dysson teles alves dissertação de mestrado ufam

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM HISTÓRIA DYSSON TELES ALVES Urbanização e Cultura na Amazônia do século XVIII: índios e brancos em Barcelos

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Dissertação de mestrado. Urbanização de cultura na Amazônia - UFAM

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    MESTRADO EM HISTRIA

    DYSSON TELES ALVES

    Urbanizao e Cultura na Amaznia do sculo XVIII: ndios e

    brancos em Barcelos

  • MANAUS

    2010

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO

    MESTRADO EM HISTRIA

    Urbanizao e Cultura na Amaznia do sculo XVIII: ndios e

    brancos em Barcelos

    Dysson Teles Alves

    MANAUS

    2010

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps

    Graduao em Histria Social da Universidade

    Federal do Amazonas como exigncia parcial para

    obteno do ttulo de MESTRE em Histria

    Social.

    Orientador: Prof. Dr. Almir Diniz de Carvalho Jr.

  • Banca Examinadora

    Dr. Almir Diniz de Carvalho Jr. Presidente

    Dr. Mauro Cezar Coelho Membro

    Dr. Maria Luiza Ugarte Pinheiro Membro

  • Dedicatria

    Ao meu saudoso pai, pela dedicao.

    minha querida me, que mesmo na dor ainda sorri.

    Ao Gabriel por ser to grande em to pouco tempo.

  • Agradecimentos

    So inmeros, at aqueles que estiveram distantes durante a produo deste trabalho

    contriburam, pois, me proporcionaram alguns momentos de desprendimento. Porm, outros

    permaneceram muito perto e a estes meu reconhecimento obrigatoriamente maior.

    Deus por permitir este momento em minha vida.

    Aos demais membros de minha famlia, em particular minhas irms, Elizeth e Elizabeth que

    mesmo indiretamente contriburam ao me dar tranqilidade para prosseguir nesta tarefa.

    Aos mestres do Departamento de Histria da UFAM, que continuamente me incentivam a

    prosseguir na vida acadmica, especialmente, Francisco Jorge, Auxiliomar Ugarte, Luiz Balkar,

    Luza Pinheiro e Patrcia Sampaio.

    companheira Rosngela da Biblioteca do Museu Amaznico, que prestativa e sensvel a

    minha angustia, sempre me socorria.

    Aos amigos do Museu Amaznico, que muito me ajudaram na confeco deste trabalho.

    Helen, pela compreenso e superao dos meus traumas.

    Ao amigo e orientador Almir Diniz de Carvalho Jnior, que desde meu ingresso no Programa se

    prontificou a me conduzir e a decifrar os enigmas que a pesquisa me proporcionava e o fez com

    muita competncia.

  • O melhor Historiador seria aquele que

    mais e melhor constatar o que seus olhos

    vissem, no o que uma distante e fria

    lgica elaborasse. (Baeta Neves).

  • Resumo

    Este trabalho tem por objetivo analisar a colonizao portuguesa na Amaznia no contexto das

    Demarcaes de Limites, durante a segunda metade do sculo XVIII, tendo como foco de

    apreciao a vila de Barcelos na Capitania do Rio Negro. Como desdobramento, entender a

    criao dos espaos urbanos como elemento dinmico de um plano de civilizao. Perceber

    ainda, como os ndios concebiam as interaes estabelecidas com os colonos, as estratgias

    construdas por ambas as partes e as perspectivas de obterem certos benefcios.

    Palavras chaves: Barcelos, Amaznia colonial, Poltica indigenista, Vilas pombalinas.

    Abstract

    This work aims to analyze the Portuguese Colonization in the Amazonia about the delimitation

    context during the second half of the 18th century, having as the focus of analysis Barcelos

    Village in Capitania do Rio Negro. As well as to understand the creation of the urban spaces

    like a civilization part plan, the Indians perceived the established interactions with the colonizers,

    the strategies built by both and perspectives of they obtain certain benefits.

    Keys-words: Barcelos, Colonial Amazonia, Indians Politics, Pombalinas Villages.

  • Sumrio

    Introduo..................................................................................01

    Captulo I..A constituio da Amaznia portuguesa................08

    1- A Amaznia no mundo portugus..........................................08

    2- O Tratado de Madri: a oficializao da posse territorial.........15

    3- Estratgias de defesa: .............................................................25

    3.1- As fortificaes....................................................................25

    3.2- Alianas com ndios, a salvao da terra.............................39

    Captulo II..O urbanismo como artifcio civilizador................48

    1- A experincia urbanstica portuguesa.....................................48

    2- O Marqus de Pombal e o Imprio Ultramarino portugus....65

    3- A expanso urbana na Amaznia portuguesa........................74

    Captulo III..Barcelos, uma arena cultural..............................100

    1- Mariu, uma aldeia carmelita.................................................100

    2- De Mariu a Barcelos.............................................................115

    3- Dilogo entre culturas. ..........................................................127

    Consideraes Finais.................................................................138

    Fontes e Bibliografia..................................................................143

  • 1

    Introduo

    Da mesma forma que a imensido da Amaznia depositria do maior rio do planeta,

    de uma diversidade de fauna e flora imensurvel, em meados do sculo XVIII abrigava, na

    mesma proporo, um contingente populacional indgena. O interesse expansionista europeu

    promoveu um encontro entre a extica e misteriosa regio e um mundo tido como moderno.

    Esse encontro perturbou uma ordem que j se encontrava estabelecida e a continuidade dessa

    relao aprofundou o conhecimento de ambas as partes. Faz parte de nosso objetivo

    apresentar as estratgias utilizadas tanto por missionrios e colonos quanto por ndios com

    vistas a superar obstculos, principalmente o de comunicao, produzir espaos que

    proporcionassem uma interao e a criar novas identidades indgenas como resposta ao

    projeto colonizador portugus.

    Interessa-nos tambm, avaliar o processo de instalao das vilas urbanizadas durante a

    segunda metade do sculo XVIII, mais precisamente ao norte da Amrica portuguesa. Neste

    sentido, observaremos mais detalhadamente a forma de ocupao e povoamento que teve uma

    caracterstica diferenciada do restante da Colnia, a proporcionarem conjunes de interesses,

    tanto pelo lado colonizador como pelo lado colonizado, inaugurando novas formas de

    organizao social. Analisaremos tambm as provveis alteraes sofridas nas referncias

    culturais de ambas as partes, como reflexo de um intenso processo de criao de uma rede

    urbana que deveria funcionar como um elemento facilitador de interao cultural.

    A concepo de um espao urbano como lugar de relaes de convvio e troca de

    experincias, no se constitui em um conjunto de dados aleatrios, parte integrante de um

    programa poltico amplo, pensado, que exige o conhecimento do sistema social gerado pela

    poltica urbanizadora implementada naquele espao1. Estas idias incentivaram historiadores

    a desenvolverem pesquisas sobre formao urbana, suscitando debates procura de respostas

    para os fenmenos sociais ocorridos a partir da criao de uma rede urbana. Atualmente, na

    historiografia, a cidade se apresenta como um objeto de estudo cujas possibilidades vo alm

    de seus limites geogrficos e que no deve ser vista como um agente isolado de mudanas

    histricas, mas sim como um componente dinmico conectado a outros elementos

    participantes de uma cadeia de comunicaes que proporcionaram as possveis modificaes.

    1 Teixeira, Manuel Carlos. Os modelos urbanos portugueses da cidade brasileira. Comunicao apresentada no

    Colquio A construo do Brasil urbano, Convento da Arrbida Lisboa. In Revista urbanismo de origem portuguesa n 03 Lisboa, 2000.

  • 2

    A tradio marxista influenciou o trabalho de muitos historiadores de cidades ao

    comparar o crescimento urbano com o desenvolvimento econmico e industrial e o

    aparecimento de uma camada social: a burguesia. Entretanto, seria um demasiado

    reducionismo considerar que a industrializao por si s foi determinante para o fato. Estas

    idias podem ser vistas em Max Weber, que relaciona a origem da cidade com as suas funes

    econmicas, caracterizada como um aglomerado urbano realizando trocas comerciais

    regulares para a manuteno de seus habitantes. Weber recorre ao mtodo comparativo entre

    cidades antigas, em busca de um tipo ideal de cidade. Sua preocupao era identificar e

    relacionar as funes econmicas e administrativas das cidades em tempos e espaos

    diversos2. Da mesma forma, Henry Pirenne analisa a cidade como uma concentrao urbana

    com personalidade jurdica vivendo do comrcio e da indstria, enquanto os seus momentos

    de declnio estiveram ligados a guerras e crises econmicas. Pirenne relaciona o feudalismo

    decadncia da vida urbana, e o capitalismo ao renascimento das cidades. A cidade para

    Pirenne vinculada a causas econmicas e sociais3.

    Ainda a respeito da formao de cidades conforme suas funes oportuno lembrar a

    anlise feita por Maria Stella Brescianni4 sobre a teoria de cidades. No sculo XVIII, tais

    teorias falavam da cidade ideal como elemento de progresso, funcional e utilitria. Para as

    cidades do sculo XIX, o discurso enfatizava os efeitos materiais e intelectuais do

    crescimento urbano para a populao, ou seja, os problemas causados pelo impacto do

    desenvolvimento das atividades urbanas. No caso brasileiro, o tratamento dado s vilas e

    cidades do sculo XVIII, recebeu uma caracterizao dada por Richard Morse de cidades

    artificiais. Para Morse, estas cidades seriam aquelas que surgiram movidas apenas por

    interesses econmicos (como reas de extrao, por exemplo) e, na maioria dos casos, as

    cidades pertencentes a essa classificao no teriam uma relao de continuidade em seu

    desenvolvimento. A causa dessa descontinuidade, ainda segundo Morse, seria a ausncia de

    um intercmbio econmico com outras praas internas que viessem a promover uma

    integrao entre as mesmas. 5

    2 Weber, Max. Conceitos e categorias de cidades. In Velho, Otavio G. (org). O fenmeno urbano. 4 ed. R.J.

    Zahar. 1979.

    3 Pirenne, Henry. As cidades da idade mdia. Ensaios de Histria econmica e social. Trad. Carlos Montenegro

    Miguel, 2 ed.Lisboa. ed. Europa-Amrica.1964.

    4 Brescianni, Maria stella. Histria e historiografia das cidades, um percurso. In Historiografia brasileira em

    perspectiva, Marcos Cezar de Freitas (org) S.P. Contexto. 2005. 6 ed.

