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Ano 8 nº 84 fevereiro 2008 ENTREVISTA PAULO GODOY: GASTOS PÚBLICOS PRECISAM DE TRANSPARÊNCIA E COMPARAÇÃO INTERNACIONAL E MAIS OS RESULTADOS DOS BANCOS SOCIAIS GAÚCHOS AS PECULIARIDADES DO MERCADO ASIÁTICO O DINAMISMO DAS CIDADES DO INTERIOR CONSUMO

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Ano 8nº 84fevereiro2008

ENTREVISTA PAULO GODOY: GASTOS PÚBLICOS PRECISAM DE TRANSPARÊNCIA E COMPARAÇÃO INTERNACIONAL

E MAIS

OS RESULTADOS DOSBANCOS SOCIAIS

GAÚCHOS

AS PECULIARIDADESDO MERCADO

ASIÁTICO

O DINAMISMO DAS CIDADES DO INTERIORCONSUMO

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 5WWW.CNI.ORG.BR

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DESAFIOS NAINFRA-ESTRUTURAO acompanhamento do PAC demonstra a necessidade deaperfeiçoar o licenciamento ambiental, reduzir a insegurançajurídica e consolidar novas formas de investimento

Armando Monteiro Neto, presidente da CNI – Confederação Nacional da Indústria

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O PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO

(PAC), que completou um ano no mês passado,tem proporcionado avanços importantes para aconsolidação de investimentos na infra-estruturado País. Um dos principais aspectos positivos doPAC é o monitoramento pormenorizado e atuali-zado dos projetos que o integram, um sistema ino-vador na gestão pública, que deve servir de exem-plo para outras áreas do Estado.

De acordo com o mais recente relatório de moni-toramento do PAC, fica evidente, porém, a necessida-de de avanços institucionais para atrair investimentosprivados. O governo precisa aprimorar a conduçãodos projetos de infra-estrutura em diversos aspectos.Quanto à execução financeira, o relatório demonstraque em dezembro 97% dos recursos das obras doPAC foram empenhados, mas apenas 44% resultaramem desembolsos, incluindo restos a pagar de exercíciosanteriores quitados em 2007. Atrasos nos pagamentosconstituem um problema persistente da administra-ção pública e prejudicam o andamento dos projetos.

Além de aumentar a eficiência na liberação derecursos, é preciso também que o governo federalbusque outras formas de viabilizar as obras. Umdos modos de conseguir isso é aumentar a capaci-tação dos órgãos públicos ao elaborar estudos eprojetos de viabilidade que permitam a obtençãode financiamento. Outro meio é consolidar novasformas de investimento e contratação, como asparcerias público-privadas (PPPs).

Tem se mostrado também um persistente obstácu-lo aos projetos de infra-estrutura a concessão de licen-

ça ambiental. Não há dúvidas, na indústria, quanto ànecessidade de proteger o patrimônio ambiental doPaís. Mas o processo de licenciamento precisa ser aper-feiçoado, permitindo a redução de custos e prazos.Além disso, devem ser eliminadas incertezas quanto àscompetências dos entes federados na área ambientalpara que se reduza o risco de questionamento judicialdos projetos. O aprimoramento do ambiente institu-cional depende, ainda, do fortalecimento da indepen-dência das agências reguladoras.

É importante ressaltar que, embora esses obstá-culos persistam, nota-se clara evolução na eficiên-cia das ações monitoradas pelo PAC. De acordocom o levantamento de dezembro, 86% dessesempreendimentos estão com andamento adequa-do, em comparação com 80% no relatório deagosto e 53% no de abril. Os que merecem aten-ção são 12%, comparados com 10% em agosto e39% em abril. Os preocupantes são apenas 2%,tendo caído de 10% e 8%, respectivamente, nosrelatórios anteriores. A eficiência do monitora-mento em si é outro aspecto em que se registrouevolução, pois o volume de ações acompanhadaspelo comitê gestor do PAC subiu de 2.014 do rela-tório anterior para 2.126 no atual.

Os resultados do PAC em seu primeiro aniver-sário demonstram que o governo federal retomouo planejamento de médio e longo prazo, algo fun-damental para o desenvolvimento sustentável doPaís. E ganhou capacidade de gestão dos projetosde infra-estrutura. A indústria seguirá empenhadana avaliação do processo e na busca de soluções.

ARMANDO MONTEIRO NETO

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www.cni.org.br

DIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI);1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Pradode Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Shirlei NatalinePublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco E sala 713 Brasília - DF - CEP 70322-915 Tel.: (61) 3323-1072Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

18 CapaMais do que nas capitais, o consumo cresce em cidades médias,que atraem investimentos industriais e grandes redes de varejo

24 TecnologiaParceria da CNI com Banco Mundial divulgará resultados de um amplo estudo sobre inovação tecnológica no Brasil

30 ResenhaLivro do historiador David Landes mostra como 12 dinastiasde famílias mudaram o mundo dos negócios

32 NegóciosPara investir no mercado asiático, é preciso conhecer bem os consumidores, que têm pouca fidelidade a marcas e gostam de promoções

36 Responsabilidade SocialFundação Gaúcha de Bancos Sociais coleta produtos em empresas doadoras e distribui a pessoas necessitadas

40 HistóriaPraças mudam de perfil e função ao longo do tempo no mundoe voltam a ser valorizadas nas grandes cidades

ARTIGO50 LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

Entre os BRICs, o Brasil é o país mais democrático e commaior estabilidade política

SEÇÕES8 LUPA

12 ENTREVISTAPaulo Godoy defende sistema que permita acompanhar os gastospúblicos e compará-los aos de outros países

28 TENDÊNCIASInstabilidade no mercado internacional coloca em dúvida amanutenção dos elevados superávits comerciais dos últimos anos

44 CULTURALivro reúne artistas plásticos brasileiros que foram convidados a fazerauto-retratos para uma exposição coletiva

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8 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

MATTHIAS KULKA/ZEFA/CORBIS/LATINSTOCK

A PÁGINA ELETRÔNICA OBSERVATÓRIO DESIGN BRASIL (WWW.DESIGNBRASIL.ORG.BR/OBSERVATORIO) FOI LANÇADA PELO

Programa Brasileiro de Design (PBD) para facilitar a interação entre empresários e profissionais dos diversos campos dedesign. É resultado de uma parceria entre o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), SENAIe Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), sob coordenação do Centro de Design Paraná. Com aferramenta, é possível pesquisar concursos e visualizar o portfólio dos designers e estudantes e um banco de profissionais.

BANCO DE TALENTOS

QUALIFICAÇÃO PROFISSIONALO BRASIL TEM MÃO-DE-OBRA COMPARÁVEL EM TERMOS

qualitativos a países desenvolvidos como Estados Unidose Alemanha. Porém, a quantidade de profissionaisexistentes não é suficiente para atender à crescentedemanda do setor produtivo. A conclusão é do projetoPolíticas de Desenvolvimento de Atividades Tecnológicasem Filiais Brasileiras de Multinacionais. O estudo foi coordenado pelo Departamento de PolíticaCientífica e Tecnológica da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp), com participação de um grupo depesquisadores de outras universidades paulistas.O objetivo do trabalho foi identificar os principaisentraves à atração de filiais de empresas internacionais aoBrasil. Na pesquisa com presidentes de 88 filiais demultinacionais instaladas no País, 81,7% consideram a

escassez de mão-de-obra qualificada um fator crítico nospróximos cinco anos nas decisões de investimentos parapesquisa das empresas.Na segunda etapa da pesquisa, quando foramentrevistados presencialmente dirigentes de 47companhias, 58,7% destacaram o problema da escassezem quantidade de profissionais qualificados. Já osproblemas de qualidade de mão-de-obra foramapontados por 34,8% das empresas. Atenta a essa questão, a CNI lançou em 2006 o programaInova Engenharia, para avaliar os cursos de engenharia noPaís e propor políticas e ações para modernizá-los. No anopassado, o Sistema Indústria lançou o programa Educaçãopara a Nova Indústria para ampliar e modernizar osserviços educacionais do SESI e do SENAI.

APRENDER A EVITAR O DESPERDÍCIO

de energia em casa de formadivertida é a proposta da páginaeletrônica Casa Eficiente(www.wwf.org.br/jogocasa),iniciativa da ONG ambientalistaWorldwide Fund for Nature(WWF). Ao navegar por umaresidência virtual, o internautadescobre como utilizar melhor osaparelhos eletrônicos e oseletrodomésticos para economizarenergia e causar menos danos aomeio ambiente. A idéia do jogo é, a partir da redução do desperdíciona casa, estimular crianças e jovens a pensarem sobre a importância doconsumo consciente.

ECONOMIA DE ENERGIA

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WWW.CNI.ORG.BR

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REPRESENTATIVIDADEREPRESENTANTES DOS TRABALHADORES DAS

indústrias assumiram no dia 18 de dezembroa posição de membros dos Conselhos do SESIe do SENAI. O objetivo é garantir que aatuação das entidades reflita interesses enecessidades dos empresários e dostrabalhadores do setor industrial. De acordocom o economista da Força Sindical MarcosPerioto, essa conquista dos trabalhadores éhistórica. “Desde 2004, quando foi aprovadaa participação, estávamos planejando a novaestrutura dos Conselhos do SESI e SENAI, em conjunto com empresários e governo”, diz.Estão representadas a Força Sindical, comOsvaldo Olávio Mafra e José Pereira dosSantos, como titulares no SENAI, e Rogério

Jorge de Aquino e Silva e Luiz Carlos GomesPedreira no SESI; a Nova Central Sindical deTrabalhadores (NCST), com os titulares JoséGabriel Teixeira dos Santos no SENAI e ArturBueno de Camargo no SESI; a União Geraldos Trabalhadores (UGT), com FranciscoPereira de Sousa Filho e Laerte Teixeira daCosta; e a Central Única dos Trabalhadores(CUT), com Marino Vani e Sérgio AparecidoNobre no SENAI, e Dary Beck Filho eQuintino Marques Severo no SESI. São seistitulares e seis suplentes em cada Conselho.Representantes dos trabalhadores assumiramtambém cargos nos conselhos do Serviço Socialdo Comércio (Sesc) e do Serviço Nacional deAprendizagem Comercial (Senac).

O SENAI FLUMINENSE REALIZOU

durante a Fashion Rio, queocorreu de 7 a 12 de janeiro, opré-lançamento do caderno Perfil -Inspirações Verão 2008/2009.O caderno será lançadooficialmente em 18 de março,durante a primeira edição do Giro SENAI Moda. A publicaçãoé elaborada por um grupo depesquisadores e traz as principaistendências para a moda, levandoem consideração pesquisas etendências de eventosinternacionais, hábitos doconsumidor e diferenciais para os produtos. O caderno édistribuído gratuitamente para asempresas de confecção duranteeventos do setor ao longo do ano.O SENAI desenvolve tambémcadernos com tendências demobiliário, calçados e artefatos.

MODA VERÃO 2008-2009

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ATÉ 10 DE MARÇO, EMPRESAS INDUSTRIAIS QUE

tenham sede ou filial no estado de São Paulopodem se inscrever para participar do 14º PrêmioFiesp de Mérito Ambiental. Para concorrer, aindústria precisa ter desenvolvido projetosambientais que tenham obtido resultadosrelevantes. A premiação será no dia 2 de junho.No ano passado, o grande vencedor foi a PilkingtonBrasil, que fabrica vidros planos e de segurança,com o projeto que reutilizou a água na indústria debeneficiamento de vidro. Receberam mençõeshonrosas a Itautec, Café Bom Dia, PanozonAmbiental e BSH Continental Eletrodomésticos.Mais informações pelo site(www.fiesp.com.br/meritoambiental/).

MÉRITO AMBIENTAL

10 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2007

O BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

Econômico e Social (BNDES) apresentou nomês passado a lista de selecionados pelo Editalde Seleção Pública de Projetos Cinematográficos2007. São 20 empresas brasileiras de produçãoaudiovisual que receberão R$ 12,9 milhões paraprodução e finalização de obras audiovisuaiscinematográficas de longa-metragem, nosgêneros ficção, animação e documentário. Entreos escolhidos estão 15 filmes de ficção, três deanimação e dois documentários. Concorreramao edital 182 projetos. A lista dos contempladosestá na página do BNDES (www.bndes.gov.br).

CINEMA NACIONAL

A CNI, EM PARCERIA COM A FUNDAÇÃO GETÚLIO

Vargas, lançou o livro O dilema fiscal: remendar oureformar. De autoria de Fernando Rezende,Fabrício Oliveira e Érika Araújo, a publicaçãoconta com sugestões de mudanças para um planofiscal que reverta o crescimento dos gastoscorrentes e elimine as disfunções do sistematributário. Na abertura da publicação, o presidenteda CNI, Armando Monteiro Neto, afirma quesem a Reforma Fiscal, o País “corre o risco deperder contato com o pelotão dos paísesemergentes que lidera a corrida do crescimento”. O livro pode ser adquirido na página eletrônica daEditora FGV (www.editora.fgv.br).

QUESTÃO FISCAL

A CNI E A AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DA

Câmara dos Deputados firmaram um acordopara a criação de um boletim informativo sobreos trabalhos da Câmara, orientado para aindústria e setores empresariais. Com a parceria,todas as reportagens produzidas diariamentepelos jornalistas da Secretaria de Comunicaçãoda Câmara sobre os temas indústria e economiaserão disponibilizadas ao fim do dia em meioeletrônico para a CNI. A entidade pretenderepassar o material gratuitamente para seusassociados. O boletim passará a ser oferecido noinício dos trabalhos legislativos, em fevereiro.

