na tarde do último sábado, no centro de São Paulo, quando cantavam: “Cadê o homem que engravidou? Por que o crime é da mulher que abortou?” ou “o corpo é nosso, é nos-sa escolha, é pela vida das mulheres... legalize!” referindo-se ao aborto público, gratuito e seguro para todas as mulheres.

Afinal, o ato na Sé se deu em prol da descri-minalização de um histórico político, assim como de histórias pessoais, calcados por um extenso processo de opressão. O ponto de interseção entre todas aquelas vozes é um ideal que, há muito, vem anunciando a liberdade de escolha, a garantia de direitos e a quebra de determinações históricas e sociais. Vozes que se dirigiam, também, contra um Estado representante de direitos que garantem o bem estar de uma “maioria” masculina, branca, heterossexual e portadora dos bens de capital. Formou-se ali, portanto, um espaço público onde foram fomentadas problematizações e, sobretudo, questionamentos diretos e objetivos contra um Estatuto que poderá reger, legalmente, decisões que pertencem apenas ao âmbito pessoal e in-transferível da mulher.

CaDê o homem que engraViDou? por que o Crime é Da mulher

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CONTRAPONTO1� Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Por marcela reis

A Virada Cultural é um evento anual promovido pela Prefeitura de São Paulo desde 2005 que

tem 24 horas ininterruptas de variadas atividades culturais como shows musicais, peças de teatro, exposições, saraus, entre outros. O evento é inspi-rado no festival Nuit Blanche de Paris, que agita a capital francesa com diversas atrações. Esse ano, a Virada aconteceu nos dias 18 e 19 de maio e teve cerca de 900 atrações espalhadas por 25 palcos distribuídos pela região central da cidade. Além disso, contou com um público de quatro milhões de pessoas. Com a realização de um evento desse porte, os debates em relação ao destino da verba da pasta da Cultura aumentam. Qual seria o papel do Estado no fomento às atividades artísticas? Que leis e projetos o governo deveria implantar para investir e promover a cultura brasileira?

A verba para a Virada desse ano aumentou em 25%, foram gastos dez milhões de reais com um evento que dura apenas 24 horas. Para José Salvador Faro, graduado em História pela USP, doutor em Ciências da Comunicação também pela USP e professor da PUC-SP ‘’dez milhões de reais é troco, é muito pouco em relação à riqueza de São Paulo, uma rubrica no orçamento que não altera em nada. Esses recursos não são exagerados para promover uma festa cultural na cidade, a quantia é até modesta. São Paulo tem uma população de quase 12 milhões de habitantes e uma vida cultural muito intensa, não tem nenhum tipo de corrente artística que não passe por aqui’’.

Já Marcelo Segreto, graduado em Letras e Música pela USP e idealizador e compositor do grupo Filarmônica de Pasárgada, aponta que evento concentra muita verba, com esse dinheiro poderiam ser feitas várias viradas culturais, em âmbito bem menor, durante todo o ano. Ele acrescenta que ‘’uma alternativa seria a iniciativa privada, através de patrocínios, promover um gran-de evento como a Virada Cultural, porque dessa forma a prefeitura poderia usar a verba pública destinada à cultura de outras maneiras, como no fomento às atividades artísticas na periferia, que é carente nesse sentido’’.

Exaltando artistas já reconhecidos, a prefeitura de São Paulo gasta milhões de reais com um evento que dura apenas 24 horas

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CUltUra oU só massifiCação?Virada

apresentarem, enfrentam dificuldades para se tornarem visíveis devido à promoção em cima só daquilo que já é famoso. ‘’Sob esse aspecto a virada é mal organizada, ela deveria ser um agito cultural alimentado na mídia pelos instrumentos que a prefeitura tem, como as propagandas, para gerar expectativa. Isso certamente iria tornar a Virada maior ainda e beneficiaria os grupos me-nores’’ aponta Faro.

A ideia da Virada é importante, ela cria condições para que as pessoas tomem as ruas do centro da cidade e isso apresenta um caráter civilizador na sociedade em que vivemos promo-vendo certa democratização do espaço urbano. No entanto, a transformação do evento em mega espetáculo não é uma política cultural. O evento se mostra muitas vezes como uma lógica de espetá-culo justamente para consagrar os grandes nomes e para servir à rotina da exclusão cultural. Para Segreto, o ideal é fazer um evento que mescle os pequenos artistas com os maiores, e normalmen-te é o que acontece. Como o dinheiro utilizado para a realização da Virada vem da população, as expectativas do público devem ser atendidas. Não pode ser um festival que promova apenas os grandes nomes, mas não dá pra fugir da lógica comercial, até porque ela sempre existiu.

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Virada Cultural atraiu cerca de 4 milhões de pessoas para o centro

é gasto muito Dinheiro Com a ViraDa, mas isso é uma esColha

polítiCa, a míDia e o goVerno gostam, pois forma massa. é um espetáCulo e não uma meDiDa Cultural, que tem proDução, Difusão e ContrapartiDa

soCial

(franCisCo alambert)

o estaDo Deixou um Vazio na área Cultural, essa é Vista por alguns Dirigentes Do goVerno Como um aCessório apenas, e,

portanto não é tão importante, funDamental e estratégiCa Como outras áreas, fiCanDo renegaDa

para um plano muito inferior

(josé salVaDor faro)

Segundo o doutor em História Social e pro-fessor da USP, Francisco Alambert, ‘’é gasto muito dinheiro com a Virada, mas isso é uma escolha política, a mídia e o governo gostam, pois forma massa. É um espetáculo e não uma medida cul-tural, que tem produção, difusão e contrapartida social’’. A verba para esse evento é exatamente a mesma que é destinada à política cultural mais efetiva e criativa que se faz no Brasil, como a Lei de Fomento ao Teatro, que impulsionou uma pro-dução gigantesca e diversificada no centro e na periferia. Além disso, formou centenas de grupos de teatro não com a finalidade do espetáculo, mas como formação cultural, política, cidadã. Isso é uma virada cultural para o ano todo.

Se a Virada fosse a única iniciativa cul-tural da prefeitura, o dinheiro gasto no evento seria jogado fora, pois não dá resultados sólidos, duradouros. Depois do fim da ditadura, com a redemocratização, os governos eleitos procuraram se legitimar também diante das comunidades culturais. A vida artística se voltou para políticas permanentes, como as casas de cultura, desde a época do governo da prefeita Luiza Erundina, em 1989. E os governos que se sucederam man-tiveram uma relação positiva com os núcleos de cultura e isso foi enraizado na cidade, portanto os grupos e atividades artísticas permanentes contra-balanceiam um evento desse porte.

