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    APOSTILA PEDAGGICA

    PARTE 2

    CONCURSO PBLICO 2015

    (EDITAL N 02 - DOC DE 27 DE AGOSTO DE 2015)

    PEDAGOGIA (IMPROVVEL) DA DIFERENAESE O OUTRO NO ESTIVESSE A

    (Carlos Skliar, Rio de Janeiro: DP&A, 2003)

    Pens ar muit o alm d o que dad o, pen sar a mesm idade a par tir d ooutro que est em mim(Nuria Prez de Lara*)

    CAPTULO I - Sobre a temporalidade do outro e damesmidadenotas para um tempo (excessivamente) presente

    I - As perguntas sobre a temporalidade do outro e sobre amesmidade podem se decompor em questes de natureza filosfica,

    poltica, cultural, educativa, potica e lingustica.

    H um tempo do outro que reconhecido pela mesmidade como o nicotempo possvel, que foi inventado, domesticado, usurpado, ordenado, traduzidoe governado a partir das metforas temporais da reproduo, do constante, docclico, do linear, do circular, assim como existe tambm um tempo do outroque (nos) irreconhecvel, indefinvel, inominvel, ingovernvel.

    Trata-se da temporalidade do outro, uma temporalidade que, saparentemente, no pode ser/estar ao mesmo tempo que o nosso tempo, ouseja: (a) duas coisas diferentes no podem estar no mesmo lugar ao mesmotempo, e (b) uma mesma coisa no pode estar em dois lugares ao mesmotempo.

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    Segundo o autor, a esta anlise se reitera duas vezes a questo domesmo e do diferente, poderemos entender que a expresso duas coisasdiferentes no podem estar ao mesmo tempo no mesmo lugar pode significarque a diferena das coisas torna impossvel a mesmidade do lugar.

    J a outra expresso uma mesma coisa no pode estar em dois lugaresao mesmo tempo parece referir ao fato de que a mesmidade das coisas probe,elimina a diferena. Nessas expresses os termos mesmidade e diferenareferem-se ao idntico e ao diferente.

    Nesse sentido, a mesmidade probe a diferena e a diferena quetorna a lei da mesmidade impossvel. A imposio da realidade de nossotempo. Nele pode resumir-se a complexa e incompreensvel temporalidadedeste presente.

    Todo problema humano deve ser considerado a partir do ponto de vista

    do tempo e que todo problema do tempo deve ser considerado a partir doponto de vista do humano. No existe nada humano fora do tempo e no existenenhum tempo fora do humano. E dessa multiplicao ou frao ou dilataoentre a temporalidade e o humano, surge a perplexidade desses tempos quepara tambm nos desvanecer, para criar uma temporalidade outra. Que podeser entendida como acontecimento, que permite desnudar os projetosarrogantes tecidos por esse tempo denominado modernidade: o tempo daordem, da coerncia, do significado preciso, a certeza de toda palavra, o futurocerto e seguro de si mesmo.

    Logo, esta modernidade, este tempo, aparece no centro do pensamentocultural, poltico e epistemolgico atual. Talvez porque o passado e o futuro,que no se incorporam ao presente, nos estenderam demasiadas armadilhas:armadilhas de utopias, s vezes ingnuas, s vezes sangrentas, em direo dooutro, e de saudades.

    E aqui habita seu principal paradoxo, que para o autor, refere-se airrupo do presente. O tempo tornou-se no somente inconstante, no linear eno circular. Em vez de uma linha do tempo, temos um emaranhadodo tempo;uma massa de tempo, um labirinto de tempo. Com isto estaramos maisprximos, de um tempo da alucinao do que de uma conscinciado tempo.

    Sendo assim, j no o passado aquilo que parece inquietar-nos, poisevita todas as suas contradies. Como exemplo: onde houve massacres degentes e incndios de territrios, existem agora algumas poucas e incmodashospedagens; onde houve sordidez e hipocrisia, existem agora algunseufemismos. O passado era, em sntese, a repetio da mesmidade que hoje a irrupo da diferena.

    Para SKLIAR, j no o futuro aquilo que nos parece inquietar. Aquelefuturo que chegaria com a promessa (no cumprida) da democracia, da justia,da liberdade, da igualdade. Mas o futuro tambm volta, com a irrupo do

    presente. Um futuro de olhares que continuam repletos de cegueiras, deomisses, de eufemismos, de violncia.

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    E o presente j no est naturalmenteancorado ao passado e ao futuro.O presente no pode mais ser encarado simplesmente como uma ruptura ouum vnculo com o passado e o futuro, no mais uma presena sincrnica.

    Logo, o tempo no sai do presente, mas o presente no deixa de mover-se por saltos. este o paradoxo do presente: constituir o tempo, mas passarneste tempo j constitudo. No devemos recusar a consequncia necessria: preciso um outro tempo em que se opera a primeira sntese do tempo.

    Segundo o autor, o tempo presente, assim como qualquer tempo, estsaturado de paradoxos, e cita quatro deles: o primeiro o Paradoxo do salto,que contradiz a ideia de uma possvel recomposio do passado com opresente, um tempo que passa; no sai do presente, pois, o presente nodeixa de mover-se Por isso o presente no um, seno dois: cada presente ,ao mesmo tempo, um presente e um passado.

    O segundo paradoxo o paradoxo do Ser, que supe uma diferena denatureza entre o passado e o presente, e isso contradiz a noo de quepassamos de um ao outro de forma gradual.

    O terceiro, o paradoxo da contemporaneidade, que supe uma nodistino entre o antes e o depois, em virtude de que o passado convive comele.

    Por ltimo, o paradoxo da repetio psquica, em que aquilo queconvive com cada um dos presentes todo o passado, em diferentes graus decontrao e distenso.

    Existe, portanto, um salto, um ser, a contemporaneidade e arepetio.

    Desse modo, proibir a diferena supe unicamente afirmar amesmidade. Instalar-se em um tempo em que s acontece o mesmo, umtempo contnuo, um tempo sem saltos, um tempo sem ser, um tempo semtempo.

    II - Volatilidade do tempo. O tempo que efmero. A aceleraodo tempo. Os fluxos do tempo. Instantaneidade do tempo.

    Tempo sideral. Tempo virtual. Temporalidadesque se desvanecem no ar. O fim dos tempos.

    Como ler o presente se o tempo um tempo descontnuo, um salto, insuficiente e divergente, mltiplo, virtual?

    Para o autor, o presente no seria outra coisa alm de um reflexo doencontro ou desencontro entre aquelas representaes que pretendem difundir

    em todo o planeta sua centralidade e aquelas representaes locais s quaisse atribui um carter perifrico, um estar fora-do-mundo e fora-do-tempo, uma

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    simples e efmera resistncia antiglobal. Unicamente a diversidade flexvel eciberntica, o Outro no presente, o outro representado para fora tm validadee valor.

    Desse modo, o globalgera assim uma diviso no tempo: O que para

    alguns aparece como globalizao localizao para outros; o que paraalguns o sinal de uma nova liberdade cai sobre muitos mais como um fardocruel e inesperado.

    Assim, esta confuso do presente obedece ainda melhor a umatransformao, ou a uma instabilidade, ou a uma superposio, ou a umapassagem simultnea daquele tempo que foi chamado de modernidade eps-modernidade. possvel pensar que ordem estvel da modernidadeno sucedeu outra ordem estvel, mas sua nica e possvel alternativa: o caos,isto , a desordem.

    O autor esclarece que o prefixo ps pode indicar que nonecessariamente nos enfrentamos aqui com um contradiscurso que formuleargumento contra-argumento, mas, com uma contnua disperso edesarticulao dos termos que afirmam representar a ns, a eles e a realidade.

    O prefixo ps pode ser ainda contingente, descontnuo ou estar emdesacordo com a modernidade. No supe, necessariamente, um cartertemporal de discurso posterior a outro discurso.

    Assim, nesta ltima definio alude-se ao ps, sobretudo, como umtempo paradoxal que produto do surgimento de identidades, posies oulocalizaes do sujeito, que antes eram ignoradas, silenciadas,colonizadase/ou traduzidas a um tempo e um espao nico de representao.Identidades de sujeitoque hoje esto presentes no aqui e no agora.

    Entretanto: como essas identidades so expostas, fixadas, traduzidasem termos de temporalidade?

    O ser e o , com suas respectivas negaes no ser, no esuas prprias ambiguidades no acaba de ser, parcialmente, no totalmente etc., dominam ainda boa parte do pensamento contemporneosobre as identidades.

    Assim, um acontecimento imprevisto o que mais facilmente provoca opensamento, irrompe na continuidade temporal e atrai nossa ateno. Rompecom nossa tendncia a um saber j dado. algo que no encontra palavraspara ser reconhecido. O pensamento ser essas palavras.

    Por conseguinte, nenhum saber j dado sobre o outro pode entender oestar sendo. O estar sendo um acontecimento da alteridade que retira denossas bocas as palavras habituais, as frases precisas, a gramaticalidadecorreta.

    O estar sendo o acontecimento imprevisto que nos obriga a pensar

    mais em nosso ser, em nossa identidade, do que no ser do outro, do que emsua identidade. Obriga-nos a fragmentar a ns mesmos, a retirar de cima de

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    ns aquele tempo e aquela temporalidade em que o outro era, podia ser, deviaser, no podia ser, um artificio mmico da mesmidade.

    III - Fim da histria. Pensamento nico.O global e o local. Instabilidade presente do moderno.

    Incredulidade diante dos grandes relatos.

    Para SKLIAR, a nica coisa de que parecemos estar seguros, nossaperplexidade, nosso desassossego e nossa desorientao. Este um tempopresente em que o sentimento de perda da localizao cultural, temporal eespacial, acaba sendo um ponto de partida, e no de concluso, da leitura edas explicaes do atual, como sujeitos da perplexidade.

    Nossa existncia hoje est assinalada por uma tenebrosa sensao desobrevivncia, de viver nas fronteiras do presente.Assim, encontramo-nos nomomento de trnsito em que espao e tempo se cruzam para produzir figurascomplexas de diferena e identidade, passado e presente, interior e exterior,incluso e excluso. Isso porque h uma sensao de desorientao.

    O tempo presente passar a existir diante de ns como incompreensvele, ao mesmo tempo, como aquilo sobre o que estamos obrigados apensar.Porque este tempo possuidor, sobretudo, de um tom catico, confuso,desordenado; uma dissonncia de descontinuidades, de fragmentos, desilncios, uma progressiva destruio e burocratizao dos espaos deconvivncia, a afirmao das diferenas em um mundo cada vez maisglobalizado.

    O tempo presente volta a nos fazer pensar na condio bablica dohomem. Porque so postas em jogo as questes da unidade e da pluralidade,da disperso e da mistura, da runa e da destruio, das fronteiras e daausncia de fronteiras, da territorializao e da desterritorializao, do nmadee do sedentrio, do exlio e do desarraigado.

    Nesse cenrio, emerge a inveterada tendncia a pensarantibabelicamente a poltica, a sociedade, a cultura, a tica, a linguagem ou aprpria condio humana: a de administrar a Diversidade.

