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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP PROGRAMA em COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA Comunicação plurimidiática ou comunicação de massa? As metáforas coloniais na divulgação da Royal Academy of Dance (RAD) no Brasil Leila Ortiz Tavares Costa MESTRADO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC-SP

PROGRAMA em COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Comunicação plurimidiática ou comunicação de massa?

As metáforas coloniais na divulgação da Royal Academy of Dance (RAD) no Brasil

Leila Ortiz Tavares Costa

MESTRADO

2011

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Leila Ortiz Tavares Costa

Comunicação plurimidiática ou comunicação de massa? As metáforas coloniais na divulgação

da Royal Academy of Dance (RAD) no Brasil

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

como exigência parcial para obtenção do título de

Mestre em Comunicação e Semiótica, na linha de

pesquisa Cultura e Ambientes midiáticos, sob

orientação da Profa. Dra. Helena Katz.

MESTRADO

2011

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Banca Examinadora

_________________________________________

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Agradecimentos

É com muito carinho que agradeço a tantas pessoas... se pudesse nomeá-las todas aqui...

Infelizmente, não é possível. Mas, todas elas estão nesse trabalho de algum jeito. Não

esquecerei.

À minha querida filha, Isadora,

Aos meus pais amados,

Irmãos, cunhados, tios, primos, sobrinhos, ex-marido, amigos, tanto os que concordam quanto

os que não concordam.

Ao Centro de Estudos da Dança e seus artistas incríveis, que me emocionaram, me

contagiaram, me ajudaram a me dar conta de quem eu sou. E de outros lugares que passei e

venho passando em minha vida.

Aos professores do Programa Pós Graduação em Comunicação e Semiótica.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pelo apoio que

proporcionou o tempo tão necessário a esta pesquisa.

À Prof.a Dr.a Christine Greiner, e sua incrível lucidez do entendimento de corpo.

À Prof.a Dr.a Helena Katz, e sua capacidade inigualável de resistência e transformação.

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RESUMO

A Royal Academy of Dance (RAD) produz um material plurimidiático para difundir-

se em todo o mundo. O Brasil faz parte do mundo onde a RAD atua. Esse material

plurimidiático reúne seis sites ( www.rad.co.uk, www.radacadabra.org, www.benesh.org,

www.geneeballetcompetition.com, www.youngdances.org.uk e

www.royalacademyofdance.com.br) CDs, DVDs, uma revista com três edições no ano

(Dance Gazette), um informativo com quatro edições ao ano (Diary), e livros (Syllabus –

1991; The Foundations of Classical Ballet Technique, 1997; Body Basic ,1991; e Music in the

Dance Studio, 1993), além de informativos esporádicos. Objetivando estudar esse conjunto

diverso de mídias que a RAD emprega para a sua divulgação no Brasil, esta pesquisa aplica a

metodologia de HP – hermenêutica de profundidade (THOMPSON, 2009) para analisar estas

diferentes mídias nos seus aspectos de produção e recepção simbólica, com enfoque de

contexto estrutural. Tem como objetivo demonstrar o poderoso potencial de contaminação

que a RAD organizou com a sua opção plurimidiática, dando ênfase a um outro tipo de mídia,

não incluído explicitamente entre os materiais distribuídos. A pesquisa foca no professor,

propondo-o como um corpomídia (KATZ & GREINER, 2001, 2005, 2010) das mesmas

informações divulgadas nas outras mídias, mas com uma eficiência exponencial na sua

transmissão. Entendendo a recepção como uma ação criativa, aqui se propõe a reflexão sobre

o corpo do professor da RAD como um dispositivo de comunicação (FOUCAULT, 2009) que

potencializa a estabilização de relações assimétricas de poder no corpo-aluno. A hipótese é a

de que o corpo do professor media um saber (o modo inglês de se dançar) que legitima a

estrutura de classes do neo-liberalismo. Na medida em que despreza a relação corpo-

ambiente, sem levar em conta o fluxo inestancável de troca que o caracteriza (KATZ &

GREINER), e adota o modelo de comunicação do input-processamento-output, o

corpoprofessor da RAD se apresenta como o acionador dos inputs que produzirão o

“legítimo” modo inglês de dançar, ignorando a potencialidade corporal localmente construída

(SANTOS, 2006). A partir dessa configuração, a pesquisa propõe a necessidade de co-

existência entre as práticas de movimentos corporais do professor e dos alunos, norteada pela

reflexão de que a ação desse corpo do professor se configura como colonial quando não se

propõe a trocar com o ambiente (SANTOS, 2010; CANCLINI, 2007; HALL, 1997) e, nessa

ação impositiva, se inscreve como operador potente na biopolítica (AGAMBEN, 2009).

Palavras-chave: comunicação de massa, hemenêutica de profundidade, corpomídia,,

colonialismo, biopolítica, Royal Academy of Dance (RAD).

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ABSTRACT

The Royal Academy of Dance (RAD) produces multimedia material to disseminate

itself all over the world. The Brazil gets a part where RAD is in action. This multimedia

material puts together websites www.rad.co.uk, www.radacadabra.org, www.benesh.org,

www.geneeballetcompetition.com, www.youngdances.org.uk end

www.royalacademyofdance.com.br, CDs, DVDs, the Dance Gazette magazine (three edition

in each year), Diary (four edition in each year), the syllabus of RAD (1991) and the books:

The Foundation of Classical Ballet Technique (1997), Body Basic (1991) and Music in Dance

Studio (1993) and some informative. It is purposing to study that complete multimedia

material who the RAD uses to disseminate itself in the Brazil, this research make use of HP

methodology – hermeneutic of depth (THOMPSON, 2009) to analyse these different medias

into the symbolic issues of production and reception from structural context. The aim is to

demonstrate powerful potential contamination that RAD organized by your multimedia option

giving emphasis in the other kind of media, not explicitly included in the multimedia material:

the teacher of RAD. Proposing the teacher of RAD like a bodymedia (KATZ &GREINER,

2001, 2005, 2010) who disseminates the same information like the others medias giving

effectiveness exponential for them into dissemination. Understanding the reception like a

creative action, here is the reflection about teacher of RAD like a communication’

mechanism of power that gives potential to stabilize into students’ bodies asymmetric relation

of power. The hypothesis is the teacher of RAD mediates specific knowledge (in the way of

English to dance) that legitimizes structural of social class from neo-liberalism. How it

despises the relation body-environment without getting the flow exchange of information who

body is characterized (KATZ & GREINER), and getting communication’ model input-

processing-output the teacher of RAD is like actuator of inputs that produces genuine in the

way of English to dance without local construction potential of body (SANTOS, 2006). From

this design, the research proposes coexistence between practical movement of both, teacher

and student, guide by reflection that the teacher of RAD puts in motion colonial action when

doesn’t proposing exchange with environment (SANTOS, 2010; CANCLINI, 2007; HALL,

1997) and, in this action that operates the imposition to become yourself potential operator of

biopolitcs.

Keywords: multimedia, hermeneutics of depth, bodymedia, colonial body, biopolitcs, Royal

Academy of Dance (RAD).

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ÍNDICE

Introdução..................................................................................................................................1

Capítulo 1 – A Produção Simbólica da RAD: corpo do professor, livros, CDs, DVDs e

Sites.

1.1 O contexto de produção dos materiais plurimidiáticos da RAD.........................................22

1.2 As mídias e a produção de controle....................................................................................24

1.2.1 A produção dos livros da RAD.....................................................................................28

1.2.2 A produção dos CDs da RAD.......................................................................................50

1.2.3 A produção dos DVDs da RAD....................................................................................53

1.2.4 A produção dos Sites da RAD......................................................................................58

Capítulo 2 – A RAD no Brasil

2.1 A RAD no contexto histórico brasileiro.............................................................................60

2.2 A recepção e as mídias........................................................................................................65

2.3 Diferentes contextos de recepção........................................................................................69

Capítulo 3 – A Ação do Professor da RAD no Brasil e suas implicações na Biopolítica..76

Bibliografia..............................................................................................................................79

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INTRODUÇÃO

Poucas vezes se relaciona o conceito de multinacional com o ensino da dança. Mas

quando se pensa na Royal Academy of Dance (RAD), cuja sede localiza-se em Londres, e de

lá gerencia 34 “International Offices”, ou seja, 39 filiais que coordenam a sua atuação em 79

países tão distintos como Brasil, China, Malta, Nova Zelândia, Itália, Canadá, África do Sul,

Índia e Macau, entre outros, não há abordagem mais justa para o modelo empresarial ao qual

pode ser associada. E, como em qualquer outra empresa de mesmo porte, nela também a

preocupação com a comunicação é prioritária, seja a comunicação com o público ou a

comunicação com os “International Offices” espalhados por diferentes partes do mundo.

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A RAD foi fundada em 1920, no Trocadero Restaurant Picadilly, em Londres, por

Philip Richardson, então editor da revista The Dancing Times e os professores de balé

clássico Adeline Genée (Escola Dinamarquesa), Tamara Karsavina (Escola Russan), Lucia

Cormani (Escola Italiana), Eduoard Espinosa (Escola Francesa) e Phyllis Bedells (Escola

Inglesa), com o objetivo de tratar da pobre qualidade e má organização do ensino de dança na

Inglaterra. A precariedade da situação revelou a urgência de se organizar uma associação, a

Associacão de Professores da Dança Operacional na Grã-Bretanha (Association of Teachers

of Operatic Dancing in Great Britain). Em 1935, esta associação foi reconhecida

juridicamente como uma “Instituição Real”, recebendo o nome de Royal Academy of

Dancing - RAD. Em 1953, a Rainha Elizabeth II tornou-se Patrona Real da RAD e, em 1963,

ela passou a ser uma organização beneficente (ONG). Em todo esse período, o material

midiático chamado Syllabus foi sendo aprimorado e tomou forte impulso com um especial

direcionamento do ensino de balé clássico proposto por Margot Fonteyn. Esse material

colaborou para o crescimento na atuação da RAD em todo o Reino Unido, e para a mudança

da sede da Royal Academy of Dancing para Battersea Square, onde permanece até hoje. A

primeira filial se estruturou na Austrália, em 1983.

Em 1991, Antoniette Sibley foi eleita presidente da RAD e o nome da Academia

passou a ser Royal Academy of Dance (RAD). Ou seja, o projeto que havia se iniciado com

o objetivo de cuidar da má qualidade do modo de dançar balé na Inglaterra no início do século

20, assume, ao final desse século, que o seu propósito havia mudado: não mais dedicar-se

somente ao ato de dançar (dancing), mas sim a toda a dança (dance).

“Mas cada palavra do meio milhão que há no Oxford English

Dictionary teve de ser imaginada por alguma pessoa e determinado

momento da história, aceita por uma comunidade e perpetuada através

de eras. É um processo que enreda mundo, mente e sociedade de forma

surpreendente... descobriu-se recentemente que um dos aspectos do

simples ato de nomear transforma nosso entendimento da lógica, do

significado e da relação entre conhecimento e realidade”

(PINKER, 2008, p. 323)

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Hoje, a RAD tem programas universitários para diversas áreas da dança: coreografia,

professores de dança com foco em comunidades (Master of Teaching), programa de exames

(Grades e Vocational), preparação de professores de balé clássico à distância (CBTS), escola

para bailarinos, pesquisa em dança, assessoria a escolas públicas (Step Into Dance), fundação

de apoio a criança através da dança (The Jack Petchey Foundation) e ampliou sua ação para

82 países com 34 filiais (escritórios locais que atende mais de um país) e 14.000 membros

associados. Além dos eventos principais, promovem conferências, workshops, Cursos de

Treinamento, Cursos de Verão, Cursos de Inverno, festivais, competições e outros. Todos os

associados pagam uma anuidade em diferentes modalidades sendo: afiliados-membros como

pagantes de 40 (quarenta) libras, membros pagam 68 (sessenta e oito) libras, membros

professores pagam 116 (cento de dezesseis) libras, amigos da academia pagam 30 (trinta)

libras.

Por ser uma multinacional, enfrenta os mesmos tipos de problemas de comunicação

que qualquer outra empresa de mesmo porte e com atuação em tantos países distintos. Mas, a

esse quadro de dificuldades e necessidades comuns, se agregam particularidades. Afinal, o seu

produto é uma metodologia de ensino de balé – o que implica na necessidade de conseguir

ajustar-se a corpos variados, em distintas culturas. Para a eficiência dessa comunicação que

enfrenta distintas mediações culturais, o professor se constitui como um eixo estratégico.

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Para conseguir comunicar o tipo de balé que a RAD elegeu, o professor autorizado

pela instituição conta com um material sofisticado, composto por uma relação de

complementariedade entre diversas mídias: DVDs, CDs, site, os syllabus1 da RAD (1991) e

três livros: The Foundations of Classical Ballet Technique (1997), Body Basic (1991) e Music

in the Dance Studio (1993). Este conjunto facilita muito a apreensão dos princípios que

estruturam o método de “como” ensinar o balé clássico da RAD. Todavia, de todas as mídias

implicadas nessa comunicação, a que aqui será destacada é o corpo: o corpo do professor

formando os corpos dos alunos. Com a Teoria Corpomídia2 (KATZ & GREINER), tentarei

demonstrar que o corpo é a mais importante mídia neste programa plurimidiático de ensino.

Para realizar uma leitura crítica do material plurimidiático, a pesquisa parte da sua

aplicação em dois contextos sociais distintos, tendo como foco os tipos de comunicação

ocorridos em ambas. Sendo uma professora autorizada com acesso ao método de ensino da

Royal Academy of Dance (RAD), testei a sua aplicação em duas diferentes situações de

aprendizagem, na cidade de Marília, no estado de São Paulo, situada a 465 km da capital: em

uma escola privada destinada às classes A e B, de 1996 a 2006; e em uma ONG sem fins

lucrativos, situada em um bairro popular, de 1996 a 2006. É a reflexão sobre o resultado

diferenciado da comunicação de um mesmo conjunto de informações (o material

plurimidiático que difunde esse método de dança) em dois ambientes diferentes que

impulsiona esta pesquisa.

Convergi esforços para a aplicação do método da RAD. Empenhei-me profundamente

na compreensão de sua estrutura, domínio de conceitos e cumprimento de tarefas. Creditei ao

método uma potência para a redução da exclusão social, a partir de seu uso com o mesmo

rigor nestes dois contextos distintos, nos quais buscava mobilizar o maior trânsito possível de

relações.

Na escola privada, as mensalidades eram cobradas, os materiais necessários à sua

aplicação eram adquiridos por cada aluno; na ONG sem fins lucrativos, o ensino, o material

1 Os syllabus são livros com a descrição das sequências (enchainements) de passos de barra, centro, danças clássicas, free movement e caráter que compõe a aula de exame. Cada grau de aprendizagem corresponde a um syllabus (livro) específico. 2 A Teoria Corpomídia vem sendo desenvolvida pelas Profas. Dras. Helena Katz e Christine Greiner no curso de Pós graduação em Comunicação e Semiótica, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. A teoria propõe o corpo enquanto uma coleção de informações em semiose com o ambiente, sempre em ajuste e em fluxos inestancáveis.

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necessário para as aulas de dança clássica e os materiais teóricos eram fornecido

gratuitamente. Em ambos, o trabalho era realizado por mim, com o apoio voluntário de alguns

jovens interessados em auxiliar na preparação da sala de aula, organização dos espetáculos e

da agenda, até participação na programação de aulas. O propósito principal era o de promover

o maior trânsito possível entre as crianças e os jovens das diferentes classes sociais, instalando

uma situação propícia para iniciar uma reflexão sobre a ação deste tipo de ensino de dança no

que se chama de desigualdade social.

Por que transformar a aplicação do método da RAD em uma estratégia com esse

objetivo? Como se trata de uma instituição reconhecida internacionalmente, que produz um

material didático sempre atualizado, que conta com um contínuo acompanhamento, e tem

penetração em 79 países, favorecia a hipótese de ser adequado para investigar,

simultaneamente, estas duas situações sociais.

As premissas das quais parti foram:

1) O professor local faz parte do material plurimidiático. A comunicação que ocorre via

seu corpo tem uma papel central na transmissão dos conhecimentos (saber/poder)

padronizados nos outros materiais midiáticos.

2) O momento em que o examinador enviado pela matriz entra em contato com o que aqui

acontece tem grande relevância no processo de comunicação dos conhecimentos

aprendidos no material plurimidiático.

3) O método da RAD poderia funcionar como uma ferramenta de inclusão social. Supus

que se as crianças e os jovens da classe A e B podiam ser qualificados para uma

possível vida profissional, caso se empenhassem nessa conquista, o mesmo poderia

acontecer no caso das crianças e jovens da favela. ou seja, que o mesmo estudo

poderia favorecer a sua inclusão social, que se daria através de uma futura

profissionalização.

Comecemos pelo corpo do professor local que ensina o método da RAD. A

perspectiva teórica de Michel Foucault (2009) ampara, em um primeiro momento, a leitura da

atuação do corpo desse professor local como mediador da metodologia da RAD. Com

Foucault (2009), podemos penetrar nas relações entre saber e poder, identificando a

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disciplina, o controle e a vigilância como elementos potencializadores e genealógicos de um

saber intrincado no poder. A situação descrita por ele nas instituições psiquiátricas desde o

começo do séc. XVI, estendem-se até o séc. XVIII, alcançam os nossos dias, e não se

restringem apenas a esse tipo de instituição.

“Numa ciência como a medicina, por exemplo, até o fim do século

XVIII, temos um certo tipo de discurso cujas lentas transformações –

25, 30 anos – romperam não somente com as proposições “verdadeiras”

que até então puderam ser formuladas, mas, mais profundamente, com

as maneiras de falar e ver, com todo o conjunto das práticas que

serviam de suporte à medicina. Não são simplesmente novas

descobertas; é um novo “regime”no discurso e no saber, e isto ocorreu

em poucos anos”

(FOUCAULT, 2009, p.3)

O saber que o internado adquire no espaço do hospital psiquiátrico é determinado por

uma certa ordenação social, e esta se estabelece em acordo com a ordem econômica posta.

Foucault nos explica a existência de um processo de controle da estrutura espaço-temporal, ou

seja, da necessidade de vigiar o espaço e o tempo e do papel do corpo nessa situação. Para

Foucault (2009), essas relações demonstram como o tipo de espaço-tempo leva o corpo a

produzir e, ao ser economicamente potencializado para a ordem econômica vigente, vai sendo

politicamente despontencializado.