Pode-se perceber que o evento destaca os artistas e grupos que já são famosos e que estão frequentemente presentes na grande mídia. A Virada consagra quem é da cultura de massa, portanto o sucesso de grandes nomes pautados pela mídia é reforçado em detrimento de grupos menos conhecidos. Falta publicidade do evento de maneira igualitária, porque os artistas e gru-pos pouco conhecidos, que têm a chance de se

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Políticas públicas – A crítica em relação à Virada Cultural não pode ser vista isoladamente, mas deve-se analisar o papel do Estado no fomen-to à cultura e a pequena verba destinada para a realização de atividades culturais. O professor Faro afirma que ‘’o Estado deixou um vazio na área cultural, essa é vista por alguns dirigentes do go-verno como um acessório apenas, e, portanto não é tão importante, fundamental e estratégica como outras áreas, ficando renegada para um plano muito inferior’’. Muitas pessoas defendem que a atividade cultural deve ser disputada pelo próprio artista e que não é dever do Estado patrocinar esse segmento, mas o governo não pode abandonar nenhuma das áreas, senão ele cria vácuos que ge-ram problemas políticos. Segreto aponta que ‘’o Estado precisa de um plano sólido para a cultura, mas a arte não pode depender apenas da verba do governo, pois se esse valor não for disponibilizado para o artista, ele não consegue promover seu trabalho. Para existir arte precisa ter um sistema de obra, autor e público. Sem esse, a arte não existe, conquistar o público é importante para se estabilizar e se tornar mais autônomo. Portanto para se manter é necessário entrar no mercado, ter certa comercialização’’. O Estado muitas vezes deixa a desejar, como no caso da Lei de Fomento ao Teatro que ‘’foi conquistada através da luta da própria categoria teatral junto à Câmara dos vereadores, não foi exatamente resultado de uma política de governo, apenas recebeu apoio da pre-feita da época Marta Suplicy’’ conclui Alambert.

Grande parte da deficiência da atuação do Estado em relação às atividades culturais se dá pela falha da Lei Rouanet -Lei Federal de Incentivo à

Cultura que institui políticas públicas para a cultu-ra nacional e que teoricamente tem como base a promoção, proteção e valorização das expressões culturais nacionais. “As nossas leis de incentivo à cultura não passam de captação de recursos das empresas para investimento em atividades cultu-rais que tem sucesso de mercado, e isso apresenta um problema, porque nem sempre essas atividades são as mais maduras e mais consequentes com o estado da arte e com a vanguarda estética e musical’’ afirma Faro. Esse tipo de financiamento através de recursos privados significa a ausência do Estado, porque o privado ocupa essa lacuna e não necessariamente beneficia a cultura de maneira geral, mas promove uma cultura de mercado, que é massiva e pautada pela mídia.

A Lei Rouanet não é apenas uma transferên-cia de responsabilidade do público para o privado, mas uma transferência de dinheiro. A Lei faz com que as empresas adiantem o dinheiro destinado à promoção de atividades artísticas que depois voltará em forma de renúncia fiscal. Ou seja, o povo paga pelo investimento em cultura que é promovido e guiado pelos departamentos de marketing das grandes empresas. Na prática o empresário que financia cultura não está realmente interessado no caráter social da mesma, mas apenas no seu valor comercial e de visibilidade. Portanto, ‘’a verba destinada à cultura poderia ser acrescida com o fim da Lei Rouanet’’, defende Alambert.

O Estado deve patrocinar as atividades de incremento à cultura, mas sem dirigi-las, ou seja, sem se valer dos critérios mercadológicos, apenas subsidiar os artistas sem se preocupar se terão público ou não. Ele deve abrigar e proteger

a atividade cultural que tem enraizamento, lógica, importância para o universo artístico brasileiro. Além disso, o Estado precisa valorizar a arte e a cultura da comunidade e não só arte comercial, como muitas vezes prevê a Lei Rouanet.

A prefeitura tem bons projetos para a arte independente como o ProAC (Programa de Ação Cultural), que é um edital que disponibiliza dinhei-ro público aos artistas vencedores. Mas o projeto apresenta deficiências, como a verba ser pequena e, portanto, contribui com um número muito limitado de artistas. Os grupos que se inscrevem nos editais dos teatros, como no Teatro Paulo Eiró, recebem subsídio da prefeitura e se tornam permanentemen-te dependentes dessas atividades organizadas pelo governo. Isso cria uma rotina cultural na cidade que vai muito além da Virada Cultural, são esses eventos contínuos e desenvolvidos ao longo de anos que são realmente importantes. Se não houver a práti-ca permanente de subsídio à cultura, dez milhões gastos em um mega evento como a Virada Cultural é muito dinheiro.

As iniciativas artísticas que o Estado pro-move para o público com o intuito de formar e preservar a cultura são extremamente válidas e importantes, mas pouco concretizadas, pois esta-mos na era do espetáculo pelo espetáculo, conclui Alambert. Sob uma visão mais otimista, Faro diz que a cultura não é ao todo mercadológica, há diversas atividades que visam apenas o lazer, a estética e o entretenimento, e não o lucro em si. O Brasil, sendo um país tão diversificado, não pode ser encaixado em apenas uma proposta de cultura, como no caso o mercado. Temos muitos grupos de artistas que têm enraizamento ideológico e origem popular que promovem práticas coerentes de produção cultural.

Democratização da cultura – É nítido que o acesso às atividades culturais não é efetivamente democrático. Uma proposta que o Estado apre-senta para tentar reverter essa situação é o Vale Cultura -projeto que destina aos trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos 50 reais para serem gastos em cultura. O Vale é uma iniciativa que tenta promover a democratização, principal-mente pela decisão da ministra da Cultura Marta Suplicy de proibir que ele possa ser usado para pagar a TV por assinatura. Para Faro, esse instru-mento não pode servir para alimentar o consumo das produções de baixo nível da indústria cultural brasileira. A iniciativa é boa, mas não se pode estabelecer onde esse dinheiro será gasto, pois não importa no quê o Vale será usado, desde que seja para atividades culturais. ‘’É extremamente paternalista guiar o gasto com a arte, é agressivo ter preconceito e anular a cultura do outro. O que se pode fazer é investir em educação como um meio de ampliar o universo artístico das pessoas para que elas tenham contato com todo tipo de cultura’’ aponta Segreto. Já para Alambert, o Vale Cultura é ‘’bizarro’’, pois somos nós que pagamos pelas atividades culturais produzidas. As empresas recebem nosso dinheiro e promovem os espetácu-los de acordo com seus interesses, então não tem sentido pagarmos de novo para elas.

O professor Faro apresenta a ampliação dos espaços públicos para as práticas culturais como uma alternativa que ajudaria a conquistar a democratização. Ele defende a necessidade de ‘’acabar com o monopólio do circuito intelec-tualizado e burguês dessas práticas culturais. O Estado tem que ocupar todos os espaços, o que vemos é um marasmo cultural’’. Só os espetáculos de massa são divulgados, o governo deve traçar estratégias, políticas e metas para a cultura em geral, sem exceções.

o estaDo preCisa De um plano sóliDo para a Cultura, mas a arte não poDe DepenDer apenas Da Verba Do goVerno, pois se esse Valor não for

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Gal Costa promove show na Praça Júlio Prestes

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Temática da Semana atraiu estudantes de vários cursos e faculdades da PUC

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da redaçãoAo reunir temas de relevância social, a 35ª Semana de Jornalismo da PUC-SP agregou conhecimento a futuros jornalistas e demais

interessados nos debates

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direitos hUmaNos são Coisa de BaNdido?Semana de jornalismo

Entre os dias 20 e 24 de maio de 2013 acontece-ram as atividades da 35ª Semana de Jornalismo

da PUC-SP. Com organização do Departamento de Jornalismo da universidade e do Centro Acadêmico Benevides Paixão, os encontros buscaram abranger temas de grande relevância social, relacionados a Direitos Humanos e suas violações.

