contra a escola, de john taylor gatto

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Contra a Escola Como o ensino público debilita nossas crianças e por que John Taylor Gatto* Tradução de Camila Abadie e Helena Yoshima** Durante os trinta anos em que ensinei em algumas das piores, e em algumas das melhores, escolas de Manhattan, tornei-me um especialista em tédio. O tédio estava em todos os lugares do meu mundo, e se você perguntasse às crianças, como eu fazia frequentemente, por que elas sentiam-se tão entediadas, as respostas eram sempre as mesmas: elas diziam que o dever era estúpido, que aquilo não fazia sentido, que elas já sabiam aquilo. Diziam que gostariam de estar fazendo algo de verdade, não apenas ficar sentadas aqui e ali. Elas diziam que os professores pareciam não saber muito sobre as suas temáticas e obviamente não estavam interessados em aprender mais. E as crianças estavam certas: os professores estavam tão entediados quanto elas. O tédio é o estado comum dos professores de escola, e qualquer um que tenha passado algum tempo em uma sala de professores pode atestar a falta de energia, as reclamações e o desânimo encontrados ali. Quando questionados sobre o porquê de sentirem-se entediados, os professores tendem a culpar as crianças, como você já devia imaginar. Quem não se sentiria entediado ensinando alunos grosseiros e interessados somente nas notas? Isso na melhor das hipóteses. Claro, os próprios professores são produtos dos mesmos programas de escolarização compulsória de doze anos que tanto aborrecem os estudantes, e, como membros da escola, eles estão presos a estruturas ainda mais rígidas do que aquelas impostas sobre as crianças. Então de quem é a culpa? Todos somos culpados. Meu avô ensinou-me isso. Em uma tarde, quando eu tinha sete anos, queixei-me de tédio para ele, e ele deu-me uma pancada na cabeça. Disse-me que jamais repetisse aquela expressão em sua presença, e que, se eu estava entediado, aquilo era culpa minha e de mais ninguém. O dever de animar-me e instruir-me era inteiramente meu, e as pessoas que não soubessem disso eram infantis e, se possível, deveriam ser evitadas. Certamente não eram confiáveis. Aquele episódio curou-me do tédio para sempre; e aqui e ali, ao longo dos anos, eu fui capaz de transmitir a lição a alguns estudantes notáveis. No entanto, na maioria das vezes, achei inútil tentar desafiar a noção oficial de que o tédio e a infantilidade eram o estado natural das coisas na sala de aula. Muitas vezes precisei desafiar os costumes e até mesmo driblar a lei para ajudar as crianças a se libertarem dessa armadilha. O império contra-atacou, é claro; adultos infantis geralmente confundem oposição com deslealdade. Certa vez, ao voltar de uma licença médica, descobri que todas as provas que garantiam minha licença haviam sido intencionalmente destruídas, que meu contrato havia sido rescindido, e que eu mantinha nem mesmo minha licença como professor. Após nove meses de tormentas, eu finalmente consegui recuperar minha licença, quando a secretária da escola admitiu ter testemunhado o desenrolar dos fatos. Durante este período , minha família sofreu mais do que eu

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Contra a Escola

Como o ensino público debilita nossas crianças e por que

John Taylor Gatto*

Tradução de Camila Abadie e Helena Yoshima**

Durante os trinta anos em que ensinei em algumas das piores, e em algumas das melhores,escolas de Manhattan, tornei-me um especialista em tédio. O tédio estava em todos os lugares domeu mundo, e se você perguntasse às crianças, como eu fazia frequentemente, por que elassentiam-se tão entediadas, as respostas eram sempre as mesmas: elas diziam que o dever eraestúpido, que aquilo não fazia sentido, que elas já sabiam aquilo. Diziam que gostariam de estarfazendo algo de verdade, não apenas ficar sentadas aqui e ali. Elas diziam que os professorespareciam não saber muito sobre as suas temáticas e obviamente não estavam interessados emaprender mais. E as crianças estavam certas: os professores estavam tão entediados quanto elas.

O tédio é o estado comum dos professores de escola, e qualquer um que tenha passadoalgum tempo em uma sala de professores pode atestar a falta de energia, as reclamações e odesânimo encontrados ali. Quando questionados sobre o porquê de sentirem-se entediados, osprofessores tendem a culpar as crianças, como você já devia imaginar. Quem não se sentiriaentediado ensinando alunos grosseiros e interessados somente nas notas? Isso na melhor dashipóteses. Claro, os próprios professores são produtos dos mesmos programas de escolarizaçãocompulsória de doze anos que tanto aborrecem os estudantes, e, como membros da escola, elesestão presos a estruturas ainda mais rígidas do que aquelas impostas sobre as crianças. Então dequem é a culpa?

