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E MAIS A NECESSIDADE DE REGULAMENTAR A TERCEIRIZAÇÃO DO QUE O PAÍS PRECISA PARA SER COMPETITIVO ENERGIA Ano 7 nº 73 março 2007 ENTREVISTA JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: INVESTIMENTO PRIVADO PRECISA CRESCER O ÔNUS DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL

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E MAISA NECESSIDADEDE REGULAMENTARA TERCEIRIZAÇÃO

DO QUE O PAÍSPRECISA PARASER COMPETITIVO

ENERGIA

Ano 7nº 73março2007

ENTREVISTA JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS: INVESTIMENTO PRIVADO PRECISA CRESCER

O ÔNUS DACOMPENSAÇÃOAMBIENTAL

CAPA 73 Final 28.02.07 10:56 Page 1

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18 CapaO Brasil deve superar os entraves ambientais para ter mais investimentos e garantir o suprimento de energia a custos competitivos

26 TrabalhoA Terceirização precisa de leis para assegurar direitos aos trabalhadores eaumentar a competitividade das empresas brasileiras

30 RegulaçãoCriada para financiar áreas de proteção ecológica, a compensação ambientalvem se tornando um ônus para os investimentos

34 Gestão empresarialEmpresas e executivos ocidentais descobrem o peso da cultura e dos valoreslocais na hora de negociar no mercado asiático

38 NegóciosVale dos Vinhedos, do Rio Grande do Sul, recebe o selo de indicação geográfica para vender vinhos na União Européia

ARTIGOS17 LUIZ FERNANDO SANTOS REIS

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) tem condições dediminuir os gargalos da infra-estrutura e de gerar empregos

50 DANUZA LEÃOViver sozinho tem suas vantagens, mas o medo da solidão pode ser maior enos lembrar do quanto precisamos de uma pessoa por perto

SEÇÕES6 LUPA

10 ENTREVISTAJosé Roberto Mendonça de Barros diz que o governo poderia estimular maisos investimentos privados no PAC e deveria priorizar o corte de despesas públicas

24 INDICADORESA indústria deverá ter crescimento mais homogêneo em 2007, em comparação ao ano passado, quando alguns setores foram privilegiados

37 RESENHALivro traz as propostas de cinco especialistas para reduzir gastos públicos e melhorar a eficiência de gestão na administração estatal

42 PONTO DE VISTARoberto Proença de Macêdo defende que os estados menores tenham maiorcultura exportadora, e José Nasser analisa os resultados dos 40 anos da ZonaFranca de Manaus

44 CULTURAAcervo com documentos, cartas, quadros e filmes mostra a influência do industrial Ciccillo Matarazzo (1898-1977) nodesenvolvimento das artes no Brasil no século 20

www.cni.org.brDIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Corrêa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI);1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo Pradode Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Shirlei NatalinePublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco C sala 322Brasília - DF - CEP 70316-109 Tel.: (61) 3039-8150Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

ARCHIVO ICONOGRAFICO, S.A./CORBIS/LATINSTOCK

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 3WWW.CNI.ORG.BR

EDITORIAL

AÇÃO PARA CRESCERO PAC precisa de aprimoramento e de eficácia na implementação, o que a indústria fará por meio de contribuições e de um acompanhamento sistemático

Armando Monteiro Neto, presidente da CNI - Confederação Nacional da Indústria

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EDITORIAL

O FÓRUM NACIONAL DA INDÚSTRIA REUNIU-SE NO

início do mês passado com duas questões inter-relacionadas em pauta: o Programa de Aceleraçãodo Crescimento (PAC), anunciado pelo governofederal, e a avaliação periódica do MapaEstratégico da Indústria 2007-2015, um conjun-to de objetivos, metas e programas que visam levaro Brasil ao desenvolvimento sustentável.

O PAC contempla ações e medidas de gover-nança pública que buscam acelerar o crescimentopelo aumento do investimento público. É, navisão da indústria, algo positivo. Mas não assegu-ra plenamente os meios para alcançar o cresci-mento acelerado. A Agenda de Crescimento doPaís envolve uma série de temas que não fazemparte do escopo do PAC.

Um ponto fundamental para elevar a taxa decrescimento da economia brasileira é a redução dacarga tributária e dos gastos correntes do governo,que impedem investimentos. O Mapa Estratégicoestabelece a redução da carga tributária a 30% doProduto Interno Bruto (PIB) em 2010. Mas o quese tem visto é o contrário: o contínuo aumento daparcela da produção apropriada por tributos. Em2005, eram 37,4% do PIB. No final do ano passa-do, estima-se que tenha chegado a 38% do PIB.Dos 18 indicadores monitorados pelo MapaEstratégico, a carga tributária é um dos nove queestão em situação negativa (os outros são o cresci-mento do PIB, o crescimento do PIB industrial, oíndice de produtividade da indústria, a oferta deenergia, o investimento em intra-estrutura dostransportes, o índice de domicílios com esgoto, ospread bancário e o total de exportações de bens eserviços pelo PIB).

Não é possível reduzir a carga tributária e elevaros investimentos públicos sem reduzir os gastoscorrentes do governo, um elemento crítico daAgenda do Crescimento endereçado no PAC, masnão adequadamente equacionado. Além de exigir ocompromisso do governo com medidas que garan-tam maior eficácia ao gasto público, é necessárioassegurar que a questão fiscal possa ser enfrentadapor meio de reformas mais abrangentes – as daPrevidência e Tributária.

O Fórum Nacional da Indústria tem reiteradohá muito tempo que o crescimento depende deações em muitas áreas. No ano passado, os candi-datos à Presidência da República receberam o docu-mento Crescimento – A Visão da Indústria, em que oFórum estabeleceu dez prioridades para o Brasil:redução do gasto público, tributação, infra-estrutu-ra, financiamento, relações do trabalho, desburo-cratização, inovação, educação, política de acesso amercados e meio-ambiente. São pontos que nãopodem estar ausentes das políticas do governo comvistas ao crescimento de longo prazo.

O aprimoramento do PAC não deve, porém,impedir que se ponha em prática o que tem de posi-tivo. Fator crítico para o sucesso do programa é agestão eficaz na implementação. Transparência eceleridade nas ações são elementos indispensáveispara transmitir confiança aos agentes privados eassim influir de modo positivo em seus investimen-tos. Seria altamente benéfica, por exemplo, a criaçãode mecanismos de acompanhamento das ações e doscronogramas de execução dos projetos prioritários.

A indústria se mobiliza para apresentar contri-buições ao PAC e acompanhará de perto a imple-mentação do programa.

ARMANDO MONTEIRO NETO

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MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

LUPA

INDÚSTRIA BRASILEIRA 76 INDÚSTRIA BRASILEIRA

OLHO NO ORIENTEA CNI, EM PARCERIA COM A FEDERAÇÃO JAPONESA DAS ORGANIZAÇÕES

Econômicas (Nippon Keidanren), realiza no dia 6 de março a 12ªedição da Reunião Conjunta do Comitê de Cooperação EconômicaBrasil-Japão. Serão realizados painéis para discutir caminhos para ocrescimento do Brasil e Japão, apresentação de casos de investidoresestrangeiros no Brasil e novas oportunidades de investimentos. Alémdisso, haverá um painel para discutir a integração comercial e a agendaeconômica bilateral. A reunião será no Hotel Renaissance, em São Paulo. As inscrições para o evento são gratuitas e podem serfeitas pelo e-mail [email protected].

INCENTIVO ÀINOVAÇÃOATÉ 12 DE ABRIL, EMPRESAS

que buscam aperfeiçoar seusprodutos e que queremmelhorar sua participação no mercado podem seinscrever para o EditalSENAI Inovação 2007. Para saber como participar, osinteressados devem procurar oSENAI de seu estado. “Nosdepartamentos regionaistemos um corpo técnicoqualificado e infra-estruturamoderna para apoiar aspropostas de pesquisaaplicada ou desenvolvimentoexperimental e assimcontribuir com a indústriabrasileira”, lembra o analistade DesenvolvimentoIndustrial da Unidade deTecnologia Industrial doSENAI Mateus Simões deFreitas. Nesta 4ª edição doprograma está previstoinvestimento de R$ 1,3milhão em projetos deinovação. Mais informaçõesno site do SENAI(www.senai.br).

TREINO ÁRDUOMESMO LONGE DA ÉPOCA DO VESTIBULAR

e dos exames de final de ano, 44 alunos do SENAI de todo o País passaram o verãoestudando intensivamente, oito horas pordia. E manterão o ritmo nos próximosmeses. Eles têm um único objetivo: alcançara nota mínima que permitirá participar das provas de 22 categorias profissionais da WorldSkills 2007, maior competiçãomundial de educação profissional, queocorre de 8 a 22 de novembro, emShizuoka, no Japão. Além dos simuladosaplicados por técnicos do SENAI Nacional,os estudantes, que ficaram em primeiroe segundo lugares na Olimpíada doConhecimento do ano passado, participarãoem abril de uma prova eliminatória.

CONHECIMENTOAPLICADOEMPRESA CATARINENSE DE

iluminação Biancamano Luccelança neste ano dois tipos deluminárias com tecnologia deLEDs (Light Emitting Diodes),cujo consumo de energia éequivalente a 3,3% ao dassimilares que existem hoje nomercado. As luminárias, que têmalta durabilidade e exigem poucamanutenção, foram desenhadas hádois anos pela estudante PatríciaFeronha, em parceria com aprofessora Silvana Rosa, queparticiparam em 2004 doPrograma de Apoio aoDesenvolvimento Tecnológico àsMicro e Pequenas Empresas(Bitec), desenvolvido peloInstituto Euvaldo Lodi (IEL). “O investimento para desenvolveros novos produtos foi bastantebaixo e a parceria com auniversidade me surpreendeu pelaqualidade dos serviços oferecidos”,afirma o dono da empresa,Cláudio Reinaudo.

GESTÃO RESPONSÁVELAS EMPRESAS QUE DESENVOLVEM PROGRAMAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL

em sua comunidade ou de melhoria no ambiente de trabalho podem ter a efetividade de suas atividades avaliadas gratuitamente porprofissionais especializados e, de quebra, ainda concorrer aoreconhecimento nacional. Estão abertas a partir do dia 8 de março asinscrições para a nova edição do Prêmio SESI Qualidade no Trabalho.Para participar, basta entrar em contato com o SESI no seu estado. Mais informações pelo site www.sesi.org.br/psqt

EMBALAGEM INTELIGENTEUMA EMBALAGEM BIODEGRADÁVEL, NA FORMA DE

um filme plástico, que além de ser comestível, podeconter ingredientes antimicrobianos, que inibem ouretardam a proliferação de microorganismos ou aindadenunciar se o produto está estragado. Parece ficçãocientífica, mas é a nova pesquisa que está sendodesenvolvida pela Escola Politécnica da Universidadede São Paulo. O produto é feito a partir de amido demandioca e açúcares e foi desenvolvido no projeto depós-doutorado da engenheira química CynthiaDitchfield, do Laboratório de Engenharia deAlimentos da escola. Mas ainda precisa deaprimoramento para chegar ao mercado.

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 9MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

LUPA

AGENDA DA INDÚSTRIASERÁ LANÇADA NESTE MÊS A EDIÇÃO DE 2007 DA AGENDA LEGISLATIVA DA

Indústria. O documento, produzido pela CNI com a colaboração dasFederações de Indústrias e associações setoriais, traz os projetos em tramitaçãono Congresso Nacional que exercem influência sobre o setor produtivo, coma posição do setor sobre cada proposição. De acordo com o gerente-executivo da Comissão de Assuntos Legislativos (Coal), Ricardo Ferraz, com a agendaconcluída começará o trabalho de acompanhamento da comissão junto aoCongresso Nacional. “Nós avaliamos todos os projetos e verificamos como está a tramitação e fazemos balanços periódicos”, afirma Ferraz.

8 INDÚSTRIA BRASILEIRA

RECORDE NA REDEOS INTERNAUTAS BRASILEIROS BATERAM O RECORDE DE TEMPO DE NAVEGAÇÃO EM

dezembro de 2006, chegando a 21 horas e 39 minutos mensais online, segundo pesquisado Ibope/NetRatings. O tempo gasto por usuários residenciais com a internet no Brasil é maior do que em países como França, Estados Unidos, Austrália e Japão. Cresceuespecialmente o tempo gasto com comércio eletrônico, que aumentou em 3% em relaçãoao mês anterior. Também cresceu a procura das páginas de telefonia móvel, queaumentaram 18% no ano e superaram os 4 milhões de usuários únicos em dezembro de2006, e as páginas de viagens e turismo, que chegaram a 3,5 milhões de usuários no ano.

EXPO ALIMENTOS 2007A CNI VAI LEVAR UMA MISSÃO EMPRESARIAL PARA

a feira Expo Alimentos 2007, que ocorrerá de 11 a16 de abril, em San Juan, Porto Rico. O grupo estásendo organizado pelos Centros Internacionais deNegócios das Federações de Indústrias, dentro deum programa de promoção comercial no exteriorque prevê a participação em diversos eventos dessetipo ao longo do ano, e deve levar cerca de 30empresas nacionais para o evento. Com capacidadepara 400 expositores, a feira reúne empresas dosEstados Unidos, Canadá, México, Costa Rica,República Dominicana, Equador, Panamá, Peru,Colômbia, Venezuela, Argentina, Chile, entreoutros. Em 2005, o volume de negócios foi de US$ 73 milhões e, para este ano, a projeção é deque o valor chegue a US$ 75 milhões.

DE OLHO NO PACA INDÚSTRIA PRETENDE ACOMPANHAR DE PERTO A IMPLEMENTAÇÃO DO PROGRAMA DE ACELERAÇÃO DO CRESCIMENTO

(PAC), anunciado pelo governo no dia 22 de janeiro. Na reunião de fevereiro do Fórum Nacional da Indústria foi apresentada uma sondagem realizada com 138 indústrias do País, que revela que na opinião dos empresáriosfaltaram medidas de redução do gasto público e da carga tributária. O Fórum reúne a CNI, Federações deIndústrias, sindicatos de empresas industriais e as associações setoriais da indústria. Ele foi responsável pelaelaboração do Mapa Estratégico da Indústria 2007-2015, conjunto de metas de longo prazo para odesenvolvimento da indústria e do País.

CHINA E ÍNDIA EM FOCOOS SEGREDOS DA COMPETITIVIDADE DOS PAÍSES ASIÁTICOS E OS

impactos da ascensão econômica de China e Índia para o Brasilsão alguns dos temas que estarão em discussão durante a 2ª Conferência Internacional Desafios Emergentes, organizadapelo Conselho Empresarial Brasil-China. O evento será realizadono Hotel Transamérica, em São Paulo, entre os dias 17 e 18 deabril. Entre os palestrantes da conferência estará Arthur Kroeber,consultor da Dradonomics Research & Advisors, especialista nomercado asiático e graduado pela Havard University. “Incluímosa Índia na pauta de discussões deste evento, justamente porqueaquele país torna-se um mercado cada vez mais competitivo,atraindo investimentos e influenciando, assim como a China, os preços dos setores manufaturados no mercado global”, dizRodrigo Tavares Maciel, secretário executivo do Conselho. Maisinformações pelo internet (www.desafiosemergentes.cebc.org.br/).

