comunicação e democracia constitucional: as possibilidades do sistema público não-estatal

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  • 7/31/2019 Comunicao e Democracia Constitucional: as possibilidades do sistema pblico no-estatal

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    Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da ComunicaoXXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao Curitiba, PR 4 a 7 de setembro de 2009

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    Comunicao e Democracia Constitucional: as possibilidades do sistema pblico

    no-estatal1

    Jairo Rocha Ximenes PONTE2Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

    Ivna Nilton Marques GIRO3Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE

    RESUMO

    O princpio majoritrio elemento fundamental da idia de Democracia. Contudo, omodelo de democracia constitucional, adotado no Brasil, deixa certas questes fora dasdisputas majoritrias estabelecendo mecanismos de preservao do esprito daconstituio e das minorias. o caso das clusulas ptreas, dentre elas os direitosfundamentais. A opo entre permanncia ou ruptura no exerccio da jurisdioconstitucional tem forte teor poltico e sofre interferncia do que se chama opiniopblica. necessrio compreender a comunicao de massas pela sua grandecapacidade de uniformizar a representao da realidade, como tambm de refletir sobre

    a situao de intensa concentrao no setor da comunicao social no Brasil. Nestecontexto, discute-se a importncia e as possibilidades de um sistema de comunicaopblico no estatal, em complementaridade com os sistemas estatal e privado.

    Palavras-chave: Democracia Constitucional; Democratizao da Comunicao;Regulao; Polticas de comunicao; Poder.

    Introduo

    Estudos sobre comunicao e democracia ou comunicao e poltica atentam

    para a relao entre concentrao do poder miditico e interferncias nos processos

    majoritrios de escolha, como as eleies peridicas, deixando de se preocupar como ainterferncia dos meios de comunicao nos aspectos da democracia que esto, pelo

    menos teoricamente, fora das disputas majoritrias. Numa democracia constitucional,

    to importante quanto escrever a constituio interpret-la e aplic-la. No exerccio da

    jurisdio constitucional, o julgador possui grande margem de escolha, sendo muito

    difcil estabelecer mecanismos que constranjam sua liberdade interpretativa. No raro,

    so equivalentes as teses antagnicas em anlise, o que torna as decises das cortes

    supremas, como o STF, ou tribunais constitucionais no apenas um ato de razo, mas

    em grande parte uma escolha poltica. Tendo em vista o teor poltico da jurisdioconstitucional, ela necessita de algum influxo legitimador da sociedade.

    1 Trabalho apresentado no GP Polticas e Estratgias de Comunicao do IX Encontro dos Grupos/Ncleos dePesquisa em Comunicao, evento componente do XXXII Congresso Brasileiro de Cincias da Comunicao.2 Mestrando do Programa de Ps-Graduao em Direito PPGD, da Faculdade de Direito de Recife - FDR/UFPE, ebolsista do CNPq, email:[email protected] Estudante de Graduao concludente do Curso de Comunicao Social (Jornalismo) da UNIFOR, email:[email protected]

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    A comunicao social, em especial a radiodifuso, tem grandes potencialidades e

    poderia facilitar o processo de discusso sobre os temas difceis que so submetidos

    anlise das cortes constitucionais. Contudo numa realidade como a brasileira, em que

    quatro emissoras nacionais privadas oligopolizam o sinal de televiso e o sistema estatal

    de comunicao drasticamente minoritrio, quase invisvel, profundas dvidas pairam

    sobre a capacidade de ambos os sistemas de comunicao, o privado e o estatal, de

    darem conta da funo de viabilizar o debate sobre temas fundamentais.

    Depois de devidamente estruturados e compreendidos os problemas precedentes,

    essa a pergunta que se pretende responder com este trabalho: o que vem a ser o

    sistema pblico no estatal de comunicao e quais so suas possibilidades?

