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A Contribuição Britânica para Transparência Governamental e a Cooperação com o Brasil

Sílvio Martins de Freitas Aquino

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A Contribuição Britânica para Transparência Governamental e a Cooperação com o Brasil1

Sílvio Martins de Freitas Aquino2

Resumo

O Reino Unido hoje se posiciona como um dos países líderes da agenda de

transparência governamental. A transparência leva à responsabilização do

governo e a percepção dos contribuintes como cidadãos, catalisando um

governo responsável e eficiente, que atua de forma gerencial. O país prima pela

eficiência no serviço público com um modo de disseminação de informação que

é considerado benchmark internacional. Isso proporcionou ao país liderar

discussões internacionais na promoção da transparência, como o Open

Government Partnership, onde Brasil e Reino Unido são parceiros. O governo

estimula a abertura de dados nos diversos setores e estes dados, além de

disponibilizados, são gerenciados de maneira que a informação promova

significado. Exemplo disto é o data.gov.uk, website britânico que compila

diversos dados públicos de forma gerenciada e são providas como fonte de

informação para empresas e cidadãos. A aproximação Brasil – Reino Unido

cresce na área de transparência, onde já temos uma história de sucesso a ser

contada. Exemplo disso são os diversos projetos de cooperação viabilizados

dentro do Prosperity Fund, dentre eles o que agora está se realizando com o

Estado de São Paulo.

1 As opiniões apresentadas aqui a partir de interpretações no texto não podem ser consideradas posição oficial do governo britânico sobre o assunto. 2 Agradecimento especial à Eleanor Stewart, Chefe do Departamento de Transparência do FCO, que me proveu informações valiosas para a construção do texto, sem as quais não seria possível a conclusão do trabalho.

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1. Introdução

Transparência governamental atualmente é assunto prioritário nas

agendas públicas, tanto do viés político quanto administrativo. A posição do

governo na esfera pública tem tomado diferentes formas e evoluído

progressivamente, sobretudo nos últimos 30 anos para um paradigma gerencial,

e o conceito de acesso à informação está no cerne dessas discussões

corroborando a premissa de que informação é poder. Porém, a principal questão

é: poder para quem?

Diversos países têm se posicionado de forma particular em relação ao

assunto levando em consideração suas peculiaridades institucionais,

organizacionais e históricas. Mas o denominador comum e ideal de

convergência atual é transformar o governo em governo aberto. Dentre estes

países, o governo britânico ocupa posição de liderança mundial na busca pelo

acesso à informação e promoção principalmente da transparência ativa, sem

deixar de contar também com os mecanismos da transparência passiva. E

apoiando este propósito, o Reino Unido tem cooperado de perto com países

adeptos ao mesmo pensamento, como é o caso do Brasil.

Historicamente, o final do século XX e início do século XXI podem ser

considerados um dos períodos de evolução mais rápida que tivemos na história

moderna e contemporânea. A tecnologia e a rapidez do meio informacional-

tecnológico fizeram com que o governo buscasse novas formas de administrar o

setor público, balanceando o controle do aparato estatal com a crescente

autonomia dos cidadãos e junto com ele do poder individual.

Com isso, a administração pública teve que acompanhar esse

desenvolvimento para que os direitos representativos sejam garantidos e que a

esfera pública continue provendo seus serviços de forma não só eficiente, mas

também eficaz. Por isso, dentro deste período podemos observar as mudanças

dos modelos de gestão implantados pelos diferentes Estados no mundo,

sobretudo anglo-saxões, que conduziram ao atual movimento pela

transparência.

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Neste modelo de gestão, as políticas públicas desenvolvidas têm ênfase

importante na equidade, accountability e participação dos cidadãos no governo.

De acordo com OSBORNE & GAEBLER (1994), estes são fatores intrínsecos ao

avanço do serviço público e adiante serão mais bem esclarecidos.

Dentro desta perspectiva, o Reino Unido age como referência e com uma

história de sucesso a ser contada. Exemplos que podem ser compartilhados

são: o Código de Prática para Acesso a Informações Governamentais de 1994,

o white paper chamado “Your Right to Know” de 1997, e finalmente, a Lei de

Acesso à Informação de 2000, que apesar de não ter sido a primeira na história,

conta com aspectos relevantes para as demandas da realidade atual e serve de

referência para outros países. Como se pode notar, todas as iniciativas tomaram

um passo progressivo de adaptação ainda no milênio passado, proporcionando

os meios para colocar o país no lugar que ocupa atualmente.