“Portanto, não perguntar porque alguns querem dominar, o que

procuram e qual sua estratégia global, mas como funcionam as coisas

ao nível do processo de sujeição ou dos processos contínuos e

ininterruptos que sujeitam os corpos, dirigem os gestos, regem os

comportamentos” (FOUCAULT, 2009, p.182).

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Desta forma de saber vinculado a um poder, surgem processos de “subjetivação”, ou

seja, um jeito do indivíduo se transformar em um sujeito. O saber na condição de

adestramento de um modo de ser no mundo social, que vai se tornando uma “tecnologia de

poder”, aperfeiçoando-se para conseguir toda a potência positiva, resultando em um “corpo

dócil”. O estudo das instituições que promovem este tipo de saber, realizado por Foucault

(2009), também se refere a escolas. O saber que é nelas produzido segue esta mesma

associação com o poder a partir da relação espaço-tempo específica delas.

“Por outros meios, a escola mútua também foi disposta como um

aparelho para intensificar a utilização do tempo; sua organização

permitia desviar o caráter linear e sucessivo do ensino do mestre;

regulava o contrapondo de relações feitas, ao mesmo tempo por

diversos grupos de alunos sob a direção de monitores e adjuntos, de

maneira que cada instante que passava era povoado de atividades

múltiplas, mas ordenadas; e por outro lado o ritmo imposto por sinais,

apitos, comandos impunham a todos normas temporais que deveriam ao

mesmo tempo acelerar o processo de aprendizagem e a rapidez como

virtude” (FOUCAULT, 2009, p.149)

O que Foucault (2009) propõe é não pensarmos que o poder é simplesmente imposto

pelo Estado, de forma repressora. Se isso acontecesse, a dominação capitalista não

conseguiria se impor por tanto tempo e com tanto sucesso. Explica que processos de

dominação são mais eficazes quando possuem uma dinâmica de produtividade, de riqueza

estratégica, uma positividade, ou seja, quando controlam as ações dos homens para que seja

possível e viável utilizá-los ao máximo, inclusive aperfeiçoando suas capacidades para

aumentar sua força econômica.

“Forma-se, então, uma política de coerções que são um trabalho sobre o

corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos,

de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de

poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe... A disciplina

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aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e

diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)”

(FOUCAULT, 2009, p.135)

Com esses entendimentos, pode-se pensar que uma técnica pode funcionar sendo um

modo de enclausurar o corpo, pois ela vai produzir uma aquisição de habilidades que se

transformarão também em um comportamento a elas correspondente. Com a técnica adequada

para essa finalidade, fabrica-se o tipo de homem necessário para o funcionamento e

manutenção da organização sóciopolitica neoliberal. A forma de treinar o corpo faz parte de

uma rede de relações, exercendo e sofrendo a ação desse saber/poder, o que permite que seja

tratada como um dispositivo estratégico, ou ainda, como um “dispositivo de poder”.

“Um conjunto heterogêneo que engloba discursos, instituições,

organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas

administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,

filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são elementos do

dispositivo”. (FOUCAULT, 2009, p.244)

Olhando-se a RAD na perspectiva de uma instituição escolar, identifica-se nela, além

da técnica de balé que ensina, que o conjunto heterogêneo de mídias que elege para fazê-lo

tornam-se seus “dispositivos de poder”.

“Técnicas sempre minuciosas, muitas vezes íntimas, mas que têm sua

importância: porque definem um certo modo de investimento político e

detalhado do corpo, uma nova “microfísica do poder”; e porque não

cessaram, desde o século XVII, de ganhar campos cada vez mais vastos,

como se tendessem a cobrir o corpo social inteiro”

(FOUCAULT, 2009, p. 134)

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A essa formulação pode ser agregado ainda o que diz sobre o “ato de governar” e

sobre a inclusão de dados que a regulação da população inaugurou. Seus estudos sobre o “ato

de governar” começam em A Governamentalidade (Curso do Collège de France, 1 de

fevereiro de 1978), e explicitam a mudança ocorrida com o “ato de governar” a partir de O

Príncipe, de Maquiavel, e de Miroir politique contenant diverses manières de gouverner, de

Guillaume de La Perrière. No primeiro, o ato de governar se faz pelo Príncipe, que institui leis

a serem seguidas para assegurar a unidade do território; o ato de governar tem por finalidade o

bem comum e é exercido através da obediência das leis. Já em La Perrière, o ato de governar

se transforma em fazer com que se produza a maior riqueza possível, cabendo ao governante

fornecer às pessoas meios de subsistência suficientes, e na maior quantidade possível, de

modo que a população possa se multiplicar. O ato de governar passa a ser o de usar mais

táticas de viabilização da lei do que a própria lei, e assim, a lei deixa de ser o instrumento

principal.

“O governo é definido é definido como uma maneira correta de dispor

as coisas para conduzi-las não ao bem comum, como diziam os textos

dos juristas, mas a um objetivo adequado a cada uma das coisas a

governar”

(FOUCAULT, 2009, p. 284)

Torna-se evidente a mudança: a finalidade do ato de governar deixa de ser o bem

comum (segundo o texto de Maquiavel), passando a ter diversos fins a serem atingidos. E

quando surge a necessidade de multiplicar a população, nascem novas táticas e técnicas, e

todo tipo de estatística sobre o corpo - mortalidade, natalidade, regularidade de acidentes,

grandes epidemias, espiral de trabalho e riqueza - se torna, também, um campo de

intervenção. Essas informações passam a funcionar como técnica de governo. Grosso modo,

torna-se patente que para conseguir governar de modo racional a população, os dados sobre os

corpos se tornaram intrínsecos às táticas adotadas. Essa maneira de funcionar explicita como

um saber se torna um poder, um modo de governar. O conhecimento dos dados sobre os

corpos passa a estabelecer uma rede de dominação/subordinação e, ainda mais que isso, pode

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ser transformado em um conjunto de leis e táticas, normatizando, regulando legalmente a

população. Essa mudança de um modelo a outro, no qual as informações sobre o corpo ganha

centralidade, foi nomeada por Foucault como biopoder: “... o movimento que faz aparecer a

população como um dado, como um campo de intervenção, como o objeto da técnica do

governo...” (FOUCAULT, 2009, p.291)

Daqui, Agamben (2010) avança em uma perspectiva similar, no sentido do estudo das

relações entre corpo e poder. Se, em seus estudos sobre o holocausto, propõe pensar esse

biopoder como uma biopolítica, é porque o corpo vai se tornando cada vez mais

explicitamente presente na normatização da vida, produzindo consequências que cabem ser

identificadas.

Destaco aqui o que escreveu em O Estado de Exceção (2010), livro no qual

desenvolve uma abordagem sobre o que é excluso e o que é incluso na Lógica da Soberania.

Agamben (2010) localiza uma dinâmica na relação entre norma e exceção que identifica como

parte da legislação no Estado Democrático. Nela, o Estado de Exceção apresenta como legal

aquilo que não poderia ter forma legal. É que a exceção não se torna norma, mas vigora com a

mesma força da norma, criando um campo para articulações políticas. Entre o que é norma e

exceção se abre uma zona incerta, propõe Agamben (2010), no qual a promulgação do

Decreto para a proteção do povo e do Estado, por Hitler, suspendendo os artigos da

Constituição de Weimar relativos às liberdades individuais é um exemplo expoente das

articulações políticas possíveis.

“Desde então, a criação voluntária de um estado de emergência

permanente (ainda que, eventualmente, não declarado no sentido

técnico) tornou-se uma das práticas essenciais dos Estados

contemporâneos, inclusive dos chamados democráticos”

(AGAMBEN, 2010, p. 13)

Atentando para isso, Agamben (2010) vai revelando a diversidade de mecanismo da

exceção, aqui situamos a analogia da relação de inclusão exclusiva, ou seja, no que articula

aquilo que está incluído, o está para ser exceptio, isto é, para ser excluído.

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“Nesta perspectiva, a exceção se situa em posição simétrica em relação

ao exemplo, com o qual forma sistema. Este constitui dois modos

através dos quais um conjunto procura fundamentar e manter a própria

coerência. Mas enquanto a exceção é, no sentido que se viu, uma

exclusão inclusiva (que serve, isto é, para incluir o que é expulso), o

exemplo funciona antes como uma inclusão exclusiva”...”onde um fato

é incluído na ordem jurídica através de sua exclusão e a transgressão

parece preceder e determinar o caso lícito”

(AGAMBEN, 2010, p.33)

São essas formulações de biopolítica, justamente porque focam o corpo, que aqui

serão empregadas para tratar do processo de inclusão social que realizei em Marília com a

técnica e as mídias nas quais a RAD a divulga.

A primeira questão que apareceu foi justamente a que se refere ao corpo-ambiente.

Ensinar o balé clássico da RAD para as crianças da ONG foi absolutamente diferente de

ensinar para as crianças da escola particular, pois eles, como qualquer pessoa envolvida em

um processo de aprendizagem, chegaram com capacidades e potenciais atrelados ao mundo

em que viviam antes de iniciarmos as primeiras aulas. Para lidar com esse fenômeno, aqui se

aplica a hermenêutica de profundidade, que é uma metodologia em que os processos

midiáticos podem ser interpretados analisando os contextos como “processos semióticos” 3

mais do que “processos simbólicos” 4.

Pelos estudos antropológicos, os processos simbólicos, ao serem estudados em uma

cultura, se referiram, inicialmente, ao uso de símbolos como um traço distintivo da vida

humana. “Começando pela premissa de que o uso de símbolos – ou “simbolização”, como

denominou – é o traço distintivo do ser humano” (THOMPSON, B. 2009, p.175). Mas esse

modo de entender o símbolo foi mudando com o antropólogo Cliford Geertz, para uma

concepção semiótica que ampliou o entendimento de significado como sendo tecido por

3 Processos semióticos: abordagem antropológica na qual a cultura é uma ciência interpretativa que elucida padrões de significados culturais. (THOMPSON, 2009) 4 Processos simbólicos: abordagem antropológica para a análise de culturas a partir de elementos simbólicos definidos por linguagem precisa. Confere sentido a construções não lingüísticas, objetos de arte, eventos e coisas da espécie humana que dependem do exercício mental, peculiar às espécies humanas. (ibidem).

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ações, símbolos, sinais, manifestações verbais. Assim, estudar a cultura seria elucidar padrões

de significados usando a interpretação como meio de análise.

“A análise cultural é, em primeiro lugar e principalmente, a elucidação

desses padrões de significados, a explicação interpretativa dos

significados incorporados às formas simbólicas” (THOMPSON, 2009,

p.176)

A pesquisa parte do conceito de hermenêutica de profundidade – HP, desenvolvido

por John B. Thompson (2009). A HP propõe uma interpretação da doxa5 primeiramente, ou

seja, que mensagens significativas acontecem como um conhecimento da vida cotidiana,

porém, Thompson propõe analisar a produção, recepção e transmissão nas inter-relações de

significado e poder, porque verificaremos os aspectos ideológicos implícitos nelas.

“Negligenciar esses contextos da vida cotidiana, e as maneiras como as

pessoas situadas dentro delas interpretam e compreendem as formas

simbólicas que eles produzem e recebem, é desprezar uma condição

hermenêutica fundamental da pesquisa sócio-histórica”. (THOMPSON,

2009, p.364)

Ampliaremos a HP com base na Teoria CorpoMidia (KATZ & GREINER) para

trabalhar as relações sócio-históricas do corpo no entendimento de que é uma mídia dele

mesmo, da sua coleção de informações, e não um recipiente cheio de conteúdos ou um meio

processador da informação. No corpo, a informação vira corpo.

Assim, quando as crianças e jovens fizeram sua primeira aula de balé clássico, eles já

tinham suas “metáforas corporais” (Teoria Corpomidia, Katz & Greiner) manifestas nas ações

comunicativas (palavras, imagens, gestos, escritos, etc.) que haviam construído na sua vida

cotidiana, e que estavam no movimento dos seus corpos. Vale lembrar que o conceito de

“metáforas corporais” propõe que aquilo que chamamos de “nossa subjetividade“ não existe

separada do sistema sensório-motor, (Lakoff & Johnson, 1999). Vamos começar por aí, pelas

relações que estruturam o sistema sensório motor e a experiência subjetiva.

5 Doxa é aqui usado a partir da proposição de John B. Thompson (2009, p.38): transformação cotidiana das compreensões, das atitudes e das crenças cotidianas das pessoas que constituem o mundo social.

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Primeiramente, em crianças pequeninas, essa fusão que estamos abordando não se

distingue em dois domínios diferentes. Um exemplo é que a experiência subjetiva do afeto é

correlacionada com a experiência sensório motora de calor corporal, enquanto esse calor for

mantido, por exemplo em um “abraço”. Essa ocorrência é uma metáfora primária, é corporal,

é o que emerge desta relação do domínio sensório motor com o domínio da experiência

subjetiva.

“Para jovens crianças, as experiências subjetivas e as reflexões (não

sensóriomotor), por um lado, e as experiências sensóriomotoras, por

outro, são misturadas regularmente – indiferenciadas na experiência –

para o tempo das crianças não há distinção entre as duas que ocorrem

juntas”6

(LAKOFF & JOHNSON, 1999, p.46)

Quando as crianças são pequeninas, a construção dos dois domínios que estamos

enfocando (sensório-motor e experiência subjetiva) é completa, no sentido que acontece ao

mesmo tempo, mas, aos poucos, essa dinâmica de fusão vai passar para uma outra dinâmica,

chamada de diferenciação. Ou seja, a dinâmica se altera para associação cruzada dos

domínios.

“Estas associações contínuas são os mapas dos conceitos metafóricos

que levarão esta mesma criança pequena, mais tarde em sua vida, falar

de “um sorriso caloroso”, “um grande problema”, “um amigo

próximo”7

(LAKOFF & JOHNSON, 1999, p.46)

6 For young children, subjective (nonsensoriomotor) experiences anda judments, on the one hand, and sensoriomotor experiences, on the other, are so regularly conflated – undifferentiated in experience – that for a time children do not distinguish between the two when they occur together. 7 These persisting associations are the mappings of conceptual metaphor that Will lead the same infant, later in life, to speak of “a warm smile”, “a big problem”, “a close friend”.

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Não há separação de domínios, isso é importante e sutil. O que ocorre, é que os

domínios permanecem fundidos na ocasião em que os dois domínios são ativados. O mais

importante é que, a partir da fase de diferenciação, a ação em domínio cruzado é sempre por

metáfora primária também, ou seja, é corporal, o que implica dizer que a estrutura sensório-

motora fornece a base para aprender as primeiras metáforas. Dessas primeiras metáforas,

muitas outras podem ser aprendidas, mas sempre como um prolongamento das primeiras. Esta

teoria da Metáfora Primária, de Mark Johnson, é baseada na Teoria da Metáfora Primária de

Grady, cuja hipótese é a de que a metáfora primária é um componente atômico de uma

estrutura molecular de metáforas complexas.

Alguns exemplos ajudam a entender o que aqui se propõe: na experiência

sensóriomotora de temperatura que se tem no sentimento afetivo de ser abraçado

carinhosamente, está em ação a experiência subjetiva / a ideia do conceito de afeto que guia

os processos linguísticos: “Eles me acolhem calorosamente”. Quando uma criança quer pegar

muito um objeto, ao pegá-lo sente uma satisfação. Nessa manipulação sensóriomotora do

objeto, está em ação a ideia de alcançar e concluir um propósito que guia a composição da

seguinte fala: “Eu vi uma oportunidade para o sucesso e a agarrei”.

Esses exemplos ajudam a esclarecer que a mente é corpada/embodied (LAKOFF, &

JOHNSON) e dão clareza para compreender, com a Teoria Corpomídia (KATZ &

GREINER), que essas metáforas primárias são metáforas corporais que acontecem em fluxos

contínuos, estabilizando, nesta dinâmica, coleções de informações. O corpo vai regulando

hábitos cognitivos nos ambientes em que está. As formas de comunicação do corpo com o

ambiente serão aqui tratadas como formas simbólicas 8, nas quais estão as relações com os

contextos.

Thompson (2009) diz que os sujeitos são ativos na recepção, transmissão e produção

de formas de comunicação, mas que existem significados locais. Tomemos, por exemplo, uma

pipa vermelha no céu, na favela da Rocinha, cujo significado local se refere a um aviso aos

moradores sobre o tráfico de drogas. A mesma pipa vermelha no céu do parque Ibirapuera

tem outro significado local: o de uma criança soltando pipa. Embora, ao vê-la, cada sujeito

possa dar um sentido qualquer, existem significados coletivamente construídos em cada 8 Forma simbólica, foi um termo cunhado por John B. Thompson, para se referir aos sentidos e significados localmente construídos em mensagens comunicativas, ou ainda, a palavras, gestos, imagens, músicas ou outra forma qualquer de comunicação com suas características locais.

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contexto. Os sentidos das mensagens, na proposição de Thompson (2009), não são passivos,

são ativos; o sujeito é quem os constrói. Ao propor a importância dos traços locais, oferece

uma abordagem importante, capaz de sublinhar as diferenças de recepção, o que nos ajuda a

investigar o porquê das mesmas formas de comunicação resultarem diferentes. Com

Thompson, podemos avançar para entender, conforme o exemplo acima, que a importância

das diferenças contextuais diz respeito a diferenças em níveis de recursos (materialidade) e

regras (convenções sociais locais), enfocando-as como contextos estruturais 9.

Concluem-se, então, que as formas simbólicas não aparecem do nada; elas surgem

inseridas nas relações sociais dos contextos, e estes dependem dos níveis de recursos e regras.

Ou seja, as formas simbólicas possuem traços de significados sociais locais. Os indivíduos

constroem os “sentidos” 10 das formas simbólicas com padrões de significados deste contexto

estrutural (em níveis de recursos e regras) que vivem.

Na situação da qual esta pesquisa trata, o contexto é estrutural e é estudado como um

campo que se mostra desenhado por hábitos cognitivos, guardando características locais de

comunicação. Ou seja, os sujeitos de um contexto já realizam um mundo de sentido e

significado em fluxo nas suas relações sociais, em níveis sociais diferentes.

