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POLCIA MILITAR DO ESTADO DA PARABA DIRETORIA DE ENSINO CENTRO DE ENSINO COORDENAO DO CURSO DE ESPECIALIZAO EM SEGURANA PBLICA

A AMPLA DEFESA E O CONTRADITRIO NA APLICAO DAS PUNIES DISCIPLINARES

IRLAN TRAJANO DE SENA CAP QOPM PMPB SINVAL ALBUQUERQUE DA SILVA CAP QOPM PMPB

JOO PESSOA - PB 2007

IRLAN TRAJANO DE SENA SINVAL ALBUQUERQUE DA SILVA

A AMPLA DEFESA E O CONTRADITRIO NA APLICAO DAS PUNIES DISCIPLINARES

Monografia apresentada Coordenao do Curso de Especializao em Segurana Publica do Centro de Ensino da Polcia Militar da Paraba, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de especialista em Segurana Pblica.

Orientador: Prof. Dr. Edsio Ferreira Farias Jnior

(A ficha catalogrfica ficar no verso desta folha)

JOO PESSOA - PB 2007

IRLAN TRAJANO DE SENA CAP QOPM PMPB SINVAL ALBUQUERQUE DA SILVA CAP QOPM PMPB

A AMPLA DEFESA E O CONTRADITRIO NA APLICAO DAS PUNIES DISCIPLINARESMonografia apresentada Coordenao do Curso de Especializao em Segurana Publica do Centro de Ensino da Polcia Militar da Paraba, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de especialista em Segurana Pblica.

Joo Pessoa, PB, ________de______________de 2007

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________ Orientador Prof. Dr. Edsio Ferreira Farias Jnior CESP/PMPB

__________________________________________ 1 Examinador

__________________________________________ 2 Examinador

JOO PESSOA - PB 2007

A todos os policiais militares que se portaram com altivez diante das injustias, tranqilidade diante das ameaas, com garbo, mesmo cansados, com coragem diante dos desafios, solidariedade para com os fracos e com humildade nas conquistas, pois so estes os verdadeiros filhos da disciplina. Dedicamos.

AGRADECIMENTOS Ao Altssimo Deus, fora vital e sustentadora em todas as dimenses das nossas vidas. As nossas esposas e filhos em especial, bem como aos nossos pais e demais familiares, pelo esteio permanente que representam, diante dos desafios que diariamente enfrentamos. Ao nosso orientador de contedo, Professor Doutor Edsio Ferreira Farias Junior que, com pacincia, serenidade e reconhecida competncia, nos conduziu nesta obra, sinalizando as correes e inseres necessrias, fatores essenciais que a tornaram possvel. Ao Prof. Doutor Pierre Normando Gomes da Silva, Mestre da disciplina Metodologia da Pesquisa Cientfica, pelo auxlio contnuo na forma do trabalho e pela empatia com que sempre atendeu aos autores nesse desiderato, subsdios que trouxeram a segurana necessria para o finalizarmos. Aos demais Doutores e Mestres que compuseram o Corpo Docente do curso, pelos seus ensinamentos e experincias compartilhadas nos valiosos momentos vivenciados em sala de aula. Ao Comando da PMPB, nas pessoas do Cel QOPM Jos Gomes de Lima Irmo e Cel QOPM Kelson de Assis Chaves e do Centro de Ensino, atravs do TC QOPM Euller de Assis Chaves e de seus oficiais e praas, em particular, os Majores Carlos Tarcsio da Silva e Roberto Alves da Silva, por terem proporcionado um perfeito bem-estar a todos oficiais-alunos que tiveram oportunidade de freqentar este curso. Ao Comandante do 4 Batalho de Polcia Militar, TC QOPM Wolgrand Pinto Lordo Jnior, pelas oportunidades dialgicas sobre o tema deste trabalho, ocorridas na sede daquela OPM, onde discusses se sucederam com este fim. Aos entrevistados e questionados na pesquisa, pela paciente colaborao prestada ao nosso trabalho e aqueles annimos que, de uma forma ou de outra, colaboraram com este trabalho. Finalmente a todos, indistintamente, que compem as atividades pedaggicas auxiliares nesta Unidade Escola, pelos labores silenciosos, dentro e fora do expediente escolar, em prol do nosso aprendizado.

Porque o Senhor corrige a quem ama e aoita a todo filho a quem recebe. para a disciplina que perseverais (Deus vos trata como filhos); pois que filho h que o pai no corrige? Hebreus 12:6-7.

LISTA DE TABELAS

TABELA 01 Procedimento administrativo a que foi submetido..........................56 TABELA 02 Militares submetidos Sindicncia e o direito de defesa escrita...56 TABELA 03 Militares submetidos ao PATD e o direito de defesa escrita..........57 TABELA 04 Militares submetidos Sindicncia e direito de representao.....57 TABELA 05 Militares submetidos ao PATD e direito de representao............58 TABELA 06 Militares submetidos Sindicncia e a considerao da defesa...58 TABELA 07 Militares submetidos ao PATD e a considerao da defesa..........58 TABELA 08 Indagao sobre oferta do direito a recorrer da deciso................59 TABELA 09 Perquire o oferecimento da apresentao do recurso...................59 TABELA 10 Indagao sobre a orientao para apresentar o recurso.............59 TABELA 11 Militares submetidos Sindicncia e a apresentao de provas. .60 TABELA 12 Militares submetidos ao PATD e a apresentao de provas.........60 TABELA 13 Militares submetidos Sindicncia e a juntada de provas.............61 TABELA 14 Militares submetidos ao PATD e a juntada de provas...................61 TABELA 15 Militares submetidos Sindicncia e avaliao do senso de justia ............................................................................................................................61 TABELA 16 Militares submetidos ao PATD e avaliao do senso de justia....61

LISTA DAS ABREVIATURAS

BPM BOL PM *CD CE CF CMT CMT U Dec DP GCG IME MASIN OM OPM P/1 PAD PATD PM PMDF PMMG PMPB QOPM RDPM RISG SUBCMT

- Batalho de Polcia Militar - Boletim Ordinrio da Polcia Militar - Conselho de Disciplina - Centro de Ensino - Constituio Federal - Comandante - Comandante de Unidade - Decreto - Diretoria de Pessoal - Gabinete do Comandante Geral - Instituio Militar Estadual - Manual de Sindicncia - Organizao Militar - Organizao Policial Militar - Primeira Seo das Organizaes Policiais Militares (Secretaria) - Processo Administrativo Disciplinar - Processo de Apurao de Transgresso Disciplinar - Polcia Militar - Polcia Militar do Distrito Federal - Polcia Militar do Estado de Minas Gerais - Polcia Militar do Estado da Paraba - Quadro de Oficiais da Polcia Militar - Regulamento Disciplinar da Polcia Militar - Regulamento Interno e dos Servios Gerais do Exrcito Brasileiro - Subcomandante

*Uma das formas de PAD

RESUMO

Este trabalho monogrfico tem por objetivo de apresentar Corporao policial militar paraibana, os parmetros pelos quais os ditames constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditrio devem ser observados, ainda que em sede administrativa, durante a apurao das faltas disciplinares, ensejadas pelo comportamento desviante de membros da mesma Instituio. Tudo como parte indispensvel da defesa destes membros e como uma maneira inovadora de no ser possvel a argio posterior, j em sede de justia, de que a falta tenha sido inadequadamente apurada e de que a conseqente punio foi injustamente atribuda, o que pode teoricamente resultar tanto na anulao da respectiva punio disciplinar quanto na busca do punido por reparaes judiciais. Para coleta de dados foi utilizada a tcnica de entrevista e do questionrio. Foi realizada uma pesquisa descritiva, bibliogrfica e de campo, utilizando a abordagem qualitativa e quantitativa nos 3 e 6 Batalhes, situados respectivamente nas cidades de Patos e Cajazeiras, no Alto Serto paraibano e no 4 Batalho de Polcia Militar, em Guarabira, cidade esta da regio brejeira do Estado, para extrair-se uma tendncia, que foi confirmada, com um foco mais particularizado e especfico, ainda no mesmo 4 Batalho, de onde a pesquisa colheu seu contedo. Uma vez que os resultados apontaram para a absoro da Sindicncia como elemento mais apropriado na direo de ofertar a ampla defesa e o contraditrio, conclumos o trabalho em que posturas inclinadas a esse fim so capazes de estabelecer uma maior satisfao das perspectivas dos interessados. Espera-se assim, propiciar o surgimento de uma discusso nessa rea, fomentando tanto a adequao plena nos processos de apurao disciplinar ao norte constitucional quanto a implementao de propostas paralelas dessa mesma natureza, nos cotidianos dos quartis, numa tendncia a se modernizar a Corporao e, no mesmo passo, proporcionar a todos os atores envolvidos uma maior sensao de justia. Palavras-Chave: Ampla Defesa, Contraditrio; Disciplina.

SUMRIO 1 INTRODUO .......................................................................................................12 2 FUNDAMENTAO TERICA.............................................. ................................16 2.1 A ORGANIZAO MILITAR E SEUS PODERES................................................16 2.1.1 Poder Hierrquico..............................................................................................19 2.1.2 Poder Disciplinar..................................................... ..........................................22 2.1.3 Poder Discricionrio................................................................. . ........................24 2.1.4 Poder Punitivo.......................................................................... .........................25 2.2 A HIERARQUIA E A DISCIPLINA................................................ ........................28 2.2.1 A Importncia da Hierarquia e da Disciplina.....................................................28 2.2.2 A Transgresso Disciplinar................................................................................30 2.2.3 A Punio Disciplinar.........................................................................................30 2.2.4 Os Objetivos da Punio Disciplinar....................................................... . .........32 2.3 A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E AS PUNIES......................... ........34 2.3.1 A Ampla Defesa e o Contraditrio.....................................................................38 2.3.2 A Possibilidade de Acompanhamento do Advogado.........................................39 2.3.3 A Punio Aplicada Pelo Instituto da Verdade Sabida......................................41 2.4 OS PROCEDIMENTOS REALIZADOS NA PMPB GERADORES DE PUNIO....................................................................................................................42 2.4.1 A Sindicncia.....................................................................................................43 2.4.2 O Processo de Apurao de Transgresso Disciplinar (PATD)........................48 3 METODOLOGIA.....................................................................................................51 3.1 CARACTERIZAO DO ESTUDO......................................................................51 3.2 PARTICIPANTES DO ESTUDO...........................................................................51 3.3 DEFINIO DO CONTEDO PESQUISADO.....................................................52 3.4 POPULAO E AMOSTRA.................................................................................52 3.5 MTODO E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS............................ .......53 3.6 TABULAO E ANLISE DOS DADOS..............................................................53 4 ANLISE E DISCUSSO DOS RESULTADOS............................................. .......55 4.1 ANLISE DOS QUESTIONRIOS.......................................................................55 4.2 ANLISE DAS ENTREVISTAS.................... ........................................................62 4.3 ANLISE DOS PATDs................................. .......................................................65 5 CONSIDERAES FINAIS.....................................................................................67 REFERNCIAS..........................................................................................................71 ANEXOS.......................................................... . .........................................................73