Mas o alcance dessa posição não foi perfeito e teve que passar por um

processo fino de ajuste e até falhas na tentativa de implementação de novos

sistemas, como no setor da Saúde (National Health Service, equivalente ao

Sistema Único de Saúde – SUS – no Brasil), por exemplo, onde a

implementação mal sucedida de um projeto de Tecnologia da Informação (TI)

gerou aos cofres públicos perdas na casa dos bilhões de libras esterlinas.

Entretanto, a mensagem principal que se pode retirar deste caso é de o foco

deve ser aprender com os erros partindo de uma gestão por objetivos, pois a

problemática continua com a necessidade de projetos sofisticados que possam

dar a devida vazão às demandas do aparato público. É um processo construtivo.

Sendo assim, este processo precisa reconhecer a possibilidade de erros.

E isso só é possível a partir da coordenação e clareza entre as esferas política e

administrativa do governo sobre o objetivo a ser alcançado, onde se assume o

risco de tentar e ser bem sucedido, assim como também o risco de falhar. Ao

mesmo tempo, não deixando de lado o foco principal de eficácia e eficiência do

serviço público a ser entregue. Isto claramente requer também certa cultura

social de não apontar dedos ou ter postura de não instigar a culpa para o

indivíduo público.

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Sendo assim, nesta perspectiva de acordar os objetivos e assumir os

riscos, foi de grande importância ao governo britânico a abordagem top down

para a coordenação das esferas mencionadas e o foco no resultado. Em uma

carta aberta do Primeiro Ministro David Cameron para todos os departamentos

do governo britânico em 30 de maio de 2010, ele estabeleceu:

“Mais transparência em todo o governo está no centro do nosso comprometimento compartilhado para permitir que o público cobre dos políticos e órgãos públicos; para reduzir o déficit e garantir melhor custo-benefício no gasto

público; e para entregar benefícios econômicos significativos que permitam empresas e organizações sem fins lucrativos a construir aplicativos inovadores e websites utilizando

dados públicos.” 3

A ferramenta para promoção da transparência: a Web, o governo digital.

Afinal, o mundo hoje gira em torno dos meios eletrônicos para a aproximação

das pessoas e também é ideal para aproximar o governo dos cidadãos. Os

objetivos para Governo Aberto:

1) Aumentar a transparência;

2) Melhorar os serviços públicos;

3) Liberar os novos valores econômicos e sociais para promover o

crescimento;

4) E fazer do Reino Unido uma rede global de referências em habilidades

para o futuro na Web. (Cooperação).

Assim, o foco do governo visa a abertura de bases de dados de maneira

gerenciada, de modo que dados se traduzam em informações que irão

proporcionar a entrega de todos os objetivos mencionados acima ao país e aos

cidadãos com um serviço público de qualidade.

Com o meio devidamente estabelecido, transparência é assunto versado

em quatro objetivos principais “abertos”, que deverão garantir os compromissos

de Estado governo britânico:

3 Original disponível em: https://www.gov.uk/government/news/letter-to-government-

departments-on-opening-up-data. Tradução própria.

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Informação

Aberta

Para ter uma voz efetiva, as pessoas precisam estar aptas

a entender o que está acontecendo nos seus serviços

públicos. O governo publicará as informações sobre o

serviço público de forma que sejam fáceis de encontrar,

fáceis de usar, e fáceis de reutilizar, e irá desbloquear

dados quando apropriado.

Inovação Aberta A inovação será promovida por meio de serviços públicos

online que respondam às diferentes expectativas dos

cidadãos.

Discussão Aberta Será promovido um maior engajamento com o público por

meio de consultas online mais interativas e colaborativas.

Feedback Aberto E o mais importante de tudo, o público deve conseguir de

uma opinião sobre os serviços públicos prestados.

O alcance desta delineação clara de objetivos e o entendimento sobre as

necessidades das políticas de transparência não é automático, mas sim fruto de

uma construção administrativa e social, que tem perdurado pelo menos nos

últimos 35 anos. Esse arcabouço social que permitiu culminar no ápice deste

movimento há cinco anos tem bases históricas e teóricas que serão brevemente

explicadas a seguir e que esclarece um pouco sobre o modus operandi do

governo britânico.