Todos somos culpados. Meu avô ensinou-me isso. Em uma tarde, quando eu tinha sete anos,queixei-me de tédio para ele, e ele deu-me uma pancada na cabeça. Disse-me que jamais repetisseaquela expressão em sua presença, e que, se eu estava entediado, aquilo era culpa minha e de maisninguém. O dever de animar-me e instruir-me era inteiramente meu, e as pessoas que nãosoubessem disso eram infantis e, se possível, deveriam ser evitadas. Certamente não eramconfiáveis. Aquele episódio curou-me do tédio para sempre; e aqui e ali, ao longo dos anos, eu fuicapaz de transmitir a lição a alguns estudantes notáveis. No entanto, na maioria das vezes, acheiinútil tentar desafiar a noção oficial de que o tédio e a infantilidade eram o estado natural das coisasna sala de aula. Muitas vezes precisei desafiar os costumes e até mesmo driblar a lei para ajudar ascrianças a se libertarem dessa armadilha.

O império contra-atacou, é claro; adultos infantis geralmente confundem oposição comdeslealdade. Certa vez, ao voltar de uma licença médica, descobri que todas as provas quegarantiam minha licença haviam sido intencionalmente destruídas, que meu contrato havia sidorescindido, e que eu mantinha nem mesmo minha licença como professor. Após nove meses detormentas, eu finalmente consegui recuperar minha licença, quando a secretária da escola admitiu

ter testemunhado o desenrolar dos fatos. Durante este período, minha família sofreu mais do que eu

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gostaria de lembrar. Quando, em 1991, finalmente me aposentei, eu tinha razões mais quesuficientes para pensar em nossas escolas – com seu confinamento forçado de alunos e professorespor longos período em salas, num regime quase carcerário – como fábricas virtuais de infantilidade.No entanto, eu honestamente não conseguia ver por que tinham que ser daquela maneira. Minhaprópria experiência me havia revelado o que muitos outros professores precisam também aprenderao longo do caminho, ainda que guardem para si mesmos por medo de represálias: se quiséssemos,poderíamos, de maneira fácil e barata, eliminar as velhas e estúpidas estruturas, e ajudar as criançasa adquirirem uma educação em lugar de simplesmente receberem uma escolarização.Encorajaríamos as melhores qualidades da juventude – curiosidade, espírito aventureiro, resiliência,a capacidade de ter inshights surpreendentes – simplesmente sendo mais flexíveis em termos detempo, textos e provas, estimulando as crianças a tornarem-se adultos competentes, dando a cadaaluno a autonomia que ele ou ela precise para assumir um risco de vez em quando.

Mas não fazemos isso. E quanto mais eu perguntava por que não, e insistia em pensar sobreo “problema” da escolarização como um engenheiro o faria, mais eu me enganava: E se não há um“problema” com nossas escolas? E se elas são do jeito que são, tão distantes do senso comum e dalonga experiência sobre como as crianças aprendem as coisas, não porque estejam fazendo algoerrado, mas porque estão fazendo algo certo? É possível que George W. Bush tenha acidentalmentefalado a verdade quando disse que "não vamos deixar nenhuma criança para trás”? Será que nossasescolas são feitas para garantir que nenhuma delas jamais venha a crescer de fato?

Nós realmente precisamos de escola? Não refiro-me à educação, mas a escolarizaçãoforçada: seis períodos por dia, cinco dias por semana, nove meses por ano, por doze anos. Estarotina mortal é realmente necessária? Se sim, para quê? Não nos escondamos atrás da leitura, escritae matemática como motivos, pois dois milhões de homeschoolers felizes certamente descartaramessa justificativa banal. Mesmo que não o tivessem feito, um número considerável denorte-americanos famosos nunca passou pelos sufocantes doze anos pelos quais nossas criançasatualmente têm de passar, e eles saíram-se bem. George Washington, Benjamin Franklin, ThomasJefferson, Abraham Lincoln? Alguém os ensinou, com certeza, mas eles não foram produtos de umsistema escolar e nenhum deles jamais “graduou-se” em uma escola secundária. Durante a maiorparte da história americana, as crianças geralmente não passaram pelo ensino médio, mas osdesescolarizados se tornaram almirantes como Farragut; inventores como Edison; capitães daindústria, como Carnegie e Rockefeller; escritores, como Melville, Twain e Conrad; e mesmoacadêmicos, como Margaret Mead. Na verdade, até bastante recentemente, pessoas que atingiam aidade dos treze anos não eram de maneira alguma vistas como crianças. Ariel Durant, co-autora deuma enorme série de livros muito boa sobre história mundial junto com o seu marido Will, casou-seaos quinze anos; e quem poderia declarar que Ariel Durant era uma pessoa ignorante? Semescolaridade, talvez; mas, não ignorante.