Os assuntos abordados estão em constante evidência na imprensa e, muitas vezes, não são tratados com muita profundidade nos principais veículos de comunicação no país. Em sua maioria, os encontros visavam expor diferentes visões sobre temas que se tornaram tabus ou polêmicos na imprensa tradicional.

O público presente nos encontros pode en-riquecer sua formação profissional com os debates, mas também ampliar sua noção de cidadania e convivência numa sociedade de direitos. Os temas abordados foram aborto, homofobia, maioridade penal, violência policial, entre outros.

Direitos Humanos? em são Paulo?

Com a mediação do professor Leonardo Sakamoto e da estudante Isabella Amaral, o Secretário de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo, Rogério Sotilli, concedeu uma entrevista coletiva ao público presente na abertura da Semana de Jornalismo da PUC-SP. Em suas falas, ele expressou a necessidade de que todas as secretarias do município executem seu trabalho visando a garantia e preservação dos direitos humanos na cidade.

Sotilli acredita que a atual gestão municipal deve respeitar todas as minorias que compõem a cidade e desenvolver políticas públicas para diver-sos segmentos sociais, como moradores de rua, gays, negros, mulheres, migrantes, entre outros. Na ocasião, o secretário tocou no tema da vio-lência policial. Em sua visão, é inadmissível que a Guarda Civil Metropolitana impeça, por exemplo, skatistas de circularem pela Praça Roosevelt e usem de violência para contê-los. Sotilli reconhece as ações truculentas da Polícia Militar e da Rota como violações aos Direitos Humanos, mas pontua que estas instituições estão sob responsabilidade do governo estadual.

Fazer arte é Direito De quem?

Para aquecer e integrar a plateia na primeira atividade noturna da 35ª Semana de Jornalismo da PUC de São Paulo, foi realizada uma oficina com a Companhia de Teatro Garoa, uma das represen-tantes do CTO (Centro de Teatro do Oprimido). A prática do Teatro do Oprimido trouxe encenações, com participação do público, acerca do tema “Violência Policial”.

A modalidade iniciada por Augusto Boal, di-retor, dramaturgo e ensaísta brasileiro falecido em 2009, tem em sua essência o uso do teatro como ferramenta política, transformando a estética, a imagem e a gesticulação, que formam as apresen-tações, em aliadas à ação social sendo largamente

empregadas por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política.

Relatando diversas cenas vividas ou vistas, os participantes, além de atores também se torna-vam diretores contribuindo para a construção de cenas de opressão policial. Com um tema muito presente na sociedade brasileira, principalmente quando se tratando de pessoas da periferia, exem-plos como menores de idade sendo espancados por policiais e inocentes sendo presos e torturados injustamente vieram à tona.

Alunos frequentadores das periferias da cidade de São Paulo narraram cenas vistas de teor bárbaro cometidas pelos matadores da Rota e da Tático Móvel (segmentos da Polícia Militar), mostrando aos presentes e a si mesmos que, nas periferias, onde se encontra a juventude negra e pobre, na maioria das vezes, a lei é mutável ou não cumprida.

Os jogos e exercícios promovidos pelo teatro existem sob a perspectiva política da cons-cientização, onde o mesmo torna-se um veículo para a organização, debate dos problemas, além de possibilitar, com suas técnicas, a formação de sujeitos sociais que possam ser o elo da ação com a população na defesa por direitos e cidadania para a comunidade.

Com muitas risadas, a oficina conquistou a atenção da plateia de um modo que todos opina-vam e deixavam claros seus pontos de vista sobre como a opressão é usada pelos policiais. Ao terem

que representar o opressor e o oprimido, muitos fin-giam espancar e gritar com suas vítimas aplicando aos opressores papéis de corruptos e injustos que, infelizmente, correspondem com a verdade.

O teatro trabalha pela democratização dos meios e pela instrução do povo. O modo como as ações cotidianas são vistas pela população é essencial no combate à opressão. A expansão da técnica do Teatro do Oprimido caminha paralela-mente ao sonho de uma sociedade conscientizada e politizada. Boal, como uma figura emblemática e fundamental para a compreensão do teatro contemporâneo, deixou discípulos que dão conti-nuidade à busca de um teatro político e de caráter emancipatório.

maioriDaDe Penal aos 16: solução ou vingança?

Após a morte do estudante Hugo Deepman por um garoto que só completaria 18 anos algu-mas semanas após o ocorrido, o tema “redução da maioridade penal” voltou fortemente a ser debatido na sociedade, e está em votação no congresso nacional.

Foram convidados para realizar este de-bate sobre a maioridade penal, na Semana de Jornalismo, o vereador da cidade de São Paulo e advogado, Ari Friendebach, e a professora de direito penal do Largo São Francisco, Mariângela Magalhães Gomes, presidente do Instituto Brasi-leiro de Ciências Criminais (Ibcrim).

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A convidada construiu seus argumentos contra a redução da maioridade penal dizendo que esta não seria uma medida feita a partir de estudos sobre direito penal, mas uma política de maior criminalização e encarceramento dos jovens pobres que vivem nas periferias do Brasil ao invés de ser uma política na qual Estado lide com pro-blemas sociais muito mais sérios e complicados. Mariângela ainda completa dizendo: “Para o Estado todos os problemas são enviados para a área penal a fim de serem resolvidos, é mais fácil aumentar a pena do que investir em educação e proteção, e a consequência disso é a superlotação dos presídios”.

Já o convidado Ari Friendebach afirma ser a favor da redução da maioridade penal apenas em crimes hediondos (latrocínio, estupro, assassi-nato, etc), diz que o ideal seria o jovem ter maior acesso a educação, citando que os altos índices de violência atuais devem ser combatidos através do sistema carcerário. Porém esse precisa ser melhorado já que a maioria dos presos brasilei-ros, ao sair da cadeia, retorna ao crime. “Se não recebem educação, entram para o crime, e isso deve mudar, o jovem tem que ter a oportunidade de voltar para o mercado de trabalho de forma melhor”, afirma Ari.

Outro ponto muito debatido durante o encontro foi a posição o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) frente a questão da maiorida-de. Para Ari o estatuto é extremamente falho e

necessita de profundas modificações. Enquanto que para Mariângela o estatuto não precisa ser aprimorado apenas cumprido com seriedade.

Um ponto de concordância entre ambos os convidados é da extrema importância do debate acerca da questão do direito penal que levam a reflexão sobre novos caminhos acerca da reali-dade do Brasil e dos direitos humanos. Ambos parabenizaram a iniciativa do departamento de jornalismo da PUC-SP.

quanDo o País vai legalizar a maconHa?