2. Referencial Teórico

A Evolução do Modelo de Gestão

O modelo de gestão pública, como mencionado, sofreu alterações ao

longo dos anos, e passou por diversos períodos, como o patrimonialismo e o

modelo de gestão burocrático weberiano, que ainda hoje é de certa forma a

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base da gestão governamental, até chegar ao modelo de gestão gerencial e

suas diversas escolas ou fases de implementação. Essa progressão, como em

diversos momentos da história, deveu-se às crises que representaram e até hoje

representam momentos-chave de concentração de esforços, rupturas e quebra

de paradigmas em múltiplas esferas. No caso da gestão pública, o segundo

Choque do Petróleo em 1979, foi este momento. O então governo do Reino

Unido, liderado por Margaret Thatcher, dentre outros países anglo-saxões,

iniciaram o modelo gerencial de administração pública focado na eficiência e

maximização da utilização dos recursos públicos. Isto sendo influenciado e

corroborado pelo momento de maior convergência política e administrativa que

era importante para a volta do desenvolvimento do país. Este modelo é, então,

preconizado como um novo paradigma mundial (ABRUCIO, 1997).

O novo paradigma de gestão traz consigo também uma maior

complexidade no caráter institucional de governo. Com a redução da máquina

estatal e a continuação da burocracia seguindo os preceitos weberianos de

autoridade legal ou racional, é necessário o desenvolvimento da gestão

estratégica por resultados (HENRY, 2013), onde o setor público poderia ser

gerido como uma empresa do setor privado, orientado pela superioridade

técnica em detrimento a qualquer outra organização, separação do aparato

político do administrativo, provendo delimitação de poderes, fixação de

competências e uma normatização técnica, objetiva e coercitiva (ABRUCIO,

1997).

Sendo assim, com o contínuo desenvolvimento do fluxo de relações

econômicas e sua intensificação, o mundo se torna mais complexo, criando uma

interdependência no sistema global, provendo cada vez mais o aumento de

organizações além-Estado, comandadas por grupos que detém poder

significativo sobre decisões que afetam o setor público e que, por conseqüência,

podem afetar a qualidade do serviço público e a forma do governo se posicionar.

(RICUPERO, 2008).

O modelo gerencial, então surge também da necessidade da

administração garantir seu controle perante as decisões públicas, de acordo com

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as mudanças organizacionais evidenciadas. Assim, no Reino Unido, a medida

adotada foi a adaptação da gestão pública focada na descentralização, ou

desconcentração como ABRUCIO (1997) sugere. Há uma mudança sobre a

perspectiva do poder do Estado e o foco se volta para o pensamento

estratégico. Assim, o Estado controlaria poucas, mas certas organizações, e que

estas sejam organizações-chave para garantir a eficiência e eficácia do setor

público.

Essa perspectiva, entretanto, também não foi automática, e contou com

uma evolução no tempo e foco nos problemas graves que surgiam. Primeiro, na

recuperação fiscal e orçamentária do país afetada pelo legado do Choque do

Petróleo de 1973 e 1979; segundo, na garantia da efetividade e qualidade dos

serviços públicos; e por último, na criação de maior accountability e equidade

(somado à eficiência e eficácia) nos serviços públicos. E estes últimos são

premissas centrais para as políticas públicas atuais de transparência

governamental.

Abaixo há um quadro feito pelo ABRUCIO (1997) que evidencia de forma

prática como podem ser representados os momentos vividos pelo governo

britânico em seu modelo de gestão. As diferentes fases, entretanto, não

representam rupturas, mas sim um trabalho progressivo de aprimoramento. Na

primeira linha está representado a escola ou modelo da nova gestão pública

vivenciado, segundo a teoria. Na segunda linha está o foco principal do governo

em relação ao setor público. Na terceira linha a percepção do cidadão perante o

governo.

Respostas à crise do modelo burocrático britânico (Whitehall)

Modelo Gerencial Puro Consumerism Public Service

Orientation

Economia/Eficiência

(Produtividade)

Efetividade/Qualidade Accountability/Equidade

Tax payers

(Contribuintes)

Clientes/Consumidores Cidadãos

Fonte: ABRUCIO, 1997: 12.

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O segundo ponto mais importante que pode ser interpretado ao analisar o

quadro é a perspectiva do governo em relação à sociedade. Como dito, estas

mudanças de percepção estão no cerne de como a sociedade também se

desenvolve e se posiciona frente ao Estado para cobrar e se apropriar dos

serviços públicos prestados.

