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Conselho Editorial

Presidente: Henrique dos Santos Pereira

Membros: Antônio Carlos Witkoski Domingos Sávio Nunes de Lima Edleno Silva de Moura Elizabeth Ferreira Cartaxo SpartacoAstolfiFilho Valeria Augusta Cerqueira Medeiros Weigel

Comitê Editorial da Edua

Louis Marmoz (Université de Versailles) Antônio Cattani (UFRGS) Alfredo Bosi (USP) Arminda Rachel Botelho Mourão (Ufam) SpartacoAstolfiFilho(Ufam) Boaventura Sousa Santos (Universidade de Coimbra) Bernard Emery (Université Stendhal-Grenoble 3) Cesar Barreira (UFC) Conceição Almeira (UFRN) Edgard de Assis Carvalho (PUC/SP) Gabriel Cohn (USP) Gerusa Ferreira (PUC/SP) José Vicente Tavares (UFRGS) José Paulo Netto (UFRJ) Paulo Emílio (FGV/RJ) Élide Rugai Bastos (Unicamp) Renan Freitas Pinto (Ufam) Renato Ortiz (Unicamp) Rosa Ester Rossini (USP) Renato Tribuzy (Ufam)

Rosa Mendonça de Brito Ana Celia Ossame

Organizadoras

RELATANDO E REFLETINDO SOBRE A POBREZA, O

CURRÍCULO E OS DIREITOS HUMANOS NAS VIVÊNCIAS

DO CONTEXTO ESCOLAR NO AMAZONAS

Editora da Universidade Federal do AmazonasAvenida Gal. Rodrigo Otávio Jordão Ramos, nº 6200 – Coroado I, Manaus/AM

Campus Universitário Senador Arthur Vírgilio Filho, Bloco L, Setor Sul Fones: (92) 3305 4291 e 3305 4290 - http://edua.ufam.edu.br/

E-mail: [email protected]

Copyright © 2017 Universidade Federal do Amazonas

ReitoraMárcia Perales Mendes Silva

EditoraSuely Oliveira Moraes Marquez

Revisão PortuguêsAna Célia Ossame

Revisão TécnicaSuely Oliveira Moraes Marquez

Capa:Gean Flávio de Araújo Lima

Foto da Capa:Rosa Brito

Editoração eletrônica - Internas:Daniel Barros

Ficha Catalográfica elaborada por Suely O. Moraes - CRB 11/365

R382 Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos nas vivências do

contexto escolar no Amazonas. / Organização de Rosa Mendonça Brito e Ana Célia Ossame. – Manaus: EDUA, 2017. 200 p.; 21cm

ISBN 978-85-7401-943-7

1. Educação - Amazônia. 2. Direitos humanos. 4. Desigualdade social. I. Brito, Rosa

Mendonça (Org.). II. Ossame, Ana Célia (Org.).

CDU 37:342.7(811.3)

137

Sumário

Apresentação ..................................................................................... 7

A Desigualdade Social e o Reflexo do Programa Bolsa Família em Contextos Empobrecidos ................................................................ 9

O Programa Bolsa Família e a Interface com as Políticas Públicas de Educação ..................................................................................... 25

O Espaço Escolar e a Reprodução das Desigualdades Sociais: discurso e prática pedagógica em uma escola pública de Manaus ............................................................................................................ 65

Uma Reflexão Acerca do Uso dos Espaços como Elementos do Desenvolvimento Curricular e Combate a Pobreza em Escolas de Manaus ............................................................................................. 85

Relatando e Refletindo Sobre a Pobreza, o Currículo, os Direitos Humanos nas Vivências do Contexto Escolar no Amazonas ...107

Sobre as autoras ............................................................................ 135

Apresentação

A Coletânea “Relatando e Refletindo sobre a Pobreza, o Currículo e os Direitos Humanos nas Vivências do Contexto Escolar no Amazonas” traz levantamentos, análises e reflexões sobre a Pobreza, o Currículo e os Direitos Humanos no Contexto Escolar no Amazonas, tendo como foco a política de transferên-cia de renda do Programa Bolsa Família (PBF).

Sob o tema “Relatando e refletindo sobre a pobreza, o cur-rículo e os direitos humanos nas vivências do contexto escolar no Amazonas”, cinco artigos elaborados pelos participantes do cur-so de especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social mostram, em diferentes aspectos, não só o impacto de programas como o PBF na vida social e educacional de comunidades pobres, mas a necessidade de se aprofundar esse debate sobre as causas da pobreza e desigualdades sociais, estendendo-o a outras esfe-ras.

No item 1, “A Desigualdade Social e o Reflexo do Progra-ma Bolsa Família em Contextos Empobrecidos”, os autores tra-balharam o conceito de pobreza, desigualdade, direitos humanos e cidadania e concluíram que, mesmo com as controvérsias tra-zidas pelos críticos de programas dessa linha, é impossível não perceber os reflexos positivos do programa dadas as suas condi-cionalidades das áreas da educação e saúde.

No item 2, os autores discorrem sobre as intersetorialida-des entre política pública de assistência social e a política pública de educação, pontuando os efeitos do programa no desempenho escolar, o que configura um aspecto importante do PBF, que não se resume simplesmente em um programa de transferência de renda, pelos braços que alcançam o combate à repetência escolar e a mortalidade infantil.

No item 3, revela-se as lacunas deixadas pelo programa, pois com isso não se garante que haja transformações de peso na vida das famílias, em todos os aspectos.

O item 4 reflete sobre a escola como espaço de promoção à educação, inclusão social e respeito à diversidade analisando o

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |7nas vivências do contexto escolar no Amazonas

discurso e a prática em uma escola pública na periferia de Ma-naus.

E o item 5 apresenta estudos feitos em uma escola de tem-po integral situada no município de Manaquiri, a 146 quilôme-tros de Manaus, mostrando a necessidade de se construir uma estrutura curricular e conteúdos que correspondam às necessi-dades dos estudantes.

Os temas e os conteúdos debatidos nessa coletânea atuali-zam e instigam os educadores a tecer novos percursos e a ampliar seu olhar sobre essas questões, afinal, elas contextualizam os am-bientes onde estão inseridos todos os envolvidos.

Nesse ambiente destaca-se o papel do professor como me-diador do conhecimento, da escola, como espaço privilegiado para envolver os estudantes e fazê-los não apenas participantes passivos do PBF e o papel da sociedade, que não pode continuar omissa a questões como acesso à cidadania.

Por isso, um dos grandes desafios concluídos pelo grupo, é a necessidade de repensar as práticas educativas e curriculares desenvolvidas em nossas escolas para atender aos desafios con-junturais vivenciados pelos nossos alunos.

Ana Celia Ossame

8| Rosa Mendonça de Brito | Ana Celia Ossame (Org.)

A Desigualdade Social e o Reflexo do Programa Bolsa Família em

Contextos Empobrecidos1

Gisele de Lima Vieira | Ademir Mota do Nascimento |Alcinéia Morais de Souza | Celestrina Soares Pereira |

Cláudia Barbosa da Silva | Devania Carvalho da Silva |Delzuíta Gama de Sousa | Eirismar Barata Marques |

Francisco Gerferson da Costa Brito | Gizele Gondim de Souza |Karoline Souza Figueiredo | Kátia Maria Gonçalves Afonso

Lima

RESUMO

Este artigo é resultado de uma construção coletiva no cur-so de especialização em Pobreza e Desigualdade Social, que se propõe analisar numa perspectiva bibliográfica, os impactos do Programa Bolsa Família na vida das famílias beneficiadas deste programa e avaliar se este proporciona a melhoria da aprendiza-gem das crianças. A pesquisa é de caráter qualitativo e descritivo dos fenômenos sociais estudados e ora evidenciados nos resulta-dos, que utiliza como fonte de informações e análise de dados a pesquisa bibliográfica. A pesquisa tem caráter bibliográfico, pois, para chegar aos objetivos estabelecidos inicialmente, foi realizada a análise dos artigos disponibilizados pelo curso Educação, Po-breza e Desigualdade Social, onde foram trabalhados os concei-tos de pobreza, desigualdade, direitos humanos e cidadania.1 - Trabalho produzido coletivamente ao término do curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Sob a orientação da Professora MSc. Gisele de Lima Vieira.

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10| Rosa Mendonça de Brito | Ana Celia Ossame (Org.)

Palavras- chave: Educação. Bolsa Família. Pobreza. Desigualda-de Social.

INTRODUÇÃO

A referente pesquisa propõe-se a analisar a produção social da pobreza no Brasil, a qual leva a desigualdade social, acarretan-do problemas na sociedade não somente evidenciada no territó-rio brasileiro, mas afetando a maioria dos países na atualidade. A miséria existe em quase todos os países, porém, a diferença social é um fenômeno mais acentuado nos países subdesenvolvidos. Acredita-se ser imprescindível a discussão desta temática, evi-denciando ações governamentais criadas no intuito de amenizar a situação de miséria existente no Brasil. Deste modo, acredita--se que a superação deste problema social só será uma realidade mediante a criação de políticas públicas sérias que interfiram efe-tivamente na vida dos brasileiros com vistas a melhoria da quali-dade de vida dos mesmos.

Desta forma, o presente artigo discute os impactos que o Programa Bolsa Família traz à vida das famílias beneficiadas por este programa e como ele pode contribuir no âmbito educacional no que concerne à frequência escolar das crianças contempladas com este programa. Alguns pontos em discussão serão eviden-ciados neste trabalho, quais sejam:

1 A POBREZA E A DESIGUALDADE SOCIAL

No mundo em que vivemos, percebemos que os indivíduos se diferem e estas diferenças se baseiam nos aspectos referentes à classe social, raça, sexo, cultura dentre outros. No que tange ao aspecto social, constata-se que existem indivíduos que vivem em absoluta miséria não tendo sequer o que comer durante o dia e outros que vivem num grau de status social elevado, com mesa farta todos os dias. Por isso, percebe-se a desproporcionalidade social, assumindo feições distintas em um conjunto de elementos econômicos, políticos e culturais próprios de cada sociedade.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |11nas vivências do contexto escolar no Amazonas

O art. 6º da Constituição Federal do Brasil (1988) define os direitos sociais, quais sejam: direito à educação, à saúde, à ali-mentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previ-dência social, à proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados. O direito à alimentação foi inserido na Cons-tituição Federal (1998) em 1993, sendo equiparado aos demais direitos humanos estabelecidos na Carta dos Direitos Humanos de 1948.

A má distribuição da renda é uma das principais causas da pobreza em muitos lugares do mundo e no Brasil, portanto, não basta um alto crescimento econômico se não houver reparti-ção das riquezas de forma justa e igualitária, diminuindo as dife-renças entre ricos e pobres, criando condições de empregos que propicie salários dignos para que o assalariado consiga ter acesso à moradia adequada, transportes de qualidade, educação, sanea-mento básico e outros direitos constitucionais.

O combate à pobreza, enquanto um fenômeno complexo e multidimensional, ainda acontece de forma muito tímida nas políticas voltadas para o enfrentamento deste fenômeno. Euzébio (2007) afirma que a desigualdade social ultrapassa os limites da materialidade e se expressa em todas as esferas da vida humana e que as pessoas devem ter uma visão certa sobre a sua condição de vida e de suas reais necessidades para a busca de uma vida digna. Para Melo (2005), a pobreza se configura como:

[...] um fenômeno multidimensional, que associa os indicadores de subconsumo, desnutrição, condições precárias de vida, baixa escolaridade, insuficiência de renda, inserção instável no mercado de traba-lho e pouca participação política e social. (MELO, 2005, p. 13).

A pobreza é uma violação aos direitos humanos, por ser uma afronta ao direito econômico de qualquer indivíduo de ter meios para subsistir com dignidade. A respeito da pobreza e a ex-clusão social, a Declaração e o Programa de Ação da Conferência de Viena (1993) afirmam que:

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[...] a pobreza extrema e a exclusão social constituem uma violação da dignidade humana e que são necessárias medidas ur-gentes para alcançar um melhor conheci-mento sobre a pobreza extrema e as suas causas, incluindo as relacionadas com o problema do desenvolvimento, por forma a implementar os direitos do homem dos mais pobres, a colocar um fim a pobreza extrema e a exclusão social e a promover o gozo dos frutos do progresso social. (DE-CLARAÇÃO E PROGRAMA DE AÇÃO DA CONFERÊNCIA DE VIENA, 1993, p. 7).

A pobreza tem sido a condição natural e permanente do homem ao longo da história do mundo. Indivíduos ou nações inteiras são caracterizados como pobres pelas seguintes razões: (1) eles não podem ou não sabem produzir muitos bens ou ser-viços que sejam muito apreciados por outros; (2) eles podem e sabem produzir bens ou serviços apreciados por outros, mas são impedidos de fazer isso; ou (3) eles voluntariamente optam por ser pobres.

Sachs (2005, p. 24) explica que há três níveis de pobreza:

(1) extrema ou absoluta - normalmente encontrada em países em desenvolvimen-to, onde as necessidades básicas de alimen-tação e moradia não conseguem ser aten-didas.(2) moderada - as necessidades básicas são atendidas, mas não outras, tais como edu-cação e saúde; qualquer vicissitude, como doença, morte na família, ou desemprego, pode precipitar o indivíduo na extrema pobreza. (3) relativa - associada a famílias que pos-suem renda, porém em níveis moderados.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |13nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Quando a renda é inferior à média nacio-nal, o indivíduo tem acesso a serviços de educação e saúde de baixa qualidade, mas sua capacidade de ascender socialmente é limitada.

Embora a pobreza extrema seja a mais grave, defen-de-se que todos os níveis devem ser combatidos, de forma que os pobres tenham uma chance de “[...] subir a esca-da de desenvolvimento econômico” (SANCHS, 2005, p. 24). Para compreender a pobreza no mundo, Prahalad (2005) criou a Base da Pirâmide Econômica Mundial, onde a distribuição da riqueza e a capacidade de geração de renda podem ser entendidas sob a forma de uma pirâmide econô-mica. No topo da pirâmide estão os ricos, com numerosas oportunidades de gerar altos níveis de renda, porém mais de 4 bilhões de pessoas vivem na base da pirâmide.

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Gráfico 1- A pirâmide econômica mundial

Fonte: Adaptado de Prahalad (2005).

De acordo com Rodrigues e Barbieri (2008), a pirâmide é uma forma usual para representar uma sociedade dividida em classes sociais, na qual a pequena parcela da população situada na cúpula detém a maior parte da riqueza e renda, enquanto a maioria situada na base detém uma parte reduzida. Na base da pirâmide concentra-se a maioria da população, parcela da popu-lação menos favorecida no processo de desenvolvimento econô-mico e social.

Segundo Brasil (2010, p. 13), “[...] praticamente um em cada quatro brasileiros, estava sujeito à extrema insegurança ali-mentar e vivia um cotidiano marcado pela fome e pelo não reco-nhecimento dos direitos sociais básicos”. Compreende-se que o Brasil é um país com elevada desigualdade de renda que infere no crescimento econômico, fator que durante o plano real buscou combater a desigualdade com crescimento econômico e social ligado à redução das diferenças.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |15nas vivências do contexto escolar no Amazonas

A desigualdade está em não ter a mesma condição de crescimen-to (no âmbito social) para todos e conhecer a causa da pobreza e a falta de oportunidades é o primeiro passo para minimizar a situação.

2 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA COMO POSSIBILIDADE INICIAL PARA A MINIMIZAÇÃO DA POBREZA E A DESIGUALDADE SOCIAL

Um programa efetivo de combate à pobreza precisa com-binar uma política de transferência de renda em caráter emer-gencial com uma política estruturante capaz de permitir que a pessoa tenha condições de sair da pobreza e a ela não mais re-tornar. Políticas sociais voltadas para a transferência focalizada de renda podem apresentar um resultado satisfatório para um problema de conjuntura. Todavia, a pobreza é um problema de natureza estrutural e, portanto, requer medidas de reestrutura-ção das bases econômicas e sociais.

O Programa Bolsa Família foi criado no Governo do pre-sidente Luiz Inácio Lula da Silva em 20 de outubro de 2003 pela Medida Provisória nº 132, convertida na Lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004. Este programa se configura na associação de transferência de renda e acesso aos direitos sociais básicos de saúde, alimentação, educação e assistência social, visando aten-der famílias em situação de vulnerabilidade social. O Programa Bolsa Família é resultado da unificação de outros programas so-ciais anteriormente criados pelo Governo Federal.

As condicionalidades do Programa Bolsa Família, fre-quência escolar, baixa renda, acompanhamento nos cuidados básicos de saúde, reforçam o direito da criança à educação, ao mesmo tempo em que permitem uma ruptura no ciclo da pobre-za a partir das gerações futuras. Há quem acredite que o objetivo principal do Programa Bolsa Família é a proteção social e que a cobrança excessiva de condicionalidades pode acabar por di-ficultar o acesso às famílias mais vulneráveis, as que realmente necessitam do benefício.

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No entanto, é necessário que o Governo fiscalize com maior rigor esse acesso e suas contrapartidas para que realmente esse benefí-cio chegue a todas elas. Segundo Soares e Sátyro (2009):

Obrigatório ou não, o cumprimento dessas contrapartidas por parte das famílias que vivem em situação de extrema vulnerabi-lidade social e de renda não é tão simples formalidade e a institucionalidade é mais frágil. Vivem longe das escolas e dos postos de saúde. Frequentemente vivem além do alcance dos correios. Supõe-se, portanto, que o Estado deva entrar cumprindo seu dever constitucional de criar condições para que as famílias façam a parte que lhes cabe (2009, p. 15).

De acordo com o Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004, em caso de descumprimento das condicionalidades, a família recebe advertências e é submetida a diversas avaliações que podem ocasionar a suspensão temporária do benefício ou até mesmo o seu cancelamento. Entretanto, frequentar a escola para assegurar o benefício não garante que o aluno terá acesso a uma educação de qualidade, educação essa que lhe permitirá futuramente competir no mercado de trabalho por um emprego com melhor remuneração. Assim, ainda que o Programa Bolsa Família contribua para a inserção de crianças e jovens nas escolas e para a redução do trabalho infantil e da pobreza extrema, ele não se configura como uma política educacional que promova a superação do ciclo vicioso da pobreza através da educação, o que pressupõe ações relativas à qualidade do ensino que pode-ria ser ofertado pelas escolas públicas nas condicionalidades do Programa.

A contribuição do Programa Bolsa Família para a frequên-cia escolar e, consequentemente, a melhoria da aprendizagem, é posta em dúvida por muitas pessoas que desconhecem ou igno-ram totalmente seus benefícios, por nunca ter sido beneficiário deste programa ou simplesmente por não conviver com pessoas

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que dependem do mesmo. Os críticos apontam o caráter assis-tencialista, pois, ao invés de estimular as famílias assistidas a ingressarem no mercado de trabalho, o Estado as sustenta com uma renda permanente. Estudos revelam que apesar de ter sido criado com o intuito de reduzir as desigualdades sociais e distri-buir renda, o Programa Bolsa Família não encontra uma saída definitiva para a pobreza em virtude, dentre outros fatores, do assistencialismo que acaba por criar uma submissão e relação de dependência dos beneficiários em relação ao programa.

Para Cohn (1995), deve-se entender que as políticas sociais que são voltadas para a minimização da pobreza, são aquelas que têm ação e resultado de imediato, direcionadas a classe mais ne-cessitada, buscando a superação da pobreza, e possibilitando um crescimento sustentável destes indivíduos. Cohn (1995) sugere que as políticas sociais acima de tudo, devem propiciar:

A articulação entre aquelas (ações) de cur-to prazo, de caráter mais imediatista, foca-lizada naqueles grupos identificados como os mais despossuídos, e aquelas de longo prazo, de caráter permanente, universali-zastes, voltadas para a equidade do acesso dos cidadãos aos direitos sociais, indepen-dentemente do nível de renda e da inser-ção no mercado de trabalho (p. 6).

De acordo com o argumento de Fleury (2003, p. 11), um modelo assistencial “[...] muitas vezes são medidas estigmatiza-das, visto que, para ter acesso a determinados programas, é ne-cessário comprovação da situação de pobreza”. É com base nisso que Fleury (1997) usou a expressão cidadania invertida para afir-mar que o indivíduo tem que provar seu fracasso no mercado de trabalho para ter acesso a uma política de proteção social.

No caso brasileiro, o Mapa da Exclusão Social no Brasil (POCHMANN; AMORIM, 2003) indica que 41,6% das cidades do Brasil apresentam os piores resultados no que se refere à ex-clusão social, sendo a grande maioria situada nas Regiões Norte

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e Nordeste. Ainda nesse campo, dados do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas, utilizando-se do Censo Demográfico de 2000, calcula que 35% da população bra-sileira vivem em extrema pobreza, equivalendo 57,7 milhões de pessoas, sendo as Regiões Norte e Nordeste as de maior concen-tração da pobreza extrema, abrigando 13,8 milhões de pessoas nessa situação (INSTITUTO BRASILEIRO DE ECONOMIA – FGV, 2001).

Ao criar políticas sociais, que são intervenções do Estado nas questões sociais existentes para compensar distorções de-correntes do processo de desenvolvimento capitalista, o Estado procura diminuir as distâncias entre pobres e ricos, permitindo que as novas gerações quebrem o ciclo da pobreza e possam lutar para avançar, no sentido vertical, na pirâmide social. As famílias na sociedade capitalista não dispõem de igualdade de condições, sendo que os mais pobres tendem a reproduzir continuamente o ciclo da pobreza: baixo nível educacional, má alimentação e saú-de, instabilidade no emprego e baixa renda.

Apesar das críticas, com o Programa Bolsa Família, em 2008, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apre-sentou, no dia 4 de agosto, o Comunicado da Presidência nº 25 – Desigualdade e Pobreza no Brasil Metropolitano Durante a Crise Internacional – os primeiros resultados que mostraram a diminuição do empobrecimento no país, considerada uma me-lhora histórica. Pochmann (2003) mencionou alguns fatos que explicam essa redução da desigualdade no país:

De um lado, a crise se manifestou de for-ma mais concentrada no setor industrial, que geralmente paga os melhores salários. De outro lado, temos a proteção da renda na base da pirâmide social brasileira, com aumento do salário mínimo e políticas de transferência de renda previdenciárias e assistenciais. (POCHMANN, 2003, p. 88).

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |19nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Segundo Campos (2015), repórter da Agência Brasil, a ministra Tereza Campello aponta a diminuição da pobreza, se-gundo o IBGE, o Índice de Gini, que mede a desigualdade de distribuição de renda nos países, apresenta trajetória decrescente no Brasil desde 2004 que passou de 0,495, em 2013, para 0,490, em 2014. Desta Forma:

Houve redução da desigualdade no país, sistemática e persistente. O Índice de Gini melhora em todas as regiões. Os indica-dores mostram um Brasil que avança que melhora do ponto de vista da renda, da ci-dadania [...] (CAMPOS, 2015, p. 20).

Muitos programas sociais são utilizados por políticos como forma de conquistar o povo para obtenção do voto. Os usuários, por sua vez, dispõem do poder de promover mudança de gestão, em qualquer das instâncias do governo. O mau uso desses recursos dos programas sociais – por políticos – com fins eleitoreiros desvia completamente o sentido e o objetivo primor-dial do programa, além de se estar cometendo um crime eleitoral.

3 BOLSA FAMÍLIA COMO POSSIBILIDADE DE MELHORIA NA EDUCAÇÃO DAS FAMÍLIAS BENEFICIADAS

Atualmente, o Estado brasileiro busca diminuir a pobreza a partir de programas de transferência de renda, na tentativa de amenizar as consequências da mesma. A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) aponta que o Brasil apresentou melhoras, contudo, há a necessidade de ampliar as políticas pú-blicas para a melhoria da distribuição de renda.

O Brasil tem um dos piores índices no ranking de educa-ção e isso se dá por conta dos baixos investimentos feitos pelo Governo nesse setor. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam um alto índice de evasão escolar no Brasil. Segundo este órgão, considerando que a escolaridade bá-sica é de nove anos, jovens de doze a quatorze anos que vivem

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com uma renda familiar per capita acima de dois salários míni-mos têm uma média de 6,4 anos de estudo, enquanto aqueles que vivem abaixo deste rendimento apresentam uma média inferior (3,4 anos de estudo). Isso se repete em todos os grupos de idade. Entre 18 e 24 anos, por exemplo, aqueles que vivem acima de dois salários mínimos per capita, apresentam a média de 10,6 anos de estudo e os que vivem abaixo deste rendimento, 4,6 anos (IBGE, 2000).

O Censo 2000 do IBGE divulga as taxas de analfabetismo que são maiores nos municípios menos populosos. Isto ocorre para todas as categorias de cor ou raça. Nas cidades com até 20 mil habitantes, a taxa de analfabetos entre brancos, era de 14,8%, para as pessoas de cor preta alcançava 37,5% e as pardas, 28,9%.