Não é de hoje que a questão da legalização da maconha vem sendo abordada por indivíduos de diferentes classes em diferentes cenários – seja nas mesas de boteco ou no plenário. Para o debate deste tema na 35ª Semana de Jornalismo da PUC-SP foram convidados Maurício Fiore, pesquisador do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos, e Bruno Torturra, integrante da Rede Pense Livre, que luta por uma política funcional das drogas na sociedade. Como mediador, a mesa contou com o professor e jornalista José Arbex Jr. e o aluno Victor Santos como debatedor.

Durante o evento, os dois convidados defenderem uma legalização consciente das dro-gas, o debate teve como foco os benefícios que a aprovação do uso traria à sociedade brasileira. Para comprovar suas teses e argumentos, os deba-tedores utilizaram como base países que tiveram

a iniciativa de legalizar o uso da maconha – seja ele medicinal ou recreativo – e que vêm obtendo sucesso na medida, como Holanda e alguns esta-dos dos EUA.

Durante a discussão não houve manifes-tações contra a legalização e as perguntas foram fundadas a partir de pautas como: economia, impacto social e violência causada pela crimina-lização do uso, além da marcha da maconha e a ideia de qual seria a melhor forma de legalizar a droga no país.

Para Torturra, surgirá um movimento mun-dial que acabará “engolindo” o Brasil na questão da legalização, forçando o país a aceitar a medida. Já Fiore, vê a legalização como algo a ser econo-micamente planejado para que haja um modelo cooperativo e estatal da venda e distribuição da planta.

Além da unanimidade no “sim” à legali-zação, houve também uma concordância no que diz respeito à guerra contra as drogas em todo mundo, confirmando uma tendência que afirma a legalidade do uso e comércio de entorpecentes como um passo positivo a ser dado pelo homem. O professor Arbex, por exemplo, citou como o tráfico de armas está diretamente associado ao tráfico de drogas, afirmando que com a extinção do narcotráfico, teríamos uma brusca diminuição no tráfico de armas.

Ao fim do debate, ficou claro que legalizar a maconha é uma medida que deve ser tomada gradualmente em todo mundo, dizimando o ideal moralista que sempre classificou o usuário da erva como vagabundo ou bandido, relacionando-o à população pobre, negra e periférica. Se “dar um tapinha” é motivo de cadeia, os últimos sete pre-sidentes americanos deveriam ter cumprido seus mandatos em Alcatraz.

cotas: a universiDaDe tem cor?

Os convidados para debater o acesso da população negra ao ensino superior foram Frei David Santos, diretor da Educafro, e Teresinha Bernardo, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Relações Raciais da PUC-SP. A discussão girou em torno do racismo institucional, que é um problema maior do que o racismo individual e que não é muito discutido dentro da universidade.

Logo de início, Frei David reconhece que “além de cor, a universidade tem classe social”. Segundo estatísticas, mais de 95% das universi-dades adotaram algum tipo de inclusão racial ou social. Em contrapartida, apenas 7% dos alunos de escola pública entraram na USP em 2013.

As cotas surgiram para diminuir a enorme diferença entre negros e brancos, mas essa dife-rença só tem aumentado, até porque os negros são os terceiros beneficiados dentro de uma escala, antes estão os alunos da rede pública e os pró-prios brancos. A inclusão racial precisa ser feita, visto que as universidades brasileiras são pouco plurais. Segundo estimativas, em 2013, 63% dos brasileiros aprovam a adoção de cotas para negros, indígenas e deficientes.

O ProUni (Programa Universidade para todos) em cinco anos colocou mais negros na universidade do que o próprio vestibular colo-cou ao longo da história do Brasil. A professora Teresinha aponta que os alunos cotistas são subsidiados para entrar na universidade, mas não recebem auxílio (como uma “bolsa ma-nutenção”) para permanecerem na faculdade. Afirmou ainda que as cotas não são só um paliativo, mas são uma grande necessidade, visto que pelo senso do IBGE de 2010, 51% da população brasileira é negra e há poucos alunos negros nas universidades.

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Semana de jornalismo

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As cotas não são uma medida para sem-pre, mas são a resolução momentânea. “Por anos grande parte das cotas para negros foram usurpadas pela falta de ética dos caros cursinhos, que incentivavam seus alunos a tomarem as vagas dos negros, atestando que esses haviam roubado o lugar dos brancos nas universidades” diz frei David. Para Teresinha a questão social e a racial estão intimamente ligadas,“os negros são pobres; e são pobres porque são negros. Isso vem da his-tória brasileira, da herança da escravidão”.

A sociedade contemporânea, extrema-mente conservadora, é composta por uma elite “resistente à democracia”, na qual o controle dos meios midiáticos é submetido. Teresinha ex-plica que o racismo está sempre presente, porém escondido. Segundo ela, ele existe por conta na história brasileira, marcada por quase quatro sé-culos de escravidão negra. Por isso, deve-se ter em mente que ao se tratar das cotas, discute-se uma questão não somente financeira, mas também de identidade.

estaDo laico: ele está no meio De nós?

No mês de março desse ano, o pastor Marcos Feliciano assumiu a presidência da Co-missão de Direitos Humanos. Com 76 cadeiras no Congresso Nacional, representantes de grupos religiosos pressionam decisões de interesse em comum, a chamada “bancada evangélica”. O

uso de imagens e símbolos religiosos em órgãos públicos – como no Supremo Tribunal Federal – é frequente. Estado Laico: ele está no meio de nós? Essa é a questão que o editor assistente de política da Folha de S. Paulo, Ricardo Mendonça, e o sociólogo da Religião da PUC-SP, Edin Sued Abumanssur, debateram na 35ª Semana de Jor-nalismo da PUC-SP.

Segundo o Artigo 19 da Constituição Bra-sileira, o Estado deve se desvencilhar de qualquer envolvimento com instituições religiosas e garantir a liberdade de escolha e a prática de todas as religiões. O questionamento quanto ao cumpri-mento dessa cláusula cresce à medida que as contradições começam a ser percebidas, quando se observa, por exemplo, o grande monopólio de grupos religiosos na mídia (uma concessão do espaço público), e o crescente número de líderes religiosos no Congresso Nacional.

Para Ricardo Mendonça, o Brasil é, formalmente, um Estado laico. Na prática, no entanto “a sinergia entre igreja e Estado não cumpre a norma”. Segundo o jornalista, a cultura política eleitoral está contaminada, pelo fato de gerar uma maior agregação de votos quando a figura se diz pertencente a uma religião. Percebe-se também esse fenômeno quando instituições religiosas são instrumen-talizadas para cumprir as funções do Estado, como ocorre com as clínicas de reabilitação vinculadas a igrejas.

Quando questionado, o sociólogo Edin Sued Abumanssur afirmou: “O Estado Laico é um fundamento idealizado e não existe em lugar nenhum do planeta”. Ele diz que a religião, como pertencente da esfera privada, está enraizada na cultura da população, portanto, há confusão com os interesses de esfera pública. “A separação entre a esfera privada religiosa e a pública só aconteceu em regimes autoritários. Portanto, na democracia, ainda não há um exemplo de Estado que tenha alcançado essa segregação ideal“, afirma.