Assumindo a existência de uma relação direta entre forma simbólica - contexto

estrutural, proporemos o modo de se dançar balé clássico da RAD como uma produção de

forma simbólica recebida em dois contextos distintos: a ONG e a escola privada. Essa relação

direta guiará a investigação sobre os dois contextos e seus corpos, lembrando que cada qual já

organiza sentidos e significados culturais na sua vida cotidiana. A proposta é estabelecer uma

reflexão crítica estudando o contexto estrutural de onde emergiram as formas simbólicas da

RAD. Ao apresentar a produção da forma simbólica da RAD, aparece também o contexto

estrutural específico em que está inserida e, por consequência, o modo sócio-político de sua

vida social. Por isso, aqui se faz necessário tratar também das diferenças dentro do mesmo

9 Contexto estrutural se refere ao estudo de contexto social a partir do conceito de “campos de interação”, de Pierre Bourdieu: um campo de interação pode ser conceituado sincronicamente como um espaço de posições e, diacronicamente, como um conjunto de trajetórias. Indivíduos particulares estão situados em determinadas posições dentro de um espaço social e, seguem, no curso de suas vidas, determinadas trajetórias. 10 Sentido se trata de uma recepção ativa, um processo criativo de interpretação e avaliação no qual o significado das formas simbólicas é ativamente construído e reconstruído. “Os indivíduos não absorvem passivamente as formas simbólicas, mas, ativa e criativamente, dão lhes um sentido, por isso produzem um significado no próprio processo de recepção” (Thompson, p. 201)

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contexto; e mais, propõe que essas assimetrias legitimam11 a sociedade neoliberal, organizada

em classes sociais de acordo com o acúmulo de recursos.

Assim, há que investigar os diferentes sentidos dos contextos de recepção da forma

simbólica da RAD. Ocorre uma legitimação do contexto estrutural inglês, ou, em outras

palavras, instaura-se uma mediação no corpo local para legitimá-la. Trata-se de um modo

político social de organizar a mediação da “forma simbólica” da RAD, que legitima e sustenta

relações sociais conflitivas e em exercício assimétrico de poder. Neste exercício de poder,

uma forma simbólica de determinado contexto estrutural, ou seja, de uma certa classe social,

exerce uma ação sobre uma outra durante um determinado tempo, e se instaura aí uma relação

de dominação de caráter ideológico.

Historicamente, a ideologia surgiu como uma ciência das ideias. A proposta era que

essa ciência das ideias dirigiria o mundo social, fomentaria a organização de ideias que teriam

um amplo potencial de ação. Essa definição foi dada por Destutt de Tracy (1754-1836), neste

modo de conceber ideologia que, como explica Thompson (2009), dá à ideologia um caráter

positivo. Foi Napoleão que, travando uma batalha política, a partir da perda de batalhas

militares, que conferiu ao conceito de ideologia uma potencialidade negativa. Dizia que esses

conjuntos de ideias, ou seja, a ideologia, eram distorções da realidade e em nada ajudavam no

mundo social. Ideologia era, para ele, algo que atrapalhava, era uma espécie de manipulação,

de distorção, por conta da sua pretensão política de ser diferente do grupo de Destutt. Já aí, o

conceito de ideologia varia entre uma potencialidade positiva e uma potencialidade negativa.

Foram Marx e Engels (THOMPSON, 2009, p.54) que passaram a imprimir às relações

de classe o conceito de ideologia, demonstrando que as ideias da classe dominante se impõem

às da classe de trabalhadores. Na proposição deles, a ideologia está ligada aos interesses da

classe dominante. Ela é um sistema de ideias para a manutenção da dominação e para

favorecer a classe dominante. Segundo Thompson (2009), essa é uma concepção

epifenomênica, na qual as relações de produção assumem um papel primário, ou seja, elas

devem ser vistas como o meio mais importante de transformações particulares sociais e

históricas. Marx vai demonstrando a necessidade de não aderir a formas ideológicas, já que 11 Legitimar ou legitimidade ocorre por processos de valorização, de acordo com Thompson (ibidem, p. 123), onde a forma simbólica possui um valor simbólico, ou seja, ela é estimada pelos indivíduos que a produzem e pelos que a recebem, é por eles aprovada ou condenada, apreciada ou rejeitada, ou seja, adquirir valor simbólico é adquirir reconhecimento e posição; há também o valor econômico, que se refere ao processo de mercantilização e os valores cruzados que são conflitos que se instauram no processo de valorização.

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elas são ilusórias. Deve-se tomar consciência delas através do entendimento das formas de

produção. É aí que o proletariado consciente pode testar a sua potencialidade.

No estudo de ideologia de Marx feito por Thompson (2009), a tradição tem

importância, porque certas construções simbólicas não permitem que, em momentos

históricos oportunos, se faça uma transformação, e se produza apenas uma repetição de

imagens, atitudes e ideias que mantêm invisível o que, de fato, existe nestas relações de

produção. Marx a trata como uma espécie de fantasma que desperta superstições e instaura

um processo de conservação social, mesmo que a sociedade esteja passando por mudança que

são chamadas de revolucionárias, mudanças incríveis, e cita Napoleão, mostrando que a volta

a algo conservador imprime calma e segurança. Assim, as construções simbólicas são

reinstauradas e articuladas como uma força reacionária, não permitindo olhar para o futuro.

A concepção crítica de Thompson (2009) retoma a negatividade do conceito de

ideologia de Marx. Ele pensa ser útil para o estudo da comunicação e das teorias

históricosociais tratar das relações assimétricas de poder com esse conceito crítico de

ideologia, evitando a concepção que aplica ideologia a qualquer grupo, aos aspectos da vida

social, podendo tanto ser uma contra ordem social como a mantenedora de um status quo.

Tratando a concepção de ideologia como relações assimétricas de poder, Thompson

(2009) está interessado em expor como as fórmulas simbólicas se entrecruzam com o poder,

ou ainda, como o sentido é mobilizado a favor da classe dominante e para manter relações de

dominação. Os fenômenos simbólicos servem, em certas situações, para manter relações de

poder. É uma questão que envolve sentido e poder. Essa negatividade é proposta apenas

mantendo um critério, o da sustentação das relações de dominação. As formas simbólicas não

são verdadeiras ou falsas, mas sim o “como” elas atuam. Thompson (2009) também mantém o

caráter de dominação e subordinação entre as relações de classe desenvolvido por Marx.

Porém, ele o trata de maneira que a análise da ideologia não se restrinja aos conflitos de classe

social, mas abranja também outros conflitos em diferentes contextos. Thompson (2009),

portanto, mexe com o conceito de formas simbólicas de maneira diferente da que Marx trata

as relações com a tradição. Aqui, a representação simbólica não só obscurece, uma vez que

traz o peso do passado, mas também mobiliza um certo sentido na constituição das relações

sociais. Então, para Thompson (2009), o conceito de ideologia é o sentido mobilizado na

constituição de formas simbólicas para estabelecer, produzir e manter relações de dominação

através de um contínuo processo.

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Podemos caminhar, com a sua proposta, atribuindo um aspecto ideológico à

pluralidade midiática dos materiais da RAD, lembrando que diz que “o sentido, construído e

transmitido através das formas simbólicas de vários tipos serve para estabelecer e sustentar

relações de dominação” (THOMPSON, 2009, p.90). Em termos de ensino do balé proposto

pela RAD, estas relações de dominação podem ser viabilizadas pelo controle que o material

plurimidiático permite.

Será possível identificar certos modos de operação de ideologia através de estratégias

típicas de construção simbólica (THOMPSON, 2009,p.81) no conjunto de argumentos que

vão dar legitimidade e padronizar, de maneira complementar e articulada, o modo inglês de

fazer balé clássico em detrimento das peculiaridades de todas as outras culturas. São

estratégias presentes em todas as suas mídias: livros Syllabus, CDs, DVDs, revistas

informativos, sites, diários, que vão articulando, através de diversos recursos lingüísticos,

(imagens, tanto de fotos como de filmes, mensagens escritas e sonoras), reportagens dos mais

diferentes países que tratam de dança, premiações que mantém relações de dominação, etc.

Essas estratégias de comunicação guardam sintonia com aquelas desenvolvidas por

todo colonizador, em qualquer época histórica.

Aníbal Quijano (2010) propõe pensar que, nos dias de hoje, o colonialismo foi se

diversificando de tal maneira, que ele pode operar em outra configuração. Esse outro jeito de

colonizar é o que se chama de colonialidade, e tornou-se um dos elementos constitutivos e

específicos do padrão mundial do poder capitalista. Colianialidade é um conceito diferente,

ainda que vinculado ao colonialismo. Este último refere-se estritamente a uma estrutura de

dominação/exploração onde o controle da autoridade política, dos recursos de produção e do

trabalho de uma população inteira é realizado por outra, geralmente localizada em outra

jurisdição. A colonialidade está implicada no processo histórico da colonização que, desde o

sec. XVII, nos principais centros hegemônicos desse padrão mundial de poder, Holanda e

Inglaterra (dentro desse universo intersubjetivo), foi elaborando e formalizando um modo de

produzir conhecimento que dava conta da necessidade cognitiva do capitalismo: a medição, a

externalização (ou objetivação) do cognoscível para o controle dos indivíduos, da sua relação

com a natureza e dos resultados de sua produção. Não foi à toa que o eurocentrismo se

expandiu com a bandeira de uma racionalidade criada para atender os seus critérios e metas –

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e, com ela, foi produzindo outras perspectivas cognitivas. Por isso, existe hoje um conjunto de

educados sob a sua hegemonia que zela pela sua manutenção e continuidade.

Em tempos atuais, a colonialidade se faz presente em variadas situações e, uma delas

pode ser identificada no papel de mediação12 que o professor da RAD tem em todo o processo

de “transmissão do conhecimento” publicado nos materiais plurimiáticos desta instituição. Os

traços de colonialidade nele manifestos (QUIJANO, 2010, p.84) evidenciam que um corpo

colonizado, mesmo sem deixar de ser colonizado, pode também exercer um papel de ser

corpo colonizador.

O tipo de mediação que o corpo do professor faz entre o balé inglês e a sua cultura

também pode se visto como o que estabiliza o pensamento abissal (BOAVENTURA, 2010,

p.35), pois despreza o conhecimento de corpo local, legitimando a assimetria de saber e

fortalecendo um tipo de hegemonia em torno do balé clássico apoiado no consenso de que

uma epistemologia do norte é sempre um conhecimento superior.

“Esta estratégia epistêmica tem sido crucial para os desenhos – ou

desígnios – globais do Ocidente. Ao esconder o lugar do sujeito da

enunciação, a dominação e a expansão coloniais européias/euro-

americanas conseguiram construir por todo o globo uma hierarquia de

conhecimento superior e inferior e, consequentemente, de povos

superiores e inferiores”

(GROSFOGUEL, 2010, p.460)

O pensamento abissal é um conceito desenvolvido por Boaventura de Souza Santos,

que propõe o pensamento moderno ocidental como um pensamento abissal. Estuda as relações

de colonizador e colonizado como um sistema de distinções visíveis e invisíveis, sendo que as

invisíveis fundamentam as visíveis. As distinções invisíveis são estabelecidas através de

linhas radicais que dividem a realidade social em dois universos distintos: o universo deste

lado da linha e o universo do outro lado da linha. A divisão que a linha abissal promove é tal

que o outro lado da linha desaparece enquanto realidade, é tornado inexistente. Como se sabe,

12 Mediação aqui é empregada no sentido dado pela Teoria Corpomídia (citado acima).

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também no conhecimento operam linhas abissais entre epistemologias do norte e nós, países

colonizados.

O primeiro modelo moderno deste tipo de separação foi, provavelmente, o Tratado de

Tordesilhas, assinado entre Portugal e Espanha (1494), mas as verdadeiras linhas abissais

emergem em meados do sec. XVI, com as amity lines (linhas da amizade), que eram linhas

cartográficas surgidas no Tratado de Cateau-Cambresis (1559), firmado entre a Espanha e a

França, que tratava de abandonar a ideia de ordem comum global e estabelecia uma dualidade

abissal entre os territórios deste lado da linha e os territórios do outro lado da linha. Deste

lado da linha vigoram a paz e a amizade; do outro lado da linha, a lei do mais forte, a

violência e a pilhagem. O que quer que ocorra no lado que é considerado o “outro lado da

linha” por quem a estabelece, não está sujeito aos mesmos princípios éticos e jurídicos que se

aplicam do seu lado. Não pode, portanto, dar origem ao mesmo tipo de conflitos que uma

violação de princípios ou direitos causaria de ocorresse do seu lado da linha. Esse tipo de

dualidade permitiu, por exemplo, aos reis católicos da França manterem, no lado da linha que

compartilhavam com os reis católicos da Espanha, que eles mantivessem uma aliança e, ao

mesmo tempo, que os portugueses se aliassem aos piratas que, do outro lado da linha,

atacavam os barcos espanhóis.

“A questão era: os índios têm alma? Quando o Papa Paulo III

respondeu afirmativamente na bula Sublimis Deus, de 1537, fê-lo

concebendo a alma dos povos selvagens como um receptáculo vazio,

um anima nullius, muito semelhante à terra nullius, o conceito de vazio

jurídico que justificou a invasão e a ocupação dos territórios indígenas.

Com base nessas concepções abissais de epistemologia e legalidade, a

universalidade de tensão entre regulação e a emancipação, aplicada

deste lado da linha, não entra em contradição com a tensão entre a

apropriação e violência aplicada do outro lado da linha”

(SANTOS, 2010, p.37)

Além da colonialidade e das linhas abissais explicitadas na mediação do corpo do

professor da RAD, existe ainda um outro aspecto, muito relevante, a ser salientado. Ao

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acionar e estabilizar no corpo local a concepção sóciopolítica inglesa implantada em seus

materiais plurimidiáticos, tais professores funcionam como uma forma de expressão da

biopolítica13 (FOUCAULT, 2009, AGAMBEN, 2009), pois é via seus corpos que essa

operação se realiza. O corpo deste professor local assume a função de um dispositivo de

poder.

“... entendo o dispositivo como um tipo de formação que em um

determinado momento histórico, teve como função principal responder

a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica

dominante. Este foi o caso, por exemplo, da absorção de uma massa da

população flutuante que a economia de tipo essencialmente

mercantilista achava incômoda: existe aí um imperativo estratégico

funcionando como matriz de um dispositivo...”

(FOUCAULT, 2009, p.244).

13 Explicar a historinha do termo biopolítica (pegar no Foucault ou no Bios do Esposito)

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CAPÍTULO 1 - A produção simbólica da RAD: corpo do professor, livros, CDs, DVDs e

sites.

1.1 – O contexto de produção dos materiais plurimidiáticos da RAD

Os movimentos corporais que emergem destes materiais plurimidiáticos foram e

continuam a ser produzidos no contexto social inglês, no qual as relações com a monarquia

têm um certo peso, quando se trata do balé clássico. Monarquia e balé clássico estão

atrelados, um ao outro, há muito tempo, e as formas simbólicas que essa relação produz

emitem o modo de vida socialmente existente nela.

O contexto social inglês é organizado por uma política neoliberal, em que a vida social

se baseia no acúmulo de capital e a organização social se traduz em classes que se distinguem

pela quantidade de acúmulo de capital que o indivíduo apropria.

Estudar o contexto social implicado na produção e recepção de formas simbólicas não

é novo. Historiadores, antropólogos, sociólogos, educadores vêm propondo a necessidade de

ligar o contexto social aos recursos materiais que estão nele implicados, buscando tornar claro

que estas relações organizam certas estruturas sociais sempre atreladas à dinâmica histórica de

determinado momento social. Aqui, o conceito de estrutura de classe assume essa

dinamicidade, deslocado da visão de estrutura que resulta de um efeito, de um resultado do

modo de produção. Estrutura social é o que se compõe no momento histórico das relações de

modos de produção de seu tempo. Portanto, a estrutura de classe social existe e requer uma

abordagem neste viés, sobretudo porque se tratam de “relações sócio-corporais” na produção

da forma simbólica da RAD.

Outro Thompson (Edward Palmer), estudando o contexto inglês no prefácio de “As

peculiaridades dos ingleses” (1998), apresenta “classe social” como um fenômeno em que em

certo tempo histórico, pessoas, ou o ser social, se aproximam criando uma consciência social:

“Quando falamos de uma classe, estamos pensando em um corpo de

pessoas, definido sem grande precisão, compartilhando a mesma

categoria de interesses, experiências sociais, tradição e sistemas de

valores, que tem disposição para se comportar como classe, para

definir, a si próprio em suas ações e em sua consciência em relação a

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outros grupos de pessoas, em termos classistas. Mas classe, mesmo, não

é uma coisa, é um acontecimento”. (THOMPSON, 1998a, p.102)

                    

E ainda,

“A classe se delineia segundo o modo como homens e mulheres

vivem suas relações de produção e segundo a experiência de suas

situações determinadas, no interior do “conjunto de suas relações

sociais” com a cultura e as expectativas a eles transmitidas e com base

no modo pelo qual se valeram dessas experiências em nível cultural”.

(THOMPSON, 2001, p.227)

O corpo inglês, ao produzir a forma simbólica da RAD, não está suspenso do contexto,

está inserido nele, e esse contexto também não é passivo.

“O semioticista Thomas Sebeok (1991) salienta que o contexto onde

tudo isso acontece é muito importante e que o “onde” tudo ocorre nunca

é passivo. Assim, o ambiente no qual toda mensagem é emitida,

transmitida e admite influências sob a sua interpretação, nunca é

estático, mas uma espécie de contexto-sensitivo”. (SEBEOK apud

KATZ & GREINER, 2005, p.6)

O fato do contexto não ser passivo é bastante relevante quando se trata de uma

multinacional atuando em diferentes contextos geográficos. Todo o material plurimidiático da

RAD não se compõe de uma relação corpo-ambiente em uma redoma de vidro, pois o

ambiente é, nesse caso, um contexto socialmente organizado nos modos de produção

neoliberal. Este fato tem repercussão direta nos processos de estabilização no corpo de um

certo modo social de existir. Ou seja, o que vem junto com o modo inglês de dançar é toda

uma concepção social, um modo de viver em sociedade – daí o aspecto ideológico presente

nessa operação de transmitir seus conteúdos.

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1.2 – As mídias e a produção de controle

Nessa perspectiva, para compreender a comunicação da RAD, é preciso conhecer a

sua história e também a história do desenvolvimento dos meios de comunicação de massa

(para conseguir identificar os seus desdobramentos). Será necessário voltar ao tempo da

formação do estado-nação da sociedade moderna.

Segundo o primeiro Thompson (2009) aqui trazido, mídias em interação com as

pessoas participam do curso da história social e política. No séc. XV, diversas técnicas

associadas convergiram para o desenvolvimento da imprensa de Gutemberg, que deu início a

uma grande transformação na produção, transmissão e recepção de formas simbólicas e

também de alteração na vida cotidiana.

