consumo musical na era da convergência unlocked

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO

    COMUNICAO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA

    Conrado Backof Timm

    CONSUMO MUSICAL EM TEMPOS DE CONVERGNCIA: UM ESTUDO

    SOBRE AS PRTICAS DE JOVENS DE CLASSE C NO FACEBOOK

    Porto Alegre

    2013

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAO

    DEPARTAMENTO DE COMUNICAO

    COMUNICAO SOCIAL PUBLICIDADE E PROPAGANDA

    Conrado Backof Timm

    CONSUMO MUSICAL EM TEMPOS DE CONVERGNCIA: UM ESTUDO

    SOBRE AS PRTICAS DE JOVENS DE CLASSE C NO FACEBOOK

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial obteno do grau de Bacharel em Comunicao Social: Habilitao Publicidade e Propaganda. Orientadora: Prof.a Ma Laura Hastenpflug Wottrich Coorientadora: Prof.a Dr.a Nilda Aparecida Jacks

    Porto Alegre

    2013

  • CONRADO BACKOF TIMM

    CONSUMO MUSICAL EM TEMPOS DE CONVERGNCIA: UM ESTUDO SOBRE

    AS PRTICAS DE JOVENS DA CLASSE C NO FACEBOOK

    Trabalho de Concluso de Curso de apresentado

    Faculdade de Biblioteconomia e Comunicao da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul como

    requisito parcial obteno do grau de Bacharel em

    Comunicao Social: Habilitao Publicidade e

    Propaganda.

    Aprovado em:

    BANCA EXAMINADORA

    _____________________________________________________ Prof.a Ma Laura Hastenpflug Wottrich UFSM

    Orientadora

    _____________________________________________________ Prof.a Dr.a Daniela Schmitz UFRGS

    Examinadora

    _____________________________________________________ Prof. Dr. Alex Fernando Teixeira Primo - UFRGS

    Examinador

  • AGRADECIMENTOS

    Aos meus amados pais que, ao longo de todos esses anos morando longe, sempre me

    deram apoio incondicional em todos os momentos da vida. A liberdade e os exemplos com os

    quais pude contar me fazem acreditar cada vez mais que sou realmente uma pessoa de muita

    sorte. Seus exemplos no poderiam ter sido melhores. Amo vocs.

    Agradeo igualmente minha irm, minha primeira amiga e exemplo, tendo que

    conviver comigo nos bons e maus momentos, foi sempre de uma amizade e pacincia

    incrveis. Espero poder retribuir da mesma forma. Agradeo tambm a todos meus amigos,

    companheiros, irmos e amores que, de alguma forma, me ajudaram em todos os momentos, e

    me apoiaram na realizao desse trabalho.

    Agradeo imensamente minha orientadora Laura Wottrich, que se mostrou de uma

    calma e disponibilidade incrveis, e que tive o prazer de conhecer esse ano e contar com suas

    orientaes to relevantes a esse trabalho. Agradeo tambm minha co-orientadora, Nilda

    Jacks, que me deu a oportunidade de participar e explorar um pouco do seu projeto Jovem e

    consumo miditico em tempos de convergncia. Foi uma honra poder contar com a ajuda

    indispensvel de vocs.

  • RESUMO

    O presente trabalho tem por objetivo investigar as prticas de consumo musical de

    jovens da classe C no contexto da convergncia miditica, especificamente na rede social

    Facebook. Como objetivos especficos, buscam-se mapear a circulao desse consumo na

    plataforma Facebook, identificar os processos de participao dos jovens na produo de

    contedos musicais, e identificar como essas prticas de consumo dos jovens inserem-se no

    contexto da convergncia miditica. Para isso toma como referencial terico conceitos do

    consumo cultural, consumo musical, convergncia miditica e juventude. Tem como objeto

    emprico a rede social Facebook, pesquisando qualitativamente as prticas juvenis referentes

    ao consumo de msica atravs da observao no participante dos perfis pessoais no

    Facebook de 10 jovens gachos da classe C. Como resultados apresentam-se uma diversidade

    de prticas e fluxos de consumo, extrapolando as reas destinadas especificamente msica.

    A via preferencial para compartilhamento de msica foi o YouTube, e as apropriaes

    criativas do material musical ainda so incipientes, geralmente utilizando-se de letras de

    msica, textos e imagens, no explorando assim muitas possibilidades de prticas dadas por

    esse contexto de convergncia

    Palavras chave: Facebook; consumo cultural; msica; juventude; convergncia.

  • ABSTRACT The present study aims to investigate the musical consumption practices of low-

    income class youth in the context of media convergence specifically on the social network

    Facebook. As specific goals it seeks to map the consumption movement on the Facebook

    platform, identify the processes of youth participation in the production of musical content

    and identify how these consumption practices of young people fit into the context of media

    convergence. Thus it takes the theoretical reference concepts of cultural consumption, musical

    consumption, media convergence and youth. Its empirical object is the social network

    Facebook qualitatively researching youth practices concerning the consumption of music

    through non-participant observation of personal Facebook profiles of 10 young low-income

    class gauchos. Results are presented as a diversity of practices and flows of consumption

    beyond areas allocated specifically to music. The preferred route for music sharing was

    YouTube and creative appropriations of musical material are still incipient, usually using

    lyrics, text and images, thus not exploring many possibilities of practices given by this

    converging environment.

    Keywords: Facebook, cultural consumption, music, youth, convergence.

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................................... 7 1 ENTRE O VELHO E O NOVO CONSUMO ................................................................................. 11 1.1 CONSUMO CULTURAL E CONVERGNCIA ....................................................................................................... 11 1.2 CONSUMO MUSICAL .................................................................................................................................................. 19

    2 QUE JUVENTUDE ESSA? .......................................................................................................... 31 3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ................................................................................... 35 3.1 TCNICAS E INSTRUMENTOS ............................................................................................................................... 37

    4 OS JOVENS SELECIONADOS ..................................................................................................... 43 4.1 LAS ................................................................................................................................................................................... 43 4.2 BIANCA ............................................................................................................................................................................ 44 4.3 MRIO .............................................................................................................................................................................. 44 4.4 FABOLA .......................................................................................................................................................................... 45 4.5 FRANCISCO .................................................................................................................................................................... 46 4.6 CLUDIO ......................................................................................................................................................................... 46 4.7 CAIO .................................................................................................................................................................................. 48 4.8 PAULA .............................................................................................................................................................................. 49 4.9 RENATO .......................................................................................................................................................................... 49 4.10 KARINA ......................................................................................................................................................................... 50

    5 MSICA E JOVENS EM CONVERGNCIA .............................................................................. 53 5.1 FAVORITOS .................................................................................................................................................................... 53 5.2 ATIVIDADES RECENTES .......................................................................................................................................... 55 5.3 POSTAGENS ................................................................................................................................................................... 57 5.3.1 POSTAGEM DE VDEO ................................................................................................................................ 59 5.3.2 POSTAGEM DE IMAGEM ........................................................................................................................... 64 5.3.3 POSTAGEM DE TEXTO ............................................................................................................................... 67 5.3.4 POSTAGEM DE APROPRIAES RELATIVAS MSICA ............................................................. 68

    CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................................. 71 REFERNCIAS ................................................................................................................................... 74 ANEXO 1 .............................................................................................................................................. 79 ANEXO 2 .............................................................................................................................................. 82 ANEXO 3 .............................................................................................................................................. 83

  • 7

    INTRODUO As formas de consumir mudaram. O advento das tecnologias digitais fez surgir um

    contexto de profundas mudanas na comunicao e no consumo. Com a proliferao de

    diferentes suportes e canais de mdia, as nossas relaes interpessoais, relaes com o

    contedo e a informao, com produtos e com diversas instituies mudaram sobremaneira.

    Empresas de mdia, pblico e demais atores sociais esto todos constantemente aprendendo a

    lidar com esse cenrio complexo de mudanas nos modos de comunicao. A cultura de

    massa est dando cada vez mais lugar cultura da convergncia onde mdia corporativa e

    mdia alternativa se cruzam, onde o poder do produtor de mdia e o poder do consumidor

    interagem de maneiras imprevisveis" (JENKINS, 2009, p. 29).

    No diferentemente, as formas e as relaes de consumo mudaram tambm no mbito

    musical. Artistas, fs, pblico em geral e indstria esto aprendendo a como se portar nesse

    cenrio de intensas e profundas transformaes. O pblico consumidor, com o advento da

    internet, viu-se em um ambiente com grandes possibilidades no que se referia ao consumo

    musical. A oferta de msica nunca foi to grande e os modos de se consumir msica nunca

    foram to variados. possvel sintonizar o rdio, ouvir o disco online, baixar o arquivo mp3,

    comprar o LP, o CD ou ver ao vivo. possvel conectar-se a uma rdio online, acessar o blog

    especializado ou fazer o compartilhamento atravs do protocolo BitTorrent. So variados os

    meios e os jeitos de se consumir msica, exigindo um olhar complexo para o entendimento

    desse contexto.

    Frente a todas essas mudanas, este trabalho procura identificar as prticas de

    consumo musical de jovens da classe C no contexto da convergncia miditica. Insere-se na

    pesquisa em andamento Jovem e consumo miditico em tempos de convergncia, coordenada

    pela Prof.a Nilda Jacks, na qual oportunizou-se a participao na coleta de dados e a

    explorao de algum tema que fosse inserido no escopo do projeto para posterior

    desenvolvimento como trabalho de concluso de curso. Decidiu-se assim explorar o consumo

    de msica por parte de alguns jovens j pesquisados na primeira fase do trabalho.

    Assim sendo, essa pesquisa faz parte desse projeto maior, de mbito nacional. O tema

    proposto pela pesquisa a convergncia miditica e a consequente convergncia e

    desdobramentos de seus fluxos de circulao e consumo cultural entre os jovens de diferentes

    regies do pas (JACKS, 2012, p. 3). No mbito desse trabalho procura-se pesquisar um

    aspecto desse consumo cultural, o consumo musical. Para isso busca-se pesquisar de que

  • 8

    formas o consumo musical apresenta-se no contexto da convergncia, especificamente dentro

    da rede social Facebook.