VAGAS PELA INTERNETA PARTIR DE MARÇO, EMPRESAS QUE QUISEREM CONTRATAR ESTAGIÁRIOS TERÃO MAIS UMA FACILIDADE.O IEL oferecerá na internet um sistema com informações sobre o estágio em todo o País. Os serviços estarãodisponíveis para quem se cadastrar na página da entidade (www.iel.org.br). O empregador terá acesso acurrículos dos alunos, histórico acadêmico e dados sobre processos seletivos, contratos e pagamento das bolsas.Os estudantes receberão esclarecimentos sobre vagas e poderão acompanhar o processo de contratação.Universidades também poderão utilizar o sistema para ter acesso a convênios e informações sobre os alunos.Mais de 42 mil empresas já encontraram estagiários por meio do IEL. Apenas em 2006, 101.416 novos alunos foram encaminhados para empresas. “A expectativa é que, com o sistema pela internet, esse número venha a crescer muito”, afirma Ricardo Romero, gerente de estágio do IEL.

Cartas à revista podem ser enviadas para SHS Quadra 6 - Bloco E, conjunto A sala 713, Brasília DF, CEP 70322-915, ou para o endereço eletrônico:[email protected]

CARTASEnvio minhas congratulações àredação de Indústria Brasileira,com reportagens de qualidadeímpar, que trazem informaçõesfundamentais sobre a realidadepolítico-social do País. São espe-cialmente relevantes os textos naárea de regulação. No número dejaneiro, destaco as contribuiçõesde Paulo Tigre, na seção Ponto deVista, e de Danuza Leão.José Geraldo de CastroAparecida – SP

Cumprimento IndústriaBrasileira por sua qualidadeeditorial. A revista expressa demodo claro a opinião doindustrial brasileiro, algoindispensável para ocrescimento econômico e odesenvolvimento sustentáveldeste País. Rodrigo da Rocha FlausinoCarandaí – MG

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O PAC seria melhor se desse importância a investimentosprivados e à redução da dívida, afirma o secretário de Política Econômica do governo Fernando Henrique

POR IRIS WALQUÍRIA CAMPOS E PAULO SILVA PINTO

PERGUNTE AO ECONOMISTA JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS DO QUE O BRASIL

precisa para crescer e ele responderá sem hesitar: investimento. A palavra aparece 19 vezesem uma conversa de uma hora e meia com Indústria Brasileira. Ele explica que se referede modo especial a investimentos privados, principalmente em infra-estrutura, pelacarência de recursos e de eficiência do Poder Público.

A ausência dessa prioridade faz com que Mendonça de Barros seja extremamentecrítico quanto ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelogoverno no final de janeiro. Secretário de Política Econômica no primeiro mandato deFernando Henrique Cardoso, ele reconhece que muitos dos problemas que o Paísenfrenta são estruturais e antigos. Mas afirma que pouco tem sido feito em direção a umnovo projeto de nação, o que ocorreu na era FHC, em sua opinião.

O economista vê com preocupação o aumento dos gastos de custeio do governo federal.Ele explica que a situação só não é mais grave porque os juros estão em queda, o que liberacerca de R$ 30 bilhões no Orçamento. Se tivesse a caneta na mão e lhe fosse permitidodecidir, destinaria isso a investimentos públicos e ao pagamento de uma parte da dívida.Essa última medida, diz, melhoraria a situação de crédito do País.

O futuro do País, acredita, está na área de bionergia. Mas alerta para o risco deperdermos essa janela de oportunidade. “Como já perdemos outras dez.”

Plano B

ENTREVISTA

INDÚSTRIA BRASILEIRA 1110 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 1312 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

Indústria Brasileira – Osenhor tem alertado para onível de investimentos noBrasil, ainda muito baixo emrelação ao Produto InternoBruto (PIB). O Programa deAceleração do Crescimento(PAC), anunciado pelo gover-no, mudará esse quadro?José Roberto Mendonça de Barros – Não, porquea maior parte do que o programa contém já estavaprevisto. É o caso, por exemplo, da Petrobras. Nosúltimos anos os setores de mineração, petróleo egás e celulose e papel, entre outros, vêm tendo umdesempenho extraordinário a partir da demandaexterna. Isso explica em parte por que saímos dopatamar de 18% de investimentos em relação aoPIB para 20%.

IB – Que outros setores despontam?JRMB – Vamos ter melhoras na construção civilresidencial. Há muitas empresas abrindo capitale muito dinheiro estrangeiro entrando. Os inves-tidores contam com a possibilidade de que serepita no Brasil o boom que ocorreu no setorimobiliário da Espanha, inicialmente ligado aosempreendimentos de turismo, e no México,onde houve acesso de camadas de renda maisbaixa à construção.

problema da infra-estrutura sem ativa participaçãodo setor privado, não só como fonte de capital, mastambém pela eficiência na operação.

IB – O setor ferroviário foi esquecido no programa?JRMB – Há alguns projetos fundamentais, de queouço falar há 15 anos, que estão na prateleira e nãosaem: o arco ferroviário de Belo Horizonte, o fer-roanel em São Paulo, a melhoria na ferrovia naentrada do Porto de Santos. A única coisa quehavia clareado nessa área, a concessão rodoviária,ficou confusa de novo com a declaração (da minis-tra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef ) de queseria possível criar uma estatal para controlar rodo-vias. Atrasa-se tudo mais um pouco. Conturbou-sealgo que estava tranqüilo. Se há uma coisa prova-da no estado de São Paulo é que concessão rodo-viária funciona.

IB – Há queixas quanto ao valor dos pedágios.JRMB – Mas isso não é uma crítica ao modelo e simaos projetos específicos. As concessões foram onero-sas: o governo do Estado de São Paulo não só nãopodia pôr dinheiro na estrada como quis receber.

IB – Na sua opinião, o PAC é só marketing?JRMB – Há uma visão política por trás, de que oEstado é organizador do crescimento econômico,um modelo dos anos 1950 e 1960. O programapode também ser criticado pelas omissões. O (eco-nomista) Affonso Celso Pastore notou que não háuma palavra sobre educação. Faltou também men-ção à pesquisa científica, à defesa agropecuária. Aísim: são bens essencialmente públicos.

IB – Em que difere o PAC do Avança Brasil, anuncia-do no governo Fernando Henrique Cardoso?JRMB – O Avança Brasil era um conjunto deprojetos, muitos dos quais aliás estão no PAC, quetinha na partida a concepção de somar investi-mentos públicos e privados. Não havia as dúvidasque temos hoje quando à importância do investi-mento privado. Em segundo lugar, visava dar con-sistência financeira a alguns projetos estruturan-tes, selecionados do Plano Plurianual (PPA).Buscava melhorar a qualidade da gestão pública,

com o acompanhamento de cada projeto por umgerente no governo, algo inovador. Tinha tambémimpacto territorial, como décadas atrás se fez comos corredores de exportação. O PAC não passanem perto disso, é uma justaposição de projetosque não estão costurados. E o teste de viabilidadedo programa usa uma metodologia tão comumquanto equivocada: supõe-se um problema resol-vido, e então ele está resolvido. A sustentabilidadefiscal depende de o País crescer 5% ao ano, masisso não está garantido.

IB – Quando esteve no governo, havia uma clivagementre os chamados desenvolvimentistas, com os quais sealinhava, e os monetaristas. Se estivesse novamente nopoder, o que faria para a economia voltar a crescer?JRMB – Uma das grandes razões para a existênciadesses dois campos praticamente foi eliminada. Ataxa de juros foi absurdamente alta, sem necessida-de, o que se repetiu a partir de 2003, impondo umcusto enorme ao setor privado. A taxa básica já bai-xou bastante e baixará mais ainda.

IB – Deveria baixar mais rapidamente?JRMB – Não é isso que vai fazer diferença no senti-do de criar crédito e fazer o Brasil crescer. Estamosfinalmente abaixo da taxa real de 10%, um limite queparecia intransponível. Mas eu tenho uma divergên-cia grande em relação ao que o governo faz hoje: nãoacho que a chave para aumentar o crescimento sejaaumentar o gasto público.

IB – Como seria o seu PAC?JRMB – Nós temos neste ano e no ano que vem umafolga de 1,5% a 2% do PIB no Orçamento da Uniãoporque a taxa de juros caiu. O governo vai direcionar

IB – O governo tem ajudado a incrementar a cons-trução?JRMB – É necessário reconhecer que a redução dataxa de juros tem ajudado, ainda que permaneça alta.Há bancos que estão oferecendo até mesmo financia-mento com prestações pré-fixadas por dez anos.Claro que esse prazo ainda é muito abaixo do padrãode financiamento habitacional em outros países, queé de 20 a 30 anos para caber no orçamento mensaldas famílias. Há também estímulos governamentaispor meio da redução de tributos. Houve ainda umganho institucional depois do caos social com a falên-cia da Encol: criou-se uma figura jurídica que permi-te separar cada obra inconclusa do patrimônio totalda construtora, de modo que os compradores possamterminar o imóvel que adquiriram. Assim, teremos

uma contribuição relevanteda construção civil para a eco-nomia. Mas será uma contri-buição na margem. Porenquanto, não se espera umagrande massificação.

IB – Por quê? JRMB – A escala do setorainda é pequena. As maio-

res empresas constroem entre 2 mil e 2,5 milapartamentos por ano. É necessário tambémconsiderar que a construção residencial, emboraseja muito importante, não aumenta a capacida-de produtiva do País.

IB – Voltando ao PAC, o senhor vê algo de positivono programa?JRMB – O PAC é antes de tudo uma organizaçãode projetos governamentais, ainda que contenhatambém projetos de investimentos privados.Alguns pontos do programa são importantes, masainda estão num plano muito geral e embrionário.Dependem de aprovação de leis, como a das ques-tões ambientais, em que é necessário decidir aquem cabe o licenciamento ambiental, se à União,ao estado ou ao município. O programa sugere queas empresas estatais sejam as grandes puxadoras deprojetos, só que não se sabe de onde virão os recur-sos. Além disso, não acredito numa solução para o

Poderemos repetir o boom na construçãoque houve na Espanha e México

ENTREVISTA

O Avança Brasil era inovador, o PAC é uma justaposição de projetos

JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

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aquilo que se propôs ser uma inovação, na verdadefoi um regresso.

IB – Qual era o projeto estratégico no governoFernando Henrique?

JRMB – Percebia-se umamudança profunda nomundo, que alguns dão onome de globalização, e quepara o Brasil, abria janelas deoportunidade, de retomar ocrescimento perdido. A pré-condição era estabilizar oPaís. Em seguida, para crescermais, necessitava-se de

aumento no investimento. Havia uma sobra derecursos no mundo, exatamente por conta da glo-balização, e a iniciativa privada poderia fazer muitodo que o Estado fazia com maior eficiência, daí osprogramas de privatização e concessão, liberandorecursos para programas sociais. Claro que muitascoisas foram malfeitas. A privatização do setor elé-trico se atrapalhou toda e deu no apagão. Tem deser criticada mesmo. Mas havia uma coisa consis-tente. Hoje, só o que há é projeto de poder, essesim, extraordinariamente consistente: num primei-

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de 70 casos, entre os quais a Coteminas, aMarcopolo, a Randon. E não são só as grandes: háuma indústria catarinense de gabinetes dentáriosinstalando uma fábrica nos Estados Unidos. Essainternacionalização explica por que a Bolsa deValores tem desempenho melhor do que a econo-mia brasileira.

IB – Uma crítica freqüente a economistas é quedemonstram saber tudo, mas quando vão para ogoverno, paralisam. É isso?JRMB – Isso é um problema no mundo inteiro. Háuma pergunta antiga da (economista) Maria daConceição Tavares nos anos 1970: “Por que todomundo é tão esperto fora do governo e tão burrodentro do governo?” O governo é uma máquinamuito grande. Por isso as coisas demoram. O BancoCentral se sobressai porque é talvez a única institui-ção pública em que o resultado da política apareceno dia seguinte, no caso da taxa básica de juros. Asmudanças mais profundas levam muito tempo paramaturar. Por isso faz sentido transferir ao setor priva-do tudo que pode executar melhor. É necessário ter-ceirizar serviços de segurança, de limpeza, e pagarbem nas chamadas funções de Estado. É onde estãoas ilhas de excelência: BNDES,Itamaraty, Receita, BancoCentral. Infelizmente não é oque a gente está vendo agora:emprego público para todomundo, especialmente para osamigos. A eficiência, que já nãoé grande coisa, fica pior.

IB – O senhor acha que ogoverno Lula vai deixar algum legado para as pró-ximas gerações?JRMB – Vai ficar uma pequena melhora na distri-buição de renda. Nada transformador, especial-mente do ponto de vista econômico.

IB – Mas entre os empresários se diz que o governo Lulaproduziu um diálogo muito mais significativo do que ogoverno Fernando Henrique.JRMB – Mas é só olhar o fracasso do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social para ver que

isso a gastos de custeio e transferências. Um pedaçovai para investimento público, o 0,3% do PPI (meca-nismo acordado com o Fundo Monetário Inter-nacional que permite que se exclua da conta do défi-cit fiscal o dinheiro destinado a investimentos). Eunão acho essa a melhor divisão.

IB – Destinaria tudo a investimento?JRMB – Não, eu usaria parte disso para baixarmais rapidamente a relação dívida/PIB, peloimpacto indireto nos juros de mercado. Uma parteeu acho que seria razoável destinar a investimentospúblicos que o setor privado não pode fazer: estra-das em lugares onde não se pode cobrar pedágio,portos, tecnologia, inovação, tendo sempre porbase o que aumenta a competitividade. Aí sim,será possível aumentar salários legitimamente. Nosúltimos dois anos, a produtividade brasileira paroude crescer, tanto a da mão-de-obra quanto a pro-dutividade total de fatores. Finalmente, eu usariauma parte da folga para reduzir, ainda que parcial-mente, os excessos de tributação. Baixar as alíquo-tas da CPMF, por exemplo. Seria algo marginal nocomeço, mas importante.

IB – Qual a carga tributária ideal para o Brasil?JRMB – Depende muito do papel que se dá ao Estado.Não dá para retroceder muito porque bem ou mal issofoi construído ao longo de muitos anos, a partir de1992. Eu me lembro da época em que o (economista)Raul Velloso dizia que a carga tributária estava atingin-do 25% do PIB, e que isso era “insustentável”. De lápara cá, foram 13 pontos percentuais a mais. Baixaralgo como dois pontos seria importante. É necessárioreduzir também as chamadas obrigações acessórias fis-cais. Uma montanha de procedimentos, de informa-ções, algo que custa dinheiro para os empresários.