    Haveria de se compor e recompor uma e outra vez a pluralidadehumana; teria de se aceitarem e celebrarem as diferenas, pormrepresentando-as, desativando-as, ordenando-as, tornando-as produtivas,convertendo-as em problemas bem definidos; teramos de produzir e canalizaros fluxos e os intercmbios, mas de forma ordenada, vigiada e produtiva.Tratar-se-ia de convocar (incluir) toda a alteridade possvel, mas silenciando,dosificando, ressignificando e harmonizando aquelas vozes dissonantes,governando os silncios lacerantes e regularizando os deslocamentos de umlado e de outro das fronteiras (SKLIAR e LARROSA, 2001).

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    IV - Citao flmica

    SKLIAR traz a citao do filme Beautiful people, dirigido por JasminDizdar, em que pode vir ao encontro da infinidade de presentes e dessecolapso da temporalidade. O filme se transforma em uma narrativa sobre o

    colonial e o ps-colonial, sobre as fronteiras, a perda de fronteiras e apassagem entre fronteiras; os entrelugares, a tolerncia e a intolerncia.

    No filme, de um lado h a questo do outro que ali transformada numaverdadeira obsesso pelo outro. De fato, a figura do outro se torna especfica,na medida que o outro somente o imigrante, o estrangeiro, aquele que antesno estava seno de uma forma muito distante (nmade), todo o filme outros,ningum deixa de ser outros, todo e todos na vida so outros, somos outros.

    Para SKLIAR, a diferena cultural problematiza a diviso binria depassado e presente, tradio e modernidade. Traz o exemplo dos nmadescomo outros que escapam do passado, presente e futuro contnuos. Eles soum vir-a-ser e no fazem parte da histria; so dela excludos, mas semetamorfoseiam para reaparecer de outra maneira, sob formas inesperadas,nas linhas de fuga de um campo social. Seriam simulacros do presente,pergunta o autor.

    V - O homem julga tudo a partir do minuto presente, semcompreender que est julgando somente um minuto: o minuto presente

    Talvez seja necessrio recorrer a uma ideia de temporalidade menosambgua e de maior ordem: refiro-me vaga noo de modernidade.

    Para SKLIAR, o termo modernidade denota, a princpio, uma batalhapara estabelecer ou restabelecer fronteiras claras no tempo e a imposio deuma ideia mais ou menos definitiva, mais ou menos organizada da prpria ideiade temporalidade. Entretanto, a utilizao dessa expresso no pode deixar deser vista como uma forma de ver o tempo e de olhar o mundo atravs derepresentaes muito particulares.

    Por outro lado, no existe um, mas ao menos dois conceitos de

    modernidade: um eurocntrico e outro mundial.

    A ideia da modernidade surge como um tempo essencialmente europeu.Aqueles atores que inevitavelmente impulsionam o tempo, demarcam asfronteiras do tempo, instalam os desencontros no tempo, sugerem asinterpretaes do tempo, ocultam as desavenas no tempo.

    SKLIAR assinala que a modernidade constitui um perodo histricoiniciado em meados do sculo XVII na Europa Ocidental a partir de umconjunto de mudanas intelectuais, sociais e culturais inditas e profundas. Oamadurecimento da modernidade, diz o autor, girou em torno de um projeto

    cultural e de uma forma de vida socialmente instituda.

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    No entanto, o outro conceito de modernidade o de uma histria que spode ser imaginada a partir de uma relao/determinao colonial: aautoimagem de superioridade da civilizao moderna, a ideia dedesenvolvimento para os mais brbaros, as guerras coloniais justas, aculpabiizao do outro, o sacrifcio necessrio do outro, o progresso do mesmo

    e o retrocesso do outro etc.

    A modernidade o momento de emergncia do governo e dagovernabilidade, governo como o poder que se exerce sobre os indivduos, eno como o domnio do Estado. A modernidade institui uma associaodemonaca entre ojogo da cidade (totalizador, sobre a populao) e o jogo dopastor (sobre o indivduo). Em ambas surge a relao entre modernidade e abusca obsessiva de classificaes, entre modernidade e poder, entremodernidade e ordem.

    Mas h os projetos impossveisque a modernidade props a si mesma,

    parece que a ideia de ordem a ordem do mundo, do habitat humano, do si-mesmo individual, e da inter-relao dos trs pode ser entendida como a maisarquetpica, sem a mesmidade.

    Nesse sentido, como a modernidade um tempo de denotao edesignao, e justamente pela impossibilidade de seu prprio cometimento, que surgem novos provimentos de ambivalncia, novas arbitrariedades,novas modalidades de caos, nunca antes definidas, nunca antes classificadas.

    VI - Modernidade e ambivalncia. Ordem e caos. Atos de excluso ede incluso. O nominvel e o abominvel. Os inominveis e, entre eles,

    escondido, espera de sua compreenso, o tempo presente.

    So estes tempos de desorientao cultural e/ou de afirmao de novasidentidades? De excluses em todas as dimenses sociais e/ou de inclusesnesse mesmo sentido e direo? De inquietude diante do avassalamento doglobal e/ou de conformidade com aspequenas aldeias em que vivemos? De seabrirem fronteiras e/ou de viver, temerosos, no meio delas? De Internet e/oude Excocet? De globalizao ou de pulverizao? De normalizao ou dehibridismo?

    Evidente que, a ambivalncia, a ambiguidade, o caos, a incoerncia, osinominveis so termos que capturam significativamente a mesma ideia datemporalidade, a prpria ideia do tempo.

    O autor sugere que as diferentes sociedades humanas representaram otempo atravs de dois grandes modelos, o linear e o cclico.

    SKLIAR toma para si a pergunta: se a modernidade pode interpretar suaideia de tempo sob uma forma ou bem linear ou bem circular,fundamentalmente pelo fato de que essa semntica temporal est fortementerelacionada a uma semntica religiosa, isto , distino entre imanncia e

    transcendncia. E uma das respostas que o autor oferece para essa pergunta que tudo o que acontece, acontece ao mesmo tempo, uma espcie de

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    paradoxo da simultaneidade que permite a diferenciao e a diferena. Oparadoxo do tempo continua este autor, no obedece a uma escolhaarbitrria; as diferenciaes e sua irredutibilidade lgica oferecem apossibilidade de coordenar as semnticas do tempo com as estruturas dasociedade.

    A partir dessa perspectiva, o tempo se encontra representado pelaideia de movimentoe haveria de se desfazer dela: da ideia e do movimento.

    VIIBabel representa, no texto de SKLIAR, o mito daperda de algo: uma cidade, uma lngua, uma terra,

    uma identidade, uma comunidade

    Segundo o autor, nossa tradio elaborou a questo da existncia emtermos de uma passagem: perdemos a ptria, ou a cidade, ou a lngua, ou aterra, ou a identidade, e nossa tarefa recuper-la. Nossa poca nos mostrainumerveis exlios. Alguns deles na forma de um exlio exterior doente: asdeportaes, os deslocamentos macios de refugiados, de famintos, deexpropriados, de perseguidos, as diferentes modalidades da exterminao.

    Outros de um exlio exterior cheio de gozo e de possibilidades: asviagens, as misturas, as comunicaes, os intercmbios, as diferentesmodalidades do cosmopolitismo, da evaso ou da sada dos prprios limites.

    De outra forma, Outros de um exlio interior: de um desarraigamento, oude uma marginalidade, ou de uma distncia entre ns e nossa ptria, entre ns

    e nossa lngua ou entre ns e nosso nome. Tempo (presente) de exlio. Dedistncia. De desarraigamento.

    O exlio nos remete figura de estrangeiro. O estrangeiro a imagemdaquilo que irrompe para destituir a ordem em funo de seu carteremblemtico do desconhecido, daquilo que no pode ser agregado ao que j dado por conhecido, daquilo que no , no pode ser, nem amigo nem inimigo.

    Hoje circulam outras metforas sobre o tempo dos outros, so aquelasque se desdobram na imagem do ser turistas, aquele exlio gozoso ou a do servagabundos, aquele exlio aparentemente trgico.

    Diferentemente do estrangeiro, vagabundos permite construir umaconfigurao diferente da temporalidade; vagar, ir de um lado a outro semdestino certo ou rumo fixo, transitar, passar distncia etc.

    VIII - O tempo uma coisa fixa que nada fixa.

    SKLIAR sublinha que: nosso tempo a dissoluo das paisagens, cujafamiliaridade e proximidade nos permitia antes transitar com relativatranquilidade e previso: princpios de valor universal; o Estado como referentepor meio do qual os homens se afirmavam em sua identidade coletiva; a

    sociedade pensada como uma unidade orgnica e imposta de realidadesheterogneas etc.

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    Assim a cultura, entendida como sinnimo de cultura nacional, pode sermais bem compreendida como uma cultura transnacional, porque os discursossobre ela esto arraigados em histrias especficas de deslocamentos culturaise viagens para fora,migraes, exlios etc.

    Cada vez mais as culturas nacionais esto sendo lanadas,interpretadas e reescritas desde a perspectiva das minorias; mas aperspectiva das minorias no pode ser simplificada como uma simplesproliferao de histrias alternativas dos excludos.

    Nesse sentido, junto com a ideia do transnacional e do tradutrio dacultura, a ideia de temporalidade disjuntiva acentua a presena permanentedo outro, da alteridade, do outro como diverso, o outro como diferente, ooutro como distinto.

    Diverso,como o desviar-se, como o afastar-se de seu caminho, como

    algo que habita em diferentes sentidos, como algo que se dirige para diversase opostas partes, como alguma coisa a ser albergada, hospedada.

    Diferente, em sua raiz latina: dis, como diviso e/ou como negao;ferre, que significa levar com violncia, arrastar. O outro diferente, que arrastado a partir de urna identidade original e localizado como seu oposto,negativo. Em sntese: o outro que est em um nico tempo, e em um nicotempo que o arrasta com violncia.

    distinto, tambm em seu significado latino: dis, como diviso e/ounegao; tinguere, cujo sentido mais prximo o de pintar, tingir etc. O outrodistinto, que mimetizado para parecer-se ao si mesmo, identidadesupostamente original. Definitivamente: o outro que est em um tempo desimulacro do outro, de mimese da mesmidade.

    um outro que problematiza nosso prprio tempo e nossa prpriaelaborao e organizao da temporalidade. Por exemplo, urbanos versussuburbanos, nativos versus imigrantes, imigrantes antigos versus imigrantesnovos, e hoje, sobretudo, modernistas ocidentais versus fundamentalistasislmicosetc.

    Dessa forma, a ideia de temporalidade disjuntiva cria um tempo novo designificao no qual as diferenas no podem ser negadas nem totalizadas,nos remete a um problema mais amplo e talvez mais rduo: a relao dalinguagem com as prticas de representao, e, em particular, o privilgiodado linguagem enquanto construo e circulao dos significadosculturais.