    Assim, como objetivos especficos a partir dessa proposta deseja-se 1) mapear a

    circulao do consumo musical de jovens da classe C na plataforma Facebook, 2) identificar

    os processos de participao desses jovens na produo de contedos musicais, e 3)

    identificar como esssas prticas de consumo desses jovens inserem-se no contexto da

    convergncia miditica.

    No mbito pessoal, justifica-se a escolha do tema primeiramente pelo interesse do

    autor pelo tema musical em todos os seus estilos e todas suas formas de expresso; e tambm

    pelas profundas mudanas tecnolgicas ainda em curso que alteram as formas de consumo

    musical na cultura da convergncia. Dentro do conceito de convergncia miditica proposto

    por Jenkins (2009), devemos entender a figura desse novo consumidor como contestadora,

    migratria e demonstrando uma declinante lealdade a redes ou meios de comunicao. A

    convergncia tanto um processo corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de

    consumidor, de baixo para cima (JENKINS, 2009, p. 46). Consumidores esto aprendendo a utilizar as diferentes tecnologias para ter um controle mais completo sobre o fluxo da mdia e para interagir com outros consumidores. As promessas desse novo ambiente de mdia provocam expectativas de um fluxo mais livre de ideias e contedos. Inspirados por esses ideais, os consumidores esto lutando pelo direito de participar mais plenamente de sua cultura (JENKINS, 2009, p. 46).

    Entendendo esse receptor de msica como consumidor cada vez mais ativo no

    processo de convergncia miditica atual, como se caracteriza o consumo musical dos jovens

    atualmente? Buscando entender as prticas de consumo de msica desses jovens, pode-se

    entender um pouco do seu universo, no que diz respeito a processos de expresso e integrao

    social, dentro da lgica da convergncia. Ainda quanto relevncia acadmica, Jacks (2012)

    afirma no j referido projeto de pesquisa Jovem e consumo miditico em tempos de

    convergncia que os estudos de recepo trabalham muito pouco com o consumo cultural dos

    jovens, especialmente na internet, e que estudos sobre convergncia miditica so quase

    inexistentes na explorao da dimenso do consumo a partir de uma perspectiva sociocultural.

    Tendo em vista esse contexto de poucos estudos no campo, essa pesquisa mostra-se

    relevante por explorar uma faceta de consumo desses jovens que importante na configurao

    de suas prticas, que o consumo de msica.

    Para isso, aps essa introduo, faz-se a apresentao do referencial terico no qual

    baseia-se a pesquisa, problematizando o conceito de consumo cultural e as transformaes na

  • 9

    forma de se pensar o consumo no contexto da convergncia, e oferecendo aspectos tericos

    relativos s prticas de consumo musical.

    O segundo captulo trata das concepes de juventude e das vises acerca do que

    determinaria esse grupo especfico, pesquisado aqui no trabalho. O terceiro captulo apresenta

    os procedimentos metodolgicos, assim como as tcnicas e instrumentos de pesquisa. A

    seguir passa-se a uma apresentao dos 10 jovens pesquisados, uma a um, com detalhamentos

    das informaes encontradas em seus perfis no Facebook. Aps essa apresentao, parte-se

    ento para a anlise dos dados obtidos, para assim observar as distintas configuraes das

    prticas desses 10 jovens relativas ao consumo de msica na plataforma.

  • 11

    1 ENTRE O VELHO E O NOVO CONSUMO

    1.1 CONSUMO CULTURAL E CONVERGNCIA

    Como referencial terico para a presente pesquisa, parte-se de duas propostas tericas

    passveis de articulao. A primeira a perspectiva sociocultural de consumo de Nstor

    Garca Canclini. A segunda proposta o conceito da cultura da convergncia, proposto por

    Henry Jenkins, para assim versar sobre o consumo cultural luz do surgimento dos novos

    ambientes miditicos e suas potencialidades.

    So propostas que podem ser articuladas para o alcance dos objetivos propostos nesta

    pesquisa. O conceito de consumo cultural de Canclini serve ao presente trabalho como uma

    forma de se pensar as lgicas do consumo musical operantes em sociedade. Os processos

    globalizados de consumo fizeram com que a sociedade se estruturasse em grande parte atravs

    do consumo. E no s pela lgica econmica do consumo. As comunidades transnacionais de

    consumidores e o processo de reestruturao de alianas e identidades so algumas facetas da

    organizao social contempornea atravs dos nossos hbitos de consumo. Concebe-se assim

    a ideia de mercado no mais como simples lugar de troca de mercadorias:

    Ns, seres humanos, intercambiamos objetos para satisfazer necessidades que fixamos culturalmente, para integrarmo-nos com outros e para nos distinguirmos de longe, para realizar desejos e para pensar nossa situao no mundo, para controlar o fluxo errtico dos desejos e dar-lhe constncia ou segurana em instituies e rituais (CANCLINI, 2010, p. 71).

    J o conceito da convergncia miditica compreende as mais recentes transformaes

    tecnolgicas juntamente com o surgimento de diversas mdias digitais e das novas relaes

    assim configuradas com o pblico. um conceito que vai alm das implicaes tecnolgicas,

    dando conta de profundas transformaes culturais no modo em que os consumidores,

    pblicos, indstrias, corporaes e sociedade em geral lidam com os mltiplos fluxos de

    mdia contemporneos.

    As teorizaes de Garca-Canclini compem os estudos culturais latino-americanos,

    campo de pesquisa que possui vnculos aos estudos culturais britnicos. O surgimento dos

    Estudos Culturais est intimamente ligado ao surgimento do Centre for Contemporary

    Cultural Studies da Universidade de Birmingham na Inglaterra. Os Estudos Culturais so um

    campo interdisciplinar que busca analisar as relaes entre sociedade, cultura e comunicao,

    opondo-se s ideias de ordem mais reducionista ligadas ao economicismo. Em seus variados

  • 12

    segmentos, h continuamente o esforo de deslocar o estudo da cultura da esfera da chamada

    alta cultura para as prticas e formas culturais do dia-a-dia, da cultura de massas.

    Preocupando-se com os produtos da cultura popular e dos mass media, investigam os rumo da

    cultura contempornea. Compreendem a esfera econmica como influente, mas no

    determinante da cultura.

    Discordando do entendimento dos meios de comunicao de massa como simples instrumentos de manipulao e controle da classe dirigente, os Estudos Culturais compreendem os produtos culturais como agentes da reproduo social, acentuando sua natureza complexa, dinmica e ativa na construo da hegemonia (SILVA, 1999, p. 146-147).

    Antigas concepes sobre o modo de agir dos meios de comunicao de massa como

    uma fora vertical, de cima para baixo, homogeneizante e controladora deixam de ser

    entendidas desse modo. Os Estudos Culturais buscam superar as ideias ligadas a um

    determinismo do poder econmico sobre a cultura e o consumo de bens simblicos. Raymond

    Williams, um dos pioneiros dos Estudos Culturais, rejeitava a lgica da determinao direta

    do mbito da economia sobre a cultura e desta como reprodutora da estrutura social, dando

    especial ateno a esfera cultural e a sua expresso identificada com o comum e ordinrio,

    portanto, tambm, a capacidade de ao dos sujeitos (ESCOSTEGUY, 2004, p. 22).

    A globalizao e a transnacionalizao fizeram com que as fronteiras econmicas,

    sociais, e culturais entre os pases tornassem-se menos definidas, mais fludas. Acessar

    diferentes culturas tornou-se mais fcil, e um intercmbio frequente de informaes, produtos,

    cultura e prticas de vida tornaram-se parte das nossas vidas. A economia e a produo

    industrial e cultural mudaram com o mundo. A constituio e a relao entre sociedades

    tambm sofreram alteraes. O senso de identidade transformou-se. As antigas formas de

    exerccio de cidadania, de se sentir pertencendo a um grupamento social j no so suficientes

    para pensarmos o arranjo social. O consumo tornou-se uma importante via para pensarmos

    essas complexas articulaes sociais. no consumo que nos reconhecemos e pensamos nossa

    prpria situao em sociedade.

    O autor aborda o consumo e o consumo cultural, mais especificamente, elaborando

    teorizaes que visam abarc-lo como fato social complexo. O entendimento da existncia

    dessas complexidades ope-se a antigas suposies da passividade das audincias e dos

    consumidores frente aos meios de comunicao de massa. Como bem observa Canclini, falar

    de consumo pode implicar em noes negativas e lugares-comuns: Uma zona propcia para comprovar que o senso comum no coincide com o bom senso o consumo. Na linguagem corriqueira, consumir costuma ser associado a

  • 13

    gastos inteis e compulses irracionais. Esta desqualificao moral e intelectual se apia em outros lugares-comuns como a onipotncia dos meios de massa, que incitariam as massas a se lanarem irrefletidamente sobre os bens. (CANCLINI, 2010, p. 59)

    Na contramo dessas concepes, Canclini prope sua teoria sociocultural do

    consumo, entendendo-o como o conjunto de processos socioculturais em que se realizam a

    apropriao e os usos dos produtos (CANCLINI, 2010, p. 60). Tomando a abrangncia dessa

    definio, supera-se a ideia de que os atos de consumo sejam respostas irrefletidas de

    indivduos isolados aos seus gostos pessoais. O consumo um ato significante e socialmente

    regulado. Entre os produtores e consumidores atuam mediaes de diversas ordens, tais como

    as relaes familiares, de trabalho, do bairro, ilustrando a complexidade do ato de consumir.

    O processo de comunicao no pode funcionar se nele no houver relaes de troca e ajuda,

    transao e colaborao entre os envolvidos. O consumo chamado cultural mais

    especificamente se realiza quando o valor simblico prevalece sobre os valores de uso ou

    de troca, ou onde pelo menos estes ltimos se configuram subordinados dimenso

    simblica (IDEM, 1993, p. 34 apud JACKS, 2005, p. 57).

    Canclini parte de teorizaes j existentes em vrias disciplinas para delinear sua

    teoria sociocultural do consumo. Para tanto, problematiza algumas racionalidades que esto

    presentes no processo. A racionalidade econmica, que diz respeito s estratgias de mercado

    das grandes estruturas de administrao do capital; a racionalidade de tipo sociopoltica

    interativa, onde o consumo entendido como lugar de disputas entre classes pela distribuio

    e a apropriao de bens; e os aspectos simblicos e estticos da racionalidade consumidora

    onde se constituem as distines entre classes so algumas frentes de anlise nesse amplo

    quadro conceitual.