    5 Morse, Richard. Ensaio sobre cidades latino americanas.1973

  • 3

    Maria Stella Brescianni observa, atravs de uma anlise da produo historiogrfica

    brasileira, o fortalecimento das teorias sobre cidades do sculo XVIII, afirmando que daquela

    cidade racional, utilitria, foram eliminados os vestgios de lendas ou mitos de fundao. Dos

    marcos da fundao, restaram as datas e os fatos bem estabelecidos, caracterizando a perda da

    contextualidade de origem da cidade. No encontro com o moderno transparece a necessidade

    de apagar a memria do passado em nome da civilidade6. Outra vertente da discusso sobre a

    formao das cidades coloniais brasileiras a questo do planejamento urbano portugus feito

    por Ana Lcia Lana. Ela afirma que, a partir da administrao do marqus de Pombal as

    cidades passaram a levar consigo as caractersticas de funcionalidade e influncia da

    disciplina militar, atravs da organizao e racionalizao da produo, impostas pela

    conjuntura perversa da qual Portugal foi vtima em 1755. 7

    Faz parte de nossa investigao analisar um ncleo urbano do sculo XVIII a partir de

    seu plano urbanstico e de suas funes definidas. Ver tambm como este ncleo ir

    proporcionar a criao de novos papeis para seus habitantes, uma vez que, em um centro

    urbano que vo se estabelecer as possveis relaes de trocas de experincias culturais, tanto

    pelo lado colonizador como pelo lado colonizado. No faz parte deste trabalho se aprofundar

    em teses que discutem a validade ou no de conceitos como cultura e aculturao. Porm,

    necessrio se faz abraar um principio para seguir em frente na pesquisa. Assim, concordamos

    com o entendimento de Geertz sobre cultura, uma definio simples e abrangente, que a v

    como uma teia de signos intercambiveis e decifrveis pelo homem. Entretanto, questes

    levantadas por Gerald Sider8 sobre cultura, iluminam ainda mais as perspectivas de traduo

    do encontro entre brancos e ndios, revelando a existncia de um processo de integrao, o

    que permite pensar que a perda de traos culturais no se resume apenas aos grupos

    minoritrios ou conquistados, nem implica em perda de identidade tnica.

    Determinadas preocupaes acerca da existncia de uma provvel relao entre

    urbanismo e civilizao, nos motivaram a prosseguir na busca por respostas aos seguintes

    questionamentos: a urbanizao facilitou a implementao do projeto poltico pensado pela

    Metrpole para o Norte da Amrica portuguesa? De que forma as populaes indgenas

    recepcionaram a chegada dessa modernidade e de que maneira foram se integrando a esse 6 Brescianni, Maria Stella. Op cit pg 242

    7 Lanna, Ana Lcia Duarte. Uma cidade na transio: Santos 1870 1913, Santos, 1998.

    8 Para Sider, esta teia de significados criada pelo homem, comporta dois tipos de criaturas com diferentes

    destinos, a aranha e sua presa, os dois lutando e partilhando significados, no por que querem, mas sim, porque

    habitam a mesma teia. Apud, Carvalho Jnior, Almir Diniz de. ndios Cristos: a converso dos gentios na

    Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005, pg 06.

  • 4

    plano? Quais estratgias foram utilizadas por colonos e ndios para conviverem dentro de um

    espao limitado e artificial? Na perspectiva de encontrar respostas, elegemos um espao

    geogrfico para servir como palco desse encontro. Assim, escolhemos a Vila de Barcelos, no

    rio Negro, como objeto de estudo com a finalidade de esclarecer a hiptese de que ela

    funcionou como um espao de redimensionamento do papel dos povos indgenas no projeto

    de colonizao portuguesa para a Amaznia.

    Este trabalho, por se tratar de um processo, no marca limite temporal para seu fim,

    porm, delimita como ponto de partida o ano de 1750 com a ascenso de D. Jos I ao trono

    portugus. Perodo marcado pelo incio da aplicao de uma poltica mais agressiva voltada

    para a Amrica portuguesa com vistas a garantir sua anexao ao Estado portugus. Como

    limite poltico, procuramos enfatizar o governo de Francisco Xavier de Mendona Furtado no

    Estado do Gro Par (1751 1759), pela implementao das reformas pombalinas na

    Amaznia. Desta forma, a vila de Barcelos serviu para visualizar esse fenmeno de uma

    forma mais concisa, pelo fato de que, durante esse perodo Barcelos funcionou como centro

    administrativo (sede do governo da Capitania do Rio Negro), local da reunio das Comisses

    Demarcatrias de Limites, base distribuidora de mo-de-obra, alm de tornar-se um centro de

    irradiao da poltica de colonizao para o vale amaznico.

    As fontes a serem aqui utilizadas compreendem o espao temporal do sculo XVIII.

    Utilizamos aquelas relativas ao processo de colonizao da Amaznia a partir da ascenso do

    Marqus de Pombal ao governo (iremos trat-lo assim at o fim do trabalho) e a elaborao

    das leis a serem aplicadas na Colnia. A partir de uma leitura crtica da bibliografia, tomamos

    como base as fontes relacionadas ao universo pombalino indicadas por autores como Joo

    Lcio de Azevedo, Kenneth Maxwell, Manuel Nunes Dias e outros que fizeram uma

    descrio da trajetria poltica do Marqus. Em seguida, para entendermos a aplicabilidade e a

    efetividade dessas leis na Amaznia, recorremos aos relatos de viajantes, como Alexandre

    Rodrigues Ferreira, dirios de ouvidores, crnicas jesuticas, correspondncias entre

    governadores de capitanias e a Metrpole e a legislao pertinente ao assunto, alm das

    produes historiogrficas recentes.

    Em relao Amaznia, dentre as produes contemporneas destacamos o trabalho

    de Renata Malcher de Arajo9, que faz uma analogia entre os ncleos urbanos de Belm,

    Macap e Mazago no sculo XVIII, enquadrando-as no modelo pombalino de criao de

    9 Arajo, Renata Malcher de. As cidades da Amaznia no sculo XVIII: Belm Macap e Mazago, srie I.

    Ensaios dissertao de mestrado, FCSH. UNL. 1992

  • 5

    cidades. Encontramos tambm, o no menos interessante trabalho de Jussara Derenji da

    Silveira10

    , que faz uma abordagem diferente de Renata Malcher sobre o papel no s dos

    ncleos citados, mas tambm de outros criados no mesmo perodo, como Santarm, bidos,

    Barcelos e Borba, formando uma rede de defesa externa e interna da Amaznia. O trabalho de

    Arthur Vianna11

    sobre as fortificaes da Amaznia e suas funes, fornece uma grande

    contribuio para entender as estratgias de defesa dos portugueses. A utilizao da

    historiografia citada justifica-se pela importncia em se conhecer as idias que nortearam a

    produo de uma poltica colonizadora para a Amaznia, tornando-a assim, diferente do

    restante da Colnia.

    Para o caso das relaes entre brancos e ndios nas aldeias e vilas, j possvel se

    identificar alguns trabalhos importantes. Dentre esses, destacamos o de Izabelle Braz

    Peixoto12

    que trata da transformao dos aldeamentos jesuticos em Vilas, na Capitania do

    Cear Grande no perodo considerado pombalino, e a insero dos ndios no mundo colonial.

    Outro trabalho o de Cristianne Finizola Sarmento13

    que apresenta a criao e a evoluo

    urbana das vilas de Pombal e Souza na Paraba colonial (1697-1800). Destacamos tambm a

    vigorosa produo de Ftima Martins Lopes14

    que faz um estudo sobre a populao indgena

    inserida nas vilas pombalinas durante a vigncia do Diretrio de 1757, observando o efeito da

    criao desse espao urbano nessas populaes e em que medida os objetivos contidos no

    Diretrio relacionados a: proteo aos ndios e garantia de propriedade e liberdade, se

    fizeram efetivar.

    10

    Derenji, Jussara da Silveira. As cidades da Rede de Defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.

    In Actas do colquio internacional universo urbanstico portugus 1415 1822. CNCDP. Coord. Renata Arajo, Hlder Carita e Walter Rossa. Lisboa 2001.

    11 Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As fortificaes do Par. In Annaes da Bibliotecha e

    Archivo Pblico do Par. Tomo quarto. 1905. Pg. 229-232

    12

    Silva, Isabelle Braz Peixoto da. Vilas de ndios no Cear Grande: dinmicas locais sob o Diretrio Pombalino, Campinas, So Paulo: Pontes Editores, 2005.

    13

    Sarmento, Cristiane Finizola. Povoaes, freguesias e vilas na Paraba colonial. Pombal e Souza 1697-1800. Tese de Doutorado. UFRN. 2007.

    14 Lopes, Ftima Martins. Em nome da Liberdade. As vilas de ndios do Rio Grande do Norte sob o Diretrio Pombalino no sculo XVIII. Tese de Doutorado. Recife, 2005.

  • 6

    Mauro Cezar Coelho15

    tambm nos fornece um trabalho significativo sobre as

    relaes e os conflitos sociais que ocorreram na Amaznia colonial entre os representantes

    metropolitanos, colonos e populaes indgenas, a partir da instalao do Diretrio dos ndios

    de 1757. Outra referncia importante o trabalho de Almir Diniz de Carvalho Junior16

    , que

    apresenta um combate entre religiosos e ndios pela converso dos segundos e suas

    respectivas estratgias de convivncia com um universo cosmolgico diferente. Outra

    produo a de Patrcia Melo Sampaio17

    que apresenta um trabalho de flego acerca da

    aplicabilidade da legislao, (Diretrio de 1757), as negociaes e os conflitos existente no

    Estado do Gro-Par entre 1755 e 1823.

    Tais contribuies foram de significativa importncia para se pensar a respeito do

    processo complexo que foi a materializao do contato entre os povos indgenas da Amaznia

    e os colonizadores portugueses, que estabeleceram diferentes formas de relaes culturais.

    Isto nos revela que as formas distintas de conquista do homem nativo pelos europeus,

    provavelmente tiveram sua origem em um processo tambm diferenciado de adaptaes ao

    meio ambiente ao qual estas populaes se submeteram. reas de floresta tropical ou vastas

    paisagens de plancies com vegetao rasteira, provavelmente deram origem a sociedades

    com caractersticas sociais prprias.

    Com esta dissertao, buscamos compreender no contexto das Demarcaes de

    Limites, a importncia dos ncleos urbanos implantados nas colnias do Norte da Amrica

    portuguesa, no perodo de 1750 a 1757, como instrumentos de converso dos ndios a um

    diferente modelo social, bem como, suas motivaes e suas estratgias de adaptao a um

    processo surgido a partir da criao de novos espaos de convivncia para brancos e ndios.

    Como desdobramento, objetivamos perceber de que forma os diversos grupos indgenas se

    incorporaram a este projeto e as conseqncias geradas, pelas tenses provocadas pelo

    encontro de duas culturas diferentes. Neste sentido, o trabalho est constitudo de trs

    captulos assim distribudos.

    15

    Coelho, Mauro Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da colnia: o caso do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e Cincias Humanas. USP. Tese de doutorado. 2005. 16

    Carvalho Jnior, Almir Diniz de. ndios Cristos: a converso dos gentios na Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005. 17

    Sampaio, Patrcia Maria Melo. Espelhos partidos: etnia, legislao e desigualdade na colnia serto do Gro Par c. 1755-c. 1823.

