conceitos centrais de vygostky

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    I (2), 2006

    revista educao

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    CONCEITOS CENTRAIS DE vYGOSTKY: IMPLICAES PEDAGGICAS

    vYGOTSKYS CENTRAL CONCEPTS:PEDAGOGICAL IMPLICATIONS

    Cludia Bertoni FITTIPALDI

    RESUMO: Os conceitos de zona de desenvolvimento prximo, internalizao e linguagem so vitais na perspectiva histrico-cultural. A compreenso desses conceitos, por sua vez, pode auxiliar o trabalho pedaggico. Assim, o objetivo deste artigo analisar esses trs conceitos centrais de Vygotsky e as implicaes pedaggicas decorrentes, almejando, Dessa forma, contribuir para as reflexes sobre educao. ABSTRACT: Concepts of impending development zone, internalization and language are vital in a historical-cultural perspective. Comprehension of these concepts, on the other hand may support pedagogic work. Thus, the purpose of this article is to analyse these three Vygotskys central concepts and the following pedagogical implications, hence aiming to contribute to reflections on education. Palavras-chave: Vygotsky; zona de desenvolvimento prximo, internalizao e linguagem. Keywords: Vygotsky; impending development zone, internalisation and language.

    Professora do curso de Pedagogia da Universidade Guarulhos Unidade V Av. Anton Philips, 01, Vila Hermnia Guarulhos So Paulo CEP: 07030-010 (0__11) 6424-1616; Pedagoga; Psicopedagoga; mestre em Psicologia da Educao pela PUCSP e doutoranda em Psicologia da Educao pela PUCSP.

    Contato: [email protected]

    As obras de Vygotsky foram introduzidas no Bra-sil a partir da dcada de 80, passando a trazer implica-es para a rea da educao. No entanto, preciso Dessacar, como lembra Davis (1993), que Vygotsky um terico do desenvolvimento e, sendo assim, faz-se necessrio derivar de suas propostas uma teoria da aprendizagem, para que se possa elaborar uma teoria de ensino verdadeiramente interacionista. Para tanto, a compreenso dos conceitos centrais da teoria vygotskyana se torna essencial.

    Vygotsky preocupou-se em conhecer como o homem constri cultura. Para isso, analisou o homem em seu contexto sociocultural, o sujeito enraizado na histria para poder compreender sua constituio en-quanto sujeito.

    A perspectiva histrico-cultural de Vygotsky tem como pressuposto que o desenvolvimento das Funes Psicolgicas Superiores (FPS), funes estas

    tipicamente humanas, como a memria voluntria, a imaginao, o comportamento voluntrio, o pensa-mento abstrato e a ateno voluntria, est intima-mente ligado ao contexto sociocultural em que a pes-soa est inserida (LEITE, 1991).

    De acordo com essa tica, trs conceitos se apresentam como primordiais; antes, porm, de dis-cuti-los, vale a pena ressaltar que os conceitos aqui apresentados foram analisados separadamente ape-nas para fins didticos, mas preciso ter em mente que eles se articulam, no sendo de forma alguma conceitos estanques.

    CONCEITOS CENTRAIS DE VYGOTSKY

    1. Zona de Desenvolvimento Prximo:

    Vygotsky (1934/2001) salienta que o desenvol-

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    vimento das Funes Psicolgicas Superiores ocorre a partir da relao homem/mundo, relao esta que no direta, mas mediada por instrumentos e signos desenvolvidos culturalmente.

    Sob essa perspectiva, Oliveira (1993) explica que para Vygotsky, os instrumentos funcionam como fatores externos no desenvolvimento cognitivo, auxi-liando na transformao e controle da natureza, regu-lando as aes sobre os objetos. O homem produz instrumentos para realizar determinadas tarefas e ain-da capaz de guard-los para us-los posteriormente, bem como, de transmitir sua funo a outros. Como instrumentos podem ser citados a p, o machado, a canoa, entre outros. Existem tambm os instrumentos que atuam como fatores internos os signos que regulam as aes das pessoas, sendo os representan-tes mentais de objetos, situaes, eventos, etc.