ACOMPANHAMENTO LEGISLATIVO

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DE 21 A 24 DE FEVEREIRO, EMPRESAS BRASILEIRAS DO PROJETO ORGANICS BRASIL, DESENVOLVIDO

pela Apex-Brasil e Instituto de Promoção do Desenvolvimento (IPD), participam da maior feira de alimentos orgânicos do mundo, a Biofach 2008. O evento ocorre na cidade de Nuremberg, naAlemanha. As perspectivas para o setor são otimistas. De acordo com a International Federationof Organic Agriculture and Movements, os orgânicos movimentam anualmente US$ 40 bilhõesem todo o mundo. No Brasil, porém, apenas 0,63% da produção total é orgânica. Os númerosdão uma idéia do amplo espaço que o setor tem para crescer.

ORGÂNICOS PARA EXPORTAÇÃO

INDÚSTRIA BRASILEIRA 11WWW.CNI.ORG.BR

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O IEL DO PARANÁ ESTÁ EMPENHADO EM

incentivar a prática do estágio nas indústriasinstaladas no interior. Em Maringá, 50 estudantesiniciaram estágio em empresas sucroalcooleiras.“Percebemos que os alunos procuravam estágiosna própria cidade, geralmente em pequenosempreendimentos, somente para cumprir a carga horária, o que pouco contribuía com oconhecimento e aprendizado. Por outro lado,detectamos que as usinas necessitam de

mão-de-obra e têm dificuldades para contratarprofissionais com experiência”, disse a gestora doIEL de Maringá, Fabiana Cristina de Azevedo. O projeto de Maringá inspirou as unidades doIEL de Cascavel, Toledo e Ponta Grossa, que estãoorganizando um projeto para inserção de alunosem cooperativas. A interiorização do estágio é umatendência que tem sido acompanhada pelo IELem vários outros estados, como Santa Catarina,Bahia, Minas Gerais e Goiás.

ESTÁGIO NO INTERIOR

O SENAI DO DISTRITO FEDERAL FECHOU UM CONTRATO COM A SECRETARIA DE DESENVOLVIMENTO

Social e Trabalho para oferecer aos brasilienses 10.000 matrículas em 35 cursos gratuitos. Os cursos deverão atender à demanda por mão-de-obra qualificada das indústrias do DistritoFederal. Os alunos devem ter no mínimo 18 anos e começam no curso no próximo mês.

CURSOS GRATUITOS

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12 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

Monitoramentodos gastos públicos

POR PAULO SILVA PINTO E ENIO VIEIRA

PRONUNCIAR A FRASE “CORTE NOS GASTOS PÚBLICOS” É SUFICIENTE PARA ACIRRAR

os ânimos entre pessoas de posições antagônicas no espectro ideológico. O pre-sidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústria de Base (Abdib),Paulo Godoy, nota que quem está no governo tampouco fica à vontade aodebater o assunto com representantes da iniciativa privada. “Acham que é umacrítica direta a eles. Não é”, explica nesta entrevista a Indústria Brasileira.

Para cortar gastos com eficiência e racionalidade, afirma Godoy, é necessá-rio antes conhecê-los melhor. E assim poder compará-los com a situação dopassado e com o que ocorre em outros países que possuam nível de desenvol-vimento semelhante ao do Brasil.

Aprimorar instrumentos de controle e monitoramento é um objetivo cen-tral do Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015, elaborado no âmbito doFórum Nacional da Indústria, que reúne a CNI e associações setoriais como aAbdib. Godoy nota, porém, que a proposta não tem grandes chances de avan-çar se não for encampada pelo Executivo e o Legislativo.

Sobre a conjuntura econômica, o presidente da Abidb acredita que osEstados Unidos serão capazes de superar a crise e evitar que se caia numa com-binação de inflação e recessão – embora esse risco exista. Ele considera peque-nas as chances de o ciclo de crescimento do País ser prejudicado, e afirma queas perspectivas de negócios na área de infra-estrutura e da indústria de base são bastante boas, exceto para dois setores: saneamento básico, que carece demarco regulatório, e bens de capital sob encomenda, que sofre com acrescente concorrência de equipamentos importados da Ásia.

Presidente da Abdib defende sistema que permita a comparaçãodas despesas do Estado brasileiro com as de outros países emcada área, para melhorar a gestão e a eficiência da máquina

PAULO GODOY

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14 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

Indústria Brasileira – Quais sãos as perspectivaspara a economia brasileira neste ano, considerando osriscos de agravamento da situação internacional?Paulo Godoy – Ninguém consegue fazer umaprevisão confiável da extensão do que pode existirpor trás desse movimento de recessão e inflaçãonos Estados Unidos. Temosde trabalhar no Brasil numcenário de crise momen-tânea e superável. De outromodo, não é possível traçarcenário nenhum. A combi-nação de inflação e reces-são é muito negativa, por-que obrigaria o aumento de juros, o que por suavez derreteria os mercados. Acreditamos que osEstados Unidos, com a força econômica quetêm, vão superar a crise financeira e debelar focosiniciais de inflação.

IB – Quais podem ser os efeitos no Brasil se a crisenão for superada?PG – Resultaria na restrição de investimento.Já houve um movimento de diversas empresas deinfra-estrutura que foram para o mercado de capi-tais. Pretendemos até mesmo criar um índice de

acompanhamento das empresas de infra-estruturaque têm capital aberto.

IB – A abertura de capital significa que há perspec-tivas favoráveis no setor de infra-estrutura?PG – Há muita coisa a ser feita no País. São neces-sários investimentos de R$ 100 bilhões a R$ 110 bilhões por ano. Investimos menos queisso. Mas acho que o modelo de gestão doPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC)ajuda a desobstruir entraves que costumamemperrar o andamento dos processos. No final doano passado, houve passos importantes, comvárias concessões: as hidrelétricas do rio Madeira,o que sinaliza uma boa perspectiva, porque a ener-gia hidrelétrica é um componente importante nopreço de energia no Brasil; a ferrovia Norte-Sul; asestradas; linhas de transmissão; e os leilões dos blo-cos de exploração de petróleo. Considerando umcenário internacional regular, acredito que o Brasilestá na rota do investimento. Há um movimentode investimento no Brasil, mais especificamentena infra-estrutura, dada a demanda reprimida queainda temos em diversos setores.

IB – Na energia elétrica, a indústria de base reúnetanto fornecedores como consumidores. Há perspec-

tiva de falta de energianos próximos anos? Os pre-ços vão subir?PG – O aumento de pre-ços está sinalizado. Nosúltimos leilões da AgênciaNacional de EnergiaElétrica (Aneel), foram

vendidas fontes mais caras, ainda que as termo-elétricas a carvão tenham saído a um preçorazoável, em torno de R$ 135 reais pelo MW/h.Nas hidrelétricas do Norte, o valor é abaixo deR$ 100 com a transmissão, R$ 68 sem a trans-missão. O problema é que a folga que tínhamosem energia foi queimada com o crescimento dademanda. A Petrobras tem um programa deampliação da oferta de gás, mas há um períodode maturação. A operação comercial dos camposnovos em exploração pode demorar sete ou oitoanos. Há essas iniciativas voltadas na Bolívia para

PAULO GODOY

Temos de trabalhar como cenário de que a criseinternacional serámomentânea e superável

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Pode-se estabelecer uma série de parâmetroscomparativos de eficiência do gasto, saúde,educação. Essa é a forma de fazer com quehaja acompanhamento da sociedade e pressão.O Siafi, Sistema Integrado de AdministraçãoFinanceira, do governo federal, é algo queninguém consegue entender e ter acesso adequa-do. Quando se fala isso, as pessoas que estãono governo consideram uma crítica direta aelas. Não é. O que é preciso é modernizar.Grande parte das propostas para aumentara transparência da máquina pública está noMapa Estratégico da Indústria 2007-2015.Pensamos até em criar uma ONG para promo-ver isso. Mas não adianta: o essencial é que oExecutivo e o Legislativo se envolvam.

IB – Houve algum avanço quanto à transparênciada gestão pública?PG – O governo de Minas Gerais estabeleceuum modelo de gestão para aferir o desempenhode cada pasta. Na área federal, o PAC foi umavanço. Antes não se sabia o que estava aconte-cendo com o projeto A, B ou C. É possívelmelhorar, com informações on-line. Temos umaproposta de que o governo faça isso com as licen-ças ambientais, para saber exatamente onde oprocesso está parado. Se for por ação doMinistério Público, não precisa o governo ficarse desgastando: a comunidade interessada pelaobra cobrará. Há países que fizeram até coisasmais fortes em gestão, com auditores externos. A Nova Zelândia saiu de um déficit fiscal crôni-co para um superávit só com um novo modelode gestão. É óbvio que implementar isso não ésimples, devido a excesso de burocracia, sobrepo-sição de funções, deterioração do quadro daadministração pública, porque os salários caem.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 15WWW.CNI.ORG.BR

tentar ainda ampliar o abastecimento. É muitoprovável que venhamos a nos socorrer, como estáacontecendo agora, nas usinas para óleo combus-tível. Mantido o crescimento econômico e umaumento da demanda superior a 5,5%, teremosde nos socorrer de fontes mais caras. Há um lei-lão de biomassa previsto para abril, mas essatambém é uma fonte mais cara.

IB – O preço para o consumidor sobe, portanto?PG – Há contratos mais antigos, a chamada“energia velha”, de R$ 60 ou R$ 50 por MW/h,o que ainda segura o preço nas diversas faixas deconsumo. Mas à medida que esses contratosforem terminando, a renovação não será nessabase. É necessário investir na malha de transmis-são, para usar de forma mais racional os recursosespalhados pelo País.

IB – Em que medida a situação é semelhanteà de 2001?PG – Em 2001, houve uma opção por um com-plemento de termoelétrica movida a gás, mas sim-plesmente não houve gás na quantidade suficien-te. Naquele ano, inaugurou-se um regime de chu-vas completamente distinto. Hoje os técnicossabem, com a alteração no clima, que não se podeconfiar muito nas séries estatísticas. Isso exige tra-balhar com uma margem maior de segurança, oque também terá um custo.

IB – Haverá, portanto, impacto na inflação?PG – Não vejo um grande impacto imediato. Issoacabará, obviamente, produzindo inflação. Masserá diluído ao longo do tempo.

IB – Com o fim da Contribuição Provisóriasobre a Movimentação Financeira (CPMF),o governo anunciou aumento de impostos. Foi amelhor solução?PG – O que se espera é uma distribuição maiscompetente dos recursos. É um problema recor-rente da administração pública: não temos ummodelo de gestão de recursos públicos no Brasilque permita a avaliação comparativa de desem-penho. Devemos nos debruçar para compararcom períodos anteriores e com outros países.

ENTREVISTA

O licenciamentoambiental precisater transparênciae acompanhamento

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IB – Qual o caminho para isso?PG – No campo político, uma ação seria a fide-lidade partidária para fixar algumas condiçõesprogramáticas imutáveis. Se uma pessoa for elei-ta por determinado partido, defenderá, porexemplo, um sistema tributário que seja voltadopara a produção ou, de outro partido, para oconsumo. Não teremos mais, assim, esses pro-gramas partidários que se jogam na lata do lixo.Claro que o programa não precisa descer a minú-cias. A pessoa eleita tem o direito de usar suaconsciência para votar.

IB – Se tivesse ocorrido essa coerência programáticado presidente Lula, haveria uma grande frustraçãono empresariado.PG – É verdade, pois muita coisa mudou para obem. Penso num regime diferente. Hoje, um lídercom uma capacidade de articulação e de conven-cimento acaba superando questões programáticas.

IB – O empresariado já defende propostas de refor-ma há bastante tempo, sem conseguir grandes avam-ços. Há erro de estratégia?PG – O empresariado tem um problema de uni-ficação. Da mesma forma que o País é heterogêneonos campos social, cultural, econômico, temostambém no meio empresarial certa dificuldade deuniformização de posições. Isso se agravou tam-bém nos tempos do regime militar que exigia umapolítica única. Na abertura política há 20 anos,começou uma proliferação de representação.Há uma infinidade de associações, mesmo dentrode determinados setores. É por isso que tenhodado todo apoio ao Fórum Nacional da Indústria[que reúne a CNI, as associações setoriais e sindi-catos nacionais de indústrias]. Converso com opresidente Armando [Monteiro Neto, da CNI].Uma grande contribuição de empresários seriauma proposta única de Reforma Tributária. Mashá dificuldades. Alterar o ônus da contribuiçãoprevidenciária da folha salarial para a o faturamen-to, por exemplo, é algo que as empresas intensivasem capital têm dificuldade de absorver.

IB – Na área de regulação, há avanços?PG – Ainda falta muito a ser feito. Depois de

O modelo institucional do País precisa de refor-mas urgentes na política, na condução do orça-mento, na execução orçamentária, na relação dospoderes. Há uma série de procedimentos institu-cionais que ficaram ultrapassados. Temos umatradição enraizada de muita dependência doestado, com muita influência na economia. O Brasil melhorou bastante, mas outros paísestambém melhoraram. Há também os que estãosimplesmente surfando na valorização das com-modities, caso da Argentina.

IB – O Brasil também não está surfando na valori-zação das commodities?PG – O Brasil já está numa condição muitomelhor. Mas poderíamos fazer reformas mais pro-fundas agora para crescer mais rápido.

IB – Quais as chances de novas reformas constitucio-nais no segundo mandato do presidente Lula?PG – Este ano é emblemático: ou saímos ou nãosaímos com uma situação melhor no campo tribu-tário. No caso da energia, o Brasil tem preços quepodem ser considerados altos, mas isso é devido àcunha fiscal. Em alguns estados, o ICMS[Imposto sobre a Circulação de Mercadorias eServiços] chega a 50%. Não sei se conseguiremosfazer uma reforma mais profunda. Algumas dis-torções importantes precisam ser resolvidas. Masdependemos de Reforma Política para fazer refor-mas na Previdência Social, por exemplo. Algunspaíses conseguiram fazer isso, como Coréia do Sul,Espanha, Irlanda e Nova Zelândia. O Chile reali-zou uma transição da ditadura para a democraciatendo governo de esquerda desde então, semprerespeitando uma espinha dorsal de interesses dopaís. Aqui não estabelecemos elementos perma-nentes, independentes de alterações do poder.