    Para SKLIAR, a existncia disjuntiva do outro no supe a presena deuma essncia natural ou material da alteridade, seno seu carter discursivo.Em outras palavras: o outro no um outro natural, mas um outro dalinguagem e dos sistemas de classificao nos quais esto e estamos

    colocados, embora em diferentes temporalidades e espacialidades.

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    A tradio aquilo que diz respeito ao tempo, no ao contedo. Poroutro lado, o que o Ocidente deseja o oposto de esquecer o tempo epreservar, acumular contedos; transform-los no que chamamos histria epensar que ela progride porque acumula.

    Nota-se que, o presente , ao mesmo tempo, a irrupo do outro queno pode ser ordenada, definida, estabelecida de uma vez e para sempre, aimpugnao e a irrupo do outro. A impugnao e a perplexidade damesmidade.

    CAPTULO II - Sobre as representaes do outro e da mesmidadenotas para voltar a olhar bem o que j foi (apenas) olhado

    IMesmidade, espacialidade e temporalidade

    Segundo o autor, se o tempo da mesmidade e o tempo do outroresultam em uma temporalidade no (somente) linear nem circular nem(apenas) simultnea, seno, sobretudo, disjuntiva e paradoxal; caso se trate deuma temporalidade que irrompe em um agora inesperado e incompreensvelque transtorna/confunde a prpria noo de passado e de futuro; se o tempo ,afinal, um fluxo infinito de perplexidades e de incompreenso na direo de seuprprio tempo, ento, tambm possvel que a espacialidade do outro e amesmidade se despedacem neste presente que excessivamente incessante.

    A espacialidade de interioridade e de exterioridade produz a sensao

    de ordem, de que tudo tem seu lugar e que foi sempre assim.Houve um tempo no qual cada um estava em seu lugar e havia um lugar

    para cada um.Ao contrrio, na origem, o lugar j se definia porque faltava um esobrava outro, porque nem tudo estava em seu lugar.

    Logo, todo ato de classificao em si mesmo um ato de excluso e deincluso que supe coero e violncia. Podemos dizer agora que todaespacialidade produzida, inventada, normalizada, traduzida e/ou representadacomo espao nico de excluso/incluso um ato de perverso. Perversona insistncia do mesmo e perverso na eterna reproduo do outro como o

    mesmo. Dois lados, quase idnticos, da perverso da mesmidade.

    Existe um olhar que parte da mesmidade. Outro que se inicia no outro,na expressividade de seu rosto.

    Continua havendo uma tendncia a considerar a representao umconjunto de conceitos, afirmaes e explicaes provenientes da vida cotidianae vinculados a formas especficas de adquirir e comunicar o conhecimento;uma espcie de sentido comum que se dissemina em aparncia sem intenonem finalidade; contedos descritivos, isto , informaes, imagens, atitudesetc., que no se submetem a uma pura exterioridade, que no so puro reflexo.

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    A representao, que deveria ser sempre social, ainda que difusa einstvel carrega consigo uma srie de dificuldades analticas.

    Uma crtica mencionada pelo autor diz sobre a maneira como ospesquisadores desse campo tenderam a abordar a representao da

    alteridade, ajustando-a sempre a um conjunto de sistemas externos deinterpretao, sistemas tais como as relaes intergrupais, os preconceitos,etc.,

    A alteridade seria dessa forma o produto de um duplo processo deconstruo e de excluso social que mantm sua unidade por meio de umsistema de representaes.

    Por conseguinte, habitam uma srie de problemas acerca darepresentao de olhares que percorrem o mundo de dentro para fora, isto ,que seguem uma direo que propriedade da mesmidade, e que, mantendo e

    produzindo uma certa distncia, tm como nico objetivo, como alvopermanente, a alteridade.

    O processo de representao supe a considerao de uma dupladimenso de anlise: a primeira a questo da delegao, isto , quem tem odireito de representar a quem; a segunda se refere questo da descrio decomo os sujeitos e os diferentes grupos sociais e culturais so apresentadosnas formas diversas de inscrio cultural, ou seja, nos discursos e nas imagensatravs dos quais o mundo social representado por e na cultura. Quem falapelo outro controla as formas de falar do outro.

    Fica implcito o fato de que os objetos, as pessoas, os acontecimentosdo mundo etc., no possuem per se nem se lhes pode atribuir ad hoc umsignificado (pr) estabelecido, determinado de uma vez por todas, fixado nahistria e, assim, coisificado: a significao da mesmidade e do outro supe umpermanente adiamento, e transfere para outro momento toda arrogncia, todasoberba, toda onipotncia de classificao.

    A visibilidade e invisibilidade constituem mecanismos de produo daalteridade e agem simultaneamente com o nomear e/ou o deixar de nomear.Neste sentido interessante considerar um chamado viso que a

    representao impe, isto , uma relao social exercida mediantemanipulaes especficas de espaos e corpos imaginrios para obenefcio (nosso) do olhar (para o outro).

    IIOlhar dentro e foraa mesmidade das imagens

    SKLIAR sublinha que, a persistente imagem do dentro e do foradesnaturaliza o pensar, o olhar, o perceber o mundo, pois o torna idntico mesmidade.

    O sujeito se recobre de uma imagem fixa, esttica, quase inerte, que o

    guia pelo tato por uma trama espacial de dois nicos lugares e de uma nicapassagem entre eles. A sujeio se faz evidente: isto ou aquilo. A

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    representao do mundo como espaos do mesmo (dentro, includo) e do outro(fora, excludo) a produo da imagem. A diviso, a separao, a fronteirano constituem espao algum. No so espaos; so uma passagemobrigatria.

    O autor destaca que, se a representao espacial do mundo se realizaem termos de (a) exterioridade! Interioridade, essa representao podeproduzir 6 tipos de imagens: 1- imagens de quantidades manipulveis eobscenas, 2 - imagens suavemente globalizadas, 3 - imagens objetivamentecibernticas ou eternticas, 4 - imagens somente Politicamente corretas, 5 -imagens de proliferao e multiplicao das excluses, 6 - imagens depromessas integradoras.

    Essas imagens so to reais como as representaes que delas (nos)construmos.

    A imagem do mundo das quantidades manipulveis e obscenastendea (nos) fazer concentrar unicamente em uma narrativa de posies,localizaes que descrevem retrocessos, vanguardas, desventuras, rumos edestinos, condenao de pases e de seus indivduos.

    A imagem do mundo globalizado se tomou demasiado ambgua emsuas interpretaes humanas; oferece-nos, ao mesmo tempo, demasiadobeneplcito e demasiada virulncia.

    Sendo assim, a imagem do mundo cibernticonos coloca a viver assimentre guerras virtuais e pobrezas reais que se confundem numa mesmadesorientao televisionada. E outra vez nos confundem o olhar, nos robotizamo olhar, nos controlam distncia o olhar.

    desigualdade dessas imagens do mundo se sobrepe aquela que bempoderamos denominar como um mundo de preocupaes e de ocupaespoliticamente corretas, isto , um mundo do autocuidado e da autoproteo.

    E o outro um outro cuidadosamente pronunciado, um outrogramaticalmente correto, o outro est bem enunciado, mas capturado em umamesmidade que se mascara em maneiras ligeiras de dizer, de nomear e de

    olhar.O mundo do politicamente correto um mundo onde seria melhor

    no nomear o negro como negro, no chamar o deficiente de deficiente,onde no seria melhor chamar o ndio de ndio, o mundo do eufemismo,do travestismo discursivo. No nome-los, no diz-los, no cham-los, masmanter intactas as representaes sobre eles, os olhares em torno deles.

    Ou nome-los de outro modo para continuar massacrando-os ou cham-los por outro nome para evitar toda ruptura com ns mesmos.

    preciso voltar a nome-los, a sab-los e adivinh-los de algum modo.E, para isso, nada melhor que coloc-los longe, no exterior de ns mesmos, a

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    uma distncia tal que nos seja fcil falar, discutir, conceitualizar, dizer; a umadistncia em que seja impossvel ouvir (-nos), responder(-nos), dizer(-nos).

    IIIexcluso, os sujeitos, os excludos, os no excludos

    O que que se representa ou se deseja representar atravs daexcluso? Quem so os sujeitos da excluso? O que o mundo representadocomo mundo da excluso, dos excludos? Em que consiste esse olhar que sevolta, atnito, para todas as excluses e no sabe mais do que nomear osoutros, e nome-los para fora? Os excludos so sempre aqueles outros, osmesmos outros?

    Segundo o autor, aquelas perguntas se tornam significativas na medidaem que a prpria ideia de excluso supe, ao mesmo tempo, um nonsenseterico por sua saturao conceitual, por sua extrema e indiscriminadapotencialidade de classificao do tudo e do nada, pelo seu nomear somente esempre o outro e como uma categoria (talvez relacionada tica?) que seaproxima, anuncia e ameaa o sofrimento do outro.

    Produto, ento, de um nonsense terico e do ser/estabelecer/padecersofrimento, a excluso resulta em uma dessas noes sociais, psicolgicas,econmicas, lingusticas, polticas, sexuais, culturais, de gnero etc. , cujaexpressividade de significado difcil de desentranhar, enquanto parece referir-se a um dispositivo muito preciso da espacialidade do outro.

    No existe sujeito que parea permanecer no sempre dentro da

    excluso, assim como no existe sujeito que parea permanecer no semprefora da excluso.

    Existem quatro problemas que deveramos analisar maisdetalhadamente; o que a excluso? De quem a excluso? Quem o sujeitooutro da excluso? Qxiste o oposto,positivo da excluso?

    O autor assinalou a existncia de trs mecanismos arquetpicos naconstruo e na produo da excluso: a excluso por aniquilamento, aexcluso por separao institucional e a excluso atravs da incluso.Nesta descrio parecem resolver-se todas as perguntas apontadas

    anteriormente: existe um espao-tempo que parece despovoado de todo sujeitoe de toda subjetividade.

    A excluso , deste modo, o no trabalho, o desemprego, o subempregoe, por extenso e concluso, a pobreza. Contudo, mais uma vez, o sujeito no(re)aparece. No h vestgios de seu rosto, nem de seu corpo.

    O termo excluso cria certa incomodidade e por isso alguns autorespropuseram a necessidade de deslizar seu significado para outros termos.Desloca ou complementa o conceito de excluso com a ideia dedesqualificao e/ou desafiliao social.

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    SKLIAR aponta que existe uma suposio, to divulgada quantoequivocada, de que as situaes de excluso so relativamente estveis,imutveis, inalterveis, que esto ali para ficar para sempre. Muito pelocontrrio: o que melhor definiria o processo da excluso seu carterdinmico, mutante e, inclusive, irritante. Mas o que se acrescenta aqui o fato

    de que deveriam ser igualmente consideradas as experincias vividas pelosexcludos, no s em relao sua excluso, mas tambm no que se refere aoassistencialismo e ao inclusionismoque dela geralmente resulta.

    SKLIAR tenta desarticular assim a autossuficincia do conceito deexcluso, introduzindo dois aspectos mais ou menos interessantes: primeiro, ode entender que se trata de um processo em que os vnculos sociais sedesfazem; segundo, o de sugerir que a excluso , entre outras coisas, umainteriorizao de aspectos negativos na identidade do sujeito.