IB – Como os empresários conseguem produzir emambiente tão insatisfatório?JRMB – Houve três movimentos importantes. Oprimeiro, a partir de 2000, quando se percebeu que adesvalorização não produziu inflação. Todos saírampara exportar e foram muito bem-sucedidos. A partirde 2001, a economia mundial começou a crescer enós passamos a exportar produtos diferentes, paranovos países. A indústria foi muito competente. Osegundo movimento iniciou-se no segundo semestrede 2005. Os empresários achavam que o câmbio iriase reverter. Mas com a dívida externa em queda, todomundo se convenceu de que o dólar iria continuarbarato e sem muita volatilidade. As empresas eficien-tes decidiram internacionalizar os departamentos decompras para ficar mais competitivas. Montar umprojeto de importação de um produto leva um ano,um ano e meio. Tem engenharia, tem de achar o for-necedor, fazer teste, resolver logística. O resultadodisso só começou a aparecer mais recentemente. E sóentão se notou o vazamento para o exterior de umaparte da demanda. Daí o baixo crescimento industrialapesar de a demanda estar aumentando tão rapida-mente. No ano passado, isso representou 0,8 pontopercentual a menos no crescimento do PIB. Importarresulta no longo prazo em aumento da produtivida-de, mas no curto prazo come o PIB. O terceiro movi-mento foi o do investimento brasileiro no exterior. Ocidadão, que agora conhece o mundo, diz: vou mon-tar uma fábrica no exterior, porque é mais barato deproduzir do que aqui.

IB – O Brasil está se desindustrializando?JRMB – Não gosto desse termo, porque não seconsegue medir a desindustrialização. A indústrianão está acabando de forma radical, está mudan-do de natureza e num primeiro momento estamoscrescendo menos do que poderíamos. No ano pas-sado, pela primeira vez na história recente, oinvestimento brasileiro no exterior foi maior doque o investimento externo no Brasil. Os brasilei-ros investiram lá fora algo em torno de US$ 25bilhões, mais do que o Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES)investiu aqui. Houve a compra da Inco pela Vale,que foi a maior, mas não é só isso, conheço cerca

O governo deveriareduzir a dívida einvestir em vez degastar em custeio

A Bolsa cresce mais que o PIBporque empresas têminvestido no exterior

ENTREVISTAJOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

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JOSÉ ROBERTO MENDONÇA DE BARROS

ro momento, tomar posse do Estado, e para issofoi necessário manter a estabilização. A segundaparte do programa é tomar posse da máquina doEstado. O Bolsa-Família virou o grande progra-ma, que foi perseguido como um instrumentopolítico. As próprias avaliações de distribuição derenda mostram que o Índice Gini melhorou ini-cialmente, mas depois se estabilizou.

IB – Em que seria possível cortar gastos públicos?JRMB – A máquina pública poderia ser organiza-da de maneira mais simplificada, reduzindo essamontanha de ministérios e secretarias que exis-tem por necessidade política. Certamente pararde aumentar o número de funcionários públicos,já que não dá para cortar, seria uma boa provi-dência. O corte politicamente possível nos gastostem de ser na margem. É um trabalho de longoprazo, que começaria com a idéia de pegar osórgãos de ponta e ter uma idéia de missão, dequem é o cliente. Muitos serviços poderiam serterceirizados. Outra coisa é aumentar as compraspela internet, em que se tem de enfrentar interes-ses estabelecidos. Eu me lembro da briga quehouve para unificar a folha de pagamento dasuniversidades federais. Os reitores argumentavamque era contra a autonomia universitária.Quando se conseguiu finalmente unificar, vimosque 20% era vento, gente que havia morrido etc.

IB – Há muitos investimentos novos de bioenergia.O que o Brasil pode conseguir nessa área?JRMB – Depois do furacão Katrina, nos EstadosUnidos, consolidou-se uma mudança de visão que éalgo histórico. A tese do aquecimento global não énova, mas era vista como uma coisa meio maluca. A

evidência científica foi se acumulando e não hámais dúvidas sobre isso. É necessário mudar parafontes de energia mais limpas. A energia do futu-ro certamente será do hidrogênio, mas isso vaidemorar um pouco. Por ora, a única fonte reno-vável, que contribui positivamente para aplacar oefeito estufa e não depende de subsídio, é o eta-nol de cana feito no Brasil. Mesmo o biodieselnão é competitivo por enquanto. O equivalentea um barril de petróleo empregado na produçãode cana resulta no equivalente a oito barris. Como etanol de milho nos Estados Unidos é o con-trário: você gasta sete para produzir oito. Temosuma oportunidade extraordinária.

IB – Não é possível produzir etanol de cana emoutros países também?JRMB – Na Ásia não há terras disponíveis. NaÁfrica não há instituições, nem infra-estrutura.Além disso, montar um sistema desses, mesmoque se tenha orçamento ilimitado, leva 30 anos.O Brasil tem produtividade na cana. Isso nosabre a possibilidade de seguir o modelo dedesenvolvimento dos países nórdicos, que há umséculo e meio eram muito pobres e tinham mui-tas árvores. Movidos a conhecimento, desenvol-veram o processo de transformação de árvoresem celulose. Fizeram as máquinas, criaram facul-dades especializadas no assunto. Até mesmo aNokia começou como uma empresa do setor,que fazia também cabos para se comunicar comas bases florestais.

IB – Teremos um futuro brilhante com a bioener-gia, então?JRMB – Se soubermos fazer, sim. Poderemos teruma indústria muito sofisticada a partir derecursos naturais. Não sou pessimista. Continuoachando que o País é extremamente viável. Mastemo que mais uma oportunidade possa estar seesvaindo, como outras dez que já passaram. Oproblema é que o Brasil só se move na beira doabismo. Só topou de fato combater a inflaçãoquando chegamos aonde chegamos. Quandohouver estrangulamento de crescimento, entãovai se verificar que ousar vale a pena, inclusivepoliticamente. Além da burocratite, nossa heran-ça ibérica inclui o medo de mudança. É umasociedade culturalmente reacionária.

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O etanol de cana

do Brasil é a única fonte

competitiva debioenergia

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 17WWW.CNI.ORG.BR

EDITORIAL

LUZ NO FIM DO TÚNELUma virtude do PAC é retomar antigos programas que não saíram do papel. Se os recursos previstos forem aplicados, deverão criar 500 mil empregos

Luiz Fernando Santos Reis, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (Sinicon)

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ARTIGO

NÃO FALTAM RAZÕES PARA LOUVAR A INICIATIVA

do governo federal de montar o Programa deAceleração do Crescimento (PAC). O PAC ébem estruturado, identifica corretamente os gar-galos que impedem a economia de deslanchar etraça prazos e metas para a adoção das necessá-rias medidas corretivas. Uma de suas virtudes,no entanto, talvez esteja no fato de retomar ecomplementar antigos programas, como oAvança Brasil, que não saíram do papel, apesarde apresentarem propostas concretas para que-brar o impasse em torno do crescimento. Issomostra que o governo está mesmo disposto arecuperar a infra-estrutura de modo a fazer aeconomia se movimentar.

É certo que o Brasil não cresce mais se nãodestravar a infra-estrutura. O diagnóstico é anti-go, mas só agora parece haver a decisão de apli-car o remédio correto. Não importa que um ououtro segmento tenha recebido incentivo maismodesto. O fundamental é que a infra-estruturafoi posta como prioridade. A serem realmenteimplementadas as medidas previstas no PAC,poderemos ver em breve o fim do estrangula-mento logístico que nos condena a uma taxamedíocre de crescimento e a uma posição nocenário econômico internacional aquém doenorme potencial brasileiro.

Alguns números corroboram essa expectativa.Segundo estudos realizados pelo SindicatoNacional da Indústria da Construção Pesada(Sinicon), o Brasil precisa investir aproximada-mente R$ 14 bilhões por ano, até 2010, pararecuperar e aprimorar rodovias, ferrovias e portos.

O investimento do PAC ainda está distantedisso, mas os R$ 7 bilhões destinados ao setor detransportes são suficientes para uma boa mudan-ça no quadro de acelerada deterioração a quetemos assistido. Se realmente liberados, é bomque se ressalve, esses recursos serão aplicados emobras que vão criar 500 mil empregos no País.Isso só nos transportes. Dá para imaginar oimpacto do PAC nos demais segmentos quandose sabe que, para cada 30 trabalhadores empre-gados diretamente na construção pesada, sãogerados 40 empregos indiretos e 120 remotos. Emais emprego significa mais renda, que, por suavez, gera investimento e desenvolvimento.

Evidentemente, ainda há obstáculos ao cresci-mento que devem ser superados para que o Paísobtenha o melhor resultado possível dos projetosdo PAC. O maior deles, certamente, é a lentidãona concessão dos licenciamentos ambientais, pro-blema que tem afetado projetos estratégicos deinfra-estrutura, seja na área de energia, transporteou saneamento. Há ajustes de legislação a seremfeitos, mas de imediato ajudaria bastante umaatuação mais articulada e racional dos órgãosambientais da União, estados e municípios.

Ainda serão necessários cerca de seis meses paraque o Brasil sinta os efeitos do PAC. Mas já é umaconquista o fato de o governo ter colocado namesa as soluções para o problema da infra-estru-tura. Coincidentemente, pouco depois do anún-cio do programa, o Tribunal de Contas da Uniãoautorizou a primeira Parceria Público-Privadafederal. Essa é outra boa notícia que nos faz ante-ver a luz no fim do túnel.

LUIZ FERNANDO SANTOS REIS

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CAPA

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Competitividade ameaçada

Foi-se o tempo em que o custo da energia atraíainvestimentos ao País. Para recuperar a vantagem épreciso reduzir impostos e dar maior agilidade àavaliação de impacto ambiental de novas usinas

POR ENIO VIEIRA

O BRASIL VIVE UM MOMENTO DE CONTRASTES ENTRE BOAS E MÁS NOTÍCIAS naárea energética. Desde meados de 2006, a produção de petróleo atende todanecessidade de consumo no mercado interno. O álcool se tornou uma das gran-des apostas de futuro para os combustíveis, sobretudo após o anúncio do presi-dente dos Estados Unidos, George W. Bush, de substituir 20% da gasolina doseu país por etanol nos próximos dez anos. Mas aqui no Brasil permanece aincerteza na geração de energia elétrica. As preocupações vão desde os reajustesmais fortes das tarifas industriais nos últimos anos até a discussão ambiental queé apontada como motivo de atraso para construção de usinas hidrelétricas.

Nos próximos quatro anos, os especialistas avaliam que a economia brasi-leira está a salvo de um racionamento como o que houve em 2001, emborahaja riscos. As condições para tranqüilidade são que as chuvas continuem nosníveis atuais para abastecer os reservatórios das hidrelétricas, fiquem prontas asobras de usinas novas como Capim Branco II e a Petrobras faça os investimen-tos em gás natural para as usinas termelétricas. A dúvida maior é o abasteci-mento a partir de 2011. Projetos essenciais, como as usinas de Santo Antônioe Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, e a de Belo Monte, no rio Xingu, noPará, aguardam decisões de órgãos ambientais e da Justiça para sair do papel.Para garantir um crescimento econômico mais acentuado e por vários anos, oBrasil precisará discutir cada vez mais e encontrar soluções para garantir osuprimento de energia.

A CNI está elaborando a Agenda Energética do Brasil para sugerir mudan-ças legais e caminhos a serem seguidos. “Com as dificuldades atuais na ener-gia hídrica, a estratégia do País deve ser a de utilizar todas as fontes, sejanuclear, gás natural ou etanol no futuro”, diz o presidente do ConselhoPermanente de Infra-Estrutura (Coinfra) da CNI, José de Freitas

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 2120 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

AUMENTO ACUMULADO

OS REAJUSTES DE TARIFAS INDUSTRIAIS SUPERARAM A INFLAÇÃO...

... E COLOCAM A ENERGIA PARA INDÚSTRIA ACIMA DOS PREÇOS COBRADOS EM OUTROS PAÍSES US$ POR MWH

CORÉIA DOSUL

ESTADOSUNIDOS

BRASIL RÚSSIA ÁFRICADO SUL

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

CAPA

Mascarenhas, que coordena as discussões da agenda.O tema energia é importante para o setor industrialpor afetar a competitividade das empresas já instala-das e também pelo poder de atrair novos investi-mentos no âmbito global.

A indústria vem passando por um aperto de cus-tos com energia. O preço médio da tarifa subiu193% de 1999 a 2005, indo de R$ 63 para R$ 185(veja no gráfico abaixo). No mesmo período, a infla-ção medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado(IGP-M) variou 90%. A elevação começou com adesvalorização do real a partir de 1999 que inflou oIGP-M, indexador dos contratos das empresas deenergia. Em 2002, o governo decidiu fazer o chama-do realinhamento de tarifas que encurtou a diferen-ça entre os preços para as empresas e para o consu-midor residencial, que teve reajustes menores.Residências ainda têm energia mais cara, porque sãonecessários maiores investimentos em instalação derede elétrica para atendê-las, mas a diferença emrelação à indústria é menor do que era antes: em1999 as residências brasileiras pagavam em média120% mais que as indústrias. No final do ano pas-sado, essa diferença estava em 42%.

O vice-presidente da Associação Brasileira dosGrandes Consumidores de Energia (Abrace),Eduardo Spalding, nota que os concorrentes doBrasil já oferecem energia a custo menor, comoCanadá, Venezuela e países do Oriente Médio.

“Quem tem competitividade leva os investimentos.”Para ele, os setores mais atingidos são os de cimento,siderurgia, petroquímica e alumínio. O aperto tarifá-rio tende a ser maior, com a projeção de aumento realde 25% nos preços nos próximos dez anos. Os leilõesde energia velha (de usinas existentes) saíram por R$ 69 por MWh (mega watt por hora). Ficou entreR$ 120 e R$ 130 o MWh de energia nova, que seráproveniente de futuras usinas termelétricas.

A saída para reduzir as tarifas, diz Spalding, é aca-bar com os encargos setoriais. O governo criou taxasnas contas de energia de consumidores para bancar aenergia mais cara da região Norte ou, por exemplo,para financiar as concessionárias da Eletrobrás estati-zadas nos anos 1950. “Hoje apenas três encargos cus-tam R$ 25 por MWh”, afirma Spalding, da Abrace.Outro entrave são os impostos nos investimentos.Nos cálculos da entidade, os tributos consomem39,3% do que se investe em equipamento e serviços.Além disso, há o velho problema dos juros altos e omercado de crédito pouco desenvolvido, que encare-cem os investimentos.

Segundo Spalding, o Programa de Aceleração doCrescimento (PAC) do governo federal poderá melho-rar a situação do crédito. As simulações da Abraceapontam para uma queda média de 15% no preço doMWh com os empréstimos previstos pelo BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social(BNDES). Mascarenhas, da CNI, menciona, porém,

um outro fator de aumento de custo: o mecanismo dacompensação ambiental (veja reportagem na página30) é outro fator de aumento de custo. O governo dis-cute mudanças no cálculo da compensação, o quedeverá reduzir custos para os investidores.