Mudanças de temporalidade e espacialidade foram ocorrendo pela mediação dessas

trocas de informações de contextos diferentes. Um contexto, por exemplo, que raramente

recebia informação de quem estava do outro lado do mundo, foi alterando sua noção de

espaço geográfico ao passar a receber esse tipo de informação. Com a noção de tempo

sucedeu o mesmo. Com a expansão da ferrovia e a agilidade na entrega dos correios, por

exemplo, o tempo também se alterou – nesse caso, já na direção de uma uniformização, pois

as entregas de informações (correios) requeriam uma consonância entre os diferentes

contextos. Vamos percebendo que mídias como folhetins e publicações mensais vão

participando das mudanças do fluxo social cotidiano de diferentes contextos.

Esse processo, em que a mídia vai participando ativamente da vida cotidiana em

diferentes contextos foi se diversificando conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico.

No entanto, Thompson (2009) sugere pensarmos que essas trocas de informações, essas

mediações, quando foram iniciadas, no séc. XV, já faziam parte de um processo histórico

relacionado com os modos comerciais e com as organizações políticas que vinham se

desenvolvendo desde a mais antiga economia medieval.

Já na antiga economia medieval do senhor feudal havia um processo de capitalização,

havia a negociação do excedente de sua produção de subsistência, ou seja, já existiam redes

comerciais. A ligação dos camponeses com a terra era da e produzir sem possuir. Com o

crescimento do comércio, a partir do sec. XI, formaram-se as cidades e surgiram os

comerciantes urbanos, os artesãos, e outros que, possuidores de capital acumulado, passaram

a incrementar o comércio e a produção de bens.

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25

Esse movimento comercial foi também acompanhado de uma nova configuração

política. Lembremos que, neste mesmo período, a Europa era caracterizada por um grande

número de unidades políticas, que variavam em tamanho e potência, desde pequenas cidades-

estado e federações urbanas, até maiores e mais poderosos principados e reinos.

“Em 1490, havia mais de 500 unidades políticas. Cinco séculos mais

tarde, o número de unidades políticas soberanas na Europa tinha sido

drasticamente reduzido para cerca de 25 estados”. (THOMPSON, 2009,

p.51)

A organização política do estado-nação da sociedade moderna foi se instaurando em

um processo lento de configuração política, juntamente com essa reconfiguração nos modos

de produção. A relação entre configuração política e configuração econômica foi se

intensificando com o início da industrialização. Na medida em que gerava a perspectiva de

grandes lucros, requeria, em contra partida, grandes recursos para equipamentos e capital. A

necessidade de somar recursos, homens com potencial produtivo e equipamentos passou a

legitimar a necessidade de existir uma normatização, instituindo aí um poder para os

governantes. A governabilidade política, portanto, se instaura exercendo um poder regulador

que pudesse atender ao desenvolvimento do capitalismo industrial.

Essa necessidade de capitalização para o desenvolvimento do capitalismo industrial

também passou a legitimar o conflito militar, pois permitia aos vencedores dos conflitos o

fortalecimento de seu exército e de suas vantagens materiais.

“Os governantes criaram os meios para exercer o poder coercitivo –

principalmente fazendo guerra contra rivais externos e se prevenindo

contra possíveis ameaças externas, mas também os meios para reprimir

revoltas internas e manter a ordem dentro dos territórios sobre os quais

reivindicavam jurisdição”. (THOMPSON, 2009, p.51)

O uso da força foi sendo legitimado e as unidades políticas foram nascendo

caracterizadas por centralização e soberania sobre um território bem definido, sob a

administração de um monarca.

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“No período do séc. XV e o sec. XVIII, na França, Áustria, Prússia,

Espanha e em outros lugares, emergiu uma forma de absolutismo ou

monarquia absoluta, caracterizada pela crescente concentração do poder

nas mãos do monarca, que o exercia de modo relativamente uniforme

sobre todo o território do estado”. (THOMPSON, 2009, p.52)

Neste período, as trocas simbólicas faziam parte desse processo. Símbolos associados

ao sentimento nacionalista contribuíam para estabilizar o sentimento de pertencimento tão

necessário para o fortalecimento de uma identidade nacional. Instala-se, então, um mecanismo

de controle através da articulação das trocas simbólicas, ou seja, constituem-se formas

simbólicas que permitem o reconhecimento daqueles que faziam parte de cada nação,

produzindo bandeira específica, hino, cores, um conjunto de formas simbólicas para distinguí-

los dos que não faziam parte da sua nação. Essas mediações produziam alterações na vida

cotidiana que passavam a constituir o estado-nação da sociedade moderna.

Como a produção da forma simbólica da RAD se dá por uma mediação em grande

escala do modo inglês de se dançar, para avaliar o seu alcance há que ressaltar ainda o papel

do crescimento das indústrias de mídia, que passou de um princípio de mercantilização das

formas simbólicas (no sec. XV) para o que Thompson (2009) chama de tendências centrais:

“Destaco três tendências: (1) a transformação das instituições de mídia

em interesses comerciais de grande escala, (2) a globalização da

comunicação e (3) o desenvolvimento das formas de comunicação

mediadas”. (THOMPSON, 2009, p.73)

Grandes grupos comerciais se associaram para concentrar poder econômico e para ter

mais bases institucionais, produzir mais informação e deter maior possibilidade de circulação;

no segundo aspecto, ocorreu a organização espacial e temporal do domínio de fornecimento e

disseminação da informação em um sistema global muito amplo, com interações dissociadas

do ambiente físico e cheio de ramificações; e no terceiro, há que considerar o novo sistema de

codificação digital.

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Essa foi a perspectiva de desenvolvimento do capitalismo industrial e do “estado

nação” na qual a RAD foi se constituindo, ela mesma, em uma midiatização não só do modo

inglês de se dançar, mas também da própria sociedade moderna na qual se inscreve

(Thompson, 2009).

Parte do conjunto de mídias citadas no texto como MATERIAL PLURIMIDIÁTICO.

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1.2.1 – A produção dos livros da RAD

A própria história do balé clássico vem permeada da relação com outra mídia além do

corpo. No princípio, as trocas simbólicas se efetuavam no corpo a corpo com um professor,

que era contratado para a preparação das danças na corte italiana do séc. XV, nos dias de

festejos. Aos poucos, os professores começaram a anotar as suas danças, o que implicou na

necessidade de desenvolver um sistema de notação próprio para a dança. Muitas facilidades

emergiriam daí, sendo possível registrar os lugares dos dançarinos, o desenho da

movimentação, e marcar o andamento musical usado, entre outras utilidades. A possibilidade

de realizar estes tipos de registro da informação dançada veio acompanhada do

desenvolvimento da escrita e da alfabetização (Thompson, 2009, p.9). Surgem os livros na

forma de Manuais de Dança, uma mídia que, embora seja ela mesma de outra materialidade -

papel e tinta -, inaugura uma relação de co-dependência com o corpo do dançarino.

O balé se constitui como escola em 1661, em Paris, na França, por iniciativa do Rei

Luis XIV, com o nome de Academia Real de Dança14, para desenvolver uma sistematização

dos conhecimentos disponíveis. Pierre Beauchamps15 inicia um modo de dançar de

perspectiva universalizante e caráter eurocêntrico, na qual os manuais de dança têm enorme

importância. Desde o início, a dança é marcada pela sua relação com a mídia livro, mas é com

a RAD, de origem inglesa, que, no início do séc. XX, essa forma de registro e trocas

simbólicas passou a ser usada em grande escala, como convém a uma multinacional do seu

porte.

Os mais importantes livros de dança da RAD são os Syllabus – 10 livros ao todo no

programa Grades e 7 livros no programa Vocational, que contêm as sequências de passos que

deverão ser executadas para que, a cada final de ano escolar, um examinador designado pela

RAD possa avaliar a qualidade do desempenho e validar o nível de ensino do candidato. Se

aprovado, o candidato recebe um diploma da RAD do nível apresentado.

Detalhe importante: os Syllabus só podem ser utilizados por um professor credenciado

pela RAD. Vejamos um exemplo da comunicação que vai sendo estabelecida com o seu uso:

já aos três anos, o corpo da criança, em contato com o corpo do professor, começa a ser

14 Em 1661, em Paris esta Academia foi fundada com o objetivo de estabelecer os cânones para o aperfeiçoamento, execução e ensino da arte de dançar. 15 Membro de uma importante família francesa de música e bailarinos. Mestre de Dança de Luís XIV e diretor da Académie Royale de la Danse (1671-1687). Citado por Rameau como inventor das cinco posições clássicas do balé foi, mais provavelmente, seu codificador, elaborando um sistema próprio de anotação de dança.

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educado com todo um imaginário que envolve além das linhas, direções, planos, colocações

de corpo e de partes do corpo atrelados a andamentos musicais específicos, o manuseio de

objetos específicos, aos quais os movimentos aprendidos são associados. É todo um conjunto

de ações corporais ligadas ao uso de objetos que é produzido pela RAD para ser praticado em

todos os locais onde for aplicado, sem qualquer flexibilização para situações culturais

específicas.

Trata-se de um verdadeiro processo de alfabetização. Cada Syllabus se refere a um

grau específico de dificuldade, começando do pré-primário (pre-primary) e seguindo até o 8º

grau (no curso de Grades-Graus, em português), destinado a qualquer idade e modelado para

uma educação mais ampla de balé. Os livros do curso Vocacional (Vocational) diferem destes

porque se destinam à formação de profissionais. Mas não são apenas esses dois tipos de

livros, pois existe outro tipo de livro, Syllabus, que é introduzido somente no curso de

professores. Fomentando uma retroalimentação, existe o que atualmente é chamado de CBTS

(Certificate in Ballet Teaching Studies – Certificado em Estudos de Professor de Balé) e, para

obtê-lo, além de usar esses livros como base fundamental do conhecimento, o professor

precisa estudar também, dentre outros, Os Fundamentos da Técnica de Balé Clássico (The

Foundation of Classical Ballet Technique) e o Corpo Básico (Body Basic).

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“Registered Teacher” – Diploma do Professor registrado na RAD

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Mídias (livros) usadas na formação do Professor registrado na RAD:

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Os Syllabus possuem um formato padronizado. No alto da página vem o nome do

passo, mas nela não se descreve como se faz esse passo, pois isso já deve estar no corpo do

professor, ou seja, ao ler “pliés”, é preciso que o professor saiba executar esse passo. O que

isso significa? Que a decodificação não se resume à leitura do título, uma vez que é preciso

que a decodificação ocorra no corpo, no movimento do professor. Em seguida, vem uma

anotação sobre o andamento musical, ou seja, vem anotado 2/4 e, novamente, sem qualquer

explicação sobre isso. É preciso que o professor já saiba fazer o passo no andamento musical

estipulado. Existe uma pequena anotação sobre o modo de contagem musical (que se refere a

uma padronização mundial), para que não ocorram interpretações diferentes das nuances

melódicas das músicas utilizadas. Ao lado dessa anotação, está a anotação da posição de

pernas do início do exercício e, ao lado, a posição inicial de braços. Em ambas, é preciso que

o professor decodifique corporalmente essas posições. Assim segue a descrição da sequência

do exercício, que são passos encadeados, dos quais, posições somadas à dinâmica correta do

passo devem estar em acordo com o andamento musical proposto, ou seja, o professor precisa

ter uma memória corporal do exercício todo.

A partir da última edição de Syllabus, houve a inserção de uma página de apoio com a

notação específica para a dança desenvolvida pelo Benesh Institute16. Essa organização é um

dos braços da RAD e propõe cursos específicos para os que desejam especializar-se em

notação de dança. Embora existe a opção, conhecer essa notação não é uma exigência, por ser

demasiadamente específica: ela é similar a uma pauta musical em que se faz um registro

gráfico com a mesma intenção da anotação para notas musicais e, como no caso da música,

requer um aprendizado prévio para a sua decodificação corporal.

Vale salientar que este processo de alfabetização tem características importantes a

serem ressaltadas. Exemplo: os Syllabus não funcionam sem o corpo do professor; é preciso

que tudo o que esteja ali descrito, esteja também no corpo do professor. Por isso, é

considerado muito difícil de ser lido e requer um mínimo de graduação dentro do programa

Vocacional (Vocational) para que o corpo do professor tenha familiaridade suficiente com

todo o modo de dançar descrito neste livro. A mídia livro tem dependência da mídia corpo e,

nesse caso, essa dependência se traduz em uma necessidade de controle desse corpo do

professor. Essa mídia livro, então, funciona como um controle, por parte da RAD, da

transmissão da informação que deseja, de duas maneiras: como só tem acesso a ela o corpo do 16 O Benesh Institute foi fundado em 1962, em Londres, e foi incorporado à RAD em 1997. É a organização que cuida de um sistema de notação de dança elaborado por Rodolf e Joan Benesh, publicado pela primeira vez em 1956..

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professor e o corpo do professor depende da aprovacão do corpo do tutor, a instituição usa o

livro (Syllabus) como um panóptico17: determina quais as informações que contam e como

elas são escritas, e vigia se o corpo desse professor as executa da forma correta através da

figura do tutor. Vale lembrar que Foucault dizia que “o efeito mais importante do Panóptico:

induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o

funcionamento automático do poder” (FOUCAULT,1997, p.191).

Os Syllabus são rigorosamente seguidos, tanto por professores como pelos

examinadores. A cada exame realizado, esse profissional envia um relatório do desempenho

do candidato (cada candidato faz o exame com um número de registro na RAD)18 e este

relatório contém também o desempenho do professor no que se refere ao conhecimento da

técnica de balé clássico, ao método de ensino de balé clássico da RAD e aos conteúdos dos

livros.

Os Syllabus são uma “pista” do que precisa ser ensinado a cada nível de ensino. Como

não é possível ler e executar o que está registrado sem um conhecimento já construído no

corpo, o corpo do professor pode ser entendido, aqui, como um dispositivo (FOUCAULT,

2009, p. 244) mediador19 do modo inglês de se dançar e, portanto, do contexto social inglês de

se viver. O corpo do professor assume uma função estratégica no processo ideologizante da

rede de comunicação da RAD: no seu corpo precisa estar o saber que potencializa a eficiência

das outras mídias.

“O dispositivo, portanto, está sempre inscrito em um jogo de poder,

estando sempre, no entanto, ligado a uma ou a configurações de saber

que dele nascem, mas que igualmente o condicionam. É isto, o

dispositivo: estratégias de relações de forças sustentando tipos de saber

e sendo sustentada por ele”. (FOUCAULT, 2009, p.246)

17 Panóptico: analogia desenvolvida por Michel Foucault sobre o exercício do poder e técnicas de vigilância na sociedade contemporânea, a partir do estudo da arquitetura do Panopticon, um tipo de prisão desenhado por Jeremy Benthan, em 1785, no qual o prisioneiro é vigiado permanentemente, sem perceber que está sendo observado. 18 As taxas de inscrição variam entre R$ 83,00 reais a R$ 445,00 para exames de Grades e Vacational. Uniformes (clássico, free movement e caráter), aula com pianista, ensaios extras, taxa para revisão de Reporting e correção de diplomas são custos adicionais. 19 A mediação é o entendimento de trocas de informações que se operam por um sujeito ativo em contextos estruturais.

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Novo Syllabus para os exames de GRADES, lançado em janeiro de 2011 no Brasil

O corpo do professor está preso aos Syllabus tal qual na corte italiana, no início da

anotação do balé em Manuais - uma relação inevitável quando se adota uma forma de

registrar uma dança. Todavia, há uma diferença a ser sublinhada: a dinâmica que a RAD

operacionaliza é a de um controle fechado em um ciclo de cumprimentos de tarefas impostas,

do qual dependem os envolvidos para terem o seu trabalho validado. Impossível não perceber

que o sistema se regula pelo exercício de poder manifestado, dentre outras mídias, nas formas

simbólicas destes livros. Neles estão incluídos também os corpos dos tutores e, finalmente, a

peça principal de toda essa engrenagem montada pela RAD: o corpo do professor.

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Foucault estudou várias formas de dominação fora do exercício do poder do Estado ou

de situações de opressão e submissão, e incluiu nelas a educação.

“Determinando lugares individuais, tornou possível o controle de cada

um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do

tempo da aprendizagem. Fez funcionar o espaço escolar como uma

máquina de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de

recompensar” (FOUCAULT, 2009, p.142).

Nesta mesma vertente de Foucault (2009), Thompson aponta que é possível verificar a

assimetria de poder através do estudo das formas simbólicas. Como as formas simbólicas

estão em um contexto estrutural, possuem certos níveis de recursos e regras sociais e locais;

como vimos, podem, então, legitimar uma em detrimento das outras. Nessa mediação, os

sujeitos podem agir mobilizando os sentidos de outros sujeitos, estabelecendo uma relação de

dominação. Esse espaço entre um sujeito e o outro é intersubjetivo e nele o sentido se

entrecruza com o poder, podendo haver dominação; e, em sendo a dominação e a ideologia

processos contingentes, podem ter inúmeras ramificações, revelando relações assimétricas de

poder.

“A análise de ideologia, de acordo com a concepção que irei propor,

está primeiramente interessada com as maneiras como as formas

simbólicas se entrecruzam com relações de poder” (THOMPSON,

2009, p.75).

Quando se pratica esse tipo de leitura do mundo, consegue-se identificar o corpo do

professor como mediador do ensino de balé clássico e também do que poderia ser aqui

identificado como uma ideologia inglesa de dança. Vai ficando mais claro que a presença da

RAD fora da Inglaterra introduz e media, em todos os distintos locais nos quais atua, uma

ideologia inglesa.

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“Estudar ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para

estabelecer e sustentar relações de dominação” (THOMPSON, 2009,

p.76).

Pode-se pensar, com Foucault (2009, p.245), que este não era o objetivo estratégico da

RAD, uma vez que a instituição nasceu para resolver o problema da dança no Reino Unido 20

e, para tanto, formulou esse modo de mediação das informações; mais tarde, tomou a forma

de comunicação em grande escala, ou seja, de comunicação de massa21. O modo como essa

comunicação figura nos dias de hoje, em um sistema blindado pelo controle inglês, assume a

característica de um dispositivo de poder, que age diretamente no corpo de todos os que dela

participam.