    Pagan, ao pensar em Relgation adverte que este se constitui a partir de

    uma combinao de trs dimenses que, deixam em suspenso o mesmoconceito de excluso: a trajetria histrica do sujeito, as identidades e osterritrios.

    Em quase todas as definies e/ou indefinies da excluso surgesempre a ideia de que se trata de uma propriedade ou carncia do indivduo,de este ser possuidor ou no de alguns dos atributos fundamentaisconsiderados necessrios para a constituio do lar, da escolarizao, daprofissionalizao.

    Logo, de quem a excluso? Pois bem: assim definida, a excluso doexcludo; a excluso sua propriedade, sua responsabilidade, sua carga, seupatrimnio. Trata-se de um indivduo que no tem, no possui, no dispe dosatributos para deixar de ser o que.

    Para definir a excluso depara-se com uma dupla frmula perversa: amercadologizaodo outro e sua dessubjetivao. No primeiro caso, trata-se de um indivduo cuja responsabilidade ou irresponsabilidade se refere, nicae exclusivamente, sua relao como mercado de capitais, de propriedades,de objetos; no segundo, ele sempre nomeado como indivduo, isto , comoum corpo anmalo e amorfo, sem outras identidades.

    Sendo assim, ambas tm em comum uma noo de excluso que acabapor diluir, dissolver a subjetividade em uma ordem temporal e espacial quedeixa o sujeito sem identidades disponveis, sem diferenas, sementrelugares.

    Assim, novamente necessria a transformao da pergunta de quem a excluso? em outra ainda mais inquietante: quem so os excludos?

    Nessa perspectiva, comeou-se a praticar um jogo bem diferente nascincias sociais e humanas: a tendncia a uma subcategorizao cada vez

    mais sofisticada das mnimas parcelas em que a excluso podia seridentificada, delimitada, purificada e inclusive autorizada.

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    J no h uma dimenso econmica pura, seno outra, semelhante, decarter tecnolgico- econmico; em segundo lugar, continua existindo umaexcluso fundamentalmente macia ao redor das questes sexuais, de raa,de gnero, da normalidade do corpo e de suas idades etc.; em terceiro

    lugar, no existe uma excluso que parea poder deter-se em um determinadoponto ainda que toda excluso acredite identificar sua vtima quanto ao seuatributo mais sensvel, ningum , apesar das aparncias, simultaneamente,transversalmente excludo; e, por ltimo, a excluso continua sendo do/osujeito outro: a excluso da mulher sua sexualidade e seu gnero; a donegro, sua negritude; a do deficiente, sua deficincia; a doshomossexuais, sua opo sexual; e assim sucessivamente.

    A excluso se normaliza e, ao faz-lo, se naturaliza.

    Institui-se e desloca-se o pertencimento a uma comunidade de direitos,

    inclusive e, sobretudo, o direito no mesmidade; o direito irredutvel da/diferena.

    Observa-se que, a excluso um processo cultural, um discurso deverdade, uma interdio, uma rejeio, a negao mesma do espao-tempoem que vivem e se apresentam os outros. A excluso um processo culturalque implica o estabelecimento de uma norma que probe a incluso deindivduos e de grupos em uma comunidade sociopoltica. um processohistrico atravs do qual uma cultura, mediante o discurso de verdade, cria ainterdio e a rejeita.

    Entretanto, deixamos de falar da excluso e comeamos, timidamente, apensar nos discursos de verdade que a legitimam, que lhe do corpo, valor evalidez em um determinado momento da histria. de quem a excluso?poderamos responder que no do sujeito, no est no sujeito, circula nacultura, ou melhor, em um fragmento pontual dela como um significado que no natural e que foi naturalizado. um mecanismo de poder centralizadorque consiste em proibir pertencimentos e atributos aos outros.

    O excludo somente um produto da impossibilidade de integrao. No um sujeito, um dado. a negao do estar dentro que serve, ao mesmotempo, como uma afirmao desse espao dentro.

    O expulso uma produo, um modo constitutivo do social. um sujeitoabsolutamente necessrio para a nova ordem. Porm, no enuncia, nemdenuncia, nem anuncia nada: est privado de linguagem. Revela suacontradio, sem dizer nada; est sendo produzido para testemunhar seuespao sem falar sobre sua espacialidade.

    O excludo no tem corpo: a negao de sua espacialidade e de suatemporalidade. O expulso no tem voz: a afirmao de sua espacialidade ede sua temporalidade silentes.

    Mas as incomodidades polticas, culturais, econmicas etc. (re)negam osujeito que foi expulso: preferem-no excludo. Encontraram na lgica do

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    binmio de excluso/incluso um repertrio de aes, justificativas, argumentose novos, mas to velhos mecanismos de poder, de saber e de controle sobre osujeito. Descansam placidamente nessa oposio, satisfeitos com a descobertade uma nova, mas to velha ordem.

    Assim, deve haver somente dois lugares, ainda que aparentementecontraditrios entre si, onde a incluso seja forosa e necessariamente apositividade, o paraso, o outro angelical e a excluso, sua outra face maliciosa,o Inferno, o outro malfico.

    A relao excluso/incluso uma das mais tpicas representaesespaciais, territoriais, a partir da qual foi exercida uma presso sistemtica paraorganizar o mundo.

    SKLIAR analisou a genealogia dos processos de excluso e de inclusodos indivduos na Idade Mdia, a partir das medidas tomadas em relao aos

    leprosos e aos doentes acometidos pela peste, que, segundo o autor,assumiam a figura da excluso, do distanciamento, do desconhecimento, domalfico. Os doentes acometidos pela peste, ao contrrio, eram a metfora daincluso; sobre eles se exercia o poder do conhecimento, do exame, docuidado.

    A incluso acaba sendo assim uma figura substitutiva da excluso,mesmo quando esta permanece ativa e ativada em uma determinadasociedade. A incluso no o contrrio da excluso, e sim um mecanismo depoder disciplinar que a substitui, que ocupa sua espacialidade, sendo ambas asfiguras igualmente mecanismos de controle.

    CAPTULO III - Sobre a espacialidade do outro e damesmidadenotas para uma deslocalizao (permanente) da alteridade

    I - A cartografia do exerccio do poder

    SKLIAR ressalta que, toda questo humana deveria ser pensada a partirda perspectiva das diferentes espacialidades, que possam ser explicadasatravs do humano. Ento: existe uma nica espacialidade para o humano?

    A fabricao dos sujeitos do disciplinamento social comeou aexperimentar desde h algum tempo um certo tipo de curto-circuito: adocilidade dos corpos esculpidos pela normatividade, a solidez na construodas identidades do mesmo e da comunidade so, como fascas que hoje seapagam e que amanh podem aparecer reavivadas, corrigidas e aumentadas.

    SKLIAR retrata sobre uma cartografia de alguns procedimentos pelosquais so administradas as (supostas) excluses e incluses nas sociedadesdo presente, recuperando a dimenso espacial dos processos sociais.

    O mapa do presente, continua esse autor, supe o traado de mltiplosmapas justapostos que devem mostrar todos os lugares, vistos a partir de

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    todos os ngulos possveis. Desse modo, possvel supor a existncia de duasmodalidades diferentes de cartografar o exerccio de poder: a sociedadedisciplinar e a sociedade de controle.

    Segundo SKLIAR, a sociedade disciplinar assume a forma de um mapa

    que representa uma demarcao estrita de territrios, o que permiteobservar e controlar os sujeitos, reparar suas presenas e suas ausncias; opanptico de FOUCAULT, que sugere a possibilidade de ver e de fazer tudo,sempre, ocupando uma posio superior, de privilgio. A sociedadedisciplinar o resultado de um poder macio, cotidiano, sistemtico econsequente que tornou-se cega desde h muito tempo para as excluses....

    Isto nos leva a pensar que as excluses da generalidade do trfegosocial eram percebidas a partir de uma matriz geral da incluso, da cura, dareabilitao, da normalizao.

    IIA espacialidade do outro

    Causam-nos obsesso os espaos, segundo SKLIAR, as passagensentre os espaos e tambm a falta de lugares, os no lugares, a insistncia emum aparente nico espao. Entretanto, (r)estabelecer a(s) espacialidade(s) dooutro no supe enumerar em listas interminveis a composio dos nomes daalteridade, no deve ser o mea culpa da mesmidade, no se acostumar com anostalgia da mesmidade.

    Contudo, a pergunta sobre o outro deve voltar a insistir sobre aespacialidade do outroe no sobre sua literalidade. Sobre o perptuo conflitoentre os espaos. Sobre a negao e a afirmao dos espaos. Sobre a perdae o encontro dos espaos. Sobre os espaos que, ainda em convivncia, seignoram mutuamente. Sobre espaos que no convivem, mas que, certamente,respiram seu prprio ar.

    Adota o autor para essas imagens, para essas representaes deespacialidade, a seguinte denominao: (a) a espacialidade colonial, isto , ooutro malfico e a inveno malfica do outro; (b) a espacialidade/o(s)espao(s) multicultural (is) o outro da relao eu/voc ou, melhor, darelao pluralizada, generalizada e de certo modo obrigatria entre ns/eles;

    (c) a(s) espacialidade(s) da(s) diferena(s)o outro irredutvel, a distnciado outro, seu mistrio e, ao mesmo tempo, o espao da mesmidade comosendo refm do outro.

    III - Quem fica muito consigo mesmo se envilece

    De acordo com SKLIAR, toda cultura , por si mesma, em si mesma,originariamente colonial. E o , em termos de uma imposio aos outros deuma espcie de lei do mesmo. A mesmidade que persegue por onde quer queseja a alteridade como se fosse sua sombra; uma sombra da prpria lngua,uma sombra lingustica.

    A espacialidade colonial um aparato de poder que se articula e sesustenta. Trata-se de reconhecer a diversidade como dado descritivo e

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    transform-la, em seguida, em um longo e penoso processo de alterizao, emsua vitimizao e em sua culpabilidade.

    Algumas de suas prticas reconhecem a diferena de raa, cultura ehistria como sendo elaboradas por saberes estereotpicos, teorias raciais,

    experincia colonial administrativa, e, sobre essa base, institucionalizam umasrie de ideologias polticas e culturais que so preconceituosas,discriminatrias, vestigiais, arcaicas, mticas.

    Nesse sentido, o aparato de poder colonial , sobretudo, um aparato deproduo de conhecimentos que parece pertencer originariamente s aocolonizador; trata-se de seu saber, de sua cincia, de sua verdade e, portanto,do conjunto de procedimentos que lhe so teis para instalar e manter adinfinitum o processo de fabricao, de alterizao do outro.

    Para a modernidade entendida como uma ideologia do novo, o molde do

    no lugar se traduz direta e literalmente como uma espacialidade colonial.