  • 7

    No primeiro capitulo, descrevemos de que maneira os viajantes descreviam a

    Amaznia portuguesa para a autoridade Real, como caracterizavam a populao indgena e

    catalogavam o potencial econmico da regio. Em um segundo momento, mostramos a

    importncia do Tratado de Madri como um diploma legal que oficializou Portugal a posse

    territorial. Paralelamente, analisamos as estratgias de controle e defesa da regio, atravs da

    instalao das fortificaes e, fundamentalmente, as alianas com as populaes indgenas

    atravs da catequese, bem como, os recrutamentos ao trabalho forado e as tentativas de

    subjugao desses povos como forma de garantir o controle efetivo da regio. Assim, nesta

    conjuntura inicial de representao e controle, discutiremos as bases do processo de

    integrao dos ndios sociedade colonial.

    No segundo captulo, apresentamos a experincia portuguesa de urbanizao nas suas

    Colnias da frica e sia e seu ingresso na Amrica portuguesa, a partir de 1750, no governo

    de D. Jos I, em Portugal. Em conseqncia, a introduo de uma agressiva poltica

    reformadora nos trpicos que tinha como objetivo principal inserir os povos indgenas no

    projeto colonial. Alm disso, analisamos ainda a aplicabilidade do pensamento urbanstico

    pombalino, concentrado no binmio cidade/civilizao, baseado nos dois eixos norteadores da

    poltica metropolitana: proteo e produo, atravs da construo de um sistema fortificado

    de defesa interna e a intensificao do controle da populao indgena aldeada, por meio da

    criao das vilas e cidades pombalinas na Amaznia portuguesa.

    No terceiro e ltimo captulo, recuperamos a trajetria da Vila de Barcelos a partir da

    instalao da Aldeia de Mariu pelos padres Carmelitas, suas estratgias de catequizao e

    conseqente recrutamento dos ndios s misses religiosas. Observamos tambm, as

    intervenes urbansticas, sobrepostas a antiga aldeia, feitas pelo governador Mendona

    Furtado, redimensionando seu espao e mostrando que, a construo de uma vila urbanizada,

    proporcionou um conflito entre espao urbano e espao cultural, provocando significativas

    mudanas culturais, tanto para os colonos quanto para os ndios, efetivando certas prticas no

    meio social da vila criando novos comportamentos.

  • 8

    CAPTULO I: A constituio da Amaznia portuguesa

    1 A Amaznia no mundo portugus

    O interesse pela Amaznia seja pelo aspecto mitolgico, seja pelas suas considerveis

    riquezas naturais, nunca deixou de povoar os sonhos dos viajantes, que se intensificaram a

    partir das modificaes ocorridas no contexto econmico europeu, que acelerou a busca por

    riquezas em outros mares. No caso amaznico, as viagens de Orellana, entre 1541-42, rsua e

    Aguirre, entre 1560-61, foram expedies de reconhecimento que revelaram as primeiras

    imagens da regio, buscando a principio identificar suas riquezas. Entretanto, nos sculos

    subseqentes, embora com a presena do imaginrio bastante ativo, os viajantes procuraram

    registrar a natureza e o homem de uma forma cientfica18

    . Assim, em se tratando de

    Amaznia, torna-se imperativo esboar um processo que teve origem no Quinhentos, e se

    estendeu at o sculo XVIII, delineando o terreno para o desenvolvimento de uma relao

    dinmica que envolveu a regio, colonizadores e os povos indgenas que nela habitavam.

    Com a intensificao das viagens de explorao durante os sculos XVII e XVIII, os

    exploradores foram modificando seu olhar para aquele diferente mundo, demonstrando

    interesse no s pela possibilidade de descobrir riquezas, mas tambm para a descrio do

    relevo e das paisagens e para as primeiras comunicaes com os distintos povos, os quais

    influenciaram fortemente a viso e forma de raciocinar daqueles homens. fato que no se

    pode deixar de contextualizar a influncia que o meio natural exerceu para a confeco dessas

    narrativas. O desejo de conhecer o mundo, o trabalho de catalogao das novas espcies

    trazidas pelos viajantes naturalistas, impulsionou o desenvolvimento da Historia Natural.

    Diante disto, e atravs das palavras de Mary Louise Pratt, possvel observar a influncia da

    natureza no olhar dos viajantes:

    18

    Para efeito de ilustrao note-se a viagem do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, uma expedio

    cientfica realizada entre 1783 e 1792, abrangendo as capitanias do Par, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiab. O

    naturalista efetuou estudos sistemticos sobre a regio incluindo a o viver dos numerosos povos indgenas que

    habitavam a regio. Ver tambm Mary Louise Pratt. Os olhos do Imprio relatos de viagem e transculturao.

  • 9

    A histria natural mapeia no a estreita faixa de uma determinada rota, no as linhas onde terra e gua se encontram, mas os contedos internos daquelas massas de terra e gua cuja

    extenso constitui a superfcie do planeta. Estes vastos contedos seriam conhecidos no por meio de

    linhas finas sobre um papel em branco, mas por representaes verbais que por sua vez so

    condensadas em nomenclaturas ou por meio de grades rotuladas nas quais as entidades so

    inseridas19

    Diante daquele mundo extico onde tudo ou quase tudo era estranho, para descrev-lo

    s seria possvel atravs da criao de uma nova imagem que tornasse possvel seu

    entendimento. Ao lembrar as palavras de Jacques Le Goff em que as pessoas da Idade Mdia

    no sabiam olhar, mas estavam sempre prontas a escutar e a acreditar em tudo o que se lhes

    dizia20

    , possvel notar esta realidade atravs da cartografia que um tpico exemplo da

    representao que os observadores registravam. Nela possvel decifrar uma estria atravs

    do ponto de vista de quem a projetou. A imagem um meio de comunicao mais palpvel

    que o texto escrito e mais, ela, a imagem, instantnea facilitando o conhecimento do

    invisvel, tornando familiar o extico. Porm, para melhor compreenso e posteriormente

    leitura dos registros iconogrficos feitos por esses homens, preciso compreender o contexto

    em que estavam inseridos e, portanto, reproduzindo as palavras de Almir Diniz de Carvalho

    Jr.

    ...estas imagens devem sempre ser vistas como documentos histricos, como cones que correspondem a um conjunto de signos que traduzem mensagens. Mensagens essas que so

    conscientemente ou inconscientemente construdas pelos seus produtores21.

    A necessidade de criar uma representao das terras conquistadas a ser repassada

    Metrpole objetivava fortalecer e firmar o controle territorial portugus frente aos

    estrangeiros. No caso da Amaznia portuguesa, as Comisses Demarcadoras de Limites22

    19

    Pratt, Mary Louise. Os olhos do Imprio relatos de viagem e transculturao. 2. ed. Bauru- S.P.: Editora da Universidade do Sagrado Corao, 1999. Pg.64.

    20 Le Goff, Jacques. O ocidente medieval e o oceano ndico. Um horizonte Onrico. In Para um novo conceito

    de Idade Mdia, Lisboa. Editorial Estampa. 1980. pg. 266.

    21 Sobre a questo da anlise do contedo das imagens, principalmente para o perodo citado ver. Carvalho

    Junior, Almir Diniz de. Do ndio imaginado ao ndio inexistente: a construo da imagem do ndio na viagem

    filosfica de Alexandre Rodrigues Ferreira. Dissertao de Mestrado. Campinas, S.P. 2000.

    22 Foram comisses criadas como resultado do Tratado de Madri, assinado em 1750, que dividia as terras

    brasileiras entre portugueses e espanhis. Estas comisses eram constitudas por representantes da Coroa

    portuguesa e espanhola. Suas funes eram a de marcar os pontos extremos das fronteiras que separavam as

    respectivas possesses, substituindo a linha imaginria criada pelo Tratado de Tordesilhas.

  • 10

    tiveram um papel fundamental na produo dessas imagens, pois com elas, vinham

    especialistas como engenheiros, astrnomos, cartgrafos e naturalistas, entre outros. Suas

    funes, alm de identificar o potencial econmico, era tambm a de reconhecer e descrever

    uma imagem que fosse inteligvel Metrpole. Essa representao produzida deveria refletir

    duas coisas: a imaginao do europeu e a realidade vivida. Por conseguinte, uma realidade

    adaptada a imaginao era levada ao conhecimento da Corte. Ou seja, uma imagem

    deformada, ou ainda, como nas palavras de Jussara Derenji da Silveira, trata-se de uma

    imagem deformada de uma realidade criada e adaptada para refletir a imagem esperada23

    .

    De acordo com as palavras de Mauro Cezar Coelho, durante os sculos XVII e XVIII,

    os relatos dos viajantes enfatizaram menos o lado mtico e se fixaram numa viso mais

    utilitria acerca daqueles novos espaos fsicos e sociais. Esta viso utilitarista fomentou as

    pesquisas cientificas, pois, as novas terras precisavam ter suas riquezas inventariadas. Por

    outro lado, o conhecimento profundo dessas possesses forneceria uma demonstrao de

    poder a Portugal e um caminho seguro para a explorao de riquezas. Desde ento, o

    conhecimento sobre a Amaznia se ampliou, revelando um potencial que possibilitou aos

    europeus, particularmente portugueses, iniciarem sua experincia colonial na regio, menos

    como aventura e mais como conquista e ocupao ordenada24

    . Entretanto, bom lembrar que,

    tais experincias conviveram com sangrentas disputas entre conquistadores e povos nativos da

    regio. com estes ltimos, cuja importncia histrica os coloca no epicentro de toda a

    dramatizao da conquista, que vai ser montado o cenrio no qual ser representada a

    trajetria colonizadora portuguesa.

    Pelo interesse em prestar uma informao mais objetiva de como foi esta conflituosa

    convivncia, no enveredamos junto com os viajantes na forma como foram produzidas as

    imagens tanto da fauna como da flora, alm dos habitantes do novo mundo. Deixando este

    trabalho para os leitores e pesquisadores da Amaznia que constantemente esto debruados

    sobre esta temtica. Assim, preferimos enfatizar o processo de integrao ocorrido entre

    colonos e ndios durante a colonizao da Amaznia portuguesa. Tal integrao, motivada por

    diversos fatores, especialmente o econmico, permitiu o estabelecimento administrativo dos

    portugueses nas suas colnias do Norte. Como desdobramento, procuramos ainda, enfocar a

    23

    Derenji, Jussara da Silveira, As cidades da rede de defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.

    In Actas do Colquio Internacional Universo Urbanstico Portugus 1415-1822 Coord. Renata Arajo, Hlder

    Carita e Walter Rossa. C. N.P.C.D.P. 2001.

    24 Coelho, Mauro Cezar. Dirios sobre o Cabo Norte: interesse de Estado e relatos de viajantes. In Queiroz, Jonas

    Maral de e Coelho, Mauro Cezar: Amaznia: Modernizao e conflito. Sculos XVII e XIX. Belm:

    UFPA/NAEA; Macap: UNIFAP. 2001. pg 23.