A perspectiva que o Modelo Gerencial Puro deu aos beneficiários do

sistema público em relação ao governo eram de Tax Payers, contribuintes, e isto

é o pivô que rege a administração pública por se tratar da alocação devida do

gasto público. A idéia de contribuinte evidencia estes beneficiários como a fonte

de renda do Estado e, portanto, para quem se devem prestar as contas. O foco

do conceito de Tax Payer ainda é hoje bastante difundido no governo britânico

com a ótica da aplicação dos recursos advindos de arrecadação naquilo que

proverá os serviços básicos necessários à sociedade, utilizando-se do conceito

de value for money ou custo-benefício. O escrutínio do governo é detalhado e

meticuloso na aplicação do recurso público.

De qualquer forma, esse modelo ainda mostra um distanciamento do

Estado da sociedade, onde os serviços são providos, recebidos pelos

contribuintes, mas sem uma avaliação profunda sobre a real necessidade do

serviço ou de como o mesmo está sendo provido. Ou seja, há uma “falta de

contato entre os burocratas e a comunidade que eles serviam” (ABRUCIO apud

DREWRY & BUTCHER, 1991: 13).

O segundo momento destacado, o Consumerism, traz a perspectiva de

contribuintes junto com a de clientes/consumidores, fazendo assim uma maior

alusão ao aparato estatal operando como setor privado e adotando a

concorrência dentro do próprio governo.

O modelo propõe uma maior aproximação e relação direta do governo

com a sociedade, ou os então consumidores. Esta relação implica com que os

consumidores escolham perante o governo quais serviços públicos eles teriam

mais interesse de consumir ou não. E sendo assim, o governo teria a

responsabilidade de concorrer entre si para garantir seu desempenho adequado

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com qualidade, podendo sofrer conseqüências positivas ou negativas

orçamentárias, de acordo com seus resultados (ABRUCIO, 1997).

A estratégia de implementação modelo de gestão aplicado no Reino

Unido tinha três pontos principais elucidados pelo autor (1997): a

descentralização (ou desconcentração) administrativa; a inserção da competição

no setor público, como mencionado; e a adoção de uma nova forma contratual

para serviços públicos baseado na avaliação da qualidade do serviço prestado.

O modelo possui suas falhas, podendo gerar uma concorrência desleal

entre as instituições governo, afetando ao final a própria sociedade. Mas o

principal valor agregado trazido é uma aproximação da sociedade e do governo

de forma clara. Se o serviço público é avaliado, a sociedade o acompanha e dá

um retorno sobre sua efetividade ou não. Ou seja, há um controle sobre a

qualidade do gasto público. Assim, os princípios de transparência governamental

já estão característicos na forma do Estado administrar, dando opções aos

cidadãos e apresentando o que pode ser oferecido. Isto pode ser considerado

uma das bases para as futuras políticas públicas de transparência com um

diálogo aberto.

Agora, o salto maior que ainda está em implementação no governo

britânico é o modelo de Public Service Orientation (PSO) que traz consigo as

premissas essenciais da administração pública mencionadas anteriormente:

equidade, accountability e participação dos cidadãos no governo. Esta

perspectiva torna os contribuintes e clientes também em cidadãos.

Este modelo procura uma de forma macro não só a busca pelo

planejamento estratégico, mas também pela conduta estratégica dos gestores,

que agora possuem mais autonomia. O modelo procura um serviço público com

a participação ativa do cidadão no poder de decisão, observando as

peculiaridades do local, ao invés de políticas somente em nível de Estado.

Assim, seria possível maior controle sobre a mensuração dos resultados destes

serviços, modernizando constantemente a qualidade dos mesmos. A

administração por missão, ou seja, focada no objetivo e não no processo é

intrínseca ao PSO (ABRUCIO, 1997). O PSO ainda encontra dificuldade de

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maior coordenação com o poder central, não obstante a descentralização, mas a

contribuição teórica do modelo é de grande relevância pelo aspecto novamente

de percepção da sociedade pelo governo e vice-versa.