    SKLIAR anuncia uma questo terrivelmente atual que todo discurso deafirmao de diferenas no debate contemporneo colocado em oposio auma aparente debilidade da utopia da igualdade. Assim, o discurso daigualdade segue aquele da diferena como a sua sombra colonial. A igualdadedeveria ser o resultado de uma relao de oposio com a desigualdade eno com a diferena e a diferena com a mesmidade e no com aigualdade.

    No ser a igualdade um grande equvoco? A ideia de igualdade produzpresses e expulses, gera promessas ilusrias de equidade e se fixa,somente, ao conjunto de direitos formais, administrativos e legais,negligenciando assim a autonomia, a irredutibilidade, a experincia e oacontecimento das diferenas.

    A colonialidade se transtorna e volta ao seu ponto de partida. Ocolonizador no compreende a crtica do outro, pois acredita que o outro existegraas sua prpria produo e inveno colonial.

    Todo povo colonizado, isto , todo povo em cujo seio tenha nascido um

    complexo de inferioridade como consequncia do enterro da cultura local situa-se sempre, encara-se, com relao lngua da nao civilizadora, isto , dacultura metropolitana. O colonizado escapar tanto mais e melhor de sua selvaquanto mais e melhor fizer seus os valores culturais da metrpole. Ser tantomais branco quanto mais rejeitar sua negritude.

    A espacialidade colonial no pode ser considerada uma ideologialinear, possuidora de uma nica cartografia. Mas deve ser pensada em termosde uma finalidade totalizadora e totalitria. Trata-se, para dizer melhor, de umconjunto muito heterogneo de prticas, discursos e interesses, cujo objetivomais evidente instaurar um sistema de domnio.

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    Assim, a faceta mais evidente do espao colonial aquela que sedefine como uma prtica, teoria e postura adotada por um centro urbano quegoverna um territrio distante. A outra faceta, talvez menos visvel, porm maissubstancial e sutil, se refere ao emprego permanente de um nico tempoverbal: o eterno atemporal, que transmite uma impresso de repetio e de

    fora e que se resume utilizao eficaz e suficiente da simples cpula.

    O espao colonial supe tambm a ideia de que, efetivamente, algunsterritrios e alguns povos querem ou precisam ser colonizados.

    Por outro lado, o objetivo do discurso colonial apresentar o colonizadocomo uma populao de tipos degenerados com base na origem racial demodo a justificar a conquista e estabelecer sistemas de administrao einstruo.

    Desse modo, no espao colonial representar supe que os textos

    coloniais (a) substituem de fato uma realidade determinada por umaimagem subjetiva do outro; (b) essa imagem do outro um tipo de prisma que se compe de um conjunto de mitologias sobre o outro; (c) essasmitologias localizam o outro numa posio de inferioridade, desubalternidade; (d) a partir dessa mudana hierrquica e assimtrica deposies possvel, ento, enfatizar detalhadamente as diferenas entreambos e justificar assim cada componente minucioso da relao colonial; (e)por ltimo, o processo parece completar-se com a transformao dosujeito-outro em uma posio de objeto-mesmo, objeto relegado, objetoconfinado, objeto objetificado incapaz de toda negao e incapacitado paratoda afirmao de (irredutibilidade) de sua diferena.

    Entre as mitologias do outro mais conhecidas, enquanto mais repetidasna literatura colonial, esto o mito primitivista, verso positiva o nobreselvagem, o selvagem domesticado, o selvagem servial, verso negativa oselvagem canibal, fundamentalista; o mito do orientalismo; o mito daperiferia; eo mito da boa diversidade ou da diversidade aceitvel.

    Essas mitologias do outro a percepo de que a representao dooutro sempre foi edificada a partir da mesmidade e para a mesmidade.

    Atravs da histria, sempre encontraremos ali uma oposio quilo que, por consequncia, brbaro, oriental, subdesenvolvido, latino, no ilustrado,pago etc.

    A representao colonial do outro, alm da conquista de seu territrio ede seus mitos, seu massacre, seu descobrimento, seu redescobrimento, suainveno, sua inscrio em fronteiras estritas de incluso/excluso, suademonizao, a (sua) atribuio de suas perturbaes, sua infantilizao, suanormalizao, sua traduo, sua estereotipia, sua medicalizao, suadomesticao, desterritorializao, sua usurpao, entre outras tantas coisas.

    O esteretipo uma forma primria de subjetivao no discursocolonial, tanto para o colonizado quanto para o colonizador. o desejo de

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    uma originalidade que se sente sempre ameaada pelas diferenas decultura, de sexualidade, de raa, de cor, de pele, de lngua, de gnero.

    SKLIAR assinala que, o outro do espao colonial um outro malfico eum outro de uma inveno malfica. O mal caracterizado por qualquer coisa

    que seja radicalmente diferente de mim, qualquer coisa que, em virtudeprecisamente dessa diferena, parea constituir uma ameaa real e urgente aminha prpria existncia.

    Surge uma explicao sobre a fabricao e construo do outroemum espao que se manifesta como uma diferena radical em relao mesmidade. Um outro malfico e um malfico outro, cuja alteridade estlocalizada, detida, em um espao fixo e negativo.

    Nesse sentido, nessa operao de alterizao, fica implcita aconstruo da essncia da prpria mesmidade, a fixao do eu mesmo: uma

    mesmidade regular, coerente, completa, mas, sobretudo, benigna, positiva,satisfatria, localizada em uma territorialidade oposta ao mal do outro e aooutro do mal.

    Esse tipo de pensamento supe que a pobreza do pobre, a violncia do violento, a deficincia do deficiente etc. O sujeito malfico o resultadode um conjunto complexo de operaes lingusticas e culturais que consistiriaem: (a) diluir a manifesta heterogeneidade do espao social; (b) condensar emuma nica figura de um ou de vrios rostos, de uma ou de vrias vozes, de umou de vrios corpos etc., toda uma srie de antagonismos culturais; (c)anunciar o componente ameaador que afaste suficientemente a possibilidadede qualquer perplexidade e que assegure nossa mesmidade; (d) enunciar o(s)nome(s) de um culpado para obter uma sensao de orientao espacial; (e)reduzir a/em um objeto, isto , objetificar toda a desordem, toda acomplexidade e toda a conflituosidade da experincia humana.

    A necessidade de construo do outro no de modo algum acidental, uma necessidade de matar (fsica e concretamente) e matar (simblica emetaforicamente) o outro.

    O outro um outro que no queremos ser, que odiamos e maltratamos,

    que separamos e isolamos, que profanamos e ultrajamos, mas que o utilizamospara fazer de nossa identidade algo mais confivel, mais estvel, mais seguro; um outro que tende a produzir uma sensao de alvio diante de suainvocao e tambm diante de seu mero desaparecimento; um jogo doloroso e trgico de presenas e de ausncias.

    IV - O que igual para todos no interessa a ningum

    Para SKLIAR, do outro singular, do outro como oposio (negativa) damesmidade, do outro malfico e sua inveno, parece surgir um dbilpassadio na direo da ideia do outro como um outro de um espao

    equilibradamente plural. O outro j no parece ser somente um indivduo

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    capturado em sua singularidade malfica, nem parece um outro diabolicamentetraduzido pelo mesmo, nem parece um outro redutvel malfica mesmidade.

    Pluralidade pode se referir, entretanto, a uma repetio e a umamultiplicao.

    Pluralizar e repetir o eu mesmo confere aos outros um espao de ser smatizes do mesmo inventados pela mesmidade. Pluralizar o outro determinaum espao onde no h mais escapatria, a no ser continuar sendo algunsoutros cuja experincia deve ser idntica a si mesma, e assim poder serorganizada, legitimada, oficializada, arbitrada, nomeada e, sobretudo,compreendida pela mesmidade.

    Da espacialidade colonial espacialidade multicultural parece criar-seum abismo de representaes: o outro colonial e o outro multiculturalseriam duas espacialidades do sujeito longnquas, irreconhecveis e

    irreconciliveis, radicalmente outras; outros espaos, outros sujeitos,outras vibraes culturais.

    Contudo, mudaram, essencialmente, as representaes, as imagens, osolhares, as maneiras de narrar o outro com o surgimento dessa novaespacialidade que denominada multicultural?

    Para muitos autores e defensores do multiculturalismo, o espaomulticultural, habitual e positivamente definido de acordo com uma ou maisdas seguintes definies: (a) um tipo de conscincia coletiva que se ope atodas as formas (conhecidas e nomeadas) de centrismos etno, falo, fono, logo,antropo etc.; (b) uma espacialidade discursiva que pareceria conduzir tanto auma nova teorizao e produo de conhecimento sobre os outros quanto arenovadas formas de entender e de exercer estratgias sobretudo culturais,politicas, de cidadania e de educao; (c) uma nova forma de disputaidentitria, cultural, poltica, educativa, etc., em torno dos significados dasassimetrias, dos poderes e hierarquizaes das representaes entre amesmidade e a alteridade; (d) um conjunto de aes afirmativas em umadireo aparentemente sem rodeios em direo ao outro; (e) revoltasantirracistas, antissexistas, antiblicas, ecologistas, antidiscriminatrias etc.; (f)movimentos sociais e lutas pelos significados lingusticos e polticos em torno

    do outro, da alteridade; (g) a respeitosa, tolerante da diversidade comotpico crucial de toda descrio poltica, cultural, educativa, lingustica, sexual,de gnero etc.; (h) uma enunciao, ainda que tnue e ambgua, comoveremos, de uma certapoltica da identidade e da diferena.

    Politicamente correto, enquanto estratgia discursiva de assimilao dooutro, enquanto assuno de eufemismos para denominar os outros, deixandoinclumes as assimetrias de representaes e de relaes de saber e poderaquilo de no chamar o deficiente de deficiente (ou o negro de negro etc.), mascontinue praticando- o, massacrando-o, continue fazendo-o deficiente (ounegro etc.).

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    A insistncia no multiculturalismo, entendido como a coexistncia hbridae mutuamente intraduzvel de diversos mundos de vida culturais, podeinterpretar-se tambm sintomaticamente como a forma negativa da emergnciade seu oposto, da presena macia do capitalismo como sistema mundialuniversal.

    O que significa o multiculturalismo?

    Kincheloe e Steinberg respondem sem rodeios que significa tudo e aomesmo tempo nada. Para esses autores, o multiculturalismo nada tem a vercom crenas ou descrditos sobre sua existncia, ou com o estar de acordo oudiscordar dele: O multiculturalismo simplesmente . Representa uma condiodo modo de vida ocidental de fim de sculo: vivemos em uma sociedademulticultural.

    O autor considera quatro formas substanciais de multiculturalismo; (a) o

    multiculturalismo conservador ou empresarial, (b) o multiculturalismohumanista liberal, (c) o multiculturalismo liberal de esquerda e (d) omulticulturalismo crtico.

    O multiculturalismo conservador ou monoculturalismo reconhece comoorigem as vises coloniais nas quais os sujeitos afro-americanos eram e sorepresentados como escravos e escravas, como serviais, como aqueles queesto a para divertir os outros e tornar-lhes a vida mais aprazvel, maisagradvel. o resultado direto de um legado das doutrinas da supremaciabranca.