  • 11

    criao dos espaos urbanizados nas reas conquistadas pela Metrpole, como parte de um

    plano de integrao e ocupao e que para sua consecuo tornava-se necessrio inserir as

    comunidades indgenas no ento mundo civilizado.

    Podemos considerar o sculo XVIII, como um perodo em que ocorreram

    significativas mudanas, geradas por todo um clima cultural e ideolgico que envolveu a

    Europa, somado ao interesse dos Reinos europeus em explorar novas terras, que mobilizou

    alm de cientistas e filsofos, os meios polticos. Os modelos sociais e econmicos de outros

    Estados serviam de inspirao s mudanas em Portugal e um dos principais fatores

    responsveis para esta revoluo, foi o crescimento comercial europeu, que estava

    diretamente ligado a um momento de transio econmica entre o capital comercial e o

    industrial. Tal fenmeno atingiu todos os campos da atividade humana, criando novos

    modelos, inclusive de homem - o homem iluminado do sculo XVIII - e ainda por uma srie

    de acontecimentos no menos relevantes que influenciaram de uma forma determinante o

    processo de formao da Amrica portuguesa25

    .

    Recuperar os momentos iniciais de uma interveno mais intensa de Portugal sobre

    sua Colnia na Amrica portuguesa uma forma de iluminar os caminhos pelos quais iremos

    penetrar nesta complexa rede de relaes entre culturas diferentes, criada pelos colonizadores

    portugueses para tornar o sonho da conquista e da colonizao realizvel. O resultado deste

    elenco de aes impetradas pela Coroa fez surgir uma nova Amaznia um novo Eldorado

    no cenrio histrico da Amrica portuguesa, se considerarmos como marco inicial dessa

    trajetria a ascenso de D. Jos I ao trono portugus em setembro de 1750, substituindo a D.

    Joo V e recebido como herana o ltimo ato de relevncia para o Brasil: o Tratado de Madri,

    assinado em 175026

    .

    Na seqncia de sua entronizao, D. Jos I nomeou Sebastio Jos de Carvalho e

    Melo (futuro Marqus de Pombal) Secretrio dos Negcios Estrangeiros e da Guerra, ficando

    como responsvel pela implementao do citado tratado aprovado no governo anterior. Neste

    25

    As guerras: Mascates (1710 - 1711) em Pernambuco, Emboabas (1707 1709) nos sertes mineiros. Tratado de Utrecht (1713 1715), descoberta dos campos aurferos de Cuiab, Gois e Mato Grosso, execuo do Tratado de limites no Brasil, declarao de liberdade dos ndios da Amrica, estabelecimento da Companhia de

    Comrcio do Gro-Par. As construes das fortalezas de Gurup, Macap, So Jos do Rio Negro, So

    Joaquim, So Gabriel, So Jos das Marabitanas, Tabatinga, Bragana e Prncipe da Beira, que delinearam o

    mapa de defesa das terras conquistadas. In Nizza da Silva, Beatriz. (Coord). Dicionrio da Histria da

    Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.

    26 Sobre o Tratado de Madri, ver Reis, Arthur Czar Ferreira. Histria do Amazonas. 2 ed. B.H. Itatiaia

    [Manaus]: Superintendncia Cultural do Amazonas, 1989, (coleo Reconquista do Brasil 2 srie v.145). Cortezo, Jaime Zuzarte. O Tratado de Madri. Braslia: Senado federal. 2001

  • 12

    perodo, a parte norte da Amrica portuguesa j mostrava a sua importncia como rea

    estratgica e possuidora de riquezas naturais, sendo sua conquista motivada tambm pela

    preocupao com sua defesa. Proteo e produo nortearam a ocupao do vale amaznico

    pelos portugueses, elementos fundantes para a criao do urbanismo colonial portugus,

    iniciado com a criao de uma rede de fortificaes para proteger a regio das investidas

    estrangeiras e auxiliados pela utilizao dos rios como vias de comunicao interna. Essas

    intervenes permitiram um controle maior sobre a navegao entre as localidades com o

    objetivo de evitar o contrabando.

    Durante a Unio Ibrica (1580 1640) incorporao da Coroa portuguesa pela

    espanhola , os portugueses no se preocupavam em avanar para alm dos limites territoriais

    estabelecidos para as possesses americanas das duas metrpoles, visto que a Espanha

    respeitava o direito de administrao das terras conquistadas e as que viessem a ser pelos

    portugueses. Para tanto, o Conselho das ndias27

    , em 1615, deliberou o imediato avano sobre

    a regio norte da Colnia, feito praticado pelo capito Francisco Caldeira de Castelo Branco

    que levou a incumbncia da construo de um estabelecimento fortificado, materializado em

    1616, com a fundao do Forte do Prespio princpio da cidade de Belm comeando o

    povoamento portugus do lugar e construindo condies de permanncia conquista que se

    iniciava como descreve Leandro Tocantins:

    ...era uma posio flexvel e estratgica para as armas portuguesas expulsarem britnicos e holandeses estabelecidos no esturio do Amazonas, o domnio da foz resultaria

    (como resultou) na formao do Imprium luso ao longo do curso do grande rio e seus

    afluentes. Era a espinha dorsal da penetrao lusitana. 28

    A marcha em direo Amaznia, neste perodo, representou para os portugueses a

    possibilidade concreta da transgresso dos limites acordados com a Espanha, que ampliou as

    fronteiras da Colnia, permitindo o domnio efetivo sobre a regio. Pela sua posio

    27

    O Conselho Ultramarino veio substituir o antigo Conselho das ndias criado por Felipe II durante a unio das

    duas coroas ibricas que funcionava como rgo responsvel pelos negcios ultramarinos da Coroa. Com a

    Restaurao, foi renomeado como Conselho Ultramarino por D. Joo IV (1643), levado pela crescente

    importncia assumida pelo Brasil em relao a ndia. Ao Conselho competia decidir sobre todas as matrias e

    negcios respeitantes de todas as partes ultramarinas e lugares da frica, antes de chegarem a presena do Rei.

    Com a transferncia da Corte portuguesa para o Brasil em 1808, as atribuies deste Conselho foram transferidas

    para o Tribunal do Desembargo do Pao, instalado no Brasil em 1808. In Nizza da Silva. Maria Beatriz.

    (Coord.) Op cit. Pg 204.

    28 Tocantins, Leandro, prefcio in. Matos, Meira. Uma geo - poltica pan-amaznica. R.J. Jos Olympio. 1980.

  • 13

    estratgica e ao mesmo tempo frgil - proximidade das fronteiras -, suas riquezas naturais e o

    tamanho do territrio, a regio passou a ser administrada diretamente pela Metrpole, sem a

    interferncia do Governo Geral do Brasil. Uma prova indiscutvel desta disposio foi a

    criao do Estado do Maranho, em 1621, que permaneceu independente do Estado do Brasil

    at 1652, quando foi incorporado. Porm, dois anos depois, a autonomia foi restabelecida

    atravs da criao do Estado do Gro-Par e Maranho, que serviu para assegurar o controle

    da regio, juntamente com a criao, pelos portugueses, de duas capitanias hereditrias em

    terreno indiscutivelmente espanhol pelo esprito e pela letra de Tordesilhas: a de Camet, na

    margem direita do Amazonas, e a do Cabo Norte, na margem esquerda.

    Note-se que, at ento, os conflitos ainda no tinham assumido as dimenses que

    estariam por vir, a partir do momento que os exploradores se defrontassem com os ndios

    Tupinambs que habitavam a regio da Amaznia portuguesa durante os sculos XVII e

    XVIII. O contato com os Tupinambs facilitou em grande parte o progresso da colonizao,

    pelo fato de que os mesmos eram a maioria em toda a costa, do nordeste ao norte da Colnia e

    a sua lngua, tupi, tornara-se familiar aos colonos. Entretanto, esses mesmos colonos

    precisavam dos ndios tanto pelo conhecimento que tinham da regio a ser explorada, como

    pela possibilidade de ter mo-de-obra disponvel para a coleta e transporte de produtos. Neste

    caso, a utilizao dos Tupinambs para este servio foi inevitvel e trouxe como conseqncia

    os primeiros conflitos contra os portugueses29

    .

    Embora o choque com os Tupinambs fosse um elemento complicador s intenes

    lusitanas, o fator determinante seria o enfrentamento com os estrangeiros, como assevera

    Arthur Cezar Ferreira Reis: de sua retirada que realmente poderia resultar a conquista

    menos perigosa e o conseqente estabelecimento do domnio poltico na Amaznia30.

    Observa-se ainda que, para o sucesso da empreitada portuguesa, o papel desempenhado pelas

    ordens religiosas em particular a dos jesutas, facilitou a obra de expanso e domnio

    montando aldeias, demarcando territrios e utilizando os povos indgenas na tarefa de defesa

    da regio. certo que no foi de forma totalmente pacfica a insero dos ndios nos planos

    29

    De acordo com Almir Diniz, existe uma utilizao indevida do termo tupi para designar apenas a lngua tupinamb, pois, o tupi corresponde a um tronco lingstico que engloba cerca de 41 lnguas que foram se

    expandindo durante milnios por todo o leste da Amrica do sul. Deste tronco, destacam-se as lnguas guarani e

    tupinamb, quando da chegada dos europeus na Amrica. Alm disso, Diniz levanta uma discusso pertinente

    sobre a origem e a dinmica de expanso da etnia tupinamb no atual Estado brasileiro. In. Almir Diniz de

    Carvalho Jnior. ndios Cristos: a converso dos gentios na Amaznia portuguesa (1653-1769). Tese de

    Doutorado. Campinas. So Paulo. 2005. pg. 124. 30

    Reis, Arthur Czar Ferreira. Limites e demarcaes na Amaznia brasileira, 2 ed. Belm, SECULT. 1993. Vol

    2 (coleo Lendo o Par) pg 43.

  • 14

    lusitanos; houve vrios conflitos entre missionrios e ndios, missionrios e colonos e entre os

    prprios missionrios, na disputa pelo controle e distribuio da fora de trabalho indgena,

    que j se apresentava como o elemento principal no processo de acumulao de riqueza.

    Em 1686, foi decretado o Regimento das Misses, que passou a conduzir a ao

    missionria, o qual entregava aos mesmos no s o governo espiritual, mas tambm o

    temporal, dos ndios e muito mais, abolia o privilgio da Companhia de Jesus, garantido pelo

    Regimento de 1680, que exclua as outras ordens religiosas das misses e entradas no serto.

    Esse momento (1680-1757) foi caracterizado como o perodo empresarial da misso

    jesutica, segundo a classificao atribuda por Carlos de Arajo Moreira Neto, pois

    significava a passagem dos jesutas de uma posio de defesa das liberdades indgenas

    insero em uma poltica concessiva aos interesses coloniais, favorvel aos cativeiros31

    . Essa

    abertura econmica para as empresas missionrias atuarem, ampliou o espao de explorao,

    criando uma nova fronteira, distante da fixada em Tordesilhas. Como grande parte da

    Amaznia era uma rea estratgica e de amplo interesse portugus, isto tranformou-a em uma

    barreira fsica e poltica, pela metrpole portuguesa.