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1 INTRODUO A Polcia Militar do Estado da Paraba uma instituio de defesa social, que, ao longo dos seus 175 anos de existncia e a exemplo de todas as demais organizaes militares ou, pelo menos, de sua grande maioria, tem se equilibrado em dois pilares basilares, que so os componentes mais evidentes de sua estrutura filosfica e que a sustentam como organizao: a hierarquia e a disciplina. Estas duas fontes fazem valer seu imprio, quando os membros da referenciada corporao adotam posturas ou assumem a responsabilidade por atos que so interpretados pelos instrumentos legais que a normatizam, como desviantes, inadequados ou mesmo atentatrios e contrrios prescrio militar. Como conseqncia, atentam contra o paradigma do respectivo servidor, que deve ser reto, pontual, proficiente, disciplinado e balizado pela lei em suas atitudes, atento aos regulamentos e normas que orientam a sua atividade cotidiana, sob pena de se ver em penalidades, muitas vezes at restritivas de sua liberdade, segundo maior bem dos seres humanos, depois da vida, sendo justamente a imposio destas penas os mecanismos de manuteno tanto de uma daquelas fontes como da outra. Parece-nos apropriado, em funo da essncia deste trabalho, vislumbrar o quanto estas duas bases so realmente importantes, seno essenciais, para a reproduo do mnus policial e, se nos dias atuais os instrumentos que as mantm, tm ainda vigor para dar referncias aos membros da instituio, com o fim de guiar suas aes no atendimento das demandas sociais, inevitveis na modernidade bem como o desde os remotos primrdios da civilizao, num reflexo da natureza do homem, que, com seus instintos e desejos, ambies e aspiraes, tm modificado o ambiente social e fsico. Assim, altera as relaes intrnsecas na sociedade, afetando a produo de bens e servios e com isso transformando continuamente, no somente a realidade, mas tambm a forma como todos ns a interpretamos em instantes diferentes na histria. Da mesma forma, os mecanismos pelos quais a hierarquia e a disciplina so preservadas, devem estar aptos ao crivo da legalidade e precisam de uma anlise que possa aferir, mesmo em um grau mnimo, se os princpios constitucionais do contraditrio e da ampla defesa esto neles insertos, visto que nosso modelo de sociedade, em seus aspectos poltico e social, est fundado na

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democracia representativa e participativa que tem na lex magna, a Constituio Federal. Esta suprema referncia normativa, onde os atos do servio pblico devem, num mesmo momento, estar revestidos de legalidade e de legitimidade, tanto a partir dos servidores para o pblico a que servem, e vice-versa, quanto da administrao pblica em direo aos seus servidores, principalmente, quando a inobservncia destes princpios constitucionais se torna falencial, nos efeitos jurdicos e administrativos, que se queira implantar para essa mantena disciplinar. A Constituio Federal de 1988 prev em seu artigo 5, inciso LV, In verbis: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A Polcia Militar do Estado da Paraba, como rgo da administrao pblica militar possui uma normatizao especfica que estabelece parmetros de comportamentos e condutas de seus administrados, os militares estaduais. O regulamento disciplinar o instrumento coercitivo utilizado pela administrao militar para, segundo o texto do prprio diploma legal, fortalecer a disciplina da instituio, e ainda ter em vista o benefcio educativo do punido e da coletividade de que faz parte. As reclamaes daqueles que so punidos dentro da caserna so as mais diversas. O regulamento est caduco; os meus argumentos no foram respeitados; no tive direito defesa; no sabia que poderia apresentar advogado. A punio disciplinar serve como mecanismo de controle da instutuio militar. O seu carter educativo e coator do comportamento e da conduta de seus administrados so funes inquestionveias para o fortalecimento da hierarquia e da disciplina. As punies sempre existiram dentro da polcia militar. Sem voltarmos tanto na histria, nos ateremos ao nosso atual regulamento disciplinar, o Decreto Lei n 8.962, de 11 de maro de 1981, que ainda est em vigor, apesar de amplamente criticado pela no recepo constitucional de pontos previstos em seu bojo legal. Deve-se observar que o militar, pelo cometimento de uma transgresso disciplinar, dependendo de sua natureza e amplitude (leve, mdia ou grave), fica sujeito a uma pena de cerceamento da liberdade de at 30 dias, que poder ser cumprida em regime fechado. Os registros histricos mostram que a Polcia Militar, primando pela celeridade, na feitura dos atos administrativos que impunham punies a seus

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integrantes, acusados de cometerem faltas disciplinares, causou um incomensurvel prejuzo administrativo, j que maus policiais foram expulsos e retornaram s fileiras da corporao e ainda receberam indenizaes, por terem sido submetidos procedimentos eivados de falhas e no respeitando os ditames constitucionais. Muitas dessas punies tiveram como conseqncia, o licenciamento e a excluso a bem da disciplina do militar, no entanto, esquecedendo-se de oportunizar nos procedimentos, quando eram realizados, os necessrios princpios constitucionais de ampla defesa e do contraditrio. Por disposio da CF, no se permite que uma norma infraconstitucional sobreponha-se ao texto fundamental. Os regulamentos disciplinares foram impostos por meio de decretos federais (Foras Armadas) e estaduais (Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares) e no podem se sobrepor Constituio Federal em respeito hierarquia das leis. Diante disso, a PMPB tomou medidas com a finalidade de melhor garantir os princpios ptreos vindos tona em 05 de outubro de 1988, com a Constituio cidad. Como as edies da Instruo Normativa 001/96, Gabinete do Comando Geral, (GCG); e a Resoluo n 0003 - GCG, de 15 de setembro de 1998, esta j revogada; bem como a edio da Resoluo 0005/2001, GCG de 29 de Outubro de 2001, que criou o Manual de Sindicncia da PMPB e a da Portaria 0243-DP/5, publicada em Bol PM de 21 de novembro de 2001, que criou o Processo de Apurao de Transgresso Disciplinar, (PATD), as duas ltimas, responsveis atualmente pelas punies disciplinares, existentes no mbito da PMPB. Sobre tais procedimentos adotados, posiciona-se Meirelles1: que esses processos devem ser necessariamente contraditrios, com oportunidade de defesa e estrita observncia do devido processo legal due process of law, sob pena de nulidade da sano imposta. Nesse contexto, que as investigaes de nossa pesquisa foram realizadas, a princpio foram aplicados questionrios e entrevistas em trs Batalhes da Polcia Militar da Paraba, no caso, o 3 Batalho localizado em Patos-PB; o 4 em Guarabira-PB e o 6 Batalho em Cajazeiras-PB, tendo como o pblico alvo dos questionrios, os militares punidos no ano de 2006, bem como, sendo entrevistados, os comandantes das referidas Unidades, responsveis pela aplicao de tais punies.1 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro 25. ed. So Paulo: Malheiros,: 2000 p. 637

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O foco principal do questionrio, de doze perguntas era saber por qual procedimento administrativo o militar foi submetido punio, e tambm, saber se realmente, foi-lhe ofertado o direito defesa e se foi garantido o contraditrio. Sendo assim, cumprindo esta primeira etapa de investigao e observando o enaltecimento das nossas sindicncias, bem como a desaprovao dos Processos Administrativos de Punio Disciplinar, partimos para uma anlise especfica desse procedimento. Assim, analisamos todos os 43 PATDs, realizados no 4 Batalho de Polcia Militar no ano de 2006. Da pea acusatria publicao em Boletim Interno da Unidade Militar em questo. Os dados constam no captulo de Anlise e discusso dos dados, no entanto, saltam aos olhos o distanciamento dos princpios ptreos, buscados pela boa administrao, alm dos equvocos cometidos na execuo do procedimento. Diante das anlises e esclarecimentos sobre os procedimentos administrativos realizados em nosso meio, faremos, ao final deste estudo, propostas para a adequao aos princpios fundamentais de ampla defesa e do contraditrio, dos instrumentos legais utilizados para punir nossos administrados, que destoarem dos ditames previstos em mandamentos inerentes ao zelo administrativo militar.

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2 FUNDAMENTAO TERICA Em primeiro lugar, importante apresentar, desde as nuanas da organizao militar, para se ter uma idia de como funciona as causas e conseqncias da punio disciplinar no seio de uma comunidade militar, at a estrutura constitucional relativa ao tema proposto. 2.1 A ORGANIZAO MILITAR E SEUS PODERES A definio da organizao militar deve ser iniciada, desde j, pela observao de princpios constitucionais insertos em nossa carta magna. Assim, a partir da lei maior se vislumbra toda uma especificidade em relao condio do militar, que permeia a prpria estrutura do Estado, expresso tanto no regime militar prprio nos mbitos federal e estadual (Art. 42 1 e 2 e 142), como tambm na constituio da Justia Militar, em mesmas esferas e no Ministrio Pblico Militar, este somente na esfera Federal, consoante viso dos artigos 122 a 125, 3 e 4 e Art. 128 do diploma Constitucional. Como as diretrizes so emanadas e cumpridas nesse tipo de organizao, cristalinamente diferenciado do meio civil, h necessariamente um carter rgido nessa emanao, ao observarmos o direcionamento da esfera superior, na cadeia hierrquica, pois percebemos que ela no comporta relaxamento nem arbtrio por quem a obedece, a menos que a prpria ordem deixe expressamente um espao neste sentido. Os militares tm por base a hierarquia e a disciplina, no que diferem dos servidores civis. A estrutura do servio militar consiste em patentes (para oficiais) e graduao (para praas) 2. Dessa maneira, ao receber uma ordem, um subordinado, na esfera civil, normalmente se sente compelido a cumpri-la por uma disposio meramente funcional; na esfera militar essa disposio, via de regra, vai alm do funcional, ela alcana, ou pelo menos deveria alcanar uma disposio doutrinria, vez que o que move o militar, mais do que executar uma ordem pela via da sua funo a noo de um dever a ser cumprido porque ele faz parte de um organismo que espera dele essa disposio. Alm disso, outra diferena a de que existe um mecanismo punitivo mais gil sua espera, um regulamento disciplinar, revelando-se a o 2 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. So Paulo: Malheiros, p. 461

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carter rgido pr-falado; no que a observao do funcional deixe de existir, mas ela necessariamente co-existe com essas duas outras vertentes. Neste sentido, podemos citar o Decreto n. 8.962, de 11 de maro de 1981 (RDPM - Regulamento Disciplinar da Polcia Militar do Estado da Paraba, publicado no Dirio Oficial de 26 de abril de 1981), em seu artigo stimo e pargrafos:Art. 7 - As ordens devem ser prontamente obedecidas. 1 - Cabe ao policial militar a inteira responsabilidade pelas ordens que der e pelas conseqncias que delas advirem. 2 - Cabe ao subordinado, ao receber uma ordem, solicitar os esclarecimentos necessrios ao seu total entendimento e compreenso. 3 - Quando a ordem importar em responsabilidade criminal para o executante, poder o mesmo solicitar sua confirmao por escrito, cumprindo autoridade que a emitiu, atender solicitao. 4 - Cabe ao executante, que exorbitar no cumprimento de ordem recebida, a responsabilidade pelos excessos e abusos que cometer.