Nós temos sido ensinados (isto é, escolarizados) em nosso país a pensar em “sucesso” comosinônimo de, ou, no mínimo, dependente de "escolarização", mas historicamente vê-se que isso nãoé verdade, nem em termos intelectuais, nem em termos financeiros. E hoje em dia, muitas pessoaspor todo o mundo encontraram formas de educarem-se a si mesmas sem recorrer a um sistema deescolas secundárias compulsórias que frequentemente lembram prisões. Por que, então, osamericanos confundem educação com tal sistema? Qual é exatamente a finalidade das nossas

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escolas públicas?

A escolarização em massa de natureza compulsória envolveu-se com os Estados Unidos daAmérica entre 1905 e 1915, embora tenha sido concebida muito antes, e reivindicada pela maiorparte do século XX. As razões para esta enorme agitação da vida familiar e das tradições culturaisforam, a grosso modo, três:

1. Criar boas pessoas;

2. Criar bons cidadãos;

3. Fazer de cada pessoa a melhor versão de si mesma.

Tais metas são ainda hoje defendidas frequentemente, e a maioria de nós aceita-as de umaou outra forma como uma definição aceitável da missão da educação pública; mesmo sendo poucas,as escolas falham em alcançá-las. Mas, estamos totalmente errados. Compondo o nosso erro está ofato de que a literatura nacional tem declarações numerosas e surpreendentemente consistentesacerca do verdadeiro propósito da escolarização obrigatória. Temos, por exemplo, o grande H. L.Mencken, que escreveu em "The American Mercury", em abril de 1924, que o objetivo da educaçãopública não é

“encher os mais jovens da espécie com conhecimentos e despertar-lhes a inteligência... Nadapoderia estar mais distante da verdade. O objetivo… é simplesmente reduzir o maior númeropossível de indivíduos ao mesmo nível seguro, reproduzir e treinar uma cidadaniapadronizada, e acabar com a dissidência e com a originalidade. Este é o seu objetivo nosEstados Unidos… e este é seu objetivo em qualquer outro lugar.”

Em função da reputação de Mencken como um satírico, podemos ser tentados a descartaressa passagem como sendo um sarcasmo hiperbólico. Seu artigo, no entanto, segue traçando omodelo de nosso próprio sistema educacional, voltando ao já desaparecido - mas jamais a seresquecido -, estado militar da Prússia. E embora ele certamente estivesse ciente da ironia de quehavíamos recentemente estado em guerra contra a Alemanha, Mencken, o herdeiro do pensamento eda cultura prussianos estava sendo perfeitamente sério aqui. Nosso sistema educacional é realmenteprussiano, e isto é, de fato, motivo para preocupação.

Uma vez que a saibamos procurar, o estranho fato de uma origem prussiana para nossasescolas aparece repetidamente. William James referiu-se a isso muitas vezes na virada do século.Orestes Brownson, o herói do livro "O verdadeiro e único céu", de 1991, de Christopher Lasch,denunciou publicamente a prussianização das escolas norte-americanas na década de1840. Em1843, o “Sétimo Relatório Anual” de Horace Mann para o Conselho Estadual de Educação deMassachusetts é essencialmente um hino à terra de Frederico, o Grande, e um chamado para que oseu modelo de escolarização fosse trazido para cá. Que a cultura prussiana tenha expandido-sevastamente na América não é fato surpreendente, dada nossa antiga associação com esse Estadoutópico. Um prussiano serviu como assistente do Presidente Washington durante a Guerra daRevolução, e tantos alemães estabeleceram-se aqui em 1795, que o Congresso cogitou publicar umaedição em língua alemã das leis federais. Mas, o que choca é que nós adotamos tão avidamente umdos piores aspectos da cultura prussiana: um sistema educacional elaborado deliberadamente para

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produzir intelectos medíocres, para tolher a vida interior, para negar aos alunos apreciáveishabilidades de liderança, e para assegurar a formação de cidadãos dóceis e incompletos - tudo como intuito de formar uma população “administrável”.