    Discordando de algumas ideias filosficas ps-modernas que atentam para a

    disseminao do sentido, a disperso dos signos e a dificuldade de estabelecer cdigos

    estveis e compartilhados (CANCLINI, 2010, p. 63), o autor levanta algumas questes

    oriundas dos estudos antropolgicos, que servem para observar mais claramente as formas de

    organizao social em torno do consumo. So nos rituais, nas celebraes socialmente

    compartilhadas em sociedade que compactuamos em torno de sentidos, valores e ideias. Nos

    organizamos de maneira a explicitar o que consideramos importante em sociedade: Os rituais

    servem para conter o curso dos significados e tornar explcitas as definies pblicas do que

    o consenso geral julga valioso (CANCLINI, 2010, p. 64). dentro desse fluxo errtico dos

    significados contemporneo, utilizando-nos de objetos de valor para consolidarmos nossas

  • 14

    prticas dentro desses rituais, que conseguimos fixar e organizar a multiplicidade de sentidos

    e valores carregados de incertezas que nos atravessam constantemente.

    Comprar objetos, pendur-los ou distribu-los pela casa, assinalar-lhes um lugar em uma ordem, atribuir-lhes funes na comunicao com os outros, so os recursos para se pensar o prprio corpo, a instvel ordem social e as interaes incertas com os demais. Consumir tornar mais inteligvel um mundo onde o slido se evapora (CANCLINI, 2010, p. 65).

    A popularizao da radiodifuso, do cinema e da televiso nos perodos ps-guerra

    alavancaram o surgimento da chamada cultura de massa. Os meios de comunicao de massa,

    ou tambm chamados atualmente de mdias convencionais, funcionam dentro da lgica

    hierrquica de produo e distribuio de informao um-para-muitos. Com o advento e a

    popularizao das tecnologias digitais, principalmente a internet, a realidade de uma cultura

    de massas est dando lugar uma outra realidade: a da cultura digital no ciberespao. A

    transio das mdias convencionais, do esquema de comunicao hierrquico mais rgido do

    um-para-muitos para as novas mdias digitais recontextualiza os esquemas de produo e

    distribuio em um contexto hipertextual em que a comunicao se d entre muitos-muitos.

    Uma das caractersticas mais notveis dessa evoluo nas tecnologias da informao e

    comunicao a diluio ou migrao das audincias das mdias convencionais. No caso da

    TV isso j havia ocorrido com o surgimento da televiso por assinatura, diluindo-se em parte

    a audincia nos novos canais. Foi assim tambm com o surgimento da internet. As audincias

    nos meios tradicionais diminuem, e o mercado de massa, movido a grandes sucessos

    comerciais circulando por redes de mdia convencionais, tende a fragmentar-se nas vrias

    mdias e nos vrios nichos de mercado que foram incentivados e ganharam mais visibilidade

    graas a internet.

    Chris Anderson ilustra de maneira contundente algumas consequncias dessas

    reconfiguraes da comunicao no mercado em seu livro A cauda longa (2006). Segundo o

    autor, quase todos os cinquenta lbuns de msica mais vendidos de todos os tempos foram

    gravados nas dcadas de 1970 e 1980, e nenhum dos cinco anos anteriores publicao. A

    receita dos campees de bilheteria de Hollywood diminuiu em dois dgitos em 2005, o que

    refletiria a realidade de que o nmero de pessoas que vo ao cinema vem diminuindo mesmo

    com o aumento da populao.

    Todos os anos, as grandes redes de televiso perdem cada vez mais pblico para as centenas de canais a cabo que se concentram em nichos de mercado. Os homens de 18 a 34 anos, o pblico mais almejado pelos anunciantes, est comeando a desligar de vez a televiso, dedicando parcelas cada vez maiores do tempo que passam diante de telas eletrnicas Internet e videogames. Os ndices de audincia dos principais

  • 15

    programas de televiso esto caindo h dcadas e o que se situa no topo da lista hoje no se incluiria entre os dez de maior sucesso da dcada de 1970 (ANDERSON, 2006, p. 2).

    Sobre o uso das mdias no contexto internacional, o estudo intitulado Digital Life 2006 da

    Unio Internacional de Telecomunicaes1 propunha-se a estudar o impacto das tecnologias no

    cotidiano da sociedade a comear por mudanas sociais. A internet apareceu como a mdia mais

    consultada em todas as categorias at 54 anos, com at 16 horas semanais passadas online. A TV,

    antiga lder na categoria, no ocupa a segunda posio apenas entre as pessoas com mais de 55

    anos, que passam 17 horas semanais em frente tela. O tempo gasto com jornais, revistas e cinema

    chega a ser at 7 vezes menor que o uso de internet, enquanto rdios ocupam cerca de um quarto

    do tempo de atividades online. O aumento no consumo de mdias eletrnicas tm relao com a

    crescente penetrao da banda larga, citando que em 2005 a conexo havia mais que quintuplicado

    em apenas trs anos, com destaque para o impulso da banda larga mvel em 2004.

    A Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios2 (PNAD) de 2012, revela alguns

    dados sobre o acesso da populao brasileira internet. Aproximadamente 83 milhes de

    pessoas de 10 anos ou mais de idade declararam ter acessado internet no pas, contra 77.7

    milhes no ano anterior, assinalando um avano de 6.8% (5.3 milhes de novos internautas no

    intervalo de um ano). De 2009 para 2011 a variao foi de 14.4%, sendo que de 2008 para

    2009 foi de 21.5%, quando os que declararam terem acessado totalizaram 67.9 milhes de

    pessoas. Todas as regies registraram avanos nos nmeros de pessoas que acessaram a

    internet. O maior avano se deu no Sudeste (4.2%), sendo tambm a regio onde se

    concentraram quase metade dos acessos. A mdia nacional entre regies foi de 40.3%.

    Ficaram abaixo dessa mdia as regies Norte (com 23.2%) e o Nordeste (com 25.3%). Todas

    regies registraram aumento do nmero total de internautas de 2011 para 2012. O avano

    verificado nas regies Norte (12.7%) e Nordeste (8.2%) foi maior que o da mdia nacional

    (6.8%). O Centro-Oeste foi a regio com menor crescimento (4.6%).

    Acerca do consumo de mdia no contexto nacional, segundo a pesquisa Brasil

    Conectado Hbitos de Consumo de Mdia 2013 realizada pelo Interactive Advertising

    Bureau (IAB) Brasil, sete em cada dez (70%) usurios brasileiros de internet escolheria

    realizar uma atividade online uma atividade offline, com 15 minutos de tempo livre no dia.

    A internet considerada o tipo mais importante de mdia, superando com grande margem a

    TV, os jornais e revistas e o rdio. O uso de smartphones e tablets cresceu significativamente

    em praticamente todas as situaes do dia-a-dia. Sobre o consumo simultneo de TV e 1 International Telecommunication Union (ITU) a agncia especializada das Naes Unidas para as tecnologias

  • 16

    internet, mais de sete em cada dez usurios (73%) o faz regularmente. Dentre aqueles que

    prestam mais ateno a um meio do que a outro, h uma visvel inclinao a prestar mais

    ateno internet. O pblico mais jovem (abaixo de 35 anos) tende a passar mais tempo em

    seus smartphones fazendo atividades diversas.

    Em pesquisa tambm realizada pelo IAB em 2012, a internet, comparada ao rdio,

    TV e ao jornal, apareceu como j sendo a mdia mais consumida no s em casa, como no

    trabalho, na escola, em restaurantes, shoppings e reunies presenciais. Dentre os quase 40%

    que surfam pelo menos duas horas por dia, somente 25% conseguem gastar o mesmo tempo com a

    TV. Essa, por sinal, o meio menos usado entre jovens de 15 a 24 anos.

    Contrariando o consenso geral na suposio de que quanto mais mdias digitais menor

    o consumo de TV, o maior estudo3 global sobre consumo de mdia e notcias em mltiplas

    telas mostra que no h disputa entre o uso das mdias mas sim complementaridade. As

    pessoas foram incorporando as diferentes telas em seu cotidiano, e no escolhem uma em

    detrimento da outra. Pelo contrrio, 83% dos donos de tablets, por exemplo, relatam fazer uso

    deles enquanto assistem televiso, e 43% declaram que atualmente assistem mais televiso do

    que h cinco anos, quando no possuam o dispositivo.

    A remodelao desses mercados miditicos configura novas prticas de

    relacionamentos e de modos de informao com os mltiplos canais disponveis. Com o

    surgimento das novas tecnologias digitais, especialmente a comunicao mediada por

    computador com acesso internet, surgem novas formas de consumo e tambm de produo

    de contedos.

    Diante dessas transformaes as formas de consumo musical passaram tambm por

    grandes mudanas, e faz-se necessrio para a anlise aqui proposta incorporar um novo

    enquadramento terico que d conta dessas transformaes em curso. Por isso adere-se ao

    conceito de convergncia proposto por Jenkins (2009). A cultura da convergncia uma

    mudana nos modos como nos relacionamos com as mltiplas mdias existentes. um

    processo em pleno desenvolvimento representando uma transformao cultural, medida

    que consumidores so incentivados a procurar novas informaes e fazer conexes em meio a

    contedos de mdia dispersos (JENKINS, 2009, p. 30). O autor ressalta que a convergncia

    no diz respeito apenas a transformaes tecnolgicas, e contra a ideia da convergncia

    apenas como um processo que uniria mltiplas funes no mesmo aparelho. 3 BBC Advertising. Connecting the Story: How do we consume news today? Disponvel em Acesso em: 23 nov. 2013.

  • 17

    Antigos modos de conceber as relaes entre produtores e consumidores de mdia,

    entre corporaes e audincias, entendiam o processo como uma via de mo nica, ou seja,

    onde as grandes corporaes detinham o poder de veiculao de forma hegemnica, e o fluxo

    com que essa veiculao se dava no se alterava. O fluxo da informao, do poder, saa das

    corporaes, dos donos dos meios massivos e dirigia-se s audincias de maneira

    homogeneizante, chegando s audincias com a fora prpria de quem detinha o poder

    econmico e de deciso do que era importante e legtimo de ser veiculado.