Em 2000, apesar da quase universalização do acesso à es-cola das crianças de 10 a 14 anos, 5,9% (mais de um milhão) ain-da eram analfabetas, e 77,8% delas residiam em municípios com até 100 mil habitantes. Embora tenham caído para todos os gru-pos de cor, as taxas de analfabetismo ainda são duas vezes mais elevadas para as crianças pretas ou pardas (9,9% e 8,5%) do que para as brancas (3,0%), segundo o Censo 2000 do IBGE. De acor-do com este Censo, as taxas de analfabetismo entre as meninas eram, em geral, mais baixas do que entre meninos, mas chama a atenção essa diferença entre as crianças pretas: taxa de 12,4% para os meninos e 7,1% entre as meninas.

A evasão escolar e a defasagem idade/série parecem estar diretamente relacionadas à necessidade de complementação da renda familiar. De acordo com o IBGE, (2000) dos jovens de 15 anos de idade, apenas 16,53% estão na escola, enquanto 22% tra-balham e estudam 8% só estudam, 7% estudam e estão a procura de emprego e 10% não estudam. Como não poderia deixar de ser, as duas escolas públicas em que o projeto “Risco à Proteção” atua, refletem a totalidade dos problemas existentes no sistema educacional brasileiro.

A evasão escolar também é uma realidade neste contexto e ela está, muitas vezes, associada às condições econômicas e so-ciais das famílias. A necessidade de complementação da renda

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |21nas vivências do contexto escolar no Amazonas

familiar é uma realidade que permeia o cotidiano das famílias mais pobres, o que interfere diretamente no rendimento escolar dos alunos (GUZZO; LACERDA et al, 2005).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mundo, há existência de famílias pobres que vivem em condições precárias na sociedade, falta condições básicas para terem uma vida digna e saudável. Na situação de pobreza, as di-ferenças também surgem relativas a diversos problemas: estru-tura familiar, escolaridade, a escassez de recursos por parte dos governantes etc.

Vale ressaltar que, diante do cenário descrito neste traba-lho, faz-se necessário direcionar a atenção para políticas voltadas ao efetivo combate à pobreza, levando em consideração as suas múltiplas dimensões e a complexidade que ela envolve. Diante do exposto, observou-se que o problema da pobreza não é devido à escassez de recursos, mas sim à má distribuição destes, além da subordinação das políticas sociais aos interesses econômicos dos grupos dominantes.

As políticas públicas sociais precisam chegar aos pobres, sobretudo aqueles que se encontram em situação de extrema pobreza. Além disso, é necessário que, concomitante a isso, haja políticas estruturantes para que se criem bases sólidas para o de-senvolvimento social, pois a maior riqueza de uma nação é o seu povo.

O Programa Bolsa Família como um benefício para as pes-soas que vivem na pobreza ou extrema pobreza, tem um forte impacto sobre a desigualdade de renda e beneficia de fato as fa-mílias realmente necessitadas, pois, dispor de uma renda é con-dição mínima de cidadania e cabe ao beneficiário decidir de que forma vai fazer uso do benefício.

Os Programas de Renda Mínima, assim como as ações po-líticas e muitas outras iniciativas que visam promover a distribui-ção de renda, a inclusão social ou outro tipo de benefício para os mais carentes em sua maioria, são sempre alvos de críticas nega-

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tivas, não desfrutam da unanimidade da opinião pública, prin-cipalmente das classes média e alta, favorecidas pelo bem-estar financeiro e social, sem se importar com os menos favorecidos ou excluídos pela sociedade.

Mesmo com todas as críticas negativas ou positivas, os programas de renda mínima têm cumprido um papel funda-mental no esforço de universalizar os direitos fundamentais do ser humano no Brasil, ainda assim existem milhares de brasilei-ros que continuam vivendo às margens da sociedade, na pobreza em situação de exclusão social, necessitando de políticas sérias e comprometidas com o bem-estar da população e seus interesses sociais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Bolsa Família. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Disponível em: http://www.mds.gov.br/bolsa-familia/. Acesso em: 15 out. 2106.

______. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Brasília: Impresso na Secretaria de Editoração e Publicações, 2014.

______. Decreto n° 5.209, de 17 de setembro de 2004. Regula-menta a Lei no 10.836, de 9 de janeiro de 2004, que cria o Pro-grama Bolsa Família, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/de-creto/d5209.htm>. Acesso em: 05 jun. 2016.

______. Lei nº 10.836 de 09 de janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.836.htm>. Acesso em: 23 jul. 2016.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |23nas vivências do contexto escolar no Amazonas

CAMPOS, Ana Cristina. Pobreza extrema no país cai a 2,8% da população. Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-11/pobreza-extrema-no-pais-cai-28-da-popu-lacao-afirma-tereza-campello >. Acesso em: 10 set. 2016.

COHN, A. Políticas sociais e pobreza no Brasil. Planejamento e Políticas Públicas, Brasília, n. 12, jun./dez. 1995.

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Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |25nas vivências do contexto escolar no Amazonas

O Programa Bolsa Família e a Interface com as Políticas Públicas de

Educação1

Helen Bastos Gomes | Daniel Cauper |Elenilza Paiva Matos | Marinalva Aparecida de França

Rodrigues | Roseane Guimarães Cabral | Marlon Rodrigues Gomes

RESUMO

O Programa Bolsa Família (PBF) constitui-se em um pro-grama de transferência direta de renda cujo objetivo é beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no Brasil e o mesmo realiza uma interface com a política pública de educa-ção. Para tanto, o artigo em tela é oriundo do Curso de Especiali-zação Pobreza e Desigualdade Social, ofertado pela Universidade Federal do Amazonas em parceria com o MEC/SEDUC/SEMED. Teve como objetivos: a. Geral: Verificar a interface entre o pro-grama bolsa-família como parte da política pública de assistên-cia social e a política de educação; b. Específicos: 1. Identificar o Programa Bolsa Família como parte integrante da política públi-ca de assistência social; 2. Discorrer acerca da intersetorialidade entre a política pública de assistência social e a política pública de educação; 3. Pontuar os efeitos do Programa Bolsa Família no desempenho escolar. Utilizou-se como procedimento meto-dológico aplicação de um formulário com questões abertas, junto a vinte e cinco (25) participantes entre eles: gestores, professo-res, famílias com Bolsa Família e sem Bolsa Família. Para tanto, a reflexão proposta no presente artigo visa apresentar a visão dos

1 - Trabalho produzido coletivamente ao término do curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Sob a orientação da Professora MSc. Hellen Bastos Gomes.

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sujeitos pesquisados acerca da interface da educação com o Bolsa Família, sob o prisma da qualificação da relação assistência social e educação, que se constitui em direitos sociais, em direitos de cidadania. Por fim, argumenta-se que o Programa Bolsa Família produz impacto na redução da repetência e evasão escolar, pois o programa não trata somente de uma transferência de renda, vai além disso, já que ao assegurar que as famílias mantenham suas crianças nas escolas coíbe o aumento do trabalho infantil, além de inflexionar na saúde dessas crianças a partir da obrigatorieda-de da vacinação dessa crianças com vistas a assegurar seu acesso aos serviços de saúde materializando o usufruto do direito a saú-de por parte dessas famílias beneciadas pelo programa.

Palavras-chave: Programa Bolsa-Família. Política Pública de Educação. Assistência Social.

INTRODUÇÃO

A emancipação política em si não é a emancipação humana.

Karl Marx

Discorrer acerca do Programa Bolsa Família e sua relação com a Política Pública de Educação vai além de demonstrar a questão da condicionalidade para o recebimento do benefício. A relação desse programa com a educação requer pensar em pro-jeção futura, pois quando se pensa em garantir uma segurança, ainda que mínima, de renda para que famílias mantenham seus filhos na escola para caminhar na direção de uma mudança de vida, de perspectiva na busca por um processo emancipatório está se pensando na cidadania como forma de exercitar a demo-cracia.

Historicamente no Brasil, a política de assistência social era tratada como caridade, benesse e por meio de ações filantró-picas. Com o advento da Constituição Federal de 1988, instaura--se um novo momento para essa política, visto que ela passa a in-tegrar o tripé da Seguridade Social brasileira e junto com a saúde e a previdência social adquirem status de direito.

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Ademais, a Assistência Social materializa-se como política pública afiançadora de seguranças com a promulgação da Polí-tica Nacional de Assistência Social – PNAS em 2004, bem como em 2005 tem-se a emergência do Sistema Único de Assistência Social – SUAS2 que visa ofertar um conjunto articulado e inte-grado de serviços, programas, projetos e benefícios por níveis de proteção – básica e especial -, com vistas a assegurar as seguran-ças básicas da PNAS (2004). O SUAS (2005) também define e organiza tudo que é necessário e essencial para que a política de assistência social seja executada de forma padronizada em todo o território brasileiro, além do que consiste em responsabilidade desse sistema único – as 03 (três) funções: 1) Proteção Socioas-sistencial; 2) Defesa Social e Institucional e 3) Vigilância Social.

Nesse sentido, a Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/AS de 2005 estabelece cinco tipos de seguranças que a política de assistência social deve ofertar, quais sejam: a. segurança de acolhida; b. segurança de sobrevivência; c. segu-rança do convívio familiar; d. segurança do desenvolvimento da autonomia individual; e segurança social de renda, que se consti-tuem em garantias afiançadas por essa política para que se exerça a proteção social para os que necessitam da política de assistência social em nosso país.

Ora, sabe-se que no Brasil, a desigualdade social é crescen-te. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicí-lios (PNAD) de 2013, o Índice Gini, que varia de 0 a 1, piorou de

2 - O SUAS constitui-se na regulação e organização em todo o território nacio-nal das ações sócioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda, gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico--políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil, e estes têm o papel efetivo na sua implanta-ção e implementação. O SUAS materializa o conteúdo da LOAS, cumprindo no tempo histórico dessa política as exigências para a realização dos objetivos e resultados esperados que devem consagrar direitos de cidadania e inclusão social (PNAS, 2004, p. 39).

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0,496 em 2012 para 0,498 em 2013, depois do primeiro aumento desde 2001. Ressalta-se que o índice Gini é usado no mundo todo para medir a desigualdade, pois ele revela a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos. E ainda, pesqui-sa anual do IBGE (2013) mostrou que o contingente de 1% dos brasileiros mais ricos ainda ganha quase cem vezes mais que os 10% mais pobres.

Para elucidar a desigualdade em números, os dados da PNAD (2013) apresentam a seguinte realidade: a. analfabetis-mo: atinge cerca de 13 milhões de pessoas a partir de 15 anos no país. Ou seja, 8,3%. Essa taxa está em declínio. Porém, a taxa de analfabetismo funcional é de 17,8%; b. crianças na escola: 98,4% das crianças em idade compatível com o ensino fundamental (6 a 14 anos) estão na escola, e, entre crianças de 4 a 5 anos, este índice aumentou 3,1%, alcançando 81,2%. Já quando se analisar a população acima de 25 anos, 43,4% não completaram o ensi-no fundamental, ante 45,4% em 2012; c. trabalho infantil: atinge meio milhão de crianças com idades entre 5 a 13 anos. A maior parte trabalha na atividade agrícola (63,8%), contudo, grande parte não é remunerada; d. instrução: um quarto dos trabalhado-res brasileiros (25,7%) não têm ensino fundamental completo, e 7% não têm qualquer instrução; e. desemprego: em 2013, aumen-tou pela primeira vez desde 2009, passando a 6,5% (ante 6,1% em 2012); f. Trabalho formal: o número de pessoas com carteira de trabalho assinada cresceu 3,6% no setor privado, passando a 36,8 milhões de pessoas (ou 76% do total); g. renda por gênero: o ren-dimento dos homens ainda é superior ao das mulheres. Ou seja, o salário feminino corresponde a 73,7% do masculino.

Os números da PNAD (2013) revelam o tamanho do desa-fio no enfrentamento da desigualdade, que é histórica, em nosso país. E isso é expresso no aumento da pobreza em nossa socie-dade. A Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2016 revela-nos que o quantitativo de famílias com rendimento per capita inferior a 1/4 do sa-lário mínimo voltou a crescer em 2015 após quatro anos de queda. De acordo com o levantamento realizado, em 2015, 27% das famílias brasi-leiras ganhavam até meio salário mínimo. Já no ano de 2013 elas soma-vam 25,8% e, no ano anterior, 26,7%.

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Nessa linha de análise, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), demonstra que, em 2015, o rendimento real do trabalhador cai pela primeira vez numa linha histórica de 11 anos. A renda média passou de R$ 1.950, em 2014, para R$ 1.853, em 2015, o que representa uma redução de 5%. Essa pesquisa também continua a revelar a desigualdade de gênero, pois as mulheres continuam a ganhar menos, em média 76%, do que os homens.

Diante dos números é que se defende medidas de políticas públicas para o enfrentamento da pobreza oriunda da desigual-dade múltipla presente em nosso país. Assim, sendo a assistência social uma política pública afiançadora de seguranças dentre as quais, a segurança de renda é que se desvela o potencial dessa po-lítica, em sintonia com as demais políticas públicas sociais para o enfrentamento da pobreza.

A Política Pública de Assistência Social abarca uma gama de serviços, programas, projetos e benefícios a quem dela neces-sitar e de acordo com o artigo 1º da LOAS (1993, p. 07)

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Segurida-de Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciati-va pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas,

bem como dentre os objetivos da assistência social, a LOAS (1993) assegura a proteção social definindo-as em seu artigo 2º: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011); b) o ampa-ro às crianças e aos adolescentes carentes; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011); c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011); d) a habilitação e reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011); e) a garantia de 1 (um) salário-mínimo de benefício men-

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sal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não pos-suir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família; (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011).

Dentre a gama de programas sob a responsabilidade da PNAS (2004), têm-se o Programa Bolsa Família que se constitui em um programa chave da Estratégia do “Fome Zero”, que no governo de Dilma Vana Roussef é substituída pelo “Brasil Sem Miséria”. O Bolsa Família foi instituído por meio da Medida Pro-visória - MP nº 132 de 20 de outubro de 2003, sendo que essa medida se converte na Lei nº 10.836 de 9 de janeiro de 2004 cuja regulamentação se dá por meio do Decreto nº 5.209 de 17 de se-tembro de 20043, alterado pelo Decreto nº 7.447 de 1º de março de 2011.

Convém destacar que o Programa Bolsa Família constitui--se em um programa de transferência direta de renda cujo ob-jetivo é beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza no Brasil. Sendo assim, com base em números oficiais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, que em 2016 foi transformado em Ministério do Desen-volvimento Social e Agrário – MDSA, em abril de 2014 o alcance do Bolsa Família foi de 14.145.274 famílias, ou seja, o programa atingiu cerca de 50 milhões de pessoas.

Observa-se que o programa é de amplo alcance, pois aten-de a um expressivo número de famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. De acordo com a socióloga Walquiria Do-mingues Leão Rego no seu livro “Vozes do Bolsa Família” (2013), o programa tem como mérito incontestável, além de ter retirado um expressivo número de famílias de condições desumanas, ter dado às suas beneficiárias (mulheres) um pouco de dignidade e autoestima, dando certa autonomia a essas famílias na utilização do recurso financeiro, visto que

3 - Esse decreto em seu art. 4º tem por objetivos básicos: a. Promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; b. Combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; c. Estimu-lar a emancipação sustentada das famílias que vivem em situação de pobreza extrema pobreza; d. Combater a pobreza; e. Promover a intersetorialidade, a complementaridade e a sinergia das ações sociais do Poder Público.

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[...] a renda monetária, recebida através do PBF, pode criar e ampliar espaços pessoais de liberdade dos sujeitos, trazendo-lhes, consequentemente, mais possibilidades de autonomia da vida em geral. (REGO; PIN-ZANI, 2013, p. 37).

Indubitável é o êxito do programa no que tange a essa mu-dança de curso das famílias beneficiadas. Contudo, muito ainda deve ser feito para que esse potencial de autonomia se transmu-te em emancipação, visto que inúmeros são os senões acerca do Bolsa Família, que vão desde a definição do programa como sen-do assistencialista, paternalista, até a definição que se trata de um programa de cunho estritamente eleitoral.

Combater essas definições requer qualificar o programa e fortalecer a intersetorialidade entre as políticas públicas sociais para que seja colocado em movimento um conjunto de medidas que façam frente a situação de pobreza e extrema pobreza em que vivem significativa parcela da população brasileira. Além disso, a crítica aos programas de transferência de renda deve residir na questão da definição de “mínimos sociais básicos”, pois sabe--se que o benefício4 a ser pago as famílias inseridas no programa pode “[...] transitar em uma frágil fronteira na qual o direito de uma vida digna facilmente se transforma em uma esmola institu-cionalizada” (TELLES, 1998, p. 9).

4 - O Decreto 7.447, de 1º de março de 2011 altera o art. 19 do Decreto no 5.209, de 17 de setembro de 2004, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 19. I - be-nefício básico, no valor mensal de R$ 70,00 (setenta reais), destinado a unida-des familiares que se encontrem em situação de extrema pobreza; II - benefício variável, no valor mensal de R$ 32,00 (trinta e dois reais) por beneficiário, até o limite de R$ 96,00 (noventa e seis reais) por família, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição: III - benefício variável vinculado ao adolescente, no valor mensal de R$ 38,00 (trinta e oito reais) por beneficiário, até o limite de R$ 76,00 (setenta e seis reais) por família, destinado a unidades familiares que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza e que tenham em sua composição adolescentes com idade de dezesseis a dezessete anos matriculados em estabelecimentos de ensino.

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Exposto isso, este artigo, que é oriundo do Curso de Espe-cialização Pobreza e Desigualdade Social, ofertado pela Univer-sidade Federal do Amazonas em parceria com o MEC/SEDUC/SEMED, norteou a discussão a partir dos seguintes objetivos: a. Geral: Verificar a interface entre o Programa Bolsa-Família como parte da política pública de assistência social e a política de educação; b. Específicos: 1. Identificar o Programa Bolsa Fa-mília como parte integrante da política pública de assistência social; 2. Discorrer acerca da intersetorialidade entre a política pública de assistência social e a política pública de educação; 3. Pontuar os efeitos do Programa Bolsa Família no desempenho escolar. Para atingir tais objetivos e tendo como hipótese que a interface do PBF com a política pública de educação deve se dar para além das condicionalidades e sob o prisma dos direitos de cidadania, elegeu-se como aporte teórico-metodológico Behring (2005), Couto et al (2011), Fronza (2010), Raichelis (2006), Spo-sati (2006) que se constituíram na base da revisão bibliográfica.

A pesquisa de campo foi realizada no período de 01 a 30 de abril do ano de 2016, através da aplicação de formulário estrutu-rado, a partir de uma amostra de 25 participantes, sendo: (5) ges-tores, (5) pedagogos, (5) professores e (5) famílias beneficiárias e (5) não beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF). Quanto aos critérios estabelecidos para atingir o público alvo, foram: Ser gestores, pedagogos e professores das escolas em que o cursista estava inserido. Quanto as famílias participante do PBF as escolas apresentaram listas desses alunos ativos de 2016 que recebem o PBF, e as famílias que não participam do programa deveriam ser residente nas proximidades das escolas participantes da pesqui-sa.5

Ademais, a reflexão proposta no presente artigo apresenta a visão dos sujeitos pesquisados acerca da interface da educação com o Bolsa Família, sob o prisma da qualificação da relação as-sistência social e educação, que se consitui em direitos sociais, em direitos de cidadania. Cidadania, palavra muito utilizada e pouco

5 - A pesquisa foi realizada em cinco escolas públicas da cidade de Manaus, localizadas nas zonas Norte, Leste e Sul.

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exercitada pelos brasileiros, pois para que a cidadania tenda na oferta de bens e serviços que possibilitem o bem-estar social de nossa população, a defesa, a participação de direitos constituídos em nossa “Carta Cidadã” é imprescindível se quisermos tecer a doce manhã da democracia no Brasil.

2 DESENVOLVIMENTO

[...] quem opera com a Assistência, pura e simplesmente, adota uma ação curativa, paternalista, permanecendo na postura conservadora. Pelo contrário, quem ope-ra com a Assistência numa concepção de direito e cidadania trabalha no preventivo, sobre as causas, postulando uma concep-ção transformadora. (SCHONS, 2013 p. 30).

2.1 O STATUS DO PROGRAMA BOLSA-FAMÍLIA NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

Falar de direitos, falar de cidadania, requer demonstrar a processualidade histórica dessa construção no mundo e no Bra-sil, visto que direitos e a edificação da cidadania social não são frutos da benesse ou “bondade aparente” dos governantes, mas sim fruto da luta de classes que se constitui no motor da história como nos ensinou Marx e Engels no Manifesto do Partido Co-munista em 1848.

Exposto isso, argumenta-se que busca pela construção da cidadania remonta desde antiguidade clássica, passando pela idade média até o século das luzes e seu conceito na antiguida-de clássica era “privilégio” de um grupo de indivíduos seletos e/ou especiais, pois por meio deles deles as decisões políticas eram tomadas e os mesmos habitavam as cidades da época conheci-da como polis6. Na “cidade-estado” grega, talvez por crenças ou 6 - “A ênfase na categoria de “polis”, traduzida como “cidade” ou “cidade-esta-do”, tem sido uma constante na “História da Grécia”, enquanto disciplina cien-tífica, desde a segunda metade do século XIX e em todo o século XX, a ponto

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questões mitológicas que expressavam os diretos e ofuscavam os deveres diferentemente de Roma7 onde, além de enfatizar os deveres do cidadão excluíam mulheres, crianças, escravos e es-trangeiros, o que leva-nos a inferir que na Grécia Antiga, berço da cidadania, somente uma minoria social tinha direitos os quais estavam dentro do conceito de cidadania, o que significava ela-borar leis e escolher representantes políticos, ademais

[...] não obstante a complexidade social da Grécia antiga, apresentava a Cidade--Estado uma dicotomia que se refletia na-queles que eram ou não cidadãos. Assim, a cidadania era elemento de incomensurável valor. Os gregos realizar-se-iam, enquanto homens, se fizessem parte social e politica-mente da Cidade-estado. (BRITO, 2017, p. 3).

No desenrolar histórico e tendo como base os “modelos” grego e romano de cidadania adentra-se a Idade Média, onde se vivencia um período de transformações de ordem social, econô-mica e política. Instaura-se um Estado Medieval sustentado pelo Feudalismo e no poder da Igreja. Assim, a Idade Média foi um espaço em que não existia a mobilidade social sendo palco de inúmeras revoluções sociais.

Com a chegada do “Século das Luzes” inicia-se um período de mudanças. Trata-se de um momento de busca pela liberdade pela igualdade. O ideário Iluminista, o pensamento Renascentis-ta conclama pela busca da cidadania em seu sentido clássico e se constituem nas bases para o nascimento da cidadania moderna8.

de a “historia grega” ser associada quase que exclusivamente a uma “história das pólies gregas”. (SOARES, 2009, p. 71).7 - Diferentemente da cidadania na Grécia Antiga, em Roma a cidadania era atributo dos homens livres. No entanto, poucos homens livres considerar-se--iam cidadãos. Em Roma, havia três distintas classes sociais, qual sejam, os patrícios (descendentes dos povos fundadores), os plebeus (descendentes dos povos itálicos, estrangeiros) e os escravos (prisioneiros de guerra e aqueles que alcançavam esta posição por dívida). Havia também os clientes, que eram ho-mens livres, mas dependentes de um aristocrata. (BRITO, 2017, p. 5).8 - Destaca-se que a cidadania moderna emerge a partir da ruptura da ordem social medieval, cujo marco inicial reside nas revoluções burguesas na Europa

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |35nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Carlos Nelson Coutinho (1999, p. 43) afirma que “[...] no mundo moderno, a noção e a realidade da cidadania também es-tão organicamente ligadas à ideia de direitos”. Assim, com base na “cronologia” feita por T. H. Marshall em sua “Cidadania, clas-se social e status” de 1949 acerca dos direitos de cidadania tem--se: a. os direitos civis coletivos, conquistados no século XVIII; b. os direitos políticos, conquistados no século XIX; c. No século XX, quando, enfim, se consolidam os direitos sociais. Esses três conteúdos da cidadania devem ser gozados de forma indissociá-vel, com vistas ao exercício da cidadania de forma plena.

Os pressupostos reforçam que a cidadania contempla esses três conteúdos que devem ser usufruído de forma indissociável. Assim, as falas abaixo demonstram como os pesquisados apreen-dem o conceito de cidadania:

Cidadania é o exercício dos direitos e deve-res civis, políticos e sociais estabelecidos na Constituição de um país. Os princípios ba-seiam-se no convívio em sociedade, no qual gozam de seus direitos e deveres9.