Foi a partir de James Bryant Conant – presidente de Harvard por vinte anos, especialista emgás letal na I Guerra Mundial, executivo no projeto da bomba atômica na II Guerra Mundial, altocomissário da zona americana na Alemanha depois da II Guerra Mundial, e verdadeiramente umdos personagens mais influentes do século XX – que eu percebi pela primeira vez os reaispropósitos da escolarização americana. Sem Conant, nós provavelmente não teríamos o mesmoestilo e graus de testes padronizados que desfrutamos hoje em dia, nem seríamos abençoados comgigantescas escolas que armazenam 2000 a 4000 alunos por período, como a famosa Columbine,em Littleton, Colorado. Logo depois de me aposentar como professor, peguei o ensaio “A criança,os pais e o estado”, de 1959, de autoria de Conant, que mais parecia um livro, e fiquei mais do queintrigado em vê-lo mencionar rapidamente o fato de que as escolas modernas que frequentamosforam o resultado de uma “revolução” planejada entre os anos de 1905 e 1930. Revolução? Ele abremão de explicar, mas conduz o curioso e o desinformado ao livro de Alexander Inglis, de 1918,“Princípios da educação secundária”, no qual “viu-se tal revolução através dos olhos de umrevolucionário”.

Inglis, que dá nome a uma palestra sobre educação em Harvard, deixa perfeitamente claroque a escolarização compulsória no continente americano foi planejada para ser exatamente o quehavia sido na Prússia de 1820: a quinta coluna no movimento democrático burguês que ameaçavadar aos camponeses e proletários uma voz na mesa de negociações. A escolarização moderna,industrializada e compulsória pretendia um tipo de incisão cirúrgica na unidade potencial dessassubclasses. Separe as crianças por assunto, por faixa etária, por constantes avaliações nos testes epor muitas outras maneiras mais sutis, e torna-se-ia improvável que a massa ignorante dahumanidade, separada na infância, jamais se reintegrasse em um todo perigoso.

Inglis divide o propósito – o propósito verdadeiro – da escolarização moderna em seisfunções básicas; qualquer uma das quais é suficiente para arrepiar os cabelos daqueles que sãoinocentes o bastante para acreditar naquelas três metas citadas anteriormente:

1. Função de ajustamento ou adaptação. As escolas devem estabelecer hábitos fixos em reação à

autoridade. Isto, obviamente, bloqueia o julgamento crítico por completo. Além disso, praticamentedestrói a ideia de que coisas úteis ou interessantes devam ser ensinadas, porque você não pode testara obediência reflexiva até saber se as crianças conseguem aprender e fazer coisas tolas e cansativas.

2. Função de integração. Também pode muito bem ser chamada de “função de conformação”, pois

sua intenção é tornar as crianças tão parecidas quanto possível. Pessoas conformadas são previsíveise isso é muito útil para aqueles que desejem explorar e manipular uma grande massa trabalhadora.

3. Função de diagnóstico e direção. A escola destina-se a determinar o papel social de cada

estudante. Isto é feito ao implantar evidência matemática e anedótica em registros cumulativos.Como em "seu registro permanente". Sim, você tem um.

4. Função de diferenciação. Uma vez que seus papéis sociais tenham sido "diagnosticados", as

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crianças devem ser ordenadas de acordo com tais papéis, e treinadas somente até onde seu destinodentro da máquina social merecer - e nenhum passo a mais. “Fazer de cada criança a melhor versãode si mesma”? Esquece!

5. Função seletiva. Isso não se refere de maneira alguma à escolha humana, mas à teoria de seleção

natural de Darwin sendo aplicada ao que ele chamava de "as raças favorecidas". Resumindo, a ideiaé ajudar, tentando, conscientemente, melhorar o estoque de procriação. As escolas são feitas pararotular os que "não se encaixam" - com notas baixas, aplicação de correções, e outras punições - tãoclaramente que seus colegas os aceitam como inferiores e efetivamente os afastam dos sorteiosreprodutivos. É isso que todas aquelas humilhações que seguem desde o primeiro ano têm o intuitode fazer: livrar-se da sujeira.