    De acordo com essa concepo, o real cons-trudo a partir da relao do homem com o meio media-do pelos instrumentos e signos (mediadores semiticos). Sob essa tica, pode-se afirmar que, para Vygotsky, o conhecimento vai do social para o individual, porque por meio das relaes sociais que o indivduo pode se constituir enquanto membro autnomo da espcie hu-mana. Assim, as Funes Psicolgicas Superiores no so produzidas por si s graas maturao biolgica, mas sua construo implica o uso de signos e smbo-los, que nada mais so do que instrumentos de intera-o (DAVIS,1993, p. 50). O desenvolvimento implica o no uso de instrumentos auxiliares, passando pelo uso progressivo desses instrumentos at a sua no utiliza-o, porque j houve internalizao.

    Ao contrrio de Piaget, que conside-ra o desenvolvimento um pr-requisito para a aprendizagem,Vygotsky (1934/2001) entende que o processo de desenvolvimento se articula ao processo de aprendizagem. Para ele, a aprendizagem bem or-ganizada impulsiona o desenvolvimento, que, por sua vez, permite novas aprendizagens.

    Assim, postula o conceito de zona desenvolvi-mento prximo. Segundo ele, deve-se considerar, em cada indivduo, a presena de um nvel de desenvol-vimento real, caracterizado por aquilo que o sujeito j consegue realizar sozinho, sem o auxlio de algum; um nvel de desenvolvimento prximo, caracterizado por aquilo que o sujeito ainda no consegue fazer so-

    zinho, mas capaz de realizar com a ajuda de algum mais experiente. Entre esses dois nveis, situa-se a zona do desenvolvimento prximo, ou seja, distncia, metafrica, entre o nvel de desenvolvimento real e o nvel de desenvolvimento prximo, ou melhor dizendo, o percurso a ser feito entre o que o indivduo j domina e o que est em processo de consolidao.

    Dentro desse contexto, o professor precisa es-tar atento aos nveis de desenvolvimento dos seus alunos, conhecer o que este j consolidou, em termos de aprendizagens e conhecimentos, e o que est em processo de consolidao, para que possa fazer uma interveno pedaggica adequada.

    2. Internalizao

    Vygotsky (1930/1994) ressalta que o desenvol-vimento ontogentico (pessoal) produto da apren-dizagem, das interaes entre o sujeito que aprende e os agentes mediadores de cultura (pais, professo-res, etc.). Da resulta a lei da dupla formao dos pro-cessos psicolgicos superiores (desenvolvimento da linguagem, ateno, memria, raciocnio, formao de conceitos...), que aponta que no desenvolvimento cultural da criana, toda funo aparece duas vezes: no nvel interpsicolgico e no nvel intrapsicolgico. Menciona-se isso porque as FPS tm sua origem nas construes sociais e sua reconstruo individual, ou seja, sua internalizao concretizada a partir das in-teraes das crianas com os adultos e outros agen-tes mediadores.

    Diante disso, a influncia educativa pode promo-ver o desenvolvimento, quando consegue arrastar a criana atravs da zona de desenvolvimento prximo, convertendo em desenvolvimento real reconstruo no plano intrapessoal aquilo que, em princpio, uni-camente um desenvolvimento potencial apario no plano interpessoal (COLL, 1996, p. 289). Como a in-terao social (nvel interpsicolgico) leva resoluo independente de problemas (nvel intrapsicolgico)?