Para ser cidadão a pessoa precisar ter cons-ciência de seus direitos e deveres e acesso a educação, tendo acesso a seus direitos esse cidadão tem essa cidadania assegurada.10

Cidadania é quando uma pessoa tem seus direitos respeitados e quando isso acontece, esse direito está assegurado.11

Posso definir de três maneiras: 1) é quan-do o Estado coloca em prática os direitos e deveres de um indivíduo (seu povo); 2) é

ocidental. Sendo assim, é licito afirmar que a concepção moderna de democra-cia surgiu a partir do século 18, com as revoluções burguesas com vistas a queda do poder absolutista do monarca, dentre as revoluções burguesas desse período destaca-se: a Revolução Americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789.9 - Coordenador Pedagógico 2.10 - Gestor 7.11 - Família com Bolsa Família 4.

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quando a sociedade se conscientiza de que seus direitos e deveres têm que ser cumpri-dos, a fim de que desfrute de uma vida sau-dável, equilibrada e justa; 3) posso afirmar que cidadania é uma troca: Estado-povo, direitos-deveres. Uma pessoa só é conside-rada cidadã quando ela não só usufrui de seus direitos, mas também exerce seus de-veres.12

As falas expressam o entendimento de que a cidadania é construída, portanto, não se constitui em um conceito estanque e a-histórico, além de destacar que direitos e deveres são intrín-secos ao conceito de cidadania. O usufruto desses direitos não é algo fácil ou imediato, pois muitas vezes vive-se em países com frágil ou pouca tradição democrática, que obliteram o exercício da cidadania em sua forma plena, pois cidadania é pertencimento nos destinos das pessoas em sociedade, na busca por bem-estar, o que nos leva a inferir que, mesmo tendo direitos instituídos, muitas pessoas estão longe de ter o nível de qualidade desejado para uma vida digna.

Sabe-se que as sociedades capitalistas são sociedades desi-guais, para fundamentar isso é correto afirmar que

[...] em geral, é reconhecido que a exis-tência de políticas sociais, é um fenômeno associado à constituição da sociedade bur-guesa, ou seja, do específico modo capita-lista de produzir e reproduzir-se. (BEH-RING, 2009, p. 1-2).

Nesse sentido, verifica-se uma contradição entre cidadania moderna e sociedade capitalista, visto que existe

[...] uma espécie de tensão irredutível, também chamada de guerra, entre o prin-cípio da igualdade – implícito na ideia de

12 - Família sem Bolsa Família 5.

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cidadania – e as desigualdades inerentes ao capitalismo e à sociedade de classes. (MOURA, s.d., p. 23).

Vivemos em uma sociedade “democrática”, que promul-gou em 1988 sua “Constituição Cidadã”, assegurando direitos sociais e instituindo um sistema de seguridade social cujo tripé é a saúde, assistência social e previdência social. O objetivo é asse-gurar proteção social nos moldes dos regimes de bem-estar social que vigoraram fortemente nos países de capitalismo avançado no período de 1945 a 1975, que se constitui nos “Anos Dourados”, ou melhor, nos “Trinta Anos Gloriosos” em que o Welfare State teve o seu ápice na oferta de serviços sociais básicos aos cidadãos, cujo avesso é a desigualdade extrema presente no Brasil contem-porâneo, além disso revela-se que:

[…] A cidadania consiste, em primeiro lugar, e mesmo antes de considerar o ele-mento territorial, no reconhecimento da-queles direitos marshallianos (civis, políti-cos e sociais) que traduzem, na prática, os conteúdos dos nossos direitos fundamen-tais. O problema está, evidentemente, aon-de esses não possam ser exercitados, pois é como se não existissem (e isso permanece, obviamente, como o maior problema ético do mundo contemporâneo). (BONANA-TE, 2001, p. 93).

E esse dilema ético redunda na imensa desigualdade social presente no mundo e, em especial em nosso país, que se constitui em uma nação de frágil experiência democrática cuja construção da cidadania foi e é “por força, lento e gradual” (CARVALHO, 2001, p. 43). Para enfrentar a face exposta da desigualdade, a po-breza e a pobreza extrema é que o governo federal instituiu um programa social de transferência direta de renda para famílias que se encontravam nessa situação em todo país, para que dessa maneira todos possam ter assegurado o acesso aos seus direitos

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básicos como: educação, saúde e outros direitos sociais nos am-param como cidadão.

Ressalta-se que o Bolsa Família integra a Política Nacional de Assistência Social – PNAS, promulgada em 2004 e que institui em 2005 seu sistema único – o SUAS. Trata-se de uma “nova” concepção de assistência social que visa romper com a histórica noção paternalista e assistencialista que ronda essa política visan-do edificar uma concepção de assistência social a luz dos direitos sociais, dos direitos de cidadania.

Importa frisar que os princípios basilares da assistência social enquanto direito encontra-se na Constituição Federal de 1988 que em seu artigo 203 enuncia “[...] assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de con-tribuição à seguridade social”. Diante disso, a Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) de 1993 e que foi alterada pela Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011, define em seus artigo 1º que a As-sistência Social enquanto política da seguridade social brasileira constitui-se em

[...] direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contri-butiva, que provê os mínimos sociais, rea-lizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessida-des básicas. (LOAS, 1993, p. 4).

Com isso exposto, o Quadro abaixo apresenta como a as-sistência social deve ser concebida com o advento da promulga-ção da PNAS/2004:

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |39nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Quadro 1 - Política Nacional de Assistência Social – PNAS: princípios, diretrizes e objetivos

Fonte: Brasil (2004).

c.

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O Quadro revela que a Assistência social adquire status de direito social e que se materializa por meio de um conjunto integrado e padronizado de ações com vistas a promoção da ci-dadania de significativa parcela da população brasileira que se encontra em vulnerabilidade e risco social.

No escopo da Política Nacional de Assistência Social têm--se uma gama de serviços, programas, projetos e benefícios a se-rem ofertados a população usuária de acordo com os níveis de complexidade, visto que será de acordo com esses níveis que se ofertará a proteção social, a saber:

A Proteção Social Básica tem como obje-tivos prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições, e o fortalecimento de víncu-los familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vul-nerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros) e, ou, fragilização de vínculos afeti-vos – relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero, ou por deficiência, dentre outras). Prevê o desenvolvimento de serviços, programas e projetos locais de acolhimento, convivên-cia e socialização de famílias e indivíduos, conforme identificação da situação de vul-nerabilidade apresentada (BRASIL, 2004).A Proteção Social Especial é a modalida-de de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físi-cos e, ou, psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, enquanto su-jeitos de direito. (BRASIL, 2004).

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |41nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Reforça-se que cada uma das “Proteções” ofertadas pela assistência social conta com equipamentos que concretizam o direito socioassistencial. Assim, salienta-se que a proteção social básica deve ser ofertada nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, que deve acompanhar as famílias referenciadas no seu território. Já a proteção social especial – de média e alta complexidade deve ser ofertada nos Centros de Referência Es-pecializada da Assistência Social – CREAS, enfim, tanto o CRAS como o CREAS são espaços físicos públicos (estatal), propícios para o desenvolvimento de atividades de proteção à família, assim parte dos serviços, programas, projetos e benefícios que compõem cada uma das proteções é oferecida nesses equipamen-tos que por meio das ações desenvolvidas materializam o direito socioassistencial as famílias beneficiadas pela política de assistên-cia social, pois de acordo com Pires (2016, p. 34).

[...] o núcleo, ou foco principal dos servi-ços assistenciais, é constituído pelas famí-lias vulnerabilizada pela pobreza e exclu-são social. Focaliza-se o grupo familiar e a comunidade por serem espaços sociais naturais de proteção e inclusão social.

Com isso, afirma-se que a rede socioassistencial que dá concretude a política de assistência social é composta do conjun-to integrado de ações de iniciativa pública e privada que ofertam e operam serviços, benefícios, programas e projetos. Por serviços, benefícios, programas e projetos entende-se:

Art. 23. Entendem-se por serviços socioas-sistenciais as atividades continuadas que visem à melhoria de vida da população e cujas ações, voltadas para as necessidades básicas, observem os objetivos, princípios e diretrizes estabelecidos na LOAS. Art. 24. Os programas de assistência social compreendem ações integradas e comple-mentares com objetivos, tempo e área de

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abrangência definidos para qualificar, in-centivar e melhorar os benefícios e os ser-viços assistenciais. Art. 25. Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de in-vestimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes ga-rantam meios, capacidade produtiva e de gestão de melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão da quali-dade de vida, a preservação do meio-am-biente e sua organização social. (BRASIL, 1993).

Além disso, os benefícios de assistência social: a. o bene-fício de prestação continuada – BPC; b. os benefícios eventuais, encontram-se regulamentados nos artigos 20 e 22 da LOAS (1993).

Demarcada a concepção inovadora e com cariz de direito da assistência social é salutar demonstrar, de forma didática, os diplomas normativos, além da Constituição da República de 1988 (em especial, seus artigos 203 e 204) e da LOAS (Lei 8.742/93, modificada pelas Leis 12.101/09 e 12.435/11):

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Quadro 02: Diplomas normativos da assistência social

Fonte: Brasil (2004).

A existência da legislação por si só não materializa as ações, porém as regula e promove a sua organização. No que tan-ge a organização da assistência social retoma-se a importância do SUAS. Este sistema único de assistência social ergue-se com o intuito de romper

Com ideias tutelares e de subalternativida-de, realizando a garantia de proteção social ativa, isto é, volta-se à conquista de con-dições de autonomia, resiliência e susten-tabilidade, protagonismo, oportunidades, capacitações, serviços, condições de conví-vio e socialização, de acordo com a capaci-dade, dignidade e projetos pessoal e social dos usuários. (BRASIL, 2014, s.p.).

A lógica do SUAS visa superar, ou melhor, romper com praticas de fragmentação, de segmentação, eleitoreiras, de cul-pabilização dos indivíduos, além de romper com a filantropia e a benesse presente em práticas pretéritas da assistência social.

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Hoje, a assistência social é uma política pública com base nor-mativa concreta que prima pelo direito do cidadão com vistas ao desenvolvimento de potencialidades numa perspectiva de eman-cipação humana.

Dessa forma, o ápice da assistência social é o momento de colocar em relevo o Programa Bolsa Família, criado com a fina-lidade de promover um “alívio” imediato para as classes subal-ternas13 do nosso país, além de auxiliar essas pessoas a desenvol-verem ou até mesmo construírem uma vida digna como cidadão para assim sair do estado precário e de insegurança em que se encontram; mesmo sabendo que é uma tarefa árdua.

Sabe-se que o Bolsa Família objetiva gerar segurança e au-tonomia nas famílias participantes do referido programa, para que estes possam executar suas próprias atividades de renda, promovendo assim sua própria emancipação financeira, o que proporcionará posteriormente para toda família uma vida mais digna. Essas condições refletirão positivamente sobre a socieda-de, visto que

[...] o pressuposto é de que uma transfe-rência monetária à famílias pobres per-mite-lhes ter seus filhos fora das ruas e de trabalhos penosos, degradantes e precoces, enquanto permanecem na escola, inter-rompendo o círculo vicioso de reprodução da pobreza. (SILVA, YAZBEK, GIOVAN-NI, 2006, p. 150).

13 - Ivete Simionatto (2010, p. 44) afirma que “[...] a categoria ‘subalterno’ e o conceito de ‘subalternidade’ têm sido utilizados, contemporaneamente, na análise de fenômenos sociopolíticos e culturais, normalmente para descrever as condições de vida de grupos e camadas de classe em situações de exploração ou destituídos dos meios suficientes para uma vida digna. Contudo, com base em Gramsci esse conceito se amplia e comporta “[...] as operações político-culturais da hegemonia que escondem, suprimem, cancelam ou marginalizam a história dos subalternos”.

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Com o Bolsa Família o governo buscou integrar outros programas sociais existentes, quais sejam: o Bolsa Escola, o Pro-grama Nacional de Acesso a Alimentação, o Bolsa Alimentação e o Programa Auxílio-Gás. Assim, esse programa de transferência de renda foi:

[...] criado pela Lei 10.836, de 9 de janeiro de 2005, pela junção do Bolsa Alimentação, Auxilio Gás e Cartão Alimentação, tem por objetivos: promover o acesso à rede de serviços públicos, em especial, de saúde, educação e assistência social; combater a fome e promover a segurança alimentar e nutricional; estimular a emancipação sus-tentada das famílias que vivem em situação de pobreza e extrema pobreza. (SILVA et al, 2012, p.279).

Além disso, argumenta-se que “[...] a unificação dará ori-gem a um programa mais justo, racional e eficiente” (SILVA apud SILVA; YASBEK; GIOVANNI, 2007, p. 136). Já que ob-jetiva uma melhor focalização no tocante ao enfrentamento da pobreza, bem como na organização e estruturação do programa com vistas ao seu monitoramento e avaliação.

Devido ao seu grau de abrangência, o programa se consti-tui em uma estratégia chave da assistência social, contudo, mes-mo reconhecendo sua importância na política de assistência so-cial, ressalte-se que essa política é muito mais ampla, complexa e articulada e vai para além da transferência de renda;

Destaca-se que o Bolsa Família é um programa que reve-la a indissociabilidade entre assistência social, saúde e educação, portanto, possui condicionalidades. Ademais,

[...] as condicionalidades referem-se aos compromissos assumidos pelas famílias beneficiarias do PBF e que devem ser cum-pridos para que elas continuem a receber o beneficio. As condicionalidades na área da

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educação são: frequência mínima de 85% para as crianças e adolescentes entre 6 a 15 anos e de 75% para adolescente entre 16 e 17 anos. (RUCKERT; RABELO, 2012, p. 14).

Argumenta-se que o Programa Bolsa Família produz im-pacto na redução da repetência e evasão escolar, pois o programa não trata somente de uma transferência de renda, vai além disso, já que ao assegurar que as famílias mantenham suas crianças nas escolas coíbe o aumento do trabalho infantil, além de inflexionar na saúde dessas crianças a partir da obrigatoriedade da vacina-ção dessa crianças com vistas a assegurar seu acesso aos serviços de saúde, materializando o usufruto do direito a saúde por parte dessas famílias beneciadas pelo programa.

Ao produzir esses impactos na saúde e na educação das famílias usuárias do programa, tem-se ampliado o acesso dos mesmos a vários serviços públicos. Assim, o Bolsa Família abre uma janela de acesso para serviços sociais como saúde e educa-ção, dentre outros, favorecendo significativamente a vida de cada cidadão em nosso país.

Entrementes, mesmo cientes das melhorias adquiridas face a implantação do programa, ainda há muito a se fazer para dar qualidade no atendimento às reais necessidades dessas famí-lias. Porém, ratifica-se que, por meio da assistência social ofe-recida aos brasileiros que necessitam desse recurso, nota-se que muitos têm saído da condição de pobreza e de pobreza extrema em que se encontravam.

Sobre a percepção acerca do impacto provocado junto as famílias inseridas no programa o gestor pesquisado revela-nos:

Certamente o Bolsa Família auxilia muito as famílias de baixa renda e, principalmen-te às mães que vivem sozinhas cuidando dos filhos e não tem uma formação escolariza-da que lhe permita um salário digno, temos muitas mães necessitadas em nosso CMEI que são ajudadas pelo bolsa família, a fre-

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quência das crianças na escola aumentou bastante e a evasão está praticamente ine-xistente.14

A fala demonstra que, para o pesquisado, o programa con-tribui para manter as crianças na escola como forma de mudar o curso da história de exclusão que essas famílias vivem. Contudo, outro gestor pesquisado sinaliza a importância do monitoramen-to do programa, vejamos seu discurso:

Mas precisa haver uma fiscalização desse nas famílias que recebe esse dinheiro, pois muitos pais recebem e desviam essas quan-tias sem se preocuparem com a educação dos seus filhos, recebem e não dão o devido acompanhamento que essas crianças preci-sam.15

Nota-se que esses desvios revelam a necessidade de se am-pliar o acompanhamento junto a essas famílias no sentido de envidar esforços na construção e fortalecimento da dimensão subjetiva - de formação cidadão, de exercício da ética -, para que essas famílias busquem superar as dificuldades e caminhar em direção de um processo emancipatório, ou melhor em direção ao “empoderamento esperado” (STEIN, 2009).

Para dar continuidade aos programas sociais precisa-se que as políticas públicas sociais sejam mais eficazes e presentes no cotidiano dos segmentos vulneráveis, pois trata-se de mate-rializar direitos de cidadania, além de ser dever do Estado prover o mínimo social para assim garantir as necessidades básicas dos indivíduos em sociedade. Contudo, mesmo cientes do potencial e mesmo visualizando impactos na vida das famílias beneficiadas pelo programa, inúmeros equívocos ou distorções são visíveis no decorrer da execução desse programa.

14 - Gestor 19. 15 - Gestor 25.

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Distorções à parte, argumenta-se que o Bolsa Família tem alcançado vários pontos positivos:

[...] uma nota técnica produzida pelo IPEA, em 21 de Julho de 2006, analisa a queda re-cente da desigualdade no Brasil. Segundo ela, “ao contrário do que vem ocorrendo na grande maioria dos países, durante os períodos de referencias abrangidos pelas Pesquisas Nacionais por Amostra de Do-micílios (PNADS) 2001/2004, do IBGE, o grau de desigualdade de renda no Brasil declinou em 4%”, uma queda que ocor-reu de modo contínuo. (WEISSHEIMER, 2006, p. 84).

Os dados demonstram uma redução na desigualdade de renda no país, sendo que a desigualdade começa a crescer nova-mente a partir de 2013, conforme dados do IBGE, dentre outros órgãos oficiais. Assim, mesmo cientes do status que o Progra-ma Bolsa Família ocupa na política de assistência social, mesmo cientes da redução na desigualdade de renda, na manutenção das crianças nas escolas e na melhoria da cobertura de vacinação e nutricional de crianças das famílias beneficiadas pelo programa, argumentam-se a necessidade de qualificação do programa, o que requer a discussão do valor dos benefícios a serem pagos as famílias, além das condicionalidades impostas para o usufruto do beneficio. Atrelado a isso, defende-se o fortalecimento da rede socioassistencial e das ofertas de serviços qualificando esses es-paços e das equipes profissionais que atuam nesses espaços, bem como envidar esforços na fiscalização, ou melhor, no monitora-mento e avaliação do programa para que ele atinja suas finalida-des e objetivos com vistas a:

[...] construir políticas que possam efeti-var a transição da situação de dependên-cia de renda em relação aos programas de transferência de renda para um estágio

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sustentável de inclusão social que combine participação no mercado de trabalho com garantia de direitos. (WEISSHEIMER, 2006, p. 40).

2.2 A intersetorialidade nas políticas públicas: assistência social e educação

Costa e Lobo (2014) afirmam que o PBF veio contribuir de uma forma mais significativa, dando uma estabilidade na econo-mia brasileira, na qual outrora o povo passava grande necessida-de, vivendo em extrema pobreza e na miséria. A unificação dos programas em um só, veio com objetivo de melhorar o foco no combate à pobreza e à pobreza extrema, além do que:

[...] outra justificativa para essa reunião de programas sociais seria a melhoria nos mecanismo de fiscalização e transparência. Isso porque o cadastro único, concebido através do software elaborado pelo gover-no federal dificultaria manipulações locais do programa, evitando que famílias vulne-ráveis fossem aliciadas por autoridades lo-cais em troca do benefício concedido pelo PBF, bem como que família fora da extre-ma pobreza pudessem ser irregularmente beneficiadas. (COSTA; LOBO, 2014, p. 7).

Sobre o grau de amplitude, cobertura e a relação custo--benefício do Bolsa Família junto às classes subalternas revela-se:

[...] a experiência brasileira com o Progra-ma Bolsa Família vem adquirindo crescen-te visibilidade internacional, suscitando o interesse de especialistas em política so-ciais, por diversas razões. A primeira são seus números impressionantes, já que es-taria concedendo de forma regular certa de 11 milhões de benefícios mensais, cobrin-

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do, portanto, 19,4% do total de domicílios brasileiros em 2007. No entanto, estes nú-meros seriam certamente um passivo para o programa caso ele não reunisse uma série de características atraentes de concepção e de operacionalização e, sobretudo, se não tivesse ficado evidente o seu sucesso em termos de focalização com dispêndio rela-tivamente modesto, que não chega a 1% do PIB. (ROCHA, 2009, p. 114).

Acrescente-se que o programa foi capaz de reduzir em 20% a desigualdade de renda em nosso país. Assim, medidas políticas sérias e sustentáveis tendem a produzir resultados e mudanças no enfrentamento da pobreza e da pobreza extrema.

A respeito da intersetorialidade nas políticas públicas so-ciais, ressalta a precariedade bibliográfica sobre o tema. Grosso modo, este termo significa a diversidade de abordagens de uma estratégia administrativa, focada para o desenvolvimento de for-ma abrangente, ampla e integrada, pois de acordo com Monherat e Souza

[...] não obstante a relativa escassez da bibliografia sobre o tema da intersetoria-lidade alguns consenso pode ser inferidos a partir da análise da literatura especiali-zada. No tocante ao significado atribuído ao termo intersetorialidade apesar da di-versidade de abordagens pode-se afirmar em linhas gerais que predomina a noção de intersetorialidade como uma estratégia de gestão voltada a interface entre setores de instituições governamentais (e não go-vernamentais) visando o enfrentamento de problemas sociais complexos que ul-trapassem a alçada de um só setor ou área política pública. (2011, p. 2).

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A interface, conforme as autoras, expressa-se nas institui-ções setoriais que se unificam para a melhoria dos serviços so-ciais, como por exemplo, na saúde e na educação por meio de ações articuladas e integradas, com vistas a potencializar o acesso ao direito à educação e ao direito à saúde por parte das famílias beneficiadas pelo Bolsa Família.

Ao inserir o Programa Bolsa Família ao conjunto de ações organizadas com intuito de minimizar os efeitos das relações desiguais na produção e apropriação da riqueza, a política da assistência social com foco na setoridade se posiciona para dar resposta a determinadas demandas da sociedade e assim autoras como Couto et al reiteraram que:

A premência da complementariedade en-tre várias políticas, abrindo possibilidades e potencializando o desempenho de cada área, ao retirar a sua ação do isolamento, supõe a implementação de ações institu-cionais integradas e a superação da frag-mentação da atenção às necessidades so-ciais da população (2011, p. 178).

Nesse sentido, deve-se pensar a intersetorialidade como uma prática, como estratégia de fortalecimento que irá trazer be-nefícios efetivos para a articulação institucional das políticas pú-blicas, visto que sua gestão predispõe uma ação de enfretamento de situações vivenciadas pels pessoas em sua complexidade. Po-rém, o desafio reside em uma proposta de integração e intera-ção das políticas públicas sociais, afim de proporcionar melhores condições de atendimento aos vulneráveis cidadãos que emer-gem e expressam suas necessidades sociais.

Entretanto, como nos ensina Raichelis,

As políticas sociais obedecem à lógica da setorização, que recorta o social em partes estanques sem comunicação e articulação, torna os problemas sociais autônomos em relação às causas estruturais que os produ-

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zem, segmentando o atendimento das ne-cessidades sociais. Em consequência, traz sérias dificuldades para a ação pública diri-gida à implementação de políticas redistri-butivas que tenham impacto na qualidade de vida e no alargamento dos direitos de cidadania. (2006, p. 110).

O argumento da autora ratifica a importância de ações ar-ticuladas numa prática intersertorial e otimizadas entre as polí-ticas públicas sociais em contraposição a “[...] lógica da setori-zação” (RAICHELIS, 2006) com vistas a viabilizar processos de inclusão social e assim promover o melhor acesso aos direitos tendo em vista a proteção social através de concretização de for-talecimento de cidadania.

Nessa linha de análise, Couto et al (2011, p. 181), enfati-zam que “[...] para Assistência Social, o desafio da intersetorida-de para a construção de rede socioassistencial se coloca tanto na busca de articulação das iniciativas públicas estatais”.

Isto é, há uma dependência e necessidade de representação política que envolve vontade tanto das organizações quanto das pessoas de viabilizar ações que busquem avançar no campo das possibilidades e condições concretas de vida das famílias16.

Dessa maneira, a prática voltada para intersetorialidade deve ser os resultados de inúmeras tentativas de práticas huma-nas que vislumbrem “um pacto entre gestores, técnicos, saberes, pessoas, projetos e instituições em sintonia com a realidade” (COUTO et al, 2011, p. 181). Demonstra-se, assim, que a questão vai além de simples atitudes isoladas visando um conjunto em corroboração, pois a intersetorialidade requer parceria, envol-vimento, decisão conjunto e utilização de recursos financeiros, materiais e humano no tocante as ações relacionadas as medidas de políticas públicas sociais para o enfrentamento da pobreza e extrema pobreza.