Para ambos os convidados, a difusão de propagandas e cultos religiosos em espaço de concessão pública, como nas emissoras de rádio e televisão, é um fator determinante para o cres-cimento de grupos religiosos. “Vale lembrar que muitos evangélicos no Congresso participam da Comissão de Comunicação, ou seja, são eles que decidem para quem vão as concessões públicas de rádio e televisão”, ressalta Abumanssur. Além disso, a cobertura jornalística em eventos religiosos nesses espaços se mostrou desequilibrada. “A mí-dia também não é laica”, afirmou Mendonça.

o Brasil Precisa De uma coPa Do munDo? Uma das atividades da Semana de Jornalis-

mo colocou em debate a realização da Copa do Mundo de 2014 no país. O tema foi conduzido pelo professor Valdir Mengardo e o estudante Gui-lherme Almeida. O ponto central foi discutir o que esse megaevento proporcionará, tanto benefícios como malefícios, à sociedade brasileira.

Nelson da Cruz Souza foi o convidado da mesa e relatou de forma incisiva as repercussões de uma Copa para o desenvolvimento do Brasil. Membro do Comitê Popular da Copa e integrante do Movimento de Moradia do Centro (MMC), Nelson tratou de focar em acontecimentos no estado de São Paulo.

No primeiro momento da palestra, o con-vidado expôs sua visão quanto ao tema tratado. Para ele, o Brasil não está preparado para admi-nistrar uma Copa do Mundo, assim como também os outros megaeventos que vão ser sediados no país. O país deve estabelecer uma educação de qualidade, condições boas à população e demais políticas de melhoramento do espaço público antes de se candidatar para ser sede de qualquer megaevento. Contudo, como afirma Nelson, essas políticas não foram desenvolvidas no Brasil. O dinheiro destinado a essas medidas, que são mais necessárias ao país, está sendo usado para a realização do evento. Estádios, vias de acesso e outras obras estão utilizando a verba pública para sua construção. Afirma ainda, que “não existe o amor à pátria aqui no Brasil, mas sim o amor ao capital” e que “esse dinheiro deveria estar sendo usado para construir uma Copa de inclusão, e não exclusão social”.

Em seguida da fala de Nelson, o advogado Luiz Guilherme, que trabalha com direito despor-tivo e participa da Frente Nacional dos Torcedores, contribuiu para a discussão explicando com mais detalhes a legislação proposta pela FIFA; acrescen-tou ainda que a FIFA é uma empresa privada, cuja mercadoria é a Copa do Mundo e que é vendida para o país que concordar com seu funcionamen-to. Assim, o advogado discorre dizendo que a FIFA não é responsável por todos os problemas que o megaevento vai trazer ao país, mas que isso só foi possível porque nossos governantes concordaram com essas medidas; para Nelson, “a família FIFA vai invadir nosso país e teve permissão de fazê-lo”.

Em vários momentos, Nelson pedia descul-pas pela sua exaltação e o aumento do tom da sua voz, afirmando que essa injustiça que é cometida contra os pobres lhe toca muito, irritando-o: men-

a separação entre a esfera priVaDa religiosa e a públiCa

só aConteCeu em regimes autoritários. portanto, na

DemoCraCia, ainDa não há um exemplo De estaDo que tenha

alCançaDo essa segregação iDeal

(eDin sueD abumanssur)

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sobre o sistema de cotas nas

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A laicidade do Estado foi o tema debatido entre Edin Abmanssur e Ricardo Mendonça com a mediação da professora e jornalista Pollyana Ferrari

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Nelson da Cruz Souza representou o Comitê Popular da Copa ao citar as violações dos Direitos Humanos presentes nos preparativos para o evento

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cionou exemplos de comunidades que estão sendo “arrancadas de seu bojo”, das suas moradias e não têm apoio do governo para se realocar, restando-lhes o abrigo nas favelas da cidade. Para ele, os benefícios que a Copa do Mundo trará para o país, serão restritos às classes dominantes da sociedade, a custo do sofrimento dos pobres.

“a quem Pertence o corPo Da mulHer?”

Na noite de quinta-feira, a mesa de debates foi composta por Amelinha Teles, militante políti-ca, integrante da Comissão Estadual da Verdade de SP e diretora da União das Mulheres do Mu-nicípio de São Paulo. Ela dividiu o espaço com o coordenador de projetos do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba, formado em Biologia e Ciências Sociais e atuante nas áreas de Bioética, Igreja, Sociedade e Cultura e Doutrina Social da Igreja. A professora Anna Feldmann mediou a discussão, acompanhada da debatedora Lu Sudré, aluna do 2º ano de Jornalismo.

O tema “A quem pertence o corpo da mu-lher?” proporcionou um debate acirrado diante da questão polêmica do aborto e da autonomia da mulher em relação a seu corpo. O auditório foi ocupado por alunos de diferentes cursos, inclusive integrantes do “Coletivo Feminista Yabá”, da Faculdade de Direito e do “Coletivo Feminista 3 Rosas”, da FAFICLA.

Foram levantadas questões como a natura-lidade da maternidade e o papel do Estado como articulador das escolhas pessoais da mulher. Para Borba, o aborto é uma prática que ignora a ma-ternidade como evento que incorpora a essência da mulher. Em sua opinião, não seria uma solução ideal, mas uma nova forma de submissão do corpo da mulher à lógica do capitalismo, acreditando ser uma política neoliberal de desoneração do Estado. O professor sustentou uma posição de “solidariedade incondicional ao outro”, em que todos deveriam doar seus corpos à outra pessoa em especial, comportamento supostamente ne-cessário a uma vida saudável.

Em contrapartida, Amelinha sustentou aquilo que defende há mais de 30 anos: “o cor-po da mulher pertence a ela mesma”. Afirmou que a mulher enfrenta, além da culpabilização da gravidez indesejada, uma heterossexualidade e maternidade obrigatórias, o que inclui o sexo forçado. Para ela, o aborto é algo íntimo e deveria ser um direito garantido pelo Estado. Além disso, apontou para os riscos proporcionados pelo aborto clandestino e também para a questão econômica que permeia o assunto.

Foi abordada também a polêmica do Esta-tuto do Nascituro, que propõe considerar o aborto um crime, independente do caso. O projeto de lei prevê também a chamada “Bolsa Estupro”, uma ajuda financeira governamental dada às mulheres

estupradas que, no caso de reconhecimento do autor do estupro, passaria a ser paga pelo mesmo. Isso implicaria na obrigatoriedade da mulher em se relacionar com seu violentador por toda a vida, algo que Amelinha considera inconstitucional e um desrespeito à mulher, enquanto Francisco Borba considera viável tal acompanhamento por parte do Estado.

Apesar das divergências, os convidados concordaram diante da necessidade de uma mudança cultural na qual o homem abdique da posição de poder injusta e desigual que ocupa há tanto tempo.

o Brasil é HomoFóBico e macHista?

No encerramento da 35ª Semana de Jornalismo, os estudantes da PUC-SP e demais interessados presentes realizaram uma entrevis-ta coletiva com o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ). Com a mediação do professor Leonardo Sakamoto e da estudante Marcela Reis, o político respondeu a questões sobre homossexualidade, machismo, homofobia e políticas públicas para gays e mulheres.