Numa outra perspectiva, se a ordem emanada entre civis no for urgente, no se apresentar como uma necessidade imediata, no significar um meio para se desencadear um processo que se faa presente, a tendncia que ele possa postergar seu cumprimento, simplesmente porque no parece lgico querer cumprila imediatamente. claro que se o seu chefe expressar o desejo de v-la realizada desde j, ele ir realizar aquela ordem. Afinal a hierarquia existe em si mesma nas organizaes, tanto no meio civil quanto no militar, mas se ele, o chefe, no expressar esse desejo, corrente que o subordinado deixe para fazer seu trabalho depois, quando lhe parecer mais evidente essa necessidade, a prpria realidade nos informa tal procedimento, embora as excees, mantidas essas condies, sejam aquelas em que h uma diligncia pessoal muito evidente, fruto de uma disposio pessoal, quando entra um elemento subjetivo, que no serve como referncia de padro. O que queremos dizer que esse posicionamento no meio civil considerado comum e no significa, em absoluto, um relaxamento ou que se seja relapso, at, como j dito, lgico. Quando a pessoa tem um elenco de afazeres profissionais, ela estabelece uma ordem de prioridade ao complet-los, mas uma ordem recebida de um superior no meio militar, por sua vez, pode fazer com que o subordinado refaa essa prioridade imediatamente e a coloque no topo, mesmo que isso no tenha aparentemente algum fundamento. O poder discricionrio para interpretar e cumprir uma ordem no meio civil, nesse nterim, tem uma maior

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flexibilidade em relao ao militar. Assim, possvel perceber que um fundamento filosfico aparece, porque, interna corporis, um subordinado, ao receber uma ordem quer cumpri-la, ou seja, ele a realiza desde logo se puder, no importa que esta no represente um fato atual ou necessrio. Nesse caso, a via de regra o seu imediato cumprimento, no queremos dizer, todavia, que no haja tambm nesse meio uma ordem prioritria, mas simplesmente que, em funo das naturezas distintas entre civis e militares, no sistema castrense, h uma restritividade maior para que o subordinado adie seu procedimento. Um exemplo fcil para ilustrar ocorre quando o superior, ao entrar numa sala e encontrar seu subordinado, aps t-lo interpelado sobre assuntos pertinentes sua funo, informa-o de que a sala est suja e precisa ser limpa. Da a quinze minutos ele volta e ao deparar-se com a sala, ainda suja, passa a inquirir os motivos de sua ordem no ter sido cumprida. Se isso ocorre em condies normais entre civis, ele, o subordinado pode alegar que o setor de limpeza ainda no passou naquele setor e isso aceitvel, no algo incomum; entre militares, no entanto, isso no aceito e o subordinado ser repreendido por no ter a iniciativa de ir acionar a limpeza ou ter, ele mesmo, limpado a sala. Vislumbra-se que, para condies to especiais de trabalho, especial tambm o regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da instituio como os direitos dos que a ele se submetem. A rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanes no podem ser confundidas como supresso dos seus direitos.3 A despeito de outras normatizaes, inclusive constitucionais j tratadas e posteriormente retomadas, basta-nos perceber, neste pequeno trecho do Regulamento Interno e dos Servios Gerais do Exrcito Brasileiro (RISG) em seu art. 21, caput e em seu inciso II, plenamente aplicvel Polcia Militar do Estado da Paraba, que de fato essa disposio doutrinria se revela:Art. 21. Ao Cmt U, alm de outros encargos relativos instruo, disciplina, administrao e s relaes com outras OM, prescritos por outros regulamentos ou por ordens superiores, incumbem as seguintes atribuies e deveres: I - ............................................................................................ 3 ASSIS, Jorge Csar. Os regulamentos Disciplinares e sua Conformidade com a Constituio Federal. Artigo produzido em 10/01/2006, disponvel em http://www.jusmilitaris.com.br, acesso em 20 Ago. 2007.

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......................... II - esforar-se para que os seus subordinados faam do cumprimento do dever militar um verdadeiro culto e exigir que pautem sua conduta civil pelas normas da mais severa moral, orientando-os e compelindo-os a satisfazerem seus compromissos morais e pecunirios, inclusive de assistncia famlia, e punindo-os disciplinarmente quando se mostrarem recalcitrantes na satisfao de tais compromissos;

Percebido esse carter da organizao militar, passaremos a examinar mais profundamente a sua substncia no que tange sua administrao. Para isso ser necessrio segmentar seus poderes, percebidos e derivados tanto de sua essncia quanto de sua funcionalidade. Inadivel, entretanto, inferir que o esprito legitimador na administrao militar em nada difere daquele que se espera de uma organizao civil pblica, ou seja, vale o tanto quanto em razo de seus princpios constitucionais administrativos na legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, e eficincia, dentre outros elementos e sem os quais no ser possvel exercer esse mnus com legitimidade, luz de uma sociedade democrtica. 2.1.1 Poder Hierrquico O estudioso Hely Lopes Meirelles4, na sua obra Direito Administrativo Brasileiro j nos adianta:Poder hierrquico o de que dispe o Executivo para distribuir e escalonar as funes de seus rgos, ordenar e rever a atuao de seus agentes, estabelecendo a relao de subordinao existente entre os servidores do seu quadro de pessoal.

O poder hierrquico, assim, est intimamente associado administrao militar e intrinsecamente urdido nessa realidade, traduz-se em escalar nveis de autoridade, expressos em postos e em graduaes, a partir dos quais so dinamizados processos de concepo e de ao, propriamente dita. Vejamos como define o termo hierarquia o art. 5 do mesmo Decreto n. 8.962, de 11 de maro de 1981 (RDPM) para que se tenha uma idia do que seja o esprito da lei: Art. 5 - A hierarquia militar a ordenao da autoridade em nveis diferentes, dentro da estrutura das Foras Armadas e das Foras Auxiliares por postos e graduaes. Para ns, parece evidente, ao olhar o contexto do o citado Decreto, que4 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. So Paulo: Malheiros. 2000.

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seu contedo necessita de uma reviso, visto que foi concebido dentro de um perodo em que os militares estavam frente dos destinos do pas, mas onde no havia a observao de princpios democrticos, ainda assim essa mesma definio cabe, ainda hoje, em qualquer regulamento, mesmo o mais moderno. Mais adiante nos pargrafos 5 e 6 do mesmo diploma legal temos: 5 A disciplina e o respeito hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstncias entre os militares. 6 - A subordinao no afeta, de nenhum modo, a dignidade do militar estadual e decorre, exclusivamente, da estrutura hierarquizada e disciplinada das IMEs.

esse poder hierrquico que define, em funo das necessidades da instituio e do pblico a ser atendido, o que deve ser feito e por quem; porque, em alguma esfera da sociedade num dado momento, h uma demanda especfica, que necessita ser suprida pela polcia militar; assim, quando essa instituio exerce seu poder hierrquico, ela tambm est buscando algum grau de satisfao, que normalmente procurado para se atender uma demanda percebida. Neste caso demonstrado, essa demanda paz social, ordem e segurana pblica. de bom alvitre tentar dar um sentido a esses termos. A paz social um estado de normalidade, onde no nimo geral social se percebe tranqilidade, ao contrrio do que vemos no caso de grandes movimentos paredistas, de convulso social, nos casos de ataques criminosos em massa, grandes calamidades ou ainda como durante manifestaes populares extremas, de origem poltica ou social, em que grupos esto organizados em prol de um objetivo, que exigido como uma resposta a um clamor, como por exemplo, num movimento popular que requer um impedimento para algum governante, estando freqentemente associada a certos dissabores compartilhados. A ocorrncia da ordem quando, mesmo numa eventual busca por direitos ou em manifestaes que quebram a paz social ainda que momentaneamente, o respeito aos rgos e s autoridades est sendo mantido, as instituies esto sendo respeitadas e no h afronta ao estado de Direito. A contrrio senso poder haver at certa desordem social, quando em grandes comemoraes nacionais, como durante um carnaval ou uma comemorao pela conquista de uma Copa do Mundo de futebol, mas que no se confunde com a quebra da paz. Nestes casos no h sentimento negativo associado, ocorrendo excessos como uma disfuno. A segurana pblica, a despeito de ser extremamente difcil de definir,

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pode ser entendida simplificadamente em seu sentido material como um conjunto de sinais onde, presentes a ordem e a paz social, os direitos individuais e coletivos esto sendo mantidos e de que a lei est sendo obedecida, num fim maior de preservar a democracia e a sociedade, atravs da ao dos rgos de defesa social, como o so as Polcias, os Corpos de Bombeiros e mesmo a Defesa Civil, que agem contra o crime e seus agentes e em outras situaes inesperadas, que atingem a populao. Estabelecidas essas rpidas definies e voltando s diferenas, a mais clara talvez que, em relao ao meio civil, o sentido de hierarquia militar mais forte e est mais intimamente relacionado ao sentido da disciplina e de que os crculos hierrquicos, alm de ser mais facilmente percebidos em seus limites funcionais, so tambm mais impermeveis, onde as pessoas desejem mais contato com seus pares, ou mesmo subordinados, do que com seus superiores hierrquicos. No entendimento de Meirelles (2000 p. 12)5 pela hierarquia se impe ao subalterno a estrita obedincia das ordens e instrues legais superiores e se define a responsabilidade de cada um. As determinaes superiores devem ser cumpridas fielmente, sem ampliao ou restrio, a menos que sejam manifestamente ilegais. Por bvio, existe ainda uma sutil diferena entre hierarquia militar e a hierarquia civil. A hierarquia militar est diretamente relacionada instituio militar, enquanto a civil freqentemente encontra-se com a pessoa fsica, ocupante do cargo ou funo, ou seja, ela se impe em razo do cargo ocupado e da funo exercida, como por exemplo, um Capito da Polcia Militar, Comandante de Companhia ou no, Capito, um chefe de setor pessoal chefe enquanto ocupar aquela funo, outro poder ser nomeado em seu lugar e este, novo nomeado, que eventualmente pudesse ser subordinado ao primeiro, passe a ser agora o chefe de seu antigo superior. Perceba-se ainda a prescrio da proposta do novo estatuto da PMPB apresentada em 2007 que define essas funes:Art. 62 - O Oficial preparado, ao longo da carreira para o exerccio de funes de Comando, Chefia e Direo. Art. 63 - Os Subtenentes e Sargentos auxiliam e complementam as atividades dos Oficiais na capacitao de pessoal e no emprego dos meios, na instruo, na administrao e no comando de fraes de tropa, mesmo agindo isoladamente nas diversas atividades inerentes a cada IMEs. 1 - Os Subtenentes e Sargentos sero, a critrio do Comandante, Chefe 5 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. So Paulo: Malheiros. 2000.