No governo, argumenta-se que há preocupaçãoem preservar a indústria. “A energia do Brasil não édas mais baratas, mas está numa faixa intermediáriae ainda é competitiva”, afirma o presidente daEmpresa de Pesquisa Energética (EPE), MaurícioTolmasquim. A EPE é o órgão do governo respon-sável pelo planejamento do setor elétrico. O maisrecente estudo da Agência Internacional de Energia

(IEA) mostrou que, em 2004, o Brasil tinha a déci-ma energia mais cara entre 31 países pesquisados.Tolmasquin argumenta que o governo se preocupouem escalonar os aumentos para a indústria até 2008.

Para a indústria, um agravante dos reajustes de tari-fa é o fato de que o aumento de custos não elimina osriscos da volta do racionamento. Os impactos econô-micos de um apagão são bem conhecidos, como se viuno ano de 2001. Segundo Mascarenhas, a situação daoferta de energia exigirá um monitoramento constantede obras de novas usinas, do crescimento do ProdutoInterno Bruto (PIB) e do nível dos reservatórios. O quetambém tem que sair do papel são os investimentos da

IGP-M (ANUAL) IPCA (ANUAL) INDUSTRIAL (AUMENTO)

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CAPIM BRANCO II (MG) é uma das poucasusinas de grande porte que entram em operação neste ano

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 23WWW.CNI.ORG.BR

FÁBRICA DEALUMÍNIO: oBrasil é menosatrativo parainvestimentos que dependem de energia

CAPA

Petrobras para uso de gás natural em 2008. Para o diretor da consultoria Enercons, Ivo

Pugnaloni, será preciso aumentar os investimentosque acabem de vez com a ameaça de racionamento.Ele lembra que o Brasil investia US$ 13,5 bilhões aoano na década de 1980 no setor. Depois, esse valorcaiu para US$ 6,7 bilhões anuais nos anos 1990. “Éum déficit de US$ 80 bilhões que prejudicou novaslinhas de transmissão e usinas e levou ao apagão”, diz.Lançado pelo governo em janeiro passado, o PACpretende mudar tal quadro e prevê R$ 78,4 bilhões(recursos públicos e privados) de 2007 a 2010. Issorepresenta US$ 9 bilhões por ano no período, semcontar o dinheiro da Petrobras para o gás natural.

“Já estivemos mais preocupados com 2010”, dizSpalding, da Abrace. Segundo ele, as boas razões paraalívio são as chuvas que há um ano enchem os reser-vatórios das usinas e o fato de a Petrobras estar inves-tindo nos navios de processamento de gás naturallíquido (GNL). Será possível importar gás destamaneira pelo Rio de Janeiro e Ceará, de forma alter-nativa ao gás da Bolívia. “Os projetos das usinas deBelo Monte e do Rio Madeira têm de sair do papel,porque há risco no caso de o crescimento econômicoser maior que os 4,5% previstos. Sem esses projetos,não tem como o Brasil crescer”, afirma Spalding.

A necessidade de usinas novas esbarra na polêmi-ca questão ambiental. O Brasil utiliza um terço dopotencial de hidreletricidade. Do total restante, 70%se encontram na região amazônica, sujeitos a váriostipos de questionamento (áreas indígenas, desmata-mento). A lei ambiental criada em 1988 é bastante

rígida na concessão de licenças para obras. Mesmoassim, o secretário-executivo do Ministério do MeioAmbiente, Cláudio Langone, afirma que isso nãotem impedido investimentos. O Instituto Brasileirodo Meio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (Ibama) aprovou 22 projetos de usinashidrelétricas desde 2003 e só rejeitou um. Hoje ana-lisa três: as duas unidades do Rio Madeira e a deTijuco Alto, no rio Ribeira de Iguape, em São Paulo.O projeto de Belo Monte tem pendência judicial queimpede a análise de viabilidade ambiental.

Mascarenhas, da CNI, afirma que a questãoambiental não é um problema só do governo fede-ral: envolve Ministério Público e Organizações Não-Governamentais (ONGs). “O resultado objetivotem sido o atraso de obras fundamentais para garan-tir o suprimento de energia”, afirma. Para mudaresse quadro de insatisfação, o governo quer regula-mentar o artigo 23 da Constituição Federal e definirqual instância deve conceder ou não a licençaambiental. A idéia é que somente os casos mais com-plexos sejam levados ao Ibama, ficando o restante acargo de governos estaduais e prefeituras.

Embora a hidreletricidade seja a fonte preferen-cial de energia, o Brasil investe em alternativas. Otema da diversificação ganhou espaço após o alerta deaumento de temperatura no mundo e a continuadacrise do petróleo que elevou muito os preços doscombustíveis. Nesse cenário, sobressaem a geração deenergia nuclear e o uso da biomassa (bagaço de canade açúcar) em usinas térmicas. A questão nuclear ésempre polêmica pelo risco de acidente, mas é uma

fonte que atenua o aquecimento global. O bagaço éuma das pontas do setor de etanol, o álcool produzi-do com a cana-de-açúcar, que sinaliza uma imensaoportunidade de negócios para o Brasil no século 21.

Segundo Tolmasquim, da EPE, a energia nuclear éhoje mais cara em relação às demais fontes. Mas se tornacompetitiva se comparada a usinas térmicas que funcio-nam em tempo integral. O custo menor das térmicas agás natural se deve ao uso esporádico, só nos momentosde demanda forte por energia elétrica. “A nuclear é umatecnologia de risco pequeno, mas com dano potencialgrande no caso de acidentes”, pondera. O plano energé-tico do Brasil até 2030 inclui a construção de quatrounidades nucleares.

“O Brasil é hoje o sexto país com reservas mun-diais de urânio. E é uma fonte limpa que reduz oaquecimento global por não emitir CO2 (gás carbô-nico)”, acrescenta Mascarenhas, da CNI. Nos cálcu-los da EPE, o Brasil tem uma das matrizes energéti-cas mais renováveis do mundo: 44,5% hidráulica ebiomassa. A média mundial é de 13%, caindo para6% nos países da OCDE (grupo de países mais ricosdo mundo e que usam usinas térmicas de combustí-veis fósseis). Em 2030, a energia brasileira continua-rá altamente renovável. A participação da cana-de-açúcar deve subir de 14% para 17%. A geração deenergia a partir do bagaço de cana tem custo quasetão baixo quanto o da hidreletricidade.

O etanol se tornou o assunto do momento. A cadasemana, são anunciados novos investimentos no Brasil.O BNDES aumentou os empréstimos ao setor de R$ 580 milhões, em 2004, para R$ 2 bilhões no ano

passado. Em fevereiro, os franceses da Louis DreyfusCommodities compraram cinco usinas no Nordeste eCentro-Oeste por R$ 1 bilhão, mostrando o interessedos estrangeiros. Até 2020, as projeções indicam cresci-mento de 600 milhões na produção de cana no Brasil,criando uma enorme fonte potencial de energia. O baga-ço será capaz de gerar 6.000 MW, acima dos 4.000 MWprevistos nas duas hidrelétricas do Rio Madeira.

Apesar do entusiasmo geral, existe a preocupaçãocom o risco de crescimento desordenado da produ-ção de cana. Langone, do Ministério do MeioAmbiente, diz que o governo quer um bom padrãosócio-ambiental nesse mercado, sem danos ecológi-cos ou exploração de mão-de-obra. Segundo ele, aUnião Européia coloca barreiras à produção que nãoseja socialmente correta. Para controlar o plantio decana-de-açúcar, os estados de São Paulo e de MinasGerais estão fazendo o zoneamento agrícola e moni-torando como ocorre essa expansão.

Quase extinto na década de 1990 no Brasil,quando o petróleo estava a US$ 10 por barril, oálcool combustível renasceu com a crise mundial doscombustíveis. Hoje, 70% dos carros novos podemusar álcool ou gasolina. A solução à brasileira cha-mou a atenção do governo dos Estados Unidos,apontados como o principal poluidor do mundo. Osbiocombustíveis estão na pauta da visita do presiden-te norte-americano George W. Bush ao Brasil nestemês. Durante a visita, o presidente Luiz Inácio Lulada Silva pretende anunciar o plano de lançar a marcada Eletrobrás como uma empresa de energia limpa ecom nova capacidade de investir.

A PETROBRASinveste em navios

e portos no Rio deJaneiro e Ceará

para importaçãode gás natural

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 2524 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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PERSPECTIVAS DE CRESCIMENTOMAIS HOMOGÊNEO

O ANO DE 2006 FOI MARCADO PELA

heterogeneidade do crescimento na indús-tria. A produção de equipamentos deinformática cresceu 51,6%, beneficiada pelaredução de impostos, e foi responsável porquase um quarto do crescimento indústrialem 2006. O aumento da demanda mundialpor commodities metálicas estimulou aprodução na indústria extrativa – que cresceu7,4% em 2006, após já ter expandido 10,2%em 2005 – e levou o estado do Pará a lideraro crescimento da produção industrial em2006, com expansão de 14,2%.

Em contrapartida, as indústrias de madeira,de vestuário e de calçados apresentaram quedassignificativas na produção e nas exportações,com impactos negativos no desempenhoeconômico da região Sul do Brasil. Ocrescimento da produção industrial também seconcentrou em indústrias de grande porte.

Diferentemente de 2006, o ano de 2007inicia-se com sinais de crescimento maisrobusto e menos heterogêneo da produçãoindustrial. Já no fim de 2006, observou-se quea recuperação da atividade industrial atingiuum maior número de empresas. O crescimentoda produção entre as pequenas e médiasempresas foi mais intenso do que entre as degrande porte. Esse resultado contrasta com atendência de concentração da produção entreas grandes empresas, verificada nos trêsprimeiros trimestres do ano passado.

Outro bom sinal para a economia brasileira éo ajuste dos estoques ao nível planejado pelasempresas. Isso ocorre tanto entre grandes

empresas como nas de pequeno e médio portes.Sem a formação de estoques indesejados, espera-se que aumentos adicionais de demanda sejamrespondidos com aumento da produção. E háindícios de que a demanda cresça maisintensamente do que em 2006. A massa real desalários inicia 2007 com um ritmo decrescimento – taxa em doze meses – que seaproxima de dois dígitos. A par disso, astransferências do governo, em parte vinculadasao salário mínimo, também apresentamaumentos reais em 2007. O controle da inflaçãoassegura, por sua vez, a permanência da trajetóriade redução dos juros e propicia a continuidadeda expansão do crédito e a manutenção do poderde compra. Crédito mais barato e demanda maisforte estimulam o investimento, o que eleva aprodutividade e gera uma expansão maisconsistente da produção industrial.

Se 2006 foi um ano difícil para parterelevante de empresas, 2007 aponta paraperspectivas melhores. Ainda assim, persistemfatores que cerceiam um crescimento maisrobusto da atividade industrial, comoinsegurança regulatória, alta carga tributária ejuros reais elevados. Um problema, em especial,ganha destaque: a valorização do real. Ademanda mundial por commodities – agrícolas,metálicas e combustíveis – deve manter-se forteneste ano, o que amplia a oferta de divisas noBrasil e mantém o real valorizado. Nessesentido, as empresas industriais encontramdificuldades, tanto para exportar como paracompetir com os produtos estrangeiros nomercado doméstico.

PRODUÇÃO INDUSTRIAL

Paulo Mól, economista da CNI

POR PAULO MÓL

CONJUNTURA ECONÔMICA

O ano de 2007 inicia-se com sinais de aumento mais robusto da produçãoindustrial e com menores diferenças setoriais e regionais. Mas o realvalorizado é a nota destoante

ESTOQUE EFETIVO

2004

I II III IV44%

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TAXA DE CÂMBIO

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2005 2006

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abr.05 ago.05 dez.05 abr.06 ago.06 dez.06

jan.04 jan.05 jan.06 jan.07

3,20

2,82

2,42

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(R$/US$)

2,93

2,44

2,18

Crédito/PIB (%)

Selic Nominal Efetiva (%a.a.)

Taxa de juros Selic (%a.a.)Crédito (% do PIB)

Estoque efetivo = estoque planejado (50 pontos)Estoque efetivo maior que o planejado (mais de 50 pontos)Estoque efetivo menor que o planejado (menos de 50 pontos)

Setores da indústriaBorracha e plásticoEquipamentos médico-hospitalar e óticos Edição e reprodução de gravaçõesTêxtilFumoPerfumaria e produtos de limpezaOutros equipamentos de transporteMaterial eletrônico e de comunicaçõesCalçados e artigos de couroProdutos de metalOutros produtos químicosVestuário e acessóriosMadeira

Variação (%)2006/2005

2,29,41,71,63,92,02,10,0-2,7-1,3-0,9-5,0-6,8

Peso na variação do índice (p.p.)

0,080,080,080,040,040,030,030,00-0,04-0,04-0,06-0,07-0,08

Setores da indústriaEquipamentos de informáticaIndústria extrativaMáquinas e equipamentosMateriais elétricosBebidasAlimentosMetalurgia básicaFarmacêuticaRefino de petróleo e álcoolVeículos automotoresMinerais não-metálicosMobiliárioCelulose e produtos de papel

Variação (%)2006/2005

51,67,44,08,77,21,82,84,41,61,32,68,42,2

Peso na variaçãodo índice (p.p.)

0,620,390,250,240,220,220,160,150,120,120,100,090,09

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26 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007

TRABALHO

Empresários industriais defendem regulamentação da terceirizaçãopara proteger trabalhadores e tornar empresas mais competitivas

POR FERNANDA PARAGUASSU

Terceirizar para competir

INDÚSTRIA BRASILEIRA 27WWW.CNI.ORG.BR

EM JANEIRO DESTE ANO ENTROU EM VIGOR NO

Chile uma lei para regular a terceirização do tra-balho nas empresas. Os objetivos da nova normaanunciados pela presidente Michelle Bachelet sãoa criação de empregos, a elevação de salários e aconstrução de relações trabalhistas mais moder-nas, justas e equilibradas. Segundo especialistas, ainovação chilena ainda pode ser aperfeiçoada, mashá pontos positivos que podem inspirar a atuali-zação da legislação brasileira sobre terceirização.

A CNI defende a regulamentação da terceiriza-ção no Brasil, sem restrições, como forma de pro-mover o crescimento do País, a criação de empregosformais e a competitividade da economia. “Trata-sede uma forma mais flexível de gestão empresarial”,afirma o presidente do Conselho de Relações doTrabalho da CNI, Dagoberto Lima Godoy. Eletambém é membro do Conselho de Administraçãoda Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Estudo feito pelo professor da UniversidadeEstadual de Campinas (Unicamp) MarcioPochmann mostra que, no Brasil, a terceirizaçãoganhou impulso na década de 1990. Com base emdados do IBGE e do Ministério do Trabalho,Pochmann constatou que, entre 1995 e 2005, aterceirização criou 2,3 milhões de empregos for-mais, o equivalente a 33,8% dos postos de traba-lho criados pelo setor privado formal. “A terceiri-zação é um fenômeno mundial que vai cada vezmais avançar por exigência do padrão de produ-ção”, afirma o professor.

Segundo o consultor da CNI José Pastore, osempresários ainda têm restrições à terceirização apesarde esse tipo de contratação ser muito usado no País.Não há uma lei para tratar especificamente do tema.Há legislação que prevê a terceirização para trabalhotemporário e serviços de vigilância e transporte de valo-res, e um enunciado do Tribunal Superior do Trabalho(TST) admite a contratação de serviços especializadosligados à atividade-meio da empresa tomadora de ser-viços, mas não faz referência à atividade-fim.