    O avano portugus para o norte e sul da Amrica portuguesa, ocupando reas que

    Espanha e Frana reivindicavam para si, foi determinante para o incio dos entendimentos

    formais sobre a fixao de limites entre os domnios coloniais dos Estados interessados.

    Assim, em Utrecht foram celebrados, em 1713 e 1715, dois acordos: o primeiro entre Portugal

    e Frana pelo qual esta desistia de suas pretenses, do Cabo Norte at o Amazonas e se

    fixando na fronteira do Oiapoc. O segundo entre Portugal e Espanha, pelo qual foi dado a

    Portugal o direito da posse sobre a Colnia do Sacramento na regio sul. Sobre este tratado,

    convm fazer duas observaes importantes. A primeira que o reconhecimento e a

    legitimao da expanso lusitana tornaram sem efeito, na prtica, o estipulado em

    Tordesilhas. A segunda que em Utrecht nada fora apontado acerca da fronteira oeste para

    onde convergiam ininterruptamente sertanistas de todos os recantos da colnia lusitana.

    A ocupao deliberada das reas do norte da Colnia tornou-se um dos primeiros

    problemas a serem resolvidos pelo governo de D. Jos I, que consistia em estabelecer relaes

    diplomticas com a Espanha a fim de evitar possveis confrontos blicos. Era necessrio

    delimitar as possesses sul-americanas em substituio ao traado imaginrio acordado

    anteriormente entre as duas Coroas, como observa Heloisa Liberalli Bellotto:

    31

    Moreira Neto, Carlos de Arajo. ndios da Amaznia: da maioria a minoria 1750 -1850. Petrpolis. Vozes.

    1988.

  • 15

    O problema geopoltico crucial na segunda metade do sculo XVIII no fosse a poca justamente aquela em que ambas as colonizaes chegaram ao limite mximo das suas

    dilataes, fazendo-se necessrio a definio de soberanias32.

    A reviso do Tratado de Tordesilhas tornara-se inevitvel, principalmente quando os

    portugueses avanaram sobre a Colnia do Sacramento, em 1680, colocando em xeque o

    domnio espanhol na rea, dando inicio a uma discrdia entre os Estados ibricos que se

    estendeu at 1750, e que propiciou as discusses para a confeco de um novo Tratado.

    2 O Tratado de Madri: a oficializao da posse territorial

    Durante o perodo inicial da colonizao portuguesa na Amrica - sculo XVI a

    ocupao deu-se em pontos isolados do litoral leste a fim de proceder ao reconhecimento e

    registro das provveis riquezas existentes. No sculo XVII, a ocupao tornou-se mais intensa

    atravs das aes das Bandeiras paulistas que rasgaram o Centro-Oeste da Colnia. Ao

    mesmo tempo, a presena religiosa no rio Amazonas e seus afluentes serviu tambm para

    atrair colonos aventureiros. Em finais do sculo XVII e primeira metade do XVIII, os

    movimentos de povoao no interior da Colnia j haviam se multiplicado. Os centros

    mineradores do Mato-Grosso e Cuiab intensificaram o avano ocupacional entre o norte e o

    sudeste da Colnia. De acordo com Synsio Sampaio Ges, devido crescente circulao de

    32

    Bellotto, Helosa Liberalli. O Estado portugus no Brasil: sistema administrativo e fiscal. In Silva, Maria

    Beatriz Nizza da. (coord.) O imprio luso-brasileiro 1750 1822. Lisboa. Editorial Estampa. 1986. pg 271.

  • 16

    diferentes grupos estrangeiros nas reas descobertas, a preocupao com a proteo dessas

    reas pelos portugueses fortaleceu-se. 33

    .

    No objetivo deste trabalho se aprofundar nas questes que foram determinantes

    para a materializao do Tratado de Madri, porm, para um melhor entendimento acerca dos

    desdobramentos que ocorreram aps a sua consolidao conveniente fazer algumas

    consideraes. Um detalhe importante que o acordo teria favorecido bastante as pretenses

    portuguesas, o que no deixa de ser verdade, como lembra Synsio Ges, em Madri, houve

    uma compensao pelo que ocorreu quando da partilha das terras do Oriente entre as mesmas

    Cortes. L, a Espanha foi responsvel pela legalizao da posse de regies que pertenceriam a

    Portugal como as ilhas Molucas e Filipinas. Para Sampaio, tratou-se de um acerto mundial de

    contas e que estava assentado no prprio texto do aludido Tratado, atravs do qual, Portugal

    alega a violao da linha de Tordesilhas na sia pela Espanha, enquanto a mesma declara que

    Portugal a violou na Amrica34

    .

    Outra caracterstica do Tratado a de sua curta durao (1750-1761), para as

    dimenses de um tipo de acordo que tem por objetivo fornecer solues permanentes para

    questes deste tipo. Entretanto, foi atravs deste Tratado que ocorreu a fixao das fronteiras

    territoriais do Estado do Brasil e que garantiu a legalizao da posse do Rio Grande do Sul,

    Mato Grosso e Amaznia, regies que estavam a Oeste da linha de Tordesilhas. Porm, o

    efeito mais significativo do Tratado foi o de garantir juridicamente essas reas aos

    portugueses. Neste contexto, foi de fundamental importncia a participao de Alexandre de

    Gusmo nas discusses sobre os pontos fundamentais do acordo formalizado entre as duas

    Cortes. Gusmo defendia a tese de que para garantir a soberania de D. Joo V era preciso

    defender a nova colnia americana e territrios circunvizinhos.

    possvel que a grande dificuldade existente, quando ocorreram as discusses sobre

    as possesses das duas Coroas ibricas, fosse a de defender perante aos espanhis, a

    legitimidade do avano portugus em terras consideradas espanholas e, para isto, Portugal

    contou com a inteligncia e habilidade de Alexandre de Gusmo na defesa do Tratado e no

    sentido de garantir a Coroa portuguesa enormes vantagens, como as revela Jaime Corteso:

    33

    Ges, Synsio Sampaio. Alexandre de Gusmo e o Tratado de Madri. In Revista Oceanos n. 40 outubro-

    dezembro 1999. pg. 45-66.

    34 Ges, Synsio Sampaio, op cit,pg. 47.

  • 17

    1 O equilbrio das soberanias portuguesa e espanhola, pela partilha das bacias

    do Amazonas e do Prata, atribuindo na sua maior parte a primeira a Portugal e a

    segunda Espanha;

    2 reservar soberania portuguesa o grande planalto central aurfero e

    diamantfero, corao da ilha-continente, e as suas vias fluviais de acesso;

    3 dar fundo competente ao Brasil austral para proteger a estrada mineira de

    Camapuan e assegurar s regies das Minas os recursos pecurios do Rio Grande do

    Sul;

    4 arredondar e segurar o pas, ou seja, realizar a ilha-continente e dar-lhe

    viabilidade orgnica;

    5 finalmente, estabilisar a soberania dando-lhe uma nova sano jurdica a

    do uti possidetis35.

    Os benefcios que Portugal obteve com o Tratado foram to evidentes que Alexandre

    de Gusmo, em seu relato, pede a Deus que os espanhis no percebam o quo favorecido

    foi36

    . Conforme Mauro Cezar Coelho, o Tratado de Madri imps uma nova agenda

    administrao portuguesa em relao as suas colnias na Amrica, promovendo um conjunto

    de transformaes que modificaram profundamente a sociedade colonial do vale amaznico: o

    redimensionamento do poder dos missionrios, e a intensificao da explorao dos recursos

    naturais com vistas a inserir, ainda mais, a regio no mercado internacional37

    .

    35

    Jaime Corteso, segunda conferncia sobre Alexandre de Gusmo e o Tratado de 1750. Apud. Reis, Arthur

    Cezar Ferreira, Limites e Demarcaes na Amaznia Brasileira. 2 ed. V. 2 Coleo Lendo o Par, SECULT.

    1993. pg 60.

    36 dem, Pg 129 e ss.

    37 Coelho, Mauro Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da

    colnia: o caso do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e cincias humanas. USP. Tese de doutorado, pg. 95. 2005.

  • 18

    Extrado de Meira Matos. Uma geo - poltica pan amaznica. R.J. Jos Olympio. 1980.

    O Tratado de Madri, um estatuto diplomtico que intermediou a disputa pela

    repartio das possesses americanas entre Portugal e Espanha, deixou como legado um

    espao fsico no qual se assentaria o Estado do Brasil. Este Tratado que compeliu as duas

    Coroas a concentrarem sua ateno na defesa das fronteiras, veio retificar o que no mais era

    possvel ser respeitado pelo Tratado de Tordesilhas. Foi uma conseqncia do contnuo

    progresso realizado pelas expedies de expanso que garantiram Portugal grandes reas,

    muito alm das definidas no acordo anterior, prolongando suas fronteiras sobre as ocupaes

  • 19

    espanholas. Tanto portugueses quanto espanhis reconheceram neste documento terem

    violado a linha de Tordesilhas. Desta forma, Madri reconhece legitimamente o Estado do

    Brasil como possesso portuguesa, conforme as palavras de Arthur Reis:

    O Brasil reconhecido pela Espanha era o Brasil realizado geograficamente pelos bandeirantes paulistas, pelos sertanistas do norte, pelos religiosos a servio do Estado, pelos

    contingentes militares que haviam ocupado as reas interiores distantes do litoral do primeiro

    sculo do domnio38.

    Uma conseqncia poltica importante deste acordo foi o de tornar visveis os

    princpios bsicos que nortearam a ocupao da Amaznia, definindo os limites territoriais

    das duas Coroas que recorreram ao princpio do uti possidetis, - garantia da posse atravs da

    ocupao com um detalhe: os portugueses utilizaram o ndio como povoador, j que a

    administrao colonial logo percebeu a dependncia que teria dos mesmos para a defesa do

    territrio e, concomitantemente, tornar a apropriao legtima sobre a rea em litgio. Como

    resultado, a Metrpole teve que reorientar sua poltica para com as colnias do Norte, lugar

    em que os ganhos portugueses foram maiores que no Sul, da a importncia de promover o

    desenvolvimento econmico e social da Amaznia que foi iniciado com a criao da

    Companhia Geral do Gro-Par e Maranho (1755-1778) 39

    .