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ou Diretor, empregados na execuo das atividades fins das IMEs. 2 - No exerccio das atividades mencionadas neste artigo e no comando de elementos subordinados, os Subtenentes e Sargentos devero impor-se pela lealdade, pelo exemplo e pela capacidade profissional e tcnica, incumbindo-lhes assegurar a observncia minuciosa e ininterrupta das ordens, das regras de servio e das normas operativas pelas Praas que lhes estiverem diretamente subordinadas e a manuteno da coeso e do moral das mesmas Praas em todas as circunstncias. Art. 64 - Os Cabos e Soldados so, essencialmente, os responsveis pela execuo das atividades fins das IMEs, podendo ser designados como instrutores, em carter excepcional e dentro de suas especializaes a critrio do Comandante, Chefe ou Diretor das IMEs, ou empregados em atividades meios conforme dispuser a legislao.

Usar esse poder hierrquico assim, mais do que buscar meramente uma identidade na instituio policial militar, deve decorrer de um encadeamento lgico, em que alguns so preparados ao longo da carreira para teorizar, conceber e supervisionar, outros para coordenar e outros para executar aes de segurana pblica, numa articulada e adequada repartio de tarefas, tendentes a responder em medida s ameaas plurais que diariamente so desdobradas na coletividade. 2.1.2 Poder Disciplinar O poder disciplinar na administrao militar, j em funo do acentuado poder da hierarquia, tem maior robustez que no meio civil. Essa assertiva plenamente perceptvel, primeiro porque a disciplina est imbricada na prpria noo de um sentido castrense de conceber sua organizao. Afinal de contas, em termos lgicos, se os resultados desejados pelas instituies militares fossem conquistados sem a imanncia da hierarquia e da disciplina qual seria o sentido em permanecer castrense? E segundo, porquanto a disciplina propriamente encarada como o outro pilar sobre o qual se assenta a prpria instituio, pois no novidade que as polcias militares so geralmente organizaes de grande complexidade e dimenso, seus membros agem num ambiente sfaro de meios ideais e freqentemente durante situaes de crise e estresse, envolvendo a vontade e a necessidade de seres humanos. O que se esperar de uma instituio assim sem disciplina, uma indagao vlida. Fazendo analogia entre os poderes citados, Meirelles (2000.p.115)6 previne que:6 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. So Paulo: Malheiros. 2000 p. 115.

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O poder disciplinar correlato com o poder hierrquico, mas com ele no se confunde. No uso do poder hierrquico a administrao pblica distribui e escalona as suas funes executivas; no uso do poder disciplinar ela controla o desempenho dessas funes e a conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas.

Decorre ento de uma necessidade da administrao militar, ter de orientar seus efetivos, dar-lhes referenciais disciplinares que sejam capazes de ajustar procedimentos ao que informa como regra o ordenamento jurdico vigente, ou seja, de implementar a idia de que a instituio no somente est imersa em uma sociedade democrtica, plena de deveres mas tambm de direitos aos concidados e ela deve agir principalmente em conformidade com isso, respeitando os direitos e as garantias fundamentais institudos pela Constituio Federal. Com estas consideraes, entendemos que o esprito formador do carter militar nas organizaes Policiais Militares passa pelo caminho indesvivel da disciplina, verdade inafastvel, de onde tambm a Constituio cidad de 1988 traz auxlio, consoante seu artigo 42, seno vejamos: Os membros das Polcias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituies organizadas com base na hierarquia e disciplina, so militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territrios." (o grifo nosso). O artigo 6 do mesmo Decreto j citado, N. 8.962, de 11 de maro de 1981 (RDPM) d bem uma idia do que seja seu esprito:Art. 6 A disciplina policial militar rigorosa observncia e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposies, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de cada um dos componentes do organismo policial militar. 1 - So manifestaes essenciais de disciplina: A correo de atitudes; A observncia pronta s ordens dos superiores hierrquicos; A dedicao integral ao servio; A colaborao espontnea disciplina coletiva e eficincia da instituio; A conscincia das responsabilidades; A rigorosa observncia das prescries regulamentares. 2 - A disciplina e o respeito hierarquia devem ser mantidos permanentemente pelos policiais militares na ativa e na inatividade.

1) 2) 3) 4) 5) 6)

Assim, muito dos procedimentos policiais desdobrados ao atender ocorrncias, depende para seu sucesso, de pessoas disciplinadas, capazes de seguir rotinas de segurana e, alm disso, tambm capazes de manter um bom nvel de cooperao e de serenidade; esse disciplinamento, contudo, somente subsiste se aqueles mesmos direitos e garantias fundamentais tambm se estenderem aos policiais, que no podem interpretar a si mesmos como cidados de segunda classe, em que tais coisas no lhes sejam garantidas, o que a motivao deste trabalho.

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No se confunde o poder disciplinar com o poder punitivo. O poder disciplinar consiste em uma propriedade normatizadora, diretiva, que se concretiza com a construo de regulamentos, portarias, diretrizes dentre outros instrumentos de padronizao disciplinar, enquanto o poder punitivo uma referncia que sinaliza com uma sano concreta, na incidncia de um algum desvio neste nterim, como decorrncia da inobservncia do primeiro. 2.1.3 Poder Discricionrio Se a disciplina colabora efetivamente para uma formao profissional que possa atentar ao ordenamento jurdico vigente e tenda a dar sustentabilidade s aes desencadeadas pela instituio, como fluxo esperado, em funo de sua prpria natureza surge justamente a necessidade de sua manuteno. Isso ocorre porque a disciplina uma prescrio capaz de dotar os membros da corporao de noes essenciais de legalidade e legitimidade, que podem gerar resultados com menor ndice de insatisfao e porque a sua prpria existncia poderia estar comprometida, caso esse detalhe fosse ignorado. Jungida nesse problema: manter sem desgastar os fundamentos de ambos os componentes, exsurge a discricionariedade, como resultante dessa necessidade. A administrao militar compelida a emanar atos discricionrios, estes, contudo devem estar pautados na mesma legalidade e legitimidade que a norteiam, sob pena de possvel nulidade desses atos. A edio da Portaria 0243-DP/5, de 21 de novembro de 2001, funciona como exemplo prtico disso, pois demandada a verificao de que os militares estaduais no esto num processo de referncia disciplinar autofgico, onde a imposio do imprio disciplinatrio queira impor o conhecimento (pblico) das transgresses, atravs dos PATDs, sem que sejam observados os princpios constitucionais e ordinrios que oportunizam a ampla defesa e o contraditrio, os quais, no mesmo passo em que do vez para a expresso do militar transgressor no devido tempo, tm a teraputica legal ex tunc de acompanhar a evoluo dessa transgresso. Se indagarmos quais seriam as provveis benesses dessa noo, podemos discorrer longamente, mas possvel reduzi-las a estas: Primeiro no seria um inocente penalizado em funo da adequada verificao das circunstncias

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que levaram ao ato de indisciplina; segundo, a punio seria sopesada e seu rigor estaria escudado na forma da lei; terceiro, a punio conseqente no seria interpretada por cmpares como injusta e seu efeito dissuasor seria mais penetrante; e quarto, a possvel fuga do transgressor de seus efeitos esperados, numa eventual desconstituio jurdica, pelas vias cabveis porque a lei no foi observada, certamente traria para as esferas superiores um efeito desmoralizante, com repercusses faceciosas entre os indisciplinados contumazes, cujo efeito institucional seria contrrio ao pretendido, estabelecendo, ao invs da disciplina consciente, a sensao de inadequao dos instrumentos de correo disciplinar. Nesse pensamento, pontual o mestre Hely Lopes Meirelles7:A faculdade discricionria distingui-se da vinculada pela maior liberdade de ao que conferida ao administrador. Se para a prtica de um ato vinculado a autoridade pblica est adstrita lei em todos os seus elementos formadores, para praticar um ato discricionrio livre, no mbito em que a lei lhe concede essa faculdade.

2.1.4 Poder Punitivo Impor um castigo nem sempre sinnimo de que uma dada diplomacia institucional falhou, ou de que a palavra foi suplantada pelos punhos ou ainda de que prevaleceu a maior fora, pode mesmo significar ensino, alis, esse o fim maior a que se prope; a prpria Bblia 8 nos ensina que Deus disciplina aqueles a quem ama. Punir aquele que atentou contra a disciplina, mais do que satisfazer a necessidade de estabelecer um ambiente austero, que dignifique o protocolo militar, tambm um dever de ofcio. O RDPM estabelece junto ao Anexo I, do seu artigo 14, que se constitui para o superior hierrquico, tambm uma transgresso disciplinar deixar de punir um eventual transgressor. Tudo isso parece ser suficiente para o entendimento dessa motivao, mas ainda possvel salientar ilustrativamente, que uma palavra pode at convencer, mas um exemplo capaz de arrastar, as vontades envolvidas. A questo do exemplo dentro do Estatuto dos Policiais Militares, que tm uma estreita ligao com a prescrio entre o ser ou o no ser disciplinado, pode ser7 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. So Paulo: Malheiros. 2000 p. 117 8 Bblia Sagrada. O Novo Testamento. So Paulo: Liga Bblica Mundial, 1989. (Hebreus 12:6 p. 272).