No Congresso Nacional, há vários projetos delei sobre o tema. O que está com tramitação maisavançada é de autoria do deputado Sandro Mabel(PL-GO). Ele se baseou em outro projeto, de1998, que estava pronto para ser levado ao plená-rio do Senado, quando foi retirado a pedido dogoverno. Mabel destaca que o texto deixa o cami-nho livre para a terceirização das atividades-fim.

Ao analisar a lei do Chile, Godoy considera posi-tiva a definição da responsabilidade da empresa con-tratante com respeito à saúde e à segurança de todosque trabalham em seu estabelecimento. No entanto,o presidente do Conselho de Relações do Trabalhoda CNI diz que o problema está em estender àempresa usuária dos serviços a responsabilidadesobre as obrigações trabalhistas e previdenciáriasrelativas aos empregados da contratada. “Esse é umônus altamente inibidor da terceirização.” Afinal,ao terceirizar um serviço, a empresa pretendia con-centrar esforços no seu negócio.

Segundo Godoy, a idéia não é afastar a obriga-toriedade de as empresas assumirem as responsabi-lidades decorrentes de sua atividade econômica,incluindo as relativas aos direitos das pessoas queempregam. “O que se defende é a personificaçãodesses deveres, de tal forma que cada empregadorresponda perante os seus respectivos empregados e

CALL CENTER NAÍNDIA: geração de

empregos comterceirização

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vêm de outros países por meio da terceirização.Segundo Godoy, a terceirização seria um estágiointermediário de padrão de trabalho entre o empre-go que, por força da lei, dá todos os direitos ao tra-balhador, e o desemprego. “Não é uma visão idealís-tica, mas uma visão pragmática, de buscar formaspara reagir contra um sistema que não é satisfatório,em que mais da metade dos trabalhadores brasileirosestá na informalidade”, diz Godoy.

Dados do Relatório Anual TendênciasMundiais do Emprego 2007 da OrganizaçãoInternacional do Trabalho (OIT) revelam que onúmero de pessoas desempregadas no mundomanteve-se elevado a níveis sem precedentes em2006, apesar do robusto crescimento econômico.Na América Latina, as taxas estão acima da médiamundial. O desemprego no Brasil no final do anopassado, por exemplo, estava em 10,2%, acima dataxa de países como Chile, México e Peru (vejagráfico). A OIT afirma que, com os problemas dodesemprego, do subemprego e dos baixos rendi-mentos, a região dificilmente conseguirá alcançara Meta do Milênio de redução da extrema pobre-za à metade para 2015.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 29MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

TRABALHO

28 INDÚSTRIA BRASILEIRA

rebaixadas as condições de trabalho”, contaPochmann, da Unicamp.

No final dos anos 1980, quando esse tipo decontratação chegou ao Brasil, eram terceirizadosbasicamente serviços de limpeza, vigilância, ali-mentação, segurança, ou seja, atividades que nãoeram o principal negócio da empresa. A partir dosanos 1990, a terceirização se expandiu para outrossetores e atingiu o processo produtivo, a atividade-fim das empresas. Pochmann explica que o padrãofordista de produção, em que a empresa produziado parafuso à montagem do automóvel, estásendo substituído por um modelo mais comparti-lhado, em que a produção é desverticalizada.

Godoy afirma que nos novos arranjos da econo-mia globalizada a terceirização permite que as empre-sas maiores, de nível mundial, concentrem suas ener-gias no foco do seu negócio, delegando a outras tudoo que for considerado acessório. Isso significa que asempresas de menor porte ganham a oportunidade deatuar como fornecedoras das grandes.

“No passado, a terceirização buscava o menorcusto. Hoje, busca o melhor custo”, afirmaPastore, da CNI. Ele cita como exemplo de ter-ceirização bem feita o caso das empresas aéreas,que contratam o fabricante da turbina do aviãopara fazer a manutenção do produto. Outroexemplo é o setor siderúrgico, que contrataempresas especializadas para trocar refratáriosdos altos fornos. A Petrobras também recorre àmão-de-obra terceirizada para manter e operar ogerador de energia de suas plataformas em alto-mar. “O benefício da terceirização é a especiali-zação”, diz Pastore.

INDÚSTRIA QUÍMICAOs benefícios da terceirização não devem levar aoengano de que qualquer formato é adequado, aler-tam especialistas. Um setor que nos últimos cincoanos começou a rever o conceito da terceirizaçãopor conta de experiências malsucedidas é o quími-co. Viviana Buff, coordenadora da Comissão deDesenvolvimento de Recursos Humanos daAssociação Brasileira da Indústria Química(Abiquim), diz que a terceirização está consolidadaem atividades de limpeza, jardinagem, alimenta-ção, segurança, vigilância.

Atividades principais, chamadas de core business,que chegaram a ser terceirizadas nas indústrias quí-micas, estão voltando a ser desenvolvidas pela própriaempresa. “A tendência geral é de primeirização de

áreas que haviam sido terceirizadas”, diz Viviana. Issoacontece porque a terceirização foi adotada como ummero redutor de custos, ainda mais num setor derisco na área industrial. A mão-de-obra era contrata-da para complementar o quadro de funcionários e asprestadoras de serviços não tinham especializaçãonem sustentabilidade financeira.

O resultado disso foi a baixa qualidade do ser-viço e empresas com passivo trabalhista. “A tercei-rização foi usada inadequadamente. Ela funcionabem quando a contratada é especializada no servi-ço, tem mais de um cliente no mercado, cumprebem seus encargos trabalhistas”, diz a representan-te da Abiquim. A exigência de certificações nomercado deu início a um movimento de qualifica-ção dos fornecedores. Com a adoção da responsa-bilidade social, a empresa passou a ser responsávelpela cadeia produtiva.

REDUÇÃO DO DESEMPREGOGodoy, da CNI, diz que a terceirização é reconhe-cida em muitos países como uma alternativa paradiminuir o desemprego. Segundo o deputado Mabel,a China e a Índia geram milhares de empregos que

....E SE NÃO FOSSEM AS TERCEIRIZAÇÕES, SERIA PIORVariação das ocupações assalariadas com carteira assinada no Brasil entre 1995 e 2005

8,9 milhões

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EMPREGO FORMAL SETOR PÚBLICO SETOR PRIVADO TERCEIRIZADO

Empregos gerados – em milhão Variação relativa – em %

FONTE: MTE – RAIS/CAGED (ELABORAÇÃO MARCIO POCHMANN)

O DESEMPREGO NO BRASILCRESCE, AO CONTRÁRIO DE OUTROSPAÍSES DA AMÉRICA LATINA...

...Caribe, em relação à população economicamente ativa

FONTE: PANORAMA LABORAL DA AMÉRICA LATINA E CARIBE 2006, DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT)

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Final de 2005 Final de 2006

as autoridades, de acordo com a legislação traba-lhista e previdenciária de cada país”, diz Godoy.

O deputado Mabel afirma que o projeto de suaautoria enfrenta oposição principalmente por partede sindicatos de trabalhadores. A terceirização évista com reservas pelo temor de tornar mais precá-rias as relações de trabalho, o que pode acontecerem alguns casos, mas não necessariamente.Alemanha e Itália estão entre os países que adota-ram leis para impedir que os empregos piorem emqualidade com a terceirização. “Na Itália há umcontrato nacional de trabalho, que estabelece que aterceirização pode ser feita, desde que não sejam

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Para financiar reservas ecológicas, a lei da compensação ambiental onera

investimentos privados e livra o Estado de suas obrigações

POR FERNANDA PARAGUASSU

REGULAÇÃO

A quem cabe a conta

INDÚSTRIA BRASILEIRA 31

O BRASIL TEM HOJE 60 MILHÕES DE HECTARES

em unidades de conservação, uma parcela de14% do território nacional. São 296 áreas fede-rais: parques nacionais, reservas biológicas eestações ecológicas. O custo de criar e manteressas áreas é alto. Cálculos do governo apon-tam para a necessidade de R$ 10 bilhões ape-nas para resolver questões fundiárias penden-tes. A conta tem sido enviada às empresas, quehá seis anos são obrigadas a apoiar a manuten-ção e implantação dessas áreas, algo previsto naLei 9.985, que criou o Sistema Nacional deUnidades de Conservação (SNUC) e determi-nou o pagamento da compensação ambientalpara empreendimentos considerados de “signi-ficativo impacto ambiental”.

O valor do desembolso é determinado peloórgão que concede a licença ambiental. É depelo menos 0,5% do valor do investimento aser feito e não há limite máximo – depende daavaliação dos técnicos do governo. O percen-tual definido incide sobre o custo total doempreendimento, incluindo até mesmo a pre-visão de gastos em medidas para reduzir oimpacto ambiental, como equipamentos paratratar efluentes industriais.

A CNI opõe-se à cobrança da compensa-ção antes de tudo por considerá-la inconstitu-cional. Um dos argumentos é que a lei desvin-cula a compensação do dano ambiental em si.O desembolso da empresa acaba por ser umaindenização prévia, sem anterior mensuração ecomprovação de dano. Em 2004, a entidadeentrou com uma ação no Supremo TribunalFederal (STF), que tramita até hoje.Empresários se queixam também da insegu-rança institucional por conta da falta de parâ-metros claros para o que a lei define como“significativo impacto ambiental”.

Além do aspecto jurídico, há argumentosde cunho econômico contra a compensação.“O investimento no Brasil já é bastante tribu-tado e a compensação onera-o ainda mais.Deveriam ser usados recursos do Tesouro paraa implantação e manutenção de projetosambientais públicos”, diz MaurícioMendonça, gerente-executivo da Unidade de

Competitividade Industrial da CNI.Na mesma linha, a superintendente do

Instituto Brasileiro de Siderurgia (IBS),Cristina Yuan, afirma que a compensação éum fator que se junta a outros empecilhospara instalar novos empreendimentos noBrasil, lista que inclui as dificuldades de aces-so a financiamentos, juros altos, problemas delogística e morosidade no licenciamentoambiental. “Tudo isso reduz a competitivida-de brasileira”, critica.

Para o presidente do Instituto Brasileiro deMineração (Ibram), Paulo Camillo Penna, umdos pontos mais graves na lei do SNUC é sercontraditória com seu objetivo de proteger oambiente. Afinal o percentual de compensa-ção incide sobre o custo total do empreendi-mento, incluindo o que for feito para reduziro impacto na natureza. “Quem buscar fazer omelhor será punido. Trabalhar com excelênciaambiental custa caro”, afirma.

O consultor ambiental Eduardo Martinsafirma que os recursos da compensação ambien-tal deveriam ser desembolsados pelos empreen-dedores ao longo de um tempo grande, uma vezque a recuperação de grandes investimentosdesse tipo se dá num prazo longo.

SEM PARALELOLevantamento feito pela empresa de consulto-ria ICF International a pedido da Petrobrasmostra que não há legislação igual a do Brasilnos diversos países pesquisados – EstadosUnidos, Canadá, Noruega, União Européia eReino Unido. “As pessoas desses países tinhamaté dificuldade para entender do que faláva-mos”, diz Lucia Helena da Costa Silva, geren-te de meio ambiente da ICF, que coordenou oestudo. Há mais de 30 anos na área, ela jácoordenou, do Instituto Brasileiro do MeioAmbiente e dos Recursos Naturais Renováveis(Ibama), licenciamentos ambientais de ativi-dades de petróleo e nucleares.

O estudo do ICF relata que nos EstadosUnidos a compensação ambiental é algo dife-rente do que o termo designa no Brasil: “Nãoexiste nenhuma lei nos Estados Unidos que

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MARÇO 2007 INDÚSTRIA BRASILEIRA 33

tenha a compensação ambiental como umpré-requisito para a obtenção de licençasambientais.” O termo compensação ambientalentre os norte-americanos designa uma práti-ca pró-ativa das empresas.

O setor empresarial considera que a legisla-ção brasileira gera insegurança jurídica para osinvestidores e tem indefinições sobre sua apli-cação prática. O limite mínimo estabelecidopela lei para a compensação é de 0,5% doscustos totais previstos para a implantação doempreendimento. Como não há previsão deteto, o investidor não sabe quanto desembol-sará para a compensação. Na avaliação dosempresários, o valor exigido poderá ser maiorque o dano causado e, ainda, inviabilizar aatração por novos investimentos.

Os defensores da cobrança da compensa-ção ambiental afirmam que é possível encon-trar um modo de torná-la compatível com odesenvolvimento econômico, por meio deavanços na implementação da medida. Para ocientista político Sérgio Abranches, o cerne daceleuma está no fato de que o Brasil atravessaproblemas regulatórios complicados. Ele

defende a intensificação do crescimento eco-nômico com respeito ao ambiente por meio da“radicalização no uso de tecnologias”.

A idéia de Abranches está em consonânciacom as propostas dos empresários industriaispara o desenvolvimento. O Mapa Estratégicoda Indústria 2007-2015 estabelece que o maiordesafio para a política de meio ambiente noBrasil é garantir, simultaneamente, padrões cres-centes de qualidade e de conservação ambientale um sistema eficiente de regulação que nãoimplique incertezas, elevação do risco empresa-rial e bloqueio de decisões de investimentos. ACNI afirma que, para o setor produtivo ter con-dições favoráveis de investir em tecnologias lim-pas, a legislação ambiental deve procurar incluirprevisão legal de incentivos econômicos.

APRIMORAMENTOPara o secretário-executivo do Ministério doMeio Ambiente, Cláudio Langone, as regraspara a compensação ambiental devem ser apri-moradas. Ele afirma também que isso já vemsendo feito. Em 2004, foi iniciado um proces-so de revisão da metodologia. O diálogo foiaberto a outros ministérios, empresários, e aosgovernos estaduais e municipais. Mas segundojuristas, ainda sobram ambigüidades no meca-nismo de compensação, o que explica a ediçãode tantas normas para resolver pontos obscuros.

A professora de Direito e Gestão Ambientalda Universidade de Brasília (UnB) SoniaWiedmann diz que as regras da compensaçãodeveriam ser homogêneas entre os estados. Epara que haja justiça, o estabelecimento dosparâmetros deveria ter maior participação dasociedade civil. “O princípio da participação einformação é constitucional”, diz.

Segundo Langone, o princípio da compen-sação ambiental é o mesmo da Lei Rouanet deincentivo à cultura, dos royalties para água epetróleo, da Contribuição de Intervenção doDomínio Econômico (Cide) e daContribuição Provisória sobre MovimentaçãoFinanceira (CPMF). “Esses recursos nãoentram no orçamento e, portanto, não sãocontingenciados e têm garantia de aplicação”,

diz. Langone explica que o nível de investi-mento necessário para viabilizar as unidadesde conservação é alto e que a compensação dáconta de cerca de 30% do que é necessário.“Não temos a expectativa de que a compensa-ção ambiental será salvadora”, diz o secretário,ao citar doações internacionais e o OrçamentoFederal como outras fontes para manter o sis-tema. Desde 2000, segundo o secretário-exe-cutivo, foram destinado R$ 503 milhões emcompensação ambiental paga por empresaspara áreas de conservação.