    Com o surgimento das tecnologias digitais, o processo de produo de contedos

    massivos deixou de ser exclusividade das grandes corporaes. O surgimento da internet fez

    com que o trabalho dos consumidores que nunca fora passivo e individual se tornasse

    mais ativo, mais participativo e interativo. As pessoas agora detm uma parcela poderosa

    nesse jogo das mdias. Mdias e canais proliferaram ao seu alcance e o pblico veicula e

    produz suas prprias histrias, selecionando, copiando e editando contedos que circulam de

    maneiras diversas, nesse jogo convergente entre as novas e as tradicionais mdias.

    A convergncia no envolve apenas materiais e servios produzidos comercialmente, circulando por circuitos regulados e previsveis. No envolve apenas as reunies entre empresas de telefonia celular e produtoras de cinema para decidirem quando e onde vamos assistir estria de um filme. A convergncia tambm ocorre quando as pessoas assumem o controle das mdias (JENKINS, 2009, p. 45).

    Jenkins (2009) atenta para um movimento contraditrio no ambiente miditico

    contemporneo. Por um lado, as novas tecnologias reduziram os custos de produo e

    distribuio, aumentaram o raio de ao dos canais de distribuio, e deram poderes de

    armazenamento, edio, produo e circulao de maneiras poderosas e imprevisveis para

    uma infinidade de consumidores. Por outro lado existe tambm uma tendncia

    monopolizante, de concentrao de propriedade dos grandes meios. Um pequeno nmero de

    conglomerados dominando a indstria do entretenimento. Uns temem que os meios de

    comunicao fujam do controle, outros temem que eles sejam controlados demais. Uns veem

    um mundo sem gatekeepers4. Outros veem um mundo dominado por gatekeepers. A verdade,

    para Jenkins, est no meio-termo.

    nesse jogo ainda incerto entre os conglomerados de mdia e os usurios de internet

    cada vez mais participativos e organizados em comunidades de interesses que se configuram

    os rumos dessa nova cultura emergente, a cultura da convergncia. Estamos todos 4 Toma-se aqui a definio econtrada em nota do tradutor em Jenkins (2009, p. 46). Gatekeeper (porteiro), no contexto dos meios de comunicao, um termo utilizado para se referir a pessoas e organizaes que administram ou restringem o fluxo de informao e conhecimento.

  • 18

    consumidores, conglomerados de mdia, indstria e sociedade aprendendo a como nos

    portar, como participar dessa emergncia de informao nos mltiplos meios disponveis.

    Deixar de conceber produtores e consumidores localizados em extremos distintos nessa

    relao um passo importante no entendimento dessa nova organizao sociocultural e

    tecnolgica da sociedade.

    O autor trabalha a relao entre trs conceitos principais em Cultura da Convergncia.

    A convergncia dos meios de comunicao, a cultura participativa e a inteligncia coletiva.

    Por convergncia o autor entende o fluxo de contedo em mltiplas plataformas de mdia, as

    cooperaes entre mercados miditicos e o comportamento migratrio do pblico, buscando

    diferentes contedos em mltiplas plataformas. A convergncia [...] tanto um processo

    corporativo, de cima para baixo, quanto um processo de consumidor, de baixo para cima. A

    convergncia corporativa coexiste com a convergncia alternativa (JENKINS, 2009, p. 46).

    O conceito de cultura participativa contrasta com noes mais antigas que tomam os

    papis do produtor e do consumidor em mbitos separados. Todos participantes, corporaes

    e consumidores, mesmo tendo influncias diferentes no processo, podem interagir de

    maneiras diversas e imprevisveis. Para fazer os contedos circularem por meio de diferentes

    sistemas de mdia, a participao ativa dos consumidores indispensvel.

    J a chamada inteligncia coletiva a expresso criada por Pierre Lvy que diz

    respeito formao de conhecimento que emerge da sabedoria de cada ator participante da

    rede. Como ningum pode saber tudo, todos podem contribuir com o pouco que sabem,

    participando em rede do processo de construo do saber coletivamente.

    a partir dos entendimentos acima expostos acerca do consumo cultural de Canclini e

    da cultura da convergncia de Jenkins que faz-se necessrio para o presente trabalho

    investigar tambm os processos de consumo musical. Quais as prticas j estudadas acerca

    desse mbito do consumo cultural? Quais as dinmicas encontradas no consumo musical?

    Dentro das perspectivas de mudanas tecnolgicas e das mltiplas significaes do processo

    de consumo busca-se compreender e versar sobre algumas das prticas de consumo voltadas a

    esse universo.

  • 19

    1.2 CONSUMO MUSICAL

    No que se refere ao consumo musical, importante relacionar as transformaes na

    indstria com as formas de consumir. Algumas tendncias fazem-se presentes quando o

    analisamos tendo em vista o surgimento de inmeros dispositivos de mdia e plataformas

    digitais. As Novas Tecnologias da Comunicao e da Informao (NTCIs) oportunizaram

    novas maneiras de se realizarem a produo, distribuio e circulao de contedos musicais.

    Mas anterior ao surgimento das tecnologias digitais, a msica e as suas prticas de consumo j

    haviam passado por importantes mudanas no sculo XX como bem resume Castro (2005, p.

    1):

    Ao longo da primeira metade do sculo XX, o fongrafo e principalmente o rdio se encarregaram de levar a msica para dentro dos lares. Nas dcadas subsequentes, temos a implementao da indstria fonogrfica e o desenvolvimento de sistemas de som de uso domstico que passaram a fazer parte da sociedade de consumo, juntamente com os discos de vinil e as fitas cassete, e mais tarde os CDs. O Walkman, com seus fones de ouvido, leva o som diretamente ao canal auditivo, encapsulando o ouvinte em um ambiente sonoro personalizado.

    As formas de consumo de msica gravada nas dcadas de 70, 80 e 90 podem ser

    sintetizadas respectivamente no consumo dos principais suportes como o LP (long-play), fita

    cassete e CD (compact disc). Ao longo do sculo foram popularizando-se as prticas de escuta

    em lugares e situaes variadas. importante notar tambm que a crescente miniaturizao

    dos aparelhos musicais portteis, os fones de ouvido, aparelhos domsticos e o

    desenvolvimento do sistemas de som nos automveis mudaram a nossa ambincia sonora e

    modos de escuta (CASTRO, 2005).

    No que se refere ao mercado de suportes fsicos no Brasil, o ano de 1992 registra a

    venda de 34 milhes de aparelhos de suporte para msica gravada CDs, cassetes e LPs ,

    nmero que seria duplicado em 1995, quando foram comercializadas 75 milhes de unidades

    (SILVA, 2001, p. 7). O mercado dominado pelos formatos LP e posteriormente o CD foram

    responsveis pelos excelentes resultados financeiros da indstria fonogrfica mundial na

    segunda metade do sculo XX. As inovaes adotadas nesse perodo flexibilizao da estrutura produtiva, adoo do disco ptico, etc. permitiram um crescimento expressivo da indstria de discos. Foram praticamente quinze anos de aumento das vendas de discos, desde a introduo do CD (LEYSHON et al., 2005). O aumento do mercado vinha acompanhado de uma forte concentrao: as poucas grandes gravadoras que restaram controlavam cerca de 70% a 80% das vendas no mercado internacional nmeros que tendiam a se repetir nos diversos mercados locais em que funcionavam (DE MARCHI, 2011, p. 120).

  • 20

    Dados da IFPI5 mostram a rentabilidade da indstria fonogrfica mundial no perodo

    da dcada de 90. Os resultados so ilustrativos da relativa estabilidade com crescimento ao

    longo do perodo. O grfico abaixo mostra a arrecadao em bilhes de dlares no perodo

    entre 1992 e 2000.

    Grfico 1 Arrecadao da indstria fonogrfica internacional (1992-2000)

    29# 30.8# 36.1# 39.6# 39.8# 38.1# 38.2# 38.5# 36.9#

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000

    Arrecadao da indstria fonogrfica internacional 1992-2000 (em bilhes de dlares

    americanos)

    Fonte: Baseado em IFPI apud DE MARCHI, 2011, p. 120.

    Porm, na dcada seguinte, esse mercado fonogrfico dominado pelo CD sofre

    grandes mudanas, principalmente no mbito da distribuio e do consumo, que acarretaram

    em uma perda de arrecadao significativa, como mostrado no Grfico 2. O aumento da

    penetrao da internet e o aumento da largura de banda favorecem a distribuio e o consumo

    de msica no formato digital pela web, desbancando assim o CD como principal formato. Tais

    dados configuram um panorama das grandes mudanas trazidas pela digitalizao da msica.

    A percepo geral do principal motivo da queda da arrecadao da indstria de discos o

    surgimento e popularizao das redes gratuitas de compartilhamento de arquivos.

    Novas hbitos e formas de circulao e consumo surgem com a chegada da internet.

    Sites de compartilhamento sejam comerciais ou gratuitos mudam profundamente os

    modos de escuta e consumo. O desenvolvimento de novos aparelhos celulares multifunes

    (com personalizaco musical atravs dos ringtones, acesso internet, funo player de

    msica), a mudana de hbito de consumo do lbum para o download por faixa musical e a 5 International Federation of the Phonographic Industry (Federao Internanacional da Indstria Fonogrfica).

  • 21

    popularizao de equipamentos como gravadores domsticos de CD so alguns dos exemplos

    para se perceber as profundas mudanas da nossa relao com a msica.

    Entre 2007 e 2008 h uma significativa queda de 38,39%. No total, a perda nesse

    perodo de 53,92%. Esses nmeros so alguns dos mais citados para mostrar uma mudana

    na indstria e nas formas de consumo propiciadas pela desmaterializao da msica.

    Grfico 2 Arrecadao da indstria fonogrfica internacional (2000-2009)

    Fonte: Baseado em IFPI apud DE MARCHI, 2011, p. 126.

    Como aponta Rogers (2013), o advento da internet e a queda na venda dos discos so

    os dois principais pontos usados para ilustrar as mudanas na indstria na ltima dcada.