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entendida por pelo menos duas vertentes, uma indica aquele comportamento adequado, baseado no cumprimento dos deveres, no atendimento das necessidades e dimenses do servio, mesmo com o sacrifcio da prpria vida e em assim se conduzir, de acordo com a tica castrense. Quando os superiores agem em conformidade com o que deles se espera, enquanto comandantes, eles tendem a arrastar aos subordinados junto, em idntico proceder, o que impe queles que se deseja ensinar, por essa observncia positiva, esse acompanhamento. A outra via, a de que, quando militares so achados em erro, que atentam contra essa interpretao, eles devam ser tambm um exemplo; a diferena neste caso a de que o exemplo consiste em que eles devam ser submetidos a sanes, porque se isso no ocorrer o que poderia sustentar essa dinmica prpria, onde padres estabelecidos esto sendo postos prova a todo o momento, ou, dizendo a mesma coisa em outras palavras: Se algum no for penalizado por descumprir as regras, ningum mais o dever ser, ento necessrio observar se os transgressores esto sendo punidos, pois isso que informa se a manuteno da disciplina est operante. Neste segundo caso, o exemplo negativo, desdobrando um sentido de conduta tambm, mas em reverso, porque a punio deve ter o condo de guiar essas mesmas condutas individuais ao que adequado, s que num sentido diferente. Entre obedecer s regras dos regulamentos ou no, imperioso, segundo informa a lgica dessa realidade, situar o membro da Corporao no universo do qual ele faz parte, em que h um contrato com clusulas a serem seguidas e a partir disso deixar que seja uma escolha do militar seguir os preceitos ou descart-los. Nisto que opera o poder punitivo, que deriva, sobretudo, de uma referncia e de uma conseqncia. Referncia no sentido de que, o ser militar, para ele e os demais membros, subsiste somente se eles aceitam aquele contrato e de que cumpriro as suas clusulas; conseqncia no sentido em que em no as cumprindo, todos sero necessariamente identificados como distores nesse sistema, devendo, portanto, arcar com as responsabilidades do descumprimento daquele referencial. O termo escolha ento substitudo pelo termo sentimento do dever. Esse poder punitivo, nessa tica, pode ser entendido como um ensino contratual, que deve ser utilizado para reconduzir os contratantes, operadores da

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segurana pblica pela Polcia Militar, ao cumprimento das clusulas referenciais, cujo no atendimento gera conseqncias marcantes. Tal postura por ns considerada ensino porque a punio disciplinar, quando pautada pela observao da ampla defesa e do contraditrio, deve ser um momento mpar, onde o militar se confronta consigo mesmo. ensinado que sua atitude foi medida pela balana do Direito e aprende que deve medir suas aes com a medida da razo, seno observemos o RDPM em seu artigo Art. 22- A punio disciplinar objetiva o fortalecimento da disciplina. Pargrafo nico - A punio deve ter em vista o benefcio educativo do punido e coletividade a que ele pertence.. No obstante, o entrave mais evidente a essa recepo das punies disciplinares aquele que nos informa que estas, no seio militar, podem remover do homem seu poder de liberdade; mas privar algum de sua liberdade significa extrapolar o limite administrativo, vez que estas punies somente semanticamente so administrativas, materialmente elas so penais. Sobre o assunto, de acordo com seu entendimento Rosa (2007, p.33)9 registra que:O Estado tem o direito e o dever de punir a pessoa que pratique um ilcito penal, ou administrativo, mas isso no significa que possa deixar de observar os preceitos e garantias asseguradas pela Constituio Federal a todos os brasileiros (natos e naturalizados) ou estrangeiros residentes no Brasil.

Portanto, a subentendida auto-referncia do poder punitivo, consiste na aplicao de sanes frente s transgresses disciplinares, que devem ser justas, sob pena de fazer perecer o seu mister, que o de ensinar, de reconduzir e de readequar misso institucional da Polcia Militar, quem por desventura tenha incorrido contrariamente numa das descries regulamentares institudas pelo poder disciplinar e trazidas ao seu efeito pelo poder punitivo. 2.2 A HIERARQUIA E A DISCIPLINA Perscrutar qual o efeito que a hierarquia e a disciplina causam no proceder militar, talvez ilustre melhor a importncia que disso se desdobra. Parece mesmo haver um acordo entre os militares, este acordo 9 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar: Teoria e Prtica. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.33.

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retratado quando seres humanos conscientes e geralmente voluntrios (a no ser nos casos de declarao de guerra e da obrigao do servio militar, onde h convocao obrigatria) concordam em ajustar suas condutas, seguindo um cdigo profissional em que obedecem a uma cadeia de comando, no sobrepondo seus pontos de vista, suas opinies, experincias ou suas vontades aos do seu comandante, limitando-se em alguns casos, a sugerir mudanas nas ordens expressas, mas somente a partir de slidos argumentos e desde que autorizados. Em razo de tudo isso, imaginemos um incndio que se alastra por entre edificaes em ritmo crescente, um grupo de bombeiros vai at o local e os homens, todos, descem das viaturas e passam a agir de modo desconexo, sem atentar s ordens de seus superiores ou perceber as prioridades daquela situao; no havendo conexes entre eles, capazes de avaliar e de gui-los no caos, no somente as vidas das vtimas mas as deles prprias tambm seriam levadas. No somente o conhecimento tcnico, a habilidade profissional ou o treinamento, mas uma postura de ao, uma deciso de obedecer com presteza e firmeza que pode permitir a salvaguarda de pessoas e patrimnios, a essas conexes se nomeia: hierarquia e disciplina. 2.2.1 A Importncia da Hierarquia e da Disciplina Qual seria ento a importncia da hierarquia e da disciplina nesse contrato? Seria essa uma pergunta muito abrangente, que temos de limitar a resposta, para melhor apreender as entrelinhas: que a hierarquia e a disciplina propiciam que haja justamente, ordem, no desencadeamento das rotinas militares. Elas esto amalgamadas para o surgimento da chamada unidade de comando, caracterstica de uma capacidade potencial em visualizar e agrupar foras, para faz-las operar com sinergia. Portanto, sempre que for perguntado em que se traduz a necessidade dessa manuteno possvel informar que, no somente relativamente instituio militar, mas em razo de sua existncia e do que ela se presta a fazer na sociedade, so a hierarquia e a disciplina dois elementos essenciais para esse desiderato. Sem estes haveria no somente um impedimento, mas uma desnaturao mesmo da instituio. E mais, no sentido de ser possvel existir e se manter, se no dessa

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maneira, acabaria a corporao exposta a um processo de autofagia, em funo das atribuies que possui. A partir da seriam geradas muitas idiossincrasias, como a desagregao do esprito de corpo, o questionamento freqente frente s ordens, ainda que estas ordens fossem coerentes ou a lerdeza em execut-las, a recusa em assumir responsabilidades natas da administrao militar, como assumir comandos, iniciar apuraes, deter suspeitos, dentre inmeras outras, s quais a levaria ao seu progressivo desaparecimento. 2.2.2 A Transgresso Disciplinar Transgresso disciplinar qualquer violao dos princpios da tica, dos deveres e das obrigaes policiais militares, na sua manifestao elementar e simples e qualquer omisso ou ao contrria aos preceitos estatudos em leis, regulamentos, normas ou disposies, desde que no constituam crime.10 Para Meireles (2000)11

transgresso disciplinar o ato que resulta da

violao de normas internas da Administrao pelo servidor sujeito ao estatuto e disposies complementares estabelecidas em lei. O militar que, em ao ou omisso, contraria um dispositivo previsto na relao das transgresses, constantes do Regulamento Disciplinar, foge da normalidade da comunidade militar e, assim, comete a falta administrativa. Essa falta distingue-se do crime militar, que uma conduta mais grave e encontra-se preceituado na legislao penal militar. So consideradas tambm transgresses disciplinares as aes ou omisses no especificadas nas leis penais militares, como crime contra Smbolos Nacionais, contra a honra e o pundonor policial militar; contra o decoro da classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral; contra os princpios de subordinao, regras e ordens de servio, estabelecidas nas leis ou regulamentos ou prescritas por autoridade competente.12 Discutindo este aspecto, Ana Clara Victor da Paixo 13, acredita que definir quais seriam tais aes ou omisses tarefa que s poderia ser desempenhada pelos prprios detentores de tal atributo, que, no caso, so os policiais militares,10 ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. Direito Administrativo Militar. 3 ed. Rio de janeiro: Lmen Jris, 2007, p. 61. 11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. ed. So Paulo: Malheiros. 2000. 12 ROSA, Op.Cit. p. 61. 13 PAIXO, Ana Clara Victor da. Devido Processo Administrativo Disciplinar. Acesso em 0.ago.2007. Disponvel em http//www.serrano.neves.nom.br/cgd/011601/4a001.htm

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como um todo, e no a pessoa do administrador militar ou comandante. O conceito de honra, pundonor e decoro abstrato, relativo e pessoal: o que um indivduo considera desonroso ou indecoroso pode no ser para os demais. Assim, verifica-se que a autoridade militar no teria sequer titularidade para preencher o tipo disciplinar contida na norma14, se somente a partir de seu juzo de valor pessoal, e no de um conjunto interpretado pela sociedade militar, fossem possveis tais definies. 2.2.3 A Punio Disciplinar A punio disciplinar objetiva o fortalecimento da disciplina.15 Essa a primeira viso a que nos remete o diploma administrativo castrense. Dessa forma, a aplicao de sanes, frente s transgresses disciplinares, deve ser justa, sob pena de fazer perecer o seu mister, que o de ensinar, de reconduzir e de readequar misso institucional da Polcia Militar quem, por desdita, tenha transgredido. A punio deve ter em vista o benefcio educativo ao punido e coletividade a que ele pertence.16 Neste entendimento, voltado para o carter social, a reprimenda disciplinar conduz o comportamento dos integrantes da organizao militar, para um padro adequado aos valores ticos, morais e consuetudinrios da comunidade a que pertence. No se trata ento, de dizer que os padres de comportamento e de conduta exigidos devam ser, nesse instante, ignorados ou que a administrao militar vai ser impossibilitada por esse simples atendimento; simplesmente o que se quer evidenciar, que a forma como esses padres so exigidos deve refazer sua mecnica, de modo a atender aos requisitos acima expostos, pois no deve haver dvidas de que a sociedade militar uma especificidade que se assenta na sociedade civil, primeiro o homem civil, depois ele se torna militar, salvo as diferenas cultuais, que devem ser mantidas e respeitadas, a base, entretanto, civil, no vivemos em Esparta, antes de Cristo, consoante as palavras de Paulo Tadeu Rodrigues Rosa17:O Estado de Direito caminha para o aperfeioamento dos rgos 14 ROSA, Op. Cit. p. 61. 15 PARAIBA. Dec. n 8.962, de 11/03/1981 (RDPM), art. 22. 16 PARAIBA. Op. Cit. 22, pargrafo nico. 17 ROSA, Op. Cit. P. 46

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governamentais, e uma conseqente integrao entre estes e a sociedade civil, necessria para o fortalecimento do pas. Os profissionais que no acompanharem essa evoluo, por estarem presos a princpios superados e ultrapassados, estaro sujeitos ao fracasso e ao esquecimento, tal como ocorreu e vem ocorrendo com os pases que tinham como modelo econmico de desenvolvimento o socialismo.