TESOURO FECHADOOs recursos da compensação ambientaldemonstram como é ínfima a participação derecursos do Tesouro Nacional nas áreas de con-servação. Nota técnica da CNI revela que osrecursos alocados entre 2003 e 2006 não supe-ram R$ 35 milhões por ano. E ainda observam-se ineficiências na gestão. No ano passado, dototal de R$ 2,19 bilhões previstos para o orça-mento do Ministério do Meio Ambiente, ape-nas 1,2% (R$ 26 milhões) foi destinado às uni-dades de conservação. Nos dois anos anteriores,o percentual ficou praticamente no mesmopatamar (veja gráfico acima).

O Ibram afirma que somente o setor de

mineração deverá desembolsar US$ 125milhões para pagar a compensação ambientalnos próximos quatro anos, se for aplicado 0,5%,o percentual mínimo exigido pela lei, sobre osUS$ 25 bilhões de dólares projetados para sereminvestidos pelo setor entre 2007 e 2011. “Essevalor não considera atividades do setor de petró-leo. É muito dinheiro para tirar de uma ativida-de produtiva, num momento em que há umesforço do governo de canalizar recursos para osinvestimentos”, afirma Paulo Camillo Penna.

Hoje, o debate envolve, na esfera federal,os ministérios de Minas e Energia,Transportes, Integração e Casa Civil. Enquan-to a Justiça não decide sobre o assunto, a CNIdefende que o teto seja 0,5%. Os empresáriosconsideram esse percentual suficiente paraassegurar recursos para as unidades de conser-vação e temem que a elevação desse patamarpossa inibir novos investimentos. A CNI reco-menda que a compensação seja aplicadasomente a novos empreendimentos que cau-sem impactos ambientais negativos não-solu-cionáveis e que sejam excluídos do cálculo dacompensação os encargos tributários, traba-lhistas e sociais, além dos investimentos desti-nados à redução dos impactos ambientais e àmelhoria da qualidade ambiental.

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Fazer negócios na Ásia exige cada vez mais conhecimento de costumes e valores dos países na região

POR ENIO VIEIRA

INDÚSTRIA BRASILEIRA 35

Apesar de essa regra funcionar de modomais ou menos geral na China, segundo osespecialistas, é um equívoco do olhar ocidentalconsiderar iguais todos os asiáticos. Um chinêsde Pequim tem comportamento em muitosaspectos bem distinto do chinês que mora nocampo e também daquele que migrou para osEstados Unidos. “Há certas generalizações quepodem ser feitas. Mas, para negociar bem, vocêprecisa saber quem é esse chinês que está à suafrente”, diz Falcão. Em suas aulas, ele simulanegociações dos alunos com chineses e india-nos para mostrar as particularidades culturais(idioma, valores) de cada um deles.

A lógica chinesa emerge em detalhes corri-queiros do dia-a-dia, mas que fazem diferençanuma negociação. O chinês, segundo Falcão,dificilmente reconhece culpa por falhas. Certavez, um aluno de origem chinesa chegou à aulacom duas horas de atraso. Porém, insistiu que

GESTÃO EMPRESARIAL

Diferenças culturais

OS CHINESES POSSUEM UMA NOÇÃO DE CONTRATO

bem diferente do modelo ocidental em suasnegociações. Na tradição anglo-saxônica, osacordos devem ter estabilidade de regras e serseguidos à risca. Na China, porém, o acertoentre duas pessoas ou empresas vale apenascomo entendimento inicial, podendo sofrerajustes ao longo das conversas que resultarãonuma transação. O executivo chinês muda deposição com facilidade se perceber que o cami-

nho escolhido não leva ao resultado satisfató-rio. Essa é uma das lições que cada vez maisbrasileiros vêm aprendendo ao entrar no pro-missor, desejado e complexo mercado asiático,percorrendo o mesmo caminho já trilhado poreuropeus e norte-americanos.

“Há uma fluidez e flexibilidade nas relaçõesque não é a mesma dos países do mundo saxão.Sem conhecimento prévio, aprende-se isso ape-nas com os erros no dia-a-dia dos negócios”, diz

Horácio Falcão, advogado brasileiro e professorde Negociação do Insead (escola francesa deadministração) em Cingapura, Sudeste Asiático.Conhecer esse mundo novo que é a Ásia temsido um desafio para as empresas. Neste mês,um grupo de executivos do Brasil vai ao Inseadde Cingapura (ver box) para aprofundar seusconhecimentos de aspectos culturais e econômi-cos dos mercados asiáticos. Fazer negócios exigehoje uma preocupação que vai além dos cálcu-los usuais de custos e retorno financeiro.

Na mesa de negócios, ressalta Falcão, os chi-neses também são persistentes e pacientes nabusca de bons resultados. Quando um executi-vo ocidental pensa que está tudo resolvido, ochinês pede para voltar ao início e que sejamexplicados novamente todos os pontos. “Émuito comum que você explique um item docontrato. Passa uma hora e é preciso explicar denovo, à exaustão”, conta o professor.

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36 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007

não estava fora do horário. “Ele queria meexplicar que outra pessoa havia se atrasadonuma reunião horas antes e, portanto, isso nãoera responsabilidade sua”, explica. Segundo ele,esse comportamento remete ao passado comu-nista da China, cujo reconhecimento de erropoderia levar à prisão de um cidadão.

APRENDIZADO DIFÍCILOs erros na Ásia não se restringem aos novatosda globalização e atingem até companhias glo-bais que chegaram a se retirar de alguns países.A Coca-Cola amargou perdas na Índia no seg-mento de refrigerantes. Os supermercadosAhold (holandês) e Carrefour (francês) saíram,respectivamente, de Cingapura e Hong Kong.O equívoco dessas empresas, dizem os especia-listas, foi o de enxergar bilhões de consumido-res na Ásia que, na verdade, não possuem rendatão significativa para adquirir bens e serviçosdos padrões ocidentais.

O indiano Paddy Padmanabhan, professorde marketing no Insead Cingapura, lembra que70% dos consumidores asiáticos têm rendainferior a US$ 1.500 por ano. Segundo ele, as

montadoras de veículos que se saíram bem nomercado foram aquelas focadas em carrospequenos. “Os outros fabricantes (as montado-ras européias e americanas) tiveram algumsucesso com o lançamento de seus produtos,mas estão em dificuldade devido aos volumesreduzidos e altos custos.” Apesar das vendas degrifes famosas de roupas, os consumidores dealta renda são uma minoria. E quem está abai-xo do grupo dos mais ricos compra produtoscom base no preço menor.

Na China, diz Padmanabhan, uma empresalocal chamada Legend apostou na venda decomputadores de baixo custo e se tornou umcaso bem-sucedido. A Unilever, multinacionalde alimentos e produtos de limpeza, aprendeucom erros iniciais e teve êxito ao direcionar suasações de marketing para detergentes mais bara-tos. Segundo o professor, uma complicaçãoadicional é que os asiáticos ainda fazem suascompras em pequenas lojas de varejo, o querequer boa estrutura de distribuição das empre-sas globais. Os executivos brasileiros devemestar atentos a lições como essas para ingressarno mercado promissor da Ásia.

DO OUTRO LADO DO MUNDOPara prevenir equívocos no mercado asiático, o IEL e o Insead realizam de 15 a 24 deste mês o primeiro curso Estratégia deNegócios para o Mercado Asiático, em Cingapura, voltado unicamente para empresários e profissionais brasileiros. Executivosterão dez dias de aulas de marketing, legislação e negociação. As inscrições ainda estão abertas e podem ser feitas no IELNacional (61-3317-9432). Uma atividade complementar será a visita a empresas brasileiras instaladas em Xangai, na China.

“Os executivos brasileiros trazem inovações desses cursos no exterior e sempre aplicam o que aprenderam rapidamente em suas empresas”, diz o superintendente do IEL, Carlos Cavalcante. Com o curso de Cingapura, que deverá ser bianual, o IEL passa a oferecer opções nos três principais continentes. Hoje existem parcerias com as escolas de Wharton, nos Estados Unidos, e a sede principal do Insead, na França.

O IEL organiza os cursos de gestão no exterior, que já tiveram 420 alunos, de acordo com o perfil dos executivosbrasileiros. Além do programa de Cingapura, um projeto para 2007 será o curso no Brasil de uma escola espanhola focadonas áreas de sucessão familiar e profissionalização de pequenas empresas. A idéia é trazer um conhecimento alcançado pelosespanhóis nesse segmento.

Atualmente, a principal parceria é com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Programa de Capacitação Empresarial, que já formou 2.000 empresários. As unidades regionais do IEL e universidades federaisnos estados avaliam as necessidades locais das empresas e montam cursos de gestão que têm duração de 90 a 360 horas.

“A vantagem é que os cursos ficam por um valor equivalente a 50% do que se cobra no mercado”, diz o gerente deEducação Executiva do IEL, Oto Morato Álvares. Os empresários recebem os certificados de extensão para os cursos de curta duração ou de especialista nos mais longos, que têm o formato dos conhecidos MBAs.

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 37WWW.CNI.ORG.BR

Paulo Roberto de Almeida, diplomata, doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Bruxelas

COMO GASTAR BEMOS RECURSOS PÚBLICOSCinco especialistas trazem visões complementares sobre o tema e apresentam agenda prática de mudanças, sem retórica ou salvacionismo

PAULO ROBERTO ALMEIDA

ESTE LIVROPODE SER DEFINIDO COMOUM“MANUAL DA

boa gastança”. Apresenta 91 sugestões destina-das a controlar os gastos públicos e traz evidên-cias de como sua redução e maior eficiência sãocondições necessárias para que o Brasil possacrescer. O livro localiza os gas-tos e mostra como são feitos,mas também explica como sepoderiam corrigir as distor-ções. Os autores escapam dodebate sobre o peso dos juros,concentrando-se nas despesasnão-financeiras: esses gastos,excluindo a Previdência, cres-ceram 60% em termos reaisentre 1995 e 2004, ou seja,uma expansão anual de 4,8%,o dobro do crescimento doProduto Interno Bruto (PIB).Os três primeiros capítulostratam das vantagens e des-vantagens da intervenção dogoverno na economia, de qualseria o tamanho ótimo doEstado brasileiro (não supe-rior a 32% do PIB) e de comoum ajuste fiscal bem conduzi-do não produz, necessaria-mente, uma redução do crescimento.

Raul Velloso dá a partida às recomendações deajuste fiscal via redução de gastos obrigatórios (91%das despesas não-financeiras). Ele recomenda revi-são da idade mínima para benefícios, desvinculaçãoda Previdência do salário mínimo, fim dos aumen-tos automáticos dos gastos com saúde e focalizaçãodos gastos sociais nos mais pobres. Marcos Mendesconstata o forte crescimento dos gastos dos poderes

autônomos – Legislativo, Judiciário e o MinistérioPúblico – e sugere um limite constitucional.

Três especialistas em finanças públicas – AmirKhair, José Roberto Afonso e Weder de Oliveira –sugerem aperfeiçoamentos na Lei de Responsa-

bilidade Fiscal, com afixação de limites para oendividamento público.No último capítulo,David Samuels analisa oalto custo das campanhaspolíticas e sugere eleiçõesproporcionais de listafechada, pouca ênfase nofinanciamento público(incapaz de evitar o caixa2), a redução das contri-buições privadas (paraevitar doações milioná-rias), cooperação entre oTribunal Superior Elei-toral e a Receita Federal,julgamento das contas doscandidatos antes da diplo-mação, extinção de prazosde prescrição e aceleraçãodos processos judiciaisenvolvendo políticos.

Trata-se de enorme agenda de mudanças,sob a forma de providências práticas. Sem retó-rica ou salvacionismo, os autores oferecem umprograma completo de reforma das despesaspúblicas: na forma, no conteúdo, nos procedi-mentos de efetivação das despesas e nos con-troles devidos. Sem isso, esta e as futuras gera-ções continuarão amargando a falta de cresci-mento econômico.

RESENHA

Gasto Público Eficiente: 91 propostaspara o desenvolvimento do Brasil,Marcos Mendes (organizador),Topbooks, Instituto Fernand Braudel,475 páginas, R$ 49

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38 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

O Vale dos Vinhedos passa a serreconhecido com uma indicaçãogeográfica de vinhos na União Européia, ao lado de Bordeaux, Champagne, Chianti, Porto e outros. A lista inclui sómais um lugar de fora do continente: o Napa Valley, nos Estados Unidos

POR VIVIAN OSWALD, DE BRUXELAS

NEGÓCIOS

O vinho é nosso

INDÚSTRIA BRASILEIRA 39

OS VINHOS GAÚCHOS DO VALE DOS VINHEDOS

acabam de ganhar um novo passaporte parao Velho Mundo. O exigente mercado euro-peu resolveu incluir o produto brasileiro nasua lista de indicações geográficas, em quefiguram há quase um século regiões comoChampagne, Bordeaux, Languedoc-Roussillon, Chianti e Porto. Esta é a primei-ra vez que a União Européia (UE) admiteuma indicação de fora do continente. A deci-são inédita é extensiva à indicação NapaValley, nos Estados Unidos.

O novo status dos vinhos do Vale dosVinhedos no mercado europeu vai permitirque saiam do anonimato. As vinícolas gaú-chas poderão exibir nos rótulos das garrafasexportadas para os 27 países da UE informa-ções como a região geográfica do produto, asafra e o tipo da uva. Nada disso era possívelantes, o que dava ao vinho brasileiro um armeramente exótico, na avaliação do presi-dente da Associação dos Produtores deVinhos do Vale dos Vinhedos (Aprovale),Luiz Henrique Zanini.

O reconhecimento europeu é uma espé-cie de selo de qualidade. Significa que o pro-duto em questão é fabricado exclusivamentena região do Vale dos Vinhedos, localizadaentre os municípios de Bento Gonçalves,Monte Belo do Sul e Garibaldi, na SerraGaúcha, a 120 km de Porto Alegre, e deacordo com regras e padrões de qualidadepreestabelecidos. Ou seja, só se pode venderno mercado europeu como vinho do Valedos Vinhedos o produto da região brasileirade mesmo nome, o que já valia no Brasil.

Os viticultores das tradicionais regiõeseuropéias se protegem com a denominaçãode origem há muito tempo. De acordo coma lista divulgada pela UE, boa parte dosvinhos franceses da região de Bordeaux játem a indicação geográfica reconhecidadesde 1936. Champagne, com esse nome, sóo espumante produzido na região homôni-ma, na França. A denominação está protegi-da desde a década de 1940. A qualidade doproduto e a marca protegida garantem a altarenda dos viticultores. Pelas contas do

Comitê Inter-profissional do Vinho deChampagne (CIVC), são pouco mais de 31mil hectares plantados e cerca de 32 milempregos diretos e indiretos. Das 293,3milhões de garrafas produzidas por ano,67,4% vêm das grandes casas de champagne,as marcas mais conhecidas, e o restante dospequenos produtores e cooperativas.