16 - Sobre essa questão afirma-se que “[...] a vida social é produto dos indi-víduos ao mesmo tempo em que também são um produto social”. (SANTOS, 2011, p. 15)

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Sobretudo, os projetos de enfrentamento da pobreza pre-vistos na LOAS de 1993 (arts. 25, 26) exigem “[...] mecanismos de articulação e participação de diferentes áreas governamentais e em sistemas de cooperação entre organismos governamentais ,não governamentais e da sociedade civil” (SIMÕES, 2011, p. 379) expondo também a importância da intersetorialidade, visto que reafirma-se que a efetivação da intersetorialidade nas políticas públicas sociais exige resposta adequada. Para que isso ocorra, é necessária a intenção política, além de maiores investimentos para a materialização dessa intersetorialidade.

Ressalta-se que a articulação política intersetorial poten-cializa a articulação de saberes e experiências capazes de contri-buir com a qualificação da relação assistência social e educação. Para entender o processo de criação das políticas públicas tais como a política educacional vem conduzindo

[...] as relações entre alunos e comunidade escolar deve-se levar em conta a articula-ção entre as diversas instituições no senti-do do atendimento das necessidades espe-cíficas dos alunos e, também, de proteção do direito conquistado. (OLIVEIRA, 2012, p. 39).

A articulação convergente entre as políticas, sejam elas de Assistência social ou Educacional, fundamenta-se na inte-ração política, material e de recursos humanos dessas políticas. Além disso, convém destacar que no âmbito da PNAS (BRASIL, 2004) a intersetorialidade se constitui em um elemento impres-cindível para garantia dos direitos de cidadania.

Exposto isso, a operacionalização do SUAS (2005) prevê que todas as medidas e ações da assistência social devem ocorrer de forma articulada com as demandas políticas públicas sociais. Assim, Sposati (2006, p.134) argumenta que as possibilidades das ações articuladas poderão aumentar o grau de eficiência e eficá-cia dos serviços e proporcionar níveis de desfragmentações das políticas públicas, o que potencializa ações que possam inferir no avanço da qualidade do desenvolvimento da assistência social, da educação e da saúde.

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Para tanto, a relação de ambas predispõe uma construção contínua conforme assegura Sposati (2006) a partir de “[...] di-mensões setorial/intersetorial; com dever de Estado e direito de cidadania” com intuito de consolidar direitos (p. 137).

Ademais, ao discorrer acerca da intersetorialidade entre a política pública de assistência social e a política pública de educa-ção deve-se ressaltar que

[...] não é exagero afirmar que o foco da intersetorialidade no Bolsa Família se restringe a indução da articulação entre as três principais áreas de política social, quais sejam: saúde, educação e assistência social, uma vez que a cobrança de condi-cionalidades está relacionada à frequência escolar, à adesão aos serviços de saúde e a forte presença da assistência social ocorre, sobretudo, em razão de ser a política que coordena o Programa, considerado nos documentos oficiais como intersetorial. (MONNERAT; SOUZA, 2011, p. 6).

Exercitar essa intersetorialidade não é algo imediato ou assegurado somente nos documentos oficiais do programa. Isso requer mudanças de concepção, partilha de responsabilidades, a real descentralização das políticas públicas sociais, construção de metodologias ativas para a realização de ações intersetoriais, bem como a abertura ao debate, ao diálogo, à troca de saberes, vivências e experiências com vistas a superação da fragmentação e setorização das políticas públicas sociais em nosso país, objeti-vando

[...] ultrapassar a ideia da concertação in-tersetorial como mera peça do discurso oficial e incrementar efetivamente a capa-cidade do Estado de produzir resultados positivos no atendimento às demandas por serviços sociais postas pela sociedade. Com

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isso, fica claro o imperativo de se produzir consensos políticos em torno da definição de problemas prioritários. (MONNERAT; SOUZA, 2011, p. 11).

2.3 O Programa Bolsa Família: quais os efeitos no desempenho escolar?

Karl Marx afirma que “[...] a miséria é como um instru-mento utilizado pelas classes dominantes” (1984, p. 64) e é “[...] um produto de um conjunto de relações pautadas na proprieda-de como um fato jurídico, e também político” (MARX, 1984, p. 64).

A “previsão” de Marx revela-se na desigualdade social cres-cente no Brasil contemporâneo. Todavia, é salutar destacar que, entre os anos 2001 e 2008, ocorreu uma diminuição da pobreza no país, devido ao crescimento da renda per capita das famílias brasileiras, que “[...] como um todo cresceu 2,8% ao ano e entre os 10% mais pobres cresceu quase três vezes mais rápido (8,1% ao ano); e entre os 10% mais ricos cresceu à metade (1,4% ao ano)” (SILVA; SOUSA JUNIOR, 2012, p. 8). Porém, mesmo reduzindo a pobreza, ainda é elevado índice desigualdade em nossa socieda-de, pois “enquanto os 40% mais pobres vivem com 10% da renda nacional, os 10% mais ricos vivem com mais de 40%” (SILVA; SOUSA JUNIOR, 2012, p. 10), é uma discrepância econômica se compararmos que “[...] para aliviar a pobreza a extrema pobreza seria contar apenas com 1% da renda dos 25% mais ricos do país” (SILVA; SOUSA JUNIOR, 2012, p. 11).

Para diminuir o fosso abissal entre ricos e pobres no Bra-sil, inúmeras medidas de políticas públicas pós promulgação da Constituição Federal de 1988 começam a ser instituídas. Cientes que a sociedade brasileira possui uma “infeliz” distribuição de renda, observamos em Brasil (2010), “praticamente um em cada quatro brasileiros, estava sujeito à extrema insegurança alimen-tar e vivia um cotidiano marcado pela fome e pelo não reconhe-cimento dos direitos sociais básicos” Daí a necessidade de se criar políticas públicas sociais compensatórias como uma intervenção

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do Estado com pretensão a diminuir o estado de calamidade econômica e social com os programas de transferência de renda, analisemos a afirmativa de Jambeiro e Santos (2013, p.2):

Partindo deste referencial, os programas de transferência de renda passam a ser considerados importantes mecanismos para enfrentar um dos maiores desafios da sociedade brasileira, que é o combate a fome, a miséria e promover a emancipação das famílias mais pobres do país.

Exposto isso, emergem programas sociais de transferência de renda que são unificados no Programa Bolsa Família, criado em 20 de outubro de 2003 com a finalidade do enfrentamento da pobreza e extrema pobreza, compreendida em suas múltiplas dimensões, visto que a pobreza constitui-se em uma construção histórica e social.

Ratifique-se que esse programa prima pela intersetoria-lidade entre assistência, saúde e educação. Sobre a educação a “Constituição Cidadã” que instaura a seguridade social brasilei-ra. Nota-se que a Carta Magna busca terminar a dívida históri-ca em nosso país com a oferta da educação enquanto direito de todos, pois a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, já ex-plicitam obrigação do estado com a oferta do direito a educação, o que em parte foi assegurado somente no século XX no Brasil.

Em território brasileiro, a educação é reafirmada pelas po-líticas públicas, perpassadas por valores, relações sociais, práti-cas institucionais, dimensões jurídicas, filosóficas, culturais, so-ciopsicopedagógicas, estruturadas em educação básica, educação superior, não formal, educação para profissionais de justiça, de segurança e educação na mídia, um processo direcionado a for-mação de cidadãos de direitos.

Quando se pensa nos efeitos do Programa Bolsa Família no desempenho escolar de crianças das famílias beneficiadas, quer se demonstrar esses efeitos para além da condicionalida-

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de da frequência escolar que se constitui em uma estratégia de manter o aluno na escola e a presença dos pais ou responsáveis como estratégia para fomentar a participação deles nesse espaço público, sem perder o foco que “[...] a escola é uma instituição marcada pela diversidade” (FONSECA; PIMENTA, 2012, p. 1).

De acordo com Weissheimer:

O economista Ethan Weismam, do Banco Mundial, os investimentos em infraestru-tura e políticas sociais são uma condição básica para romper esse ciclo. Ele citou o Bolsa Família como um dos melhores programas em implementação na região por condicionar a liberação de dinheiro a ações nas áreas de educação e saúde. (2006, p. 81).

Sobre as condicionalidades acerca da educação e saúde, essas são foco de debates e polêmicas visando refletir se o usu-fruto de direitos sociais combinam com a exigência de condicio-nalidades. Polêmicas à parte, destaca-se que esse debate deve ser ampliado e esgotado no sentido de corrigir rumos e qualificar o programa enquanto uma medida de política pública que visa materializar-se como direito de cidadania.

Assim, para os pesquisados entrevistados a contribuição do Bolsa Família para a melhoria do sucesso escolar de crianças das famílias que recebem o benefício reside:

Ao longo desses anos venho observando que o bolsa família vem ajudando as famílias de nossos alunos, muitas mães e responsáveis relatam sobre que compram material es-colar, quaisquer necessidades de seus filhos com o bolsa família.17

Entendo que o Programa Bolsa Família é um apoio a mais para as famílias carentes

17 - Gestor 1.

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de nossa sociedade, pois apesar de ser pou-co, é uma ajuda financeira que o governo desenvolveu para aliviar o sofrimento da-queles que não têm nada.18

O aluno é estimulado a manter sua fre-quência na escola e ajudar também no sustento da sua família. ‘Essa aí eu posso te responder’! Quando ela pega esse dinheiro ela compra tudo o que tá faltando, é cader-no, é lapiseira, é tudo que eu não... pelo me-nos agora no começo que ela começou, eu não tinha nada para dar para ela, a Bolsa Família serviu para comprar as coisinhas dela. É pouco, é, mas ajuda, muita gente queria ter, né!19

Depreende-se dos discursos que os pesquisados são unís-sonos em afirmar que as famílias beneficiadas pelo programa mantém suas crianças na escola face às exigências da frequên-cia escolar, além de utilizarem o benefício para a melhoria das condições materiais das famílias. Porém, sabe-se que isso não é garantia de inclusão ou de emancipação, pois o programa por si só não tem um “poder mágico” para acabar com a pobreza, com as inúmeras faces da desigualdade ou com a dívida histórica que temos para com as classes subalternas. Assim, ações articuladas, estruturais e profundas de enfrentamento das mazelas provoca-das pelo modo de produção capitalista devem ser edificadas, pois mesmo o programa sendo importante, mesmo que o programa promova alterações na vida das famílias beneficiadas ainda está longe “[...] do estágio sustentável de inclusão social” (WEIS-SHEIMER, 2006, p. 40).

18 - Cor Pedagógico 26.19 - Família com Bolsa Família 4.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |59nas vivências do contexto escolar no Amazonas

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A assistência social adquiriu status de direito social e se constitui em política pública social de enfrentamento a pobreza e a pobreza extrema, pois a partir da Constituição Federal de 1988, como a promulgação da LOAS em 1993 e com a edificação da PNAS em 2004 e do SUAS em 2005 edifica-se a assistência social enquanto direito social, direito de cidadania com vistas a contra-por as “velhas práticas” assistencialistas existentes em nosso país no trato as múltiplas expressões da questão social.

Ademais, ao se verificar a interface entre o programa bol-sa-família como parte da política pública de assistência social e a política de educação o artigo demonstra que isso se dá por meio da intersetorialidade que não deve ser apenas prescritas em do-cumentos oficiais, mas sim que deve se materializar por meio de ações dialogadas, que englobe decisão política acerca das prio-ridades no tocante a execução, monitoramento e avaliação do programa.

Para tanto, ao identificar o Programa Bolsa Família como parte integrante da política pública de assistência social, revela-se que o programa constitui-se em uma parte, em uma ação dessa política, que é muito mais abrangente, complexa e multidimen-sional. É salutar, contudo, explicitar que

[...] o Programa Bolsa Família é apresen-tado como a ‘menina dos olhos’ do gover-no Lula, o que demonstra sua importância diante do cenário político, econômico e so-cial do Brasil nos dias de hoje. (FRONZA, 2010, p. 93).

Com base na percepção dos pesquisados, pode-se perceber que os efeitos do Programa Bolsa Família no desempenho esco-lar de crianças das famílias beneficiadas, encontra-se relacionado com a manutenção das mesmas na escola devido a exigência da condicionalidade da frequência escolar, assim como na melhoria das condições materiais das famílias, visto a utilização do benefí-cio para a compra de alimentos.

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Enfim, cientes que a “[...] pobreza afeta a todos, não só aqueles que se encontram em tal situação, por isso “combatê-la” depende também de todos e é a partir daí que se alcançará uma sociedade mais justa e igualitária” (FRONZA, 2010, p. 96), que defende-se que o seu combate não pode ser feito somente por uma ação, deve ser um compromisso ético-político de uma socie-dade que busca ser democrática, justa e igualitária. Assim, cien-tes que o programa possui fragilidades, mas que possui também potencialidades é que se defende sua qualificação como esforço teórico-prático de todos os envolvidos na superação das contra-dições oriundas do capitalismo.

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O Espaço Escolar e a Reprodução das Desigualdades Sociais: discurso e prática pedagógica em uma escola

pública de Manaus1

Lourdes Benedita de Oliveira Lira | Givanildo Pereira Colares

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados de pesquisa realizada em uma escola pública municipal da Zona Leste de Manaus/Amazonas, objetivando os resultados produzidos no que se refe-re à análise da realidade social e do contexto escolar com os alu-nos que são beneficiários do Programa bolsa Família nas séries finais do Ensino Fundamental. Estudos recentes sobre as práticas pedagógicas e os discursos dos sujeitos da escola evidenciaram que os tempos e espaços educativos favorecem o preconceito e os estigmas sociais no cotidiano escolar. O objetivo deste trabalho é refletir sobre a escola como espaço de promoção à educação, inclusão social, respeito à diversidade e participação cidadã, a fim de que sejam identificadas as ações e ideias disseminadas no espaço escolar que tem contribuído para a reprodução das desi-gualdades sociais e da pobreza. Foram analisados dados da pes-quisa realizada e referências teóricas, com vistas à promoção de diálogo entre os autores que possibilitaram fundamentar a pes-quisa para contribuir com as discussões nas escolas e sociedade.

Palavras-chave: Educação. Escola. Pobreza. Desigualdade social.

1 - Trabalho produzido coletivamente ao término do curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Sob a orientação da Professora MSc. Lourdes Benedita de Oliveira Lira.

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INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é refletir sobre a escola como espaço de promoção à educação, inclusão social, respeito à di-versidade e participação cidadã, objetivando a identificação de algumas ações e ideias disseminadas no espaço escolar que tem contribuído para a reprodução das desigualdades sociais e da po-breza. Este trabalho é resultado de uma análise a partir de refle-xões sobre as práticas e os discursos vivenciados em uma escola pública municipal da Zona Leste da cidade de Manaus, partindo da premissa de que a escola é concebida como um espaço de di-versas relações e intercultural, que deveria possibilitar a interação entre os seus atores e comunidade, a fim de contribuir para a pro-moção da educação com respeito à diversidade para uma prática cidadã. Destaca-se que a Zona Leste de Manaus é caracterizada como uma região periférica na qual se concentram vários proble-mas sociais como a pobreza, violência, precariedade nos serviços públicos, entre outros, refletindo diretamente na vida escolar.

No processo metodológico foram realizadas as pesquisas bibliográfica e empírica, com abordagem qualitativa dos dados obtidos através de entrevistas semiestruturadas, analisadas à luz dos teóricos como Arroyo (2012), Bardin (2011), Freire (2015), Leite (2015), entre outros. A contribuição desses teóricos ampliou o entendimento acerca dos discursos e práticas pedagógicas, na investigação dos contextos e posturas dos atores entrevistados, que acabam contribuindo para a reprodução das desigualdades no espaço escolar e, consequentemente, na sociedade brasileira.

Tendo em vista os preceitos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), que visam “[...] desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL, 2008, p. 36), faz--se necessário levantar discussões sobre o processo educacional e suas relações com as estruturas de poder, das quais sofre in-fluência. É importante problematizar a função transformadora da escola na vida das pessoas e compreender como essa institui-

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ção, em vários momentos, reforça a exclusão de grupos sociais, os preconceitos de gênero e raça, além de pouco estimular os alunos para o exercício da cidadania. Principalmente num momento da história do Brasil no qual o debate político ocupa todos os espa-ços de participação social, inclusive a escola.

Na primeira parte do texto, contextualiza-se a escola no campo das estruturas econômicas, sociais e políticas que interfe-rem nas pautas educacionais. Investiga-se qual a percepção dos entrevistados acerca da pobreza e sua relação com o ensino, iden-tificando posturas pedagógicas e ideológicas. As entrevistas com os atores da comunidade escolar surgem para dar maior visibili-dade à ideia central do artigo: de que a escola é um espaço no qual as desigualdades, sejam sociais, de gênero, de raça, aparecem e são reproduzidas por meio de discursos e práticas pedagógicas.

Em seguida, aprofunda-se a reflexão sobre a reprodução das desigualdades no espaço escolar e descreve-se como essa rea-lidade mostra também posturas políticas dos agentes envolvidos. Partindo do princípio de que a escola não é um ambiente neutro, ou seja, não está separado do jogo de interesses da sociedade, é destacado o fator ideológico que influencia na tomada de deci-sões ou na forma de pensar que caracterizou os discursos dos entrevistados.

O trabalho apresentado é uma contribuição ao debate no campo educacional, que teve como foco um recorte da complexa realidade do sistema educacional brasileiro, refletindo critica-mente o espaço da escola e suas relações básicas. Pensar a escola pública, no intuito de apontar caminhos para a melhoria da qua-lidade de ensino, e não contextualizá-la no jogo de interesses que tornam a nossa sociedade extremamente desigual e injusta é ab-dicar da honestidade intelectual. Que o texto possa instigar para o debate das ideias e estimular para a tomada de posição, pois como dizia um dos mais importantes teóricos da educação, Paulo Freire, “sem a luta política, que é a luta pelo poder”, as condições para o ser mais “não se criam”.

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1 O ESPAÇO ESCOLAR A PARTIR DOS CONTEXTOS SOCIOECONÔMICOS QUE O ENVOLVEM

A escola é um universo dentro de um contexto mais am-plo e complexo da realidade social mundial e brasileira. Nesse contexto há um campo de interesses diversos, tendências políti-cas, ideologias. Segundo Algebaile (2009, p. 28):

A especificidade da escola brasileira não pode ser dissociada de um conjunto de re-lações políticas, econômicas e sociais im-plicadas na formação societária brasileira e num processo de formação incompreen-sível do Estado, se não se leva em conta o modo de inserção do Brasil numa forma-ção econômico-social de largo espectro, capitalista. [...] trata-se de um Estado for-temente orientado por projetos de inser-ção econômica e cultural mundial que re-novam e aprofundam continuamente uma condição capitalista dependente, sustenta-dora de uma elite que, para atualizar seu poder, precisa garantir, de forma regular, uma integração parcial.

De acordo com a pesquisadora, o Estado brasileiro e, consequentemente, a escola pública, sofre com várias influências e interferências externas, negativas em boa parte, pois fica sub-metido aos projetos de um poder hegemônico que se caracteri-za pelo domínio do capital2 sobre a vida das pessoas. Fala-se de um poder hegemônico não como uma força abstrata, uma “mão invisível” que determina os rumos da economia e da sociedade, mas de um grupo dominante, de uma elite política e econômica detentora dos recursos e dos meios que sustentam a estrutura do sistema capitalista3.

2 - Aqui entendido como o interesse único no lucro e na acumulação de ri-quezas, baseado na exploração do trabalho humano e na redução do custo da produção para aumentar o ganho de dinheiro.3 - Sistema socioeconômico que tem como base a propriedade privada. Apre-

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Essa elite concentra as riquezas produzidas, além de exercer um controle sobre os demais estratos da sociedade. To-davia, esse controle ocorre de forma sutil, ocultando a realidade para a maioria da população. É essa estratégia que assegura a ma-nutenção de privilégios e o aprofundamento das desigualdades entre ricos e pobres, entre a elite e as classes subalternas. De acor-do com Souza (2015, p. 9):

A realidade social não é visível a olho nu, o que significa que o mundo social não é transparente aos nossos olhos. Afinal, não são apenas os músculos dos olhos que nos permitem ver, existem ideias dominantes, compartilhadas e repetidas por quase to-dos, que, na verdade, ‘selecionam’ e ‘dis-torcem’ o que os olhos veem, e ‘escondem’ o que não deve ser visto.

As diferenças que surgem entre ricos e pobres, entre aqueles que concentram o poder sobre os meios e recursos e aqueles que são excluídos da participação na riqueza do mundo, não devem aparecer aos olhos da maioria. Surge, então, a neces-sidade de “legitimar” a diferença social, ou seja, fazer com que a desigualdade se torne algo natural, aceita até mesmo pelos que são desprivilegiados. Para essa finalidade é que emergem os dis-cursos manipuladores da opinião pública, que são elaborados de maneira sofisticada, nas falas de intelectuais, nas universidades, nos telejornais, nas revistas. São essas estruturas que garantem o “quietismo” social, para que toda condição de estratificação da sociedade não sofra mudanças.

senta uma sociedade dividida em classes, caracterizada, principalmente, entre aqueles que detêm os bens e o capital e aqueles que vendem sua força de traba-lho para a obtenção dos meios de sobrevivência. Na fase atual, chamada de Ca-pitalismo Financeiro, caracteriza-se pelo agravamento das desigualdades sociais e a elevada concentração de renda nas mãos de poucos indivíduos ou grupos econômicos.

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Porém, onde está o papel da escola pública na reprodu-ção dessas desigualdades sociais? Na manutenção dessas dife-renças entre classes, que perpassam também as desigualdades de gênero, raça, de acesso aos bens culturais?

Segundo Leite (2015, s.p.), o sistema educacional inau-gurado com os Estados-nação, na Modernidade, tornou-se uma forma de garantir a homogeneidade de um determinado grupo humano, de assegurar uma cultura unificada, que eliminasse divergências, linguísticas, por exemplo, para fundar o primado da identidade do grupo. A escola passou a ser o principal ins-trumento de divulgação e implantação dessa nova estrutura de composição da sociedade. A autora argumenta que:

[...] o caminho escolhido pela escola foi o da imposição da cultura escolar – que nada mais é que a cultura dos grupos dominan-tes – sobre toda cultura popular, étnica, grupal. Desse modo, a cultura do grupo dominante passa a ser transformada, atra-vés da escola, na cultura de todos os cida-dãos de um país. Essa cultura escolar, que tem sua origem em um determinado mo-mento histórico, acaba por se naturalizar, transformando-se em um modelo a-histó-rico, configurando-se um mundo à parte, como espaço asséptico, imune a conflitos e debates. Nele, a cultura dominante é pro-pagada e reproduzida como ‘alta cultura’, a cultura a ser aprendida por todos os ci-dadãos.

O sistema de ensino, então, começa a aplicar métodos de transmissão de ideias, conceitos, comportamentos que ganham status de verdade. Inicialmente de forma impositiva, mas com o passar do tempo são procedimentos que se naturalizam na vida escolar. Passa a ser gerido por um ideal de sociedade, de indiví-duo, de relações, que teoricamente levará ao progresso, ao desen-volvimento daquele grupo, desde que os novos cidadãos sejam

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preservados dos conflitos e das divergências. Nesse modelo de educação não há espaço para a diversidade e para a contestação das certezas.

Essa contextualização é necessária para compreender as relações básicas em uma escola pública, de ensino fundamental, pois no espaço escolar há realidades diversas, que são interpreta-das pelos seus atores conforme as ideias e as certezas transmitidas ao longo do tempo pela sociedade. Como interpretar, por exem-plo, a pobreza na sua relação com o ensino e a aprendizagem? Como a escola, por meio de seu quadro funcional e sua estrutura, lida com as desigualdades sociais, os preconceitos, os conflitos de gênero e raça?

No espaço escolar há o reconhecimento de que existem esses “males” sociais e que eles não são desejáveis na vida dos cidadãos. Porém o que causa incômodo é a evidência de que a escola contribui para a reprodução das desigualdades, dos pre-conceitos e das injustiças. O que deveria ser o espaço-tempo for-mativo de crianças e adolescentes para a transformação e eman-cipação torna-se também um instrumento nos jogos de poder – a desigualdade social e outras condições desumanizadoras servem à manutenção de privilégios de um reduzido grupo que detém o poder no Brasil.

A escola é um espaço de reprodução das desigualdades sociais por meio dos discursos e práticas pedagógicas de seus atores envolvidos: professores e demais funcionários, e em cer-ta medida, a própria comunidade. As representações sociais que recaem sobre os alunos e famílias pobres – no caso, os beneficiá-rios do Programa Bolsa Família4 − são um exemplo. Sobre eles recaem as seguintes percepções: são dependentes em relação ao Estado, acomodados diante da realidade, indisciplinados, deses-truturados no âmbito familiar. Além desses fatores, corroboram também para a reprodução das desigualdades sociais o não reco-nhecimento da diversidade étnica, de gênero, cultural, no espaço escolar – nas atividades escolares não são trabalhados temas es-

4 - Doravante usaremos a sigla PBF para fazer referência ao programa de trans-ferência de renda.