Obviamente, surgem divergncias doutrinrias que se opem a esse raciocnio, no sentido de que h posies que asseveram, que as penas disciplinares, ao contrrio das penas criminais, no so como as imposies em mbito judicial, vide LABAND (1901) citado por CRETELLA JNIOR (1999) 18, penas disciplinares "no so castigos, no sentido do direito penal, mas meios de que dispe o Estado para assegurar a boa ordem no servio e a observncia dos deveres prescritos". Afinal, se o Estado no dispuser desses meios como exercer seu imprio? Eis um questionamento conseqente. Outras vertentes referem ainda: "no h em matria disciplinar, a exigncia de definio legal da falta que se caracteriza, in genere, como violao dos deveres funcionais, a serem explicitados em atos regulares ou administrativos"19, pois "impossvel a enumerao casustica e completa das faltas disciplinares, como impossvel arrolar de modo integral os deveres dos funcionrios pblicos20 As punies disciplinares a que esto submetidos os militares estaduais do Estado da Paraba, so: advertncia, repreenso, deteno, priso e priso em separado e licenciamento e excluso a bem da disciplina., sendo que as punies disciplinares de deteno e priso no podem ultrapassar de trinta dias. 2.2.4 Os Objetivos da Punio Disciplinar Se as noes anteriores estiverem com seu contedo suficientemente evidenciado e alinhado dentro de uma lgica, resta-nos chegar ao conhecimento dos motivos pelos quais h a punio e quais so seus objetivos, sim, porque h de se ter objetivos nestas reprimendas. Os fins a que se prestam, no so outros, seno os de: exemplificar que o regulamento vlido, tem efeitos, expe aquele fato como danoso a disciplina18 LABAND (1901 apud CRETELLA Jnior, Jos. Prtica do processo administrativo. So Paulo: RT, 1999) 19 TCITO, Caio. Poder disciplinar e defesa. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro: pp. 37:347.. 20 FONSECA, Tito Prates da. Lies de direito administrativo. 7. ed. So Paulo: 1943. p. 191.

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coletiva e busca a redeno do transgressor atravs da sano imposta, entre outros. Mas so quaisquer destes que possam surgir ou que se possa enumerar, reduzveis a dois principais: o de educar o transgressor, atravs dele tambm a coletividade de que faz parte e dissuadir a ocorrncia de outras transgresses maiores. A partir disso, somos capazes de refletir em relao a adoo dos critrios, sobre como so definidos e o que se deve fazer para que possa surtir efeito a punio. Esse tema sozinho j merece uma reflexo acadmica, por hora nos ser suficiente entender que mecanismos precisam ser dinamizados nesse contexto. Ora, a punio j prescreve a norma, deve ter um carter que facilite a educao do militar, mas isto no uma tarefa simples, h algumas variveis que impedem a implementao plena desta prtica, o caso da deteno e da priso, formas de punio que cerceiam a liberdade. Como ns j havamos referido, quando algum est detido ou preso v seu segundo maior bem jurdico restrito; a liberdade de locomoo, o direito de ir e vir foi cassado; como possvel extrair algum proveito disso? O foco dessa questo no deve, contudo, ser encabeado pela idia de que estas variantes crticas da punio devam deixar de existir, mas de perceber a gravidade desse ato. Ao ser percebida essa gravidade, os agentes de comando, gestores da coisa pblica militar, podem, mais do que aferir que no significa mera reprimenda de advertncia ou repreenso, perceber que os ditames burocrticos que levam at essa providncia severa necessitam de alinhamento legal, que robustea a administrao de motivos suficientes para sua emisso. Essa motivao se trata em atender os princpios constitucionais da ampla defesa e do contraditrio, vez que mesmo sendo um ato administrativo, que por isso mesmo se desencadeia fora da esfera jurdico-penal, tem desdobramentos graves o suficiente para ser desprovida desse atendimento. Os prejuzos para a instituio e para o membro submetido a essas sanes conseqentemente tambm so grandes, em sua prpria casa, por exemplo, como entender seus filhos, esposa, pais e irmos, que ele, militar, foi preso? Pergunta-se ou afirma-se imediatamente que o ato foi injusto, os inimigos e desafetos, por sua vez, logo se pronunciam em que aquele ou aquela como eles j diziam no presta, tanto que foi preso. Moral e socialmente a pessoa fica estigmatizada; mas isto pode

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acontecer, desde que haja critrios; se no ficar bem evidente que o fato foi apurado e que as conseqncias foram medidas, o agente culpado poder, ainda e at, recrudescer em sua atitude e passar a agir freqentemente em desconformidade regulamentar ou com desinteresse no servio policial, desta feita por revolta. claro que tais desdobramentos so hipotticos, no significam uma tendncia regular ou uma repetio historicamente demonstrada, mas perguntemos quem se sente bem, confiante na sua instituio e satisfeito com punies arbitrrias? Ou se estas so capazes de gerar efeitos benficos? Mas no pra por aqui, resta ainda perguntar qual foi o carter educativo a que se prestaria a punio e o que descrito legalmente. Fica evidente que, mais do que evitar a revolta de profissionais e seus familiares, basear a punio em critrios fortalece a prpria administrao militar, dlhe auto-referncia, impede que reaes, no mbito legal, possam ser desencadeadas, caso contrrio, traz foras opostas e negativas, pois o prprio transgressor que necessita, em primeiro instante, de ser convencido pela fora das evidncias e perante seus pares que, lhe foi adequadamente oportunizado o direito de se defender amplamente, mesmo que isso signifique certa retrao do tempo de resposta administrativa. O que impede a realidade do crime (e por semelhana da transgresso disciplinar). No somente a previso legal, mas a certeza da punio e uma punio que esgote o fato, onde ele transgressor, ao final, perceba que houve uma falha e que ele o real culpado por ela pode exercer notvel poder dissuasor. Com o cometimento de uma transgresso disciplinar nasce, para a respectiva administrao pblica, o direito de punir o transgressor, para que este no volte a quebrar preceitos militares decorrentes da hierarquia e da disciplina. Entretanto, ao mesmo tempo e que a administrao passa a ter o direito de punir o militar porque este em tese violou algum preceito previsto no regulamento castrense, preciso que, ao acusado, seja assegurado o direito de exercer sua defesa, em atendimento ao art. 5, inciso LIV, da CF. 2.3 A CONSTITUIO FEDERAL DE 1988 E AS PUNIES Sem nenhuma pretenso de obstacular o andamento da administrao militar, nem oportunizar o surgimento de transgresses reiteradamente, ao se

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observar a forma de como a disciplina administrada e mantida, no se tenciona fomentar um incitamento ao desrespeito, pelo contrrio, o que se deseja mesmo reforar o carter instrutivo e fortalecer a solenidade do cargo militar, j que o objetivo precpuo e material deste trabalho, se j no ficou claro, o de propiciar o surgimento de uma nova instrumentalizao do poder administrativo militar, que passe a invocar a legalidade ampla, a fim de fazer com que os militares estejam ciosos de que as punies a si aplicadas obedeceram a ritos cuja natureza seja considerada inquestionvel luz da Constituio. Assim, a aplicao das punies disciplinares, aps a CF de 1988, deveria apresentar por esse advento, modificaes significativas, uma vez que o diploma constitucional trouxe em seu bojo uma amplitude de direitos e garantias consideradas fundamentais, as quais marcaram seu surgimento nomeando-a mesmo como constituio cidad, em funo do elevado grau de considerao pessoa humana, seja ao brasileiro, nato ou naturalizado e estrangeiros, residentes ou em trnsito pelo pas. Desse modo, a punio disciplinar deve seguir uma lgica constitucional, basta citar o art. 5, em seu inciso LV: - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (Grifo nosso). Ada Pellegrini Grinover, citada na obra de Meirelles (2000, p. 94)21 afirma:A Constituio no mais limita o contraditrio e a ampla defesa aos processos administrativos (punitivos) em que haja acusados, mas estende as garantias a todos os processos administrativos, no-punitivos e punitivos, ainda que neles no haja acusados, mas simplesmente litigantes.

Mais adiante a mesma autora arremata:litigantes existem sempre que, num procedimento qualquer, surja um conflito de interesses. No preciso que o conflito seja qualificado pela pretenso resistida, pois neste caso surgiro a lide e o processo jurisdicional. Basta que os partcipes do processo administrativo se anteponham face a face, numa posio contraposta. Litgio equivale a controvrsia, a contenda, e no a lide. Pode haver litigantes--e os hsem acusao alguma, em qualquer lide

No entanto, quanto s rbitas aleatrias de que a autora refere abstrativamente, onde talvez nem hajam acusados a serem punidos, o que dizer, ento, concretamente, quando o militar incorre numa transgresso disciplinar,21 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25. ed. So Paulo: Malheiros. 2000.

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quando ento se est gerando uma lide entre ele e o Estado, representado pela Corporao de que faz ele parte? A obra: Ensaios sobre a Igualdade Jurdica Acesso a Justia Criminal e Direitos de Cidadania no Brasil coordenada por Roberto Kant de Lima e Michel Misse22, duas autoridades reconhecidas nos temas relacionados Segurana Pblica em nosso pas e que rene trabalhos de vrios estudiosos sobre o Direito e sua aplicao, incluindo teses de mestrado, informa num trecho algo que consideramos da maior importncia, em sua introduo: bem possvel que, como temos reiteradamente demonstrado em nossos trabalhos, as dificuldades do Brasil com a efetividade os instrumentos institucionais de administrao de conflitos no espao pblico, que se refletem nos problemas enfrentados pela sociedade brasileira nas reas da segurana pblica e do acesso justia, estejam estreitamente relacionadas com a inverso estrutural concedida ao significado atribudo lei, que, ao invs de representar um mecanismo de proteo a todos, acaba por representar um mecanismo de opresso por ser aplicada de um modo desigual. (Grifos nossos)23.

Esto os autores e colaboradores, neste instante, a falar genericamente sobre a administrao de conflitos e que a lei era interpretada no como deveria ser num senso comum, mas que, em funo de no observar a devida igualdade material preconizada pelo diploma constitucional em seu art. 5, Caput, e de no alcanar e contemplar a todos, ao assumir formas diferenciadas para uns e outros, em funo de sua posio social, geraram disfunes marcantes, distorcendo sua essncia aos olhos do povo. Tal qual ocorre analogamente, segundo a nossa interpretao, quando, na seara administrativa militar, punies com possibilidade de gravame moral (como o so, a priso e a deteno) so aplicadas sem o oferecimento de uma amplitude defensorial, tambm nsita na mesma carta legal, o que, ao invs de gerar confiana, geram seu oposto no sistema. Mais adiante, na mesma obra, ao falar sobre cidadania com o artigo: Igualdade Brasileira: Cidadania como Instituto Jurdico no Brasil, que foi uma sntese de sua dissertao de Mestrado em direito na Universidade Gama Filho, no estado do Rio de Janeiro, a colaboradora Regina Lcia Teixeira Mendes 24, professora de Direito Constitucional da Universidade Federal do mesmo estado22 AMORIM. Maria Stella de. et al. Ensaios sobre a Igualdade Jurdica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005 23 AMORIM. Maria Stella de. et al.Op. cit. 24 AMORIM. Maria Stella de. et al. op. cit.