Entendendo que o corpo não é passivo na recepção da informação, aqui se propõe que

a articulação do corpo do professor a esse feixe de relações de dominação se dá pela

mobilização estratégica dos seus sentidos a um significado social22 da forma simbólica da

RAD, já legitimado no contexto inglês. A produção da fórmula simbólica da RAD, portanto,

se dá por uma articulação midiática do significado social do contexto inglês, de maneira a ser

legitimada em outros contextos. Através da criação dos seus materiais plurimidiáticos, a RAD

cria também mecanismos de legitimação, como os livros23. A estratégia de construção

simbólica da RAD se apóia em um processo de legitimação do que seria a informação mais

adequada.

“Relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas, como

observou Max Weber, pelo fato de serem representadas como legítimas,

isto é, como justas e dignas de apoio. A representação das relações de

dominação como legítimas podem ser vistas como uma exigência de

legitimação que está baseada em certos fundamentos, expressa em

20 A história da RAD está no anexo 1 – p. 21 A comunicação de massa é um processo de comunicação em grande escala, que emergiu com o desenvolvimento da indústria de mídia, caracterizada por um fluxo de sentido único, sem ser dialógica. Hoje, muitos estudiosos da cultura questionam a terminologia “massa”, entendendo que ela é inapropriada para os novos tipos de informação e comunicação em rede. 22 Significado social é aqui usado com o sentido/significado mobilizado na relação com o contexto implicado na concepção estrutural de cultura, normalmente negligenciado nas discussões sobre significado e interpretação. As formas simbólicas são “fenômenos significativos”. 23 O termo livro se refere a todo o material impresso produzido pela RAD a que o professor autorizado tem acesso: syllabus, livros, revistas, informativos e etc.

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certas formas simbólicas e que pode, em circunstâncias dadas, ser mais

ou menos efetiva”.

(THOMPSON, 2009, p.82)

Desde que a RAD passou a fabricar um material básico para a preparação de

professores, configurou uma estratégia que vai encadeando argumentos que dão legalidade à

sua proposta. A inserção de argumentos vindos da história da dança com o propósito de

ressaltar a importância do balé clássico faz parte dela:

“Os homens sempre experimentaram o impulso de dançar para

expressar o que só pode ser expressado pelo movimento. Este impulso

tem feito diferentes formas de dança através do mundo. Foi na corte da

renascença europeia que nasceu o que hoje nós chamamos de balé

clássico”24 (The Foundation of Classical Ballet Technique, 1997, p.4).

Outros argumentos encadeados sustentando que o balé clássico se baseia em pesquisas

científicas de diversas áreas articuladas:

“Além de produzir uma ampla apreciação de todas as artes, o

treinamento de balé deve ser baseado em estudos científicos do

movimento, incluindo anatomia, biomecânica, psicologia e nutrição”

(Ibidem, 1997, p.4) 25

Essa argumentação vai sustentando os Syllabus, que passam a ser vistos como livros

fundamentais, dos quais o Boby Basic e o The Foundation of Classical Ballet Technique

constituem um bem elaborado sumário em linguagem escrita (todos são na língua inglesa) de

uma epistemologia de dança. Trata-se de uma estrutura hierárquica fundamental para que se

compreenda como o corpo do professor vai sendo transformado em um confiável instrumento

24 “Man has always experienced the impulse to dance, to express that which can uniquely be expressed in movement. That impulse has given rise to different forms of dance throughout history and across the globe. It was the courts of Renaissance Europe that gave birth to the form known throughout the world today as Classical Ballet” (The Foundation of Classical Ballet Technique, 1997, p.4). 25 “In addition on instilling a deep appreciation of all the arts, ballet training must be based on the sciences of human movement, including anatomy, biomechanics, physiology, and nutrition”.

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de transmissão do conhecimento do balé clássico inglês, através da sua relação com o corpo

do tutor e na articulação com as outras mídias.

Cabe ressaltar ainda as outras estratégias de construção simbólica que operacionalizam

a legitimação da RAD. Ela divulga a imagem de se constituir como uma associação na qual

todos fazem parte, ou seja, todos podem intervir nas decisões, bastando ser associado. Ela

busca se legitimar apresentando-se como aberta a todos.

Uma das outras mídia que a RAD utiliza é a revista Gazette, com três publicações ao

ano. Nela, encontramos a estratégia de construção simbólica de uma universalização que,

segundo Thompson,

“a universalização são acordos institucionais que servem aos interesses

de alguns indivíduos, que são apresentados como servindo aos

interesses de todos, e esses acordos são vistos como estando em aberto,

em princípio a qualquer um que tenha a habilidade e a tendência de ser

neles bem sucedido” (THOMPSON, 2009, p.83).

“The Royal Academy of Dance existe para promover o conhecimento,

entendimento e prática de dança internacionalmente. Nossos 13.500 membros

de todo o mundo são o ânimo que nos faz cumprir nossa missão 26 (dg-Dance

Gazette, issue 1 / 2010, contra capa)

26 “The Royal Academy of Dance exists to promote knowledge, understanding and practice of dance internationally. Our 13.500 Members around the world are the lifeblood o the academy and enable us to carry out our mission”.

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Evolução da revista da RAD – GAZETTE, de 6 páginas branco e preto a 56 páginas em cores

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Atual encadernação com 64 páginas em cores.

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Outro recurso de universalização do discurso nos livros pode ser reconhecido no fato

de estrelas do balé serem continuadamente evocadas através de citações, fotos e relato de

histórias. Aí reside o que Thompson nomeia de estratégia de construção simbólica de

narrativização:

“Histórias que contam o passado e tratam o presente como uma tradição

eterna e aceitável... histórias são inventadas a fim de criar um sentido de

pertença a uma comunidade, a uma história que transcende a

experiência do conflito, da diferença e da divisão” (THOMPSON,

2009, p. 83).

Vejamos dois importantes nomes da história do balé clássico que estão presentes no

The Foundation of Classical Ballet Technique:

“Como Tamara Karsavina disse, enfaticamente, “não descarte seus

sentimentos como quando tira o colant de balé no final da aula.

Mantenha-o mesmo quando pega o ônibus ou o trem, não existe um

tempo na vida separado para isso. Lembre que o mecanismo da dança

torna-se artístico apenas quando é inspirado pelos sentimentos, e que os

sentimentos perpetuados em sua mente passarão nos seus movimentos”

(SIBLEY, 1997, p.2) 27

“Explorar a literatura, a poesia, a pintura, a escultura e a arquitetura,

encoraja o dançarino a ver o mundo por várias perspectivas. Foi Jean-

Georges Noverre um dos primeiros escritores a oferecer conselhos de

um caminho para os mestres de balé, ele os aconselhou “explorar todas

as coisas que existem no universo podem servir... como um modelo”

(ibidem, p.2)28.

27 “As Tamara Karsavina so widely said, “Do not discard your “feel” of the movement as you do your practice tunic at the end of the class. Take it with you on the bus or the train; there is no extra fare for it. Remember that mechanism of dance becomes artistry only when it is inspired by feeling,and that feeling perpetuated in your mind will pass in to your movement” (ANTOINETTE SIBLEY, 1997, p.2) 28 “Exploring literature, poetry, painting, sculpture, and architecture, encourages the dance artist to see the world from a variety of perspectives. It was Jean-Georges Noverre, one of earliest writers to offer advice to fellow ballet masters, who counselled them “to explore everything that exist in the universe can serve… as a model”. (ANTOINETTE SIBLEY, 1997, p.2)

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Esses exemplos vão constituindo um mosaico da articulação ideológica de produção

da formas simbólicas que tomam a comunicação da RAD, estruturada em consonância com a

organização de seu material plurimidiático. Os itens da mídia impressa são os livros

(Syllabus), os livros de estudo básico e a revista dg - Dance Gazette, que, em conjunto,

operacionalizam estratégias para construir uma modo de dançar balé clássico próprio ao que o

estilo inglês de pensar a dança elegeu.

Em termos de mídia impressa e no formato de um informativo que tem quatro

publicações no ano, o Diary, atende à difusão de informações acadêmicas (como transcrição

de passos novos para os exames), administrativas (datas de eventos, prazos de entregas e

preços) e gerais (comemorações, premiações e outros). Caracterizado por informações curtas

e breves, é nesta mídia que existe um bom exemplo da dissimulação (THOMPSON, 2009,

p.83) que ocorre na comunicação da RAD, com a sua estratégia de construção simbólica de

deslocamento, ou seja, de utilizar a transferência de um conceito positivo ou negativo para

uma pessoa ou objeto, dando um tipo de visibilidade que atenda a seus interesses.

“Dissimulação é um modo em que as relações de dominação podem ser

estabelecidas e sustentadas pelo fato de serem ocultadas, negadas ou

obscurecidas, ou pelo fato de serem representadas de maneira que

desvia nossa atenção, ou passa por cima de relações e processos

existentes” (THOMPSON, 2009, p.83).

No Diary, número 3, 2000, a matéria de Luke Rittner, diretor executivo da RAD,

anuncia as mudanças que acontecerão em função da pesquisa realizada entre os associados do

mundo todo. Os resultados são apresentados em um texto, que vai apresentando as mudanças

que serão implantadas, todas elas articuladas de maneira que pareçam ter nascido como

proposta dos associados:

“Aqueles que conhecem a Academia vêem-na como uma organização

do Reino Unido operando internacionalmente exames e técnicas de

ensino de ballet clássico. Sua reputação pelos níveis de excelência e seu

foco no ballet clásscio a distingui da maioria dos concorrentes. Para

muitos a RAD é quase um modo de vida. A base na qual o futuro será

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43

desenvolvida é sólida...a consulta mostrou um alto nível de

concordância com o conceito de que a Academia precisa alargar sua

imagem e tornar-se “a voz da dança”. (RITTNER, n.3, 2000, p.7)

A evolução do formato do Diary (acima) até o atual formato que dividiu o conteúdo em duas

mídias complementares: Focus on Exams e Foco Membros.

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Outra mídia impressa que lembra a dissimulação, mas que opera como estratégia de

eufemização é o Annual Report and Financial Statements, um caderno de prestação de contas

que a RAD produz desde 2005, no qual apresenta o balanço financeiro e suas metas de

investimentos. Um mecanismo no qual as relações sociais são descritas ou redescritas de

modo a despertar uma valoração positiva. Baseada na figura de linguagem que se sabe ser o

eufemismo29, a estratégia de construção simbólica, a eufemização, sugere um jeito de

amenizar as informações.

“Eufemização: ações, instituições ou relações sociais são descritas ou

redescritas de modo a despertar uma valorização positiva. Há muitos

exemplos bastante conhecidos desse processo: a supressão violenta do

protesto é descrita como “a restauração da ordem”; a prisão ou campo

de concentração é descrito como “centro de reabilitação”;

desigualdades institucionalizadas, baseadas em divisões étnicas, são

descritas como “desenvolvimento paralelo”; trabalhadores estrangeiros

sem direitos de cidadania são descritos como trabalhadores

hóspedes””. (THOMPSON, 2009, p.84)

29 Eufemismo é uma figura de linguagem por meio da qual se procura suavizar, tornar menos chocantes palavras ou expressões que são normalmente desagradáveis, dolorosas e constrangedoras. Ex:”Estavas bem mudado. Como se tivesses posto aquelas barbas brancas. Para entrar com maior decoro a eternidade. [...] Levamos-te cansado ao teu último endereço. Vi com prazer. Que um dia afinal seremos vizinhos. Conversaremos longamente. De sepultura a sepultura. No silêncio das madrugadas. [...].

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Nele existe sempre o tópico que estabelece os investimentos. Um deles, anunciado

para ter uma repercussão extremamente positiva, foi o de um investimento de 179.000 libras

em um novo software para o desenvolvimento de serviços on-line para professores e membros

credenciados (2005/2006, p.24), direcionado a facilitar a comunicação da sede da RAD, em

Londres, com seus professores espalhados pelo mundo. Mas o que, de fato, se alterou, foi o

acesso aos produtos que a RAD fabrica, desde os cursos, objetos, todas as mídias de sua

comunicação e o pagamento da anuidade do associado, que antes era feito via um escritório

local e agora é feito on-line. A modificação não aconteceu na direção anunciada, e os sites e

os softwares foram produzidos, aparentemente, com outros fins, ou seja, para a

comercialização mais eficiente dos produtos da RAD, com maior facilidade de pagamento.

Mídia que trata de relatórios e estatística da movimentação financeira da RAD

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A dissimulação também ocorre por meio de figuras de linguagem, nomeada por

Thompson como o tropo, composto de três tipos de figura de linguagem: metonímia30,

sinédoque31 e metáfora32.

Em encartes ricamente produzidos encontramos a sinédoque – uma figura de

linguagem que é um tipo de metonímia (aplicação de um termo pelo outro, dada a relação de

semelhança ou a possibilidade de associação entre eles) que consiste na atribuição da parte

para o todo e o todo na parte. O termo conduz o sentido genérico de se fazer parte de um

contexto, de um tipo de mundo: “Nossa história e herança” (Prospectos 2008/2009, p.10).

Essa mídia contém todos os cursos e programação da RAD em 9 línguas, com

destaque à língua inglesa.

30 Metomínia é a substituição de uma palavra por outra, quando entre ambas existe uma proximidade de sentidos que permite essa troca. Ex.: O estádio aplaudiu muito os dois times. (Estádio substitui torcedores). 31 Sinédoque é um tipo particular de metonímia em que a palavra que indica o todo de um ser é substituída por outra que indica apenas uma parte dele. Ex.: O rebanho tinha mil cabeças. (cabeça [parte] – animal [todo]). 32 Metáfora é o emprego de uma palavra com sentido diferente do sentido usual, a partir de uma comparação subentendida entre os dois elementos. Ex.: A História é um carro alegre. Cheio de um povo contente [...].

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Para não ser dissimulador, o texto deveria perguntar também pela história e pela

herança de cada país e falar positivamente de cada um deles. Todavia, o material tem caráter

empresarial de multinacional e estimula o culto ao colonizador e à cidade do colonizador.

Embora o aluno esteja estudando na sua cidade, o melhor mesmo seria buscar ainda mais

proximidade com os valores do colonizador, indo morar onde ele mora e recebendo

diretamente de professores locais os mesmos ensinamentos que está recebendo na sua cidade.

Fotos grandes da cidade de Londres e das instalações da RAD, com vista para o rio Tâmisa,

aparecem em anúncio entre páginas, com os seguintes dizeres: “Estude na sede da RAD, em

Londres” e “Viver em Londres” (Prospectos 2008/2009, p. 16 e 17)

Outra figura de linguagem presente nestes encartes é a metáfora. Ela possibilita dar um

sentido a algo por analogia, no lugar de aplicar um termo explícito. A metáfora produz um

jogo semântico e com isso tem efeito duradouro. A metáfora é o emprego da palavra fora do

seu contexto normal, pode ser considerada como uma comparação que não usa conectivo (o

“como” por ex.), mas que apresenta de forma literal uma equivalência que é figurada: “Em

todo o mundo, a RAD – Uma comunidade internacional de estudantes” (Prospectos

2008/2009, p.8). As palavras “mundo” e “comunidade” conferem um sentido de união entre

todos os que fazem parte da RAD, transformando-a em um território sem fronteiras,

produzindo o efeito sugestivo de comunidade unida e deixando na opacidade as condições

violentas implícitas nessa operação, que tem objetivos ideológicos. Outro exemplo:

“Caminhar na dança é um passo para o futuro enquanto você carrega o passado com você”

(dg – Dance Gazette, 2009, issue 1, p. 6).

Nas publicações da revista, são muitos os exemplos destas estratégias de linguagem.

Aqui, nesta última frase citada, a ênfase na relação entre o passado e o futuro, vem

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acompanhada de um artigo que trata das mudanças dos syllabus da RAD. O jogo semântico

com o passo de dança e a transformação do syllabus funcionam como uma tradução poética

para uma mera mudança operacional da instituição: “Você não está treinando pessoas para

dançar, mas como viver. Se você se mantiver crescendo, você será um fantástico professor”

(dg – Dance Gazette, 2009, issue 1, p.7). No material produzido, a referência entre ensinar

dança e viver segue a mesma nuance, e alude ao fato de que todos os professores precisarão

fazer os novos cursos para aprender a nova matéria dos syllabus e o novo enfoque

educacional.

Em todos os 38 anos de atuação no nosso país, apenas no ano de 2010 a RAD enviou

aos professores credenciados do Brasil uma convocação para votarem na eleição de sua

próxima diretoria. Tal situação evidencia a colonialidade implítica nas relações entre matriz e

filial, uma vez que ignora-a como uma igual, de iguais direitos. Por 38 anos, nos coube

somente obedecer, sem participar das eleições de diretoria, ou seja, de ter voz na escolha

daqueles que se responsabilizam pelo direcionamento a ser dado à RAD.

“... outro dos núcleos principais da colonialidade/modernidade

eurocêntrica: uma concepção de humanidade segundo a qual a

população do mundo se diferenciava em inferiores e superiores,

irracionais e racionais, primitivos e civilizados, tradicionais e

modernos” (QUIJANO, 2010, p.86)

Os candidatos eram distribuídos em duas listas:

LISTA A:

Frank Freeman FRAD (Inglaterra)

Louise Murray ARAD (Escócia)

Denise Winmill ARAD (Inglaterra)

Rosemarie Franklin RAD RTS (Inglaterra)

Helen Taylor RAD RTS (Inglaterra)

Cheryl Thrush ARAD (Inglaterra)

Lynne Reucroft-Croome BA (Hons) PGCE LRAD (Inglaterra)

Candidate Statements:

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Karen Berry BSC BA (Hons) Adv. Tch Dip, RTS (Escócia)

Deborah Coultish Adv. Tch Dip, RTS (Yorkshire) (Inglaterra)

Caroline Jenkins Dip. RBS TTC, ARAD, RTS (Inglaterra)

Phips E. Pegler Dip. RBS TTC, ARAD, AISTD, AIDTA (Inglaterra)

LISTA B:

Leigh Collins (Inglaterra)

Nigel Hildreth (Inglaterra)

Derek Purnell (Inglaterra)

Nigel Wreford-Brown (Inglaterra)

Kathryn Wade (Inglaterra)

Candidate Statements:

Anders Ivarson BSc (Hons), AlChor, MBCS (Inglaterra)

Valerie Mitchell OBE (Inglaterra)

Kerry Rubie (Inglaterra)

Darcey Bussel OBE (Inglaterra) (Royal Academy of Dance – Vacancies on the

board Trustees – Candidates’ Election Statements / 2010).