Em sua fala inicial, Jean esclareceu que os problemas que viriam a ser discutidos nesta entrevista são decorrentes de uma sociedade estruturalmente patriarcal. Segundo ele, “a ho-mofobia e o machismo são sistêmicos e ambos fazem parte do que a gente pode chamar de ordem masculina, que trabalha em cima de uma lógica de divisão sexual, da subalternização do feminino em relação ao princípio masculino. É esse modelo das sociedades patriarcais que vem sendo reproduzido historicamente, resultando na homofobia. Então, machismo e homofobia são parentes e produtos de uma mesma ordem”. Além disso, o deputado afirmou que o Brasil é um país cuja população é muito preconceituosa, mas não aprendeu a assumir seus preconceitos, o que se torna um empecilho para superá-los.

O convidado ainda pontuou a necessidade de os jornalistas possuírem uma boa formação em Direitos Humanos, para que não reproduzam chavões relacionados ao assunto. Em sua visão, o público em geral precisar se conscientizar de seus direitos, pois os têm desde o nascimento. Quanto à provocação de que os direitos humanos existam para “proteger bandidos”, ele a rebate da seguinte maneira: “Estes direitos humanos são inatos a todos nós e independem do Estado ou de uma constituição para outorgá-los. A pessoa permanece humana quando comete um delito, um crime ou uma infração. Ela não tem que ser expulsa da comunidade de direitos”.

Durante a entrevista, Jean Wyllys defen-deu a necessidade de uma lei que regulamente a profissão das prostitutas, argumentando que esta legislação dignificaria o trabalho daquelas que escolheram a prostituição e evitaria a explo-ração sexual. A dura relação entre homossexuais e algumas religiões também foi abordada nas falas do deputado.

De acordo com ele, “desde o século XIX, transitamos pelas palavras “homossexualismo” e “homossexualidade”. Essa comunidade sempre foi desumanizada e essa desumanização está em curso, ainda hoje, sobre tudo no discurso do fundamentalismo religioso, onde é fundamental que se desumanize a população LGBT, que tire o que ela tem de humanidade, que a identifique com o que há de animalesco, com o que há de menos divino, porque só isso pode justificar toda a violência que se abate sobre eles”.

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CONTRAPONTO22 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Não respiro. Eu escrevo. Não sou bom no oficio e passo horas para isso. Entretanto, necessito desse sopro vital para so-

breviver neste mundo caótico. Não me adapto a tal espaço: sei que não pertenço ao mesmo lugar das outras pessoas, pois elas vivem cada dia de sua existência nesta zona conturbada, criando belas e gloriosas histórias (mesmo que algumas nem tão assim) enquanto que eu me restrinjo a cada dia morrer aqui.

Crio, então, minha idealização, o meu mundo do faz de conta com princesas, se-reias e animais falantes, sem grandes problemas pessoais e sociais. Meus pensamentos e imaginações codificam minha realidade irreal. Tudo nela ondula junto ao que sinto. Dia de sol ameno com leves brisas do sul evidenciam uma alegria sem causa ou consequência, enquanto que na escuridão da noite sem estrelas nem lua, no interior de uma caverna fria me guardo a dor e a angústia.

As rosas de meu mundo recordam-me da beleza da paixão e suas colorações aver-melhadas escurecem quando sobem as borboletas pelo meu estômago. O sorriso verdadeiro de um amigo é o suficiente para abastar meu mundo rosa e recordar-me da felicidade a partir da simplicidade da com-panhia. Elas nunca morrem de fato, mas como flor em inverno, murcham periodicamente. Isso quando quem amo fora de meu restrito alcance visual, deixando-

me incompleto e exposto. Criança sem doce. Por outro lado, o fato de essas plantas extinguirem em meu país das maravilhas mostra que a luz de cada um que cruzou meu caminho permanecerá sempre em meu ser, mesmo que num embriagante lampejo da estrela mais obstante.

Outra planta da qual não posso deixar de ter em meu mundo é o salgueiro: a única que partilha comigo os sofrimentos da essência.

A existência é dura e tenho que enfrentá-la sozinho para perder o medo do amanha. Salgueiro, flora guerreira e solitária. Até que combina com meu interior morto, com cada uma de suas pequenas folhas caídas e murchas sendo meus desejos e conquistas inalcançáveis. As que dormem no chão frio são um feixe de esperança em decomposi-ção. Sou ambíguo... O morto e o vivo.

Paradoxo talvez, mas realidade. Não posso viver sem estar morto antes. As decep-ções da existência que elevam minha defesa e revelam e unem aqueles próximos. Mas mesmo os próximos um dia se vão, de corpo ou recordação ou ambos. As murchas rosas são as únicas salvações. Fracas e pobres, não conseguem me abraçar mais, sobrando ao Salgueiro a função do acolhimento. Um (re)encontro deslumbra a rosa e torna-a ver-melho vivo. Mas também deixa o Salgueiro na expectativa de colher mais frutos.

Talvez não fiquem vermelho paixão, mas as rosas sempre se abrirão a quem me faz bem. Também o Salgueiro espera sua vez para o fatídico abraço com meus amigos.

Isso, pois um comprimento significa um adeus.

sical, no qual se canta baixinho, fugindo dos padrões da época, que valorizava os vozeirões das estrelas do rádio.

Outros nomes, menos conhecidos, também foram cruciais para a consolidação da Bossa Nova e protagoni-zam os relatos encontrados no livro. Entre eles, Nara Leão, cujo apartamento, na Avenida Atlântica, sediou diversos encontros entre os compositores do gênero; Ronaldo Bôscoli, que namorou Nara por muito tempo e a trocou por Maysa, incitando a rivalidade entre as duas; Roberto Menescal, autor de “O Barquinho”; Newton Mendonça, amigo de infância de Tom Jobim e seu principal parceiro musical até que este conhecesse Vinícius de Moraes, entre outros.

Chega de saudade não conta apenas as histórias por trás das músicas gravadas, mas nos traz um panorama do mercado fonográfico da época. Quando a televisão ainda engatinhava, as emissoras de rádio eram muito poderosas no meio musical, cada uma delas tinha uma equipe de cantores, músicos e arranjadores contratados, era muito comum que os programas musicais acontecessem ao vivo. As gravadoras também aparecem na história contada por Ruy Castro. O leitor adquire conhecimento sobre os tramites burocráticos do mercado fonográfico da década

de 50 e a evolução tecnológica nas gravações. No decorrer das páginas, são citadas diversas músicas importantes

para o desenrolar da história da Bossa Nova. A leitura torna-se bem mais fácil e prazerosa com uma pausa para escutar as composições dos protagonistas dessa narrativa.

A Bossa Nova é um estilo musical desenvol-vido principalmente por jovens de classe

média alta, moradores do Rio de Janeiro em meados da década de 50 e 60. Ela foi respon-sável por internacionalizar a música brasileira e estreitar a relação cultural entre o Brasil e os Estados Unidos num período de grande euforia econômica, pós segunda guerra mundial, conhecido como Anos Dourados. Suas músicas priorizam versos românticos, poéticos cantados suavemente com o acom-panhamento de um piano ou violão.