    As concepes multiculturalistas partem do princpio de que as pessoasde determinadas naes tm culturas comparveis, que podem conservar-setambm no estrangeiro e contribuem dessa maneira para o enriquecimento dacultura nacional correspondente.

    Multiculturalismo, desse modo, passa a ser uma perspectiva neocolonial,isto , prope-se a oferecer uma autorizao para que alguns outros continuemsendo esses outros, mas agora em um certo espao de legalidade, deoficialidade, uma espcie de convivncia sem remdio.

    Da a adjetivao que lhe dada: empresarial, talvez uma novamaquiagem da antiga lgica do mercado e do capital humano.

    Pode-se questionar poltica da tolerncia, ressaltando as ambiguidadesdos diferentes regimes de tolerncia que a humanidade parece ter construdoao longo da histria.

    A histria da tolerncia foi sendo deslocada a partir do privilgio doindivduo em detrimento do reconhecimento de (certos e determinados) gruposou, pelo contrrio, a partir do privilgio de (certos e determinados) gruposdeixando de lado e sem resolver a questo do individual, da autonomia e da

    singularidade do sujeito.

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    A tolerncia possui um tom de eufemstico. A tolerncia tem umaforte relao com a indiferena. Corre o risco de se transformar em ummecanismo de esquecimento e de levar seus donos eliminao dasmemrias de sofrimento, paixo e dor. SKLIAR diz que a tolerncia implica queo objeto tolerado moral e necessariamente censurvel.

    O multiculturalismo humanista liberalprega a igualdade natural entreos homens. Diz-se-nos que as situaes desiguais so a consequncia dainsuficincia de oportunidades sociais, legais e/ou educativas, mas no oresultado de uma privao cultural que possa ser atribuda s minorias.

    Enfatizando, at a obsesso, a suposta oposio entre igualdade ediferena, os discursos e as prticas dessa forma multicultural se transformam,na maioria das ocasies, em presses etnocntricas que centrifugam para umanorma que no , nunca , no pode ser, equivalente, O igualitarismo seestabelece como uma condio s ine qua non da existncia multicultural,

    como um requisito que deve anteceder toda voz, todo olhar, todaexpressividade.

    O multiculturalismo liberal de esquerda, ao contrrio, sublinha asdiferenas culturais e sugere que o acento colocado na igualdade tende aobstaculiz-las, reprimi-las, atenu-las, extingui-las. A partir dessa perspectivaa diferena considerada uma essncia, que ignora e nega a situao histricae cultural de sua construo.

    O autor articulou uma distino significativa entre diversidade ediferena. Por ora, interessa dizer que a noo de diversidade utilizadageralmente em um discurso liberal que se refere importncia de sociedadesplurais e democrticas e que junto com ela surge sempre uma normatransparente, construda e administrada pela sociedade que hospeda, que criaum falso consenso, uma falsa convivncia, uma estrutura normativa que detme contm a diferena cultural: A universalidade, que paradoxalmente permite adiversidade, aquela que mascara as normas etnocntricas.

    O multiculturalismo crtico constitui a rejeio imagem de umacultura no conflituosa, harmnica e consensual, assim como uma oposio ideia da existncia de identidades autnomas, autodirigidas, autoconstrudas.

    As diferenas, entendidas aqui em termos de diferenas polticas e culturais,ocupam um lugar central, considerando-as no s atributos rgidos eessenciais, mas tambm produtos histricos, culturais, que resultam sempre de(uma conscincia de) relaes de poder.

    Para SKLIAR, este texto introduz, com particular agudeza, o terceiroelemento do problema da relao mesmidade/alteridade: a relao j nopode agora ser simplesmente naturalizada, ignorando os modos cruis deviolncia fsica e simblica, submetendo o outro a um encontro foroso depluralidades sem histrias, determinando o tempo e o espao do encontro,inventando uma nova lei do comum, negando a opresso, dissimulando a

    barbrie entre as pginas gastas e abandonadas da histria, a histria damesmidade.

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    Vdiversidade e diferena

    Para SKLIAR, diversidade e diferena parecem termos similares, seususos parecem ser os mesmos, seu carter de representao da alteridadeparece idntico. Mas no o so. Ou, em todo caso, o so somente na

    superficialidade e na artificialidade de um travestismo discursivo que seapropria violentamente, outra vez, do inominvel.

    O conceito de diferena adquiriu importncia a partir da denominadapoltica de identidadee dos movimentos multiculturais. considerada dadoda vida social que deve ser reconhecido, respeitado, aceito e/ou tolerado.

    Dito de uma vez que a diferena poltica pode ser de dois tipos: a) que anticolonial: o outro que nasce no mesmo momento em que o colonizadorcomea a se estabelecer em terras distintas e distantes; o outro que iniciauma rdua batalha contra a violncia fsica e simblica desse processo; o

    outro que se prope e prope discursos e prticas de oposio em relao aocolonial; b) que basicamente descolonizador; uma diferena que insiste emproduzir textos afirmativos, imagens positivas sobre a prpria cultura, doprprio corpo, da prpria identidade. Uma diferena que se instala para discutirpalmo a palmo a onipresena do discurso colonial que denuncia asdesigualdades sociais, econmicas, educativas, sexuais, raciais etc.; queno rever da histria e da literatura pretende anular os efeitos do discursocolonial a partir de perspectivas no hegemnicas e/ou no dominantes.

    Mas o outro anticolonial e o outro descolonizador foram reduzidos pelopoder do discurso colonial

    Alm disso, a representao da diferena no deve ser lida rapidamentecomo o reflexo de traos culturais ou tnicos preestabelecidos. Em outrosentido, as diferenas tambm no podem ser vistas como essncias.

    Sobre a espacialidade do outro e da mesmidade tende a negardiferenas de sexualidade, idade, gnero, classe, etnia etc., dentro dessatotalidade grupal; que as polarizaes de relaes sociais complexas entre nse outros, simplifica e desistoriza as diferenas sociais, confundindo seu carterhistrico e cultural com a emergncia do biolgico.

    E possvel que ao pensar nas diferenas seja necessrio, ao mesmotempo, afirmar a multiplicidade e a singularidade das valoraes em um sujeito.

    SKLIAR acrescenta que deveramos encontrar uma maneira de falar dadiferena, no como alteridade radical, mas como diffrance.

    A irrupo do outro uma diferena que difere, que nos difere e quese difere sempre de si mesma. ele que a toda hora cria a linha de diviso.

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    CAPTULO IV - Sobre a anormalidade e o anormalnotaspara um julgamento (voraz) da normalidade

    I - E se o anormal fosse realmente anormal, no existiria.

    Segundo SKLIAR, h um outro, em meio a nossas temporalidades e anossas espacialidades, que foi e ainda inventado, representado einstitucionalmente governado em termos daquilo que se poderia chamar umoutro deficiente, uma alteridade deficiente, ou ento um outro anormal, umaalteridade anormal.

    Um outro cujo corpo, mente, comportamento, aprendizagem,ateno, mobilidade, sensao, percepo, sexualidade, pensamento, ouvidos,memria, olhos, pernas, sonhos, moral etc, parecem encarnar, sobretudo ediante de tudo, nosso mais absoluto temor incompletude, incongruncia, ambivalncia, desordem, imperfeio, ao inominvel, ao dantesco.

    Para o autor, trata-se de um outro que exacerba a secular imaginaoda mesmidade to improvvel quanto impossvel em relao a um corpoperfeito, a uma inteligncia compacta, rtmica e erudita, uma sexualidade tonica e determinada quanto constante, uma aprendizagem veloz, curricular econsciente ainda que no em demasia, uma lngua capaz de ser smonolngue, e de dizer aquilo que todos querem ouvir.

    A mesmidade que cria com placidez seus monstros e que, ao mesmotempo, produz os antdotos necessrios para mat-los, para no v-los, para

    ocult-los.Normalidade que inventa a si mesma para, logo, massacrar, encarcerar

    e domesticar todo o outro.

    A alteridade deficiente, anormal, resulta assim numa inveno queparece referir-se a um outro concreto, mas que hoje s tem sentido quando seafasta desse outro concreto se que ele existe e se volta furiosa para amesmidade.

    A alteridade deficiente, anormal, como significado que parece referir-se aum outro, s tem sentido se foge e refoge desse outro e se confronta a

    normalidade; se fere de morte a normalidade; se transfigura a normalidade,

    Assim, os valores e as normas praticadas sobre as deficincias formamparte de um discurso historicamente construdo, onde a deficincia no simplesmente um objeto, um fato natural, uma fatalidade.

    Esse discurso, assim construdo regula tambm as vidas das pessoasconsideradas normais. Incapacitao e normalidade pertencem, assim, a umamesma matriz de poder.

    Aquilo a que foi dado chamar de educao especial com suas velhas e

    com suas novas maquiagens no tem por que ser o locus privilegiado ou

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    obrigatoriamente nico lugar para onde se voltar a olhar bem a questo daalteridade deficiente.

    Nesse sentido, deixo explcita a ideia de que a educao especial ,antes de mais nada, a fabricao de um conjunto de dispositivos,

    tecnologias e tcnicas que se orientam para uma normalizao inventada,de um outro, tambm inventado como outro deficiente.

    Os significados culturais que regulam o discurso da deficincia e daeducao especial, afirmando que o funcionamento das polticas designificao o podemos ver na educao especial, onde uma grande proporode estudantes negros e latinos so considerados apresentando problemas decomportamento,enquanto maioria dos estudantes brancos de classe mdia proporcionada a cmoda etiqueta de ter problemas de aprendizagem.

    A histria da educao especial no pde desvincular-se nunca de sua

    relao com os saberes mdicos e psiquitricos produziu ela mesmapequenas grandes clausuras ou internaes por categorias; que foigovernada por ingerncias mdicas, religiosas, benficas.

    Mas acredito que o que deve ser sublinhado aqui o possvelentendimento da educao especial como uma espacialidade colonial o lugarno mundo desses outros deficientes tem sido permanentemente relacionado econfundido com seu lugar institucional, e o lugar institucional foifrequentemente profanado pela perversidade de pensar tudo em termos deincluso e excluso.

    A educao especial e a alteridade deficiente compartilham um mesmoproblema: ambas foram e ainda so tratadas como tpicos basicamentesubtericos. Em virtude desta subteorizao, consequncia de uma tradiohistrica de controle do sujeito deficiente por experts e especialistas, que apopulao geral no vislumbra a conexo possvel entre a alteridade deficientee seu status quo, da mesma maneira que muitos esto compreendendo hoje,por exemplo, as estruturas contemporneas de poder e conhecimento.

    Nesse sentido, a educao especial conserva para si um olhar iluministasobre a identidade da alteridade deficiente, isto , vale-se das oposies de

    normalidade/anormalidade, de racionalidade/irracionalidade e decompletude/incompletude como elementos centrais na produo de discursos eprticas pedaggicas. Os sujeitos so homogeneizados, infantilizados e, aomesmo tempo, naturalizados, valendo-se de representaes sobre aquilo queest faltando em seus corpos, em suas mentes, em sua linguagem etc.