16 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

PAULO GODOY

Precisamos encerrar esteano com avanços na área

tributária. Em 2009não haverá reforma

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anos, conseguiu-se um marco regulatório desaneamento básico no final de 2006. Mas desdeentão, não avançamos quase nada na adaptaçãodos agentes às novas regras. Houve um esforço,entre as ações do PAC, para aumentar o fluxo derecursos da Caixa Econômica Federal ou doFundo de Garantia do Tempo de Serviço(FGTS). Mas está longe de atingir os 0,68% doPIB que nós achamos necessários para universa-lizar o serviço em 20 anos. Para isso ocorrer, pre-cisaria criar um ambiente regulatório estável,agregando a iniciativa privada no processo. Nãoé só a questão de recursos: é modelo de gestão. Enão é só do governo federal. É preciso vontadetambém dos agentes municipais.

IB – Dos setores da indústria de base, o saneamentoé o que encontra maiores dificuldades hoje?PG – Sim. Entre os outros setores que representa-mos, as empresas encontram muitas oportunida-des e estão motivadas por essa onda de concessões.As áreas que despertam preocupação são sanea-mento e bens de capital sob encomenda.

IB – Por quê?PG – Há um problema de compatibilização dascondições de competitividade da indústria brasi-leira com os seus concor-rentes internacionais. Umaparte disso é competênciadas empresas: tecnologia,formação de pessoas.Outra parte foge do con-trole das empresas: o custoda logística no Brasil e ocâmbio. Tivemos um grande avanço de importa-ção nos equipamentos para siderurgia, mineração,papel e celulose, exploração de petróleo. Esse é umcampo delicado, porque não podemos pleitearalgum tipo de reserva de mercado, o que desesti-mula o avanço tecnológico e a modernização dasempresas. Por outro lado, também não podemosdestruir o corpo técnico, a capacidade de aperfei-çoamento das empresas que estão instaladas aqui.

IB – O que poderia ser feito no curto prazo?PG – Há medidas tributárias, de crédito e inova-

ção que o governo analisa. A isenção de Impostode Renda a investidores estrangeiros que com-pram títulos brasileiros de renda fixa não temmais sentido. Teve no momento em que buscá-vamos ter uma reserva cambial mais robusta. A não ser que haja uma recessão brutal nosEstados Unidos, vamos ter um período aindagrande de valorização de commodities. Os exce-dentes energéticos do Brasil também vão gerar

divisas. Vamos ainda con-viver por um bom tempocom esse desequilíbrio daoferta e procura de divisasno País. Então, paralela-mente, temos de criarmedidas compensatóriaspara não permitir uma

desagregação do parque industrial. A Argentina,por exemplo, não tem para onde correr por nãoter indústria e tecnologia em quase nenhumsetor. Nós temos e não podemos perder. Ao con-trário, precisamos melhorá-las e criar algunsnichos de mercado. É isso que chamamos de pla-nejamento industrial, e que se pode chamargenericamente de política industrial. Tentar pen-sar para daqui a 20 anos, como fazem os norte-americanos. Vamos escolher alguns nichos emque o Brasil tenha aptidão, e estabelecer umapolítica para ser líder.

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ENTREVISTA

Saneamento e bensde capital sob encomendasão os setores preocupantes

na indústria de base

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18 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

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SHOPPING EMSORRISO (MT),cidade com amaior áreaplantada de sojado mundo

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CAPA

um movimento que começou há algumas décadas– caso do interior paulista. Mas há também novasáreas, de desenvolvimento mais recente e maisintenso, principalmente no Centro-Oeste, inte-grado por estados que se fortalecem com a agroin-dústria e crescem acima da média do País.Também na região, as cidades que se destacampelo dinamismo não são as capitais.

Em 2007, a renda das classes A e B cresceu7,4% no interior de São Paulo, segundo o institu-to de pesquisas de mercado Latin Panel. NoCentro-Oeste, onde o estudo não apresenta dados

AS CIDADES DO INTERIOR PAULISTA JÁ TÊM, EM SEU

conjunto, um potencial de consumo superior aoda Grande São Paulo, segundo estudo que aagência de publicidade Talent concluiu no mêspassado, com objetivo de mostrar às empresas aimportância de anunciar na região. Esse é umdos vários indicadores do poder econômico quecresce fora das capitais de estados, em váriasregiões do País. Alguns dos municípios maisdinâmicos estão no entorno das capitais, mas namaioria dos casos são centros regionais com vidaprópria. Em parte trata-se da consolidação de

A força do interiorCapitais de estado cedem liderança em consumo a cidades de médioporte, que estão sendo descobertas pelo comércio e serviços sofisticados

POR ENIO VIEIRA

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CONDOMÍNIOpara moradores

de alta renda emPetrolina (PE),

uma das 20cidades mais

dinâmicas do País

de 63% no mesmo período.Graças à percepção do mercado fora das capi-

tais, a BMW assumiu em 2007 o topo do rankingde venda de carros de luxo no mercado brasileiro.E são muitos os casos de empresas que lucrarammuito ao olhar para fora das capitais. Lojas devarejo com foco em cidades de médio porte che-gam a faturar R$ 2 bilhões ao ano. Criado emFranca (SP) há 50 anos, o Magazine Luiza partiupara uma forte expansão nos anos 1990. Tem hoje392 pontos-de-venda em sete estados. No anopassado chegou a Belo Horizonte, mas somentedepois de consolidar uma rede de lojas em 59cidades do interior mineiro. Neste ano, o grandeprojeto é se instalar na cidade de São Paulo, ondea empresa apenas distribui vendas feitas pela inter-net. “Qualquer empresa que queira hoje crescer nomercado brasileiro, ganhar espaço, tem que plane-jar a atuação no interior”, afirma o gerente de mar-keting do Magazine Luiza, Rogério Bruxellas.

O diretor de mídia da Talent, Paulo Stephan,nota que as cidades do interior não dependem tantoda capital como no passado. Os consumidores quevivem ali podem ir ao cinema, a lojas de qualidadeno shopping center e até mesmo embarcar numavião para uma viagem de férias. Uma diferençaimportante em relação aos grandes centros, segundo

desagregados entre capitais e interior, o crescimen-to da renda das classes A e B foi de 27,4%. Emsentido contrário, as áreas metropolitanas de SãoPaulo e do Rio de Janeiro perderam rendimentoe apresentaram queda de 6,6% e 13,2%, respecti-vamente. Entre os anos de 1996 e 2006, aFundação Centro de Informações e Dados do Riode Janeiro (Cide) calculou aumento de 25% darenda dos domicílios no interior fluminense,sobretudo na parte norte do estado, onde concen-tra-se a exploração de petróleo, e de apenas 5% nacapital. Todo esse rearranjo econômico chama aatenção de indústrias, lojas de varejo e consulto-rias e comprova as mudanças no perfil de consu-mo no Brasil nas últimas décadas.

A interiorização econômica beneficia diversossetores. A fabricante alemã de veículos BMW, porexemplo, descobriu nos últimos três anos o consumi-dor de alta renda e ligado ao agronegócio. Uma pes-quisa de mercado demonstrou que eles existem emgrande número em Ribeirão Preto (SP) e Brasília,cidades que atendem compradores de municípios eestados vizinhos. Entre 2002 e 2006, as vendas daBMW em Ribeirão Preto subiram 176%. Mas nãoé só de agronegócio que se faz o interior. Blumenau(SC), que tem uma forte base industrial, houve fenô-meno semelhante: as vendas da empresa tiveram alta

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que mais tem promovido a desconcentração, confor-me indicam as estatísticas de geração de emprego for-mais do Ministério do Trabalho. Em 2007, 69% das395 mil novas vagas criadas pela indústria de trans-formação surgiram fora das nove principais regiõesmetropolitanas. (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador,Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitibae Porto Alegre). Esse percentual cai para 55% quan-do se incluem todos os setores da economia como aagropecuária e a construção civil.

A consultoria Florenzano Marketing realizou,no ano passado, um amplo estudo para identificaros municípios com maior potencial de consumo.As 300 cidades com mais dinamismo representam75% do PIB do Brasil. As dez mais dinâmicas sãoMacaé (RJ), Sumaré (SP), Cabo Frio (RJ),Caucaia (CE), Nova Lima (MG), Betim (MG),Lauro de Freitas (BA), Marabá (PA), Santa Luzia(MG) e Aparecida de Goiânia (GO). Essas cidades

ele, é a tranqüilidade e a segurança que os morado-res dessas cidades ainda sentem. “O que constata-mos no estudo foi que a população do interior deSão Paulo aproveita mais a cidade, vai aos clubes ecaminha pelas ruas”, diz Stephan. “Como essapopulação passa mais tempo nas ruas, as empresaspodem explorar mais outdoors e colocar pontos dedegustação para o marketing de seus produtos.”

Os dados levantados pela Talent apontam que demodo geral o paulista do interior consome 34% amais do que a média dos demais brasileiros. Sãovários os itens que superam a média: veículos (35%),despesa com viagens (16%) e alimentação fora decasa (9%). A quantidade de eletrodomésticos percapita na região é 21% superior à média nacional.Existem ali 69 shopping centers, o mesmo númerodos três estados da Região Sul. Um conjunto de 33aeroportos permite às empresas de varejo montarestruturas de logística para seus produtos, a exemplodo que faz a indústria de tecnologia da informaçãoinstalada em Campinas. Com 23 milhões de habi-tantes, o potencial de consumo do interior de SãoPaulo supera todos os estados do Brasil.

DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIALAs maiores capitais brasileiras começaram a perderparticipação econômica nos anos 1980. A indús-tria transferiu unidades ou expandiu fábricas noNordeste e no Centro-Oeste, que ofereceramincentivos fiscais. A agroindústria se desenvolveuem cidades produtoras de grãos e carnes e, no últi-mo ano, veio o boom dos investimentos em bio-combustíveis. Os serviços se concentram cada vezmais nas regiões metropolitanas das capitais.Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE), a cidade de Barueri (SP) apre-sentou o melhor desempenho de Produto InternoBruto (PIB) nos últimos anos por reunir boa infra-estrutura urbana e a proximidade com São Paulo.Lá, instalaram-se empresas de serviços sofisticadosda área financeira e de informática.

A desconcentração, porém, é relativa: beneficiaum conjunto reduzido de municípios, que são novospólos de concentração de renda. Segundo o IBGE,51 municípios brasileiros respondem por metade doPIB do País (onde há 5.561 municípios) e abrigamapenas 17,8% da população. O setor industrial é o

INDÚSTRIA BRASILEIRA 21WWW.CNI.ORG.BR

CAPA

Shopping centers vão para o interior

80

100

60

40

20

1976 1986 1996 2007

FONTE: ABRASCE

Distribuição dos empreendimentos no País

87%

13%

70%

30%

59%

41%

55%

45%

Capitais Interior

0

21%

35%

16%

17%

9%

Veículos

Manutençãodo lar

Eletrodomésticos

Alimentaçãoem casa

Viagens

Alimentaçãofora de casa

35%

FONTE: TALENT

Gastos supera a médiaEm quanto o consumo por pessoa no interior paulista excedeo dos demais brasileiros

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VIRACOPOS, emCampinas (SP), é

um dos aeroportosque permitem ao

passageiro dointerior viajar semter de passar por

uma capital

22 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

domicílios no interior fluminense, sobretudo na partenorte do estado, e de apenas 5% na capital. Há a preo-cupação de que o dinheiro de petróleo financie ativi-dades que sustentem as cidades quando se esgotaremas reservas. O fenômeno do petróleo ocorre tambémem Paulínia (SP) e Rio das Ostras (RJ). Volta Redonda(RJ), ao contrário, tem um PIB elevado por conta dasiderurgia, mas a renda da população não reflete essariqueza. Essas informações são utilizadas pelas empre-sas para definir onde se instalar e conhecer os nichosde mercado que podem ser explorados.

Lojas que focaram as cidades de médio porteconhecem bem o perfil desse consumidor, quetem suas peculiaridades, apesar de estar a cada diamais parecido com o das capitais. “Quem morano interior também gosta de produtos de tecnolo-gia e tem uma relação mais próxima com a equi-pe de vendas. Dependendo da região, alguns pro-dutos e marcas têm mais aceitação ou não”, contaRicardo Nunes, que abriu a Ricardo Eletro em1989, com o irmão mais novo Rodrigo, emDivinópolis (MG). Sediada hoje na cidade de

possuem bons indicadores de consumo, PIB,depósitos bancários, volume de crédito, criação deempresas, licenciamento de veículos, número dehabitantes e gastos em programas sociais pela pre-feitura. Além disso, em geral há indústrias nas pró-prias cidades ou nas proximidades.

Apenas três capitais estão entre os 50 municí-pios com maior dinamismo: Macapá (19º lugar),Natal (40º) e Brasília (46º). Situada no norte flumi-nense, Macaé aproveitou o boom do petróleo nosúltimos anos. A cidade recebe royalties da explora-ção da Bacia de Campos. Os recursos são investidosem programas sociais (saúde, educação, saneamen-to básico), e a prefeitura distribui R$ 1.450 por anoa cada um dos 160 mil habitantes. “A cidade nãodepende só do petróleo e está desenvolvendo ocomércio e os serviços”, ressalta o consultorVanderlei Florenzano. Neste ano, Macaé terá seuprimeiro shopping center, o Plaza Macaé.