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pecíficos que promoveriam o respeito a LGBT’s, indígenas; que combateriam a violência contra a mulher, idosos, grupos em si-tuação de vulnerabilidade. Temas e realidades que deveriam ser contemplados para a formação cidadã e democrática.

1.1 PERCEPÇÕES DA POBREZA NA ESCOLA: BOLSA FAMÍLIA E A FALTA DE REFLEXÃO SOBRE AS REALIDADES

De forma geral, a escola que conhecemos é herdeira de uma estrutura pedagógica tradicional, na qual os alunos são vis-tos como indivíduos passíveis de doutrinação e padronização, ou seja, a educação seria apenas um instrumento de inculcação5 das regras sociais e dos padrões estabelecidos de comportamento (CHARLOT, 2013, p. 37). Em um contexto no aparecem crianças e adolescentes de origem pobre, esse modelo educacional tende a reforçar o quadro social de exclusão, pois se pensa a educação como algo separado das realidades sociais o que acaba por ocul-tar conflitos e manifestações por uma sociedade mais justa.

Na pesquisa realizada, foram entrevistados três atores que trabalham na escola e uma mãe de aluno beneficiário do PBF. De acordo com os discursos dos entrevistados compreen-de-se como, no espaço escolar, se manifestam as percepções so-bre os alunos e como essas interpretações sobre as condições das crianças e adolescentes – estendendo-se também para a família e a comunidade – revelam preconceitos ou omissões diante da realidade social que circunscreve o espaço da escola.

Em um questionamento que aborda se os alunos benefi-ciários do PBF sofrem alguma diferenciação no tratamento na es-cola, os atores têm respostas semelhantes, no sentido de afirmar que essa diferenciação não existe no contexto da escola.

Como no discurso da Professora, representada doravan-te como “P”, que diz não acreditar na diferenciação,

5 - Na pedagogia tradicional a natureza da criança é corrompida e, para educar o corpo e os sentidos das crianças, deve ser orientada para o cumprimento das normas sociais vigentes.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |73nas vivências do contexto escolar no Amazonas

[...] mesmo porque a inclusão no progra-ma é um tanto quanto silenciosa e não é uma obrigatoriedade que saibam quem está ou não recebendo esse benefício.6

A Pedagoga, representada doravante como “PD”, tem afir-

mação semelhante e ainda acrescenta que as crianças “[...] são acompanhadas igualmente aos demais alunos como sujeitos de direitos e deveres”.7

A Mãe de aluno, representada doravante como “M”, afir-ma que não vê “[...] nenhuma diferença, seja com professores ou na escola”.8

Já o Diretor, representado doravante como “D”, embora afirme não existir tratamento diferenciado, acrescenta uma fala que desperta, ou deveria despertar, para a reflexão. Ele fala que a escola deve se mobilizar “[...] quando as condições familiares, principalmente a desestruturação, cabe uma intervenção”.9

O recebimento da renda do PBF é condicionado, tam-bém, à frequência dos alunos na escola. D está falando da tare-fa da escola em intervir quando o aluno começa a faltar muito, o que pode acarretar no cancelamento do benefício. Quando se percebe uma sequência de faltas do aluno beneficiário é necessá-rio comunicar a família do aluno ou, dependendo do caso, acio-nar o setor de Serviço Social da prefeitura. Porém, o que chama a atenção, no discurso do entrevistado, é a referência à “desestru-turação familiar”. Parte-se da convicção de que um aluno faltoso, e que seja beneficiário do PBF, tem uma família desestruturada. No entanto, na maioria dos casos, essa sentença vem acompa-nhada de outras representações sobre a condição de pobreza.

Quando falamos de crianças e jovens em situação de pobreza, muitas representações começam a aparecer. No caso das crianças pobres, o assistencialismo e o moralismo

6 - Professora.7 - Pedagoga.8 - Mãe de aluno.9 - Diretor.

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são matrizes que as apoiam. Sob o olhar assistencialista, as crianças pobres preci-sam ser cuidadas, educadas intelectual e moralmente, já que suas famílias – no caso, famílias pobres – ‘são desestruturadas, não tem educação’. Assim, a ideia do cuidado com a infância pobre nasce impregnada de uma olhar autoritário e negativo (LEITE, 2015, s.p.).

Embora P, PD e D negassem a diferenciação entre alu-nos, as conversas informais no cotidiano da escola revelam re-presentações muito negativas de quem está em condição de po-breza e recebe o benefício do governo. Em outra pergunta sobre os impactos que o PBF tem na vida das famílias beneficiárias e na melhoria da aprendizagem de suas crianças, as respostas ganham um tom mais crítico: o programa é bom, porém não contribui para a aprendizagem e nem para a emancipação das pessoas por ele atingidas!

De acordo com P:

Receber qualquer valor que acrescente a renda de uma família é, sem dúvida, mui-to bom, – imagine os que dependem quase que exclusivamente desse benefício – porém o comodismo, entre outros aspectos, podem gerar inúmeras discussões.10

O “comodismo” aparece como uma consequência natu-ral na estrutura da família beneficiária e, além disso, gera “inú-meras discussões” sobre a eficácia ou razão de ser do programa. Na visão de PD, existe uma inércia da família ante a vida escolar do aluno, o que prejudica seu rendimento na escola. Assim ela se manifesta:

10 - Professora.

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As famílias que participam do programa são as que mais necessitam, contudo não há participação efetiva dessas famílias. Os alunos não tem acompanhamento dos pais, isso acaba dificultando um melhor desem-penho na aprendizagem e acompanhamen-to junto aos professores.11

De certa forma, é uma visão que pode ser atribuída a vários educadores quando são questionados sobre os programas sociais: a de que a pobreza, de forma geral, produz indivíduos indolentes e pouco capazes de autonomia diante da vida.

“D” é categórico, em sua resposta:

Sinceramente, vemos muito pouco! Acho que a contrapartida deve ser maior. A de-sestruturação familiar leva-nos, a maioria das vezes, olhar sempre como vítima social. O Bolsa Família não fortalece a escola! Também não olha para o rendimento es-colar. Acomoda [...] Temos muitos casos de alunos repetindo o ano por diversas vezes e a mãe só quer o Bolsa Família! 12

Para Arroyo (2012), a vida material, a realidade socioe-conômica das famílias carentes influenciam diretamente no es-paço-tempo da escola, pois:

O direito a uma vivência digna do tempo da infância é precário quando as condições materiais de seu viver são precárias: mo-radia, espaços, vilas, favelas, ruas, comida, descanso. Ou quando as condições e es-truturas familiares de cuidado e proteção se tornam vulneráveis, inseguras ou são condenadas a formas indignas de sobre-vivência. As relações humanas, familiares,

11 - Pedagoga.12 - Diretor.

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de cuidado e proteção dos tempos da in-fância são ameaçadas quando as condições sociais, materiais e espaciais se deterioram. (p. 34)

Como esperar ou cobrar um melhor rendimento do alu-no pobre se a realidade na qual ele vive é repleta de adversidades? Para os entrevistados, e grande parcela de educadores do ensino básico, questionamentos como esse não são válidos, pois como disse D, acabamos vendo os alunos e as famílias “sempre como vítima social”. Numa perspectiva pedagógica tradicional o que importa é o resultado – e os alunos é que precisam adaptar seu tempo e sua vida à realidade do espaço escolar. Posturas desse tipo reforçam o quadro de exclusão social, pois o aluno, sob essas condições, tende a abandonar a escola.

Outro dado que foge à reflexão dos entrevistados é que o PBF diminui a evasão escolar. Há muito tempo os sistemas de en-sino público têm se preocupado com a evasão, no entanto P, PD e D não estabelecem a relação entre o benefício, que condiciona o recebimento do dinheiro à frequência do aluno, e o aumento do tempo escolar de crianças e adolescentes que antes eram infre-quentes ou nem apareciam na escola. Além disso, não levam em conta a sensação de bem-estar que surge na vida de uma pessoa que recebe o Bolsa Família.

Quando questionada sobre o impacto do benefício na vida escolar de seu filho, “M” dá a seguinte resposta:

De muito ajudou, porque é um benefício das crianças... É muito mais uma ajuda, que muitos se beneficiam e assim o Bolsa Família incentiva na educação das crianças e adolescentes.13

13 - Mãe de aluno.

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2 O ESPAÇO ESCOLAR E A LIMITAÇÃO DO SEU PAPEL TRANSFORMADOR

A escola tem potencial para o enfrentamento das desi-gualdades sociais e da pobreza. Essa afirmação é referendada na fala dos atores quando perguntados se as articulações do espaço escolar e o entorno possibilitam minimizar a pobreza, as desi-gualdades sociais.

“M” responde: “Sim, pois na escola apren-demos a conviver com outras pessoas, inde-pendente de raça, cor, classe, etc”.14

“PD” afirma: “[...] a escola sempre procura desenvolver atividades motivacionais, vi-sando atender uma educação transforma-dora e igualitária”.15

Já no discurso de “P” há apenas uma referência ao desafio de “trabalhar com as diferenças”, porém ela acrescenta que há

“[...] a necessidade de um saber crítico vol-tado para a diversidade, de forma que o es-paço escolar possa promover a interação in-dependente de qualquer condição social”.16

Para “D”, “[...] a própria existência da esco-la na comunidade já causa impacto social positivo. E muito mais, quando a escola tra-balha com um olhar nessa perspectiva, que seu papel social fundamental é esse”.17

14 - Mãe de aluno.15 - Pedagoga.16 - Professora.17 - Diretor.

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Nesses discursos compreende-se a escola como um espa-ço privilegiado do encontro de diferentes sujeitos, um espaço de aprendizagem da convivência, onde, em princípio, motiva--se para um viver mais digno, respeitando-se as procedências e condições de cada indivíduo. Não se pode negar que nas últimas décadas a educação brasileira se caracterizou por vários projetos e ações que possibilitaram ganhos sociais aos alunos e suas fa-mílias. Programas como o Mais Educação que aumenta o tempo escolar de crianças e adolescentes, com vistas a uma estratégia pedagógica mais diversifica, tornam o espaço da escola mais en-riquecedor para a vida atual e futura daqueles que veem na escola pública a única alternativa para “crescer” na vida. Além de outros programas e ações que tem foco na alfabetização na idade certa ou a expansão do ensino de Tempo Integral – são investimentos sociais que refletem positivamente no espaço escolar e na vida de milhares de crianças e adolescentes.

Entretanto, o discurso que não se torna ação é inócuo. É necessária uma prática educativa coerente com o discurso, para que as condições sociais, econômicas e políticas sofram as trans-formações desejadas: uma sociedade menos desigual e com opor-tunidades reais de ascensão para qualquer cidadão ou cidadã. A prática educativa é determinada por uma postura ético-democrá-tica, na qual os educadores devem se “posicionar”, assumir que a vida social exige escolhas – políticas, pedagógicas, ideológicas – que devem ser claras para quem “ensina” e para quem “aprende”. Esse pensamento é descrito nas palavras de Freire (2015, p. 45):

Falamos em ética e em postura substanti-vamente democrática porque, não sendo neutra, a prática educativa, a formação hu-mana, implica opções, rupturas, decisões, estar com e pôr-se contra, a favor de algum sonho e contra outro, a favor de alguém e contra alguém. E é exatamente este impe-rativo que exige a eticidade do educador e sua necessária militância democrática a lhe exigir a vigilância permanente no sentido

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da coerência entre o discurso e a prática. Não vale um discurso bem articulado, em que se defendem o direito de ser diferente e uma prática negadora desse direito.

Para esse teórico da educação, o processo educacional não é neutro: nele estão presentes posturas políticas: de afirma-ção ou negação da vida, de libertação ou condicionamento das pessoas. É uma crítica contundente, pois desvela a hipocrisia dos discursos que não têm apoio de uma prática educativa democrá-tica e politizada, que não leva em conta as desigualdades sociais, a concentração da riqueza, a exploração do trabalho. O espaço escolar recebe a diversidade de consciências, recebe crianças e adolescentes de origem pobre, recebe um conjunto de sonhos e desejos, mas isso não basta – não o torna transformador. O que o torna transformador é a prática educativa.

Como falar em escola libertadora se no espaço escolar vive-se o imperativo da disciplina? Como falar em escola demo-crática se as formas de pensar são impostas? Como o espaço es-colar pretende-se transformador se não são debatidos os temas sociais – o machismo, a homofobia, a diferença de classes, o ra-cismo, a misoginia – de forma clara e desafiadora com os alunos e alunas? Uma prática educativa que não dialogue com as reali-dades sociais, econômicas e políticas dos atores do espaço esco-lar é apenas um instrumento para a permanência de estruturas opressoras que separam as pessoas em classes sociais, além de não combater o estigma social de que os setores empobrecidos da sociedade o são assim apenas por uma questão de escolha subje-tiva.

2.1 A PRÁTICA PEDAGÓGICA E O MÉRITO PESSOAL

Durante a entrevista os atores foram questionados se a escola promove atividades de ensino e culturais, emancipatórias, que possibilitem a interação de gênero, raça, etnia e superação de situações de exclusão. Percebe-se que as respostas são evasivas ou generalizantes, ou seja, não trazem uma referência concreta

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das atividades que ocorrem para esse fim. O discurso aponta para uma escola de processos pedagógicos idealizados, porém não traz relatos, vivências, ações que ocorreram no espaço escolar e que promoveriam um engajamento de seus atores para que as desi-gualdades sociais e os contextos de discriminação fossem enfren-tados.

No discurso de “D”, a escola trabalha “[...] no aspecto interdisciplinar”, realizando “feiras culturais, ciências, feira dos países, regiões do Brasil, etc.” (informação verbal)18. Já a “M” tem uma visão bem simples ao afirmar que “sim”, que essas ativida-des são promovidas nas “reuniões” e “comemorações”. Enquanto que a “PD” descreve várias atividades desenvolvidas na escola, porém não faz referências aos “conteúdos” sociais sugeridos na questão:

Sim, nossa escola participa de projetos fede-rais, que aliados ao projeto pedagógico da escola, proporcionam aos alunos oportuni-dades de experiências culturais e esportivas como o Projeto Mais Educação, que oferece judô, orientação a estudo e leitura, inicia-ção a instrumentos de cordas, esporte na es-cola e conservação de solo e compostagem .19

De acordo com “P”, “Nas atividades desenvolvidas na esco-la há várias abordagens que promovem, além do ensino, a intera-ção e o respeito, entretanto a família é importante nesse processo, pois contribui de maneira significativa”.20

Fica evidenciada nos discursos a ausência de ações efetivas de enfrentamento ao preconceito, aos conflitos de gênero e nem referências à forma como são trabalhados os temas relativos às desigualdades sociais ou pobreza, pois não há uma prática pe-dagógica emancipatória. Para Charlot (2013, p. 72) a educação envolve contextos sociopolíticos e culturais. “Tomar consciência

18 - Diretor.19 - Pedagoga.20 - Professora.

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do significado social e político da educação é compreender que a cultura do indivíduo é determinada pelas realidades econômicas, sociais e políticas.” E ele ainda observa que:

Não é assim que a pedagogia, isto é, a teoria da educação, pensa a educação. Ela consi-dera, ao contrário, que a situação social do indivíduo é uma consequência de sua for-mação cultural, e que se pode conceber a cultura do indivíduo sem referência direta às realidades sociais. Para ela, a cultura é um processo intelectual, moral, religioso, estético etc. que certamente tem conse-quências sociopolíticas, mas que não é por natureza um fenômeno social e político.

Esse pensamento auxilia na reflexão acerca das práticas pedagógicas, na escola pública, pois mostra como os educadores interpretam e julgam a condição do aluno. É comum nos dis-cursos dos educadores a noção de que os alunos não se esforçam suficientemente para alcançar “uma boa nota”. Tudo depende do indivíduo, tudo depende do mérito pessoal. Eis uma razão para que os educadores não se envolvam tanto, ou se eximam das questões sociopolíticas na sua prática educativa: o responsá-vel pelo esclarecimento de sua posição na sociedade é o próprio aluno.

O espaço escolar, nessa visão “meritocrática” da vida, já fornece todos os elementos necessários para que o indivíduo su-pere as condições socioeconômicas desfavoráveis: na escola tem professores comprometidos, tem livros “de graça”, tem merenda, tem conselhos etc. Então, se não há evolução do aluno, numa perspectiva de avaliação tradicional – provas objetivas, questio-nários, redações – é porque o aluno não tem vontade melhorar, “não se esforça”, “perde tempo”, “não pensa no futuro”.

Nessa perspectiva, o espaço da escola reproduz um dos mais eficazes e, por isso mesmo, dos mais nocivos discursos da nossa sociedade de classes: a de que o indivíduo é o único respon-

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sável pelo seu sucesso ou seu fracasso. Ignorando os contextos sociais de precariedade material, de violência familiar, de baixa estima etc., condições que influenciam diretamente na vida es-colar das crianças e adolescentes. É uma espécie de “violência simbólica” que, nas palavras de Souza (2015, p. 90), é a “[...] ocul-tação sistemática de todos os conflitos sociais fundamentais que perpassam uma sociedade tão desigual como a brasileira”.

O espaço escolar que não dialoga sobre as realidades sociais, que não desvela os interesses de classe que perpassam a vida das pessoas e não faz a autocrítica da prática educativa é só mais um espaço onde “cabeças” são manipuladas a serviço de uma elite que sempre esteve no poder, determinando o que deve ser aprendido e que tipo de “cidadão” deve ser formado na escola pública.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise contida neste trabalho congregou observações e experiências do cotidiano escolar, além de leituras de biblio-grafia específica, demonstra que há evidências de que a escola pública funciona, também, como um espaço reprodutor de de-sigualdades sociais e da pobreza. Esse que deveria ser um espaço de formação integral da pessoa, respeitando os tempos de cada criança e adolescente e auxiliando os sujeitos na interpretação do mundo social, econômico e político, serve também a interesses pouco nobres: a manutenção de privilégios de uma elite econô-mica e política que tem determinado os rumos do país há séculos. E a escola tem servido como um instrumento de “inculcação” de ideias para que essa realidade seja distorcida e aceita tacitamente até pelos menos favorecidos da sociedade.

A escola pública de ensino fundamental na cidade de Manaus, que serviu de base para a pesquisa, é um reflexo da ma-cro realidade da vida social brasileira. Na qual são pronuncia-dos discursos reveladores de preconceitos e legitimadores das condições de classe. O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo quando se fala em distribuição de riquezas entre seus ha-

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bitantes. Então como justificar que tamanha injustiça social não cause uma convulsão generalizada no seio das classes populares? É inquietante afirmar que a escola pública tem contribuído para essa “acomodação” social. Por meio dos discursos e práticas pe-dagógicas de grande parte dos educadores, o espaço escolar acaba se tornando uma fonte irradiadora de ideologias que servem a interesses nada coletivos.

Dessa forma, há uma necessidade premente de levantar discussões, chamar para o debate aqueles que no espaço escolar tem se esquivado do enfrentamento e do engajamento no campo social e político. O espaço escolar não é apenas um agregado de seres que ensinam e seres que aprendem, é um conjunto de dife-renças, de conflitos sociais, raciais, de gênero que são moldados por uma estrutura injusta e desigual.

Não basta apenas discursar sobre a pobreza e suas idios-sincrasias, é necessário compreende-la como fruto de uma estru-tura de classes e da ausência do Estado. Não basta falar de sucesso e fracasso escolar, é necessário entender as condições de inúme-ras crianças e adolescentes que chegam à escola marcados por suas realidades de insegurança, baixa estima, violência.

Enfim, é necessário problematizar a relação entre escola e realidades sociais, indo além dos preconceitos de classe e do senso comum. A própria formação dos educadores deveria se-guir uma pauta mais voltada para a crítica social nas estruturas do ensino básico. Nesse sentido, o curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social é uma experiência que deve ser continuada, para que não se perca de vista o compromis-so social que a escola, a comunidade acadêmica e a sociedade tem para com aqueles que não estão de posse das condições ideias para o desenvolvimento de seus projetos de vida.

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REFERÊNCIAS

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ARROYO, Miguel G. O direito a tempos-espaços de um justo e digno viver. In: MOLL, Jaqueline. Caminhos da educação integral no Brasil: direito a outros tempos e es-paços educativos. Porto Alegre: Penso, 2012. Disponível em: <https://issuu.com/grupoa/docs/moll_caminhos_edu-cacao_integral_brasil> Acesso em: 26 jan. 2017.

BARDIN, L. Análise de conteúdos. Lisboa: Edições 70, 2011.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei 9.394/1996. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica: realida-des sociais e processos ideológicos na teoria da educação. Tradução: Maria José do Amaral Ferreira. ed. rev. e ampl. São Paulo: Cortez, 2013.

FREIRE, Paulo. Política e educação. FREIRE, Ana Maria de Araújo (Org.). 2. ed. São Paulo, Paz e Terra, 2015.

LEITE, Lúcia Helena Alvarez. Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da pobreza. 2015. Disponível em: <http://egpbf.mec.gov.br/modulos/mod-3/index.html>. Acesso em: 02 jan. 2017.

SOUZA, Jessé. A tolice da inteligência brasileira: ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: Leya, 2015.

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Uma Reflexão Acerca do Uso dos Espaços como Elementos do

desenvolvimento Curricular e Combate a Pobreza em Escolas de

Manaus1

Maria Sônia S. de Oliveira | Elísia Filgueira De Almeida | Lorena Honório Costa | Maiane Rossi

RESUMO

O presente artigo é resultado de reflexões e pesquisas fei-tas ao longo do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Busca refletir e discutir sobre a importân-cia dos espaços da escola como elemento curricular na garantia dos direitos da criança e combate a pobreza a partir da análise os impactos do Programa Bolsa Família. Para isso, a pesquisa está amparada em estudos bibliográficos e na análise das percepções acerca do Programa na vida das famílias e das crianças tomando como referencia o uso dos espaços como promotores do desen-volvimento curricular e das práticas pedagógicas da escola. Com base na abordagem qualitativa, foi utilizado a técnica de questio-nários semiabertos, buscou-se contemplar os pais/responsáveis pelos beneficiários do Programa Bolsa Família, os profissionais da educação: professores, coordenadores pedagógicos e direto-res das escolas pesquisadas. A prática de observação foi utilizada para verificar o uso dos espaços da escola como promotores ou não para o desenvolvimento curricular e das práticas pedagógi-cas. Os resultados apontam que o repasse da verba feito através

1 - Trabalho produzido coletivamente ao término do curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Sob a orientação da Professora MSc. Maria Sônia Souza de Oliveira.

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do Programa Bolsa Família tem contribuído para uma melhora significativa na aprendizagem dos estudantes, na medida em que a frequência e critério para manter as crianças na escola. Os da-dos mostraram que, no geral, as escolas não trabalham pensan-do na singularidade dessas crianças beneficiárias, pois as escolas buscam oferecer uma educação igualitária a todos sem discrimi-nação e preconceito. Contudo, ficou evidenciado que esse “tra-tamento igualitário” mascara uma realidade do trabalho escolar pautado, ainda, numa visão homogeinizadora do trabalho peda-gógico. As crianças que não conseguem responder às demandas da escola enfrentam varias dificuldades em seu processo de es-colarização. estudo destaca que a pobreza é um problema social devendo ser enfrentado pela escola juntamente com as outras áreas sociais, pois compreende-se que um sujeito é resultado das várias relações que estabelece com seu meio, nas experiências, nas vivencias nos diferentes espaços. O espaço da escola é um desses espaços, que pode garantir ou não os direitos da escolar da criança ou pode ser também um espaço de reprodução a pobreza e a desigualdade social.

Palavras-chave: Escola. Espaços. Criança. Pobreza. Programa Bolsa Família.

INTRODUÇÃO

Esse artigo surge de algumas inquietações suscitadas ao longo do Curso de Especialização em Educação, Pobreza e De-sigualdade Social. Tais inquietações foram surgindo a partir das indagações, resultado das pesquisas realizadas ao final de cada Módulo do curso, os quais se constituíram como objetos de aná-lise acerca dos espaços da escola e a relação com a pobreza e a desigualdade social.

A pobreza é compreendida como um problema social que precisa, primeiramente, ser reconhecido como produtor de desigualdades. Numa sociedade que busca a igualdade para todos os seus membros, a partir do reconhecimento dessas desigualda-

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des, é que programas e projetos sociais devem ser implantados no sentido de superar quaisquer problemas que venham a tor-nar as pessoas desiguais ou a reproduzir a pobreza. O Programa Bolsa Família, bem como a oferta de educação para todos, como será discutido mais a frente, é uma dessas tentativas de prover maiores possibilidades de igualdade entre as pessoas.

A luta para superar as desigualdades sociais se dá por entender que no Brasil vive em uma democracia e todas as pes-soas são sujeitos de direitos que têm diariamente alguns de seus direitos violados de forma silenciosa. Isso se dá quando não há condições básicas para uma vida saudável, quando o acesso a uma renda é nulo ou insuficiente, quando o abandono escolar e o trabalho infantil tornam-se consequências um do outro, quando as condições de segurança, alimentação e educação são insatis-fatórias e quando muitas outras condições de vida acabam por marginalizar sujeitos de uma sociedade que deveria ser promo-tora dos direitos humanos.