As três premissas apresentadas representam uma apropriação do

cidadão do governo, de seus serviços, de seus dados e informações. Os

preceitos democráticos de representação são reforçados e o cidadão se vê no

direito de se projetar no governo e cobrar do mesmo. Sendo assim, para que isto

aconteça e que os cidadãos se apropriem do governo, o acesso à informação, o

conhecimento sobre como o governo está, seus contratos, suas operações tem

que ser de conhecimento de todos.

O meio que proporciona esta possibilidade é o tecnológico, onde o

alcance está em praticamente todos os cidadãos de um país ou do mundo e o

serviço pode ser provido de forma meticulosa, eficaz e eficiente, partindo do

pressuposto que os gestores públicos estejam capacitados para tal feito. Um

ponto que parece pequeno, porém essencial ao trabalho do governo digital. Por

isso, capacitação, criação de plataformas tecnológicas, parceria com

organizações fora do aparato estatal e a abertura de bases de dados de forma

gerenciada tem sido a estratégia top down do governo britânico. Esta é a forma

encontrada de garantir a participação dos cidadãos no governo de forma

extensiva.

É importante, entretanto, ter em mente que esses modelos não são

estagnados e detêm seus graus de particularidade quanto à implementação de

acordo com a realidade de cada administração pública. Cada sociedade tem seu

processo de evolução histórica que interpreta e implementa seus objetivos de

acordo com suas necessidades, mesmo no caso da transparência onde nota-se

uma convergência de Estados democráticos para o mesmo fim.

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Dados Abertos e o Retorno para o Governo e Sociedade

Assim como foi o processo de construção do arcabouço administrativo e

social, a abertura de bases governamentais é um processo gradual e constante

no Reino Unido a partir do comprometimento de alto nível.

A mensagem inicial e principal foi abrir todos os dados governamentais

disponíveis, com ressalva àquelas informações que possam comprometer a

segurança nacional ou que contenham informações pessoais de indivíduos, de

acordo com o Data Protection Act 1998. Salvo nestes casos, dados devem ser

de domínio público.

Foi com este intuito que em 2009 o Portal da Transparência britânico,

data.gov.uk, foi criado. O objetivo: ser um ponto único de acesso a todas as

bases de dados do governo de forma gerenciada e disponibilizadas para uso

sem custos e para fins comerciais e não comerciais. Um novo conceito e uma

nova tecnologia que necessitam de uma nova abordagem, um novo pensamento

e grupo de habilidades.

Assim, para alcançar esse ambicioso objetivo, novamente o arcabouço

social construído e a ativa participação da sociedade e de instituições privadas

foram essenciais. Abrir as bases de dados era o objetivo, mas como priorizar?

Era necessário saber o que a sociedade quer e precisa, seguindo os preceitos

de percepção do indivíduo como cidadão e a apropriação desses dados. Ou

seja, a posição do governo é: “mostre-nos o melhor caminho”.

Com isso, o Power of Information Taskforce foi implementado entre 2008

e 2009 para entender as demandas dos cidadãos sobre quais dados e

informações seriam as mais importantes para a sociedade antes que o novo

programa governamental de fato começasse. E então em 10 de junho de 2009,

o Primeiro Ministro Gordon Brown, lançou a o programa data.gov.uk em parceria

com o setor privado, apoiado pelo Sir Tim Berners-Lee em um discurso sobre

reforma eleitoral e parlamentar:

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“Para que a informação do governo seja acessível e útil para o maior grupo possível de pessoas, eu pedi ao Sir Tim Berners-Lee, criador do world wide web, a nos

ajudar a abrir o acesso aos dados governamentais na web no próximo mês.” 4

E assim o Reino Unido foi uma dos primeiros países a abrir seus dados

desta maneira. A principal interpretação que se pode ter deste desenvolvimento

linear de ações é que a política de transparência e a política de dados abertos

são de mérito do Estado e não de um governo específico, estando assim

intrínseco ao novo modelo de administração pública.

O início do trabalho foi tímido, mas foi o necessário para catalisar outros

desenvolvimentos, entender melhor as demandas, as lacunas e os erros.

Aproximadamente 100 bases de dados foram abertas, utilizando indexação

CKAN, alguns em formato CSV e outros em PDF. E neste momento os dados

não haviam sido checados com relação à qualidade ou consistência, somente

abertos. Essa segunda etapa do trabalho aconteceria posteriormente e ainda é

um processo contínuo.