6. Função propedêutica. O sistema social implícito nessas regras exigirá um grupo de elite de

cuidadores. Com este fim, uma pequena fração das crianças será silenciosamente ensinada a comoadministrar este projeto contínuo, como observar atentamente e controlar um populaçãodeliberadamente emburrecida e sem ter como reagir, para que o governo possa seguir sem serdesafiado, e as corporações jamais venham a ter necessidade de trabalho obediente.

Este, infelizmente, é o propósito da educação pública obrigatória neste país. E para que vocênão tome Inglis como um excêntrico isolado com uma visão muito cínica com relação aoempreendimento educacional, você precisa saber que ele nunca esteve sozinho na defesa destasideias. O próprio Conant, desenvolvendo em cima das ideias de Horace Mann e outros, fezcampanhas incansáveis por um sistema escolar americano elaborado seguindo as mesmas linhas.Homens como George Peabody, que fundou a causa de escolaridade obrigatória por todo o sul,certamente entenderam que o sistema prussiano era útil em criar não somente um eleitoradoinofensivo e uma força de trabalho servil, mas também uma manada virtual de consumidoresacéfalos. Com o tempo, um grande número de titãs industriais chegou a reconhecer os enormesbenefícios em cultivar e cuidar de tal manada através da educação pública; entre eles, AndrewCarnegie e John Rockefeller.

Aí está. Agora você sabe. Não precisamos das concepções de Karl Marx sobre uma grandeguerra entre as classes para ver que é de interesse da complexa gestão, econômica ou políticaemburrecer as pessoas para desmoralizá-las, dividi-las, separando-as umas das outras, e descartá-lascaso não se conformem. A classe pode enquadrar a proposição, como quando Woodrow Wilson, opresidente da Universidade de Princeton, disse o seguinte à Associação de Professores escolares dacidade de Nova Iorque em 1909: "Nós queremos que uma classe de pessoas tenha educação liberal,e queremos que uma outra classe de pessoas, uma classe muito maior, de necessidade, em cadasociedade, renuncie aos privilégios da educação liberal e dedique-se a executar tarefas manuaisespecíficas e difíceis." Mas, os motivos por trás das repugnantes decisões que provocam estes finsnão precisam, de forma alguma, ser baseados em classes. Eles podem resultar puramente do medo,ou da crença hoje já conhecida, de que "eficiência" é a virtude fundamental, ao invés de ser o amor,a liberdade, o riso ou a esperança. Acima de tudo, podem surgir da pura ganância.

Havia muita fortuna a ser feita, afinal, com uma economia baseada em produção de massa, eorganizada para favorecer a grande corporação, mais do que aos pequenos negócios ou fazendas

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familiares. Mas, produção em massa demandava consumo em massa; e, na virada do século XX, amaioria dos americanos considerava pouco natural e pouco sábio comprar coisas das quais não seprecisasse de verdade. A escolaridade obrigatória foi uma benção, neste sentido. As escolas nãotinham que treinar as crianças num sentido direto para pensarem que deveriam consumir sem parar,pois ela fazia algo ainda melhor: ela encorajava-os a nem sequer pensar. E isso tornou-os alvosfáceis para ainda outra grande invenção da era moderna - o marketing.

Você não precisa ter estudado marketing para saber que há dois grupos de pessoas quesempre podem ser convencidos a consumir mais do que precisam: viciados e crianças. A escola fezum excelente trabalho ao transformar nossas crianças em viciados, mas fez um trabalho espetacularao transformá-las em crianças. Mais uma vez, isso não foi um acidente. Teóricos desde Platão eRusseau até o nosso Dr. Inglis sabiam que se as crianças pudessem ser enclausuradas com outrascrianças, livres da responsabilidade e independência, motivadas a desenvolver somente as emoçõestriviais como a ganância, a inveja, o ciúme e o medo, elas cresceriam sim, mas semverdadeiramente amadurecer. Na edição de 1934 do seu já famoso livro "Educação Pública nosEstados Unidos", Ellwood P. Cubberley detalhou e enalteceu a estratégia de ampliações escolaressucessivas, que estendeu a infância por mais dois a seis anos; e o ensino obrigatório era, até então,uma novidade. Este mesmo Cubberley - que era reitor da Escola de Educação de Stanford, editor delivros-texto na Hughton Mifflin, amigo de Connat e correspondente em Harvard - escreveu oseguinte na edição de 1922 do seu livro "Administração da Escola Pública": "Nossas escolas são…fábricas nas quais os produtos brutos (as crianças) devem ser moldados e formados… E é deresponsabilidade da escola construir alunos de acordo com as especificações determinadas."