A possibilidade de votar é bastante recente, pois aconteceu somente após a Rainha

aprovar a aceitação como votante dos associados que não residem no Reino Unido. Até 2008,

os demais países do mundo não participavam da votação, apesar do discurso de uma única

comunidade. Porém, a necessidade de explicitar que se constituía como uma associação

internacional acabou por universalizar o alcance da atuação da RAD. O estabelecimento do

vínculo de participação como votante tem, nesse caso, um papel político importante na

regulação das relações colonizador-colonizado. Não à toa, é notável a hegemonia de

candidatos da Inglaterra em detrimento dos outros 78 países do mundo participantes da

associação.

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1.2.2 – A produção dos CDs

Com os avanços nas tecnologias de registro de informações, a RAD potencializou o

alcance de suas trocas simbólicas, que passaram a ocorrer em grande escala. A criação dos

CDs se inscreve aí. São coleções musicais específicas dos exames que os candidatos precisam

prestar, a cada nível de seus estudos.

Mesmo quando a mídia musical usada eram as partituras anotadas em papel, a seleção

musical já era pré-definida para ser adotadas em todos os países. Assim também acontecia

quando a mídia passou a ser a fita cassete e, mais recentemente, com os CDs, o processo se

manteve. Detalhe importante a ser registrado: as músicas são pré-definidas e, no dia do

exame, devem ser obrigatoriamente executadas ao vivo – o que nem sempre aconteceu

durante todo o ano de preparação para o exame.

O corpo do professor desenvolve uma relação específica com a seleção musical: deve

colocar a dinâmica dos passos pré-estabelecida nos ritmos pré-estabelecidos que lhe

correspondem, com as nuances melódicas igualmente pré-definidas. A relação música e corpo

do professor vem guiada pela dinâmica do passo que foi desenvolvida na sua aprendizagem

da técnica, ou seja, com o seu corpo. Nunca um pianista define o que vai ser tocado. Mesmo

nos casos em que existe uma forte troca de informações entre professor e pianista, o passo

jamais pode ser alterado em função da música. No exame da RAD, o passo é definidor, ele é o

conteúdo ordenador que impõe uma partitura inflexível, que é rigorosamente cobrada e

obedecida.

O corpo do professor mostra e explica através de nuances de voz suave, com stacatto e

etc. Mas tudo o que está em seu corpo tem como objetivo fazer com que o corpo do aluno

enquadre o passo ao andamento em execução. Esse elo, passo e andamento, foi criado a partir

da dinâmica ou da lógica do passo. O passo impõe um andamento musical, que passa a ser

perseguido pelo corpo do aluno. Essa busca contínua para a execução do passo, colocando-o

no andamento, não permite o enfoque na melodia. Como o exame é todo pré-definido

musicalmente, a relação corpo e música tem a função de introduzir uma completa ordenação.

“DANÇA É RITMO. RITMO É MOVIMENTO ORDENADO. Ritmo: do

grego rhytmos: movimento igual e simétrico, ordem que dá a acentuação da

frase musical. Os ritmos tomam características próprias e diferentes de acordo

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com o compasso a que são subordinados” (Informativo – Instruções de Aula de

Música para Balé / Seminário Teaching Certificate, 1996)

Conjunto de CDs para os exames GRADES - 2011

Os CDs complementam o que os livros disseminam (mediam) via o corpo do

professor, porém ao estabelecer um controle do tempo, forçando a apreensão de um

andamento definido pela RAD, ele tem aí instituído o que pode ser identificado como

“esquemas de docilidade” legitimados.

“Nesses esquemas de docilidade, em que o século XVIII teve tanto interesse, o

que há de tão novo? Não é a primeira vez, certamente, que o corpo é objeto de

investimentos tão imperiosos e urgentes; em qualquer sociedade, o corpo está

preso no interior dos poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,

proibições ou obrigações. Muitas coisas, entretanto, são novas nessas técnicas.

A escala, em primeiro lugar, do controle: não trata de cuidar do corpo, em

massa a grosso modo, como se fosse uma unidade indissociável, mas de

trabalhá-lo detalhadamente, de exercer sobre ele uma coerção sem folga, de

mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitude, rapidez:

poder infinitesimal sobre o corpo ativo” ((FOUCAULT, 2009, p.133).

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Curiosamente, o corpo do aluno passa a ensurdecer a melodia, porque mesmo que seja

ainda possível detectá-la em meio à execução do passo, é preciso que o andamento impere e,

antes dele, a dinâmica de passo impere. Essa articulação, que pertence e consagra uma certa

lógica de movimento, faz com que muitas e muitas vezes o aluno não perceba que a música

acabou, ou que termine antes, ou que o professor continue contando a música, uma vez que a

música acabou e o exercício não. A melodia é inaudível em meio a esse tipo de dinâmica, o

que vai operando um tipo de “deseducação musical” com essas características. De novo,

remete a um processo de docilização muito pouco musical, na verdade. Não à toa, a maior

parte dos bailarinos perpetua a relação música-contagem de tempo ao longo de sua carreira,

sem desenvolver a sua percepção musical a contento, embora passe várias horas do seu dia em

contato com a música.

Vale sublinhar:

“detalhadamente, exerce sobre ele uma coerção sem folga, vai sendo

mantido no nível da mecânica – movimentos, gestos, atitude, rapidez:

poder infinitesimal sobre o corpo ativo” (FOUCAULT, 1997, p.132) .

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1.2.3 – A produção dos DVDs

Acompanhando os processos de desenvolvimento de comunicação de massa e

“buscando torná-lo mais central no desenvolvimento das sociedades modernas”

(THOMPSON, 2000, p.157), outros corpos midiáticos surgem como “emergentes,

constituindo outras instituições relacionadas com a mercantilização da cultura e da circulação

ampla das formas simbólicas” (ibidem, p.158). Assim surge a produção dos DVDs.

Os DVDs da RAD seguem a mesma padronização de registro das outras mídias, só

que complementando a ordenação dos Syllabus. Os registros se referem a uma aula completa

de cada nível de ensino. Esta aula é a aula que será apresentada no dia do exame oficial. Para

quem, como o professor da RAD, já conhece os mecanismos dos passos nele registrados,

funciona como rememorar nuances e detalhes que passam a ser alterados em função das

trocas constantes nos corpos dos alunos. É comum alterações como: deslocamentos mais

amplos ou menos, colocações de braços mais específicos, nas costas, cruzando, mudanças de

lados, colocações do corpo durante os passos, sustentação de terminações, e muitos detalhes,

como liberar o calcanhar como ignição do movimento, acentuar chegadas ou saídas dos

passos, passagens de braços, passagens de pés, posições de pés e outros.

Esta mídia traz um conforto ao professor da RAD, uma vez que, de maneira geral, ao

assistir o passo conhecido nos DVDs, percebe, com muita facilidade, os detalhes que foram

alterados. Uma pessoa que não tenha passado por todas as etapas da formação da RAD não

terá o olhar capaz de decodificar o movimento destes DVDs e, muito possivelmente não

identificará estes detalhes indispensáveis para preparar um exame a contento do enviado pela

RAD.

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DVDs lançados para os exames de GRADES, lançados em 2011.

A atuação dos DVDs, além de contar com a premissa de que aquilo que está

mostrando já está no corpo do professor, se beneficia também das características próprias

desta mediação: formula, com as mesmas imagens, uma atualização da mesma informação em

qualquer lugar do mundo, garantindo a verificação de todos os detalhes que seriam facilmente

perdidos – o que poderia comprometer o controle total da RAD sobre o método que exporta e

com o qual vai padronizando todos os que com ele entram em contato, independente do lugar

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do mundo e da cultura onde estejam. A disponibilidade imediata dessa informação visual

(principalmente), promulga as alterações corporais que precisarão ser atendidas por qualquer

um que for prestar o exame. A imagem tem um papel disciplinador bem potente em

sociedades nas quais a cultura visual tem tamanha proeminência, como hoje em dia.

Essa situação demonstra como a relação DVDs-corpo do professor carrega uma

operacionalização ideológica de unificação, já que sustenta e controla os indivíduos com um

mesmo padrão que se transforma em uma identificação coletiva, que pasteuriza as

singularidades. Trata-se de uma estratégia de construção simbólica de padronização. Nesta

estratégia, é utilizado um referencial padrão que liga o indivíduo a uma identidade coletiva –

o que fortalece e legitima a continuidade da sua transmissão.

“Na unificação, as relações de dominação podem ser sustentadas no nível

simbólico, de uma forma de unidade que interliga os indivíduos numa

identidade coletiva, independente das diferenças ou divisões que possam

separá-los”. (THOMPSON, 2009, p. 86)

“Na padronização, formas simbólicas são adaptadas a um referencial padrão,

que é proposto como um fundamento partilhável e aceitável de troca

simbólica”. (ibidem, p. 86)

Entendendo o conceito de corpo fora da relação input-processamento-output, como

propõe a Teoria Corpomídia (KATZ & GREINER), compreende-se que o corpo do professor,

em contato com os corpos dos alunos, possibilita o estabelecimento de relações entre um e

outro que configuram outros possíveis modos de fazer o mesmo passo, em acordos entre o

tipo de cada corpo e a informação do passo no corpo do professor. Essas configurações e suas

microalterações iam, sutilmente e ao longo do tempo, distanciando-se do modelo inglês

instituído, que precisava ser reconfigurado naqueles corpos, daí a necessidade de um Tutor ou

Examinador para “fiscalizar” a qualidade da tradução das informações. Só depois de um

razoável período de tempo era possível reconstruir no corpo do aluno a fidelidade ao modo

inglês de dançar, retomando os detalhamentos perdidos. Com o DVDs, essa relação de

unidade identitária corporal passa a se instituir por uma homogeinização imediata e

desespacializada, tal qual Thompson (2000, p.320) propõe ao abordar a nova dinâmica de

espaço que a mídia DVD instituiu. O DVD exibe a referência visual que garante o modelo

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certo para as formas simbólicas, justamente porque fornece a imagem para o passo na forma

em que deve ser executado, não estando mais necessariamente dependente de uma

conversação dialógica entre professor e aluno que requer a presença de ambos em um lugar

(espaço ou território) comum. A partir dos DVDs, não é somente o diálogo que se perde, com

todas as possibilidades que os “ruídos” existentes neste tipo de comunicação promovem, mas

sobretudo a possibilidade do corpo do professor local deixar de ser a imagem-referência. Ou

seja, o DVD preserva, com as suas imagens, um controle sobre o tipo de referência que deseja

distribuir pelo mundo. Essas imagens são as referências que vão pasteurizando todos os

corpos, seja qual seja a sua cultura e seus traços particulares.

O avanço das tecnologias de imagem, no caso da dança, agilizam o controle de uma

uniformização das formas dos movimentos, o que, de certa maneira, constitui um cerceamento

da diversidade, e que pode estar a serviço de uma ideologização. Houve, há cerca de 20 anos,

um procedimento interessante, que poderíamos supor ser um quase-diálogo. Ao final de cada

uma das sessões de exames, o examinador conversava com os professores sobre as alterações

que havia verificado no padrão oficial. Porém, tal procedimento foi eliminado, em função das

discussões que geravam. Nem sempre as proposições e observações dos examinadores eram

aceitas pelos professores. Havia aí, de fato, um diálogo que, com a introdução das novas

mídias, silenciou. Poderíamos chamar as relações entre o DVD e o corpo do professor de

“quase participação” (THOMPSON, 2000, p.317), na qual o “fluxo de mensagens é,

predominantemente, unidirecional, e a capacidade dos receptores para responder ao

comunicador principal é limitada”.

A mesma relação de controle presente em outras mídias da RAD assume, com os

DVDs, um maior poder. O que o DVD inaugura é a referência visual de um padrão inglês a

ser seguido e copiado. A instauração de uma referência oficial cancela toda e qualquer

manifestação local, própria. Dedica-se a apagar toda possibilidade de apropriações culturais

do seu material, que passa a ser uma cancela que regula quem passará a fazer parte e quem

será excluído. Entendendo que o controle não atua só para cercear e coibir, ou seja, apenas

caracterizado por potencial negativo, mas que também produz algo e, por isso, também tem

potencial positivo, pode-se perceber que para enquadrar alunos e professores espalhados por

todos o mundo a seu modelo, a RAD instaura uma técnica mais abrangente de enclausurar, via

uma tecnologia de controle do saber deste corpo.

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“O que interessa basicamente não é expulsar os homens da vida social, impedir

o exercício de suas atividades, e sim gerir a vida dos homens, controlá-los em

suas ações para que seja possível e visível utilizá-los ao máximo, aproveitando

suas potencialidades e utilizando um sistema gradual e contínuo de suas

capacidades”. (FOUCAULT, 2009, p. XVI)

Outra forma de controle exercida pelo DVD está no seu preço – que já implica em

uma exclusão para as classes sociais menos favorecidas.

O efeito disciplinar (idem, p.XVII) tornou-se mais elaborado, pois o trabalho de

retomar o modo inglês de dançar passa a operar em si mesmo, fazendo com que o professor

local permaneça em uma relação de impossibilidade de questionamentos e reflexão. Tem

apenas muito, muito trabalho a fazer, com baixa possibilidade de “pensar sobre” seu trabalho,

de estabelecer um “contra-poder” (idem). O corpo do professor e o corpo do aluno se tornam

dóceis politicamente, incapazes de romper com a pasteurização unificadora da qual fazem

parte.

A RAD tem um aparato de símbolos, como o brasão da realeza inglesa, a

exclusividade da língua inglesa nos Syllabus, no nome das sequências de passos dos exames,

na opção de cores e uniformes que estão presentes nessa linguagem visual em todas as suas

mídias – todos esses recursos fazem parte de uma estratégia de construção simbólica que

institui a unificação. Essa estratégia é a simbolização (THOMPSON, 2000, p. 86), e nela se

torna evidente a referência que os símbolos da RAD fazem ao contexto inglês. Eles também

vêm acompanhados de processos de narrativização, no formato que foi tratado acima, e que

reforçam essa associação, já a partir do Royal de seu nome (Royal Academy of Dancing), que

significa Real, vem acompanhado do brasão que torna visível a classe social a que se refere,

sendo uma marca visual que comunica a própria história da associação.

“A simbolização é a construção de símbolos da unidade, de identidade

e de identificação coletiva, que são difundidas através de um grupo, ou

de uma pluralidade de grupos”. (THOMPSON, 2009, p.86)

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1.2.4 – A PRODUÇÃO DOS SITES

As trocas simbólicas através de jornais, rádios, folhetins, revistas, semanários e outros,

ao tomarem o formato de indústria da mídia, juntamente com o surgimento da sociedade

moderna e com a expansão do capitalismo industrial (THOMPSON, 2000, p.220),

impulsionaram a formação de grupos hegemônicos, que compravam editoras menores. Além

disso, com o desenvolvimento da tecnologia do telégrafo, houve muita competição entre as

principais agências de informação. Foi o início dos tratados e acordos que estabeleceu os

limites territoriais de coletas e distribuição de informação. Esses acordos se ampliaram a nível

internacional após a Primeira Guerra Mundial.

“A concentração e diversificação de indústrias de mídia levou à formação de

conglomerados da comunicação que possuem grandes interesses numa

variedade de indústrias ligadas à informação e comunicação”. (THOMPSON,

2000, p. 258)

A implantação dos seis sites da RAD em uma rede que os articula e se complementa,

bem reflete a história e o desenvolvimento da comunicação de massa. Todavia, com a

tecnologia digital, via internet, a diferença é que são articuladas diferentes instituições sociais

inglesas, que passam a atuar como braços fortes da RAD. A eles se integra um site local, em

língua portuguesa, gerenciado pelo escritório da RAD/Brasil.

Os seis sites em língua inglesa funcionam como uma publicidade bem cuidada, na qual

se encontram, com facilidade, exemplos de reificação33 da RAD. Digitais e em rede, as

estratégias de construção simbólica já citadas são articuladas de modo a configurar uma

situação de continuidade no tempo, que não é mais do passado, é algo novo, do presente, e

que se coloca como algo que sempre existirá.

O site em língua portuguesa é uma adaptação do site matriz da RAD de Londres. Nele,

agora é possível acessar, ler e salvar o informativo Diary, embora ele ainda seja entregue via

imprensa escrita.

O site de Londres é atualizado diariamente, mostra o link dos outros sites, e traz

sempre atividades e programas que acontecem em Londres, principalmente. Dar visibilidade

33 A reificação é aqui entendida como a supressão ou, ofuscamento do caráter sócio-histórico dos fenômenos. Relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pela retração de uma situação transitória, histórica, como se a situação fosse permanente, natural, atemporal. Processos são retratados como coisas, ou como acontecimentos de um tipo quase natural, de tal modo que o seu caráter social e histórico é eclipsado.

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ao que está acontecendo agora evidencia a estratégia da construção simbólica apoiada na

naturalização, onde diferenças são consideradas com naturais. O site é a própria construção

simbólica da desigualdade, uma vez que amplia a visibilidade do que a RAD de Londres faz e

não possibilita o mesmo para o site local. Mas isso se opera de tal maneira que estas

diferenças são consideradas naturais.

Assim, também é evidente a estratégia de eternalização, que prolonga a permanência

de tradições, costumes. É o que acontece com o modo de dançar inglês do que se chama balé

clássico. O balé clássico, nos sites, se apresenta como uma forma de dança cristalizada pelo

tempo. Uma imagem de estar acima de todas as épocas, embora tenha sido produzido em um

contexto específico. Recursos gramaticais também são articulados, embora nos sites exista

uma linguagem mais direta, associada às imagens. Frases que usam da construção simbólica

de nominalização como, por exemplo: “Fundamentos para lançar o futuro” – para anunciar o

lançamento de dois novos Syllabus: o de intermediate-foundation e intermediate. Ou seja, o

sujeito é eximido da ação, a ênfase é na ação. Ocorre também a estratégia de construção

simbólica de passivização, onde há o uso do gerúndio e verbos na voz passiva, como:

“Liderando o mundo da educação em dança e treinamento” aparecem, sustentando a

reificação.

Como se vê, o site é bem estruturado como controle do que o corpo do professor está

mediando. As relações são de mão única, não existe possibilidade de reflexão e troca. Essa

ação tem sido tão positiva que a RAD vem criando outras, via internet, como os recentes

informativos específicos para o corpo do professor, que não trazem a possibilidade de que

algo seja postado ou encaminhado. Sua função é publicar uma informação e ponto final. Neles

é possível detectar as operacionalizações ideológicas que estão sendo apresentadas aqui.