Não sendo assegurados os direitos humanos de forma plena, o individuo a mercê de todo tipo de violência; seja física, psicológico ou simbólico, essa condição, coloca o sujeito fica em situação de vulnerabilidade social, e, diminuindo as chances para a sua inserção e inclusão social. Os direitos discutidos neste arti-go é o direito à educação, como processo inalienável na socieda-de atual. Não se configurando como a simples oferta, mas como garantia desse direito, o que implica criar condições de acesso, permanência e continuidade. Esse direito é garantido desde os primeiros anos de vida da criança e visa seu desenvolvimen-to pleno, exercício da cidadania e qualificação para o mercado de trabalho, de acordo com a Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).

A partir dessa redação da lei, a educação escolar para os sujeitos do processo de aprendizagem como para os processos pedagógicos, envolvendo o desenvolvimento do currículo e orga-nização das práticas pedagógicas para além dos espaços da sala de aula. Para a criança em processo desenvolvimento, por exemplo, os espaços são indispensáveis em atividades de desenvolvimento

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das habilidades psicomotoras, da socialização e das interações, na medida em que são usados pedagogicamente e articulados ao desenvolvimento curricular.

Enquanto espaços de promoção do conhecimento e di-vulgação dos saberes culturalmente construído, as instituições escolares segue uma Diretriz Curricular que orienta os conteú-dos a serem trabalhados para os diferentes níveis de ensino. Para as crianças da Educação Infantil e Anos Iniciais do primeiro segmento do Ensino Fundamental, deve ser considerado tam-bém, os elementos concretos da realidade, uma vez que a base do processo de aprendizagem da criança está na manipulação dos objetos concretos. Para essa etapa escolar, o espaço e os atores das escolas devem ser pensados para as crianças em processo de desenvolvimento em suas diferentes infâncias, tendo em vista suas particularidades individuais e as diferenças sociais, étnica e econômica. Desse modo, os espaços das escolas tornam-se ele-mentos de possibilidades de inserção social e combate à pobreza à medida que oferecem uma educação que respeite as diferentes formas de viver as infâncias, suas particularidades.

O artigo em tela foi desenvolvido metodologicamente, pela abordagem qualitativa do tipo, estudo de caso em três escolas da rede municipal de ensino. Ancorada por estudos bibliográfi-cos e na análise das percepções acerca do Programa Bolsa Família na vida das crianças tomando como referencia o uso dos espaços como promotores do desenvolvimento curricular e das práticas pedagógicas da escola. Para a coleta de dados, foi utilizada a téc-nica de questionários semiabertos, onde buscamos contemplar os pais/responsáveis pelos beneficiários do Programa Bolsa Fa-mília, os profissionais da educação: professores, coordenadores pedagógicos e diretores das escolas pesquisadas. A prática de ob-servação foi utilizada para verificar o uso dos espaços da escola como promotores ou não para o desenvolvimento curricular e das práticas pedagógicas.

Os questionários foram aplicados com 2 beneficiários do Programa Bolsa Família, 3 Coordenadores Pedagógicos das Es-colas, 3 professores e 2 gestores. Os sujeitos da pesquisa foram

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instigados a refletir sobre o tratamento que as crianças benefi-ciários do Programa Bolsa Família nas escolas, considerado o desenvolvimento do currículo e das atividades didáticas pedagó-gicas, bem como os espaços da escola e entorno, como elementos constituintes para a diminuição da pobreza e das desigualdades sociais.

A partir dessas categorias de análise, buscamos identi-ficar os impactos do Programa Bolsa Família na educação das crianças e de suas famílias, tomando como referência a análise do uso dos espaços na escola no desenvolvimento das praticas pedagógicas para as crianças.

1 A ESCOLA, ESPAÇO E ORGANIZAÇÃO CURRICULAR NO ENFRENTAMENTO POBREZA

A educação é um direito social da segunda dimensão dos direitos humanos, pois a sua oferta tem o ideal de buscar igual-dade entre os sujeitos. Um dos princípios instituídos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em seu artigo terceiro é garantir que o ensino deva ser ministrado com base na “[...] igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1996). Porém, esse direito vem sendo violado de forma sutil ao longo dos anos. O acesso à educação é garantido, mas a permanência na escola, dada as condições sociais, culturais e eco-nômicas em que muitos se encontram é difícil de ser alcançada, excluindo, assim, muitas crianças e adolescentes do processo de escolarização.

Mais do que nunca, a educação escolar é compreendida como um processo que contribui no desenvolvimento do sujeito na medida em que assegura os seus direitos de acesso e continui-dade escolar. Ou seja, o acesso e continuidade na escola é con-dição indispensável para inserção e inclusão social. A sua falta implica na exclusão e na produção da desigualdade, na medida em que os direitos a escola não são assegurados. Ou seja, a es-cola, enquanto instituição educativa se reveste em grande poten-cial para minimar ou reproduzir a pobreza, pelas concepções que orientam todo processo pedagógico.

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Fonseca e Pimenta (2012) mostram como os desiguais chegam à escola e sofrem processos de exclusão, mesmo tendo garantido sua inclusão escolar. A exclusão se dá a partir do mo-mento que não é oferecida estrutura adequada para permanência na escola àqueles que são resultados de relações de poder desi-guais da sociedade e vivem na situação da pobreza.

Além das condições citadas, observa-se que a escola, mui-tas vezes, não está preparada para receber um aluno em situação de pobreza, acarretando num acesso limitado à educação. Como Bock e Aguiar (2003) defendem, isso se dá de diversas formas, como: o distanciamento dos assuntos escolares da vida cotidia-na dos alunos, a patologização da pobreza, a desvalorização das diversas constituições familiares e dos saberes de senso comum. Tudo isso leva alunos a verem a escola como espaço inadequado para eles e a verem-se como passíveis de ter alguma dificuldade de aprendizagem.

Pobreza pode ser entendida como uma condição inerente àquele que é privado materialmente do que lhe é necessário para uma vida digna. Ela é resultado das relações de poder que tornam as pessoas desiguais e, portanto, não possuidoras das mesmas possibilidades de existência. As privações mais visíveis nos gru-pos sociais brasileiros de baixa renda são de educação, de saúde, de alimentação, de aquisição dos bens materiais produzidos e de lazer. Há uma gama de experiências, de elementos produzidos culturalmente e de espaços, como moradia de qualidade, centros de convivência e de cultura que milhares de pessoas nunca tive-ram acesso e dificilmente terão, dada às condições materiais em que vivem.

Essa desigualdade tem se perpetuado por anos através de ferramentas diversas que procuram manter a pobreza para que grupos dominantes continuem a ter o poder que conseguiram com as relações de poder desiguais e, consequente, existência da pobreza. Essas disparidades sociais têm influência direta na edu-cação, pois, para que uma educação seja de fato desenvolvida, é necessário que fatores sociais estejam atuando a favor dos pro-cessos de ensino e de aprendizagem.

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Na escola, os espaços se caracterizam como espaços de so-cialização e aprendizagens entre as crianças e, entre crianças e os adultos. É nessa dinâmica de interações e socializações que a criança deverá ser compreendida como um sujeito que tem sin-gularidades, experiências adquiridas a partir das vivencias; seja na família, seja em outros espaços de socialização, a criança brin-ca, imaginação, cria e recria modos de viver e encarar as situações do mundo em sua volta, desenvolvendo um jeito próprio de pen-sar e formular explicações acerca dos fenômenos, fatos e objetos de sua realidade circundante.

Assim sendo, é necessário considerar os espaços escolares, os atores e os currículos, tendo em vista as particularidades e as diferenças individuais e coletivas. Na perspectiva da escola cida-dã, os espaços podem ser tornar possibilidades de inserção social e combate à pobreza à medida que oferece uma educação que respeite o desenvolvimento da criança, as diferentes formas de viver a infância em sua diversidade social, econômica, e cultural. A organização pedagógica e desenvolvimento curricular deve se organizar, tendo em vista a pluralidade dos coletivos e os modos de viver a infâncias.

Para Arroyo (2011) os currículos escolares acabam, por vezes, ignorando a pobreza e os pobres como coletivos invisíveis, tornando os conteúdos e as práticas pedagógicas sem sentidos na vida desses sujeitos. A superação desse tipo de currículo e prá-ticas dissociadas do mundo da vida está relacionada, também a uma nova concepção de sujeitos individuais e plurais. Desse modo, o trabalho pedagógico deve colocar o sujeito no centro do processo de ensino, favorecendo as diferentes formas de apren-der. Nessa perspectiva, a organização dos processos pedagógicos e do desenvolvimento curricular, envolve necessariamente o uso intencional dos espaços. Arroyo explica ainda, que esse não re-conhecimento dos desiguais na escola precisa ser analisado, sob a luz da pluralidade e diversidade. Esse reconhecimento toma os espaços como referencia para os processos de socialização, trocas e interações. Ele afirma que:

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O acesso à escola, sua permanência tem esses sentidos radicais: a possibilidade de entrar nos espaços negados, de entrar em outros espaços sociais, políticos. Simboliza passar de lugar social, ser reconhecidos. A negação do acesso e permanência à escola e à universidade reproduzem o não reco-nhecimento do seu direito a lugares legí-timos. Por sua vez entrar mas ser repro-vados nos vestibulares, não passar de ano significa não passar de lugar social. Não ser reconhecidos dignos desses lugares de legí-timos reconhecimentos. Significa reforçar sua condição histórica de não reconheci-mento. (ARROYO, 2011, p. 91).

Nessa perspectiva dinâmica da organização do trabalho pedagógico da escola, os espaços se constituem como elemento do próprio currículo. Para Horn (2004), a literatura sobre a dis-cussão do espaço mirando o desenvolvimento da criança é mui-to vasta. Para Piaget (1973), o espaço é objeto de interação que possibilita a criança vivê-lo de diferentes formas. Para Wallon (1989) os espaços se constituem como um dos principais funda-mentos para o desenvolvimento psicomotor das crianças. É nessa perspectiva, que os espaços da escola deverão ser desafiadores e acolhedores, mas também, devem favorecer os processos socia-lização e interações entre as crianças, pois assim enriquecem o repertório linguístico, afetivo e motor.

Kramer (2006, p. 20) aponta que “[...] deve-se partir do princípio de que as crianças (nativas ou imigradas, ricas ou po-bres, brancas ou negras) tinham (e têm) modos de vida e de in-serção social completamente diferentes umas das outras”. Por-tanto, o espaço escolar não deve ter uma estrutura rígida demais, mas deve ser flexível para atender as peculiaridades daqueles que chegam à escola.

Para lidar com isso, outro principal aspecto a ser con-siderado é a não estigmatização dos conhecimentos e culturas ditos populares. A cultura de crianças e adolescentes não deve

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ser desconsiderada, mas deve constar no currículo escolar. Isso, além de criar uma aproximação entre profissionais da escola e estudantes, transforma a escola em um espaço de expressão e construção de subjetividades, de diferentes linguagens e de for-talecimento das identidades culturais, além de serem espaços de trocas de experiências entre as pessoas.

Dentre tantos fatores que devem ser considerados para minimizar ou superar a pobreza, podemos salientar que o modo como a escola desenvolve o currículo, organiza as suas práticas pedagógicas e reconhece nos espaços da escola e entorno elemen-tos tanto do currículo quanto das práticas sociais dos sujeitos crianças, adolescentes e jovens ou para a superação desigualdade social ou para ampliá-la.

2 O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA E OS IMPACTOS NA EDUCAÇÃO

A desigualdade social no Brasil é muito forte e respon-sável por colocar milhões de pessoas em situação de pobreza, de privação de uma qualidade de vida necessária, e de privação do exercício da sua cidadania plena. Por outro lado, grandes quan-tias monetárias se conservam sob o domínio de poucas pessoas. Outras medidas são tomadas para que todos tenham garantia de seus direitos. O Programa Bolsa Família é uma das iniciativas do governo federal em parceria com as Secretarias de Educação e Escolas objetivando garantir os direitos das necessidades básicas por meio da transferência de renda a famílias em situação de vul-nerabilidade social.

De acordo com Pereira (2011), a pobreza urbana desafia os governos a buscarem uma solução rápida e efetiva para essa situação, pois o território das cidades fica marcado visivelmente com as contradições e desigualdades sociais existentes. O Progra-ma Bolsa Família (PBF) foi criado pelo Governo Federal no ano de 2003, e se constituiu como uma das ações do governo para a educação, articulado a outros programas, como por exemplo, “O Programa Mais Educação”, o qual em parceria com outros Ministérios teve o objetivo de diminuição da desigualdade social

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com a ampliação do tempo nos espaços da escola, e com o foco na aprendizagem da leitura, da escrita e da matemática, além de favorecer outras atividades nas áreas do esporte, da cultura e do meio ambiente. Ou seja, uma tentativa de estreitar uma articu-lação da escola com a comunidade numa perspectiva ampliada da co-responsabilidade de todos os segmentos da sociedade. Essa proposta do Programa Mais Educação significaria um avanço na garantia da aprendizagem da leitura e escrita como também a formação cultural, na medida que ampliava a co-responsabili-dade e participação da sociedade civil organizada – pública ou privada na formação da criança.

Embora deva-se reconhecer o seu caráter inovador e am-plo, o programa não teve os avanços esperados, haja vista a gran-de dificuldade logística da escola (limitações dos espaços, rota-tividade dos monitores, separação entre as ações do programa e o currículo da escola etc.) e dificuldade de articulação com a comunidade.

O Programa Bolsa Família, como política que visa a di-minuição da desigualdade social, por meio da a transferência de renda para famílias que tenham mulheres gestantes, crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos de idade em situação de pobreza e de extrema pobreza, se constitui como uma possibilidade de as-segurar as crianças na escola, tendo a frequência como condição para o recebimento da renda. Desse modo, tanto a família quanto a escola são responsáveis; a família em assegurar o cuidado com a criança garantindo a frequência na escola, e a escola respon-sável por assegurar os processos de ensino e de aprendizagem das crianças e a continuidade em seu processo de escolarização garantindo o exercício efetivo da cidadania.

Rocha (2011) destaca que as transferências de renda rea-lizadas pelo programa ajudaram na diminuição da pobreza. Seus valores representam um custo baixo, em relação ao PIB do Bra-sil, apresentando uma forma de implementação possível dentro dos limites do Governo. Se compreendermos a existência de uma renda monetária para toda família como recurso necessário à sua cidadania, não existirão motivos para descartar o programa en-quanto importante ferramenta de promoção de direitos básicos.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |95nas vivências do contexto escolar no Amazonas

3 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DOS IMPACTOS DO PROGRAMA NAS CRIANÇAS BENEFICIÁRIAS

Essa pesquisa buscou identificar os impactos do Progra-ma Bolsa Família na educação das crianças da Educação Infantil, beneficiárias do Programa tomando como referência o uso dos espaços no desenvolvimento curricular e das praticas pedagógi-cas, enquanto espaços de inserção social e combate à pobreza. O universo onde a pesquisa se realizou foram três instituições públicas de educação infantil da cidade de Manaus, localizadas nas zonas Oeste, Sul e Leste. Os sujeitos envolvidos foram 3 be-neficiários do Programa Bolsa Família com filho matriculado nas escolas pesquisadas, 3 Coordenadores Pedagógicos, 3 professores e 2 gestores desses locais.

Para a obtenção das informações da pesquisa, alguns su-jeitos foram convidados a participar, porém, nem todos aceita-ram, devido a não se interessarem pela temática abordada ou por declararem não ter disponibilidade de tempo para tal atividade. Com aqueles que aceitaram, o instrumento utilizado para a ob-tenção de informações foram questionários semiabertos por en-tender, como Gil (1987) aponta, que esse instrumento é vantajo-so e pode ser usado focando os objetivos principais da pesquisa.

Para a análise dos dados obtidos, foi usada a proposta de ANÁLISE DE CONTEÚDO de Bardin (2009). Nessa proposta, a análise se dá nas fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação. Além disso, Bardin propõe a utilização de categorias de análise, um reagrupamento das informações alcançadas por diferenciação. Aqui as catego-rias de análise seguiram a ordem do questionário aplicado, sendo elas: tratamento escolar diferenciado para beneficiários do PBF; atividades escolares emancipatórias; impactos do PBF e papel da escola enquanto espaço de enfrentamento à pobreza, com des-taque para as categorias de espaço, sujeitos da educação, desen-volvimento curricular e práticas pedagógicas e Programa Bolsa Família. Uma das primeiras questões levantadas pelo questioná-rio aplicado com os sujeitos investigados é, “se há um tratamento diferenciado para quem é beneficiário do Programa Bolsa Famí-lia.

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Sobre essa questão os sujeitos afirmam que não há diferen-ciação entre quem é beneficiário e quem não é. Contudo, um pai beneficiário do PBF destaca que seu filho é prejudicado algumas vezes por precisar faltar e não poder, caso não tenha justificativa oficial, pois corre o risco de ter o benefício cancelado.

É claro que é importante lembrar que, de acordo com as regras do Programa, há uma quantidade de faltas tolerável. É exi-gida frequência escolar de 85% para estudantes entre 6 a 15 anos e 75% para adolescentes com 16 e 17 anos. É possível que a esco-la precise estar mais atenta ou informar melhor os beneficiários de seus direitos. Contudo, seguir a risca, somente o critério da frequência, nos leva a pensar que a preocupação maior é com as faltas da criança e não com a sua aprendizagem. Reside aí uma contradição no que se refere a ideia de que não há diferenciação entre os beneficiários do Bolsa Família e as demais crianças.

Outro elemento aponta para essa contradição. Se por um lado o fato das crianças não sofrerem discriminação por serem beneficiárias do PBF é positivo, por outro lado, elas são invisi-bilizadas quando a equipe escolar denota não ter conhecimento de quais são os beneficiários. O que indica a não preocupação as peculiaridades de aprendizagem das crianças que vivem em si-tuação de pobreza e, chegam à escola, em sua maioria com atraso em seu desenvolvimento e muitas lacunas na aprendizagem.

Diante desses dados, percebe-se ainda, o não reconheci-mento das diferenças individuais e coletivas. O trabalho escolar precisa reconhecê-las nas suas particularidades para que possa entender suas necessidades, dificuldades e potencialidades. Caso contrário, corre-se o risco de tratar a todos de forma igual, mas não de forma justa. Cabe lembrar aqui que o que Arroyo (2011) explica sobre esse não reconhecimento das diferenças:

Ao longo destas décadas tem prevalecido a defesa do ideal de escola única, currículos únicos, percursos, tempos e ritmos únicos, avaliações e resultados únicos, parâmetros únicos de qualidade única.

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Os documentos de políticas e as justifica-tivas de diretrizes nacionais refletem esse ideal de unicidade como sinônimo de igualdade de direitos. Educação (em abs-trato), direito (em abstrato) de todo cida-dão (abstrato). Sem rostos. Sem sujeitos históricos, concretos, contextualizados. Nessa concepção se avança em um ideal de igualdade tão abstrato e descontextualiza-do que os diferentes feitos desiguais termi-narão ficando de fora. (2011, p. 88).

Em outra questão levantada, os sujeitos foram instigados a refletir sobre os “impactos do PBF na vida das crianças beneficia-das”. De acordo com a pesquisa, os efeitos são positivos, pois aju-dam a melhorar na frequência escolar, visto que isso é requisito para recebimento do benefício. Com a frequência escolar garan-tida, os sujeitos defendem que a criança tende a obter um melhor rendimento escolar. Um dos entrevistados afirma que:

Percebemos que algumas famílias que re-cebem o benefício geralmente são aquelas que as crianças têm menos falta, embora não possamos generalizar, pois outras ain-da têm quantitativo elevado de ausências. Dessa forma, as crianças mais frequentes podem ter melhoria de aprendizagem, uma vez que participam da rotina escolar com frequência e já estão mais adaptadas à di-nâmica da escola, mas vários outros fatores contribuem para isso também (fatores so-ciais, culturais, psicológicos etc.).2

2 - M. - Coordenadora Pedagógica.

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Com relação a essa mesma questão, apesar de serem respostas diferentes, o Programa apresenta algum impacto na vida das famílias beneficiária. Como nos mostra as falas abaixo:

Com o dinheiro que recebo pago muita coi-sa para educação das minhas filhas.3

Muito pouco, ainda que meio timidamente, mas há um pequeno incentivo sim.4

Além desses impactos positivos, também foi desta-cado que a transferência de renda também auxilia no cus-teamento de itens de uso pessoal que refletem numa melho-ria da alimentação, da saúde, higiene e do desenvolvimento das crianças. Tudo isso, consequentemente, irá impactar também na educação, pois uma criança com suas necessi-dades básicas atendidas está mais disponível para brincar, correr e aprender (PATTO, 2015).

No item papel da escola, enquanto espaço de enfren-tamento à pobreza e de inserção social da criança, os sujei-tos também foram questionados se a escola promove ativi-dades de ensino e culturais emancipatórias que possibilitem a interação de gênero, raça, etnia, e superação de situações de exclusão. As respostas são variadas, alguns dizem haver atividades com tais objetivos, sendo em alguns casos obri-gatórias e inseridas no calendário escolar, enquanto outros afirmam não haver nada relacionado a isso.

Uma beneficiária do PBF afirma que: “Muito pouco, ainda que meio timidamente, mas há um pequeno incentivo sim” (informação verbal)5.

3 - G. - Beneficiária do PBF.4 - B.- Beneficiária do PBF.5 - B.- Beneficiária do PBF.

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E uma coordenadora pedagógica de outra instituição ex-plica que:

Sim. Nossa escola segue a proposta peda-gógico-curricular da Secretaria Municipal de Educação de Manaus a qual considera primordial o trabalho interdisciplinar que possibilite e promova experiências e situa-ções de aprendizagem que se relacionem com a diversidade seja ela cultural, étnica, de gênero e/ou inclusiva.6

No que se refere ao uso dos espaços da escola e as suas articulações como entorno da instituição e suas possi-bilidades de minimizar as desigualdades sociais, os sujeitos afirmam que:

Ajudam Mais ou menos. Porque se sabe que as desigualdades de forma ou de outra sem-pre vão existir.7

Vê-se que a desigualdade social é tomada como algo natural ou mesmo impossível de ser vencido. Perde-se as-sim a noção de que a pobreza é construída socialmente, não é algo próprio das sociedades, mas resultado das relações de poder historicamente construída. Com isso, os espaços das escolas e demais ações que buscassem a justiça social seriam meros “paliativos”, já que a desigualdade sempre iria existir.

Numa outra perspectiva, outro sujeito relata que:

O objetivo geral da inserção de uma criança da vida escolar tem essa conotação, de pos-sibilitar seu crescimento intelectual e como consequência suas condições de vida. Dessa forma, tende a minimizar as desigualda-des.8

6 - M. - Coordenadora Pedagógica.7 - B. - Beneficiária do PBF.8 - A.- Diretora.

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Enquanto outro diz que:

A escola comporta crianças de 3 a 5 anos de idade, e a estrutura não é adequada para o conhecimento empírico haja vista, não possui quadra, sala de vídeo, poucos brin-quedos lúdicos. O que a escola tem é pouco para suprir a demanda.9

O primeiro mostra que a inserção escolar (possivelmen-te entendida como acesso à escola/matrícula garantida) denota uma automática minimização de desigualdades, enquanto o ou-tro mostra a importância do acesso à uma escola de qualidade, já que aquela que não tem um espaço adequado para as crianças impossibilita uma educação satisfatória e a minimização de desi-gualdades sociais.

Esses relatos evidenciam que os espaços da escola e en-torno se resumem em espaços de trânsitos, passagens, os quais não figuram na escola como elementos do currículo e de desen-volvimento e aprendizagem das crianças. O que aponta para um confinamento do trabalho pedagógico, se resumindo apenas em espaços das salas de aulas. De acordo com Cortella:

[...] é na sala de aula que [crianças ou jo-vens] encontram dificuldades, gerando de-sinteresse e descontentamento, atribuídos ao descompasso entre a forma de trabalho pedagógico e a descontextualização dos as-suntos passados aos mesmos, sendo o am-biente físico e a distribuição espacial tam-bém fatores relevantes para o desinteresse. (CORTELLA, 2009, s.p.).

Por fim, os sujeitos foram instigados a refletir se os espaços da escola contribuem para reproduzir ou minimizar a pobreza. Um deles afirma que:

9 - D. - Coordenador Pedagógico.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |101nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Minimiza. Através da educação, o futuro dessa criança pode ser melhorado e, a partir disso, ela se transforma em um cidadão de fato e de direitos.10

A fala desse sujeito denota que os espaços da escola ajudam a minimizar a pobreza. Mas por outro lado, nega que a criança já seja um sujeito de direitos antes mesmo de obter edu-cação escolar. É importante frisar que a educação é um dos direi-tos da criança e não o meio dela obter sua cidadania. Como Patto (1997, p. 295) ressalta,

[...] a melhoria da qualidade do ensino pú-blico passa por espaços externos à escola: a transformação de ‘clientes’, de ‘favoreci-dos’ em cidadãos é condição imprescindí-vel à maior eficiência dos serviços públicos em geral.