Os principais problemas encontrados foram:

1. Adequação dos formatos utilizados nas bases de dados de maneira que a

reutilização desses dados seja possível;

2. Atenção à qualidade dos dados, ou seja, se os dados estão certos e não

duplicados;

3. O volume baixo de dados abertos;

4. Dados não estruturados ou relacionados;

5. O entendimento do propósito de se abrir os dados por alguns oficiais do

governo;

6. O baixo engajamento inicial do governo com a sociedade civil e os

usuários dos dados.

Alguns dos desafios ainda permanecem até hoje como tentar garantir a

completa qualidade dos dados que estão sendo abertos, a superação de

4Disponível em: <http://www.theguardian.com/technology/2009/jun/10/berners-lee-downing-

street-web-open.> Tradução própria.

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resistência na abertura dos dados em alguns setores, e a reeducação dos

oficiais do governo para esta mudança cultural do governo chamada de digital by

default.

Mesmo com estes desafios, a história britânica é de sucesso onde hoje se

pode contar com 19318 bases de dados abertas, 3874 mapas publicados, uma

comunidade de usuários desses dados comprometida e presente, e com

evidências desse esforço estar promovendo o crescimento econômico.

Com este trabalho todo posto em prática e um investimento inicial

considerável, o retorno para o governo é positivo pela maior facilidade de avaliar

devidamente os serviços públicos prestados, melhorando a eficiência e eficácia

do governo e intensificando a accountability governamental. O governo de

Greater Manchester, por exemplo, que houve uma economia estimada em £6.5

milhões nas contas públicas pelo simples fato dos próprios servidores públicos

conseguirem encontrar e utilizar informações do governo de maneira mais rápida

e fácil, utilizando as novas ferramentas de dados abertos.

Mas esses dados em si podem parecer um aspecto relativamente

abstrato e difícil de ser trazido para a realidade de como os negócios e cidadãos

de fato se beneficiam disto. E o pensamento neste caso deve ser claro de que

os dados abertos são uma forma de abrir o caminho para a melhor utilização

destas informações para diversos benefícios e propósitos. Por isso a importância

dos dados proverem informação de fato com possibilidade de reutilização e não

somente serem inserções desconexas. Alguns dos exemplos práticos de

benefícios que os dados abertos proporcionaram aos cidadãos britânicos são

respostas para perguntas pertinentes do dia a dia:

a. Onde meus impostos estão sendo aplicados? – que consiste em saber

de maneira fácil e visual como o governo tem alocado os recursos

públicos por setores, com a publicação de todo gasto efetuado acima

de £500.

b. Estou seguro onde moro? – informações sobre crimes reportados por

região ou bairros e como está a situação de policiamento.

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c. Onde meu filho pode estudar? – informações sobre o desempenho

individual de escolas públicas e a qualidade do ensino aplicada.

d. O buraco na rua onde eu moro foi consertado? – informações sobre a

infraestrutura das ruas públicas, com relatório sobre o problema, a

atual situação e quando a solução será/já foi providenciada.

Para o setor privado, o resultado também é positivo. O valor agregado

dos dados abertos é voltando principalmente para o apoio ao desenvolvimento

de aplicativos e empresas start ups que utilizam desta informação como insumo

principal para desenvolver seus negócios. Esses negócios têm um aspecto

social de prover mais recursos para o público, e ao mesmo tempo gerar renda e

movimentar a economia.

A relação de sucesso no Reino Unido, neste caso, foi no setor de

transporte. A partir das informações disponibilizadas e atualizadas pela

autoridade de transportes de Londres, o Transport for London, houve uma

mobilização em massa de pessoas e esforços voltados para o desenvolvimento

deste mercado de aplicativos de locomoção que é útil para todos que precisam ir

de um lugar a outro em Londres. Este mercado envolveu trabalho de

aproximadamente 5.000 pessoas da indústria de apps, gerando

aproximadamente 500 aplicativos em celulares, computadores e outros. Isto

gerou um retorno de investimento de £58 para cada £1 gasta pelo governo para

este projeto de transporte, sendo isto calculado com base na maior eficiência do

transporte e sua utilização e a economia para o cidadão, dentre outros. O

resultado hoje é que o Transport for London não tem mais a necessidade de

produzir mapas. Isto agora fica a cargo dos desenvolvedores privados.