Hoje, é possível encontrar a RAD no youtube, em orkuts e outras redes sociais, e tudo

isso funciona como outras mídias que legitimam, dissimulam, unificam, fragmentam e

reificam a RAD, difundindo a sua imagem como sendo a de uma associação sem fins

lucrativos, divulgando que “A Royal Academy of Dance promove conhecimento e prática de

dança internacional. Nós buscamos alcançar nossa missão através da promoção da dança,

educando e treinando estudantes e professores e promovendo avaliações e premiando os

resultados” 34. (www.rad.com.uk)

34 “The Royal Academy of Dance promotes knowledge, understanding and practice of dance internationally. We seek to accomplish our mission through promoting dance, educating and training students and teachers and providing examinations to reward achievement.”

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Capítulo 2 - A RAD no Brasil

2.1 – A RAD no Contexto Histórico Brasileiro

Desde o início da colonização portuguesa, o domínio do pensamento europeu se

pronuncia nas formas simbólicas. Os registros de corpo evidenciam essa relação:

“... os primeiros registros; como este, que consta nos “autos da fé jesuística”,

“O teatro Anchieta – Pe. Armando Cardoso: para realizá-los, Anchieta

explorou o gosto dos indígenas pelas representações jocosas, pela dança e pelo

canto, incutindo neles a moral católica e o respeito aos dogmas da igreja”.

(SUCENA, 1988, pg.26)

A partir de 1776, os registros já apontam a presença do balé clássico nos corpos dos

brasileiros:

“A crônica de tempos coloniais, de Velho Silva, assim se refere a Manuel Luís:

“Era de estatura um pouco acima do comum, de formas um pouco tanto

vultosas e achavascadas, de ventre proeminente que ele procurava contrair o

melhor que podia e, como tinha aprendido a dançar, andava com os pés

voltados para a quarta posição na ordem coreográfica e procurava no andar,

nos movimentos e nos gestos, uma certa graciosidade que o tornava

sobremaneira ridículo”. (SUCENA, 1988, p.30)

As relações do Brasil com a dança europeia, portanto, existem no Brasil muito antes

das que se estabelecem com a RAD. Elas vêm de um longo processo histórico da presença de

inúmeras companhias de dança do mundo no Brasil. Neste percurso, deve ser registrada a

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parceria do London’s Festival Ballet (SUCENA, p. 393) com o Ballet do Rio de Janeiro35, em

uma turnê que inaugurou o intercâmbio Londres-Brasil. Em 1960, a referida Cia de dança,

após um pequeno período de paralisação, reaparece no Teatro Municipal do Rio de Janeiro,

contando com a participação da então presidente da RAD, Dame Margot Fonteyn.

“Contou com as presenças ilustres de Margot Fonteyn e Michael Somes,

cooperando com a afirmação do grupo e brilhantismo das apresentações”.

(SUCENA, 1988, p.393)

A presença de Margot Fonteyn foi muito elogiada.

“No Teatro Municipal, tivemos agora o privilégio de encontrar Margot

Fonteyn em suas nobres e fundamentais características – como bailarina

insuperável, encarnando o verdadeiro “espírito da dança” – e cooperando para

que o Ballet do Rio de Janeiro, possa apresentar-se em Londres, perante a

Rainha Elizabeth II, num estágio definitivo da coreografia brasileira. É um

gesto de solidariedade que nunca devemos esquecer”. (O Cruzeiro, 18 de

julho). (SUCENA, 1988, p.393)

Foi assim que o Ballet do Rio de Janeiro, sob a direção de Dalal Achcar, se apresentou

em Londres em 8 de dezembro de 1960, na Gala Performance promovida pela RAD

(SUCENA, p.394), no Royal Theatre, tendo Margot Fonteyn como apresentadora.

Margot Fonteyn esteve diversas vezes no Brasil, acompanhada do renomado bailarino

Rudolf Nureyev (SUCENA, p.394), com o Royal Ballet, em 1973, e finalmente, em 1975 e

1976, Margot Fonteyn e David Wall dançam Floresta Amazônica, obra coreografada por

Dalal Achcar. Ambos, dançando com a Cia de Ballet do Rio de Janeiro, em 1977, inauguram

o Teatro Goiânia, em Goiás.

Dalal Achcar foi a introdutora do modo inglês de dançar balé clássico no Brasil, “que

se disseminou pelo país” (SUCENA, p.395). Ela, inclusive, foi condecorada com a Ordem do

Império Britânico. Dalal Achcar havia ocupado o cargo de diretora do Corpo de Baile do

Teatro Municipal do Rio de Janeiro em 1968 (SUCENA, p.311), dele se afastando quando

fundou a referida Cia de dança. Em 1981, é nomeada Diretora de Música e Dança da Funderj 35 Cia de dança fundada por Dalal Achcar, no Rio de Janeiro, em 1956.

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(Divisão de Música e Dança da Fundação de Artes do Rio de Janeiro), passando,

posteriormente, ao cargo de diretora do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Embora tenha

sido grande a atuação de Dalal Achcar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o método da

RAD não foi adotado pelo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, mas conquistou a adesão de

muitas escolas particulares de balé clássico.

Em São Paulo, a expansão do modo inglês de dançar balé clássico deu-se através da

bailarina e professora de balé clássico Aracy Evans (professora da RAD credenciada desde

1972) e depois, foi continuado por suas alunas, dentre as quais se destacam Ilara Lopes e

Marília Franco. Dentre elas, está a que me introduziu no método, Toshie Kobayashi (foto

Diary, 2010/2, p.05). Conheci D. Toshie na Escola de Bailados do Teatro Municipal, e passei

a estudar o modo inglês de dançar balé clássico em sua escola, em São Caetano do Sul, onde

depois me tornei professora. (diplomas em anexo). A partir de 1991, comecei a estudar o

modo inglês de dançar balé clássico para passar a ensiná-lo e para preparar candidatos aos

exames da RAD. Em junho de 1996, realizou-se, no Teatro Municipal de Marília, o primeiro

exame da RAD na região de Marília/SP (sudoeste do Estado).

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“Academia Inglesa faz teste em Marília”

(Diário Marília Notícias, N.o19.155, caderno B, p.1-B, 7/05/1996)

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A partir deste primeiro exame, professores das cidades vizinhas passaram a ter um

contato semanal com o método da RAD.

“Participam do primeiro exame da Royal em Marília, 59 estudantes, das

cidades de Ourinhos, Assis, Araçatuba e Tupã. De Marília, serão 30 alunos,

todos da escola Leila-Centro de Danças Clássicas”. (Diário Marília Notícias,

7/05/1996)

Os professores de várias cidades passaram a estudar o modo inglês de dançar balé

clássico e o método de ensino da RAD, sendo que os professores formados em Tupã e Assis

implantaram os exames da RAD, pois passaram por todo o processo de formação, o que lhes

deu o acesso ao material plurimidiático da RAD. Tupã e Assis, juntamente com Marília,

passaram a acolher professores das cidades menores e/ou vizinhas. Com poucos alunos,

escolas de dança e academias em geral não conseguem número suficiente de candidatos ao

exame a cada ano.

“Em dois dias realizou os exames com 30 candidatos das cidades de Barra

Bonita, Bauru, Promissão, Araçatuba, Pompéia, Assis, Tupã, Campinas, Piraju

e Marília”. (Diário Marília Notícias, Caderno B, 7/06/1997)

Estes exames da RAD estão, até os dias de hoje, estabilizados e mantidos na rede

brasileira da RAD.

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2.2 – A recepção e as mídias

Quando a presidente da RAD, Margot Fonteyn, chegou ao Brasil em 08 de dezembro

de 1960 (SUCENA, 1988, p.394), a impressa brasileira abriu espaço para divulgar a sua

presença. O fato de artistas estrangeiros merecerem destaque na mídia local também revela

traços de uma colonialidade que se mantém ainda hoje.

A RAD chegava ao Brasil por sua mais importante mídia: o corpo, o corpo de Margot

Fonteyn, que também é uma professora. Estabelece-se inicialmente uma relação corpo-inglês

e corpo-brasileiro para desencadear o processo de legitimação do método da RAD. Esse

processo foi trabalhado em torno do “significado social” do próprio balé clássico já

constituído historicamente no contexto brasileiro.

Sucena (1988) explica que o balé clássico está presente no processo de colonização do

Brasil. Como o contexto brasileiro foi sendo estruturado nos moldes da monarquia, as trocas

simbólicas se davam nessa estrutura social, que se caracteriza por ser de relações assimétricas

de poder. O significado social construído é o de que o balé clássico é um tipo de dança da

nobreza e, portanto, melhor. Já existia, aqui no Brasil, uma relação de estrutura de classe

social com seus modos de dançar.

A RAD, ao chegar, se apresenta com um modo de dançar balé clássico próprio,

exclusivo, e com uma formulação de ensino que se apóia em assegurar que quem dança como

os ingleses da RAD recebe um Diploma Real, e, portanto, terá um reconhecimento

internacional. Esse tipo de diploma “real” introduz um novo significado social para a dança

no contexto brasileiro. Esse significado social (que já havíamos identificado no contexto

inglês) é aqui, no Brasil, imediatamente legitimado, como se pode notar no modo como o

jornalismo cultural local se comportou face à presença de Margot Fonteyn.

Foram construídos argumentos propondo: a) o reconhecimento de se tratar de uma

pessoa especial, praticando a estratégia de “racionalização”; b) a “universalização” do seu

modo de dançar; e c) a “narrativização”, ao tratá-la como uma figura histórica que merece

reconhecimento e consideração ímpar.

O modo de dançar e ensinar balé clássico da RAD existia há 40 anos no Reino Unido

quando chegou aqui. O material plurimidiático que veiculava esse modo de dançar balé

clássico da RAD, na época, era composto de: livros (Syllabus), partitura e videocassete, todos

co-dependentes do corpo do professor. Tratava-se de um conjunto fechado de informações a

serem construídas a partir do corpo a corpo. Aqui no Brasil, a sua introdução se inicia pelo

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próprio corpo da presidente da RAD. É Margot Fonteyn que se constitui no seu primeiro

corpo de professora ao lado do corpo da professora de Dalal Achcar. Esse processo não é

rápido, requer tempo, continuidade, para estabilizar no corpo o modo inglês de dançar.

Seja de Aracy Evans e D. Toshie, seja de D. Toshie comigo, depois de mim com os

tutores da RAD, ou ainda de mim com os demais professores da região e depois, deles com

seus tutores da RAD, o fato é que o corpo do professor é o que possibilita que toda uma rede

de mediações instale, de maneira estável e contínua, em uma região geográfica - no caso, a do

sudoeste do Estado de São Paulo – o modo inglês de dançar e ensinar balé clássico.

Primeiros professores da RAD em São Paulo, Toshie Kobayashi (4.a pessoa da dir. p/ esq.) – Fonte: DIARY

BRASIL n.o 2 / 2010.

Aqui, fica bem claro que o professor da RAD, embora seja brasileiro, passa a ser um

agente local do processo colonial, assumindo as características do conceito de colonialidade a

que Aníbal Quijano trata. Ele instaura assimetrias de legitimidade quando estabiliza, nos

corpos de seus alunos, uma subordinação ao modo inglês de dançar balé clássico.

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“E como a experiência da América e do atual mundo capitalista mostra, em

cada caso, o que na primeira instância gera as condições para essa articulação é

a capacidade que um grupo consegue obter ou encontrar, para se impor sobre

os outros e articular sobre seu controle, numa nova estrutura societal, as

heterogêneas histórias” (QUIJANO, 2010, p.91)

É que, como vimos, o balé clássico foi constituindo um significado social de domínio

de conhecimento superior aos modos locais de dançar. Aos poucos, os corpos brasileiros e os

seus professores de balé clássico passaram a assimilar esse conhecimento e a assumir, então, o

seu papel de agentes coloniais. O próprio corpo brasileiro vai passando o padrão inglês aos

outros corpos brasileiros, no sentido de fazer perdurar aqui esse modo de dançar engendrado

acolá e que poder ser perpetuado graças a todas essas estratégias de empresa multinacional

que zela pela eficiências de suas formas de comunicação.

Há um significado social na legitimização de que o que a RAD ensina é superior aos

modos locais de ensinar dança. Dissemina, nas escolas e academias por todo o Brasil, o seu

modo próprio exclusivo, que se apóia em assegurar que quem dança como os ingleses da

RAD recebem um Diploma Real, que lhe traz reconhecimento internacional. O diploma “real”

introduz um novo significado social para a dança no contexto brasileiro.

“A mesma cartografia é constitutiva do conhecimento moderno. Mais uma vez,

a zona colonial é, par excellence, o universo das crenças e dos

comportamentos incompreensíveis que, de forma alguma, podem considerar-se

conhecimento, estando, por isso, para além do verdadeiro e do falso”.

(SANTOS, 2010, p.37)

É por isso que, além de ser mídia do modo social inglês de existir, o professor da RAD

age como um acionador de assimetrias de entendimento de dança. É no seu corpo que está

estabilizado um certo entendimento de dança. Produzido no contexto inglês. é validado pelo

seu diploma da RAD, que auto-reproduz um pensamento abissal, legitimando o balé clássico

como um modo de entendimento de dança dominante e hegemônico. O entendimento que o

balé clássico é um conhecimento de dança melhor do que os outros foi instituído no processo

de colonização.

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“A permanência das linhas abissais globais ao longo de todo o período

moderno não significa que estas se tenham mantido fixas. Historicamente, as

linhas globais que dividem os dois lados têm vindo a deslocar-se. Mas em cada

momento histórico, elas são fixas e sua posição é fortemente vigiada e

guardada, tal como sucedia com as linhas da amizade”. (SANTOS, 2010, p.40)

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2.3 – Diferentes contextos de recepção

Esta pesquisa insiste na necessidade de se estudar as formas simbólicas na relação com

o contexto social que as estrutura (THOMPSON, 2009, p.181). Essa proposta tem grande

importância aqui, sobretudo porque trabalhei como professora em dois contextos sociais

distintos, tendo como objetivo modificar as desigualdades sociais de informações e de

recursos materiais a que os dois grupos estavam submetidos.

Até aqui, me ative a demonstrar a potência de transmissão midiática do material da

RAD, demonstrando ser o corpo a midia-chave de um modo de comunicação que ainda

guarda características de comunicação de massa - uma comunicação de mão única e em

grande escala. Esse processo de transmissão vai acompanhando o desenvolvimento e/ou

diversificação das mídias que vão sendo agregadas ao seu material de divulgação e elas se

inserem nas novas formas de organização econômica das empresas de mídia, que no neo-

liberalismo assumem o formato de grupos financeiros de capital interrelacionado.

Para compreender a prática da forma simbólica da RAD em contextos sociais

estruturados, faz-se necessário um “exame cuidadoso do que está implicado na apropriação

cotidiana das mensagens comunicativas” (THOMPSON, 2009, p.357), ou seja, na

investigação sobre a recepção criativa de um grupo que se classifica como classe A e B, e de

outro grupo que se classifica como “grupo de risco social”.

Foram apresentados os diversos corpos do material plurimidiático da RAD, e agora

chega o momento de focar a especificidade das interações dos corposmídia36 nestes contextos.

O corpo do professor é a principal mídia a atuar nestes dois contextos, e ele o faz organizando

as aulas de acordo com a programação estipulada para cada nível da graduação pelos

programas de Grades (estudantes em geral) ou Vocational (profissionalizante). Para tanto, ele

leva em conta o nível de conhecimento do grupo que vai trabalhar, e a partir disso, estabelece

um plano de ação.

As aulas são organizadas com fichas individuais, nas quais o professor configura o

tipo de corpo, faz associações com o corpo do pai ou da mãe do aluno, descreve os formatos

de pés, joelhos, pernas, bacia, tórax, costelas, omoplatas, ombros, braços, mãos e cabeça.

Muitos professores não escrevem nem anotam isso, mas o fazem de outras formas,

36 O conceito de corpomídia (Katz&Greiner) propõe o entendimento de corpo como mídia de si mesmo e não como um recipiente contenedor de informações. O corpomídia troca permanentemente informações com o ambiente, modificando-se e modificando também o ambiente, em um fluxo constante de modificações chamado de semiose – conceito vindo da semiótica de Charles S. Peirce (1839 - 1914).

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conversando com outros professores, por exemplo. De qualquer forma, o professor organiza

esse formato de cada aluno, do mesmo modo com que ele mesmo foi trabalhado ao ser

introduzido no método da RAD. Só, então, a partir disso é que o professor pratica os

princípios básicos do balé clássico segundo a RAD, no corpo do aluno. Ele analisa o en

dehors37, a capacidade ou não de extensão de pés, joelhos e etc., o alinhamento de tronco,

pernas, pés, braços, cabeça, e o alongamento muscular. Como o corpo do professor construiu

esses atributos, pode traçar estratégias de desenvolvimento desses princípios no corpo do

aluno. Todo esse perfil físico vem somado às dinâmicas dos movimentos dos alunos, sua

temporalidade, seus modos de deslocamento. O perfil psicológico também conta, desde uma

anotação de algum traço particular e pessoal até a intervenção dos pais e especialistas,

dependendo das particularidades. Além disso, aspectos raciais, pessoais, especiais

(deficientes), e o perfil social compõem as observações do professor no plano pessoal dos

corpos dos alunos. Essas fichas devem ser planejadas para vinte aulas, de acordo com as

metas para cada aluno. Após esse período, se faz uma avaliação e se refaz as metas para o

cumprimento do programa da RAD.

Existe um forte enfoque na organização muscular. O corpo do professor vai

articulando essas colocações dos músculos com as dinâmicas dos passos no “trabalho de

barra, port de bras, movimentos de giro, adágio, allegro e trabalho de ponta” (The

Foundations of Classical Ballet Technique, 1997, p.5).

A análise de corpo que o professor da RAD faz é o que Thompson chama de campo-

objeto das ciências naturais, que se difere do campo-objeto das ciências sociais.

“Pois nas ciências sociais, como em outras disciplinas relacionadas com a

análise das formas simbólicas, a herança do positivismo do séc. XIX é muito

forte. Existe uma tentação constante em tratar os fenômenos sociais em geral, e

formas simbólicas em particular, como se elas fossem objetos naturais,

passíveis de vários tipos de análise formal, estatística e objetiva”.

(THOMPSON, 2009, p.358)

O professor da RAD olha para o corpo do aluno através de uma análise formal,

estatística e objetiva. Ele faz uma interpretação do corpo de seu aluno como se faz um

37 expressão francesa que significa ‘para fora’ e, que, no balé, indica a rotação na direção ‘para fora’ da articulação coxofemural.