A chancela da UE pode representar umdiferencial importante para a imagem dovinho do Vale dos Vinhedos na Europa,aumentando a credibilidade da marca, asvendas e as possibilidades de divulgar melhoro produto made in Brazil. Mas a grandeexpectativa do setor neste momento é oimpacto que a novidade pode vir a ter nomercado interno. Agora que o vinho temgrife, os produtores da região acreditam queo consumidor brasileiro terá maior interessepara procurá-lo nas prateleiras dos supermer-cados ou nas lojas especializadas e não hesi-tará quando for pedir uma garrafa do vinhonacional reconhecido no exterior no lugar doestrangeiro nos restaurantes.

“A nossa vitória resgata a auto-estima doprodutor e deve finalmente chamar a aten-ção do brasileiro para o produto nacional.Hoje, 65% dos vinhos consumidos no Paíssão importados”, afirma o presidente daAprovale, Luiz Henrique Zanini.

Comparadas ao tamanho do mercadoeuropeu, as exportações dos vinhos gaúchosainda são modestas. O Vale dos Vinhedosvende anualmente o equivalente a 500 millitros para a UE, quando o consumo dos euro-peus é de cerca de 25 bilhões de litros por ano.Os principais compradores são a Alemanha,República Tcheca, França e Inglaterra. AAssociação dos Produtores de Vinhos do Valedos Vinhedos (Aprovale) acredita que o volu-me de exportações para a Europa cresça,podendo ser até quatro vezes maior do que oatual nos próximos anos. O percentual tam-bém não é grande em relação à produçãoanual da região, calculada em 6,8 milhões delitros pela Aprovale. A associação representa31 produtores de vinho, entre eles casas degrande porte como a Miolo e a Valduga.

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 41

A boa notícia obtida pelo Vale dos Vinhe-dos deixa a porta aberta para que outros seg-mentos da economia brasileira sigam omesmo caminho na Europa. O processo dereconhecimento não é fácil. Para obtê-lo, épreciso que os produtores de uma região dese organizem e, antes de mais nada, recebama indicação de procedência no Brasil. Estapossibilidade existe desde 2000, está previstana resolução de número 75 do InstitutoNacional de Propriedade Industrial (INPI) eé aberta para qualquer setor da economia.

NOVOS SELOS GAÚCHOSA região do Vale dos Vinhedos foi a primei-ra a obter a indicação de procedência doBrasil, em 2001. Por enquanto ainda é aúnica, mas provavelmente ficará nessa con-dição por pouco tempo. Outras duasregiões produtoras de vinho no sul do país,Monte Belo do Sul e Pinto Bandeira, estãona fila do INPI. Além delas, tentam obterreconhecimento geográfico os produtoresde carne dos pampas, de doces artesanais dePelotas e do café do cerrado.

Produtora de 70% dos espumantes brasi-leiros, a região de Monte Belo do Sul, quereúne 12 produtores de pequeno porte,

aguarda para abril a resposta positiva doINPI. De acordo com o presidente daAssociação de Produtores de Vinho de MonteBelo do Sul (Aprobelo), Antoninho Calza, opróximo passo é buscar também o reconheci-mento europeu alcançado pelos vizinhos.

“Nossa região tem uma peculiaridade queoutras não têm. É o maior produtor de espu-mantes da América Latina. Vamos vender onosso produto com um selo de qualidade.Para obter a indicação de procedência é pre-ciso respeitar a um conjunto de regras e nor-mas de qualidade rígidas”, afirma Calza.

Além de buscar o reconhecimento geo-gráfico dentro e fora do País, as vinícolasligadas à Aprobelo vêm aplicando aos negó-cios o velho ditado popular “a união faz aforça”. Desenvolveram uma parceria técnicacom a Embrapa e há pelo menos três anostrabalham em conjunto para vender mais emelhor. Desde que começaram a se prepararpara obter a indicação de procedência, passa-ram a usar caixas únicas para vender as suasgarrafas de vinho – que apresentam normal-mente os diferentes rótulos e especificidades.

Segundo Calza, a intenção agora é criaruma unidade de produção conjunta, em quetodas as vinícolas poderão produzir os seus

vinhos, segundo as tradicionais regras de cadacasa e ao mesmo tempo respeitando as normasde produção estabelecidas para a região. “Oengarrafamento será coletivo”, destaca o presi-dente da Aprobelo, lembrando que a estratégiadeve garantir bons preços ao produto.

Em 2005, a Associação de Produtores deVinho de Pinto Bandeira (Asprovinho), quereúne nove vinícolas, também entrou com opedido de indicação de procedência noINPI. De acordo com a responsável peloDepartamento de Marketing da instituição,Eliane Marta Frare, a expectativa é que a res-posta venha ainda neste ano. “É um selo quegarante a sua origem e qualidade. Os vinhosprecisam passar pela avaliação rigorosa doconselho regulador”, conta Frare.

IMPULSO AO TURISMOSe a busca pelo reconhecimento geográfico éuma importante estratégia de marketingpara os viticultores, a iniciativa também deveimpulsionar a indústria do turismo regional.De acordo com Eliane Frare, a delimitaçãoda área de produção torna-se uma marcatambém para o roteiro turístico e deve atrairmais visitantes para a região.

A vitória do Vale dos Vinhedos, confirmadapelo Comitê de Gestão de Vinhos da UE, foiuma resposta ao longo processo encaminhadopelos produtores aos europeus relacionando aexistência de uma região bem delimitada, comum nome que a distingue de outras regiões,além de mecanismos institucionais que assegu-ram a qualidade e a uniformidade da produçãode uma indicação geográfica.

De acordo com as regras internacionaisna área de propriedade intelectual, o reco-nhecimento legal de uma indicação geográfi-ca é uma prerrogativa de cada país (ou grupode países, como no caso da UE). Emborasejam cada vez mais conhecidos e venhamganhando mais espaço nos últimos anos naslojas especializadas e restaurantes europeusna lista dos vinhos do Novo Mundo, osargentinos e chilenos ainda não têm indica-ções geográficas reconhecidas pela UE. “Tera indicação geográfica reconhecida é como

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ÁREACULTIVADA no Vale dos

Vinhedos, queconseguiuregistro de

procedência noBrasil em 2001

NEGÓCIOS

dispor de uma espécie de carteira de identi-dade. No nosso caso, de passaporte”, come-mora o presidente da Aprovale.

De acordo com a legislação brasileira depropriedade industrial, existem dois tipos deindicações geográficas: a indicação de proce-dência e a denominação de origem. A pri-meira consiste no nome geográfico de país,cidade, região ou localidade de seu territó-rio, que se tenha tornado conhecido comocentro de extração, produção ou fabricaçãode determinado produto ou da prestação deum determinado serviço. A segunda é umpouco mais complexa e considera o nomegeográfico de país, cidade, região ou locali-dade, que designe produto ou serviço cujasqualidades ou características se devam exclu-siva ou essencialmente ao meio geográfico,incluídos fatores naturais e humanos. Aindanão existe no Brasil produto certificado peladenominação de origem. Na Europa, a clas-sificação é a mesma, só muda o nome: oequivalente a indicação geográfica é, noBrasil, a indicação de procedência.

APESAR DATRADIÇÃO, os vinhosproduzidos noChile não têm o selo da UniãoEuropéia

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 43WWW.CNI.ORG.BR

José Nasser, presidente da Fieam, vice-presidente da CNI

42 INDÚSTRIA BRASILEIRA MARÇO 2007

Roberto Proença de Macêdo, presidente da Fiec

ROBERTO PROENÇA DE MACÊDO

OS BRASIS DOCOMÉRCIO EXTERIOR

Empresários e governo devem unir-se para consolidar a cultura exportadora nos estados com menor acesso ao mercado global

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A JOSÉ NASSER

OTIMISTA, MAS REALISTA, O SECRETÁRIO-EXECUTIVO

do Ministério do Desenvolvimento, Indústria eComércio Exterior (MDIC), Ivan Ramalho, reve-lou que as exportações brasileiras alcançarão US$152 bilhões neste ano. É um número admissível.O Brasil é, contudo, um espaço heterogêneo nesseparticular. Nas posições da Secretaria deComércio Exterior do MDIC para dezembro de2006, o Estado de São Paulo detém 33,4% dasexportações realizadas pelo País. Seguem-se MinasGerais, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro eParaná, perfazendo, juntos, 35,6%.

Os cinco maiores estados exportadores com-partilham, portanto, 69% do total. Os cincoestados seguintes – Bahia, Espírito Santo, Pará,Santa Catarina e Mato Grosso – participam commais 22,2%. Portanto, os dez maiores estadosexportadores do Brasil respondem por 91,2% dototal. É uma concentração bastante acentuada.

O terceiro estrato abrange Goiás, Maranhão,Amazonas, Mato Grosso do Sul, Ceará,Pernambuco, Alagoas, Rio Grande do Norte,Rondônia, Paraíba, Tocantins, Amapá eSergipe, que perfazem 7,3%. Adiante, DistritoFederal, Piauí, Acre e Rondônia somam, reuni-dos, 0,1%. Fechando a participação, 1,4% cor-responde a operações especiais, que não se apli-cam a qualquer estado.

São reconhecidos os avanços da política bra-sileira de conquista de mercados nos anos recen-tes. Os atores do comércio exterior são osempresários. Mas, a qualquer tempo, o governopode facilitar ou dificultar o processo. Nãobasta o desempenho concentrado que se vê

atualmente. O Brasil necessita destacar-se nocenário externo com ampla representatividade.Somente assim estará revelando seu processo dedesenvolvimento sustentável, que tem comoindicador primordial a melhoria da qualidadede vida da população. Não de algumas regiões,mas de todas.

Nos 13 estados do terceiro estrato mencio-nado acima, e nas quatro unidades da federaçãode desempenho incipiente, governo e iniciativaprivada precisam unir-se para delinear umapolítica de consolidação da cultura exportado-ra, levando em conta as peculiaridades locais.Não se advoga aqui a distribuição de recursos acusto zero. O ingresso ou avanço no mercadoexterno tem um preço, do qual o empresariadodeve participar. No início, são essenciais algu-mas formas de facilitação, com redução doscustos para os participantes. Gradualmente, osapoios devem ser reduzidos, para que prevaleçaa integração no mercado externo, com seusbenefícios e com suas exigências.

A Fiec está liderando uma redefinição derumos, a partir do empresariado, por meio deesforços centrados nos sindicatos. Nessa redefini-ção, confia contar com o respaldo da entidademaior do Sistema Indústria, que é a CNI, e tam-bém com o governo do Ceará, o governo federal,entidades locais e instituições internacionais.

Na era do conhecimento e da globalização,reajustar rumos é uma exigência que comportadesafios, mas é promissora na geração de retor-nos em benefício das empresas, das pessoas e dasociedade como um todo.

O MODELO DA ZONA FRANCA DE MANAUS

completou 40 anos em 28 de fevereiro. Firmou-se como um dos mais bem-sucedidos projetos dedesenvolvimento regional, tendo sido capaz deatrair investimentos que consolidaram cadeiasprodutivas em diversos segmentos. O setorindustrial lidera o crescimento econômico aoproduzir riquezas, ao abrir mercado de trabalhoque supera 100 mil postos diretos e ao despon-tar no volume de arrecadação do Norte, tornan-do o Amazonas o maior contribuinte da região.

As políticas públicas hoje estão voltadaspara ampliar a infra-estrutura regional e devemestimular investimentos em novos segmentosindustriais, como o pólo gás-químico, a partirda disponibilidade do gás natural das jazidas deUrucu (600 km a sudoeste de Manaus) e damudança da matriz energética. As extensões dasredes de linhas de transmissão das usinas deTucuruí, no Pará, para o sul do Amazonas e daíaté Manaus, são projetos de médio prazo prio-ritários, que finalmente vão inserir o estado noSistema Interligado Nacional (SIN).

É necessário explorar a capacidade de pro-duzir energia limpa como o biocombustível.O Amazonas tem projeto-piloto aprovadopela Financiadora de Estudos e Projetos(Finep) para produzir biodiesel a partir deespécies oleaginosas na cidade de Maués, a276 km de Manaus.

Ainda na área de infra-estrutura, a cons-trução de portos fluviais no interior do esta-do vai se somar aos projetos de recuperaçãode rodovias estratégicas, como a BR-319

(Manaus-Porto Velho) e a BR-163 (Cuiabá-Santarém), para reduzir custos e tempo dasoperações logísticas e ampliar as opções domodal rodofluvial na região onde os rios sãoas estradas naturais.

Aliado ao dinamismo que impõe na eco-nomia regional, o modelo industrial de Ma-naus, com alto valor tecnológico agregado ebaixo impacto ambiental, tem contribuídofortemente para o desenvolvimento econômi-co do Amazonas. O maior estado da Fede-ração apresenta 98% da sua cobertura vegetaloriginal, conservando um patrimônio de bio-diversidade para indústria de fármacos, fitote-rápicos e de cosméticos.

O estímulo ao ambiente propício paradesenvolvimento de nova indústria com apro-veitamento da riqueza natural da maior flores-ta equatorial do planeta começa a sair do papelcom a implantação do Centro de Biotecnologiada Amazônia (CBA). O CBA conta com áreaconstruída de 12 mil m2 em Manaus e está aptoa receber 25 laboratórios, quatro unidades deapoio industrial e duas estruturas de apoio tec-nológico nos seus laboratórios de fitoquímica,bioquímica, biologia molecular, ressonânciamagnética molecular, entre outros.

A ampliação das atividades econômicasdesenhadas para futuro próximo no Amazonas,além do modelo centrado nos incentivos à pro-dução, está formando base de desenvolvimentoeconômico capaz de continuar o equilíbrioentre o homem e a natureza que historicamen-te a população local soube conservar.

DESENVOLVIMENTOREGIONAL BEM-SUCEDIDO

Em quatro décadas, a Zona Franca produziu riquezas e gerou empregos mantendo intocados 98% da vegetação original do Amazonas

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44 INDÚSTRIA BRASILEIRA

A restauração do arquivo do industrial Ciccillo Matarazzotraz à tona documentos, fotografias e cartas que ele trocou com alguns dos nomes mais significativos da cultura brasileira do século 20

POR FÁBIA PRATES, DE SÃO PAULO

Mecenas demuitas artes

CULTURA

WWW.CNI.ORG.BR INDÚSTRIA BRASILEIRA 45MARÇO 2007

CICCILLO deixousuas marcas nas

artes plásticas, nocinema e no teatro

do País

AS PRECIOSIDADES DA BIENAL DE SÃO PAULO NÃO ESTÃO RESTRITAS À ARTE QUE, A CADA DOIS

anos, ocupa o prédio projetado por Oscar Niemeyer, no Parque do Ibirapuera, em SãoPaulo. Sem alarde, sem filas e, praticamente, sem nenhum conhecimento do público, osegundo andar do prédio da Fundação Bienal mantém uma rica coleção documental sobreobras, artistas e bastidores das cinco décadas de história das bienais paulistanas. E guarda,especialmente, um acervo com objetos, fotos e inúmeros documentos históricos do indus-trial e mecenas paulistano Francisco Matarazzo Sobrinho (1898-1977), o CiccilloMatarazzo, idealizador, fundador e presidente da Bienal por 25 anos. Tanto o acervo dasbienais quanto o arquivo pessoal de seu fundador passam por um processo de revitalizaçãopara garantir a integridade de papéis que testemunham um trecho fundamental da históriacultural brasileira.