    Embora o norte da Amrica portuguesa j fizesse parte do conhecimento lusitano,

    desde o sculo XVII, o interesse pela regio vai se intensificar a partir de 1750. Cabe lembrar

    que o contexto que propiciou o ingresso das colnias do Norte neste cenrio era desfavorvel

    Portugal, pois, durante a primeira metade do sculo XVIII, o mesmo estava envolvido em

    um clima de tenso juntamente com Frana e Inglaterra, por um lado, sendo esta ltima sua

    aliada e por outro os franceses que tinham os espanhis como aliados na luta pela hegemonia

    do comrcio no Atlntico. Eram questes que refletiam na Amrica portuguesa e que tiveram

    como resultante a definio dos limites territoriais entre portugueses e espanhis. Todavia, um

    dos primeiros problemas a serem resolvidos sob o governo de D. Jos I em relao ocupao

    38

    Reis, Arthur Cezar Ferreira. Histria do Amazonas. 2 ed. B.H. Itatiaia. Manaus S.C.A. SUFRAMA, 1982. pg.

    38.

    39 Companhia monopolista de comrcio, com o objetivo de estimular o desenvolvimento econmico no Norte da

    colnia, atravs da introduo de produtos e escravos, e diversificar as exportaes do Maranho. Perdeu seu

    privilgio de monoplio depois da queda do Marqus de Pombal. In. Silva, Maria Beatriz Nizza da. (Coord).

    Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.

  • 20

    das reas do norte da Colnia, seria a questo da manuteno do territrio atravs da

    organizao de sua defesa.

    Para viabilizar a proteo da regio, a aproximao com os grupos indgenas era de

    fundamental importncia, pois, eles, os ndios, deveriam ser utilizados como elementos de

    defesa e manuteno do territrio alm de substituir o escravo africano. At porque, os custos

    para aquisio desses escravos eram bastante altos. Auxiliando os portugueses nas guerras

    contra outros estrangeiros e na captura de ndios de tribos inimigas, tanto dos portugueses

    quanto dos prprios ndios, esta dupla funo do ndio, aliado e escravo, gerou diferentes

    atitudes por parte dos administradores metropolitanos. possvel observar essas diferenas

    atravs das palavras de Mauro Cezar Coelho, dizendo que durante longo espao de tempo,

    ...assistiu-se a convivncia de duas posturas polticas em relao ao ndio. Uma que sustentava a represso ao ndio como garantia de mo de obra; e outra que defendia sua

    preservao como necessria a defesa e ocupao do vale40.

    Conduzidos pelos propsitos iniciais, de povoar e desenvolver a atividade econmica,

    os portugueses viram-se diante de uma questo crucial: a necessidade de integrar colonos e

    ndios. bem verdade que o Marqus de Pombal, ao por em prtica o povoamento, defrontou-

    se com um problema de soluo conflituosa, qual seja, o controle da maior parte da populao

    indgena aldeada pelos missionrios, condio esta incompatvel com os objetivos do plano.

    Para sua concretizao seria de fundamental importncia que os Jesutas perdessem o governo

    que exerciam sobre as populaes indgenas aldeadas41

    . Para executar o plano de ocupao, o

    Marqus de Pombal nomeou, em 1751, Francisco Xavier de Mendona Furtado, seu irmo,

    para governador do recm criado Estado do Gro-Par e Maranho e transferindo a

    administrao de So Luiz para Belm42

    .

    40

    Coelho, Mauro Cezar, op cit. pg. 96

    41 Existia uma contradio entre os interesses da Metrpole e os dos missionrios. Se por um lado, a necessidade

    de fortalecer o poder real e a racionalizao da administrao colonial, a consolidao da soberania portuguesa

    nas reas conquistadas alm de Tordesilhas e a aliana e controle da populao indgena significava ter o

    controle do territrio. Por outro, com o aumento das atividades extrativas para o comrcio, cada vez mais os

    missionrios aumentavam o controle sobre a populao indgena concentrando grande parte desse contingente na

    lavoura extrativa, nas roas e na criao.

    42 O Estado do Gro-Par e Maranho foi criado em 1751como desdobramento do Tratado de Madri, pois, pelo

    tamanho da regio, era preciso ter uma administrao mais prxima das reas do norte amaznico, inclusive para

    suprir o trabalho das Comisses Demarcatrias de Limites. Alm disso, a supremacia econmica com a extrao

    de drogas do serto, pela colnia paraense e a nomeao de Mendona Furtado para o governo do Estado, foram

    fundamentais para a transferncia do governo para a capital paraense. O Estado compreendia as capitanias do

  • 21

    Ao assumir o governo, Mendona Furtado, em sua primeira correspondncia com

    Pombal datada de novembro de 1751, j observava a integrao entre brancos e ndios e, ao

    mesmo tempo, alertava ao irmo da necessidade de tornar mais firme sua ao contra os

    jesutas:

    ...tem o sistema presente produzido to contrrios efeitos, que com grande mgoa assento e provo que no s se no tem convertido o gentio da terra , mas que contrariamente,

    muitos cristos tem no s tomado os costumes do gentio, mas ainda tem seguido os seus ritos,

    sendo maior lstima que at tenham entrado neste nmero muitos eclesisticos. 43

    .

    Suas consideraes acerca das atividades irregulares dos jesutas no param por a.

    Informa ainda que os mesmos apanhavam os ndios nas aldeias e lhes ensinavam uma gria

    chamada lngua geral, que s era nas aldeias, servindo apenas para entendimento dos

    grupos indgenas. Furtado compara essas aes com o que estava determinado pelo

    Regimento das Misses, que dava poder absoluto aos jesutas sobre os ndios, se colocando

    frontalmente contra a autoridade dos padres da Companhia44

    . Para Mendona Furtado, os atos

    praticados pelos religiosos, soldados e colonos contra os gentios, eram to nocivos que se

    constituam na razo da runa do Estado, que se apresentava como um espao de muitos

    recursos naturais e escassos recursos humanos45

    . Assim, possvel detectar que as

    experincias anteriores de Mendona Furtado com os Jesutas, resultaram em um sentimento

    de hostilidade, aumentado quando participou nos trabalhos das Comisses Demarcadoras ao

    norte da Colnia. Alm do que, a poltica Real, tinha por princpio racionalizar a

    administrao colonial e as Misses seriam um obstculo a ser ultrapassado46

    .

    Maranho, Par e Cear e pela facilidade de comunicao era subordinado diretamente a Metrpole. In. Silva,

    Maria Beatriz Nizza da. (Coord). Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no Brasil, C.N.P.C.D.P. ed.

    verbo 1994.

    43 Seguindo instrues rgias, Mendona Furtado faz um panorama da regio tratando dos limites e da extenso

    do Estado do Gro-Par e Maranho; do Regimento das Misses; das comunidades religiosas ali existentes; e das

    relaes entre missionrios da Companhia de Jesus com os ndios; com os colonos e com o prprio Estado. In.

    Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, carta 1 pg 63. Correspondncia

    indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e Maranho. Francisco Xavier de Mendona

    Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.

    44 Idem Pg. 63

    45 Coelho, Mauro Cezar. op. cit. pg. 116.

    46 Mendona Furtado conheceu as prticas jesuticas no perodo em que era oficial da Marinha, quando

    ocorreram os conflitos entre portugueses e espanhis pela posse da Colnia do Sacramento em 1736. Neste

    conflito, os jesutas espanhis tiveram uma participao direta influenciando os ndios guaranis na resistncia,

    para no devolver as reas ocupadas naquela regio. A expanso econmica portuguesa atravs da criao de

    gado intensificou a produo e comercio do couro, alem do aumento do contrabando. Por outro lado, o

  • 22

    As acusaes contra os missionrios enfatizavam que eles detinham o monoplio da

    mo-de-obra aldeada e no necessitavam de licena para utilizar os ndios no servio de

    coleta, condio exigida aos colonos, alm de serem isentos da pesada taxao qual estavam

    obrigados os colonos47

    . Em correspondncia ao irmo, Furtado denuncia a prtica corrosiva

    dos missionrios para com o Estado e que no enxerga neles nenhum sinal de cristandade,

    uma vez que, a religio tornara-se apenas um pretexto para usufrurem de seus benefcios:

    ...Os Capuchos que no nosso Portugal conservam aquelas aparncias de penitentes,

    aqui mudam completamente: vejo-os com botas, espingardas e pistolas utilizam o pesqueiro

    real para venderem peixe a preos exorbitantes durante a carncia. O das Mercs tem aougue

    pblico, os do Carmo fazem comrcio com os Castelhanos... 48

    Mendona Furtado conclui suas acusaes dizendo que, aps os missionrios terem

    obtido poder absoluto, tudo se arruinou e se reduziu a nada porque o comrcio que se

    restringira s Ordens Religiosas servia apenas para enriquecer aqueles homens.

    O cumprimento das instrues recebidas49

    daria subsdios para que Francisco Xavier

    de Mendona Furtado chegasse a algumas concluses definitivas acerca da regio que ento

    governava. Mendona Furtado colheu informaes de homens experientes e profundos

    conhecedores do serto amaznico, que o levou a deduzir que os espanhis estavam

    avanando em territrio pertencente a Portugal, pelo fato de ter se deparado com a fluncia da

    lngua espanhola entre os ndios da regio das minas. E mais, observava que os ditos ndios

    possuam muito mais liberdade que os nossos50. Dentre suas concluses, Mendona Furtado

    sugeria Coroa o povoamento das reas do Mato Grosso, visando garantir a segurana das

    minas, alm do que, obteve notcias de comrcio entre ndios e espanhis, e ao mesmo tempo

    crescimento populacional naquela regio provocou a abertura de caminhos por onde comearam a passar

    milhares de cabeas de gado, ampliando a expanso portuguesa causando a reao espanhola que levou a guerra

    do prata (1735-1737). In Nizza da Silva, Beatriz. (Coord). Dicionrio da Histria da Colonizao Portuguesa no

    Brasil, C.N.P.C.D.P. ed. verbo 1994.

    47 Farage, Ndia. As muralhas dos sertes: os povos indgenas do Rio Branco e a colonizao. Dissertao de

    Mestrado, Instituto de filosofia Cincias Humanas e Letras da Universidade Estadual de Campinas. Campinas.

    1986.

    48 Carta de Mendona Furtado para o Marqus de Pombal. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na

    Era Pombalina 1 Tomo. Correspondncia indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e

    Maranho. Francisco Xavier de Mendona Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.

    Pg. 144-145.

    49 Instrues Rgias pblicas e secretas para Francisco Xavier de Mendona Furtado, capito general do Estado

    do Gro-Par e Maranho. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo. pg. 26

    50 Reis, Arthur Cezar Ferreira, op. Cit. pg 160.

  • 23

    se prevenir de uma provvel invaso espanhola naquela rea51

    . Como exemplo, sugere em

    correspondncia ao Rei datada de 1751, a criao de povoaes no rio Tacutu52

    .

    Focado em seu projeto, Pombal nomeou seu irmo Francisco Xavier de Mendona

    Furtado (Governador do Estado do Gro-Par) em 1753, primeiro comissrio para tratar

    juntamente com o representante espanhol da questo demarcatria de limites. Ao mesmo

    tempo, encarregado de destruir politicamente os missionrios, posto que, as misses no mais

    se enquadravam no projeto de reformas, a despeito de terem sido os missionrios responsveis

    pela ampliao das fronteiras lusitanas atravs da instalao de misses. Porm, essas misses

    precisavam ser substitudas por ncleos de povoamento que protegessem a regio e

    desenvolvessem a agricultura53

    , alm de exercer uma ao sobre os ndios com a finalidade

    de modificar valores e comportamentos, os quais foram introduzidos pela colonizao atravs

    das aes missionrias.