Outro sujeito argumenta que:

Para mim, contribui para reproduzir e res-saltar a pobreza no momento em que su-tilmente transmite os conteúdos de forma ‘igualitária’. A escola reforça a desigualda-de, pois privilegia quem, por bagagem fa-miliar e cultural, já está familiarizado com esta linguagem.11

Como Bock e Aguiar afirmam, “[...] a escola é continui-dade da vida das camadas médias e altas; a escola é rompimento para as camadas de baixo poder aquisitivo” (2003, p. 140). Como discutido anteriormente, observa-se aqui também que a escola ainda mantém-se distante da realidade dos alunos e permane-cendo como um espaço onde a criança ainda sente dificuldades de se adaptar por ser muito diferente de sua realidade cotidiana.

10 L. - Coordenadora Pedagógica.11 - P. – Professor.

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Outros sujeitos responderam também que a escola e o PBF ajudam a minimizar a pobreza, mas não são os únicos res-ponsáveis por isso, destacando, assim, que a escola é uma das instituições que precisam trabalhar no enfrentamento à pobre-za e que a transferência de renda precisa ser feita juntamente a outras políticas públicas que garantam a efetivação dos direitos humanos de forma plena.

A pesquisa mostra que o PBF também auxilia na garantia do direito à educação, principalmente quando a frequência es-colar e a alimentação das crianças pode garantir algum tipo de aprendizagem, especialmente as beneficiárias do PBF. Entretan-to, fazem-se algumas ressalvas também que precisam ser anali-sadas para que o programa possa atingir seus objetivos de forma mais eficaz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante pensar que a educação é apenas um das áreas sociais que perpassam a vida de um indivíduo. O campo da saú-de, do trabalho, do lazer, por exemplo, também precisam de in-tervenções políticas para que se alcance sucesso escolar, baixos índices de evasão escolar, aumento do nível de escolaridade do país e a efetivação de uma educação de qualidade para todos. É pensando nisso que esse trabalho buscou refletir sobre uma polí-tica de repasse de renda, como o Programa Bolsa Família, a uma população e os impactos que uma criança da educação infantil pode sofrer com ele e com sua presença nas instituições de edu-cação infantil.

Conforme indicado na pesquisa, a identificação dos alu-nos beneficiários do PBF, não fica explicita aos educadores que o acompanham. Dessa forma a criança permanece invisível na comunidade escolar e este local, por sua vez, exclui ou ignora as peculiaridades do educando se firmando como um espaço re-produtor da pobreza. Cabe lembrar também que os espaços das escolas da educação infantil e anos iniciais precisam ser melhor construídos e aproveitados para que as crianças possam desen-

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volver-se num ambiente que respeite o compromisso de cuidado e educação necessários a essas faixas etárias.

O Programa Bolsa Família tem surtido efeito para suprir as necessidades das crianças e de suas famílias, possibilitando até a continuidade das crianças em seu processo de escolarização, mas não garante os tempos desses períodos da vida e a exploração dos espaços para interações e socializações; espaços para estudar; espaços para brincar e para se divertir como ensina Vieira (2009).

O papel da escola continua a ser o de ajudar na transfor-mação social e para isso não basta que ela se responsabilize ape-nas pela contabilização da frequência de estudantes e pela trans-missão passiva e acrítica de conteúdos escolares. Seu currículo, compreendido como a totalidade das ações e relações ocorridas no ambiente escolar, deve ser pensado considerando as particu-laridades da comunidade.

Faz-se necessário pensar a escola não como espaço físico isolado, mas como pertencente a uma dinâmica política, históri-ca e social ampla. É mister compreender isso para que as ações desenvolvidas no interior do contexto escolar tenham o objetivo da transformação por um mundo mais justo e igualitário.

Retomando os objetivos postos no início da pesquisa, acredita-se que eles foram alcançados de forma satisfatória, tan-to pelas discussões trazidas inicialmente, quanto pela análise dos dados obtidos, o que nos favoreceu outro olhar para as crianças, não somente beneficiaria do Programa Bolsa Família, mas para a importância dos espaços no desenvolvimento do currículo e dos processos pedagógicos, bem como os sujeitos envolvidos com a dinâmica escolar e o Programa Bolsa Família.

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Relatando e Refletindo Sobre a Pobreza, o Currículo, os Direitos

Humanos nas Vivências do Contexto Escolar no Amazonas1

Valdete da Luz Carneiro | Ana Rita dos Santos Marques Rodrigues | Andreson Bentes Rodrigues | Daniela Pereira Carneiro | Eliene Brito Rolim | Francisco Célio Coelho de Souza | Francisco Soares da Silva | Vera Soares da Silva

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de contribuir para estudos e reflexões acerca da pobreza e do currículo na Escola Munici-pal “Domingos Vasques da Silva” no município de Manaquiri – AM, uma vez que, falar de pobreza e currículo não é tarefa simples. Pois as vivências e sofrimentos da pobreza, bem como os processos históricos de sua produção são complexos, e tentar tratar nos currículos essas vivências e essa história é uma tarefa extremamente desafiante. Na metodologia aplicada à pesquisa, foi proposta a observação da forma natural com as situações que acontecem no dia a dia compartilhando do cotidiano da escola e observando os fenômenos e as demandas que ocorrem na mesma. Também houve aplicação de questionário para o conhecimento de opiniões, crenças, sentimentos, interesses, expectativas, situa-ções vivenciadas etc. A aplicação dos questionários como instru-mento de pesquisa também apontou o perfil do contexto escolar,

1 - Trabalho produzido coletivamente ao término do curso de Especialização Educação, Pobreza e Desigualdade Social. Sob a orientação da Professora MSc. Valdate da Luz Carneiro.

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foi dada preferência a esta categoria de pesquisa, para assim tor-nar visíveis os elementos relevantes para coleta de informações. Enfim, este trabalho analisou o quanto é preciso mudar o olhar nas formas de como os currículos abordam a pobreza e os (as) pobres, se faz necessário refletir as maneiras adotadas pelas es-colas para tratar os (as) alunos (as) pobres, suas famílias e suas comunidades.

Palavras chave: Pobreza. Currículo. Contexto Escolar.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa se justifica pela contribuição que trará ao campo de estudos, reflexões acerca da pobreza e do currículo, a mesma deu início no Centro Educacional Municipal em Tempo Integral - CEMTI “Domingos Vasques da Silva”, localizado no município de Manaquiri - AM e situa-se a 64 km via fluvial em linha reta e 146 km via rodoviária de Manaus. A escola pode ser encontrada no endereço: Rua Manoel David S/N, no bairro do Centro, na área urbana desta mesma cidade. A escola oferece as seguintes modalidades de ensino: Ensino Fundamental I (2° ao 5° ano), Fundamental II (6° ao 9° ano) e Educação de Jovens e Adultos, têm seu funcionamento em três turnos matutino, ves-pertino e noturno.

Pela necessidade de aproximação da realidade a qual o gru-po desejava realizar a pesquisa, para que fosse possível observar a forma natural como as situações acontecem no dia a dia, com-partilhando do cotidiano da escola e observando os fenômenos e as demandas que ocorrem, foi dada preferência a esta categoria de pesquisa. Como o objetivo do trabalho era pesquisar sobre a pobreza e o currículo no contexto escolar, para compreender e analisar o objeto se fez necessária a observação dos aconteci-mentos dentro do seu contexto escolar. Como asseguram André e Ludke:

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |109nas vivências do contexto escolar no Amazonas

[...] a observação possibilita um conta-to pessoal estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o que a apresenta uma série de vantagens. Em primeiro lu-gar, a experiência direta é sem dúvida o melhor teste de verificação da ocorrência de um determinado fenômeno. “Ver para crer”, diz o ditado popular. (LUDKE, 1986, p. 26).

Conforme Ludke (1986), o principal método de investi-gação é a observação, já que possibilita um contato maior entre o pesquisador e o objeto de pesquisa. Por meio dela é possível coletar informações e ter impressões sobre o tema estudado de acordo com a visão do observador. No entanto, essa colocação não impediu que esta técnica de coleta de dados também fosse utilizada em associação a outras técnicas como a entrevista e a aplicação de questionários, respondidos por 03 Professores, 01 Coordenados Pedagógico, 01 Gestora e 10 alunos. Assim houve um enriquecimento do trabalho de pesquisa.

A observação, entrevista e a aplicação de questionários na escola ocorreram de forma participante, devido ao fato de haver uma abertura e disponibilidade por parte da equipe gestora da escola em colaborar com a pesquisa. A observação aconteceu em diversos aspectos do contexto escolar. A partir da presença em sala de aula foi possível coletar informações e conversar com as professoras a respeito do da temática abordada. Foi possível ob-servar e perceber as ações dos professores no que diz respeito à Pobreza e o Currículo nas vivências do contexto escolar.

Com relação ao questionário, Gil (1999) afirma que se de-fine como uma técnica de investigação composta por um número mais ou menos elevado de questões que podem ser apresentadas por escrito às pessoas ou aplicado diretamente pelo pesquisador e tem por objetivo o conhecimento de opiniões, crenças, senti-mentos, interesses, expectativas, situações vivenciadas etc.

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A aplicação dos questionários como instrumento de pes-quisa também apontou o perfil socioeconômico das famílias pertencentes ao contexto escolar. A aplicação do questionário garante várias vantagens durante a coleta de dados, como obter respostas mais rápidas e precisas e possibilitar maior liberdade nas respostas, em razão do anonimato. Além disso, o questioná-rio impresso e respondido diretamente pelos sujeitos de pesquisa tem menos probabilidade de distorções, uma vez que a pesquisa-dor não influencia o respondente.

Julgamos ser de grande importância compreender como se dá a relação desta escola com o espaço onde ela se encontra, para daí então compreendermos a temática abordada. Uma vez que, falar de pobreza e currículo não é tarefa simples, pois as vivências e sofrimentos da pobreza, bem como os processos históricos de sua produção são complexos, e tentar tratar nos currículos essas vivências e essa história é uma tarefa extremamente desafiante.

1 COLETIVOS EMPOBRECIDOS NO CURRÍCULO MANAQUIRIENSE

Acreditamos que para dar início a essas reflexões é neces-sário compreender os contextos aos quais estamos inseridos, ou seja, nossa própria realidade, nossas vivências e nossas histórias.

Portanto, o entendimento ampliado a res-peito das múltiplas e complexas realidades das escolas reais, com seus alunos, alunas, professores e professoras e problemas reais, exige que enfrentemos o desafio de mergulhar nestes cotidianos, buscando ne-les mais do que as marcas das normas esta-belecidas e percebidas do alto, que definem o formato das prescrições curriculares. É preciso buscar outras marcas, da vida co-tidiana, das opções tecidas nos acasos e situações que compõem a história de vida dos sujeitos pedagógicos que, em proces-sos reais de interação, dão vida e corpo às propostas curriculares. (OLIVEIRA, 2003, p. 69).

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |111nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Diante disso, é preciso mudar o olhar nas formas de como os currículos abordam a pobreza e os (as) pobres, se faz necessá-rio refletir as maneiras adotadas pelas escolas para tratar os (as) alunos (as) pobres, suas famílias e suas comunidades. Segundo Cavalieri (1999),

Pensar um novo formato de escola é sem-pre um trabalho de imaginação pedagógi-ca e sociológica. Mesmo que inspirada em experiências concretas, tal reflexão é um exercício de criatividade e extrapolação. Ademais, se a escola é sempre fruto das políticas educacionais adotadas, tais polí-ticas, por sua vez, não deixam de ser fruto das concepções que se estabelecem pelo diálogo entre teoria e prática, bem como entre imaginação e realidade. (CAVALIÉ-RI, 1999, p. 118).

As realidades são diversas dentro das vivências do con-texto escolar, a escola atende alunos dos bairros, da estrada, dos ramais e da várzea. A maioria desses alunos vem de famílias de baixo poder aquisitivo, muitas dessas famílias encontram-se re-lativamente em situação de pobreza, uma vez que sabemos que o conceito de pobreza está longe de ser facilmente definido por tratar-se de um fenômeno complexo, que precisa ser situado em seu contexto socioeconômico.

De forma genérica, pode ser entendido como “[...] a si-tuação na qual as necessidades não são atendidas de forma ade-quada” (ROCHA, 2006, p. 09). Por existirem várias definições, usaremos o conceito de pobreza relativa usado por Rocha (2006, p. 11) que a “[...] define como necessidades a serem satisfeitas em função do modo de vida predominante na sociedade em questão. O que significa incorporar a redução das desigualdades de meios entre indivíduos como objetivo social”, é preciso olhar para den-tro da sociedade sobre a qual se está falando, pois, quanto mais rico o país, mais distante fica o conceito de pobreza do atendi-mento às necessidades de sobrevivência.

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Queira ou não vivemos em um estado onde as famílias consideradas pobres cultivam roçados, trabalham com plantação de banana, pupunha, maracujá, mandioca; pescam nos lagos e no rio, criam animais de pequeno porte (galinha, patos, porcos etc.) e ainda coletam de frutos de suas propriedades. Outros, porém, trabalham no mercado formal e informal, além de grande parte dessas famílias serem beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF, instituído pela Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004) que constitui atualmente a maior iniciativa de transferência de renda existente no conjunto do planeta.

O programa define o que denomina como condicionalida-des. Estas consistem em um conjunto de compromissos assumi-dos pelas famílias beneficiárias tanto na área da saúde quanto na da educação. Cumprir com as condicionalidades é obrigatório para que a família continue recebendo a transferência de renda. Segundo os argumentos do Ministério de Desenvolvimento So-cial, expostos na “cartilha” sobre as condicionalidades que é dis-tribuída aos beneficiários:

[...] esses compromissos devem ser vistos ao mesmo tempo como direitos e deveres: Direitos: o acesso aos serviços de saúde e educação está garantido pela Constituição Federal; Deveres: para receberem o bene-fício mensal, as famílias devem atender a todas as condicionalidades, garantin do as-sim escola para crianças e jovens e saúde para todos os membros da família. (BRA-SIL, 2010, s.p.).

Dessa forma, as condicionalidades são entendidas como uma relação de paridade entre sociedade e governo. Nesta, as famílias são estimuladas ao cuidado com a saúde e a educação, cabendo ao poder público ampliar a oferta local de tais serviços.

Os participantes do Programa Bolsa Família precisam cumprir essas condicionalidades para continuar a receber o bene-fício: crianças com menos de seis anos precisam ser imunizadas;

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |113nas vivências do contexto escolar no Amazonas

mulheres grávidas, lactantes e bebês precisam fazer o acompa-nhamento médico com todos os exames e visitas programados, e crianças e adolescentes precisam estar matriculados e apresentar frequência na escola de 85% e 75%, respectivamente.

Assim, para refletirmos além do consumo, falar em pobre-za remete-nos, também, a falar de não acesso, de vida, de cultu-ras, de exercício de cidadania, aspectos que não são mensurados economicamente, mas que, sem dúvida imprimem uma marca no sujeito, seja ele de área urbana, rural e ribeirinha. A pobreza deve ser entendida de acordo com as especificidades culturais e com o processo de desenvolvimento de cada país, ou seja, se deve analisar o contexto social e a abordagem que configura a defini-ção sobre pobreza em cada contexto.

Definir o conceito de pobreza implica em considerar os procedimentos que levam cada país a avaliar seus traços de po-breza, tendo como referência a realidade social especifica.

Utilizando-se deste conceito, Rocha (2006) define pobreza como:

Pobreza é um fenômeno complexo, poden-do ser definido de forma genérica como a situação na qual as necessidades não são atendidas de forma adequada. Para opera-cionalizar essa noção ampla e vaga, é essen-cial especificar que necessidades são essas e qual nível de atendimento pode ser con-siderado adequado. A definição relevante depende basicamente do padrão de vida e da forma como as diferentes necessidades são atendidas em determinado contexto socioeconômico. Em última instância ser pobre significa não dispor dos meios para operar adequadamente no grupo social em que se vive (ROCHA, 2003, p. 9).

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Quando essas realidades interagem entre si, são visíveis as transformações socioculturais que atingem os espaços de produ-ção da cultura urbana/rural/ribeirinha. Pois com a chegada da energia elétrica na estrada, nos ramais e nas comunidades ribeiri-nhas, os meios de comunicação, principalmente, no que diz res-peito, ao telefone celular e a televisão, a cultura de muitas comu-nidades estão mudando. Há uma cultura tecnológica importada para a vida das comunidades. Notamos que isso acentua mudan-ça de hábitos e de valores das crianças, adolescentes, jovens e de-mais comunitários dessas localidades. Como Alves, entendemos,

[...] que os seres humanos, em suas ações e para se comunicarem, estão carregados de valores que reproduzem, transmitem, mas também criam [...]. Assim, em um mesmo processo, vão aplicando o que lhes é im-posto pela cultura dominante, com os pro-dutos técnicos colocados à disposição para consumo e, em contrapartida, vão criando modos de usar e conhecer o invento técni-co, fazendo surgir tecnologias e possibili-dades de mudanças tanto dos artefatos téc-nicos, como das técnicas de uso. (ALVES, 2005, p. 03).

Dessa maneira, a articulação entre os saberes curriculares cotidianos e as culturas vividas pelos sujeitos praticantes desses cotidianos impulsiona-nos a pensar sobre currículo para além, pois envolve os domínios das redes de poderes, saberes e fazeres do cotidiano escolar, tecidas em meio a todo um campo de signi-ficação cultural.

Sendo assim, o currículo tem uma dimensão de processo cultural que não pode ser desconsiderada, sendo realizado em determinados contextos sociais, históricos, culturais e econômi-cos que se interpenetram e se influenciam. Conforme defende Silva (1999, p.133-134), a cultura é

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[...] um campo de produção de significa-dos no qual os diferentes grupos sociais, si-tuados em posições diferenciais de poder, lutam pela imposição de seus significados à sociedade mais ampla. Cultura é, nessa concepção, um campo contestado de sig-nificação.

Os problemas enfrentados nessa sala não são diferentes de outras escolas: indisciplina, agressividade com os colegas, alguns alunos chegam a agredir verbalmente e fisicamente o professor, falta de respeito com os outros alunos e professores, pais que não colaboram com a educação do aluno deixa para a escola educar fazer o papel de pai e mãe.

Sabemos que um dos desafios em pensar a educação hoje segundo Dowbor (1996, p. 73) “[...] passa por uma redefinição da cidadania e, em particular, por uma redefinição das instituições para que os espaços participativos coincidam com as instâncias de decisões significativas”. O ato de repensar a escola deve ser considerado a sua realidade, pois [...] é preciso partir das con-dições atuais [...] Marx e Engels (apud SILVA JÚNIOR, 1984, p. 23).

Diante dessa realidade precisamos buscar entendimento sobre a pobreza e o currículo, pois é um desafio que precisamos encarar para procurar em conjunto, alternativas que viabilizem, de fato, uma escola de qualidade para todos e todas.

A Lei 9394/96, nos referidos Artigos de n°, 12, 13,14 e 15 estabelece uma determinação de descentralização, ou seja, pas-sando a atribuir responsabilidades a todos os atores envolvidos no âmbito escolar e isto é corroborado com a proposta do Projeto Político Pedagógico. O Art., 15 da Lei 9394/96, deixa claro que a escola deve desenvolver uma construção autônoma, no que tange o projeto pedagógico e as questões administrativas e isto requer o envolvimento/participação da comunidade escolar. Segundo Aranha (2003), o Projeto Político Pedagógico, deve ser entendi-do como um:

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[...] instrumento teórico-metodológico, definidor das relações da Escola com a co-munidade a quem vai atender, já que expli-cita o que se vai fazer, porque se vai fazer, para que se vai fazer, para quem se vai fazer e como se vai fazer. É nele que se estabele-ce a ponte entre a política educacional do município e a população, através da defini-ção dos princípios, dos objetivos educacio-nais, do método de ação e das práticas que serão adotadas para favorecer o processo de desenvolvimento e de aprendizagem das crianças e adolescentes da comunida-de. (ARANHA, 2003, p. 44).

Acreditamos que escola é um dos lugares no qual aprende-mos através da relação com o outro e com o meio, a mesma é um dos mais importantes ambientes de aprendizagem dos signos, das normas e dos valores, apreendidos através da convivência em sociedade.

2 A RESSIGNIFICAÇÃO DO CURRÍCULO NA ESCOLA

Sabemos que a escola deve ser local de aprendizagem, onde as regras do espaço permitem a coexistência, em igualda-de, dos diferentes. O trabalho com Diversidade Cultural se dá a cada instante, baseando-se na tolerância, no respeito aos direi-tos humanos e na noção de cidadania compartilhada por todos. Acreditamos que o aprendizado não ocorrerá por discursos, e sim num cotidiano em que uns não sejam mais diferentes do que os outros. De acordos com os PCNs, (1998, p.122),

Reconhecer e valorizar a diversidade cul-tural é atuar sobre um dos mecanismos de discriminação e exclusão, entraves à pleni-tude da cidadania para todos e, portanto, para a própria nação.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |117nas vivências do contexto escolar no Amazonas

De fato, diversidade deve ser um fator determinante na construção dos projetos curriculares, a escola deve entender a diversidade cultural (diferentes origens, classes sociais, valores) não como algo que deve ser diminuído, fazendo com que todos pareçam iguais quando não são, mas como algo enriquecedor para um currículo autônomo. Sendo assim concordamos com Silva (1996, p. 23) quando diz que:

O currículo é um dos locais privilegiados onde se entrecruzam saber e poder, repre-sentação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder que são cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e iden-tidades sociais estão mutuamente impli-cados. O currículo corporifica relações sociais.

É preciso que o currículo se apresente com objetivos es-pecíficos, mostrando as diferenças, valorizando-as, fazendo do espaço escolar um lugar para o exercício de uma educação mais feliz para todos, onde valores e culturas existem com respeito e entendimento de ambas as partes. Na visão de Moreira e Silva (1997, p. 28), “[...] o currículo é um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria prima de criação e recriação e, sobretudo, de contestação e transgressão”. O currículo escolar tem ação direta ou indireta na formação e desenvolvimento do aluno. Assim, é fácil perceber que a ideologia, cultura e poder nele configurados são determi-nantes no resultado educacional que se produzirá. É preciso pen-sar e repensar o conceito de currículo e de qualidade de ensino na atualidade. Acreditamos que o currículo é a ponte entre a cultura e a instituições de educação como bem menciona Sacristán,

Se por um lado o currículo é uma pon-te entre a cultura e a sociedade exteriores às instituições de educação, por outro ele

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também é uma ponte entre a cultura dos sujeitos, entre a sociedade de hoje e a do amanhã, entre as possibilidades de conhe-cer, saber se comunicar e se expressar em contraposição ao isolamento da ignorân-cia. (SACRISTÁN, 2013, p. 10).

O currículo se desenvolve de múltiplas formas, pois a es-cola defende a cultura que se expressa por meio dele. Quando te-mos essa compreensão de currículo determinamos nossas ações pedagógicas, nas escolhas que fazemos e nas estratégias que ado-tamos. Podemos afirmar dessa forma que o currículo é tudo que acontece na escola.

Nessa perspectiva, se faz necessário rever as formas de pensar os coletivos empobrecidos do currículo em nossa reali-dade, pois na escola, muitos profissionais em educação acabam apresentando métodos inferiorizantes, antipedagógicos e antié-ticos. Precisamos, no entanto, avançar para o reconhecimento dos coletivos empobrecidos, é preciso vê-los como sujeitos de saberes, de conhecimentos, de culturas, de modos de pensar e de intervir. Devemos alargar a concepção que temos sobre o co-nhecimento e ter os sujeitos de nossa comunidade escolar como produtores de conhecimentos.

Para isso se faz necessário avançar para o reconhecimento da ressignificação do currículo, e isso fica bem evidenciado nas falas dos professores, Coordenador Pedagógico e da Gestora da escola, quando foram convidados a responder: “Se as formas ET-NOCÊNTRICAS de pensar os coletivos empobrecidos nos currí-culos têm sido inferiorizantes, antipedagógicas e antiéticas, como avançar para currículos que os reconheçam sujeitos de saberes e os valorizem?”