Entre os anos de 1996 e 2006, a Fundação Cide(Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro)calculou o aumento de 25% da renda per capita dos

1 Macaé (RJ)2 Sumaré (SP)3 Cabo Frio (RJ)4 Caucaia (CE)5 Nova Lima (MG)6 Betim (MG)7 Lauro de Freitas (BA)8 Marabá (PA)9 Santa Luzia (MG)10 Aparecida de Goiânia (GO)11 Cotia (SP)12 Hortolândia (SP)13 Valparaíso de Goiás (GO)14 Gravataí (RS)15 Jataí (GO)16 Petrolina (PE)17 Santana do Parnaíba (SP)18 Sertãozinho (SP)19 Macapá (AP)20 Cubatão (SP)21 São Bento do Sul (SC)22 Balneário Camboriú (SC)23 Paulínia (SP)24 Sorocaba (SP)25 Palhoça (SC)

AS 20 CIDADES MAISDINÂMICAS EM CONSUMO

FONTE: FLORENZANO MARKETING

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LIQUIDAÇÃO noMagazine Luiza,que tem 392 lojasno País e sóagora começa ainvestir nascapitais

Contagem, na Grande BeloHorizonte, a empresa tem 240lojas e, no ano passado, entrouno mercado do interior de SãoPaulo e de Goiás.

A empresa de pesquisas demercado Latin Panel busca iden-tificar as preferências de cadaregião do País. Segundo a geren-te de atendimento da empresa,Fátima Merlin, os brasileiros gas-taram mais em 2007 para termelhoria de saúde, lazer e habita-ção. A população das regiõesNorte e Nordeste priorizou pro-dutos relacionados à moradia.No Centro-Oeste, aparecem notopo das despesas os alimentos,os produtos de higiene e as bebi-das. “O grande aumento derenda em 2007 foi na regiãoCentro-Oeste. Nos dois anosanteriores, havia sido no Norte eNordeste”, afirma Merlin.

Embora o consumidor mais disputado seja o demaior renda, há nichos de mercado a serem explora-dos em todos os segmentos. Desde 2003, o consumopopular assumiu uma posição importante no merca-do brasileiro. Uma das explicações é o efeito dos pro-gramas de transferência de renda, como o BolsaFamília, na economia das pequenas localidades. Deacordo com dados da Latin Panel, estão nesse seg-mento 58% dos consumidores das regiões Norte eNordeste. Esse percentual cai para 37% no Centro-Oeste; 28% no interior paulista e Região Sul; e 22%na Grande São Paulo. Hoje, diz Fátima Merlin, 77%da população brasileira pertencem às classes C, D e E,que precisam da continuidade do aumento deemprego e da renda para consumir mais.

Para qualquer cidade do interior, um símbolo damudança de patamar de consumo é a instalação deum shopping center – e, em outro estágio, a prolife-ração desses empreendimentos. Atualmente, exis-tem 31 projetos de shopping em andamento, sendo12 no interior, que devem ser concluídos até o pró-ximo ano. No momento, uma das regiões que maiscrescem no segmento de shoppings é o entorno de

São Paulo, principalmente ABC Paulista (SantoAndré, São Bernardo do Campo e São Caetano doSul) e Mogi das Cruzes. “As administradoras deshoppings estão atrás de cidades com um bom graude desenvolvimento. Por isso, Macaé receberá em2003 o primeiro empreendimento”, nota a gerentede marketing da Associação Brasileira dos ShoppingCenters (Abrasce), Luciana Lana.

Santa Maria (RS) e Juiz de Fora (MG) tambémterão novos shopping centers em 2008. Mas essaadaptação aos hábitos do consumidor interioranonem sempre é fácil e automática. Lana cita o casoda prática de estacionamentos pagos. No interior,diz ela, onde costuma ser fácil parar o carro nasruas, as pessoas consideram um abuso cobrar porisso. Houve várias tentativas de barrar a cobrançana Justiça. É preciso saber também onde se estápisando. Em uma cidade do Centro-Oeste, umaadministradora de shoppings apostou pesadamen-te no segmento de consumo popular. Foi um fra-casso. Como a renda local era muito concentrada,a solução foi redirecionar o perfil das lojas paraartigos de luxo, como joalherias.

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O desafio de inovarBanco Mundial sugere que oBrasil tenha novo foco napesquisa tecnológica e invistamais em educação básica equalificação profissional

POR ENIO VIEIRA

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TECNOLOGIA

EM 1979, A RENDA PER CAPITA DOS BRASILEIROS ERA

de 42% da registrada nos países da Organizaçãopara a Cooperação e Desenvolvimento Econô-mico (OCDE), o grupo das economias ricas.Com a estagnação do Brasil nas últimas décadas,essa proporção caiu para 29% em 2005. A dife-rença acentuada mostra o descompasso entre ocaminho tomado pelos países desenvolvidos epelo Brasil. De acordo com o Banco Mundial, achave para crescer mais é o aumento da produti-vidade, investimento em inovação tecnológica emelhoria da escolaridade brasileira, principal-mente na Educação Básica.

O diagnóstico do Banco Mundial foi reunidono estudo Brasil: conhecimento e inovação para acompetitividade, lançado em 2007. A CNI assinouem outubro passado um acordo de cooperação coma instituição para traduzir e divulgar o trabalho noBrasil. Os temas abordados no estudo do Banco

5,9

27,8

5,9

2,7

17,9

Brasil

Rússia

Índia

China

Coréia do Sul

México

6,8

O Brasil investe em pesquisa...Entre os países emergentes em US$ bilhões em 2004

8.684

29.186

12.774

3.747

13.746

Brasil

Rússia

Índia

China

Coréia do Sul

México

15.782

...Tem resultados consideráveis na área acadêmica...Artigos publicados em revistas científicas em 2003

161

597

376

102

4.671

Brasil

Rússia

Índia

China

Coréia do Sul

México

173

...Mas pequenos na área de inovaçãoRegistros de patentes nos Estados Unidos em 2004

FONTE: BANCO MUNDIAL

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do Brasil na inovação e educação”, diz o gerente-executivo da Unidade de Cooperação Internacionalda CNI, Renato Caporali. Em linhas gerais, osespecialistas do Banco Mundial propõem que osbrasileiros priorizem o equilíbrio macroeconômi-co (com as reformas estruturais para controlar ogasto público), a elevação do investimento eminfra-estrutura e a inovação aliada ao salto na qua-lidade da educação.

O estudo defende uma nova abordagem dainovação no Brasil. No ano 2000, por exemplo, ospesquisadores brasileiros foram responsáveis por2% dos artigos das revistas científicas do mundo,mas fizeram apenas 0,18% dos registros de paten-tes. Segundo o Banco Mundial, com uma popula-ção menor, a Suécia teve uma participação de3,4% e a Coréia do Sul de 1,7% nas patentesnaquele ano. Existe pouca interação das empresascom laboratórios de pesquisa e, conseqüentemen-te, criam-se poucos produtos inovadores. O resul-tado é que 55% das pesquisas brasileiras são feitaspelo setor público, bem mais do que os 30% regis-trados nos Estados Unidos.

O coordenador do estudo, Alberto Rodriguez,acredita que o novo conceito de inovação requeruma postura das empresas, que não podem mais selimitar à criação de produtos, mas também devemincluir a absorção de máquinas e recursos humanosem suas estratégias. O que aumenta a inovação,

Mundial estão também no foco dos programas rea-lizados pelo Sistema Indústria. É o caso do Educaçãopara a Nova Indústria, apresentado no ano passado.No esforço de qualificação de recursos humanos, oSENAI e o SESI aplicarão R$ 10,3 bilhões até 2010para elevar em 30% a oferta de serviços e matrículasna formação profissional.

A CNI quer realizar encontros para debater eaprofundar os resultados apontados pelo BancoMundial. “É um estudo profundo das necessidades

O SENAI e oSESI investirão

R$ 10,3 bilhões até2010 para elevarem 30% a oferta

de matrículas

A economia brasileira está numa posição intermediária do rankingmundial de inovação tecnológica. Entre 104 países, o Brasil estavaem 46º lugar nos anos de 2004 e 2005, o que é uma boa situaçãona América Latina, mas fraca em relação aos níveis da Organizaçãopara a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O Chile,por exemplo, é o 35º colocado na lista, liderada por Cingapura.

O sistema de inovação do Brasil tem pouco tempo de vigênciade acordo com os padrões modernos de incentivo e regulação. Alegislação foi consolidada em 2004 e criou estímulos fiscais esubvenção de recursos públicos a empresas privadas que fazempesquisa. “A Lei de Inovação trata de aspectos importantes, masenfrenta dificuldades burocráticas e limitações institucionais”, afirmaAlberto Rodriguez, do Banco Mundial.

O sociólogo Glauco Arbix coordena atualmente o Observatório

da Inovação da Universidade de São Paulo (USP), que investiga aspolíticas e formas de mobilização em várias partes do mundo. Apesquisa Estratégias de inovação de sete países levantouinformações dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Japão,França, Irlanda e Finlândia. “Nesses países, chamou a atenção amaturidade dos dirigentes políticos e do setor privado. Existequase unanimidade do que deve ser feito”, conta Arbix.

Segundo ele, não há casos como no Brasil onde a ReceitaFederal interpreta à sua maneira a Lei de Inovação e dificulta,por exemplo, a concessão de incentivos fiscais previstos na lei.“Deu para perceber que, nos países pesquisados, cada órgãodo governo e cada empresa privada sabem exatamente comofunciona a lei, e não se criam os questionamentos que estãoocorrendo aqui.”

AS LIMITAÇÕES DA LEI

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TECNOLOGIA

segundo ele, é a troca de experiências das empresas.“Duas companhias podem perfeitamente desenvol-ver a pesquisa em conjunto ou dividir conhecimen-to. Depois, fazem os seus próprios produtos”, afir-ma. Rodriguez lembra que a cooperação entreempresas é baixa no Brasil. Casos de êxito aparecemna Itália e na Espanha, onde se consolidou a idéia deconsórcios de pesquisa e desenvolvimento.

Para acelerar a inovação, as empresas brasileirasdeveriam também adquirir e adaptar tecnologiaimportada de outros países. Pode ser a forma maisrápida de ter processos inovadores. O levantamen-to do Banco Mundial mostra que os caminhospodem ser as transferências por meio de investi-mento de empresas estrangeiras, as licenças de usode tecnologia, a assistência técnica, o acesso ainformações na internet e as já citadas parceriasentre empresas. No entanto, a aquisição de tecno-logia exige pessoas capazes de implementá-la. E énesse item que entra a educação e se evidenciam osgargalos da carência de qualificação profissional.

Pesquisa inovadora depende de doutores noslaboratórios e nas empresas. Mas aplicação da ino-vação, nota Rodriguez, fica a cargo de trabalhado-res com qualificação técnica boa. “A pessoa no dia-a-dia da empresa deve saber ler o manual do equi-pamento”, diz o coordenador do estudo. O profis-sional, portanto, deve estar apto a sugerir modifi-cações de procedimentos dos manuais e buscar solu-ções que melhor se adaptem ao sistema produtivo.Para alcançar esse padrão de capacitação de recursoshumanos, porém, há uma montanha de entraves aser superada pelo Brasil na área de educação.

A escolaridade dos brasileiros com mais 15anos de idade é de apenas 4,3 anos em média, deacordo com o Banco Mundial. Disso, resulta queo Brasil tem 8% da força de trabalho com EnsinoSuperior, quando a média é de 30,3% naAmérica Latina. Com pouco acesso a cursos denível superior, quem está no mercado de trabalhoprecisa de opções para se qualificar. Nesta ques-tão, o estudo ressalta a importância do Sistema“S”. O Banco Mundial destaca que SENAI eSESI estão em 60% dos municípios brasileiros,com 2.300 cursos e treinamento de 15,4 milhõesde pessoas por ano. Trata-se, portanto, de umainfra-estrutura a ser utilizada em larga escala.

A situação das crianças é mais grave. Os testesinternacionais, como o PISA, apontam que quasemetade dos brasileiros com menos de 15 anos temdificuldade ou não conseguem ler corretamente, aler-ta o Banco Mundial. O ensino básico segue os padrõesobsoletos, da “geração anterior”. Para a instituição, aprova da defasagem é que há dois computadores paracada 100 alunos nas escolas brasileiras, em compara-ção ao patamar de 28 máquinas na Coréia do Sul. Oestudo avalia que o problema do Brasil é também degestão na educação e não tanto de falta recursos – queaumentaram de 3,9% do Produto Interno Bruto(PIB) em 1995 para 4,3% em 2005.

DEFICIÊNCIA NAEDUCAÇÃOBÁSICA: metadedos brasileiroscom menos de15 anos temdificuldade para ler

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28 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

BALANÇO DE PAGAMENTOST E N D Ê N C I A S E C O N Ô M I CA S

EM 2007, O BRASIL EXIBIU NOTÁVEL CRESCIMENTO

das exportações, especialmente se considerada a valorização do real. As vendas externasatingiram US$ 160,6 bilhões, valor 16,6%maior que o observado em 2006, enquanto oreal acumulou valorização de 15,2% (deflacio-nado pelo Índice de Preços no Atacado, IPA)em relação à cesta de 13 moedas dos países comos quais o Brasil mais transaciona.

O ambiente econômico aquecido e as altas depreços das commodities foram os responsáveis pormais um ano de crescimento das exportaçõesbrasileiras. Diferentemente de 2006, quando osganhos de preço foram responsáveis por quase trêsquartos da expansão das exportações, 40% docrescimento em 2007 foi explicado também poraumento nas quantidades exportadas.

As importações totalizaram US$ 120,6 bilhões,um crescimento de 32% ante o valor de 2006 –

a maior taxa de crescimento desde 1995. A expres-siva valorização do real em um ambiente deexpansão da demanda interna estimulou asubstituição entre bens nacionais e importados.