    Com a definio dos limites portugueses e espanhis assentados juridicamente no

    Tratado de Madri, Mendona Furtado, o representante portugus para o servio de

    demarcaes, seguiu disciplinadamente a poltica planejada pelo irmo deslocando-se ao rio

    Negro, mais precisamente para a aldeia de Mariu54

    . Ali, Francisco Xavier Furtado aplicaria a

    segunda parte de seu plano, que era a de potencializar a explorao atravs do povoamento e a

    urbanizao da Colnia, metas perseguidas durante o governo do Marqus de Pombal. A

    substituio das aldeias por vilas, retirando delas a administrao dos jesutas, alm de

    potencializar a autoridade da Coroa solucionaria o problema indgena, tanto no norte quanto

    no sul da Amrica portuguesa. A criao de vilas teve tambm uma funo importante, fez

    diminuir a fora dos donos de terras nos sertes e promoveu um maior controle poltico e

    administrativo pelas autoridades portuguesas ali instaladas.

    51

    Reis, Arthur Cezar Ferreira, op. Cit. pg. 160 e ss.

    52 Local em que foi construda a fortaleza de S. Joaquim com o objetivo de barrar a entrada de holandeses pelo

    Orinoco, que vinham negociar com os ndios daquela regio e resgatar escravos. In Mendona, Marcos Carneiro

    de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, 1963 pg. 114.

    53 Almeida, Maria Regina Celestino de. Os vassalos Del Rey nos confins da Amaznia a colonizao da

    Amaznia Ocidental 1750 1798 pg 63 85. In Anais da Biblioteca Nacional vol. 112, R. J. 1992.

    54 A viagem de Mendona Furtado de Belm a Mariu em 1754, serviu para uma tomada de conscincia da

    salvaguarda da terra e defesa do processo colonizador no Norte da Colnia, fazendo observaes importantes

    sobre a ao dos religiosos, o estado ds fortificaes e a falta de povoamento na regio. A aldeia de Mariu

    (futura Barcelos) seria o local onde se reuniria o comissariado portugus e espanhol, para as conferencias de

    demarcao das fronteiras e para tanto era necessrio adequar o local para o evento. Mendona Furtado, nos dois

    anos de estadia, promoveu grandes modificaes estruturais naquela aldeia, como veremos no captulo III.

  • 24

    Entre 1755 e 1759, Mendona Furtado implementou na Amaznia, na Capitania do

    Par, cerca de 60 vilas e lugares; nmero considervel para um curto espao de tempo55

    . A

    transformao das aldeias em vilas e lugares como locais de residncias de ndios e colonos

    provocou grandes modificaes na distribuio da populao. Colonos e ndios deveriam se

    estabelecer no mesmo espao geogrfico, integrando-se no universo colonial. As vilas e

    lugares seguiam aos propsitos de povoamento, de irradiao da cultura portuguesa e de

    ordenao de ndios e colonos segundo os ditames metropolitanos56

    . Uma conseqncia

    importante, na viso de ngela Domingues, desta nova situao que esses ncleos urbanos

    surgiam como locais adequados para destribalizar e aculturar ndios, to eficaz como a

    miscigenao na adoo dos hbitos luso-brasileiros57. Esses novos ncleos urbanos

    deveriam refletir o modelo de urbanizao do Reino, adaptado realidade amaznica,

    tornando-se tambm uma forma eficiente da Coroa avaliar o nvel de seu controle nesses

    centros urbanos.

    55

    Arajo, Renata Malcher de. As cidades da Amaznia no sculo XVIII: Belm Macap e Mazago, srie I.

    ensaios dissertao de mestrado, FCSH. UNL. 1992. pg.17

    56 Arajo, Renata Malcher de. A razo na selva: pombal e a reforma urbana da Amaznia. In Coelho, Mauro

    Cezar. Do serto para o mar: um estudo sobre a experincia portuguesa na Amrica, a partir da colnia: o caso

    do diretrio dos ndios 1750 1798. Fac. Fil. Letras e cincias humanas. USP. Tese de doutorado . 2005 pg. 198.

    57 Domingues, ngela. Quando os ndios eram vassalos. Colonizao e relaes de poder no Norte do Brasil na

    segunda metade do sculo XVIII. Lisboa. C.N.P.C.D.P. 2000. preciso frisar que as noes de destribalizao e

    aculturao contidas nesta passagem da autora, so ferramentas que j no garantem segurana na compreenso

    do universo histrico colonial. A ampliao do conceito de resistncia, celebrada pela historiografia recente,

    garante-nos esta compreenso. Para aprofundamento nesta discusso, ver: Almeida, Maria Regina Celestino de.

    Metamorfoses indgenas: Identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro: Arquivo Nacional. 2003.

    Perrone-Moiss, Beatriz. ndios livres e ndios escravos: os princpios da legislao indigenista do perodo

    colonial (sculos XVI a XVIII). In: Cunha, Manuela Carneiro da. Histria dos ndios no Brasil. S. Paulo:

    Companhia das Letras. Secretaria Municipal de Cultura; FAPESP. 1992. pg. 115-132. Sampaio, Patrcia Maria

    Melo. Espelhos Partidos: etnia, legislao e desigualdade na colnia. Sertes do Gro-Par. c. 1755 c. 1823. Tese de doutorado. Niteri: Universidade Federal Fluminense, 2001.

  • 25

    3 Estratgias de defesa:

    3.1 As fortificaes

    O problema da defesa dos domnios territoriais j era motivo de preocupao do

    governo portugus antes do Gabinete Pombal por em prtica as aes de ocupao58

    , levado

    pelo fato de que a Colnia estava em expanso e valorizao, principalmente ao final do

    sculo XVII com a descoberta das minas de ouro em Mato Grosso. A freqncia de

    exploradores naquela regio aumentara, utilizando os caminhos abertos pelos bandeirantes

    paulistas e pelas expedies militares. Nas palavras de Jussara Derenji da Silveira, a rota

    Mato Grosso - Par assumiu extrema importncia para o transporte do ouro, porque percorria

    um trajeto mais seguro atravs dos rios Guapor e Madeira at o seu destino, a metrpole

    portuguesa. Esta rota exigiu a ampliao do espao ocupado e a criao de estabelecimentos

    fortificados naquela regio, juntamente com a instalao de novos ncleos de povoamento,

    iniciado pelas misses religiosas, para proteger a entrada do rio Madeira59

    .

    Os colonizadores portugueses buscaram utilizar todo o potencial da terra, inclusive

    seus habitantes, a fim de procederem ocupao fsica do espao, e integr-lo sua rea de

    soberania. No entender de ngela Domingues, esta forma de ocupao, est relacionada com

    as prioridades ocupao, povoamento, defesa e desenvolvimento econmico que

    norteavam a fixao luso-brasileira no Norte, regio onde a interveno portuguesa foi mais

    sentida60

    . As comunicaes entre a regio amaznica e a mato-grossense estavam proibidas

    por D. Joo V, que, abertas, poderiam levar a um possvel despovoamento do Gro-Par e

    58

    Instrues dadas pela rainha D. Mariana Dustria, mulher de D. Joo V, ao governador da nova capitania do Mato Grosso, D. Antonio Rolim de Moura. Nestas instrues, a rainha mostra preocupao com a vigilncia no

    Mato Grosso por causa da vizinhana que tem e determinando que ali se estabelecesse o governo, solicitando o

    possvel para facilitar a navegao no Guapor, bem como as comunicaes entre Mato Grosso e Par como

    forma de evitar ou intimidar os espanhis. E por ser uma rea fronteiria com o Peru, ordena a fundao de uma

    vila (Vila Bela) que seja defensvel e vizinha a algum rio navegvel, alm de garantir a segurana militar dos

    moradores que para ali fossem. In. Mendona, Marcos Carneiro de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, pg.

    16, Correspondncia indita do Governador e Capito General do Estado do Gro-Par e Maranho. Francisco

    Xavier de Mendona Furtado, 1751-1759. Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro 1963.

    59 Derenji, Jussara da Silveira, As cidades da rede de defesa interna da Amaznia. bidos, Santarm e Manaus.

    In Actas do Colquio Internacional Universo Urbanstico Portugus 1415-1822 Coord. Renata Arajo, Hlder

    Carita e Walter Rossa. C. N.P.C.D.P. 2001.

    60 Domingues, ngela. Quando os ndios eram vassalos. Colonizao e relaes de poder no Norte do Brasil na

    segunda metade do sculo XVIII. Lisboa. C.N.P.C.D.P. 2000. pg.78-79.

  • 26

    Maranho, alm das armadilhas que as cachoeiras do rio Madeira armavam aos desbravadores

    afetariam tambm o contingente populacional. Entretanto, havia outro obstculo natural, o

    perigo das febres, que era maior e mais temido que as prprias cachoeiras. Por fim, o rio

    Madeira era um trecho estratgico, de fronteira, e suas guas eram percorridas constantemente

    por sertanistas mato-grossenses, mas tambm por jesutas espanhis, apesar das ordens reais

    proibirem sua utilizao61

    .

    Em correspondncia datada de 1748 enviada pelo Secretrio de Estado, Marco

    Antonio Azevedo Coutinho a Francisco Pedro de Mendona Gurjo (Governador do Estado

    do Maranho e Gro-Par), relata o perigo em no utilizar e povoar o caminho do Mato

    Grosso via rio Amazonas, pelo fato de o rio que desemboca no Amazonas com o nome de

    Madeira, ser o mesmo que passa pelas misses espanholas com o nome de Moxo, em cujo

    leito os jesutas castelhanos, incomodados com a presena macia de sertanistas do Mato

    Grosso, criaram a misso de Santa Rosa62

    . Tinham por inteno apropriar-se da regio e,

    posteriormente, com a possibilidade de descobrirem minas de ouro, proibir a navegao no

    mesmo rio. Entretanto, tornava-se necessrio estabelecer condies de manuteno das

    comunicaes entre a Capitania do Mato Grosso e Gro-Par e Maranho pela via fluvial, que

    foi efetivada pela ao de Mendona Furtado63

    .

    A preocupao do Secretrio, em relao abertura e ao controle da navegao nos

    rios do Mato-Grosso, foi compartilhada mais tarde pelo governo de D. Jos que, juntamente

    com o Marqus de Pombal, perceberam a necessidade de liberar a navegao nos rios

    Guapor e Madeira. D. Jos tambm levou em considerao as impresses passadas por

    Mendona Furtado, em que alertava Sua Majestade para o problema que viria causar a

    manuteno daquela proibio, juntamente com o mapeamento feito pela primeira turma da

    Comisso Demarcadora de Limites que levantou a carta do Madeira64

    . Desde ento, foram

    61

    Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In

    Revista do I.H.G.B. vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962

    62Apud, Reis, Arthur Cezar Ferreira, Limites e Demarcaes na Amaznia Brasileira. 2ed. V. 2 . pg 113. Coleo

    Lendo o Par, SECULT. 1993.