É perfeitamente claro para a nossa sociedade hoje o que eram aquelas especificações. Amaturidade agora está banida de quase todos os aspectos das nossas vidas. Leis fáceis de divórcioacabaram com a necessidade de batalhar-se por um relacionamento; o crédito fácil removeu anecessidade de auto-controle fiscal; o entretenimento fácil tirou a necessidade de aprender aentreter-se a si mesmo; as respostas simples removeram a necessidade de fazer-se perguntas.Tornamo-nos uma nação de crianças, felizes em entregar nossos juízos e nossas vontades aexortações políticas e lisonjas comerciais que insultariam qualquer adulto de verdade. Nóscompramos televisores, para, em seguida, comprarmos o que vemos neles. Compramoscomputadores, e depois compramos as coisas que vemos neles. Compramos tênis de $150 querprecisemos ou não, e quando eles se acabam, nós prontamente compramos um outro par. DirigimosSUVs, e acreditamos na mentira de que eles constituem algum tipo de segurança para nossa vida,até mesmo quando estamos de cabeça para baixo dentro deles. E o pior de tudo, nós nem piscamosos olhos quando Ari Fleischer nos diz "tomem cuidado com o que dizem", mesmo se lembrarmosde termos ouvido em algum momento lá atrás, na escola, que a América é a terra da liberdade.Simplesmente também caímos nesta. Nossa escolaridade, como planejado, cumpriu com isso.

Agora, as boas noticias. Uma vez que você entendeu a lógica da escolaridade moderna, suasarmadilhas e truques são fáceis de evitar. A escola treina as crianças para serem empregadas econsumidoras; ensine seus filhos a serem líderes e aventureiros. A escola treina as crianças a seremobedientes por reflexo; ensine seus filhos a terem um pensamento crítico e independente. Criançasbem escolarizadas tem uma baixa tolerância para o tédio, ajude seus filhos a desenvolverem umavida interior, de forma que nunca se entediem. Incentive-os a encararem o conteúdo sério, o

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conteúdo adulto, em história, em literatura, filosofia, música, artes, economia, teologia - todas ascoisas que os professores escolares sabem muito bem como evitar. Desafie seus filhos a lidaremcom a solidão para que aprendam a desfrutar da companhia de si mesmos e a conduzir diálogosinteriores. Pessoas bem escolarizadas são condicionadas a detestarem o "estar só", e buscamcompanhia constante através da televisão, computador, celular, e em amizades superficiaisrapidamente conquistadas e rapidamente abandonadas. Seus filhos devem ter uma vida maissignificativa, e eles podem.

Primeiramente, no entanto, devemos despertar para perceber o que nossas escolas realmentesão: laboratórios experimentais de mentes jovens, centros de treinamento para os hábitos e atitudesque a sociedade corporativa exige. O ensino obrigatório atinge as crianças apenas acidentalmente;seu propósito real é o de torná-las serviçais. Não deixe que seus filhos tenham suas infânciasprolongadas, nem mesmo por um dia. Se David Farragut pôde assumir o comando de um navio deguerra inglês capturado quando ainda era pré-adolescente, se Thomas Edison pôde publicar umfolhetim aos doze anos, se Benjamin Franklin pôde instruir-se no uso de uma impressora com amesma idade (e então colocar-se em um curso de estudos que sufocaria qualquer sênior de Yalehoje), não há dúvidas do quê seus filhos podem fazer. Depois de uma longa vida e trinta anos nastrincheiras das escolas públicas, concluí que o gênio é tão comum quanto o pó. Nós limitamosnossos gênios só porque ainda não descobrimos como administrar uma população de homens emulheres escolarizados. A solução, eu acho, é simples e gloriosa. Deixemos que elesadministrem-se a si mesmos.

* John Taylor Gatto é ex-professor do estado e da cidade de Nova Iorque e autor do mais recentelivro "The Underground History of American Education". Ele participou do fórum da revista Harper"School on a Hill," que apareceu na edição de 2001.

** Camila Abadie é casada, dona de casa, mãe de três filhos, homeschooler e mestre em filosofia.Escreve no blog Encontrando Alegria (http://encontrandoalegria.blogspot.com). Helena Yoshima écasada, dona de casa, mãe de dois filhos, homeschooler e professora de inglês. Escreve no blogAmar Sem Fim (http://www.amarsemfim.com.br).

***09/2003 - Revista Harper