Ciccillo tinha como principal foco do mecenato impulsionar a cultura na capital pau-lista e inserir o Brasil no circuito internacional das artes. Além da Bienal de Arte, criou aBienal do Livro, o Museu de Arte Moderna (MAM), o Teatro Brasileiro de Comédia(TBC), a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, o Museu de Arte Contemporânea(MAC) e o de Arqueologia da Universidade de São Paulo. Presidiu também a ComissãoComemorativa do Quarto Centenário de São Paulo. E conciliava tudo isso com a posiçãode principal industrial brasileiro, dono da Metalúrgica Matarazzo (Metalma), herdada dotio homônimo, o Conde Matarazzo.

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46 INDÚSTRIA BRASILEIRAA

Além do fôlego para os negócios e as artes, Ciccilloteve uma rápida passagem pela política no início dosanos 1960, com uma campanha vitoriosa à prefeiturade Ubatuba, no litoral norte paulista, onde tinha casade veraneio. A candidatura foi estimulada pelo empre-sário ubatubense Manoel Esteves da Cunha Júnior,conhecido por Seu Neco. Dono do jornal Atlântico,Esteves participou da campanha de Ciccillo e desdeentão sempre trabalhou para o industrial. Foi secretárioparticular até a morte de Ciccillo em 1977.

Seu Neco foi responsável pela organização do arqui-vo de quase 2.000 pastas com toda sorte de documentosenvolvendo as aventuras do mecenas: atas de reuniões,registro de estatuto em cartório, cartas pessoais trocadascom artistas e personalidades, outras correspondênciaspara aquisição de obras, croquis e plantas de construções

que abrigariam as instituições que criou,relatórios financeiros de empréstimos pararealização de filmes e muitos outros docu-mentos envolvendo decisões tomadasenquanto prefeito ou nos bastidores dascomemorações dos 400 anos de São Paulo.

O Dossiê Ciccillo, como o arquivo étratado dentro da Fundação Bienal, dei-xará em breve de ter acesso restrito.Assim que o processo de conservaçãofor concluído, parte da coleção será reu-nida numa grande exposição em SãoPaulo, com local e data ainda não deci-didos. Atualmente o material é higieni-zado e passará a ser armazenado em con-dições adequadas, graças a um convêniocom o Ministério da Cultura. O custototal do trabalho é de R$ 400 mil. Alémdos documentos, há cerca de 3.000fotos. Parte dessa iconografia é tratadana própria Bienal, e outra parte, reunidaem álbuns, está sob responsabilidade daFunarte, no Rio de Janeiro.

Indústria Brasileira teve acessso aalgumas das cartas que Ciccillo recebeu,incluindo muitos dos grandes nomes dacena artística do País e do mundo, entrea década de 1940 até sua morte em abrilde 1977. Há, por exemplo, várias corres-pondências trocadas com Nelson

Rockfeller, então presidente do Museu de ArteModerna de Nova York, entre os anos de 1949 e 1950.

Apenas duas das pastas já justificam a importânciahistórica do Dossiê Ciccillo, com demonstrações derusgas entre ele e os artistas, por questões financeiras oude reconhecimento. Uma dessas pastas reúne cartas dopintor carioca Di Cavalcanti (1897-1976), que passavatemporada no México em 1949 e tinha entre suas mis-sões investigar e contatar demonstrações artísticasmexicanas para serem expostas no recém-inauguradoMuseu de Arte Moderna de São Paulo.

Em carta de próprio punho de 15 de setembrodaquele ano, um Di que se autodefine “deslumbradona linda terra mexicana, onde tudo respira uma huma-nidade diferente, trágica e lírica ao mesmo tempo”,relata seus contatos com artistas como Diego Rivera e

INDÚSTRIA BRASILEIRA 47MARÇO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

CINCOGAROTAS de

Guaratinguetá,obra de Di

Cavalcanti: opintor foi

enviado aoMéxico pelo

mecenas

CULTURA

da boa receptividade dos mexicanos à idéia de desem-barcarem no Brasil com suas obras. Lá pelas tantas, oartista pede a Ciccillo o envio de US$ 300, “pois estoucom pouco dinheiro e só me resta, além do que tenho,a passagem de volta”. Em resposta, um Ciccillo queparecia incomodado com a demora do artista nas terrasmexicanas manda um telegrama lacônico no dia 29daquele mês: “Impossível remeter-lhe dólares devido àsdificuldades cambiais. Interessado mexicano retornaráassunto depois da sua chegada aqui. Abraço, Ciccillo.”

QUEIXAS DOS PINTORESNo dia 9 de outubro, nova carta de Di: “Meu caroCiccillo, recebi seu telegrama, que me entristeceu.Pretendia comprar uma seleção de coisas de arte popu-lar que iriam enriquecer sua coleção. Não acredito maisna visitude de um museu onde só se apresente a arterafinée e moderna ou só os exemplos clássicos que nósjulgamos bons (nós os estetas). Museu é outra coisa”. Ea carta segue com um texto que é praticamente umcompromisso de ir fundo na busca de uma arte essen-cialmente brasileira. “Eu não lhe peço para me ajudarpara que eu viva ou goze de prazeres maiores do quetenho gozado. Ajude-me para que em São Paulo sejapossível fazer-lhe qualquer coisa de pintura nacionalcom um sentido superior humano e sobretudo racial-mente brasileiro. (...) Vê se você me ajuda um poucodesviando verbas excessivas de que é dotado oabstracionismo decadente. Dá um grande beijoem Yolanda e aceita um abraço desse artista deverdade que se chama Di Cavalcanti”, finaliza.Yolanda Penteado, também incentivadora dasartes, era a esposa de Ciccillo. No dia 3 denovembro daquele ano, Lourival GomesMachado, então presidente do MAM, escrevecarta ao artista, em nome de Ciccillo, infor-mando sobre o envio de dois cheques quesomavam US$ 125.

Muito especial também é a carta datilogra-fada e assinada por Rosinha, reclamando doconvite ao artista paulista Cândido Portinari(1903-1962) para a 1ª Bienal de São Paulo, em1951. Na pasta da carta, Seu Neco sugere que aremetente seja Rosinha Portinari, mas pode sertambém Rosinha Leão, amiga e discípula dopintor. Um envelope do MAM que tinha sido

enviado ao pintor acompanha a carta, enviada em 6 deagosto, dois meses antes da abertura da exposição, daqual Portinari, assim como Di Cavalcanti, foi um dosartistas convidados: “Ciccillo, aí vai o envelope que omuseu enviou ao Portinari com as fichas de inscrição,etc para a Bienal. Se o Portinari lhe dissesse mais tardeque não tinha recebido essa carta, você acharia menti-ra, má fé do mestre e, no entanto, veja: o nome estáerrado (no envelope está escrito Cândido Portinais) e oendereço também. Na rua Pires de Almeida morou,mas 12 anos atrás (antes do nascimento de JoãoCândido) e mesmo que ainda morasse, o número doprédio e do apartamento estão errados. Acho tambémque uma carta tão importante não poderia deixar de virregistrada. Dentro – e para um convidado de honra –nem uma palavra pessoal acompanhando os impressosnem o clássico: caro senhor Portinari, junto lhe reme-temos, etc. Enfim, Ciccillo, se não fosse a genialidadedo rapaz do Correio, que teve em mãos a carta e riscouo endereço errado, escrevendo o certo, este envelopenunca teria chegado ao seu destinatário. Isso é paravocê ver que não há tanta fantasia na idéia que Portinarise fez de que há uma certa má vontade contra ele.Fantasia desenvolvida, como você sabe, por inúmerosleva e traz. Mas este envelope que lhe mando, feitoexpressamente para não chegar às mãos de Portinari,veio servir de prova. Um grande abraço de Rosinha”.

FILMAGEM DA VERACRUZ, companhiacriada por Ciccillo

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VINÍCIUSCiccillo parecia ser um porto para artista em dificul-dade. Há uma carta de 1958 do poeta Vinícius deMoraes pedindo empréstimo de “40 contos” (na verda-de o dinheiro da época era o cruzeiro, e ele provavel-mente se referia a 40 mil cruzeiros de forma coloquial),que fora prometido pelo mecenas, para levar a monta-gem da peça Orfeu da Conceição a São Paulo. Quatroanos antes, a peça havia sido premiada num concursorealizado nas comemorações do Quarto Centenário efora montada primeiro no Rio de Janeiro com cenáriodo arquiteto Oscar Niemeyer. “(...) O dinheiro que vocêtão generosamente prometeu viria agora a me prestarum auxílio inestimável, pois estou devendo ainda umaquinzena dos atores, e eles se recusam a vir sem serempagos integralmente, o que é perfeitamente justo. Sevocê pudesse me adiantar esse dinheiro, contra o docu-mento junto, seria ótimo, pois as minhas possibilidadestocaram realmente o fundo. Acredito que com a peçamontada possa pagar imediatamente a quantia. Se porum acaso a peça fracassar em São Paulo, pagarei entãocom o meu salário na Europa, mediante aviso do Luiz(Luiz era o portador da carta, mas não há sobrenome,nem identificação de quem seria), que ficará encarrega-do de supervisionar a peça aqui em São Paulo. (...) Sepor acaso lhe for impossível fazer qualquer coisa nessesentido, por qualquer impossibilidade momentânea,peço a você que diga ao Luiz, para que ele avise e eupossa dar um jeito. Grande abraço do velho Vinícius.”

Na pasta criada por seu Neco para guardar a cartahá a seguinte identificação: “Carta (muito íntima) deVinícius de Moraes a Ciccillo Matarazzo. Arquivamo-

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la, apesar de seu caráter reservado, para demonstrar obom caráter do homem probo que é Vinícius deMoraes: saldou seu compromisso plenamente, antesmesmo da data que ele mesmo houvera estipulado.”

As pastas que formam o “Dossiê Ciccillo” ocupa-vam arquivos de aço no escritório do industrial na sededa Metalma. Após sua morte, Seu Neco doou o acervoà Fundação Bienal e ele lá permaneceu praticamentedurante 30 anos do mesmo jeito que chegou. As pastasforam guardadas dentro de arquivos mortos e raramen-te consultadas. Só foram abertas em pesquisas esporá-dicas, como a da equipe que produziu a minissérie glo-bal Um só coração, contando a história da capital pau-lista a partir da saga de Ciccillo e da esposa Yolanda. Oator Edson Celulari, que viveu Ciccillo na tela, era figu-ra freqüente entre os documentos e teve muitas con-versas com Seu Neco, que ainda era vivo em 2003.

Ciente da importância dos documentos para pes-quisas históricas e mesmo para a memória das artes noBrasil, a Fundação Bienal está empenhada no projetode revitalização tanto do Dossiê Ciccillo quanto doconjunto maior de documentos, batizado de ArquivoWanda Svevo em homenagem a uma secretária daFundação Bienal, que morreu num acidente aéreo noPeru no início dos anos 1960 em viagem a trabalho.“Nosso objetivo é cuidar do material para que tenhavida longa e também para torná-lo mais acessível parapesquisas de estudiosos de várias áreas. A história dasartes e das instituições culturais no País passa porCiccillo”, diz Adriana Villela, coordenadora da equi-pe que põe a mão na massa para garantir a preserva-ção do material.

FOLHA IMAGEM

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LIBERDADE OU SOLIDÃO?Ficar só em alguns momentos é saudável para o casamento, mas nos expõe ao temor de viver sem ninguém por perto

Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo

AH, ELES FORMAM UM CASAL MUITO FELIZ.Tomam café da manhã juntos, se beijam quan-do ele sai para trabalhar e ela passa o dia se ocu-pando das coisas de que se ocupa uma boaesposa. À noite, quando ele chega, ela está sem-pre alegre, pronta a ouvir as histórias que oshomens adoram contar sobre o que aconteceuno escritório. Vêem um pouco de televisão,geralmente dormem cedo, e ela tem o cuidadode ir para a cama bem bonita, como aprendeunas revistas femininas.

Se alguém perguntar se ela é feliz, a respos-ta vem rápida, sem nem precisar pensar: é feliz,sim, claro que é. O único problema são os finsde semana. O que é que se faz com um homemem casa sábado e domingo? Alguns vão ao fute-bol ou dão um trato no carro, mas um maridoque não faz nada, a não ser se espichar no sofá,de bermuda, lendo os jornais, vira um proble-ma. E o almoço no domingo com amigos,seguido de um biribinha, não é exatamente oprograma de seus sonhos.

Mas, supondo que todos os amigos tenhamviajado, duas pessoas juntas durante dois diasseguidos fazem o quê? Falam de quê? Discutir asituação política é assunto que homem só gostade falar com homem, e se ela tentar trocar umaidéia sobre a mudança que quer fazer na deco-ração da casa, ele não vai estar nem um poucointeressado. Falar ao telefone com uma amiga écoisa que não se faz com marido em casa. Sepõe um disco, ele suspira; se pega um livro,pode ouvir uma frase do tipo “mas vai ler logohoje, que eu estou em casa?” Um problema.

Quando os dois jogam gamão é uma solução

– por uns tempos. Porque vai chegar o dia emque, quando vier a proposta “vamos jogar umapartidinha”, a resposta pode vir atravessada, tipo“enjoei de gamão”. É hora de tomar cuidado.

Ela começa a pensar: se ele estivesse fora,numa viagem de negócios, ela estaria fazendo oquê? Para começar, nada – absolutamentenada. Ia ler os jornais tomando um guaranádiet no gargalo, com Roberto Carlos cantandobem alto, e deixar tudo espalhado pelo chão.

Quando desse fome, ia pensar se fazia umsanduíche de salaminho, se pedia uma comi-da de um restaurante ou se procurava alguémpara almoçar fora. Com um casal, nem pen-sar, com um amigo, ele não gostaria. É, o jeitoseria mesmo ir com uma amiga – e tudo bem.Marcariam bem tarde, lá pelas quatro da tarde– que felicidade não ter ele do lado dizendoque quer almoçar cedo para depois dar umapassadinha na casa da mãe. Hoje é o dia daliberdade total, e qual é a maior prova deliberdade de uma mulher sozinha? Chegar aum restaurante e pedir uma caipirinha, duas,três, sabendo que ninguém – ninguém é omarido, claro – vai dizer aquela frase horrenda“agora chega”.

Passa um dia maravilhoso, e quando chegaem casa meio de pilequinho, se acha a própriamulher liberada – oh, felicidade. Mas quandose deita no sofá para usufruir dessa felicidade eliga a TV, se surpreende pensando que sentefalta de ouvir ele resmungando e reclamandoporque ela bebeu demais no almoço. Fica meiomal, mas não sabe se é saudade ou apenas ummedo enorme de enfrentar solidão.

DANUZA LEÃO

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