Ruy Castro, em Chega de Saudade, ultrapassa esta simplória definição e assume o desafio de expor as histórias por trás da já viajada Bossa Nova. Para isso, nos descreve detalhadamente a sociedade carioca da época. É impossível desvincular este gênero musical de sua cidade natal. O Rio de Janeiro é o cenário para todos os amores e desamo-res presentes nas letras de Tom, Vinicius e, até mesmo, do baiano João Gilberto, cuja trajetória é detalhada na obra de Ruy Castro com imparcialidade.

O autor é um admirador declarado da genialidade de João Gilberto e retrata a persistência do músico em ser reconhecido por seu trabalho de forma bastante caricata e humorada. O pai da Bossa Nova era um sujeito irresponsável, descompromissado, com um estilo de vida bem peculiar. Durante anos, viveu de favor na casa de personagens importantes para a história da Bossa Nova e esquecia, até mesmo, de comparecer a seus shows. O livro atribui a ele a criação desse novo estilo mu-

Para ler e oUVir

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Por Bruno laforé

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Chega de Saudade

Autor: ruy CAstro

EditorA: CompAnhiA dAs LEtrAs, 456 páginAs

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23CONTRAPONTOJornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

Por letícia naísa e Jacqueline elise

■ O Brasil... acordou?

No último dia 06 de junho aconteceu o 1° ato contra o aumento das passagens de transporte público em São Paulo. O aumento foi de 3 reais para 3,20. Os 20 centavos foram o estopim para a paralisação da maior cidade do país. Organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL), esses não foram os primeiros atos contra o aumento de passagem na capital paulistana, mas são eles que com certeza entrarão para a História. Os primeiros três atos não fugiram do padrão das manifestações de organizações de esquerda: pouco mais de 5 mil pessoas presentes, talvez, repressão da Polícia Militar também dentro do padrão e a crítica negativa já esperada da grande mídia brasileira, que consi-derou os manifestantes uns vândalos e baderneiros da classe média.

O terceiro ato teve uma repressão maior comparada aos dois primeiros, mas a partir do quarto, no dia 13 de junho, algo mudou. A repressão policial foi violentíssima, jornalistas da Folha e do portal Terra foram atingidos por balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral, causando uma reviravolta na cobertura midiática até então. Os vândalos passaram a ser considerados uma minoria em todos os protestos e os manifestantes passaram a ser ativistas. Com essa virada da mídia a favor dos protestos, o 5° ato contra o aumento das passagens no dia 17 de junho foi um dos maiores atos em São Paulo desde a época em que pediam o impeachment do ex-presidente Collor. Não houve repressão policial e os manifestantes afimaram que finalmente o Brasil estava acordado.

Mas não somente em São Paulo houve protestos por contra do aumento das passagens. Porto Alegre, Rio de Janeiro, Goiânia, Belo Horizonte, Brasília e tantas outras capitais e cidades do país reivindicaram a revogação do au-mento. Depois da violenta repressão policial em quase todas as cidades, a pauta das manifestações se abriu. As pessoas passaram a ocupar as ruas com pedidos diversos em prol de um país mais justo, até o Congresso Nacional chegou a ser ocupado por manifestantes no 17J.

Na quarta-feira, 19 de junho, em São Paulo o aumento foi revogado e a passagem voltou aos 3 reais. O MPL porém manteve a manifestação do

■ Marco Feliciano aprova a “Cura Gay”

Depois de adiada cinco vezes, finalmente aconteceu – em meio ao caos da semana do 17 de junho – a votação da proposta conhecida como “Cura Gay”, de autoria do deputado João Campos (PSDB-GO), que tramitava na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, encabeçada pelo deputado evangélico Marco Feliciano (PSC-SP). Desde sua posse, o deputado enfrenta resistência para exercer seu cargo na Comissão. Dessa vez, no entanto, com os olhares voltados às manifestações pelo Brasil, o projeto que permite aos psicólogos promover tratamento para a cura da homossexualidade foi aprova-do com pouca resistência. Apenas os deputados Simplício Araújo (PPS-MA) e Arnaldo Jordy (PPS-PA) discursaram contra o projeto.

A aprovação ainda não é definitiva, a proposta deverá passar por outras duas comissões: Seguridade Social e Constituição de Justiça e, caso seja aprovada em ambas, seguirá para o plenário da Câmara. Mesmo assim, ela foi motivo suficiente para um novo protesto na sexta-feira, 21 de junho, em São Paulo, que reuniu cerca de mil pessoas na Praça Roosevelt, de acordo com a Guarda Civil Metropolitana.

■ Turquia é tomada por protestos

Quando os ativistas ambientais foram protestar contra a derrubada de 600 árvores no parque Taskim Gezi em Istambul não imaginaram que estariam sendo res-ponsáveis pelo estopim de uma onda de manifestações por todo o país. Após uma reação exagerada da polícia turca para expulsar os cerca de 70 manifes-tantes presentes no primeiro protesto no último fim de semana de maio, mais e mais pessoas passaram a se mobilizar por diferentes regiões do país. A questão agora é a luta pela liberdade de expressão e contra o atual governo, acusado de autoritarismo e de tentar islamizar o país. A polícia continuou repreendendo o movimento com bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta e a mídia local se manteve calada no início. Milhares de pessoas já foram presas e feridas, a maioria dos manifestantes é de jovens.

■ Estado de saúde de Nelson Mandela é delicado

Há algum tempo lutando contra uma infecção pulmonar, Nelson Mandela, ex-presi-dente da África do Sul, está em um estado crítico de saúde. No final de junho

ANTENA

O ato contra o aumento da tarifa ocupou todo o Largo da Batata no dia 17 de junho

já completavam duas semanas que Mandela estava internado e sua condição estava pior. Em comunicado oficial, o atual presidente, Jacob Zuma, informou que “os medicos estão fazendo todo o possível para melhorar sua condição e asseguram que Madiba está sendo bem cuidado e está confortável. Ele está em boas mãos”.

Nelson Mandela é sempre lembrado como o primeiro presidente negro da África do Sul e o rosto da luta contra o Apartheid que assolou o país entre 1948 e 1994. Mandela foi preso em 1964 e solto somente em fevereiro de 1990. Foi o vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 1993.

■ Ex-agente da CIA recebe ajuda do WikiLeaks

Edward Snowden, ex-agente da CIA acusado de espionagem, tentou obter exílio em Hong Kong e teve seu passaporte revogado pelos EUA. Snowden foi trans-ferido para Moscou e agora busca ajuda do WikiLeaks para que consiga um asilo político seguro no Equador. Via Twitter, o site de vazamento de dados afirmou que está “facilitando documentos de viagem e uma saída segura rumo a um país democrático”.

No início de junho, os jornais The Guardian e Washington Post tiveram acesso a dados confirmando que a NSA tinha acesso a gravações telefônicas e da internet den-tro e fora dos Estados Unidos. Alguns dias de-pois, Edward Snowden assumiu ter liberado tais informações para os jornais e permitiu que seu nome fosse exposto, por acreditar que estava fazendo a coisa certa. Snowden trabalhou como técnico da CIA e também pas-sou uma década ligado à inteligência americana como engenheiro de computação da CIA, em Genebra, e como consultor de empresas de defesa estrangeiras que colaboram com a NSA.