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procedimento das ciências naturais. Esse mesmo corpo do aluno tomaria outra configuração

ao ser observado e ao ser trabalhado como um campo-sujeito. Analisar o aluno como um

campo-sujeito não significa deixar de lado a análise que está proposta, mas sim entender que

os alunos já fazem trocas simbólicas em seu contexto, que são sujeitos interagindo nos seus

contextos construindo o que está nomeado neste trabalho de significado social.

Existe um corpo a corpo nos contextos, específico de cada classe social, que opera no

e do corpo / movimento. Já nesse nível de descrição se operam trocas simbólicas corporais e

negligenciá-las significa descontextualizar o sujeito/corpo.

É o analisar o aluno como campo/sujeito/objeto que me faz, agora, clarear o fracasso

da meta que estipulei. Faço, então, aquilo que Thompson chama de interpretação da doxa.

Interpretar a doxa é reconhecer que nos dois contextos onde atuei já havia trocas simbólicas,

opiniões, crenças e compreensões que eram compartilhadas e sustentadas pelas pessoas que o

constituíam. Os grupos eram de campos de interação diferentes, e “segundo Bourdieu, um

campo de interação pode ser conceituado, sincronicamente, como um espaço de posições e,

diacronicamente, como um conjunto de trajetórias” (THOMPSON, 2009, p.195). Posições

produzem certas trajetórias no contexto social, delas dependem da distribuição de recursos e

capitais. Ou seja, cada contexto tem seus recursos e materialidades a que estão mais ou menos

acessíveis.

Justamente por reconhecer essa assimetria de posições e trajetórias, me insurgi.

Evidentemente, os recursos materiais eram e são desiguais nos diferentes contextos, e o que

cabe enfatizar é que a “interpretação da doxa”, nesse caso, o conhecimento do corpo nos dois

ambientes, é que era absolutamente diferente. Nos corpos da ONG, havia um conhecimento

no corpo que o modo de balé clássico da RAD negligenciava.

Isso acontecia porque quando eu, uma professora da RAD, olhava o corpo do aluno

não tinha só como ver o corpo do aluno como um campo-objeto das ciências naturais. Era

fácil perceber após algumas aulas que algo de diferente já estava instaurado no corpo do

aluno. O corpo da ONG não tinha o mesmo tempo, espaço, posição, trajetória e recurso nos

seus pés, joelhos, pernas, bacia, tórax, costelas, omoplatas, ombros, braços, mãos e cabeça;

tinha um modo próprio, modos outros que se constituíam de outra tonificação muscular, de

outro alinhamento, de outra extensão, de outro “pensamento” que custava a se enquadrar. Que

se forçava enquadrar. Era preciso negligenciar o conhecimento que havia ali para manter a

proposta da RAD.

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A relação corpo-espaço-tempo é uma relação de hábitos cognitivos que se opera em

fluxos contínuos retendo taxas de estabilização, como ensina a teoria corpomídia (KATZ &

GREINER). Todo o corpo já organiza uma dinâmica corporal que não ocorre com separação

entre tônus e padrões cognitivos (LAKOFF & JOHNSON). Os alunos do contexto da ONG já

organizavam certas formulações tônicas das quais a proposta da RAD negligencia, porque ela,

para manter o controle, para certificar o que ensina, impõe ao professor dar visibilidade a um

modo de fazer em detrimento dos outros. Faço uma tentativa de exemplificar o espaço e o

tônus/cognição: para as crianças da ONG, a formulação tônica do espaço vem de um casebre

pequeno, de ruas que são vielas de terra, de esgoto aberto, de eletricidade não oficial, puxada

de outras fontes, de cheiros de lixo, de subir em árvore, de precisar evitar trechos perigosos

das redondezas, de corridas livres, que produzem corpos muito ágeis, mais abertos,

destemidas, de explorar, de contrações de corpos encolhidos nos casebres apertados, de um

modo de comer e de pegar.

De outro lado, a similaridade de “pensamento” do contexto dos corpos dos alunos de

minha escola e da forma simbólica da RAD, fica evidente. Os corpos dos alunos já chegavam

com uma familiaridade de colocação corporal, postura, andar, mãos, sentar, esses modos de

constituir o espaço-tempo em tipo específico de ordenamento a que esse modo de dança se

aplica.

Fica aqui também nítida a relação corpo-espaço-tempo que estamos abordando. O

posicionamento tônico das crianças de minha escola já ecoava, de certo modo, o que era

pedido pelo método da RAD, uma vez que suas casas possuem ambientes separados para

salas, quartos, banheiros, cozinha e outros. Viver neste tipo de casa (arquitetura com espaços

específicos) estimula um ordenamento corporal que vai dando outra configuração/tonicidade/

cognição – uma vez que eles são desenvolvidos em acordo com as trocas com os ambientes.

No sofá da sala, a tonicidade vai se organizando em uma postura de sentar, de ler a revista, de

conversar. Nos quartos, o corpo pode dormir, confortável e alongado. O uso das mãos ao

comer com talheres específicos, e a contínua exploração do corpo em espaços de tamanhos e

funções variadas em deslocamentos ordenados, contidos, também vai promovendo

especializações.

O balé clássico da RAD vem do contexto estrutural inglês construído historicamente

do conhecimento da doxa da nobreza da Inglaterra. A dinâmica de passo e o trabalho tônico é

um modo de uso da força como “esforço” (striving, para a RAD); altera-se o modo do uso dos

músculos para se ter a possibilidade de organizar o en dehors e ser capaz de configurar o

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corpo em uma linha de perna, de colocação da pélvis, da coluna, de braços e cabeça que

atenda às características dos passos de balé, ou seja, à dinâmica dos seus pliés, developpés,

arabesques, giros e etc. Todo o trabalho de tônus precisa ser mobilizado por um conjunto de

músculos que são dinamizados pela necessidade do controle da pélvis. A pélvis é levantada

pelos músculos abdominais, pela frente do corpo e pelos músculos glúteos, segurando atrás.

Estas ações dão sustentação à parte baixa da coluna (lombar). Com esta, pode-se controlar o

en dehors que, acredita-se, os músculos internos da coxa e os músculos das nádegas são os

principais para que se consiga atingir essa ação tônica de “controlar-se”, controle de realizar o

movimento de um certo modo:

“Tudo origina-se da postura do dançarino, que reflete as clássicas ideias de

equilíbrio, simplicidade, e contenção. Quando o corpo está automatizado sob

os pés, o dançarino tem uma base sólida que o movimento prossegue com

facilidade e graça. Este equilíbrio reflete o íntimo estado de calma e controle

do dançarino. A cabeça pousada, o peito aberto, e a coluna alongada, com a

linha de olhos que projeta além. Embora a postura possa ser descrita em termos

estatísticos, o ser humano é vida, organismo vivo e sua postura está sempre

dinâmica. Existe um delicado equilíbrio entre estabilidade e mobilidade e a

postura do dançarino nunca deve ser rigidamente posta, deve constantemente

ajustar-se ao controle do corpo, isto entendido haverá facilidade de movimento

e técnica forte”. 38 (The Foundation of Classical Ballet Technique, 1997, p.6)

É essa modulação tônica que as crianças que frequentavam a minha escola já haviam

iniciado como habilidade cognitiva, por conta das trocas com os ambientes que vinham

fazendo na sua vida. Havia um hábito cognitivo já instaurado.

Esse tipo de observação implica em aceitar, com Thompson (2009, p.86), que existe

no modo de dança do balé clássico uma estratégia de construção simbólica. É no corpo que

38 “Everything stems from the dancer’s posture which reflects the classical ideals of balance, simplicity, and restraint. When the body is mechanically balanced over the feet, the dancer has a solid base form which movement can proceed with ease and grace. This equilibrium mirrors the dancer inner state of calm and control. The head is poised, the chest open, and the spine lengthened, with eye line projected outward. Although posture may be described in static terms, the human being is a living, breathing organism and its posture is always dynamics. There is a delicate balance between stability and mobility and the dancer’s stance must never be rigidly set must constantly adjust control of the body is understood there will be ease of movement and strengthening of technique”. (The Foundation of Classical Ballet Technique, 1997, p.6)

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um certo tipo de troca com os ambientes vai se transformando em corpo. Se estes corpos

ficam expostos a situações nas quais “relações de dominação podem ser mantidas não

unificando as pessoas em uma coletividade, mas segmentando aqueles indivíduos e grupos

que possam ser capazes de se transformar num desafio real aos grupos dominantes, ou

dirigindo forças de oposição potencial em direção ao alvo que projetado como mau, perigoso

ou ameaçador” – isso vira corpo e este corpo age no mundo a partir disso.

Os corpos da ONG sofrem de distinção, de diferenças e divisões que os colocam

sempre na posição de necessitados que precisam de ajuda, de corpos que precisam ser

apoiados, mas que, infelizmente, são tão diferentes do modo inglês de se dançar que não

podem ser legitimados pelo Diploma da RAD. Seus modos de se movimentar não faz parte do

currículo da RAD. E aqui fica nítida a estratégia de “expurgo do outro”, mesmo quando se

cria um programa de ajuda à escola pública e parcerias com a fundação. O fato é que a

diferenciação assimétrica é mantida. E instaurar o reconhecimento desse modo pode significar

a perda de espaço ou uma alteração de estrutura de poder, de não submissão. Fica

subentendido que aí existe um “inimigo” (na forma de um corpo) a ser combatido para dar

estabilidade à legitimidade do balé clássico no estilo inglês proposto pela RAD.

Atuando com os dois grupos, que faziam aulas separadas e aulas conjuntas, um

ambiente de troca amigável se criou. Mas quando terminava a aula, cada qual voltava para a

sua casa, seu casebre, ou seu barraco. Talvez mais felizes, talvez incomodados pelos passos,

mas cada um voltava para as condições materiais expressas no tipo de casa em que vivia e

muito, muito, muito pouco mudou nisso.

O mais natural seria esperar que se essas crianças, ditas desamparadas, recebem um

ótimo ensino de balé clássico, estarão mais aptas a aderir a uma condição de vida social

melhor. De fato, o balé clássico tende a gerar uma dinâmica pessoal mais positiva, isso é

observável. Mas talvez, outras danças locais teria ainda mais propriedade para produzir

dinâmicas sociais mais positivas ainda. É inegável que alguém que dance tem uma situação

melhor do que a de quem está abandonado à falta de perspectiva. Todavia, existem outras

questões aí implícitas.

Esta lógica de inclusão instaura uma dicotomia sócio-política. Foi Agamben

(AGAMBEN, 2010) quem tratou de processos de inclusão exclusiva39 quando pesquisou a

normatização do Estado de exceção na democracia de hoje.

39 Na pesquisa sobre o Estado de Exceção, Giogio Agamben (2010) demonstra que, historicamente, a exceção é uma previsão do ordenamento jurídico para situações em que medidas não previstas em leis precisarão ser

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O trabalho que fiz com elas era de inclusão social através do ensino do balé clássico da

RAD. Mas, para realizar a inclusão social com o modo inglês de se dançar balé clássico, foi

preciso fazer a exclusão do potencial corporal local que os alunos traziam. Uma inclusão que

elimina-exclui o corpo local. A existência desta dualidade da inclusão exclusiva estabiliza as

assimetrias aqui apresentadas via sociedade neoliberal e corpo colonial. Contudo, esta lógica

de inclusão instaura uma dicotomia sócio-política. Foi Agamben (AGAMBEN, 2010) que

tratou de processos de inclusão exclusiva quando pesquisou a normatização do Estado de

exceção na democracia de hoje.

tomadas pelo poder soberano, como: revolução, invasão de território, catástrofe e outros. Hoje, no Estado democrático, praticamente, toda norma tem uma exceção. Essa presença na lei que trata da exceção é a demonstração de uma dualidade em que a exceção já está prevista para alterar a norma. A exceção faz parte da lei da seguinte maneira: a norma se aplica à exceção desaplicando-se, retirando-se desta. Ou seja, a exceção passa a legislar, mas não assume a posição da norma; a exceção, apenas, suspende a norma. Agamben convida a considerar que na norma, a concepção de vida é bios e na exceção, ou o que está excluso, a concepção de vida é zoé. Portanto aquilo que está fora da norma (norma é bios), a exclusão (exceptio) é o ingresso, a inclusão da (zoé na polis); a exclusão inclusiva. Esta relação passa a ser inclusão exclusiva quando o ordenamento jurídico-político atual passou a usá-la para incluir (bios) para excluir (permitir matar), ou seja, a biopolítica se tornou alguma coisa que é incluída para exercer exclusão.

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Capítulo 3 – A Ação do Professor da RAD no Brasil e suas implicações na Biopolítica

O potencial que a forma simbólica da RAD tem – e que imaginei ser outro - “é o

conjunto relativamente estável de regras e recursos, juntamente com relações sociais que são

estabelecidas por eles” (THOMPSON, 2009, p.367). O potencial da forma simbólica da RAD

nestes dois contextos é a estabilização do modo inglês de dançar balé clássico; é a introdução

de um pensamento de corpo inglês, com alto grau de estabilização, gerando fixidez corporal

das posições e trajetórias estruturadas, que operam no corpo, nos sentidos a que Thompson se

refere. As relações assimétricas de poder são mantidas, agora no corpo, como um saber

(FOUCAULT, 2009), que cria uma rede de subjetividade, de micro-poder.

“Forma-se então uma política das coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma

manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O

corpo humano entra numa maquinaria do poder que o esquadrinha, o desarticula e o

recompõe. Uma “anatomia política”, que é também igualmente uma “mecânica de

poder”... em uma palavra: ela dissocia o poder do corpo; faz dele por um lado uma

“aptidão”, uma “capacidade” que ele procura aumentar; e inverte por outro lado a

energia, a potência que poderia resultar disso, e faz dela uma relação de sujeição

restrita”. (FOUCAULT, 2009, p.134)

Na raiz do problema, está o entendimento de corpo que o professor da RAD media. Ao

estabilizar um significado social de corpo apoiado no Bios40, como a descrição acima, o

professor da RAD está legitimando uma forma de legislar sobre a vida que estabiliza as

relações assimétricas de poder na consolidação da dança como área de conhecimento no

Brasil. É onde vida e dança se encontram.

Nossa sociedade se utiliza de um certo entendimento de vida natural. A normatização

da vida começou a ser incluída nos mecanismos e nos cálculos do poder estatal e a política foi

se tornando biopolítica, segundo Foucault (FOUCAULT, 2009). Ao Estado foi dado o poder

40 Na abordagem de Giorgio Agamben, Bios se refere a um modo de qualificar a vida, de classificação de vida. O estudo anatômico do corpo é apoiado nessa concepção de vida. Por constituir uma área de conhecimento que estuda as estruturas e as funcionalidades dos corpos, sugere tratar da vida natural, vida nua (Zoé). Bios é o entendimento de vida qualificada e se apóia no estudo do corpo morto, enquanto Zoé é corpo vivente. A partir dos estudos da biologia na sociedade moderna, os corpos passaram a ser reconhecidos por modelos anatômicos e estruturais, um conhecimento hegemônico sobre o corpo e aceito como o “verdadeiro” conceito de vida.

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de legislar sobre a vida, mas aqui não era mais a regulação da vida para que, através de

técnicas políticas, como o policiamento e os processos de subjetivação, ordenassem e

legitimassem a ordem capitalista a que Foucault se referiu. Foi para além disso. Supõe

Agamben (AGAMBEN, 2010) que foi a partir da normatização da vida como Bios41, que

passou ser possível legislar tanto para proteger a vida como para autorizar a morte, para

excluir. Isso quer dizer que a validade na norma jurídica sobre a vida é postulada sobre o

entendimento de corpo como Bios. A normatização não é baseada no corpo como um vivente,

Zoé (grego) que exprime o simples fato de viver, mas sim no Bíos, no corpo da vida

qualificada socialmente.

Para os professores de balé clássico da RAD, existe um corpo modelo, que pode ser

associado a um modelo de corpo Bios – por isso ele figura como dispositivo de poder, não só

como propôs Foucault (FOUCAULT, 2009), mas sim como Agamben (AGAMBEN, 2010)

propõe. Seu corpo institui a estabilidade de uma ordem que se caracteriza pela assimetria de

poder. E é seu corpo também que cria uma linha cartográfica epistemológica, desdobrando, na

área de dança, os ditos de Boaventura de Souza Santos sobre o pensamento ocidental moderno

como um pensamento abissal.

Essa disputa epistemológica entre um lado da linha – colonizador, e outro lado da

linha – colonizado, cria uma distinção, demarcada por esta linha. De um lado, há uma ação de

apagamento dos traços locais, desacreditados como conhecimento; e do outro lado da linha, o

balé clássico se confirma como norteador do verdadeiro conhecimento artístico em dança. Ao

não dar visibilidade para as danças locais por não reconhecê-las como epistemologias

verdadeiras, os professores da RAD colaboram com o enfraquecimento da área de

conhecimento da dança no Brasil, e em sendo eles partícipes desta área, prejudicam a si

mesmos. Há que se buscar possibilidades para alterar a auto-reprodução de tais assimetrias.

Ao caminhar na direção de valorizar epistemologias e saberes em dança, nos

engajamos na ação de compartilhar diferentes modos de dançar. É absolutamente comum

imaginar que o ato de compartilhar pode apagar assimetrias de poder. Mas se isso é pensado,

vale a pena entender melhor o que está implícito nesse ato de compartilhar.

41 Dizer ‘a vida como bios’ significa dizer ‘segundo as funcionalidades do corpo, portanto, a partir de um modelo de corpo que universaliza o corpo como sendo da mesma substância da vida’. A vida é qualificada, mas a partir,mas qualificada como vida biológica. São os estudos da biologia que dão suporte a politização da vida.

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Para se pensar em uma ecologia de saberes42 na dança brasileira, talvez, nós

professores da RAD no Brasil possamos inaugurar uma busca, a busca desse lugar comum,

desse com-sentir... o que parece tornar inevitável o estudo das relações de um corpo mediador

sóciopolítico, um corpomídia de um posicionamento mais consciente das operações em curso

na formação em dança no nosso país.

42A ecologia dos saberes trabalhada por Boaventura de Souza Santos visa criar uma nova forma de relacionamento entre o conhecimento científico e outras formas de conhecimento. Consiste em conceder “igualdade de oportunidades” às diferentes formas de saber envolvidas em disputas epistemológicas cada vez mais amplas, visando a maximização dos seus respectivos contributos para a construção de um outro mundo possível. O que a ecologia de saberes desafia são as hierarquias universais e abstratas e os poderes que, através delas, têm sido naturalizados pela história.

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