    Coll ainda esclarece que para Vygotsky, a intera-o social a origem e o que impulsiona o desenvolvi-mento e a aprendizagem, pois por meio dela a criana aprende a regular seus processos cognitivos, devido s indicaes das pessoas com as quais interage, em outras palavras, pela interao social que o indiv-

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    duo aprende. Assim, o que a criana consegue fazer a princpio graas s indicaes recebidas (regulao interpsicolgica), transforma-se progressivamente em algo que capaz de fazer por si mesma (regulao intrapsicolgica). A defasagem entre a resoluo indi-vidual e social dos problemas explicada por meio do conceito de zona de desenvolvimento prximo, assim, o que a princpio s uma potencialidade gerada pela inter-relao com os outros passa a fazer parte do que o aluno capaz de fazer sozinho, mediante um pro-cesso de internalizao.

    Assim sendo, a internalizao, para Vygotsky, a reconstruo interna de uma operao externa (1930/1994, p. 63). No entanto, preciso ter claro que nesse processo de internalizao no h um antes e um depois; um dentro/fora, como comum se pensar, o que na verdade ocorre um movimento dialtico, em que h a negociao entre os sentidos privados (hip-teses que o sujeito traz consigo) e o significado p-blico ou social (representaes dos tempos, papis e prticas sociais), sendo que o que apropriado, como alerta Pino (1992) de natureza semitica: a significa-o da ao e no a ao em si mesma. Desse modo, ao internalizar, o sujeito modifica sua percepo das coisas, sua capacidade de solucionar problemas, ou seja, suas Funes Psicolgicas Superiores.

    Nessa internalizao, a linguagem desempe-nha papel decisivo, pois ela um instrumento regu-lador da ao e do pensamento. Por meio dela pode-se influenciar a ao e o pensamento das pessoas, bem como os nossos prprios pensamentos e aes. Deste modo, o processo de interiorizao pode ser entendido como o trnsito desde uma regulao ex-terna, social, interpsicolgica dos processos cogniti-vos, mediante a linguagem dos demais, at uma re-gulao interiorizada, individual, intrapsicolgica dos processos cognitivos, mediante a linguagem interna (COLL, 1996, p. 313).

    3. Linguagem

    No que diz respeito ao papel da linguagem no desenvolvimento e relao entre linguagem e pen-samento, Vergnaud (1993) expe que para Vygotsky a linguagem instrumento constitutivo do pensamento. Ela entendida como um sistema simblico (mediador

    semitico), que tem como funes o intercmbio so-cial, ou seja, a comunicao entre os indivduos, o que permite a transmisso, preservao e assimilao de informaes e experincias acumuladas pelo homem ao longo de sua histria; e o pensamento generalizan-te, que seria a classificao dos objetos, ordenando o real por meio de conceitos, tornando a linguagem ele-mento constitutivo do pensamento. Alm de regular a prpria conduta e a do outro, a linguagem permite lidar com o mundo fsico e social e planejar as nossas prprias aes.

    Para Vygotsky (1934/2001) pensamento e lingua-gem esto atrelados, um no acontece sem o outro, embora possuam trajetrias distintas at que ocorra uma ligao entre eles. Assim a princpio, na fase pr-verbal na aquisio da linguagem, o pensamento e a linguagem independem um do outro: as crianas pe-quenas e os animais partem de uma inteligncia prti-ca, ou seja, utilizam-se de instrumentos como media-dores entre eles e o mundo, e no os signos.

    Posteriormente, por volta dos dois anos de idade, a criana passa a utilizar a fala de uma forma intelectualizada, com uma funo simblica genera-lizante. O pensamento torna-se verbal (mediado por signos) e a fala intelectual, unindo as duas trajetrias, possibilitando a comunicao, organizada agora via sistema de signos. no significado da palavra que fala e pensamento se unem em pensamento verbal; o significado que possibilita a comunicao entre os usurios da linguagem.

    Em face ao exposto, o desenvolvimento, segun-do Vygotsky, ocorre do social para o individual; da fala social para a fala interior, ou seja, o sujeito internaliza a linguagem utilizada em sua sociedade, para isso, passa pela fala egocntrica (fala que acompanha a ao e se dirige para o prprio sujeito da ao o sujeito planeja em voz alta) e culmina com a fala interior (a criana pode agora dizer para si mesma apenas o indispensvel).