    Muitos tambm percebem esse declnio da indstria como uma consequncia da sua prpria

    inabilidade e ineficincia em gerar oportunidades para monetizar a criatividade no ambiente

    da internet. Outros evidncias da indstria fonogrfica em declnio so as perdas de emprego

    nas grandes empresas de msica e o colapso das lojas varejistas de msica gravada. No

    mbito digital, cita ainda as tecnologias de cpias de CDs, dispositivos portteis de

    armazenamento, e a mudana do consumo de msica de um formato lbum para o consumo

    por unidade juntamente com os hbitos de consumo associados.

  • 22

    Uma pesquisa 6 realizada em 2008 pelo NPD Group com consumidores norte-

    americanos revelou alguns hbitos de consumo de msica quela poca. No estudo, o nmero

    de usurios de internet que pagaram por baixar msica aumentava de 28 milhes em 2007

    para 36 milhes em 2008. As compras de msica online aumentaram em 29%, representando

    agora 33% de todas as faixas vendidas por todos os meios nos Estados Unidos. O nmero de

    compradores de CDs caiu em todas as faixas etrias, totalizando 17 milhes de pessoas, sendo

    a queda mais significativa nas extremidades: em adolescentes e em maiores de 50 anos. Ainda

    que o nmero de downloads oficiais tenha aumentado no foi suficiente para compensar a

    queda dos CDs. No total, 13 milhes de pessoas deixaram de comprar qualquer tipo de

    msica em qualquer meio. Somente 58% dos usurios de internet afirmaram que compraram

    CDs ou msica digital. No ano anterior, 65% dos usurios haviam comprado CDs ou msica

    digital.

    A internet possibilitou para artistas e bandas (tanto os inseridos ou no nos esquemas

    das grandes gravadoras) um espao de relaes em que ambos criadores e consumidores de

    msica esto habilitados para acessar um ao outro, no [...] exigindo o maquinrio de uma

    corporao multinacional mediando essa relao(ROGERS, 2013, p. 10)7. Com esse relao

    dando-se de maneira mais direta, outras importantes formas de mediao emergem: Facebook, YouTube, blogs da internet e outras mdias sociais so agora percebidas como intermedirios chave necessrios para a gerao de perfis a nvel de consumidores/usurios. Intermedirios tradicionais como o rdio e a imprensa especializada em msica so vistos assumindo um nvel decrescente de significncia. Alm do mais, nessa era de crise para a indstria do disco, somos cada vez mais informados a respeito do crescimento do mercado da msica ao vivo, e a necessidade para os artistas de serem capazes de gerar renda atravs dele, e de outras fontes como taxas de sincronizao no momento em que o mercado para discos decresce, possivelmente de modo terminal (ROGERS, 2013, p. 12)8.

    Para citar algumas ferramentas e dispositivos icnicos nesse grande mbito que o

    consumo musical na internet, pode-se falar da loja iTunes que tem sido apontada como o

    principal agente deflagrador do aumento significativo de downloads pagos de msica; os

    6 NPD GROUP. Continued CD Sales Declines in 2008, but Music Listening and Digital Downloads Increase. Disponvel em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 7 Traduo do autor: both creators and consumers of music are enabled to access each other without [] requiring the machinery of a multinational corporation mediating this relationship (ROGERS, 2013, p. 10). 8 Traduo do autor: Facebook, Youtube, internet blogs and other social media are now perceived as key intermediaries necessary for the generation of profile at consumer/user level. Traditional intermediaries such as radio and the music press are perceived to carry a decreasing level of significance. Furthermore, in this era of crisis for the record industry, we are increasingly told of the growth of the live music market, and the necessity for artists to be able to generate income through this, and other sources such as synchronization fees as the market for recordings declines, possibly terminally.

  • 23

    servios de msica por assinatura, os aplicativos p2p, os servios de streaming9, webradios10

    e podcasting11. Tambm igualmente importante o mercado de players portteis, tendo como

    talvez seu representante mais reconhecido o iPod. Aqui interessante indicar uma prtica

    denominada podsharing, onde duas pessoas compartilham o fone de um mesmo player

    ouvindo simultaneamente a faixa musical que est sendo executada. Nos sempre cambiantes

    cdigos de conduta das culturas juvenis, esta prtica tem sido utilizada para indicar apreo

    afetivo, alm de um certo grau de intimidade entre seus adeptos (CASTRO, 2007, p. 64).

    Todas essas mudanas so devedoras do processo primeiro da digitalizao da msica.

    A esse respeito, Jonathan Sterne (2010) levanta algumas particularidades do tratamento dado

    ao mp3: usurios referem-se desmaterializao da msica ao discutir suas prticas de uso,

    mas insistem em tratar a msica como um objeto cultural quando discutem suas posses de

    msica (STERNE, 2010, p. 74). Isso muito provavelmente se d como consequncia da

    percepo msica a partir do seu processo de materializao no comeo do sculo XX: Rothenbuhler & Peters (1997, p. 243) refletem como os primeiros aparelhos de reproduo, como o fongrafo, ajudaram a alterar a relao que temos com a msica. Com o aparelho e o suporte, a msica vai poder ser consumida como um bem, uma mercadoria, e no mais exclusivamente atravs de execues ao vivo. A msica passou a ter vida prpria e independente de compositores, msicos ou audincias. A msica, em poucas palavras, tornou-se um objeto (WALTENBERG, 2010, p. 4)

    importante destacar primeiramente algumas caractersticas relativas ao arquivo de

    udio digital mp3. Esse formato de arquivo foi criado a partir da necessidade de padronizao

    de esquemas de compresso de dados na radiodifuso, nas telecomunicaes e nas indstrias

    de eletrnicos para uso domstico (STERNE, 2010, p. 68). A empreitada da criao desse 9 De acordo com a Wikipdia streaming uma forma de distribuir informao multimdia numa rede atravs de pacotes. frequentemente utilizada para distribuir contedo multimdia atravs da internet. Em streaming, as informaes multimdia no so, usualmente, arquivadas pelo usurio que est recebendo o stream (a no ser a arquivao temporria na cache do sistema ou que o usurio ativamente faa a gravao dos dados) - a mdia reproduzida medida que chega ao usurio, desde que a sua largura de banda seja suficiente para reproduzir os contedos em tempo real. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013. 10 De acordo com a Wikipdia webradio, rdio via internet ou rdio online o servio de transmisso de udio via internet com a tecnologia streaming gerando udio em tempo real, havendo possibilidade de emitir programao ao vivo ou gravada. Muitas estaes tradicionais de rdio transmitem a mesma programao pelo meio convencional (transmisso analgica por ondas de rdio, limitado ao alcance do sinal) e tambm pela internet, conseguindo desta forma a possibilidade de alcance global na audincia. Outras estaes transmitem somente via Internet. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013. 11 De acordo com a Wikipdia um podcast um tipo de mdia digital que consiste de uma srie episdica de udio, vdeo, pdf ou arquivos ePub inscritos e baixados atravs de web syndication ou transmitido online para um computador ou dispositivo mvel. A palavra um neologismo derivado de broadcast e pod do sucesso do iPod, como podcasts de udio so muitas vezes ouvidos em tocadores de mdia portteis. Disponvel em: .

  • 24

    padro surgiu de vrios ramos da indstria. O grupo MPEG (Motion Pictures Expert Group)

    foi o responsvel pela discusso e criao desse padro. O grupo iniciou suas atividades em

    1988, congregando indstrias, companhias, engenheiros e outros profissionais, com o objetivo

    de criar formatos padronizados que pudessem circular em variadas tecnologias digitais. A

    grande compatibilidade do mp3 e o pouco espao que necessita para ser acumulado em parte

    a razo do porqu de o mp3 ser to compartilhado. A vasta circulao e consumo do mp3

    moldaram alguns modos de tratamento dado a esse tipo de arquivo.

    Atravs de seu design como uma tecnologia de continer porttil, tem sido inferido ao mp3 o status de objeto na prtica cotidiana, apeser de ser nada mais do que um formato para codificao de dados digitais. Ambos ouvintes e companhias que vendem mp3 (ou o equipamento para toc-los) prontamente falam das colees de mp3 analogamente a colees de discos ou livros (STERNE, 2010, p. 71)

    O autor considera o arquivo mp3 como artefato cultural. O arquivo objetificado nos

    discursos da indstria e do pblico.

    Este o ponto: embora o mp3 exista enquanto software, as pessoas tendem a trat-los como objeto (e, de fato, o argumento aqui que ns devemos analis-los como artefatos), talvez porque elas estejam acostumadas a manusear discos enquanto coisas fsicas. Mas por causa de sua micromaterializao, usurios podem manusear os mp3s de forma totalmente diferente de discos que possuem em uma forma mais obviamente fsica como o LP ou o CD, embora eles possam falar sobre os mp3s como se eles fossem objetos fsicos (STERNE, 2010, p. 74)

    Waltenberg (2012), utilizando-se tambm da ideia de artefato cultural de Sterne,

    analisa as prticas de coleo de msica, tentando traduzir a prtica de colecionar suportes

    fsicos como CDs e LPs no cenrio das msicas em mp3. Fazendo um apanhado das

    especificidades histricas e mercadolgicas dos formatos fsicos do single, do disco de 33

    rpm (o LP), do CD, e por fim do mp3, reflete como muitas das prticas hodiernas so

    devedoras de prticas j consolidadas h algum tempo na cultura da msica. A msica gravada no surgiu como um bem colecionvel. No fim da dcada de 40 e incio dos anos 50, com a criao do lbum, ela passou por um processo de revalorizao econmica e cultural fazendo com que ela deixasse de ser uma mera mercadoria para se transformar em algo dotado de uma espcie de aura. A histria das colees musicais pode ser cruzada com a narrativa que mostra a consolidao do formato lbum na indstria (WALTENBERG, 2010, p. 4).

    Muitas das prticas atuais no consumo de msica so devedoras de prticas j

    consolidadas anteriormente na cultura musical. Como indica Waltenberg (2012) a respeito das

    colees musicais, as prticas de coleo em arquivos mp3 devem muito s colees de

    msica que se originaram com a popularizao do vinil e do CD. O mp3 to colecionvel

  • 25

    quanto os suportes fsicos e a forma como os usamos no est descolada das maneiras que

    aprendemos a lidar com a msica gravada (WALTENBERG, 2010, p. 9).