O crescimento das importações foigeneralizado e o crescimento do valor importadosuperou 30%, na comparação com 2006, emtodas as categorias de uso. O aumento do valorimportado foi determinado principalmente peloaumento das quantidades de produtos queentraram no País. Levando-se em conta a taxa decrescimento em 12 meses findos em novembro, oquantum registrou alta de 23%, enquanto ospreços registraram crescimento de apenas 6%.Com isso, o saldo comercial reduziu-se 13%,caindo para US$ 40 bilhões, enquanto o saldo emtransações correntes recuou de US$ 13,6 bilhõesem 2006 para menos de US$ 4 bilhões em 2007,segundo estimativa da CNI.

Setor externo contribuimenos com crescimentoCenário internacional volátil impõe riscos para a manutenção de saldocomercial expressivo; transações correntes deverão ter déficit neste ano

POR MARCELO SOUZA AZEVEDO

Saldo em Transações Correntes - US$ bilhões15

-20

-15

-10

-5

5

10

-352000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007* 2008**

FONTE: BACEN * ATÉ NOVEMBRO **PROJEÇÃO CNI

-25

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4,2

11,714,0 13,6

4,6

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Saldo da Balança Comercial - US$ bilhões50

45

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-52000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008*

FONTE: SECEX/MDIC * PROJEÇÃO CNI

0-0,72,7

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33,8

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40,0

25,0

-24,2 -23,2

0

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sobretudo no caso de carnes e alguns grãos, comoo milho. Assim, esperamos continuidade docrescimento das exportações, porém em ritmomenor que o observado em 2007: cerca de 9%.Com isso, as exportações totalizarão US$ 175 bi-lhões ao fim deste ano.

Os efeitos da desaceleração da economianorte-americana sobre a atividade domésticadeverão ser bem mais limitados, por conta daforte demanda interna. Adicionalmente, comonão se espera uma forte reversão da tendência devalorização do real, o poder de compra damoeda se manterá alto, dando impulso àsimportações. Com isso, projetamos umcrescimento de 25% em 2008, o que levaria asimportações a totalizar US$ 150 bilhões.Esperamos, portanto, maior descompasso entreo ritmo de expansão das importações e dasexportações maior. O saldo comercial estimadopara 2008 é de US$ 25 bilhões, 38% inferior aoregistrado em 2007.

Estimamos um déficit em transaçõescorrentes de US$ 6 bilhões, o que não se consti-tuiu problema. Embora, no passado, a obtençãode superávit em transações correntes fosseimportante para a redução da vulnerabilidadeexterna, o crescimento sustentável está estreita-mente relacionado ao aumento de capacidade deprodução de uma economia. Esse aumento decapacidade, por sua vez, depende de inves-timentos, financiados via poupança interna ouexterna. O déficit em transações correntes nadamais é do que o ingresso, em termos líquidos,de poupanças externas.

Para 2008, a evolução do cenário internacionaltrouxe alguns riscos. São evidentes os efeitos dacrise iniciada nas hipotecas norte-americanas sobreo setor real da economia mundial – a dúvida estána extensão e duração de seus efeitos. A superaçãoda crise será determinada pela reação dosmercados às ações do Fed, o banco centralamericano, e da política de corte de impostos quevisa recompor o consumo.

Esse cenário gera pressões contrárias sobre ataxa de câmbio real/dólar. O pacote fiscalcertamente irá deteriorar, ainda mais, o déficitnorte-americano, um dos motivos que provoca adesvalorização do dólar em quase todos os paísesdo mundo. Além disso, a continuidade de cortesna taxa de juros norte-americana aumentará odiferencial na comparação com a taxa brasileira,estimulando a entrada de capital no curto prazo.Por outro lado, esse cenário, de maior aversão aorisco desestimula a entrada de investimentoestrangeiro direto, pois reduz o ânimo investidor.Além disso, um desaquecimento da economianorte-americana poderá gerar retração nocomércio mundial, reduzindo o superávitcomercial brasileiro.

Projetamos um arrefecimento na taxa decrescimento das exportações. A desaceleração daeconomia americana reduzirá a quantidadedemandada de produtos brasileiros, sobretudomanufaturados. Pelo mesmo motivo, ascommodities não deverão exibir o crescimentoacelerado de 2007, especialmente no caso depetróleo e dos minérios metálicos. Não obstante,ainda poderão ser exibidos ganhos de preços,

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Índice da taxa de câmbio real

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jan.06 abr.06 jul.06 out.06 jan.07 abr.07 jul.07 out.07

FONTE: FUNCEX

Cesta de 13 moedas e Estados Unidos – Deflator: IPA – Base: dezembro de 2003 = 100

50

R$/CESTA DE 13 MOEDAS

R$/US%

Exportações e Importações Brasileiras

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15

20

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abr.05 ago.05 dez.05 abr.06 ago.06 dez.06 abr.07 ago.07 dez.07FONTE: SECRETARIA DE COMÉRCIO EXTERIOR (SECEX) DO MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO,INDÚSTRIA E COMÉRCIO EXTERIOR

Taxa de crescimento do acumulado em 12 meses com relação ao mesmo mês do ano anterior (em %)

10

EXPORTAÇÕES

IMPORTAÇÕES

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ESTE LIVRO TRATA DE ALGUMAS ARISTOCRACIAS

empresariais forjadas no coração do capitalismo nosúltimos quatro séculos, por um dos historiadoreseconômicos de maior sucesso acadêmico da atuali-dade. Algumas famílias são, obviamente, seculares,bem mais do que o próprioitinerário de sua história eco-nômica de sucesso, mas aascensão à cúpula de algumsetor econômico de destaque– financeiro, industrial oucomercial – dependeu do tinoindividual de algum ancestralmais aventureiro, mais sortu-do ou simplesmente maisesperto do que os concorren-tes para lograr o domínio doseu setor no espaço de umageração. Por vezes, demorouum pouco mais do que otempo de vida do ancestralem questão e, em muitoscasos, a sorte implicou, maisdo que a saudável concorrên-cia smithiniana, alguma colu-são pouco transparente com opríncipe – ou a família políti-ca no poder. Afinal é indiscu-tível que os melhores negóciosdo capitalismo foram feitos quando o capitalistaestava aliado ao Estado (melhor ainda quando eleera o próprio Estado), o que pode ser testemunha-do pelo sucesso da Veneza dos doges.

Elites são invejadas e, não raro, avaliadas depre-ciativamente, o que é paradoxal. A despeito dopreconceito exibido por alguns donos do poder, oBrasil tem muito a se orgulhar de velhas famílias

que estão na origem do capitalismo nacional.Foram empreendedores familiares os que, em gran-de medida, construíram empresas bem-sucedidas,que ganharam o respeito internacional e que,hoje, suscitam a admiração e a cobiça dos novos

membros da nomenklatura ede velhos políticos fisiológi-cos. São elas, em grande medi-da, que produzem a riquezaque alimenta oficialmente oscofres públicos.

David Landes, conhecidopor várias outras obras – entreas quais Prometeu Desacorren-tado, sobre a revolução indus-trial, e A Riqueza e a Pobrezadas Nações, um passeio pelosúltimos dois mil anos de histó-ria econômica –, relata a histó-ria de grandes empreendimen-tos familiares, do século 18 àatualidade, em três campos deatividade: a intermediaçãobancária, teatro de grandesganhos, mas também de desas-tres monumentais; a indústriaautomobilística, que aindadefine, com o petróleo, nossacivilização industrial; e o que

ele chama de “tesouros da terra”, ou seja, os barõesdo petróleo e da siderurgia. São doze dinastias, quenada ficam a dever, ao menos em termos de rique-za e prestígio – apenas, talvez, com um poucomenos de charme e poder –, às famílias monárqui-cas de tradições seculares. Quais são elas? OsBaring, os Rothschild e os Morgan, para a ativida-de bancária; Ford, Agnelli, Peugeot, Renault,

30 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

A história de 12 famílias que nos últimos quatro séculos deixaram suasmarcas nos negócios e se transformaram em dinastias empresariais

Grandeza e declínio

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA

Editora Campus

Número de páginas 373

Preço R$ 79,90

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Paulo Roberto de Almeida, diplomata e professor

Citroën e Toyoda, para os veículos; eRockefeller, Guggenheim, Schulem-berger e os Wendel, para os “frutos daterra”, para a riqueza construída apartir do minério, mas que tambémaplicaram lucros em vinícolas eoutros patrimônios sólidos.

Muitos crêem que empresasfamiliares são instáveis: terminampor acumular prejuízos e cair na criseem virtude da saga tortuosa queparece acometer a maioria, segundoo roteiro do avô empreendedor, filhomilionário e neto incompetente, oque dilapida o patrimônio familiar.Mas a maioria das empresas na atua-lidade ainda é de base familiar. Amoderna teoria da administração, aoestilo da corporate governance dePeter Drucker (1909-2005), defen-de que negócios bem geridos são denatureza essencialmente corporativa,com direção profissional e executivosbem pagos, focados exclusivamente nos resultadosdo trimestre, em oposição às tribulações derivadasde caprichos familiares, que consomem os lucros ereduzem as possibilidades de investimentos inova-dores, dado o conservadorismo inerente a descen-dentes acomodados no sucesso da geração anterior.Landes demonstra, com base não apenas nareconstituição da trajetória das dinastias escolhi-das, mas também em dados objetivos de balanços,que não é bem assim: empresas familiares podemser tão bem geridas e inovadoras quanto as grandescorporações, as quais são movidas basicamentepelo preço das ações nos mercados abertos. Alémdisso, estruturas empresariais não-familiares tam-bém podem esconder fabulosas fraudes, comodemonstrado no caso da Enron.

Começando pelos Baring, Landes mostra suces-sos e fracassos das 12 dinastias. Nem sempre foi fácilo acesso às fontes primárias. Biógrafo dos Agnelli,um jornalista inglês do jornal Financial Times, elerelata que foi hostilizado pela família: ela o chamoude “neocolonialista, racista, agente do Mossad, asse-

cla da extrema-direita do Pentágono”. Com Landesnão chegaram a tanto: algumas até o convidarampara suntuosos almoços em castelos franceses.Certos fundadores enganaram despudoradamenteacionistas minoritários, alguns montaram bem-sucedidos cartéis, outros ficaram conhecidos como“barões ladrões” e alguns ramos desapareceram navoracidade da globalização. A casa financeiraBarings, por exemplo, “acabou sufocada pelo pró-prio sucesso”: 170 anos depois de ter realizado omaior lucro já obtido em uma única operação –US$ 150 milhões, em valores de hoje – e 105 anosdepois de quebrar na moratória argentina de 1890– teve de ser salva pelo Bank of England, ao custoatual de US$ 1 bilhão, graças às suas conexões polí-ticas. A despeito da ajuda, o Banco Barings soço-brou, vítima de garoto que especulou com derivati-vos. Foi vendido por uma libra à companhia deseguros holandesa ING. Uma dinastia a menos.

Qualquer que seja o futuro das dinastias rema-nescentes, o mundo, segundo Landes, precisa docapitalismo familiar.

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JOHNROCKEFELLER eJohn RockefellerJr., em 1915: umadas 12 famíliasretratadas no livro

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NEGÓCIOS

Os desafios devender para a ÁsiaConsumidores nem sempre são fiéis a marcas, o que podeajudar a entrada de novas empresas. Mas é preciso prestaratenção às diferenças, até mesmo dentro de cada país

EMPRESAS OCIDENTAIS QUE QUEREM FAZER NEGÓCIOS NA ÁSIA, PRINCIPALMENTE

na China, nem sempre se deparam com um mercado homogêneo. E nem sem-pre é possível prever de que forma os consumidores vão se comportar na hora decomprar, conforme explicou um grupo de especialistas em marketing durante oFórum 2007 de Comércio com a Ásia promovido pela Wharton, escola de negó-cios da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos. A exemplo dos consu-midores do mundo desenvolvido, muitos chineses que vivem em áreas urbanastêm bom conhecimento de tecnologia e se sentem à vontade para procurar nainternet informações sobre os produtos pelos quais se interessam. Diferentementedeles, porém, os chineses não demonstram lealdade a marcas e, não raro, suamotivação é conseqüência muito mais do preço oferecido do que a percepção dequalidade ou prestígio associados ao produto – o que pode também ser uma opor-tunidade para a entrada de novas empresas no mercado local.

A indústria de cosméticos é um bom exemplo das dificuldades que enfren-tam grandes marcas. A diretora global de marketing de produtos para a pele daEstee Lauder na Ásia, Ellen Hu, afirma que as chinesas estão dispostas a pagarpor produtos de alta qualidade, como os que sua empresa vende. No entanto,estão igualmente dispostas a trocar de marca se a empresa concorrente lhes ofe-recer um bom desconto. “Em se tratando de cosméticos, o mercado asiático éextremamente sensível a promoções”, afirmou Hu no Fórum. “Tivemos muitotrabalho para encontrar um meio de atendê-lo e preservar ao mesmo tempo opatrimônio de nossa marca.”

Além da infidelidade, o consumidor asiático apresenta níveis variados de entu-siasmo em relação às marcas ocidentais. As japonesas costumam preferir as mar-cas nacionais, dificultando a entrada de empresas estrangeiras no mercado, disseHu. As coreanas, por outro lado, sempre receberam de braços abertos as marcasocidentais, embora isso esteja começando a mudar em decorrência dos altos inves-timentos em marketing e pesquisa por parte dos fabricantes locais. “Na China, asmarcas japonesas tiveram um sucesso razoável, e as mulheres estão dispostas a ava-liar as marcas ocidentais”, afirmou Hu.

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34 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

Como a economia chinesa cresce a todo vapor,os consumidores locais estão cada vez mais beminformados e exigentes, disse Hu. No entanto, suaexposição às marcas e às técnicas de mercado oci-dentais ainda é bem menor do que a de seus paresdo mundo desenvolvido. Eles estão, portanto, emum estágio experimental, testando diferentes mar-cas, muitas das quais aportaram recentemente nopaís. “As filhas trarão as mães aos balcões de cosmé-ticos e dirão a elas o que comprar”, observou Hu.