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dia 20 marcada na avenida Paulista. Neste sétimo ato organizado pelo Movimento, no entanto, as coisas começaram a mudar. Os partidos de esquerda foram hostilizados durante a manifestação e houve confronto entre os próprios manifestantes. Pessoas de diferentes ideologias estavam presentes para protestar pelas mais diversas causas, fazendo com o que o ato perdesse o foco e o MPL desistisse de organizar mais atos pela cidade em prol da tarifa zero (que é a pauta principal do movimento). Dois dias depois, no dia 23 de junho, o MPL voltou atrás em sua decisão e prometeu novas manifestações pela cidade, apesar dos “ares fascistas” que o movimento começava a apresentar.

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CONTRAPONTO24 Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo - PUC-SP Agosto 2013

todas as áreas, tecnicamente conhecidas como editorias. “Um bom jornalista precisa ser um bom repórter”. O professor João Batista defende que antes de alguém ser editor, fotógrafo, chefe de redação, apresentador ou diretor de TV, é preci-so saber ser repórter: é preciso saber perguntar, saber a conjuntura na qual o entrevistado está, o contexto daquela pauta. Um repórter deve se inteirar sobre o assunto e deve saber ouvir. Ser bom repórter garante a sensibilidade necessária para exercer qualquer função jornalística.

Havia uma busca assídua por artigos e boas reportagens e o Departamento formou a Hemeroteca (coleção organizada de periódicos). Os arquivos eram separados por temas e permi-tiam uma comparação entre publicações de um mesmo assunto em diferentes períodos, levando à análise de como a abordagem jornalística muda com o tempo. A Hemeroteca era fonte de leituras necessárias à formação intelectual e profissional do jornalista e o acesso aos textos de ótima qua-lidade era também um estímulo para a escrita dos alunos. A Hemeroteca, antes tão importante para formação intelectual e profissional dos alunos da PUC-SP, hoje nem mesmo é citada em sala de aula como subsídio para pesquisa ou leitura.

Mudanças nas tendências acontecem, de fato. Os tempos mudam, as relações sociais mu-dam. As aulas agora acontecem dentro da sala e as pichações do prédio e o vai e vem de gente na Prainha são observados apenas durante o intervalo de quinze minutos. Durante as aulas não se discute a importância de sermos, nós jornalistas, bons repórteres em primeira instância. Matérias já não são feitas com a frequência que deveriam ser e os trabalhos não estimulam a memória do “foca”.

Segundo o professor João Batista, nos últimos anos o ritmo das aulas caiu e o interesse dos alunos também. “É preciso reconquistar o aluno”, afirma. É preciso recuperar a importância da literatura nos níveis da leitura ampla sobre o

João Batista Torres, um dos fundadores do curso, inaugurou a prática de levar os estudantes para a periferia de São Paulo

CONTRAPONTO

32 aNos e Uma PaUtaEntrevista

Vivemos numa sociedade diversificada, em constante processo de mudança. Cada vez

mais informação, cada vez menos orientação. Tempos de intensa busca por notícia e várias for-mas de propagá-la: internet, televisão, rádio, jornal impresso. Há espaço pra tudo, dinamismo nas alturas, vontade de contar histórias, de narrar um jogo, de explicar um fato, passar um dia fazendo perguntas e outro filmando documentários. Ah, o Jornalismo!

Diplomas acadêmicos nunca são demais. A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo criou o Curso de Jornalismo da PUC-SP em 1978. Em 2013, ano em que a PUC-SP comemora 67 anos, o curso de Jornalismo comemora seus 35. É dig-no, crítico, é diferente, tem falhas, é memorável, recebe prêmios, é válido.

São 35 anos de muita história. História que se fez e se faz durante as aulas nas quais nos expomos para analisar fatos, criticar filmes, contar histórias, escolher pautas, fotografar e documentar.

O corpo docente é composto de pessoas e estilos tão plurais quanto a sociedade que o jornalismo retrata. Na PUC-SP alguns professores contam casos dos outros. Alguns sentem orgulho, outros são imparciais, mas é provável que ali nin-guém esqueça o quê, como, quando, onde e o por que dos caminhos que o curso seguiu.

“Tudo é pauta”, essa é a frase que melhor define a dinâmica do jornalismo. O professor João Batista Torres, na época radialista do programa de rádio Noite em Alta, da Rádio Bandeirantes, foi convidado a compor o corpo docente da PUC-SP. Durante 32 anos deu aula em disciplinas que se mantiveram na grande curricular: Introdução ao Jornalismo, Radiojornalismo e Cultura e Cidadania. Agora, que se completam 35 anos de Jornalismo na PUC-SP, ele é trazido como pauta no Contra-Ponto, nada mais justo.

João Batista foi um dos responsáveis por uma das práticas mais bacanas que já aconteceram no curso. Alguns professores contam e Batista confirma, em entrevista por telefone concedida para essa reportagem, que os alunos saiam com os professores em direção à periferia de São Paulo a buscar pautas. Compartilhavam aquele momento e faziam reportagens instantâneas. Entrevistas diretas, fotografias improvisadas, integração com parte da sociedade distante dos olhos do Campus Monte Alegre da PUC-SP. Também como estímulo para formação de pautas e desenvolvimento de matérias era frequente que, durante as aulas, o professor e os alunos andassem entre as pilastras do prédio da Pontifícia e conseguissem algumas matérias sobre as pichações tão comuns ao prédio, o vai e vem de pessoas na Prainha, as músicas na Curva do Rio, e mais. Essa prática, segundo o professor, obrigava o aluno a treinar a memória e aprimorar a capacidade de fazer matérias. Com a ida e vinda às regiões distantes do Campus o aluno era treinado a se informar um pouco sobre

Por sara abdo

jornalismo, da específica de cada disciplina e da-quela das disciplinas complementares. Só assim haverá condição de programar uma pauta que integre o material jornalístico. Um exemplo é que, no primeiro ano da graduação, a disciplina Intro-dução ao Jornalismo trate dos diversos âmbitos da profissão: impresso, televisivo, radiofônico, fotojornalismo, acadêmico.

Aos 35 anos, o curso da PUC-SP apresenta um modelo pedagógico teórico demais para uma profissão que exige um contato mais direto com a realidade do mundo. A conversa com o professor fortaleceu essa impressão. Há hoje uma dispari-dade entre o mundo acadêmico e o mundo real e retomar a produção constante de matérias é, como mostra as experiências de João Batista, uma boa forma de reunir os dois mundos. O curso de Jornalismo precisa se reorganizar e essa é uma mudança que deve partir, sim, da Universidade.

Será possível retomar a um curso de Jor-nalismo que tenha equilíbrio entre a formação acadêmica e a vivência prática? O curso da PUC-SP, reconhecido como contra hegemônico, vai manter o nível de informações dadas e atividades pedidas ou vai exigir dos alunos um pouco mais de envolvi-mento? É um desafio e é preciso coragem. Os 35 anos regados de reconhecimento do curso dão, sem dúvida, o respaldo para essa aventura.

“Tudo é pauta”, diz João Batista

Torres, ex-radialista

da emissora Bandeirantes e

professor durante 32 anos

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