    Na atualidade a epistemologia tradicional da educao especial cedeuespao a algumas representaes sociais das identidades da alteridadedeficiente, ela continua sendo percebida, em termos de totalidade, como umconjunto de sujeitos homogneos, centrados, estveis, localizados no mesmocontnuo discursivo.

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    E, por ltimo, no h aqui nada que suponha a existncia de um outrodeficiente em si mesmo, redutvel, transparente, nominvel. Trata-se, isso sim,de como essa alteridade foi e inventada, produzida, traduzida,governada; em sntese, esto sendo mencionados o colonialismo e acolonizao no processo de produo de uma alteridade especfica. Fala-se da

    inveno do sujeito, e no do sujeito. Fala-se da fabricao de um corpo, e nodo corpo.

    Essa duplicidade redundaria em uma questo crucial: o esforo deconstruo de uma nova e diferente localizao da espacialidade e datemporalidade da alteridade deficiente em contextos culturais, polticossociais, filosficos e poticos mais amplos.

    Ao mesmo tempo deveria supor tambm uma tentativa de desconstruiressa espacialidade e essa temporalidade, to natural quanto naturalizada, quese instala em contextos rgidos de medicalizao, correo, caridade e

    beneficncia, nos quais a alteridade deficiente habitualmente posicionada,desposicionada e reposicionada em termos de corpo dcil, treinvel e nomenciono aqui, por razes mais do que evidentes, a expresso corpos teis.

    IIA construo da normalidade e o outro deficiente, sua inveno,a negativizao de seu corpo e a robotizao de sua mente.

    SKLIAR sublinha que, o outro deficiente foi inventado em termos de umaalteridade malfica, de uma negativizao de seu corpo, de umarobotizao de sua mente. Vamos falar sobre essa malfica inveno: aconstruo da normalidade.

    Vivemos em um mundo de normas que so produto de uma longahistria de invenes, produes e tradues do outro deficiente, do outroanormaletc.

    certo que muito tem sido escrito e reproduzido sobre a deficincia emuito pouco sobre a alteridade deficiente. Porque o objeto de estudo tem sidofocalizado, obsessivamente, sobre o que pensamos que o sujeito deficiente.

    verdade que falar de raa h muito tempo referir-se branquidade.

    Normalidade e corpo normal, esse o problema. Norma: significado latino quedemarca uma arte de seguir preceitos e de corrigir erros. E o problema quea normalidade e o corpo normal foram construdos para, ao mesmotempo, criar o problema do outro deficiente.

    E existe uma concepo liberal que nos obriga a olhar a norma comoalgo que sempre esteve ali. Sempre no sentido de que a mesmidade parecesseser dona de um desejo to natural quanto milenrio de ser comparado, de sercotejado, de ser medido, estudado. Sempre, porque a mesmidade no desejaoutros espelhos a no ser os prprios. Sempre, porque a mesmidadequebra os espelhos que no lhe so prprios.

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    A palavra normal como construo, conformao do no desviante ou daforma diferente. A palavra norma, em seu sentido mais moderno, de ordem ede conscincia de ordem, foi utilizada mais recentemente, a partir de 1855, enormalidade e normalizao aparecem em 1849 e 1857, respectivamente.

    A palavra normal , indubitavelmente, uma inveno damodernidade.

    Davis assinala que o contraste com o ideal provinha de outrarepresentao, de outro olhar, de outro termo: o significado do grotesco. Ogrotesco uma forma visual que supe que todos os corpos humanos sejam,de algum modo, no ideais, no divinos, no belos; um significado que serelacionava ento com o cotidiano, com as gentes, com a vida em comum, como sujeito de carne e osso, e no com as deficincias e/ou com os deficientes,no com as anormalidades e/ou com os anormais.

    O grotesco no era equivalente ao deficiente, porque impossvelpensar, por exemplo, sobre as pessoas com deficincia sendo utilizadas agoracomo decoraes arquitetnicas como o grotesco foi utilizado nas moldurasdas catedrais na Europa. O grotesco permeava a cultura e tinha comosignificado o da humanidade comum, enquanto o corpo deficiente, umconceito mais tardio, foi formulado como uma definio excludente da cultura,da sociedade, da norma.

    Em Os anormaisse prope realizar uma arqueologia da anormalidade esugere que o anormal do sculo XIX o descendente direto de trs indivduosparticulares: o monstro, o incorrigvel e o masturbador.

    O monstro humano tem como marco de referncia a lei; a prpria noode monstro uma noo jurdica, porque aquilo que o define o fato de quesua existncia e sua forma violentam no s as leis da sociedade, comotambm as leis da natureza. O surgimento do monstro constitui um domnioque pode ser denominado jurdico-biolgico: um caso extremo, estranho,raro; aquilo que combina o impossvel com o proibido.

    J o indivduo a ser corrigido encontra um marco apropriado nafamlia, no exerccio de seu poder interno, ou melhor, na famlia em sua relao

    com as instituies que a rodeiam e determinam, O indivduo a ser corrigidosurge desse jogo, desse conflito, desse sistema intrincado de apoios queexistem entre a famlia e a escola, a rua, o bairro, a igreja, a polcia etc.

    Seu ndice de frequncia multo maior que o do monstro e, por isso, um fenmeno mais corrente.

    O incorrigvel se refere a um tipo de saber que est se constituindolentamente no sculo XVIII: o saber que nasce das tcnicas pedaggicas,das tcnicas de educao coletiva, de formao de aptides.

    As instituies totalitrias vo marcar o ritmo e as pautas dastransformaes que se operaram em boa parte dos pases industrializados ao

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    final do sculo XIX, com o objetivo de integrar no somente os socialmenteperigosos, como tambm, na realidade, a totalidade populacional. E a escolapblica que surge nas ltimas dcadas do sculo XIX se converte numaespacialidade bem determinada e especfica onde vo confluir os criminais, osdementes e as crianas, aqueles eram vistos como indivduos prximos ao

    mundo do animal, filogeneticamente falando.

    Desse modo, a infncia passa a ser objeto das tecnologias e dosdispositivos de normalizao. Uma normalizao centrada na infncia. Euma infncia que, talvez justamente por sua prpria institucionalizao, comeaa desajustar-se, a anormalizar-se, a criminalizar-se etc.

    No cenrio, at a chegada da correo, foi ali ento que se produziu odeslocamento do binmio autoridade-coero para o de persuaso-manipulao.

    III - Tudo vai sendo igualado. E assim como tudo se acaba: tudose igualando

    A estatstica foi a ferramenta para a definio de uma noogeneralizada e imperativa da norma e do normal. Formulao do conceito dehomem mdio, afirmando que este homem abstrato era o resultado de umamdia ou de um promdio average de todos os atributos humanos em umdeterminado pas.

    Considerar o homem-mdio, a mediocridade do que aconteceindefectivelmente, por obra e graa de uma nova fsica social. O homem-mdio, o corpo de um homem em meio mediocridade, se torna o exemplarprototpico de uma forma mdia de vida social.

    A perfectibilidade resulta de uma notvel afinidade entrecriminologia e estatstica mdica. A partir disso foi proposto uma ao socialcientificamente centrada na educao, na assistncia aos pobres, namelhoria das condies de vida,isto , na aplicao de um tipo de estatsticamoral e no tanto de uma represso desaforada aos criminosos.

    O conceito de norma, diferente de ideal, implica que a maioria da

    populao deve ou deveria de alguma forma ser parte dela, estar nela contidade qualquer maneira. A norma traduz com rapidez o grotesco em deficincia,corpos humanos em deficientes, o mundo em anomalia, em uma espacialidadee uma temporalidade somente desviante.

    A estatstica nasceu com a eugenia, porque seu insight mais significativoradica na suspeita de que a populao pode ser normal. Um exemplo, via-sena aparncia atraente como o melhor indicador externo da aptido hereditriageral.

    As ideias sobre a evoluo das espcies serviram para localizar,

    distribuir e confinar as pessoas deficientes naquele fragmento evolutivo dosmenos dotados, uma espacialidade provisria que devia ser superada,

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    inclusive exterminada, pelos mais aptos na dinmica inexorvel da seleonatural.

    Os eugenistas se tornaram obsessivos com a ideia e com a prtica daeliminao dos defectivos, uma categoria primeiramente inventada, logo

    nominada e por ltimo separada, na qual incluram os surdos, os cegos, osdeficientes fsicos etc.

    Foi proposto o termo eugenesia, pelo mesmo pesquisador que elaboroua noo atual de quociente intelectual (QI) e aos testes de habilidadesescolares. O que significaram essas revises e que disperses edisseminaes produziram nas representaes, nos discursos e nas prticassobre o normal e sobre o anormal?

    Significa a tentativa de redefinir o conceito de ideal, traduzindo-oinexplicavelmente para normal em relao populao geral, alm do fato

    de que a aplicao da ideia de norma ao corpo humanocriou por sua vez aideia de desvio ou de corpo desviado, ainda a essa ideia de norma originououtra ideia necessria: a de uma variao normal do corpo atravs de uma guiaestrita da forma que o corpo deveria ser, e tambm, a reviso da curva normalde distribuio em quartis, classificados em uma ordem de hierarquia, criou umnovo tipo de ideal.

    IV - O outro foi alterizado e sua alteridade foi examinada sob a lupade um processo estatstico e eugensico, matemtico e moral, fsico esocial

    E a norma um grupo que se atribui uma medida comum de acordo comsua prpria mesmidade, com seu prprio olhar para si mesmo, com arigorosidade e exatido de quem se sabe normal. A norma a permannciainterna, sem deixar que nada nem ningum se relacione com algumaexterioridade.

    O anormal no de uma natureza diferente da do normal. A norma, oespao normativo, no conhece exterior. A norma integra tudo o que desejariaexced-la, nada, nem ningum, seja qual for a diferena que ostente, podealguma vez pretender-se exterior, reivindicar uma alteridade tal que o torne um

    outro.O normal no , no pode ser, um conceito esttico. Trata-se, pelo

    contrrio, de um conceito difuso, escorregadio, arenoso, que qualificanegativamente aquilo que no cabe na totalidade voraz de sua extenso.

    Logo, se o normal o prefervel, o desejvel, aquilo que est revestidode valores positivos, seu contrrio dever ser inevitavelmente aquilo que considerado detestvel, aquilo que repele.

    A norma insiste em atrair para si todas as identidades e todas as

    diferenas.A norma quer ser o centro de gravidade,

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    A normalizao um dos processos mais sutis pelos quais o poderse manifesta no campo da identidade e da diferena. A identidade normal natural, desejvel, nica. A fora da identidade normal tal que ela nem sequer vista como uma identidade, mas simplesmente como a identidade.

    V - Compreendo que as pessoas normais so pessoas normais, oque no compreendo por que fujo das pessoas normais.