    Mas no so s as prticas de coleo que encontram continuidade no ambiente

    digital. Outras prticas como os atos de recomendao, busca de informaes musicais e

    relaes entre fs, artistas e msica continuam a existir agora remodeladas pelas

    possibilidades da estrutura das redes sociais.

    Muitos dos estudos sobre consumo musical na internet versam sobre o consumo

    musical dentro das redes sociais voltadas especificamente a esse universo. Adriana Amaral

    uma das pesquisadoras que estudaram as prticas de consumo e apropriao das redes sociais

    com enfoque musical. Plataformas tais como o Last.fm, Myspace e Blip.fm so algumas das

    redes presentes nas pesquisas da autora. O prprio Youtube pode ser considerado uma

    plataforma musical, pois utilizado muitas vezes apenas para a escuta do udio por

    streaming.

    As redes sociais so lugares privilegiados para se observar os padres do consumo e

    do consumo musical. A autora lembra que tambm nos padres do consumo musical que

    muitas identidades de subculturas foram sendo construdas ao longo da histria. Os padres de consumo definiram ou ajudaram a definir a identidade de diversas subculturas, como a dndi, a bomia e at mesmo a apache. De maneira semelhante, eles definiram as tribos britnicas do fim do sculo XX: os mods, os rockers, os skinheads, os punks e assim por diante. Tambm passou a existir uma poltica de consumo ou, mais especificamente, uma recusa em consumir certos produtos (BURKE, 2008, p. 34 apud AMARAL, 2009, p. 147).

    Esses processos ganham continuidade na prtica de construo de perfis online. A

    criao de perfis nas redes sociais so importantes indicadores de processos de consumo e

    subjetivao na contemporaneidade. A autora ressalta que no que se refere ao processo de

    constituio de um gosto musical,

    os perfis online em redes de relacionamento tm se mostrado eficientes no sentido de constituio de um banco de dados de consumo, de memria musical, de organizao social em torno da msica, de crtica e classificao de gneros, de constituio de reputao de conhecimento sobre o assunto, quando aliados aos sistemas de recomendaes musicais , como no caso do Last.fm, por exemplo (AMARAL, 2010, p. 1).

    Existe hoje uma grande variedade de redes voltadas especificamente para msica.

    Last.fm12, Soundcloud13, Grooveshark14, Spotify15, Blip.fm16 para citar algumas. Sobre as 12 De acordo com a Wikipdia, Last.fm < http://www.last.fm/ > um site com funo de rdio online agregando uma comunidade virtual com foco em msica. Em tal comunidade, so trocadas informaes e recomendaes sobre o tema. Last.fm constri um perfil detalhado do gosto musical de cada usurio, reunindo e exibindo suas

  • 26

    prticas encontradas nas redes, a autora, atentando para a falta de estudos especficos sobre a

    produo e distribuio musical dentro das redes, prope a interseco do online com o

    offline, num processo de continuidades de prticas entre diferentes suportes, linguagens e

    formas de compartilhamento e armazenamento que caracterizam o ser f de msica desde

    suas primeiras manifestaes, contribuindo para o branding do artista e dos gneros e

    subgneros musicais (AMARAL, 2010).

    Quadro 1 Apropriaes das plataformas de msica

    Apropriaes das plataformas de msica:

    Personalizao musical

    Fruio dos bens simblicos musicais

    Compartilhamento de preferncias

    Circulao da msica

    Traado simblico de relacionamentos

    Banco de dados de informaes musicais

    Memria social

    Reputao e constituio da marca

    Recomendao

    Organizao hierrquica em torno da msica

    Conscincia de audincia segmentada

    Fonte: Amaral, 2010.

    H uma construo simblica dessas plataformas atravs das apropriaes dos

    diversos atores que ali se encontram. A literatura sobre o assunto enfatiza as negociaes e a

    organizao em torno da msica como maneiras de composio da memria e das identidades msicas e artistas favoritos numa pgina feita com as informaes coletadas e gravadas por um plugin do prprio site instalado no aplicativo de execuo de msica (music player) do computador do usurio. Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Last.fm>. Acesso em: 24 nov. 2013. 13 Definio da Wikipdia: SoundCloud uma plataforma online de distribuio de udio que permite seus usurios a fazerem o upload, gravar, promover e compartilhar seus sons criados originalmente. Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/SoundCloud>. Acesso em: 24 nov. 2013. 14 Definio da Wikipdia: Grooveshark um site de compartilhamento de msicas on-line. O site permite que o usurio faa o upload de suas msicas que ficam disponveis para serem ouvidas por outros usurios. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013. 15 Definio da Wikipdia: Spotify um aplicativo usado para reproduo de msicas por meio de streaming em computadores com sistemas operacionais Microsoft Windows, Mac OS X e Linux e em dispositivos mveis como Symbian, iPhone, iPad, Android e BlackBerry. Permite escutar e comprar msica pesquisando por artista, lbum ou listas de reproduo criadas pelos prprios usurios. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013. 16 Definio da Wikipdia: Blip.fm uma rede social, no estilo microblogging que permite publicar msicas com textos curtos, semelhante ao twitter, respondendo a pergunta: O que voc est ouvindo agora? Cada usurio registrado no Blip.fm considerado um DJ, j que este tem suas msicas favoritas e uma comunidade de ouvintes ao seu redor. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013.

  • 27

    das audincias a partir das relaes ali travadas (AMARAL, 2010, p. 2). As principais

    caractersticas e formas de apropriao dessas redes sociais so indicadas pela autora no

    Quadro 1.

    Esses so os aspectos de ordem mais generalista encontrados nas plataformas digitais,

    e so essenciais para entendermos os fluxos e dinmicas da cultura da msica. A

    personalizao acontece em cada escolha de auto representao, seja no compartilhamento de

    playlists ou na escolha das fotos e vdeos para o perfil, indicando partilha de experincias

    musicais expressas em preferncias de gnero. Segundo a autora, tais dados colaboram para a

    circulao da msica e para a construo contnua de um banco de dados musical,

    consolidando uma espcie de memria musical coletiva assim como facilitando a busca e a

    reteno de informaes. Essas informaes tambm colaboram para a funo de

    recomendao dos sistemas e para a constituio de autoridade e grau de expertise de cada

    perfil.

    Essas operaes so negociadas de forma complexa entre os diversos atores sociais que participam da performance ativa de gosto (Liu, 2007) conotadas via perfil e que so parte do ato de fruio da msica como bem simblico, incluindo a prpria confeco de uma espcie de marca musical disseminada no apenas nos aspectos sonoros [] mas em outras linguagens como o texto [], o visual [] e o udio-visual (AMARAL, 2010).

    Na estrutura dessas plataformas, interessante notar os atos de categorizao,

    classificao e colecionismo, o processo de hibridizao entre gneros, e as disputas

    simblicas de capital cultural e DIY (Do It Yourself17). No capital subcultural, o que est em

    jogo a performatizao para o outro: uma sabedoria compartilhada, saber o que preciso

    saber para pertencer e ser reconhecido como pertencente certa subcultura.

    A classificao por gnero (tagging) assim como a recomendao encontrados em

    sistemas como do Last.fm so importantes ferramentas para a constituio de uma base de

    dados para o sistema de buscas, assim como uma forma de reteno de informao. Do conta

    da possibilidade de acesso memria musical coletiva e podem servir tanto s funes de

    recomendao do sistema ou construo de autoridade e reputao dos perfis dentro dos

    subgneros existentes.

    Em relao cultura dos fs, uma das prticas que so notadamente caractersticas do

    consumo musical atual o fansourcing. Amaral entende por fansourcing um tipo de prtica

    de coleta e distribuio de informaes, e apropriao criativa de material de determinado

    artista, produzida por um grupo de fs especfico (um fandom, seja ele de msica, programas 17 Do ingls: faa voc mesmo.

  • 28

    de TV, filmes, livros, etc) (AMARAL, 2010, p. 158). Novas prticas como o uso de tags

    (marcadores, palavras chave) para promoo e classificao dos seus artistas e gneros,

    lipdubs18, flashmobs19, produo de mixtapes20, crowdfunding21 de artistas etc. Algumas

    dessas prticas j eram de certo modo consolidas antigamente na cultura do f (produo de

    mixtapes, prticas de dublagem correlatas ao lipdub etc.) e agora remodeladas nas

    possibilidades da estrutura da web e das redes sociais. Tambm indica a autora a existncia

    dos fs curadores do acervo da memria musical. Blogs especializados em gneros

    relacionados a perdos histricos como o rock clssico, ou msica dos anos 80 seriam alguns

    exemplos desse tipo de curadoria.

    Interessante notar nas pesquisas sobre redes sociais musicais a quantidade e

    variedade de tags definidoras, apontando para as formas de colecionismo, categorizao e

    classificao atravs do social tagging (AMARAL & AQUINO, 2009 apud AMARAL 2010,

    p. 147). Esse fato pode indicar tambm uma crescente segmentao da audincia. A noo de

    audincia segmentada tambm se faz presente ao analisarmos as diversas subculturas

    existentes dentro da cultura musical. Janotti (2012) trabalha a relao da noo de cenas

    musicais e identidades culturais. O autor prope a perspectiva de que

    as cenas musicais so enquadramentos sensveis que permitem, atravs de disputas e negociaes, afirmar territrios sonoros, ou seja, circunscries de experincias e consumos culturais, articulados por sonoridades e pelo modo como eleas circulam, so embaladas e posicionam os participantes das cenas em diferentes circuitos culturais (JANOTTI, 2012, p. 2)

    Dentro dessa definio possvel perceber a importncia das cenas nos processos de

    identificao cultural com sonoridades e experincias musicais (JANOTTI, 2012). Tomando o

    entendimento das identidades como construes sociais que pressupes relaes com o

    outro, o autor pensa as identidades tanto individuais como coletivas, que seriam marcadas

    por uma auto-reflexidade tpica da contemporaneidade, como constructos longe de serem

    18Definio da Wikipdia: Lipdub um tipo de vdeo que combina sincronizao labial e dublagem de udio para produzir um videoclipe musical. Disponvel em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Lip_dub>. Acesso em: 24 nov. 2013. 19 Definio da Wikipdia: Flahsmobs so algomeraes instantneas de pessoas em certo lugar para realizar determinada ao inusitada previamente combinada, estas se dispersando to rapidamente quanto se reuniram. Disponvel em: . Acesso em: 24 nov. 2013. 20 Toma-se aqui a definio de AMARAL (2010): Prtica de compilao de canes por gneros, artistas, anos, ou aspectos mais subjetivos etc) originalmente gravada em fita-cassete e, atualmente, produzidas e compartilhadas online em sites como o Mixtape.me. 21 Definio da Wikipdia: Financiamento coletivo (crowdfunding) consiste na obteno de capital para iniciativas de interesse coletivo atravs da agregao de mltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas fsicas interessadas na iniciativa. Disponcel em: . Acesso em: 24 nov. 2013.