3. A Cooperação com o Brasil

Estes casos de sucesso colocaram o Reino Unido em uma posição de

destaque mundial e outros países que corroboram dos princípios e das políticas

públicas de transparência britânica decidiram se associar ao país e proporcionar

uma troca de melhores práticas neste âmbito, apoiando-se mutuamente na

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produção de conhecimento para o contínuo desenvolvimento. O Brasil é um

destes países.

O governo britânico utiliza de fundos de cooperação para cumprir com

este objetivo, como é o caso do Prosperity Fund. Este é o fundo de cooperação

do Governo Britânico financiado através do Foreign and Commonwealth Office

(Ministério das Relações Exteriores Britânico), que consiste no provimento de

recursos para assistência ao desenvolvimento a países que compõem a

listagem de Apoio Público ao Desenvolvimento (APD) do Comitê de Apoio ao

Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE). Desde seu lançamento em 2011, o fundo tem apoiado

aproximadamente 500 projetos de cooperação, em 14 países e regiões do

mundo, com a finalidade de proporcionar condições para o crescimento global

sustentável. O Brasil é um parceiro ativo e os projetos implementados no país

visam beneficiar seu progresso econômico e social por meio do intercâmbio de

conhecimento com o Reino Unido, nas áreas de políticas publicas em diversos

setores, como Ambiente de Negócios, no qual Transparência está inserida.

São parceiros do fundo com projetos aprovados instituições importantes

para a promoção dessas políticas no Brasil, como a Controladoria Geral da

União e o Governo do Estado de São Paulo, dentre outros.

Essas parcerias já tiveram resultados positivos colhidos e alguns que

ainda estão acontecendo. No âmbito do governo federal, um projeto apoiado

pelo fundo em parceria com a Controladoria Geral da União, realizado entre

2012 e 2013, proporcionou uma troca de experiências com o governo britânico

em relação à implementação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).

Dentre os resultados, o projeto apoiou o maior desenvolvimento do Portal de

Acesso à Informação a nível federal, assim como a construção de mecanismos

de armazenamento de dados dentro do mesmo. Esta parceria tem gerado bons

frutos e proporcionado um apoio mútuo em nível de Estado para Brasil e Reino

Unido convergirem para um mesmo ideal.

A complexidade da gestão brasileira também abriu portas para parcerias

em nível local. O atual projeto com o Estado de São Paulo, iniciado em 2014, é

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bastante ambicioso e já contem retornos positivos tanto para o governo

brasileiro como para o britânico, apesar de ainda estar em fase de

implementação. O projeto “Melhoria do Ambiente de Negócios no Estado de S.

Paulo através da Transparência” (com nome original, Improving Business

Environment through Transparency in S. Paulo State), pretende criar no Estado

um benchmark a nível local de transparência ativa, podendo ser utilizado de

modelo para os outros Estados, aproveitando-se de algumas experiências do

Reino Unido na área. Em seu objetivo de abertura de bases, pretende-se

aumentar em 70% o número de bases de dados abertas, com pelo menos 3%

dessas bases já gerenciadas ao serem disponibilizadas ao cidadão. Até o

momento, quatro setores estão em procedimento de abertura de suas bases

dentro do projeto, eles são: saúde, metro, planejamento e tribunal de contas. Ao

final, espera-se que, assim como no Reino Unido, essas bases de dados abertas

possam proporcionar uma maior eficiência dos serviços públicos prestados,

assim como o desenvolvimento de negócios sociais nos setores indicados.

Este projeto conta com um comprometimento também top down do

Estado de São Paulo, com quem o governo britânico tem um Memorando de

Entendimento que foi assinado em 2013 e prevê a Transparência como área

prioritária de cooperação.

Sabe-se, entretanto, que como mostrado no histórico do Reino Unido, o

processo de evolução é gradual e não automático. Mas este é o caminho certo

por onde começar. Abrir as bases de dados e então começar a moldar o

trabalho de acordo com as demandas dos cidadãos, do mercado e do próprio

governo. O foco atual do projeto é principalmente a criação ou mudança na

cultura de trabalho e uma reeducação para o paradigma digital by default. O

Brasil já possui uma bagagem considerável de informação, portanto, o projeto

não começa do zero, mas sim no que agrega valor, principalmente com relação

à forma de abertura de bases onde dois Guias sobre Abertura de Bases no

Setor Público e Web semântica já foram desenvolvidos e serão publicados em

breve como manuais para o governo.