    63 O caminho do Mato Grosso via rios Amazonas, Madeira e Guapor, comeava em Belm e terminava em Vila

    Bela, capital da Capitania de Mato Grosso (ver mapa na pgina seguinte) sendo um percurso seguro e mais

    rpido para o transporte do ouro das regies aurferas de Mato Grosso e Cuiab, e da para a Metrpole, diferente

    do caminho anterior onde as expedies partiam do Rio de Janeiro indo So Paulo para da subir o rio Tiet

    at o rio Paran para encontrar o rio Paraguai que os levaria at Cuiab. Alm de levar meses, a viagem era

    repleta de perigos desde as grandes cachoeiras at pelas ameaas de ataque dos ndios Paiagus, aliados dos

    espanhis. Mendona, Marcos Carneiro de. Op cit. pg. 3-5. 1962.

    64Apud, Reis, Arthur Cezar Ferreira. Op cit. 1993. pg. 68.

  • 27

    implementadas vrias e importantes leis para aquela regio, que refletiam a preocupao em

    reforar as fronteiras da regio mato-grossense as quais era preciso garantir65

    .

    Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In Revista do

    I.H.G.B. vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962

    A poltica de preservao territorial fomentada pelo Tratado de Madri proporcionou

    uma nova estratgia de colonizao para o norte da Colnia, atravs da presena efetiva da

    metrpole portuguesa. Neste sentido, o papel desempenhado por Mendona Furtado foi

    importante para dissipar a preocupao da autoridade real sobre os provveis prejuzos que a

    65

    Mendona, Marcos Carneiro de. Op. cit. 1 Tomo, 1963. Carta 42, pgs. 359, 382, 404.

  • 28

    abertura das comunicaes entre o Mato Grosso e o Par viesse causar66

    . Mendona Furtado

    convenceu Sua Majestade de que a presena portuguesa ao longo daquele caminho era

    necessria para conter os espanhis e, ao mesmo tempo, impor a autoridade portuguesa.

    Furtado argumentava que, mesmo no ocupando as vias dessa comunicao como conteno

    de despesas para a Coroa, seria inevitvel que se fortalecesse o Par com grande cuidado. Na

    viso de Francisco Xavier de Mendona Furtado, pela extenso e localizao estratgica, a

    costa paraense tornar-se-ia uma porta de entrada para os estrangeiros atingirem a regio do

    Mato-Grosso, alm do que ...se os espanhis quiserem invadir por esta parte e acham a

    cidade sem fortificao como est, e o caminho livre, no h mais do que entrar sem risco

    nenhum embarcar nas canoas e ir logo fazendo viagem rio acima67.

    A metrpole portuguesa, preocupada cada vez mais com as fronteiras do norte da

    Amaznia portuguesa, intensificou o processo de ocupao e povoamento criando novas

    aldeias juntamente com as construes de fortalezas. Recomendando constantemente aos

    governadores, o reparo e conservao das j existentes68

    , cujo objetivo em um primeiro

    momento era o de combater ndios e estrangeiros, uma vez que, antes do estabelecimento das

    fortificaes portuguesas na Amaznia, j existiam feitorias e postos fortificados holandeses

    que precisavam ser reprimidos. Porm, nem todas as fortalezas possuam estrutura slida o

    suficiente para vencer o tempo e, em alguns casos com o movimento de subida dos rios, essas

    fortalezas eram facilmente destrudas pela fora das guas. Somente com a descoberta e os

    caminhos do ouro que as fortificaes tornaram-se determinantes para a posse e defesa do

    territrio69

    .

    Arthur Vianna, em seu trabalho sobre as fortificaes na Amaznia, faz um

    mapeamento das mesmas, tanto s portuguesas quanto as holandesas e francesas, lembrando

    que, por razes naturais e/ou de conflitos blicos algumas desapareceram e outras se

    66

    O 30 das Instrues Rgias, recomendava a proibio total das comunicaes entre o Gro-Par e o Mato

    Grosso, e manter o controle total sobre os moradores para evitar o contrabando. In Mendona, Marcos Carneiro

    de. A Amaznia na Era Pombalina 1 Tomo, pg. 26. 1963.

    67 Mendona, Marcos Carneiro de. O caminho de Mato Grosso e as fortificaes pombalinas da Amaznia. In

    Revista do I.H.G.B. pg. 13, vol. 251. Abril-Junho. Departamento de Imprensa Nacional. 1962

    68 Em carta do rei D.Joo V. ao Governador do Estado do Maranho, Alexandre de Souza Freire, ordena que se

    reparem as fortificaes tanto de S. Luiz quanto a de Belm, se iniciando pelas que forem mais necessrias para

    a defensa delas, e que se construa na cidade do Par uma casa para plvora, ficando entendido que suspenda-se

    qualquer remessa desta at a concluso do referido depsito. Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As

    fortificaes do Par. In Annaes da Biblioteca e Archivo Pblico do Par. Tomo Quarto pg. 55- 58 1905.

    69 Derenji, Jussara. As cidades da rede de defesa interna. In Actas do Colquio Internacional Universo

    Urbanstico Portugus 1415-1822. C.N.P.C.D.P. Coord. Renata Arajo, Hlder Carita e Walter Rossa. Lisboa,

    2001.

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    mantiveram. Mas o fato dos holandeses possurem postos fortificados na margem esquerda do

    Amazonas entre o Jary e Macap regio denominada de Tucujus que os portugueses

    almejavam e a criao de mais um em 1615 na margem direita do mesmo rio denominado

    de Gurup, eram fontes de preocupaes portuguesas, o suficiente para que, em 1616,

    Francisco Caldeira Castelo Branco erguesse o forte do Prespio, que favoreceria proteo

    segura e permitiria uma resistncia eficiente contra ataque dos ndios, alm de facilitar a

    Bento Maciel Parente a destruio completa dos fortes pertencentes aos holandeses70

    .

    Desde os momentos iniciais da colonizao lusa no vale amaznico, ficou claro que a

    ocupao do territrio era uma das prioridades da poltica colonial portuguesa, bem como o

    trabalho de pacificao dos povos indgenas a fim de tornar-los teis Coroa e tambm em

    funo da escassez populacional (colonizadores) nesta parte da Amrica portuguesa, com

    amplos vazios demogrficos, fato que a tornava vulnervel e passvel de uma ameaa

    soberania portuguesa, pelo fato da possesso fazer fronteira com setores pertencentes

    Frana, Espanha, Holanda e Inglaterra. Para evitar uma situao desfavorvel Portugal, a

    Coroa incentivou a imigrao concedendo facilidades para a fixao de colonos tanto no norte

    quanto no sul da Colnia. Porm nem a imigrao, tampouco a importao de escravos, foi

    suficiente para suprir as necessidades Rgias de guarnecer aquelas fronteiras71

    .

    A maneira encontrada pelos portugueses para defender seus domnios foi atravs da

    construo de fortificaes onde as mesmas simbolizavam a conquista e a posse. Alm do

    mais foram utilizadas para apoiar os enfrentamentos contra holandeses e ingleses que se

    encontravam estabelecidos na regio quando da chegada dos portugueses. Em seu trabalho de

    registro das fortificaes, Arthur Vianna indica a presena dos fortes holandeses desde 1610,

    na margem esquerda do Amazonas na regio dos Tucujus para defesa contra tribos indgenas.

    Em 1615, os mesmos holandeses, ocupavam a margem direita do rio Amazonas, no lugar

    denominado de Mariocay, com a funo de defesa e explorao de riquezas. Em 1626, os

    holandeses perderam a margem direita do rio Amazonas para os portugueses que fundaram o

    Forte do Gurup, no mesmo local das fortificaes holandesas, e funcionava como base de

    operaes de ataque e defesa contra estrangeiros72

    .

    70

    Vianna, Arthur. As fortificaes da Amaznia I As fortificaes do Par. In Annaes da Bibliotecha e Archivo Pblico do Par. Tomo quarto. 1905. Pg. 229-232.

    71 Couto, Jorge. O Brasil pombalino, In. Cames Revista de Letras e Culturas Lusfonas, nr. 15/16 Jan/Jul,

    2003. Pg. 53-74. 72

    Vianna, Arthur. Op. Cit. pg. 230-232.

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    Pelas palavras de Arthur Vianna, o forte do Gurup, no dispunha de muitos cuidados

    por parte dos governadores devido a sua inutilidade estratgica. Porm, teve como funo

    evitar o contrabando de produtos naturais e escravos. O referido forte servia tambm para

    auxiliar as obras de construo da fortaleza de Macap, com o envio de vveres para aquela

    praa. Em 1639, foi criada a Vila de Gurup, um pequeno povoado. Com o passar do tempo,

    as fortificaes facilitaram a continuao do plano portugus de povoamento, pois,

    comearam a se desenvolver ao seu redor, ncleos de povoamento que seriam os primeiros

    marcos de criao das futuras vilas que viriam a surgir. A importncia dos fortes para o

    povoamento da regio foi mais eficaz do que para a defesa, refletindo a clara inteno

    portuguesa de se estabelecer na regio de uma forma mais duradoura, atravs do assentamento

    de ncleos populacionais.

    Projeto da Fortaleza de Gurup e sua povoao. In. Marcos C. Mendona. Tomo II. Pg 618-b

    Para Arthur Reis, Fortins como o de So Gabriel da Cachoeira, So Jos das

    Marabitanas, So Joaquim e So Francisco Xavier de Tabatinga, ofereciam pouca ou quase

    nenhuma eficincia no combate a estrangeiros, que desciam ou subiam os rios Negro,

    Solimes e Branco. Em alguns casos, como o Forte de Tabatinga, reduziu-se a um posto fiscal

    de identificao de estrangeiros que atravessavam a fronteira. Somente as vsperas da

    repblica que comeou a sofrer as primeiras intervenes no sentido de torn-lo mais

    eficiente. Mesmo a Casa Forte de So Jos do Rio Negro, foi levantada com a funo de

    servir de posto de abastecimento para as expedies que subiam o rio Negro em direo as

  • 31

    fronteiras. Porm, em 1719, j no atendia mais aos interesses de soberania da metrpole

    portuguesa, pois, a mesma, no conseguia impedir a entrada de estrangeiros no Solimes73

    .

    A criao da Capitania de So Jose do Rio Negro em 1755 foi resultado das resolues

    tomadas no Tratado de Madri, que apontava para a proteo das fronteiras amaznicas. Tanto

    que o local pensado para sua capital, a principio foi a aldeia de So Jos do Javari, nas

    fronteiras da Amaznia peruana. Porm, por questes de acessibilidade e proteo interna, a