    Assim, a linguagem, como instrumento do pen-samento, evidencia o modo pelo qual se interiorizam os padres de comportamento fornecidos pelo seu grupo cultural.

    IMPLICAES PEDAGGICAS:

    Diante de toda concepo vygotskyana expos-

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    ta, convm explicar algumas implicaes pedaggi-cas decorrentes, em especial, o papel do professor e da escola.

    Para Vygotsky a escola no pode restringir-se ao que a criana j sabe, preciso ir alm, adiantar-se ao desenvolvimento, ou seja, dirigir as funes psicolgi-cas superiores que esto em vias de se completarem. Por isso fundamental que o professor esteja atento ao nvel de desenvolvimento real da criana, para que possa atuar na zona de desenvolvimento prximo, ou seja, oferecer-lhe um ensino que vai um pouco alm do que ela j consegue fazer sozinha, desafiando/ ampliando a construo de novos conhecimentos. Da a importncia de sua interveno, bem como de crianas mais experientes que, assim como o profes-sor, tornam-se mediadores, ajudando a criana menos experiente a alcanar um novo patamar de desenvol-vimento. Sob este aspecto, Vygotsky lana um olhar prospectivo sobre o desenvolvimento psicolgico, ou seja, o professor precisa estar atento ao desenvolvi-mento que est em processo, que est emergindo. O professor atento a esse desenvolvimento capaz de intervir adequadamente na zona de desenvolvimento prximo fornecendo pistas, informaes, modelos, entre outros, provocando avanos que, naquele mo-mento, no aconteceriam espontaneamente.

    Sob essa perspectiva, a escola/o professor no fica espera do desenvolvimento intelectual da criana. Ao contrrio, deve puxar pelo aluno, lev-lo adiante, pois h uma ao recproca entre aprendiza-gem e desenvolvimento, de forma que aprendizagens impulsionam o desenvolvimento, que permite novas aprendizagens, que impulsionam o desenvolvimento e, assim, sucessivamente. Torna-se necessrio lem-brar que as constantes interaes do social (interpsi-colgico) com o individual (intrapsicolgico) por meio de instrumentos e signos culturalmente construdos,

    possibilitam a aprendizagem, ou seja, aquilo que apropriado, internalizado nas relaes sociais estabe-lecidas (DAVIS, 1993, p. 50).

    Nesse processo de internalizao, a linguagem desempenha um papel particularmente importante no processo ensino-aprendizagem, pois por meio da palavra possvel detectar o que o aluno j domina (nvel de desenvolvimento real) e o que est prestes a dominar com a ajuda de algum mais experiente (nvel de desenvolvimento prximo), possibilitando a inter-veno pedaggica, alm de mudanas na forma de pensar e agir.

    Nesse sentido, a escola/o professor deve priorizar as interaes aluno-aluno, aluno-professor que possam promover tanto a aprendizagem quan-to o desenvolvimento, auxiliando na articulao en-tre conceitos espontneos das crianas (conceitos construdos a partir da experincia direta da criana sob o objeto, ou seja, de forma no mediada e nem intencional) e conceitos cientficos (conceitos cons-trudos via mediao social pessoas mais experien-tes, jornais, entrevistas, escola...). Isso demonstra a importncia que o outro tem no desenvolvimento de cada membro da cultura.

    De acordo com essa viso, Vygotsky deixa claro que s um ambiente informador no basta para ocor-rer o desenvolvimento (como estabelece a abordagem ambientalista), bem como tambm s a estrutura fi-siolgica no suficiente (como apia a teoria inatis-ta) para produzir o homem. Dessa forma, Vygotsky, como bem descreve Grossi (1993), discute a questo do desenvolvimento dentro de um novo paradigma, apontando para a dimenso social da construo dos conhecimentos, para a importncia do outro com sua contribuio para a cultura, indo alm dos plos (su-jeito e realidade) comumente considerados no proces-so ensino-aprendizagem.

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