MÁSCARA CIRÚRGICA DE GRIFE“O consumidor chinês não tem lealdade a marcas,mas tem consciência delas”, afirmou o chefe deequipe da divisão asiática da empresa de turismoSwain Tours, Fred Young. “Durante a epidemia deSARS, vi uma pessoa usando uma máscara cirúr-gica da Louis Vuitton. Duvido que fosse autênti-ca, mesmo assim, esse indivíduo conhecia a marcae quis se identificar com ela.”

Apesar disso, o consumidor chinês e de outrospaíses em rápido desenvolvimento na Ásia geral-mente se sente menos atraído por marcas de luxodo que o consumidor ocidental. Trata-se, emparte, de simples efeito econômico. Embora opadrão de vida de muitos deles tenha melhorado

significativamente, ainda são relativamente pobresse comparados com os consumidores do mundodesenvolvido. “Observamos o surgimento na Ásiade um segmento que apelidamos de suficiente-mente bom”, relatou Mike Booker, sócio daempresa Bain & Co, de Cingapura. “O segmentoproporciona uma funcionalidade básica a umcusto razoável. Será semelhante em tamanho aoque se observa nos mercados desenvolvidos, mascom preços muito menores.”

É claro que a estratégia do profissional de mar-keting terá de levar em conta a categoria do pro-duto em questão, disse Booker. Algumas catego-rias são dominadas por ofertas do tipo “suficiente-mente bom”. Outras, como o segmento de cosmé-ticos e de alimentos para bebês, podem trabalharcom produtos mais caros (premium) nos países emdesenvolvimento da Ásia, tal como acontece noJapão, nos EUA e na Europa. “Ninguém quer dara impressão de que economiza em se tratando dosfilhos, por isso as papinhas se prestam muito bemà categoria premium”, disse Booker. “Quando ospreços sobem, as vendas aumentam. Esse é umproduto que deverá ser sempre premium, portantonão há razão para que as empresas simplifiquemsua linha de produtos com ofertas mais baratas.”

PROMOTORASDE VENDAS, que

abordam osclientes nas lojas

para defender amarca, são

indispensáveis naChina

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Young, que trabalhou anteriormente comodiretor sênior de pesquisa do Comitê dos 100, umainstituição sem fins lucrativos voltada para o apri-moramento das relações entre a China e os EstadosUnidos, advertiu que os mercados asiáticos, emgeral, e a China, em particular, têm uma diversida-de muito maior do que muitas empresas supõem.“Não existe uma China apenas”, ressaltou. “EmXangai, as pessoas preferem ter um MP3 playerseparado do celular. Em outras cidades, elas queremos dois juntos. Em Xangai, o consumidor quer apa-relhos de som equipados com três gavetas para CD;já no sul, as pessoas preferem os aparelhos com umagaveta apenas, porque são mais baratos. Os gostospodem também variar completamente nas cidadesmenores. As pessoas ali não estão interessadas emmarcas estrangeiras.”

Booker, da Bain, concordou, mas ressaltou quemuitos fabricantes estão se empenhando para ade-quar seus produtos aos gostos locais. “Um fabri-cante de iogurte lançou uma versão do produtoque combina os sabores de pepino com kiwi por-que o produto teve bom desempenho com algunsconsumidores chineses. A Colgate lançou umapasta dental com sabor de chá.”

CRISE DE IMAGEMA Colgate Palmolive atua na China há décadas, oque lhe deu a oportunidade de aprofundar o conhe-cimento que tem dos consumidores e dos seus gos-tos, conforme explica John Hofheimer, diretor deconhecimento do consumidor e de mercado daHills Pet Nutrition, uma divisão da ColgatePalmolive. Embora seja o principal fabricante depasta dental no segmento premium em muitos mer-cados asiáticos, a empresa teve de enfrentar inúme-ros obstáculos ao longo de sua trajetória.

Em 2004, a Colgate enfrentou uma crise devendas na China, por exemplo, quando jornaisdo país associaram sua pasta dental à incidênciade câncer. Alguns produtos da Colgate e deoutras empresas contêm o antibactericida triclo-san. Os órgãos reguladores chineses e de outros

países haviam autorizado o produto, porém umestudo acadêmico feito nos Estados Unidos mos-trava que o produto podia causar câncer quandocombinado com flúor. Contando com o respaldode seus próprios estudos, a Colgate continuavaconvencida de que o produto era seguro. Nãodeu certo: as vendas caíram 25%.

As dificuldades da Colgate aumentaramainda mais devido à conduta da concorrência,disse Hofheimer. “Existe uma estratégia de mar-keting na Ásia que recorre ao convencimentopessoal. Há muitas promotoras de vendas, queabordam os clientes nas lojas, e elas diziam aosconsumidores que nossos produtos causavamcâncer.” A Colgate afirma que aprendeu comseus erros e saberá enfrentar de outro modo essasituação no futuro. “Como não reagimos ime-diatamente, passamos uma impressão errada.Além disso, não tínhamos investido em nossarelação com o governo.”

A despeito do produto ou de seu posiciona-mento, as empresas devem redobrar os esforçosde pesquisa nos mercados asiáticos, pesquisandotambém as preferências do consumidor localantes de entrar com força total nesses mercados,disse Booker. “Estou chocado com a péssimaqualidade das pesquisas. Uma empresa experien-te, que dê atenção ao básico, está em posição devantagem. Há muitos dados básicos ainda nãodisponíveis na China, por isso a empresa tem detrabalhar duro por conta própria.”

Não é preciso gastar muito dinheiro ou contra-tar uma consultoria para ter acesso a essas informa-ções, ponderou Hu, da Estee Lauder. Sua empresaconta com funcionários locais, que conhecem asidiossincrasias dos consumidores. Um detalheimportante para chegar de forma correta a eles,comentou Young, da Swain Tours, é a linguagem.Ele relatou uma derrapada da Cola-Cola, que nãotomou os devidos cuidados ao traduzir o slogan“Coke adds life” (Coca-Cola dá mais vida). Para oconsumidor, a mensagem que chegou foi “A Coca-Cola traz dos mortos seus ancestrais.”

NEGÓCIOS

Republicado com autorização de UniversiaKnowledge@Wharton (http://wharton.universia.net),o jornal on-line sobre pesquisa e análise de negócios de The Wharton School da Universidade daPensilvânia. A Wharton mantém parceria com o IEL para a formação de executivos.

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36 INDÚSTRIA BRASILEIRA FEVEREIRO 2008

O CÉLEBRE PRINCÍPIO DO QUÍMICO FRANCÊS

Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794), segundo oqual “na natureza, nada se cria, nada se perde, tudose transforma”, transcende o universo da química ealcança a responsabilidade corporativa. Essa idéiaserve de base para as ações da Fundação Gaúcha deBancos Sociais – Indústria da Solidariedade, queconsegue a doação de alimentos, roupas, móveis,

materiais de construção, móveis, medicamentose computadores a pessoas que não teriam acessoa esses bens de outro modo. Sob o slogan“Transformando desperdício em benefício social”,a fundação, que é ligada à Fiergs, concentra 13 ban-cos sociais que juntos beneficiam creches, asilos,clubes de mães, hospitais, entre outras entidadesassistenciais do Rio Grande do Sul.

POR LUCIANO MILHOMEM

Fundação Gaúcha de Bancos Sociais reúne alimentos, roupas, móveis,materiais de construção e medicamentos que sobram na indústria e nocomércio e levam a quem precisa

Logística da solidariedade

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 37WWW.CNI.ORG.BR

RESPONSABILIDADE CORPORATIVA

técnica e científica dentro dos bancos sociais.Estudantes de cinco universidades e oito faculda-des têm oportunidade de realizar atividades deextensão universitária e, ao mesmo tempo, trei-nar para a trajetória profissional.

Os atendidos pelo Banco de Alimentos sófazem elogios à iniciativa. “Temos 42 crianças bene-ficiadas”, celebra Maria Irene Abranches, presiden-te-fundadora da Casa do Excepcional Santa Rita deCássia, de Porto Alegre. Segundo ela, o banco daFiergs provê a casa mensalmente com produtos queincluem de frutas a champignons. Os clientes dobanco, órfãos e crianças abandonadas pelos pais,necessitam de alimentação especial.

No momento, Abranches ocupa-se da refor-ma da Casa e da construção do novo pavilhão.O terreno foi comprado graças a doações.A Fundação Gaúcha arregaçou as mangas e pro-mete contribuir para a arrecadação de R$ 1,6 mi-lhão necessário para as obras. “Vamos ter qualida-de de vida com espaço digno”, comemora a fun-dadora da entidade que já tem 30 anos de atua-ção. Mas a casa nova não é tudo. “Depois da re-forma, vamos precisar de equipamentos”.

“O que é sobra para alguns é riqueza paraoutros”, resume o presidente da Fiergs, PauloTigre, que tem o apoio da CNI para levar a idéiaa outras regiões do País. Apresentado emBrasília, durante o 2º Encontro Nacional daIndústria, em outubro passado, o exemplo daFundação está sendo replicado no Brasil e noexterior. “Já recebemos a visita de autoridades daProvíncia do México”, relata Tigre, também pre-sidente do Conselho Curador da Fundação. Paraele, além de evitar o desperdício na indústria, osbancos sociais contribuem para profissionalizarentidades sociais. “Muitas fecham simplesmentepor falta de gestão”, afirma. Além do aproveita-mento de sobras industriais, a Fundação incenti-va também a doação de órgãos e tecidos huma-nos para transplante.

DIVIDINDO O PÃOO Conselho de Cidadania da Fiergs decidiuaproveitar ao máximo a experiência, a credibili-dade e os recursos humanos e financeiros dasempresas gaúchas para dar início no ano passa-do a um trabalho que desde 2000 já era eficazpor meio do Banco de Alimentos, a iniciativapioneira. Hoje há aproximadamente 1.200 ins-tituições beneficiadas e parceiros de peso, comoa cadeia de lojas Wal-Mart e o Grupo Ultra,holding à qual pertence a rede Ipiranga de pos-tos de combustíveis.

O Banco de Alimentos, que serviu de baseaos demais, é uma organização da sociedade civilde interesse público (OSCIP), que arrecada edistribui doações de excedentes de empresas doramo de alimentação para instituições cadastra-das previamente. Desde sua fundação, o banco e12 instituições parceiras já arrecadaram e distri-buíram mais de 7.000 toneladas de alimentos.Somente em Porto Alegre, onde está estabeleci-do, o banco já beneficiou 300 instituições decomunidades, que recebem mensalmente 200toneladas de comida. “Fizemos um mapeamentode quem poderia ajudar”, conta o superinten-dente da Fundação, Paulo René Bernhard.A sinergia, segundo ele, resultou na eficácia dametodologia de trabalho. Hoje, a Fundaçãoconta com um pólo de excelência em pesquisa

O BANCO DETECIDO HUMANOpermite reconstituira pele de criançasque tiveramqueimadurasgraves e sofremsegregação social

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Gerente-geral da fundação O Pão dos Pobres,de Porto Alegre, Maurício Chaves explica que arelação de sua entidade com o Banco deAlimentos “vai além de receber alimentos, poisenvolve reciprocidade, cooperação”. O Pão dosPobres funciona também como núcleo de distri-buição de hortifrutigranjeiros. Arrecada alimentose os redistribui para entidades do próprio banco.Dessa forma, facilita a logística do processo de dis-tribuição. “Entidades como a nossa têm condiçõesde multiplicar a ajuda. Mas acredito que mais de80% das outras organizações ficariam em situaçãodifícil sem o Banco de Alimentos”, revela.

Chaves relata que as doações à fundação sãotantas que “às vezes, sobra alimento”. O exceden-te segue para outras entidades beneficentes maispróximas da entidade. O Pão dos Pobres abriga237 crianças internas de segunda a sexta-feira,além dos 350 alunos das oficinas de aprendiza-gem. São aproximadamente 750 refeições por dia,pois cada uma das crianças tem direito a café-da-manhã, lanche matinal, almoço, lanche vespertinoe jantar. Há 112 anos realizando trabalho assisten-cial, O Pão dos Pobres, possui uma padaria que,segundo Chaves, “não pára nunca”.

A rede de lojas Wal-Mart está entre os maioresparceiros da Fundação Gaúcha de Bancos Sociais,especialmente pelas doações que faz ao Banco deAlimentos. A parceria começou quando a rede delojas ainda pertencia ao grupo português Sonae,que contribuía com o banco tanto por meio derecursos financeiros quanto de doação de alimen-tos. Ao comprar a rede, o Wal-Mart manteve aparceria e aumentou as doações, que muitas vezesagora saem do estoque dos supermercados.

Além de levar comida a quem precisa, a Fun-dação Gaúcha dos Bancos Sociais busca evitar o des-perdício em setores tão diversos quanto a indústriatêxtil e a coleta de pele humana para transplante.O cirurgião plástico chefe do Serviço de CirurgiaPlástica da Santa Casa de Misericórdia de PortoAlegre, Roberto Correa Chem, afirma que as doa-ções ainda são raras. “As pessoas precisam saber quea extração da pele não deforma o corpo da pessoaque morreu”, esclarece. Bernhard, da Fundação,destaca que a doação via Banco de TecidosHumanos destina-se exclusivamente a hospitais que

Nos Estados Unidos, há 205 bancos de alimentos cadastrados na America’s Second Harvest – Rede Nacional de Bancos deAlimentos, uma das mais importantes associações norte-americanasdo setor. Juntos, eles fornecem comida, inclusivehortifrutigranjeiros, a 50 mil armazéns beneficentes, “sopões” e outras organizações de abastecimento alimentar de pessoascarentes, segundo o gerente de relações com a mídia da instituição,Ross Fraser.