  • 29

    simplesmente dados, ou apresentados, mas que devem ser criados e sustentados

    rotineiramente.

    H nos discursos das cenas musicais uma presente auto-reflexidade e diferenciao em

    relao aos outros. Para aproximar a auto-reflexidade das identidades individuais com a das

    identidades culturais, o autor aponta que identidades culturais so possibilidades de

    ancoragem de experincias individuais em formaes culturais coletivas, sendo essas

    experincias partilhadas dentro do enquadramento sensorial dessas formaes culturais.

    Assim, as apropriaes musicais locais e globais nos territrios sonoros possibilitam

    encontros de disposies e interesses comuns que forjam partilhas sensveis, funcionando

    como bases para as cenas musicais. O enquadramento sensorial comum s cenas pode ser

    pensado na perspectiva da existncia de um comum dentro das cenas. As cenas baseariam-

    se no encontro de disposies e interesses comuns forjando partilhas sensveis nos

    territrios sonoros. [] saindo dos pesos das definies essencialistas ou das redues das identidades a jogos valorativos, estamos frente a prticas culturais que permitem aos indivduos refletir sobre as noes que tem de si e dos outros atravs de experincias e valoraes musicais. Assim, as cenas permitem aos seus participantes vivenciar partilhas do comum contra o antigo pano de fundo de razes fincadas em nossas carnes. Pensar as identidades culturais vividas nas cenas como estilos de vida perceber as ntimas relaes que envolvem prticas de consumo, fruies estticas e identificaes sociais em torno do que nominado em diferentes instncias cenas musicais (JANOTTI, 2012, p. 12).

    nesse sentido que, pensando as identidades e o consumo musical no contexto da

    convergncia miditica, faz-se necessrio discorrer sobre os jovens, o recorte populacional

    que se prope analisar o presente trabalho. H algo que possa ser chamado de identidade

    juvenil? Designa algo em comum entre eles? Parte-se assim para algumas discusses tericas

    acerca desse recorte populacional que, a uma primeira leitura, parece configurar um grupo de

    certa forma coeso, mas que no facilmente determinado.

  • 31

    2 QUE JUVENTUDE ESSA?

    Assim como as cenas musicais so diversas, podemos afirmar o mesmo sobre a

    definio de juventude. Longe de possuir um consenso, o termo atravessado por mltiplas

    posies. Definir a juventude ou os jovens no tarefa simples. Diversos autores j versaram

    sobre o tema e muitos fatores so apontados se quisermos pensar sobre o que caracteriza essa

    fase da vida e o que pode ser tomado em conta na reflexo sobre o termo.

    Bourdieu (1990) diria que impossvel defini-la. Considera demasiado arbitrrios os

    limites demarcadores dessa fase localizada entre a infncia e idade adulta, e, como todas as

    classificaes (de idade, classe social, sexo), dizem respeito sempre a uma zona de conflito

    de poder, de imposio de ordens e deveres. Segundo o autor, essas divises entre fases da

    vida servem para isso: para classificar os indivduos entre os que podem fazer tais coisas e os

    que no podem faz-las, por serem imprprias ao momento em que se encontram (TOALDO

    e JACKS, 2012, p. 2-3).

    Ento, referir-se aos jovens como um grupo social coeso, dotado de caractersticas

    comuns, configurando uma unidade, seria artificial pois essas divises so frutos de lutas e

    manipulaes entre geraes. Os contextos em que essas lutas se do diferem, e assim as

    divises e limites entre cada fase da vida tambm. Por isso o autor considera mais apropriado

    uma discusso entre as diferenas das vrias juventudes configuradas no mundo.

    A discusso da juventude para Margulis e Urresti (2008), diferentemente de Bourdieu,

    d-se a partir da crena na existncia da juventude como uma fase singular da vida. Contudo,

    concordam com a dificuldade da definio e com uma certa arbitrariedade nos limites

    definidores. Em seu entendimento, cinco dimenses devem ser analisadas para se pensar a

    condio da juventude: idade, gerao, classe social, gnero e condio familiar. Para eles, a

    juventude est intimamente ligada com a idade. A condio de juventude indicaria, na

    sociedade atual, uma maneira particular de se estar em vida: potencialidades, aspiraes,

    requisitos, modalidades ticas e estticas, linguagens. Para os autores,

    o estar no mundo dos jovens ainda se configura por outros nveis de sensibilidade, experincia e memria. Eles compartilham um sentimento de invulnerabilidade diante da vida, por sentir-se em condies fsicas privilegiadas e no possuir medo da morte nem de doenas. Atribuem essas questes aos mais velhos pela experincia que vivenciam com seus pais e avs que, por ordem cronolgica, julgam precisar se preocupar antes deles a esse respeito (TOALDO e JACKS, 2012, p. 6-7).

  • 32

    Idade e gerao so relacionados ao que chamam de moratria vital. Moratria vital

    ou capital temporal a disponibilidade de tempo, um gozar do excedente de tempo maior

    que a das geraes mais velhas coexistentes (MARGULIS e URRESTI, 2008). A percepo

    de distncia da morte; ela est mais perto das geraes mais antigas, do pais ou dos avs.

    um dado objetivo tambm ligado ao corpo, energia, ao fsico, que possibilitaria o desfrute

    desse crdito temporal com que contam para explorar diferentes opes sem necessariamente

    escolher ou definir-se por uma.

    Dois aspectos so essenciais para se pensar a juventude. O primeiro relacionado a

    essa cronologia prpria do corpo, a moratria vital, e o outro aspecto seria ao nvel

    significativo das formas socioculturais com os quais esse corpo, esse jovem se mostraria

    visvel, a exteriorizao em seus aspectos valorativos e estticos. assim que podemos

    diferenciar, por exemplo, os jovens dos no jovens e os social e culturalmente juvenis dos no

    juvenis. Os aspectos scio-culturais, a moratria social definiria o aspecto juvenil. A

    moratria vital j prpria sua existncia.

    Muitos discursos sobre a juventude, quando levam em conta o mbito social, falam de

    uma privao da juventude nas classes mais populares. No assim que entendem os autores

    em questo. A moratria social uma condio reservada a certos grupos etrios e mais

    possivelmente presente nas classes sociais mdias e altas, e tambm mais provavelmente

    disponvel nos homens do que nas mulheres. Mas h tambm outras variveis que incidem na

    condio da juventude, e que so acessveis para outras classes sociais, s que por outros

    aspectos, sem tanto acesso ao juvenil mass midiatizado, a moratria social, seus signos e

    privilgios. De qualquer modo essas classes possuem seus jovens (mesmo que no juvenis),

    que so considerados como tais no marco de seu meio social e das instituies a que

    pertencem (MARGULIS e URRESTI, 2008).

    Assim, a juventude apresenta diferentes modalidades segundo a incidncia de uma

    srie de variveis. As formas de ser jovem dependem da idade, da gerao, do crdito vital, da

    classe social, das relaes de gnero e das instituies. A juventude no se manifesta da

    mesma maneira nas classes sociais populares e nas mais abastadas, o que implica na

    desigualdade de distribuio dos recursos da moratria social nas diferentes classes.

    Provavelmente, muito em virtude de necessidades financeiras, o perodo juvenil mais curto

    nas classes populares. O mesmo acontece com a condio de gnero. H mais probabilidades

    de ser juvenil sendo homem do que sendo mulher pelo fator biolgico feminino ligados

    fertilidade, o que acarretaria na moratria social das mulheres. Todas essas questes se

  • 33

    sobrepe ainda com a data do nascimento em certas condies de mundo especficas, nas

    quais os sujeitos se socializam (MARGULIS e URRESTI, 2008).

    Com outra abordagem sobre o tema, a autora Lia Pappamkail lembra que a noo de

    juventude foi criada a partir da modernidade. A escola posteriormente passa a demarcar o

    tempo de formao desses jovens livre de obrigatoriedades, com a pressuposio da

    dependncia familiar. O contexto escolar propicia relaes entre esses mesmos indivduos e,

    consequentemente, prticas e costumes comuns. Isso no elimina os problemas de delimitao

    a respeito de uma fase considerada transitria.

    Para tentar responder a questo do conceito de juventude, a autora cita duas vertentes

    surgidas. A primeira tenta associar caractersticas comuns a uma determinada faixa etria.

    Mas essa linha de pensamento no considerava a transitoriedade dessa faixa. Delimita-se a

    faixa a partir das caractersticas, ou as caractersticas preteridas objetivizam a faixa etria

    necessria? A autora ainda cita os processos de individualizao dos percursos de vida na

    contemporaneidade, o que dificultaria o surgimento de um aspecto comum entre os jovens.

    A segunda vertente diz respeito linha de pensamento de Bourdieu, e da descrena na

    existncia de uma possvel categorizao geral, dando preferncia a ideia da existncia de

    mltiplas juventudes. Essa ideia refutada pela autora pois concebe o indivduo em mbitos

    isolados de existncia, passando por cima da intermediao e da interao entre eles

    (TOALDO e JACKS, 2012, p. 11).

    Pappamkail, partindo da observao do processo contemporneo do prolongamento

    da juventude e da impossibilidade de interpretaes lineares do ciclo de vida dos indivduos,

    prope desvincular a concepo da juventude da noo de grupo, que envolve uma configurao do que prprio ou no a indivduos, num determinado tempo e espao. Segundo ela, uma das lacunas das anlises sobre a juventude no considerar que os conceitos de autonomia, liberdade e independncia so fundamentais para se compreender as transies para a vida adulta (TOALDO e JACKS, 2012, p. 11).

    nessa trade que os jovens construiriam a noo de si prprios. A partir dessas distintas

    vises, a definio de Margulis e Urresti a que mais parece auxiliar no desenvolvimento da

    pesquisa. na confluncia de diversos mbitos que podemos pensar a condio da juventude.