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enquadra o flagrante descompasso entre o discurso do art. 5 da Constituio Federal brasileira e alguns privilgios observados na prtica, como motor inicial de sua problemtica, indicando tais coisas como entraves substanciais implementao de uma cidadania plena. Desta autora, que segue o pensamento de T.H. Marshall, em sua obra Cidadania, classe social e status, citamos:No modelo formulado por Marshall fica claro que a desigualdade, na sociedade capitalista, embora necessria pode tornar-se perniciosamente excessiva. Malgrado haja diferena de um momento para o outro, pode-se afirmar que a cidadania, mesmo nos primrdios, constituiu um princpio de igualdade jurdica, isto , o instituto desde sua origem est intrinsecamente ligado idia de atribuio de um mnimo jurdico comum a todos aqueles que esto vinculados a determinado Estado.(Grifo nosso)25

A mesma autora registra, ainda citando Marshall:O conceito de cidadania plena, segundo o autor, pode ser dividido em trs aspectos: cidadania civil, poltica e social. O elemento civil da cidadania composto da possibilidade do exerccio de todos os direitos necessrios ao gozo da liberdade individual, liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento, de f, o direito propriedade, o direito de concluir contratos vlidos e especialmente o direito justia. A garantia constitucional de acesso justia assegura a defesa e o exerccio de todos os outros direitos e, por isso, torna-se especialmente relevante.

O que desejamos enfatizar aqui, aps as leituras que estes autores fazem da igualdade e da cidadania, que a oferta do contraditrio e da ampla defesa no poderia ser olvidada nestas questes, para no se correr o risco de reduzir os militares condio de cidados de segunda categoria, porquanto seriam punidos sem que se lhes sinalizasse elencar a totalidade das condies que lhes fizeram violar o estatuto disciplinar formal, em vigor na Corporao. A lide representada justamente pela contraposio entre seu modo de agir e o modo de ao definido pala administrao militar. esta lide que precisa ser examinada, para ver se foi motivada ou no, se constitui uma outra coisa, um crime, por exemplo, e nesse exame que esses elementos tm de estar presentes, sob pena de o Estado ver perecer a reprimenda devida, em funo da inobservncia dessa imposio constitucional. Mesmo havendo em fato, certa e notvel dificuldade para se definir as faltas disciplinares em sua totalidade, no se desculpa tal incria sob a alegao de que impossvel a relao dessas possveis faltas num cdigo, ou coisa que o25 T. H. Marshall (1967 apud MENDES, Regina Lcia Teixeira, Ensaios sobre Igualdade Jurdica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 12)

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valha, para que haja o esgotamento, no processo administrativo, das circunstncias em que a falta ocorreu, na verdade, o rito administrativo tende a ser mais clere do que o processual, a nota marcante nessa escala no a impossibilidade de previso de todos os possveis desvios, mas o seu esclarecimento, luz da ampla defesa e do contraditrio, visto que a ao distorcida acaba por se enquadrar essencialmente em algum dos itens que esto prescritos no RDPM; assim, no se alinham esses pensamentos como opostos, mas antes como complementares, se bem observados. claro que, ao antever reaes nas rbitas administrativa e jurdica, falamos de possibilidades, porque nem sempre os direitos de resposta e de reparao so exercitados, na Polcia Militar. Entretanto, o grau de discernimento escolar, como requisito fundamental de admisso foi ampliado, os profissionais que esto ingressando na Corporao so pessoas mais instrudas, muitas delas tm nvel escolar superior, do que no impossvel depreender que este grau de escolaridade enseje sim, uma busca mais acentuada por direitos e que a instituio como um todo deva passar a operar dentro de uma nova sistemtica, tendente a corrigir naturalmente as distores percebidas.

2.3.1 A ampla Defesa e o Contraditrio A Constituio Federal Brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, pontua em seu art. 5, inciso LV: - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. (Grifo nosso). A Lei n 9.784/99 (sobre o Processo Administrativo Disciplinar) trata dos princpios de ampla defesa e do contraditrio em sede da administrao pblica, o artigo 2 pargrafo nico, inciso X, prev, in verbis: que nos processos administrativos sejam assegurados os direitos comunicao, apresentao de alegaes finais, produo de provas e interposio de recursos, nos processos de que possam resultar sanes e nas situaes de litgio. bvio que as definies sobre o que seja Ampla Defesa e Contraditrio necessitam de uma insero no presente contexto. Com base em doutrinadores como Alexandre Morais e Di Pietro podemos

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entender a ampla defesa como uma sucesso de atos tendentes a apresentar provas ou razes, ou ambos, os quais sero indispensveis para o confronto com a acusao que feita, de maneira a se contrapor a esta e a justificar as aes de quem est sendo encaminhado a uma determinada punio ou reprimenda. Traduzse na liberdade inerente ao indivduo (no mbito do Estado Democrtico) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas. Vejamos a posio de Alexandre de Morais (2002, p.124)26:Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que dado ao ru de condies que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessrio.

O suscitado princpio constitucional pela prpria denominao cristalina, tem o seu alcance social. A amplitude est diretamente relacionada oportunidade que possui o acusado de produzir provas as quais devero fazer-se presente ao procedimento, indicar pessoas a serem ouvidas, solicitar percias, ter cincia das acusaes a si atribudas, utilizar-se dos recursos cabveis, segundo a legislao, ser informado de forma objetiva e direta, sobre deciso que o considere culpado e ainda da possibilidade de tal deciso ser passiva de um recurso para nova anlise na mesma instncia ou em instncia superior. Por sua vez, o contraditrio seria a oportunidade do acusado ou do litigante submetido sano, de opor motivaes ou de apresentar as suas alegaes diante do impasse instalado, esclarecendo ponto a ponto o que o levou a adotar essa ou aquela ao, que terminou por resultar num ato de indisciplina, ou mesmo num ato a ser interpretado de maneira mais grave. Para Di Pietro (2007, p. 586)27 O princpio do contraditrio, que inerente ao direito de defesa, decorrente da bilateralidade do processo: quando uma das partes alega alguma coisa, h de ser ouvida tambm a outra, dando-se-lhe oportunidade de resposta. Ele supe o conhecimento dos atos processuais pelo acusado e o seu direito de resposta ou reao. Enquanto Moraes (2000, p.124)28 v contraditrio como a prpria exteriorizao da ampla defesa, impondo a conduo dialtica do processo par conditio, pois a todo ato produzido pela acusao, caber igual direito da defesa de26 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8 ed. So Paula: Editora Atlas. 2000. p.124 27. DI PIETRO Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo, Ed Atlas jurdico, 13 ed. P. 586 28 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. Op. Cit

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opor-se-lhe ou de dar-lhe a verso que melhor lhe apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretao jurdica diversa daquela feita pelo autor. 2.3.2 A Possibilidade de Acompanhamento do Advogado O due process of law, assegurado na CF/88, art. 5, inciso LIV significa a existncia obrigatria de uma investigao precedente a qualquer ato administrativo que acarrete reprimenda a um administrado infrator. Nesse processo, a presena do advogado condio sine qua non para validade de ato posterior, assim como a observncia da ampla defesa e do contraditrio, da legalidade das provas, entre outras. A Constituio do ano de 1988, no seu art. 133, prev que o advogado indispensvel administrao da justia, somente ele possuidor do jus postulandi. Excetuando-se as situaes previstas na Lei 9.099/96 e no caso da impetrao do habeas corpus, nenhuma outra pessoa poder representar o interesse de seu constituinte. J no Direito Administrativo, em especial, o castrense, a norma constitucional no faz aluso explicita da obrigatoriedade da presena do advogado na militncia dos processos administrativos. Essa omisso permite duas possibilidades contestveis: a no apresentao das razes de defesa por parte do acusado, o que ocorre na maioria dos casos; como tambm, acontece nos quartis da defesa ser patrocinada por um oficial, mesmo que no seja bacharel em Direito. Devido importncia tutelada, a liberdade do cidado, na esfera da organizao militar, o bem da locomoo, poder ser cerceado, por at 30 dias. Motivo mais que justificado para que o militar seja defendido por um profissional habilitado, que possa materialmente apresentar provas testemunhais e tcnicas, acompanhar audincias, contrariar as imputaes, enfim, garantir a validade do procedimento. O Manual de Sindicncia da PMPB aprovado pela Resoluo n 0005/2001, de 29 de outubro de 2001, no seu art. 23, pargrafo nico, prev que as alegaes escritas de defesa poder ser feita pelo prprio sindicado ou por advogado legalmente constitudo. V-se, assim, que esta norma administrativa, em vigor na nossa briosa corporao, inicia um processo de fortalecimento institucional dentro do estado democrtico de direito.

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No entanto, a Portaria N. 0243/2001, de 21 de novembro de 2001, que objetiva, segundo ela prpria, normas para padronizar a concesso do contraditrio e da ampla defesa nas transgresses disciplinares, em suas linhas, em nenhum momento faz meno a presena do advogado na conduo das razes de defesa, apresentadas pelos militares investigados. O importante, nesse estado comparativo, que na anlise dos dados encontrados pela pesquisa, este procedimento, o to questionado PATD responsvel pela apurao de 72% das transgresses que acarretam punio disciplinar. Enquanto, apenas 28% da aplicao das reprimendas decorrem do rito seguido pela sindicncia. Com isso, em nenhum instante, nosso entendimento objetiva distanciar a Polcia Militar dos seus pilares de disciplina e hierarquia, pelo contrrio, pugna pelo enaltecimento de uma instituio forte, segura, convicta do seu papel constitucional. A democracia est vinculada ao respeito s regras do jogo, o que constitui o fundamento da legitimidade de todo o sistema.29 Vale ressaltar que as instituies nacionais que no acompanharem as mudanas trazidas pelo estado de direito vivenciado em nosso pas, estaro fadadas ao fracasso. 2.3.3 A Punio Aplicada pelo Instituto da Verdade Sabida A certeza do cometimento da infrao administrativa pelo servidor, d azo administrao formar convencimento prvio sobre a imputao violadora, podendo acarretar na aplicao da reprimenda previamente. Baseado nessa perspectiva que perdura at hoje em nosso Direito Administrativo, o instituto da Verdade Sabida. Para Hely Lopes Meirelles (2000) a verdade sabida o conhecimento pessoal da infrao pela autoridade competente para punir o infrator. Este autor ainda fornece como exemplo: quando o subordinado desautoriza o superior no ato do recebimento de uma ordem ou quando, em sua presena, comete falta punvel por ele prprio. Pontua ainda que tais casos, a autoridade competente, que presenciou a infrao, aplica a pena pela verdade sabida, consignando no ato punitivo as circunstncias em que foi cometida a presente falta. 3029 PAULA JUNIOR. Franklin de. O futuro da Democracia s Regras do Jogo. Texto produzido em 17/06/1998, disponvel em: http://www.ufsj.edu.br/Pagina/metanoia1/Arquivos/frank2, acesso em 28 set. 2007. 30 MEIRELLES. op. cit. p. 641.