No Brasil, há 47 bancos de alimentos cadastrados no Ministério doDesenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Mais 37 estão emprocesso de implantação. O MDS apóia a formação e a modernização debancos de alimentos em 82 municípios, de 18 estados. Desde 2003,repassou aos municípios R$ 10 milhões com esse fim. Os municípioscandidatam-se a cada ano por meio de edital de seleção pública, e orepasse é efetuado segundo parâmetros financeiros estabelecidos noedital. Atualmente, cada município selecionado recebe até R$ 270 milpara implantação do banco de alimentos.

A MULTIPLICAÇÃO DOSBANCOS DE ALIMENTOS

NOS ESTADOSUNIDOS há 205

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realizam transplantes de pele gratuitamente. A prio-ridade do Banco de Tecido Humano são as criançascarentes com seqüelas graves de queimaduras. “Essacriança é segregada. Não aparece. Esconde-se emcasa”, alerta Bernhard. O banco também tem comometa promover e estimular pesquisas científicas erealizar campanhas de prevenção.

Também na área da saúde, o Banco de Medica-mentos aproveita remédios que não possuam maisvalor comercial, por estarem a 6 ou 7 meses daexpiração da data de validade. “O laboratório jogaesse medicamento fora”, relata Bernhard. Comapoio do Sindicato da Indústria Farmacêutica, obanco recolhe os remédios, ainda em condição deuso, e doa-os, o mais cedo possível, a instituições.Para isso, conta com a aprovação da AgênciaNacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O esfor-ço vale a pena, mas, “ainda assim, muitos remédiosse perdem, e a cada dia precisamos descobrir ondeeles podem ser aproveitados”, revela Bernhard.

De forma semelhante, funcionam os demaisbancos sociais: o de Mobiliário, o de Vestuário, o deMateriais, de Construção, o de Resíduos, o deComputadores, o de Órgãos e Transplantes e o deRefeições Coletivas. Todos implicam a doação, orecolhimento, a armazenagem, o transporte e a dis-tribuição de produtos novos ou usados, mas em con-

dições de uso, a entidades carentes. Os demais, quecompletam a lista de 13 entidades, são os bancos deDados, de Voluntários e de Projetos Comunitários.

O Banco de Dados é responsável pelo desenvol-vimento do programa de cadastramento de todas asinstituições beneficentes de Porto Alegre, além dasinformações interessantes a cada um dos bancossociais. O Banco de Voluntários agrega os integran-tes dos outros bancos e promove a articulação entreeles, de forma a garantir o trabalho voluntário emtodos eles. Entre os voluntários, estão pessoas físicase jurídicas (380 empresas e 3.800 indivíduos).O Banco de Projetos Comunitários, por sua vez,capacita instituições assistenciais na elaboração deprojetos e na captação de recursos financeiros pro-venientes de leis de incentivo e renúncias fiscais.

O custo operacional da Fundação Gaúcha deBancos Sociais é de aproximadamente R$ 60 milmensais, empregados no pagamento de pessoal,aluguel do espaço físico, entre outras despesas decusteio. O recurso provém do próprio SistemaFiergs e de doações de parceiros, empresas degrande e médio porte. A idéia da fundação,segundo Bernhard, é inédita e já está patenteada.Há outros bancos sociais espalhados pelo mundo(veja box na página anterior), mas não sob coor-denação de uma única entidade.

RESPONSABILIDADE CORPORATIVA

O BANCO DEVESTUÁRIO é umdos 13 bancossociais gaúchosque atuam emconjunto

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PARA OS BRASILEIROS DAS CIDADES DO INTERIOR, A

praça simboliza convivência e evoca lembranças. Issovale também para quem viveu sua juventude háalgumas décadas nas capitais, onde muitas praçasforam vitimadas pela degradação urbana. Apesardisso, esse espaço urbano está longe de perder impor-tância, afirma a arquiteta Junia Marques Caldeira,que acaba de defender na Universidade Estadual deCampinas (Unicamp) a tese de doutorado A praçabrasileira. “A beleza de uma praça é constituída a par-tir de sua história, desenho paisagístico e conjuntourbanístico. Hoje desfruta de enorme prestígio coma valorização da qualidade de vida. Passou-se a bus-car na praça valores históricos, evidenciando certanostalgia de significados perdidos”, diz ela.

Não foi só no passado recente que esses espa-ços urbanos tiveram transformações radicais.Mudou muitas vezes de função e cara, desde a che-gada dos portugueses ao Novo Mundo até a cria-ção de Brasília. “Houve muitas transformaçõeshistóricas, em sintonia com o desenvolvimentopolítico da Nação”, analisa Junia. A pesquisadoraconcentrou-se em quatro praças que ela julgaexemplares: o Paço Imperial (hoje, Praça 15, no

Rio de Janeiro); a Praça da Sé, em São Paulo; aPraça da Liberdade, em Belo Horizonte; e a Praçados Três Poderes, no Distrito Federal.

A praça se diferencia no espaço urbano peloque “não tem”: são vazios nas cidades, pontos dedescompressão ao criarem uma ruptura na paisa-gem, estruturada a partir de edificações. “Povosantigos viam nela a 'alma da cidade', que se forma-vam a partir desses espaços de convivência. Eranesses espaços que a atividade cotidiana se desen-volvia e era também neles que o conceito de 'civi-tas' (cidadania) se fazia presente.” A palavra praçavem do grego “platéia”. Seja em Roma ou naGrécia, as praças representavam o “lugar de domí-

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As praças passaram por mudanças defunção e de importância ao longo dosséculos, e voltam a ser valorizadas naera da qualidade de vida

POR CARLOS HAAG

Espaço dopoder, domercado edo povo

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nio político”, onde os cidadãos participavam davida da polis. A praça medieval era um espaço deinteração social, com diversidade de espaços: pra-ças de mercado, praça da igreja, praça cívica.“Abrigavam trabalho, comércio e lazer, com feiras,festas, procissões, representações teatrais, e tam-bém julgamentos e execuções públicas.”

No Renascimento, mais uma vez as praçasmudam. “As características das novas cidades eram aorganização e ordenação precisa do plano urbano. Apraça adquire a função de elemento estruturante,definido por uma rígida geometria”, explica Junia. Oemaranhado de ruelas abafadas e desordenadas dálugar a vias luminosas e a praça renascentista ganha

ares de “cenário”, como a Piazza di SantíssimaAnnunziata, de Brunneleschi. Mais tarde, porém, aspraças perdem força como símbolos de espaçospúblicos. Teatro, bares, cafés são as novas alternativasde sociabilidade. No século 19, com a modernidadee novos estilos de vida, a praça ganha função mais doque prática e assume o papel de lugar de passagem,parte do sistema de circulação urbana, que tem seuápice no Boulevard Haussmann, em Paris. “A essedeclínio da praça como representação pública corres-pondia o recolhimento do cidadão para lugaresfechados em busca de um ambiente mais seguro etranqüilo. A praça parecia condenada à escala monu-mental, um grande vazio”, nota Junia.

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MUDANÇA DACORTEportuguesa parao Rio de Janeiroem 1808 trouxenovo conceitourbanístico quedefine a praçacomo pontocentral da cidade

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Mais recentemente, a praça ressurgiu como pro-tagonista dos espaços coletivos, para resgatar a quali-dade de vida urbana em áreas centrais abandonadas.“A praça contemporânea, a partir dessas estratégias,reafirma sua vocação de espaço coletivo, reassumin-do seu papel de principal espaço da cidade.”

No Brasil, por muitos séculos seríamos “reféns” daherança lusitana, com o agravante de que a praçaurbana demorou a se implantar na cultura urbanísti-ca portuguesa. Com apenas uma experiência rápidadas “praças espontâneas” medievais, Portugal abra-çou, no século 15, a praça regular urbana, cheia designificados. “Rossios, terreiros, largos foram reforma-dos em praças onde se construía a casa da Câmara,espaços, equipamentos ou instituições velhos comnovo significado, atribuições e poder, símbolos de umEstado já enraizado”, nota a pesquisadora. O modelode praça português não valorizava apenas a estética;antes, centrava-se nos aspectos simbólicos e funcio-nais. Eram marcos urbanos e, ao mesmo tempo,espaços simbólicos, que assim ainda permanecem.

O ponto de partida da praça brasileira eram asaldeias e agrupamentos de índios. “Havia locaisritualísticos, legitimados na estrutura da aldeia, degrande importância para a comunidade. Emboradiferentes do universo urbano, guardavam caracte-

rísticas equivalentes a estruturas de praças, como acentralidade, a monumentalidade e os aspectossimbólicos”, afirma Junia. Para os conquistadoresera preciso destruir aquela herança indígena, subs-tituindo a organização espacial nativa pela doscolonizadores, como se vê nas cidades jesuítas, emque no centro da praça se colocam o cruzeiro e aigreja. Esses movimentos amadores dão lugar aoredesenho feito por especialistas em cidades comoSalvador, Rio e São Paulo. “No século 17, muitoslugares surgem de projetos urbanos e em seus atosde fundação são instituídas praças em que deverãoser instalados edifícios, igreja, pelourinho.”

CULTURA PORTUGUESANa gênese da praça brasileira, nota-se a forte refe-rência cultural ocidental portuguesa. A primeirafoi a Praça da Câmara, em Salvador, modelo dapraça colonial aberta que, situada na encosta,virou praça-símbolo. A proximidade do portodeu o tom estético do novo lugar. Em forma de“u”, cercada por edificações em três dos seuslados, aberta no quarto, reverenciava o mar à suafrente, revelando a dependência das relaçõesultramarinas da metrópole. Com a chegada daCorte, em 1808, o eixo se muda para o Rio de

PRAÇA DOS TRÊSPODERES: prédios

funcionam comomonumentos

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Janeiro e outra praça ocupa esselugar simbólico: o Largo doPaço (hoje Praça 15). “O Largotransforma-se em nó da cidadeimperial, concentrando os pré-dios mais significativos, como oPalácio Real. O lugar vira centrodas manifestações da corte por-tuguesa e dá um modelo para oresto do País em formação, quepassa a investir na criação de umcentro único, nos moldes dacorte, só que na forma da praci-nha”, explica Junia.

A República repudia o passa-do imperial, e a praça ganha novaroupagem. O Largo do Paçoperde importância, e a cidadeganha novas praças. Rompendocomo modelo tradicional, sur-gem parques, passeios públicos,multiplicando-se os espaços deuso coletivo. A influência diretaé a Paris de Haussmann. Assim, a praça vazia dálugar aos espaços ajardinados, decorativos, paraprovar ao mundo que o Brasil entrara na idademoderna, após tempos de obscurantismo real.

A Praça da Liberdade, em Belo Horizonte,cidade criada no final do século 19, é filha dessanova postura. “No espírito de modernidade, suaconfiguração é o da praça-cenário destinada a ser-vir de palco ao Palácio do Governador e suasSecretarias”, observa. Cada vez mais, as praças seproliferam, substituindo o ideal do espaço centrale único, deixando de ser o nó central do espaçourbano. “Com a influência dos sanitaristas, o dese-nho da praça modifica-se, produzindo espaçosmais amplos. A trajetória da Praça da Sé, em SãoPaulo, demonstra essas mudanças. De marco zeroda cidade à Superpraça da Sé, ela encarnou asuperposição de modelos urbanos”, nota Junia.

Em relação ao uso do espaço, a praça modernabrasileira perdeu funções vitais e assumiu novospapéis. “Retirou-se progressivamente o papel sim-bólico de espaço urbano cívico voltado ao acolhi-mento de manifestações políticas e sua função pas-sou a ser direcionada ao lazer cultural e à contempla-

ção”, observa a pesquisadora. Ao perder status socio-político, a praça mostrava o “recolhimento” dadimensão pública por parte da sociedade moderna epelo enfraquecimento dessa relação. Boa parte daspraças continuou como território do lazer ou área deserviços, como estações de metrô ou ferroviárias.

A solução possível para esse estado de coisassurgiu na criação, por Lúcio Costa, do PlanoPiloto de Brasília, em que se tentou resolver odilema da nova função moderna da praça.Para Costa, a Praça dos Três Poderes “remetia àarquitetura da mais remota Antigüidade, com aclara intenção de reproduzir a espacialidade delugares diferenciados no contexto de cidades tra-dicionais”. Ele afirmou que sua praça era a“Versalhes do povo”. Invertendo a relação decheios e vazios do espaço coletivo, os edifíciosatuam como monumentos. O ideal de LúcioCosta era articular as edificações e a praça, comum importante papel simbólico: a de “praçademocrática”. A realidade mostrou que o resulta-do eram espaços sem condições de funcionarcomo locais de sociabilidade e que só funcionamem atividades programadas.

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A PRAÇA DA SÉ,em São Paulo,reúne váriosmodelos urbanosno mesmo espaço

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Uma centena de artistas plásticos atendeu à propostade fazer auto-retratos em tamanho-padrão, reunidos emexposição e agora em livroPOR CARLOS HAAG

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“BRASIL, MOSTRA A TUA CARA.”Cada um pode responder aodesafio feito por Cazuza(1958-1990) como preferir eo arquiteto Marcello Rebellooptou por uma saída constru-tiva ao chamado. Em 1997,com a proximidade do novomilênio, Rebello viu que era ahora de montar o quebra-cabeças. “Queríamos fazeruma série que se questionasobre que cara pode ter o Paíse começamos a maratonapelas artes plásticas”, conta oarquiteto. Assim nasceu o pro-jeto Auto-Retratos do Brasil,que reuniu cem auto-retratosencomendados a artistas devárias gerações, todos sujeitosa uma medida fixa: trabalhosverticais, bidimensionais, com40 por 50 centímetros. Todostambém receberam o mesmopagamento, uma idéia que a

artista Adriana de Aquino, participante do projeto,elogia pelo seu desejo de fazer as obras “fugirem doconceito de mercadoria, já que, com valores igualitá-rios, todo mundo fez parte de um mesmo painel”.