    As representaes que procedem da literatura, dos filmes, dos jornais edos documentrios etc., cada um com sua bvia particularidade tm acapacidade de apresentar a alteridade deficiente em termos de um olharpendular. Olhar pendular que, sistematicamente, oscila entre apericulosidade, o primitivismo, a obscuridade e a ignorncia, ou entoseus opostos, isto , o herosmo, o emblema da calma, a superao, acivilidade.

    A literatura volta a traar imagens do outro deficiente de uma maneiraambgua, dual, antagnica. As representaes da alteridade flutuam nessepndulo vertiginoso. No podia ser de outro modo, no devia ser de outromodo.

    A alteridade deficiente como o outro do mal. O que no fala ou fala mal,no aprende ou aprende mal, no atende ou atende mal, no se representa ouse representa mal, no l ou l mal, no escreve ou escreve mal, no seinscreve em um corpo ou se inscreve mal.

    A inveno malfica do outro deficiente. A que criou o significado e anorma do falar bem, aprender bem, atender bem, representar-se bem, ler eescrever bem, inscrever-se bem no corpo.

    E finalmente: Ai! Por que temos de nos reformar tanto?notaspara uma pedagogia (improvvel) da diferena

    I - Eles tambm so como eu, digo para mim. E assim me defendodeles. E assim me defendo de mim

    O autor indaga sobre o que que perguntamos quando perguntamossobre a educao, e por que perguntamos pela educao.

    Uma resposta que nossa histria nos sugere que estamos nosperguntando pela instabilidade e pela insistncia de suas mudanas e de suastransformaes, isto , ns nos perguntamos para suspender, apanhar ecapturar aquilo que pensamos que a educao.

    Preferimos mudar a educaoe mud-la sempre antes de question-la; preferimos ocupar-nos mais do ideal, como normal, que do grotesco,como humano.

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    Tudo possvel com a mudana em educao: a insistncia de umanica espacialidade e de uma nica temporalidade, mas com outros nomes; ainfinita transposio do outro em temporalidades e espacialidadesegocntricas; a pedagogia das supostas diferenas em meio a um terrorismoda indiferena (indiferente); e a produo de uma diversidade que quase no

    se atende, quase no se entende e quase no se sente.

    E sobre uma mudana sem origem, voltar mudana, mudar a cadasegundo. Afirmamos que estamos diante de um novo sujeito. Mas precisodizer: de um novo sujeito da mesmidade.

    Como em um incessante mecanismo de produo de novidades,assistimos ao espetculo das mudanas: da necessidade de mudanas, de suaimperiosidade, de sua suntuosidade, de sua perversidade, de sua monotonia,de sua inconscincia.

    E as mudanas educativas nos pensam agora como uma reforma domesmo, como uma reforma para ns mesmos. Porque as mudanas nosolham, e ao olhar-nos encontram s a metstase de leis, de textos, decurrculos, de didticas e de dinmicas.

    As mudanas tm sido, ento, a burocratizao do outro, sua inclusocurricular, seu dia no calendrio, seu folclore, seu exotismo, sua purabiodiversidade.

    Voltamos a ignorar aquela tica do rosto mesmo sabendo que temosuma responsabilidade com o outro, com sua expresso, com suairredutibilidade, com seu mistrio. E voltamos, por ltimo, a refugiar-nos emnossa insossa hospitalidade (hostil).

    II - A educao institucional, a instituio educativa, a escola, umainveno e um produto do que denominamos modernidade

    O tempo da modernidade e o tempo da escolarizao costumam ser,como temporalidades que s desejam a ordem, a classificao, aproduo das mesmidades homogneas, ntegras, textuais, sem fissuras,sem a contaminao do outro; a espacialidade da modernidade e o espao

    escolar s procuram reduzir o outro longe de seu territrio, de sua lngua, desua sexualidade, de seu gnero, de sua idade, de sua raa etc.

    Modernidade e escola, como uma temporalidade simtrica em que cadacoisa deveria ter seu espao e cada espao deveria seguir o ritmo de umtempo monocrdio, insensvel, inevitvel.

    Modernidade e escola, onde duas coisas diferentes (mesmidade ealteridade) no podem estar no mesmo lugar ao mesmo tempo e onde umamesma coisa no pode estar em dois lugares (um lugar para a mesmidade)ao mesmo tempo.

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    A ordem da modernidade acabou se tornando uma expresso deimpossibilidade de um projeto igualmente impossvel, tambm a ordem daescola foi se despedaando, foi se fragmentando nas vrias tonalidades dotempo presente. E a oposio entre po ies is e p rxis educativa tornou-seextrema.

    A tarefa de educar se transformou num ato de fabricar mesmidadeseali se deteve, estabeleceu uma ordem, uma hierarquia de somas e restos, desujeitos e predicados, de Histria e histrias, de excluso e de incluso, deanjos e rprobos.

    SKLIAR sublinha, de outra forma, a educao como um ato que nuncatermina e que nunca se ordena. A educao como poiesis, isto , como umtempo de criatividade e de criao que no pode nem quer orientar-se para omesmo, para a mesmidade. A educao como a construo de um outro querepercuta na mesmidade.

    Depois da ordem a perplexidade da educao, da escola. Poderamospensar, ento, em uma pedagogia da perplexidade?

    Uma pedagogia outra, seria, uma pedagogia do acontecimento,descontnua que provoque o pensamento, que retire do espao e do tempotodo saber j disponvel; que obrigue a recomear do zero, que faa damesmidade um pensamento insuficiente para dizer, sentir, compreender o queaconteceu; que emudea a mesmidade.

    E que desordene a ordem, a coerncia, toda pretenso de significados.E que possibilite a indeterminao, a multiplicao e a babelizao detodas as palavras, a pluralidade de todo o outro.

    E que desminta o passado unicamente nostlgico, somente utpico,absurdamente elegaco.

    Uma pedagogia para um presente disjuntivo que pode ser, ao mesmotempo, trs maneiras possveis de entender a educao: a pedagogia dooutro que deve ser sempre apagado; a pedagogia do outro como hspedede nossa hospitalidade e, por ltimo, a pedagogia do outro que volta e

    reverbera permanentemente.IIIA pedagogia do outro a pedagogia da diferena?

    A pedagogia do outro que deve ser sempre apagado a pedagogia desempre; uma pedagogia que nega duas vezes e que o faz de uma formacontraditria: nega que o outro haja existido como outroe nega o tempo emque aquilo, a prpria negao colonial do outro, possa ter acontecido. Negaque o outro tenha existido, pois no existe mulher, no existe negro, noexistem vagabundos etc.

    A pedagogia do outro que deve ser apagado o nunca-outro e osempre-outro: o outro permanente. Nunca existiu como outro de sua alteridade,

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    como diferena. E sempre existiu como um outro do mesmo, como umarepetio montona da mesmidade.

    E a pedagogia do outro que deve ser apagado possui dois princpiospedaggicos to austeros quanto inexpugnveis: (a) est mal ser aquilo que se

    e/ou se est sendo; (b) est bem ser aquilo que no se , que no se estsendo e que nunca se poder, ou ter vontade de ser.

    A pedagogia do outro que deve ser apagado: uma pedagogia para quea mesmidade possa ser, sempre, a nica temporalidade e espacialidadepossvel.

    IVFinalmente

    A pedagogia do outro um corpo reformado e/ou se autorreforma,fazendo metstase sobre o mesmo e sobre o outro; a ambio do texto damesmidade que tenta alcanar o outro, capturar o outro, domesticar o

    outro, dar-lhe voz para que diga sempre o mesmo, exigir sua incluso, negar aprpria produo de sua excluso e sua expulso, nome-lo, dar-lhe umcurrculo colorido, escolariz-lo cada vez mais para que possa parecer-seao mesmo e seja o mesmo.

    uma pedagogia que afirma duas vezes e que nega tambm duasvezes: afirma o ns, mas nega o tempo (provavelmente) comum; afirma ooutro, mas lhe nega seu tempo. a pedagogia da diversidade.

    Uma pedagogia da diversidadecomo pluralizao do eu mesmo e domesmo; que rene, no mesmo tempo, a hospitalidade e a hostilidade para como outro. Que anuncia sua generosidade e esconde sua violncia de ordem.

    Entre tantos sentidos da pedagogia o autor se questiona: quem so osoutros dessas expresses e sentidos da educao?

    No caso da diversidade, ela se preocupa com um outro que historicamente problemtico para a educao, talvez, uma diversidadeanormal.Assim, parece ficar modulada uma alteridade escolar especfica.

    Por isso, a pedagogia do outro como hspede de nossa mesmidade

    no hoje uma metamorfose, mas sim uma reforma que se autorreforma epor isso, deve ser colocada em suspenso e deve ser olhada comdesconfiana.

    Isso porque preciso deslocar a aparente neutralidade e o olharapaziguador que temos sobre a diversidade e consider-la, ao contrrio, umacategoria epistemolgica, uma descrio que emerge a partir de umaetnografia displicente e auto- suficiente, como simples dado ou fato da vidasocial.

    Mas tambm no podem deixar de ser considerados os usos da

    diversidade: polticos ou governamentais, empresariais, culturais epedaggicos.

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    SUPERVISO PEDAGGICA: PRINCPIOS E PRTICAS

    (Mary Rangel (org.). 5 ed. Papirus, 2005)

    CAP 1. ALARCO, Isabel. Do olhar supervisivo ao olhar sobre a superviso

    Um jeito de introduo...

    Uma nota comparativa sobre a superviso no Brasil e em Portugal

    No Brasil, a superviso tem uma concepo e apresenta-se como uma

    prtica recente. Remonta aos anos 1970 e surgiu, historicamente, como funode controle (Silva 1998). Em nome da eficincia e da eficcia, amparadas porabordagens tayloristas que subjazem a vises tecnocrticas, o supervisor considerado o instrumento de execuo das polticas centralmente decididas e,ao mesmo tempo, o verificador de que essas polticas so adotadas.Designado muitas vezes por supervisor escolar, responsvel pelofuncionamento geral da escola em todos os setores: administrativo,burocrtico, financeiro, cultural e de servios.

    Noutro sentido, e hodiernamente, tem-se outra viso do papel dosupervisor. Ao superpoder orientador e controlador contrape-se umaconcepo mais pedaggica da superviso como uma coconstruo, com osprofessores, das tarefas dirias de todos os atores da escola. O supervisorpassa assim a ser parte integrante do coletivo dos professores, e a superviso

    realiza-se em trabalho de grupo.

    Rangel destaca que a superviso passa de escolar, como frequentemente designada, a pedaggica e caracteriza-se por "um trabalho deassistncia ao professor, em forma de planejamento, acompanhamento,

    coordenao, controle, avaliao e atualizao do desenvolvimento de

    processo ensino-aprendizagem". Ainda que poltica, nesta abordagem osupervisor desempenha uma funo sociopoltica crtica.

    Nesse novo contexto, a superviso pedaggica dirige-se aoensino e aprendizagem, cujo objeto central a qualidade do ensino, porm oscritrios desta qualidade no so impostos de cima para baixo na forma deum receiturio acriticamente aceito pelos professores, mas na interao entreosupervi