Page 18: Consad 2015   a contribuição britânica para transparência

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No âmbito multilateral, as iniciativas do Brasil e o Reino Unido também

têm sido alinhadas e coordenadas, corroborando com o trabalho sendo feito

bilateralmente. Os dois países são membros do grupo Open Government

Partnership, iniciativa internacional para promoção da transparência

governamental, onde além de co-fundadores, até 2014 os países eram co-

líderes do grupo.

Dessa forma, este conjunto de ações para a cooperação mostra a

crescente interdependência das instituições, a importância do meio

informacional-tecnológico e um movimento comum de convergência para o

denominador comum da transparência ativa, seja no Reino Unido, no Brasil ou

em outras nações.

4. Conclusões

O lugar que a transparência ocupa hoje no governo é central, sendo isto

fruto de um desenvolvimento social e histórico. E essa transparência é um

caminho sem volta, ou seja, uma vez que o governo abre suas informações e

dados e estes insumos são apropriados pelos cidadãos, a forma de gestão não

retrocede, mas se torna um processo constante de evolução e aprimoramento

de processos para atender às crescentes demandas.

Por isso, a transparência ativa tem sido o foco na gestão mais do que a

passiva por aumentar a eficiência do próprio governo e desonerar o sistema com

solicitações de informações específicas que facilmente poderiam estar descritas

em bases de dados abertas.

A experiência britânica apresentou dentre os apresentados, dois aspectos

que podem ser considerados a base do seu sucesso: o alinhamento político de

alto nível somado a parceria de alto nível de reconhecimento com instituições

fora do governo, como no caso do Sir Tim Berners-Lee, e a consciência de que

erros são possíveis, mas que para alcançar resultados é necessário tentar. Claro

que até o tentar, há um processo de extenso planejamento e análise para

garantir a qualidade, eficiência e eficácia do gasto público.

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Tendo isto em mente, há alguns pontos que podem ser resumidos abaixo

como as principais lições aprendidas da implementação no sistema britânico:

1) Liderança dentro e fora da organização é essencial para o sucesso do

projeto;

2) As demandas dos cidadãos e setor privado são o ponto de início do

trabalho;

3) É necessário ter o foco do tipo de dados sobre assuntos com os quais

as pessoas se importam;

4) É importante abrir as bases de dados que as pessoas querem;

5) Ter uma abordagem clara e uniforme com relação à licença de uso

dos dados é necessário para sua utilização;

6) Certifique-se de que os dados são realmente reutilizáveis;

7) Garantir a privacidade dos dados pessoais dos cidadãos é essencial;

8) Lidar com preocupações dos donos das bases de dados dentro das

organizações governamentais é importante para garantir a qualidade e

eficácia do trabalho;

9) Isso tudo é um processo gradual e incremental;

10) É Importante promover o uso e a apropriação dos dados;

11) Engaje com os usuários dos dados;

12) E, finalmente, é essencial criar um ambiente favorável à construção de

dados abertos.

De qualquer forma, o trabalho de construção de uma comunidade mundial

transparente deve ser objetivo de todos. Isto ajuda nas relações de comércio,

desenvolvimento e até interpessoais. A interdependência complexa do mundo,

como diria NYE (XXX), demanda isto. E ao final, a construção conjunta desta

cultura transparente tem que ter suas bases na cooperação e na troca de

melhores práticas, aprendendo com os erros e construindo padrões de

excelência.

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Referências

OSBORNE, D. & GAEBLERR, T. Reinventando o governo – como o espírito empreendedor está transformando o governo. Brasília: MH Comunicação, 1994. ABRUCIO, Fernando Luiz. O impacto do modelo gerencial na administração pública. Um breve estudo sobre a experiência internacional recente. Brasília: ENAP,1997 (cadernos ENAP, n.10). HENRY, John. Management: a very short introduction. Oxford: Oxford Press, 2013.

RICUPERO, Rubens. A resiliência do Estado Nacional diante da Globalização. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/ea/v22n62/a09v2262.pdf > NYE, Joseph. Cooperação e Conflito nas Relações Internacionais. São Paulo: Editora Gente, 2009.

Autoria Sílvio Martins de Freitas Aquino – Gerente de Projetos de Cooperação do Prosperity Fund, na Embaixada do Reino Unido no Brasil. Bacharel em Relações Internacionais pelo UniCEUB e Pós-graduando em Masters in Public Administration pelo IBMEC/DF. Endereço eletrônico: [email protected]