Depois de ser exposta no Paço Imperial, doRio de Janeiro, a Cara do Brasil acaba de virar umlivro homônimo (Bem-Te-Vi Produções Literá-rias, 446 págs., R$ 225,00) em que, além do auto-retrato, o artista é apresentado com um texto bio-gráfico, uma foto três por quatro e um conjuntode trabalhos à sua escolha, cuidado que, segundoRebello, tem também um caráter lúdico: convidao leitor a tentar adivinhar o nome do retratado apartir de seu estilo. Isso exige, é claro, que, no espí-rito de Cazuza, ninguém seja desonesto a ponto deolhar o nome do criador abaixo da imagem. Esseespírito bem-humorado igualmente conduziu acuradoria do livro. “Não posso dizer que houveuma curadoria no sentido tradicional, pois convi-damos artistas que já conhecíamos e eles foramindicando outros e muitos dos trabalhos foramencomendados em papos de mesa de bar”, lembra

o arquiteto. Ele teve o auxílio da colega LílianFontes para fechar o painel.

Entre os artistas que fizeram sua a cara doBrasil estão nomes como Cícero Dias, AntonioManuel, Daniel Senise, Luiz Aquila, RobertoMagalhães, Beatriz Milhazes, Eduardo Sued,Anna Bela Geiger, Iole de Freitas, Brennand,Leda Catunda, Claudio Tozzi, Tomie Ohtake,Franz Kracjberg, Waltercio Caldas, RomeroBrito, Tunga, Carlos Vergara, entre tantosoutros, representativos do que há de melhor nasartes plásticas do Brasil de hoje, incluindo-se nogrupo nomes mais ligados à escultura do que aotrabalho em tela (como Brennand). Alguns dosartistas (Carlos Scliar, Ângelo de Aquino eAluísio Carvão) morreram antes de ver o traba-lho pronto. Mas o retrato geral conseguido peloprojeto reuniu os mestres da Nova Figuração e osprecursores e seguidores da arte gestual, caracte-rística dos anos 1980. Em todos está respondidaa questão central do auto-retrato: o que o artistavê diante do espelho?

Adjetos/Instrumentos Indecisos, de

Alexandre Dacosta

Forêt Enchantée,de Juarez Machado

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Os primeiros exemplos dessa arte, durante milê-nios considerada menor, remontam aos temposegípcios, ainda que na forma de assinaturas dentrode obras maiores encomendadas por ricos senhores.Um exemplo foi a ousadia de o escultor-chefe Bakpôr as imagens de seu rosto e o de sua mulher numtemplo feito para o faraó Akhnaton, em 1365 a.C.Menos afortunado foi o escultor grego Fídias, quenão resistiu à tentação de se retratar, meio calvo echeio de rugas, no escudo da estátua de Atena quese encontrava dentro do Partenon, em Atenas.Tendo produzido uma prova irrefutável do crime, oescultor foi preso em 483 a.C., por se retratar emmeio a uma divindade. Na Renascença, LorenzoGhilberti repetiu a dose, sem conseqüências negati-vas igualmente careca, na moldura que sustentavaas portas de bronze do Batistério, em Florença. Opintor flamengo Jan van Eyck (1390-1441) foi oprimeiro a fazer isso numa tela, o célebre Retrato deCasamento, de 1434, em que um jovem casal apa-rece trocando alianças. Ao fundo no espelho, pode-se ver o artista que ainda escreveu no quadro “Janvan Eyck esteve aqui”.

O mérito, porém, do primeiro auto-retratodigno do nome cabe ao francês Jean Fouquet

(1420-1481) que, em 1470, fez uma obra em queele apenas era o tema e não parte de uma peçamaior. O pequeno trabalho mostra o pintor em suaaparência exterior e dá pistas do seu eu interior, umpasso pequeno que foi retomado em grande escalapelo alemão Albrecht Dürer (1471-1528), conside-rado por muitos como o pioneiro nessa forma dearte. Seu primeiro auto-retrato data da adolescência,em 1484, e ele faria mais outros sete até 1522, seisanos antes de morrer, quando usou seu rosto comomodelo em Cristo, o Homem dos Sofrimentos. O auto-retrato mais impressionante de Dürer datade 1500, em que aparece quase como um íconesecularizado. Para os críticos, o artista pintou-secomo gostaria de ser visto pela posteridade, orgulho-so de seu novo status social e material e tendo clara-mente em vista o público que iria ver a sua pintura.Era quase um troco artístico aos tantos séculos emque o retrato era um privilégio apenas dos ricospatronos, e o nome do artista era desimportante.

Após Dürer, o outro epígono do gênero foiRembrandt (1606-1669), que nos deixou 60 auto-retratos, pintados desde o início de sua carreira em1629 até a sua morte em 1669. Nesses 40 anos, eleretratou-se de todas as formas e, com certeza, por

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Indo proParaíso,de NewtonMesquita

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vários motivos, desde a pobreza do iniciante que, semdinheiro para pagar um modelo acabou usando a simesmo, até o homem diante da morte que fez ques-tão de deixar registrada a passagem dos anos em seurosto para a posteridade e para ele mesmo, uma formacatártica de aceitar a velhice. “Vi por mim mesmo ereconheci no meu rosto a morte pintada”, escreveusobre um dos seus auto-retratos. No meio dos extre-mos, o artista também aproveitou-se de seu rosto paracriar telas experimentais, em que explorou sombras eluzes, algo inimaginável num quadro encomendadopor um cliente rico.

Van Gogh (1853-1890) fez 22 auto-retratos, pin-tados, a sua maioria, em apenas dois anos terríveis paraele, 1886-1888, dois anos antes de seu suicídio em1890. O que se vê é mais do que a mera representaçãodiante do espelho. Aqui, o artista revela o que se passaem seu interior, sua busca por respostas, sua angústia,suas emoções mais íntimas e, no caso do Auto-Retratocom Bandagem, de 1889, sua loucura: é nessa obra quese mostra após ter cortado a orelha num acesso deinsanidade, um sinal da tragédia que se aproximava.Como em Rembrandt e Van Gogh, pode-se ler a his-tória da pintora mexicana Frida Kahlo (1907-1954)

em seus mais de 55 auto-retratos, que funcionaramcomo uma espécie de alívio para os muitos incidentesde sua vida, como a perna paralisada pela pólio, asdores do acidente com o ônibus, abortos e as infinitascirurgias que enfrentou até sua morte. Ao contrário,porém, de Van Gogh, neles, Frida, parece conhecer asrespostas, usando a tela como um instrumento decatarse de suas emoções, uma forma de aceitar e sen-tir-se bem com suas aflições e angústias.

Houve quem usasse a “realidade” do auto-retra-to para trabalhar com a fantasia, como o francêsGustave Courbet (1819-1877), um precursor dospintores impressionistas, que criava cenários fabu-losos para se colocar retratado ao centro da tela. EmInterior de Meu Estúdio: Uma alegoria real que resu-me sete anos de minha vida como criador (1854-1855), ele inventou um novo modelo para o gêne-ro. Cercado por figuras simbólicas e por amigos,bem como por nus, caçadores, mãe com filho,entre outros personagens, Courbet aparece triun-fante. Além desse, o pintor fez mais outros seteauto-retratos “de fantasia”. Estava aberto um novocaminho para os artistas que, com o advento doAbstracionismo, em 1900, iriam se aventurar no

Flor da Caatinga,de Aldemir Martins

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Mesa Posta, deAlberto Nicolau

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CULTURA

auto-retrato de uma forma ainda mais inaudita,como Picasso (1881-1973) e Chagall (1887-1985).Os auto-retratos de Picasso, feitos entre 1900 e1901, lembram muito os de Rembrandt e VanGogh, mas a partir de 1907, com sua aproximaçãodo cubismo, nota-se a dissolução da figura perfeitado artista em sua representação, imagem, explodin-do na abstração total nos auto-retratos de 1938 eainda mais nos dos anos 1960, nos quais, como emRembrandt, vê-se a angústia da chegada da velhiceao criador espanhol.

O russo Marc Chagall aprofundou a fantasia deCourbet e fez auto-retratos em que o artista sequeraparece, sendo substituído pelas lembranças do pin-tor, para quem essa memória interior era um retra-to mais fiel de si mesmo do que qualquer rosto reco-nhecível. O espelho, enfim, é deixado de lado. EmEu e a Aldeia, de 1911, o que se vê é quase umconto-de-fadas de profundo simbolismo e a históriaque o quadro conta estava dentro do próprio artis-ta. Daí foi um passo para os auto-retratos de JacksonPollock (1912-1956) e Mark Rothko (1903-1970),totalmente abstratos. Nas suas obras é preciso umtítulo para que o público saiba estar diante de umaauto-representação do artista, nem por isso menoseficaz do que qualquer obra figurativa do passado.

“As pessoas que choram diante de minhas obrasestão experimentando a mesma sensação religiosaque eu tive quando as pintei”, observou Rothko.O mesmo está presente em boa parte da obras dosartistas nacionais de Auto-Retratos Brasileiros.

Beatriz Milhazes, por exemplo, usou sua marcaregistrada, as mandalas, que entrecruzadas revelamum rosto que contorna um enorme boca vermelha;Anna Letycia optou por um auto-retrato figurativousando os tons de terra e os caracóis que são carac-terísticos de sua obra; Eduardo Sued criou uma telaabstrata em que um retângulo de metal representaum nariz; Luiz Pizarro imprimiu a radiografia deseu rosto em cera; Anna Bella Geiger deixou-se verolhando para um mapa do Brasil dividido em capi-tanias hereditárias, com a inscrição “Repita conos-co: burocracia”; Ivens Machado usou um varal comfotos de amigos e familiares; Antonio Manuel tro-cou seu rosto por digitais que tomam o lugar deolhos; Carlos Scliar, irônico, preferiu retratar suasmãos, para ele mais significativas de sua essência;etc. Em todos há, no entanto, um ponto comum:o desejo ancestral de explorar a si mesmo, de veralém da imagem no espelho e, quem sabe, iniciaruma busca da verdadeira alma de cada um. E, dequebra, mostrar a cara do Brasil.

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Page 46: CONSUMO - bibliotecadigital.puc-campinas.edu.brbibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/revistas_dig... · ano 8 nº84 fevereiro 2008 entrevista paulo godoy: gastos pÚblicos

50 INDÚSTRIA BRASILEIRA

TO BRIC ORNOT TO BRICCrescimento inferior ao da Rússia, Índia e China sugereque o Brasil não merece estar na elite dos paísesemergentes. A percepção internacional, porém, é outra

Luiz Felipe de Alencastro, professor titular de História do Brasil da Universidade de Paris-Sorbonne

PERIODICAMENTE, ANALISTAS SUBLINHAM O BAIXO

crescimento da economia brasileira, quandocomparado ao crescimento dos principais paísesemergentes, e mesmo dos países latino-america-nos. A publicação de um recente relatório daOrganização para a Cooperação e o Desenvolvi-mento Econômico (OCDE), com o títuloPerspectives Economiques, (n° 82, dez., 2007), eoutro do Banco Mundial (Global EconomicProspects 2008, jan., 2008), indicam poucasmudanças no quadro atual. Segundo os doisrelatórios, o Produto Interno Bruto (PIB) brasi-leiro crescerá 4,5% em 2008, e 4,5% em 2009.Cifras que podem ser completadas pela estima-tiva do Instituto de Pesquisas EconômicasAplicadas (Ipea) para o PIB de 2010 (4,9%).Desde logo, é possível compor uma série de 11anos de taxas do PIB, cobrindo a primeira déca-da do milênio. Constata-se assim que a econo-mia brasileira expandiu-se na média anual de3% entre 2000-2005, e registrará uma média de4,3% entre 2005-2010. Bem abaixo dos outrosBRICs. Não obstante, essas porcentagens batemcom os números do célebre relatório do bancode investimento Goldman Sachs, de 2003, quecunhou o termo BRIC ao analisar o ascenso doBrasil, da Índia, da China e da Rússia ao primei-ro escalão da economia mundial. Noutras pala-vras, a performance brasileira nos últimos 11anos – apesar das aparências – segue um seguroritmo ascendente.

O estudo avança projeções até 2050. Emnenhuma etapa está previsto que o Brasil deva

crescer a uma taxa de 7% por ano. É neste passode tartaruga, numa taxa média anual de 3,6% noperíodo 2000-2050, que o PIB do Brasil – segun-do o referido relatório – ultrapassará o PIB daItália por volta de 2025, o da França em 2031, eo da Alemanha e do Reino Unido em 2036.Chegando em 2050 atrás da China, dos EstadosUnidos, da Índia e do Japão.

Pode-se pensar, com toda razão, que previsõessão feitas para ser desmentidas pelos fatos. Na intro-dução de sua História do Futuro, o padre AntônioVieira, cujos 400 anos de nascimento foram feste-jados no último dia 6 de fevereiro, resume o des-lumbramento e a incerteza que envolvem as previ-sões: “Nenhuma coisa se pode prometer à naturezahumana mais conforme ao seu maior apetite, nemmais superior a toda a sua capacidade, que a notí-cia dos tempos e sucessos futuros”.

Na realidade, no presente e em boa parte dofuturo, o maior trunfo brasileiro no meio dosBRICs é uma conquista que vai muito além dasmúltiplas variáveis econômicas analisadas pelaGoldman Sachs: a consolidação de uma sólidademocracia que conserva relações pacíficas com omundo inteiro. Como notou a revista TheEconomist, o Brasil é o único país dos BRICs quese apresenta como uma plena democracia (aoinverso da Rússia e da China) e que não temameaça de conflito atômico com seus vizinhos(caso da Índia). Vale muito a pena ser BRIC quan-do se tem o primeiro lugar no item das liberdadespúblicas. Mesmo quando se detém o último lugarno item de crescimento econômico.

LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO

FOLH

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FEVEREIRO 2008