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Pede-se vnia ao insigne papa do Direito Administrativo Brasileiro e aos que at hoje atualizam sua obra, para discordar substancialmente da posio colocada. A Carta Poltica vigente no pas garante a todos os acusados em processo judicial ou administrativo, a ampla defesa e o contraditrio, mesmo nas organizaes militares, onde os procedimentos so via de regra cleres, no intuito de se alcanar com maior velocidade, o restabelecimento da disciplina. Entretanto, esta celeridade torna-se temerria quando, na nsia de buscar o reerguimento do pilar desmoronado, comete-se injustias e ilegalidades, em decises no fundamentadas ou destoante do texto maior. A docente Maria Sylvia Zanela Di Pietro (2007) tambm diverge de Meirelles e enfoca textualmente que a verdade sabida no mais prevalece , diante da norma do art. 5, LV da Constituio, que exige o contraditrio e a ampla defesa nos processos administrativos. Mesmo antes da atual Constituio, j se entendia que o princpio da ampla defesa, previsto no art. 153 16 do Cdigo de Processo Penal Brasileiro, era aplicvel s esferas civil e administrativa.31 Cristalino , ento o fortalecimento da aplicao irrestrita dos princpios fundamentais de ampla defesa e do contraditrio encravados no texto constitucional. No se admite, portanto, na administrao castrense punies sem a realizao do devido processo legal, com os princpios a ele inerentes. Seria ilgico, querer-se buscar salvaguardar a administrao pblica de atos errneos cometidos por seus integrantes, deixando de utilizar-se para tanto, do direcionamento maior da legalidade, que a vinculao s letras constitucionais. 2.4 OS PROCEDIMENTOS REALIZADOS NA PMPB QUE GERAM PUNIO A Polcia Militar do Estado da Paraba adota como procedimentos administrativos, para investigao de possveis faltas cometidas por seus integrantes, os seguintes: A sindicncia, esta regulamentada pela Resoluo n 0005/2001, GCG de 29 de Outubro de 2001,a qual criou o Manual de Sindicncia da PMPB; o PATD, vindo tona atravs da Portaria 0243-DP/5, publicada em Bol PM de 21 de novembro de 2001, a qual criou o Processo de Apurao de Transgresso Disciplinar, e ainda o Conselho Disciplina, para as praas com estabilidade, disposto na Lei 4.024 de 30 de novembro de 1978 e o Processo Administrativo Disciplinar,31 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Op. Cit. p. 594.

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para praas sem estabilidade, regulamentado pela Instruo Normativa n 0001/96 PMPB. Tambm como instrumento de verificao de conduta atentatria ao decoro policial militar, previsto o Conselho de Justificao, este exclusivo para julgar oficiais, esmiuado na Lei n 4.256 de 03 de julho de 1981. Entretanto, estes trs ltimos instrumentos legais objetivam o julgamento da capacidade dos militares estaduais de permanecer na ativa da corporao, motivo pelo qual, apesar de tambm serem procedimentos administrativos adotados pela Polcia Militar da Paraba saram do foco da nossa pesquisa. Vislumbrando a sindicncia e o PATD, como sendo, e de fato o so, os principais instrumentos que levam a efeito o ato de correo disciplinar. 2.4.1 A Sindicncia Regida por normas especficas, a Sindicncia se constitui em uma fundamental ferramenta na apurao de faltas disciplinares e outros fatos correlatos, cometidos pelo militar dentro e fora de servio, no sentido em que dela possvel abstrair as circunstncias especficas em que se desdobraram estes mesmos fatos. Ocorre sempre em mbito administrativo e tem o condo de poder, at, encaminhar justia especializada o servidor que foi enquadrado em um tipo penal militar; desde que os fatos sindicados se desdobrem, em funo das exsurgncias no seu andamento, em Inqurito Policial Militar. Fato notrio que, mesmo sendo uma ferramenta de que dispe a administrao para essa apurao, pode tanto servir elucidao de certos atos, cometidos dentro, quanto mesmo fora, do servio ordinrio; so casos onde houve, por exemplo, crimes de natureza no militar, quando o referido servidor denunciado, na acepo comum da palavra, e os atos que lhe foram atribudos, so, a partir disso, passveis de uma perseguio da verdade, uma vez que se exige dos militares um comportamento exemplar dentro e fora da caserna. Exemplo marcante e inserto no RDPM o caso da contrao de dvidas alm da capacidade de pagamento, o que obviamente se d mais em mbito civil, do que propriamente militar, quando os credores, valendo-se da situao evidente do militar, em sua submisso aos regulamentos, investe at ao comando onde aquele servidor est vinculado para fazer valer seus direitos.

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Isto um ponto de notvel convergncia e abrangncia da legislao castrense, que tambm d seu tom, quando se infere da disposio doutrinria de que se vale a administrao militar em grande parte, seno maioria de suas dimenses, o que ser esclarecido j que o caso acima descrito se trata de uma relao de consumo. certo que outros casos podem ocorrer, como a tomada de emprstimo no quitado entre militares, quando, desde que no se trate daquilo que se comumente nomeia de agiotagem ou usura, o credor pode engendrar a denncia ao comando de que seu par, ou subordinado, lhe deve certa quantia em dinheiro, e mesmo se superior, quando ir buscar essa quitao junto aos escales hierrquicos subsequencialmente superiores, seguindo uma cadeia de comando. Entretanto, quando nos reportamos a notvel convergncia e abrangncia da legislao castrense, queremos dizer exatamente que, se tratando do caso exemplificado, as relaes de consumo tem sua legislao prpria, via Cdigo de Defesa do Consumidor e, supletivamente, o prprio Cdigo Civil, para os casos no elencados na legislao especfica citada, mas mesmo assim no deixa de vingar o RDPM, quando podem ser, dentro de Sindicncias, alm de mais comumente nos PATDs, esta nebulosidade controversa esclarecida pelo curso da investigao, podendo o militar ser, at, sancionado de acordo com o resultado dos autos gerados nesse fim. Encontramos a Sindicncia no somente na esfera militar, mas a partir da esfera civil que percebemos o seu desdobramento, neste ponto citamos o Juiz de Direito Pedro Madalena32:Pelo que se colhe da leitura dos arts. 143 e 145 da Lei 8.112/90, a Sindicncia vem a ser a adoo de uma medida investigatria de irregularidade cometida ou em fase de ocorrncia no servio pblico, que se desencadeia sem rito ou procedimento previamente estipulado, cuja finalizao pode ensejar: a) o arquivamento do processo; b) a aplicao de penalidade de advertncia ou suspenso de at 30 (trinta) dias; c) a instaurao de Processo Disciplinar.

Fica, ento, evidente a natureza inquisitorial da Sindicncia j no mbito civil, note-se, porm, que so elencados os atos nsitos no ambiente administrativo, diferente disto, se desdobra a sindicncia militar para alm desses limites e deflagrada mesmo fora desse mbito, so assim mesmo outros fatos como:32MADALENA, Pedro. Processo administrativo disciplinar: sob o enfoque prtico. Curitiba: Juru, 1999, p. 17-18

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espancamentos ou maus-tratos no lar, discusses entre vizinhos quando um destes envolvidos militar, pretensas ameaas, que poderiam ser adequadamente investigadas pela polcia judiciria dada a sua natureza, mas a PMPB est eivada de muitos casos semelhantes a estes, levados a esclarecimentos pelo instrumento aqui referendado. Isto atravanca a administrao pblica, vez que muitos oficiais so por isso assoberbados de trabalho, quando j h tanto o que fazer em matria de segurana pblica, mas h uma cultura que , talvez historicamente alimentada, todavia no nos cabe agora discorrer sobre isso, pungente e que exige uma conduo ilibada do representante respectivamente enredado nessas tramas, dentro e fora do servio policial, o que at entendemos e concordamos, mas somente refletimos que uma maior agilidade se demanda. A ausncia de necessidade em se confundir Administrao com Processo Judicial defendida por alguns, se entendemos que h autonomia da administrao, autonomia e no soberania; concordamos com isso, no queremos desfazer esse raciocnio, mas aproveit-lo em outro foco, considerando que h necessidade de certa celeridade nesses ritos administrativos, pois muitos aspectos se associam na investigao de irregularidades. Isso patente quando surge a questo, por exemplo, da prova indiciria, onde um conjunto de indcios que imputam culpa a algum deveria ser mais considerado do que a prova testemunhal, o fato que a celeridade, todavia, no pode obstacular o surgimento da verdade, neste sentido citamos novamente Rogrio Luiz Marques de Melo.33:Administrao Militar, particularmente fundada num regime constitucional e legal diferenciado, estabelece um rigorismo maior de lisura e idoneidade na conduta dos seus agentes, insculpindo tipos transgressionais e ritos processuais ainda mais especficos. Neste contexto que a prova indiciria ganha fora, servindo de supedneo justo imposio de sanes disciplinares. Sua utilizao, lcita e plenamente possvel, em mbito penal ou administrativo, no sugere abusos ou qualquer arbitrariedade.

No entanto, so esferas que no podem ser fundidas, fala do due process of law como garantia constitucional, defende inclusive o rigorismo do ambiente militar, embora em sua concluso adianta conforme o nosso entendimento,33 MELO. Rogrio Luiz Marques de. Da prova indiciria no Processo administrativo Disciplinar. Texto produzido em 07 Jul. 2003, disponvel em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp, acesso em 01 Out. 2007.

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ou pelo menos diante da lgica estrutural, que funda o Estado Democrtico de Direito:Em suma, temos que o comandante militar, diante de ato violador dos valores tutelados pelos regulamentos disciplinares, deve adotar o devido processo legal de apurao, observando todos os preceitos constitucionais e infraconstitucionais de garantias ao acusado. Nisto, entretanto, no reside a equivocada e rasteira aglutinao do direito administrativo disciplinar com o direito penal, muito menos dos preceitos processuais que regulam as diferentes matrias. Na instruo do processo administrativo disciplinar castrense, ganha fora a prova indiciria, que analisada de forma sistmica e conjuntural, pode determinar a convico do comandante e ensejar a punio do faltoso. Aos militares, impe-se um inegvel regime constitucional mais rgido, em que a supremacia do interesse pblico sobre o particular ganha especial intensidade. Porm, no se descura que o administrador deve decidir fundado na legalidade, analisando adequada, racional e proporcionalmente as provas coligidas, evitando-se arbitrariedades ou abu