    Em resumo, para os autores, a juventude uma condio que se articula socioculturalmente

    em funo da idade, da gerao a qual se pertence, da classe social de origem, do gnero e da

    sua situao em famlia (MARGULIS e URRESTI, 2008).

  • 34

    Por mais que a condio da juventude seja multideterminada, aqui, para o propsito da

    pesquisa, usa-se a classificao do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). O

    IBGE classifica os jovens a partir de um critrio biolgico, considerando a faixa etria juvenil

    a de 15 a 24 anos. Mas no s o recorte etrio levado em conta. As noes socioculturais de

    juventude tambm foram incorporadas na seleo dos informantes (conforme Anexo 2).

    Para delimitar o recorte de classe utiliza-se a definio do projeto Jovem e consumo

    miditico em tempos de convergncia (2012) que considera classe C indivduos com renda

    familiar entre aproximadamente R$1.147,00 e R$1.858,00, com residncia em bairros

    perifricos e com familiares exercendo profisses como pedreiro, cozinheira, comercirio, etc.

    Utilizou-se do Critrio Brasil para estabelecer as classes por faixas de renda, a saber: A

    (9.263,00), B1 (5.241,00), B2 (2.654,00), C1 (1.858,00), C2 (1.147,00) e D (776,00).

    Designou-se assim para fins do estudo piloto a faixa C1/ C2.

    Estudo22 sobre o consumo da classe C no Brasil revela que essa classe representa mais

    da metade da populao, e que a faixa etria que a compe mais jovem, com mais gente de

    at 34 anos. A internet tem menos funo de mdia e mais de ponto de encontro. Sobre o

    consumo de msica, as marcas culturais so Sertanejo, Samba/Pagode, Forr, Gospel, Ax e

    Funk. Os gneros tem alcance nacional mas predominncia regional. Os homens preferem

    mais msica eletrnica e rock enquanto mulheres preferem mais MPB. O estudo no fala

    especificamente sobre os jovens, mas sobre a classe C em geral, estrato social que interessa

    pesquisa.

    22 IBOPE Mdia. Conectmdia: Hbitos de consumo de mdias na era da convergncia. Disponvel em: . Acesso em: 23 nov. 2013.

  • 35

    3 PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    A partir da exposio terica apresentada, seguem os procedimentos metodolgicos de

    pesquisa adotados no presente trabalho. Essa monografia iniciou-se a partir da possibilidade

    de investigar as prticas juvenis em relao ao consumo musical a partir da investigao mais

    ampla sobre o consumo de jovens brasileiros no contexto da convergncia miditica do

    projeto Jovem e consumo miditico em tempos de convergncia. Esse projeto em andamento

    tem por objetivo conhecer as realidades regionais brasileiras no que diz respeito ao uso e

    apropriao dos recursos multi-miditicos em processo de convergncia, por parte de jovens

    da classe C (JACKS, 2012, p. 31). Similarmente ao objetivo do projeto referido, busca-se

    aqui explorar qualitativamente a circulao e o consumo de contedo miditico,

    especificamente musical, no contexto da convergncia.

    Assim sendo, optou-se por realizar uma investigao emprica, com o intuito de

    analisar de que forma os jovens consomem msica no contexto da cultura da convergncia. O

    mtodo optado predominantemente qualitativo, sendo a observao no-participante o

    principal vis adotado. Dessa forma utilizou-se da pr-seleo de dez jovens de classe C do

    Rio Grande do Sul, participantes do j referido projeto Jovem e consumo miditico em tempos

    de convergncia. Estes dez jovens foram observados durante uma semana atravs do seu

    perfil na rede social Facebook. A presente pesquisa utilizou-se dessa coleta de dados

    previamente feita a partir dos perfis desses jovens.

    A observao online deu-se atravs da rede social Facebook. O Facebook uma rede

    social baseada em perfis e comunidades. Foi fundada em 2004, e em 2012 atingiu a marca de

    1 bilho de usurios ativos23. Dados de janeiro de 2013 mostram que o Brasil o terceiro pas

    em nmero de usurios no Facebook, com 76 milhes de membros24, sendo superado apenas

    pelos Estados Unidos e a ndia. Os usurios devem registrar-se para usar o site, criam um

    perfil pessoal com fotos, listas de interesses pessoais, informaes de contato e outras

    informaes pessoais, podendo adicionar usurios como amigos, trocar mensagens privadas

    ou pblicas ou ainda utilizar o servio de chat, e receber notificaes dos amigos quando eles

    23 Disponvel em: . Acesso em: 23 nov. 2013. 24 Disponvel em: . Acesso em: 23 nov. 2013.

  • 36

    atualizam seu perfil ou postam contedos em sua timeline. Os usurios tambm podem

    participar de grupos de interesse comum, organizados por caractersticas diversas e curtir

    pginas, algumas dessas sendo administradas por organizaes como meio de publicidade.

    tambm possvel fazer uso de diversos aplicativos (jogos, ferramentas, etc.) dentro do perfil.

    Partindo-se da escolha de uma observao online, importante abordar algumas

    caractersticas em relao aos estudos de internet. Diferentes panoramas desses estudos so

    apresentados por Fragoso, Recuero e Amaral (2011). Fazendo um apanhado de diversos

    estudos, apresentam o entendimento da internet como um campo em constante mudana,

    surgido a partir de diversas disciplinas. As autoras atentam para a natureza mutvel e efmera

    da internet, e a rpida e ampla adoo como objeto de estudo por pesquisadores de diversas

    reas. Ganhando interesse central na maioria das disciplinas constitui assim um campo de

    pesquisas e no uma disciplina. Segundo Costigan (1999, apud FRAGOSO, RECUERO e

    AMARAL, 2011) as pesquisas da rea das cincias sociais sobre a internet dividem-se

    basicamente na habilidade de encontrar e recuperar informaes a partir de bancos de dados e

    na capacidade da comunicao interativa.

    Acerca das abordagens qualitativas referentes a internet, as autoras apontam

    principalmente duas perspectivas que tomam a internet como cultura ou como artefato

    cultural. Tomada como cultura, a internet seria um espao diferente do offline, enfocando o

    contexto cultural dos fenmenos ocorridos nos ambientes online. J entendida como artefato

    cultural, prioriza o entendimento da insero da tecnologia na vida cotidiana, como elemento

    da cultura. H uma integrao dos ambientes online e offline. A noo de internet como

    artefato cultural oportuniza o entendimento do objeto como um local intersticial no qual as

    fronteiras entre online e offline so fluidas e ambos interatuam (Fragoso, Recuero e Amaral,

    2011, p. 42). Entende-se que a perspectiva na qual esse trabalho insere-se o da internet como

    cultura, j que o Facebook tomado como espao cultural distinto, aonde so levadas em

    conta questes como as formas e fluxos narrativos propiciados pelas redes digitais. Apesar de

    priorizar o enfoque online, entende-se que a vida cotidiana interseco importante na

    constituio das prticas de consumo. A pesquisa aqui, no entanto, no chega a abarcar essa

    dimenso.

    Sobre as categorias temticas dos estudos de internet, sinaliza-se aqui algumas citadas

    pelas autoras e em que a presente pesquisa poderia enquadrar-se: apropriao tecnolgica, ou

    seja, estudos sobre reconfigurao das prticas sociais/culturais e sociabilidade em funo das

    TICs; prticas de consumo mercadolgico, estudos das prticas de consumo em relao

    internet e outras TICs; e socializao online, abordando as prticas de socializaco online.

  • 37

    3.1 TCNICAS E INSTRUMENTOS As tcnicas e instrumentos utilizados na pesquisa Jovem e consumo miditico em

    tempos de convergncia (JACKS, 2012) foram: levantamento e anlise quantitativa e

    comparativa de dados secundrios (IBGE, IBOPE, IPSOS, ect); questionrios para

    levantamento quantitativo do consumo cultural e prticas nos espaos virtuais; entrevistas

    abertas sobre prticas culturais e virtuais a partir dos dados gerais levantados na etapa

    quantitativa; observao virtual para registrar a circulao de contedos e a construo de

    fluxos de apropriao e consumo miditico, em tempo/espao virtuais.

    Dentre essas tcnicas, utiliza-se aqui especificamente no trabalho a observao virtual

    para registrar a circulao de contedos e a construo de fluxos de apropriao e consumo

    miditico, em tempo/espao virtuais. Como j apontado para a pesquisa aqui desenvolvida

    interessa o consumo de msica. Para observar os jovens em suas prticas de consumo musical

    na convergncia miditica, partiu-se para a observao no-participante, tcnica esta que

    abstm-se das intervenes no campo. Segundo Flick (2004), as expectativas relacionadas a

    esse modelo podem ser assim resumidas: Observadores comuns seguem a corrente dos

    eventos. O comportamento e a interao prosseguem da mesma forma como prosseguiram

    sem a presena de um pesquisador, sem a interrupo da intruso (ADLER & ADLER, 1998,

    p. 81 apud FLICK, 2004, p. 148). As abordagens sobre o papel da observao como mtodo

    na pesquisa sociolgica em geral [...] enfatizam o fato de que as prticas somente podem ser acessadas atravs da observao, e de que as entrevistas e as narrativas tornam acessveis apenas os relatos das prticas e no as prprias prticas. O que normalmente se pede a observao, que permite ao pesquisador descobrir como algo efetivamente funciona ou ocorre (FLICK, 2004, p. 147).

    Antes da descrio da observao dos perfis no Facebook, faz-se necessrio uma

    apresentao da estrutura informacional presente no perfil pessoal da rede social, para assim

    explicar como procedeu-se a coleta de dados. A estrutura bsica de um perfil pessoal no

    Facebook apresentada na Figura 1. Como constituintes do perfil aparecem a foto do perfil, o

    espao para a foto de capa; abaixo da foto de perfil esto as informaes de Trabalho e

    educao juntamente com informaes pessoais como cidade natal, c