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |119nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Os relatos dos professores foram,

Do meu ponto de vista o currículo precisa ser mudado porque não abrange a todos os direitos das crianças e o professor não tem voz para construção do currículo. É preciso que os professores tenham vez de optar na construção do currículo.2

Acredito que o currículo deve engajar a todo o corpo docente da escola, quando este for construído, e parti daí é que se compreen-de o termo democracia, pois somos todos importantes dentro dessa concepção. Deve ser dada oportunidade semelhante a todos aos profissionais, e permitir ao professor e ao aluno que eles possam também fazer ex-periências e atividades também fora da sala de aula.3

No meu ponto de vista o currículo precisa ser revisto porque não contempla todos os direitos dos educandos e o professor não tem vez nem voz na construção do memo. É preciso que os professores tenham opor-tunidade de optar e sugerir na construção do currículo.4

Notou-se, na visão dos professores 01, 02, 03 do CEM-TIDVS, que o currículo precisa ser revisto e escola deve assegurar aos alunos uma educação de qualidade. Entende-se que mediante a reformulação de currículo apropriado, se terá mudanças orga-

2 - Professor 01 do CEMTIDVS.3 - Professor 02 do CEMTIDVS.4 - Professor 03 do CEMTIDVS.

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nizacionais, estratégias de ensino, além de parcerias com a co-munidade. Entendemos desta forma, que o modelo institucional é que deve se adaptar às necessidades dos alunos e não o inver-so. Isso só será possível num modelo que veja seus alunos como tendo diferentes interesses e capacidades. Diante disso concorda-mos Mantoan que diz:

Sem conhecer os seus alunos e os que es-tão à sua margem, não é possível à escola elaborar um currículo que reflita o meio social e cultural em que se insere. A inte-gração entre áreas do conhecimento e a concepção transversal das novas propostas de organização curricular consideram as disciplinas acadêmicas como meios e não fins em si mesmas e partem do respeito à realidade do aluno, de suas experiências de vida cotidiana, para chegar à sistematiza-ção do saber. (MANTOAN, 2001, p. 114).

Acreditamos que no espaço escolar as portas são abertas diariamente propiciando interação social. É justamente nesta convivência, que se dão as trocas de conhecimento que serão ab-sorvidas por cada aluno dentro contexto escolar há seu tempo e de acordo com a sua demanda. “A aprendizagem só é possível em interação com os outros, cabendo, portanto, à escola promover atividades cooperativas, rejeitando qualquer forma de segrega-ção.” (GUIMARÃES, 2002, p. 53).

Na visão do Professor 04:

No processo educacional respeita-se os valo-res culturais, sociais de qualquer indivíduo, dando ao mesmo a oportunidade de ser valorizado nesse contexto social tanto da criança quanto do adolescente, garantindo--se a estes a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura.5

5 - Professor 04 do CEMTIDVS.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |121nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Entendemos que diante do atual contexto educacional é preciso envolver os alunos em debates sobre a construção do conhecimento, as interpretações conflituosas e ambíguas. Quan-do isso acontecer e quando os alunos compreenderem como os conhecimentos são elaborados e difundidos, será possível uma revisão dos conhecimentos e culturas que circulam em vários contextos.

É preciso reconhecer os coletivos empobrecidos como su-jeitos de saberes, reconhecer esses “outros” saberes, outros mo-dos de pensar, outras leituras de si e de mundo, fica evidente que precisamos banir a visão etnocêntrica que está por toda parte em nosso contexto. E por estar por trás de grandes problemas, tal visão tem causado sérios danos no que se refere ao currículo ao longo dos anos. Muita das vezes a temos dificuldade de aceitar as diversidades dos outros, acabamos produzindo o preconceito com sociedade e com outras culturas que fazem parte da nossa realidade, ao mesmo tempo em que procuramos incutir, em seus membros, normas e valores que acreditamos serem os certos.

Só através do diálogo com os coletivos empobrecidos é que teremos uma articulação de verdade entre o currículo e a pobre-za. Pois o diálogo como instrumento de ensino e de mediação entre as diferenças cria os consensos culturais e cognitivos. Com o diálogo, não se trata de chegar a um acordo, ou a uma única leitura ou resposta, mas trata de um ponto de partida para o de-bate, a abertura de espaço para diferentes vozes e produção de diferenças. “O diálogo propicia compreensões parciais, ainda que não o acordo, em meio às diferenças” (MOREIRA, 2002, p. 14).

Nesse sentido o gestor, a equipe pedagógica e os profes-sores desempenham um grande elo integrador, articulador, dos vários segmentos internos e externos da escola, garantido que as atividades aconteçam de forma satisfatória, ou seja, que o currí-culo de se desenvolva da melhor maneira possível, desenvolven-do práticas verdadeiramente democráticas. Assim, vai depender em grande parte da mudança de postura da equipe escolar (ges-tor, equipe pedagógica e professores). É preciso que o trabalho seja construído em um clima de confiança e coerência, pautado na ética e no diálogo.

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Acredito que para avançar diante dessas formas etnocêntricas de pensar os coletivos dependendo da visão de mundo que se tem, ou seja, muitos consideram currículo ape-nas a grade curricular, a divisão em disci-plinas e os conteúdos trabalhados por elas. Precisamos entender o que é currículo e as várias acepções que o comportam, diante disso, deve-se proporcionar aos professores e investigadores de educação uma nova tomada de consciência, de complexidade e de multiplicidade das situações. É preciso a entender e reconhecer os saberes e começar a valorizá-los.6

De acordo com o que se pode dizer, precisa-mos refletir sobre o que de fato é currículo, para daí então, mudar o pensamento sobre o fazer pedagógico dentro da escola como um todo. Precisamos enxergar de fato a realidade do aluno e ouvi-los seja ele do 2º ao 5º Ano ou 6º ao 9º Ano, só enxergando de forma humana tal realidade construiremos um currículo escolar que atenda os anseios de todos.7

Notamos nos relatos do Coordenador Pedagógico e da Gestora da Escola, que precisamos entender o que é currículo, seu objetivo e a quem será direcionado, somente através da aqui-sição desses significados é que realmente seremos conhecedores dessas multiplicidades. Para Sacristán o significado do currículo se comprova na realidade,

6 - Coordenador Pedagógico do CEMTIDVS.7 - Gestora da Escola do CEMTIDVS.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |123nas vivências do contexto escolar no Amazonas

O valor de qualquer currículo, de toda pro-posta de mudança para a prática educativa, se comprova na realidade na qual se reali-za, na forma como se concretiza em situa-ções reais. O currículo na ação é a última expressão de seu valor, pois, enfim, é na prática que todo projeto, toda ideia, toda intenção, se faz realidade de uma forma ou outra; se manifesta, adquire significado e valor, independentemente de declarações e propósitos de partida. Às vezes, também, à margem das intenções a prática refle-te pressupostos e valores muito diversos. (SACRISTÁN, 1998, p. 201).

Fica evidente que o valor de qualquer currículo deve estar em sintonia com as vivências desenvolvidas na comunidade, para que os conhecimentos e saberes produzidos na sala de aula possi-bilitem aos alunos atuarem de forma ativa nos projetos de trans-formação social e na produção de novos saberes sociais, culturais e tecnológicos, voltados para o desenvolvimento. Utilizando de forma sustentável os potenciais culturais, ambientais, organizati-vos e produtivos do contexto local.

Dessa forma, uns dos grandes desafios para nós que faze-mos parte do processo educacional, é a necessidade de repensar as práticas educativas e curriculares desenvolvidas em nossas escolas para atender aos desafios conjunturais vivenciados pelos nossos alunos.

3 A IMPORTÂNCIA DA PRÁTICA DOCENTE NA VIVÊNCIA ESCOLAR

É próprio da instituição escolar elaborar e praticar as mais diversas formas de concepção de conhecimento, válidos para possibilitar melhor entendimento dos diferentes fatos, ações e fe-nômenos que são contemplados no currículo. É através do currí-culo, teorias e práticas, que vai se nortear o processo educacional na escola. E com base nesse norteamento será possível garantir e

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respeitar as diversidades culturais, regionais e políticas que tra-vessam uma sociedade múltipla, estratificada e complexa, com atuação decisivamente no processo de construção da cidadania.

Diante disso, teremos como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os cidadãos, baseados nos princípios democráticos. Essa igualdade implica, necessariamente, em ter acesso ao conhecimento. Nessa construção do conhecimento, faz-se necessário requerer por parte dos docentes ações funda-mentais em sala de aula, as quais sejam: despertar o interesse e a curiosidade do aluno; usar exemplos, fazendo conexões do conteúdo com a vida real e as experiências pessoais; estimular o desenvolvimento de estudos e pesquisas individuais e em grupos; utilizar métodos vivenciais de ensino como jogos, simulações, es-tudos de caso e laboratórios.

Atualmente no processo educacional local há um grande esforço para entender o que é currículo e as suas várias acepções. Sabemos o quão importante é a tomada de consciência, de com-plexidade e de multiplicidade para compreender o currículo, a partir desse entendimento iremos determinar nossas ações pe-dagógicas. Sabemos que o essencial na construção do currículo, é todos trabalharem coletivamente, só assim surtirá o efeito dese-jado, onde os envolvidos na sua construção estarão voltados para um único objetivo, a educação para todos, respeitando os direi-tos sociais e intelectuais do aluno e do professor, independente a classe social em que estejam.

Notamos ainda que os professores têm um papel funda-mental na vida dos alunos, pois os conduzem à criticidade, e isso deve ser essencialmente recíproco, já que há uma troca de expe-riências na busca da aquisição de novos conhecimentos e novos caminhos a serem seguidos. Como bem destaca Paiva (1987, p. 6) “[...] compete ao educador praticar um método crítico de educa-ção [...] que dê ao aluno oportunidade de alcançar a consciência crítica instruída de si e de seu mundo”. Dessa forma, é fator ine-vitável que o professor tenha consciência de que uma boa con-vivência com o alunado deve ser precedida de um bom diálogo.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |125nas vivências do contexto escolar no Amazonas

Em conversa com os alunos do CEMTI DVS (crianças, adolescentes e jovens) percebemos que os mesmos responderam que a escola cria oportunidades sim, pois é a partir do ensina-mento escolar que eles (crianças, adolescentes e os jovens) come-çam a perceber, opinar, participar e relacionar alguns dos fatores mais importantes de um indivíduo dentro de uma sociedade. Diante disso, os alunos comentaram a importância do trabalho dos seus professores na construção da sua cidadania, do seu di-reito a aprender.

É estudar e nos incentivar para terminar nossos estudos e educar a gente ensinando nossos direitos e deveres.8

É porque conhecer o meu direito é impor-tante para o meu futuro, ser mais respeita-do e ser bom cidadão.9

Os meus professores são importantes por-que eles me incentivam a buscar mais co-nhecimento, me ensinam os meus direitos e os deveres como aluno, como filho e como cidadão.10

Com meu professor aprendi a conhecer os meus direitos e deveres, que tem hora para tudo na escola, a respeitar meus coleguinhas e os outros professores e todos da escola.11

De acordo com os comentários das crianças, percebemos que os professores, na convivência escolar tornam-se peças chave para o desenvolvimento social do aluno, isso ficou bem evidente nas falas dos alunos, principalmente das crianças que falam sobre a importância do trabalho dos seus professores na construção do conhecimento, da sua cidadania, do seu direito de aprender.8 - Aluno 01, CEMTIDVS, 08 anos.9 - Aluno 02, CEMTIDVS, 09 anos.10 - Aluno 03, CEMTIDVS, 09 anos.11 - Aluno 04, CEMTIDVS, 07 anos.

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Com relação aos relatos dos adolescentes e dos jovens, percebemos que é preciso consolidar essas experiências no co-tidiano da sala de aula, para que se possa reverter o quadro de desigualdade e exclusão, transformando a escola num lugar de excelência. E o processo de ensino torne-se prazeroso, solidário e eficiente, pois se percebe que, de acordo com as fases da vida do aluno, eles vão querendo algo a mais e muitas vezes eles só buscam esse algo nos professores.

É de fundamental importância, pois é atra-vés das aulas e dos diálogos realizados na escola que vamos aprender a lidar com si-tuações em nosso cotidiano, sem falar que a escola nos prepara para a vida.12

É importante porque com os conhecimentos que são transmitidos pelos professores é que pude conhecer os meus direitos e deveres para ter um futuro melhor e mais promis-sor, na complexidade do mundo e da vida.13

Porque eles preparam a gente pra vida, de verdade, ás vezes colocam a culpa neles quando o aluno não aprende, às vezes é verdade, tem professor que não devia estar ali, mas tem uns que se preocupam com a gente mesmo e isso é bom porque assim a gente percebe que somos importante. E isso ajuda no crescimento como gente e como cidadão.14

O professor é o mediador do conhecimento, entre ensino e realidade, são eles que demonstram de fato o interesse pela mu-dança de um sistema desigual e corruptível e passam a fazer com que os alunos também tenham esse olhar. Fazendo com que estes 12 - Aluno 05, CEMTIDVS, 10 anos.13 - Aluno 06, CEMTIDVS, 12 anos.14 - Aluno 07, CEMTIDVS, 13 anos.

Relatando e refletindo sobre a pobreza, o currículo e os direitos humanos |127nas vivências do contexto escolar no Amazonas

mesmos alunos se envolvam com os problemas sociais e huma-nos existente na sua comunidade e assim exercer sua cidadania, seus direitos e seus deveres.

É de fundamental importância, pois é atra-vés das aulas e dos diálogos realizados na escola entre o professor e o aluno é que va-mos aprender a lidar com situações em nos-so cotidiano, sem falar que a escola nos pre-para para a vida em seu contexto histórico e social. sendo que o professor é o principal mediador no processo de aprendizagem.15

Eu como aluno percebo essa importância pelo esforço que eles fazem pra que o apren-dizado aconteça não só dentro da sala de aula, mas que a gente possa utilizar o que a gente aprende fora dela também. Eles nos fazem refletir muito sobre a nossa realidade e o que queremos que mude em nossa so-ciedade e buscam conteúdos que julgamos interessantes e a partir daí fazer com que a gente interaja com eles e assim ficam saben-do se a aula foi proveitosa ou não.16

O comentário dos alunos 08 e 09 nos fizeram refletir que o currículo é, por conseguinte, refletir acerca de nós mesmos, vis-to que “[...] o conhecimento que constitui o currículo está inex-tricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade”, (SILVA, 2009, p. 15).

Achamos interessante a resposta do aluno 10, o aluno é de outra escola, o mesmo tece comentários a respeito de cidadania, e comenta o seguinte,

15 - Aluno 08, CEMTIDVS, 15 anos.16 - Aluno 09, CEMTIDVS, 16 anos.

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Não adianta discutir cidadania se nós alu-nos não somos respeitados, se não somos escutados, se não dialogam com a gente e se passamos boa parte do tempo sem apren-der. Os professores tentam fazer isso, com que esse direito a aprendizagem seja con-cretizado, mas eles têm que seguir o sistema da escola tradicional, mas não saímos da escola totalmente intelectuais, mas alguma coisa fica, é claro. Interaja com eles e assim ficam sabendo se a aula foi proveitosa ou não.17

Diante deste comentário, precisamos de fato refletir em nossa condição de estar sendo sujeito histórico de contexto (espe-cíficos ou não) da realidade social que nos cerca cotidianamente. Destacamos o “estar sendo” uma vez que comungamos com o que Freire (1996) diz, nos remetendo à ideia de que somos su-jeitos inacabados, portanto, nós não somos, e sim nós estamos sendo; fato este que sugere uma contínua transformação como sujeito histórico. Neste sentido, Freire (1996, p. 22) ressalta que “[...] minha franquia ante os outros e o mundo mesmo é a manei-ra radical como me experimento enquanto ser cultural, histórico, inacabado e consciente do inacabamento”.

Dessa forma, a atuação docente não pode limitar-se na sala de aula o que nos levou a crer que os mesmos, precisam en-contrar espaços políticos para conhecer, compreender. Propor e atuar de forma mais ativas na solução de problemas e na inovação do processo educativo, garantindo espaços variados de discussão, colaboração e acompanhamento no momento das decisões, que é algo que na prática muitas vezes não acontece. Sempre que o aluno é enxergado como ser humano, este se sente motivado a aprender. Tal como mostram os relatos. O educador que valoriza o trabalho do aluno, passa uma confiança mutua e tenta prevenir os conflitos interculturais existente na escola, colocando todos num patamar de igualdade, fazendo com que o aluno descubra o prazer de estudar.17 - Aluno 10, E.E.A.J, 17 anos.

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Assim sendo, faz-se importante refletir criticamente, no sentido de que, a significatividade da aprendizagem está vincu-lada muito diretamente à sua funcionalidade. A educação escolar deve sempre ocupar-se de que os conhecimentos adquiridos – conceitos, habilidades, valores, normas etc. – sejam funcionais, isto é, possa ser efetivamente utilizados quando as circunstâncias nas quais o aluno se encontrar assim o exigirem (COLL, 2000, p. 55).

Desta feita, é preciso ação conjunta, com caráter ativo, envolvendo, sobretudo a comunidade escolar, entendida como organização ativa face ao processo formativo. E essa ação re-quer compromisso, envolvimento, competência e resistência dos agentes escolares na manutenção da implementação da ressig-nificação do currículo. E mais: antes de tudo, é urgente que os docentes e todos os que fazem parte do contexto educacional compreendam, de uma vez por todas, que toda essa estrutura formativa existe em razão do educando.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No debate curricular é preciso, portanto, atualizar nossos conceitos, é preciso ler e reler os ensinamentos que nos foram passados para que possamos construir uma estrutura curricular e conteúdos que correspondam às necessidades dos nossos estu-dantes e da sociedade uma vez que, não podemos esquecer-nos do contexto onde nós e nossos alunos estamos inseridos.

Sabemos que terminar um trabalho não é tarefa fácil. Pri-meiramente, porque estamos envolvidos inteiramente na sua construção, no embate e na interlocução possível entre a subjeti-vidade e a objetividade, tão almejada. E, também, por nos empe-nharmos numa tarefa que é científica e, portanto, inconclusa. Os traços que compõem a tessitura final do desenho que tentamos construir ao longo desta pesquisa, indicando o seu desfecho, são os mesmos que deixam uma sensação estranha de continuidade e de “coisa inacabada”, incompleta, com algo ainda “por fazer”.

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É chegado o momento de finalizar esse trabalho, de apre-sentá-lo publicamente e ainda apresentamos muitas perguntas diferentes daquelas formuladas no início da pesquisa. Muitas dú-vidas sobre Pobreza e Currículo, felizmente, desapareceram pela possibilidade de aprofundamento que vivenciamos nesse perío-do.

No entanto, ocorreram, também, transformações de ca-ráter pessoal. Nossa arrogante pretensão de ter respostas para tudo foi substituída por uma visão mais tolerante, contextuali-zada, situada pela perspectiva apresentada pelo outro, pois nos dispomos a ouvir e interagir. Seja por meio dos textos lidos, das aulas que participamos ou, principalmente, pelos professores tão colaborativos que conhecemos e com os quais compartilhamos o excedente de visão que, generosamente, nos foi propiciado nessa investigação.

Gostaríamos de iniciar estas considerações, dizendo so-bre as contribuições oferecidas pelos referenciais teóricos utili-zados. Durante todo o caminho intelectual, procuramos, através de um diálogo constante entre as teorias e os dados empíricos, construir uma fundamentação teórica que nos permitisse tecer análises mesmo que parciais e inacabadas que buscassem evitar o reducionismo e a generalização. Em primeiro lugar, porque se ambos se excluem ambos são temerários na pesquisa e, também, por desejarmos manter o respeito, intelectual e afetivo para com os sujeitos da pesquisa, assim como, com suas práticas e subjeti-vidades.

Dessa maneira a escola não deve ser encarada como um mero repassador de frequência dos alunos ao PBF. Antes, é par-te constitutiva do Programa, com a importância de trabalhar o pertencimento, o exercício da cidadania, a efetivação do direito à educação.

A escola se mantém conectada ao momento histórico de seus alunos, às suas necessidades sócio, relacional e pedagógicas, pois, é a partir do (re) conhecimento destes que é possível plane-jar e executar ações pertinentes ao aluno concreto – e não aquele idealizado.

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Alguns falam que é preciso formular um currículo que atenda às expectativas de aprendizagem dos estudantes. Mas quando se fala em expectativa, estamos falando de algo que se espera. Não se constrói um currículo a partir de expectativas. De um currículo não se espera; é mais do que isso. O currículo é dinâmico. Devemos estar no processo, construí-lo junto com nossos alunos, com a equipe escolar, por meio do conselho de escola, levando em conta as diretrizes de ensino, as normas do sistema, mas, sobretudo, a realidade concreta daquela comunida-de e daqueles estudantes. A meta é a formação plena das crianças e jovens, para a continuidade dos estudos, para a cidadania, para a vida.

Assim, como dito anteriormente, falar em pobreza reme-te-nos, também, a falar de não acesso, de vida, de culturas, de exercício de cidadania, aspectos que não são mensurados eco-nomicamente, mas que, sem dúvida imprimem uma marca no sujeito.

É exatamente por essas constatações e contexto ressalta-mos as palavras de Paulo Freire (1996, p. 102) quando afirma que “[...] não posso ser professor se não percebo cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição”. Uma tomada de posição, decisão e ruptura que exige de cada um de nós uma escolha entre isso e aquilo. Apesar de todas as limi-tações impostas pela cultura escolar, pelo gênero da atividade do professor não é possível negar nosso compromisso com a mu-dança, com a ética, com a liberdade de agir e pensar acerca da pobreza e do currículo nas vivências do contexto escolar.

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SOBRE AS AUTORAS

Gisele de Lima Vieira

Possui graduação em Normal Superior pela Universidade do Es-tado do Amazonas (2008). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação Pré-Escolar, atuando principalmente nos seguintes temas: pesquisa, práxis, formação e docência. Mes-trado em Educação pela Universidade Federal do Amazonas pelo Programa de Pós-Graduação em Educação - PPGE/UFAM.

Hellen Bastos Gomes

Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia (2013-2015), Es-pecialista em Saúde da Família (2013) pela Faculdade da Grande Fortaleza e Especialista em Políticas de Enfrentamento a Violên-cia Doméstica (2013) pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM e é Assistente Social do Programa Observatório dos Direitos da Criança e Adolescente? PRODECA é Professora de Serviço Social nível I da Universidade Nilton Lins? Unilins. Par-ticipa do Grupo de Estudos e Pesquisas Contemporâneas sobre Processos de Trabalho e Serviço Social na Amazônia (GETRA). Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Federal do Amazonas (2011), tendo experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Política, atuando principalmente nos seguintes temas: trabalho, direitos, avaliação, exercício profissional e crian-ça e adolescente.

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Lourdes Benedita de Oliveira Lira

Professora da Universidade Federal do Amazonas/FACED/DMT. Graduada em Pedagogia pela Faculdade Martha Falcão, Especialista em Docência do Ensino Superior pela Universidade Estácio de Sá, Mestra em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas. Atuou como Professora de Educação Profissional no SENAC, CETAM e como Pedagoga na Secretaria Municipal de Educação/SEMED, no Ensino Funda-mental I, II e EJA; Tutora em EaD na Unopar Virtual e Escola de Gestores/CEFORT/UFAM; Colaboradora do PNAIC/CEFORT/UFAM; Orientadora de TCC no curso Educação, Pobreza e De-sigualdades Sociais CEFORT/UFAM. Tem experiência na área de Educação Profissional, Tecnológico na Modalidade a Distân-cia e Educação Básica.

Maria Sônia Souza de Oliveira

Professora da Universidade Federal do Amazonas- UFAM/FA-CED. Mestra em Educação pela Universidade Federal do Ama-zonas na área da Educação de Jovens e Adultos - EJA. Especia-lista em Docência do Ensino Superior Pela Faculdade Cândido Mendes e em Psicopedagogia pela UFAM. Licenciada em Peda-gogia pela Universidade Federal do Amazonas/UFAM. Coor-denou o Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Secretaria Municipal de Educação SEMED/Manaus. É membro do Centro de Formação, Desenvolvimento de Tecnologias e Prestação de Serviços para a Rede Pública de Ensino – CEFORT. É pesquisa-dora dos seguintes temas: Educação Infantil e Anos Iniciais, En-sino, Desenvolvimento e Aprendizagem, Formação de Professor e Educação à Distância.

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Valdete da Luz Carneiro

Professora Adjunto IV da Universidade Federal do Amazonas, lotada no Departamento de Administração e Planejamento da FACED. Mestre em Educação pela Fundação Getúlio Vargas. Diretora do Instituto de Natureza e Cultura, Polo Auto Solimões. Presidente da Comissão Própria de Avaliação – CPA/UFAM. As-sessora Pedagógica da Pró-Reitoria de Ensino de Graduação – UFAM. Presidente da Comissão de Elaboração do Programa de Formação Continuada de Docentes da UFAM. Coordenadora do Programa Institucional de Formação Docente da UFAM. Presi-dente da Comissão Institucional de Verificação de Autodeclara-ção de Negros e Pardos – UFAM. Experiência na área de Educa-ção de Administração e Planejamento de Sistemas Educacionais. Atua principalmente com os seguintes temas: Educação do Cam-po; Currículo e Educação; Educação Básica e Planejamento; Ges-tão da Educação.