    1. Democracia constitucional entre estabilidade e ruptura.As democracias constitucionais guardam em seu mago um paradoxo entre

    compromissos colidentes, a saber: o ideal de um governo limitado pelo direito

    (constitucionalismo em sentido estrito) e o de um governo do povo (democracia)

    (BRANDO, 2007, p. 6). Contudo, a limitao da possibilidade de deliberao do

    poder popular no significa necessariamente uma contradio com o princpio

    democrtico. Calazans opina que essa limitao representa a prpria condio de

    efetivao da democracia, que requer, alm da participao poltica plena e irrestrita, a

    observao e o respeito a determinados valores indispensveis para o desenvolvimento e

    a proteo da pessoa humana (CALAZANS, 2002, p.183-184).O mecanismo das clusulas ptreas, dentre elas os direitos fundamentais, se

    prestam para garantir a estabilidade da Constituio e conserv-la contra alteraes que

    aniquilem o seu ncleo essencial, ou causem ruptura ou eliminao do prprio

    ordenamento constitucional (PEDRA, 2006, p. 137). Tratam-se de limitaes ao poder

    de emenda constitucional, tambm chamado de poder constituinte derivado ou

    reformador, que exercido com base no princpio majoritrio. No caso brasileiro, os

    limites so expressamente previstos no texto constitucional, no art. 60, 4.

    Contudo, apesar de uma teoria consistente sobre clausulas ptreas e direitosfundamentais, o problema da estabilidade constitucional no est resolvido. que o

    texto constitucional no pode ser to inflexvel que o impea de acompanhar as

    mudanas da sociedade poltica que ele regula. Este distanciamento to instabilizante

    quanto a ausncia completa de limitaes (PEDRA, 2006, p. 136-137).

    Nota especial deve ser dada s percepes do Ministro Gilmar Ferreira Mendes

    sobre o fenmeno. Ele explica que a aplicao ortodoxa dessas clusulas, ao invs de

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    assegurar a continuidade do sistema constitucional, pode antecipar sua ruptura,

    permitindo que o desenvolvimento constitucional se realize fora de eventual camisa de

    fora do regime da imutabilidade (MENDES, 1994, apud PEDRA, 2006. p. 137).

    Pedra colaciona ainda o pensamento de outra ministra do STF, Carmem Lcia Antunes

    Rocha, a respeito da interpretao das clusulas ptreas:

    Penso mudando opinio que anteriormente cheguei a externar que asclusulas constitucionais que contm os limites materiais expressos no podemser consideradas absolutamente imutveis ou dotadas de natureza tal queimpeam totalmente o exerccio do poder constituinte derivado de reforma. Pelomenos no em um ou outro ponto. (ROCHA, 1993, p.181-182, apud PEDRA,2006. p. 144)

    Assim, por um lado, o poder que tudo pode (soberania popular) estabeleceu

    limites para a sua prpria possibilidade de deliberao (clusulas ptreas) a fim de

    preservar o mago e o esprito de suas deliberaes fundamentais, por outro lado, a

    aplicao dessas limitaes revelia da conjuntura pela qual passa a sociedade polticapode ser igualmente fonte de instabilidade. A questo que surge nesse momento indaga

    sobre quem responde pela interpretao e aplicao em ltima instncia dessas

    limitaes e de que forma se d esse processo. Essa instncia deve estar fora das

    disputas majoritrias e, ao mesmo, atenta aos anseios polticos e sociais da comunidade.

    necessrio compreender a jurisdio constitucional.

    Na atual conjuntura do pensamento jurdico ocidental, no se compreende a

    jurisdio constitucional, em especial quando se fala de clusulas ptreas e direitos

    fundamentais, sem atentar para a importncia dos princpios e de sua interpretao(MORAES, 2004, p. 185 a 187). A partir das importantes contribuies tericas a

    respeito da normatividade ou positividade de princpios (GUERRA FILHO, 2005, p.

    67), se pode posicion-los, no mais como meras orientaes ou anseios, mas como

    normas jurdicas cogentes e exigveis, ao lado das antigas disposies, agora batizadas

    de regras. A teoria sobre a normatividade dos princpios constitucionais inaugurou o que

    se usou chamar de ps-positivismo (PAES, 2008) ou neo-constitucionalismo

    (BARROSO, 2006).

    A Constituio o lugar por excelncia de normas-princpios, dentre elas, temos

    aquelas que descrevem direitos fundamentais (GUERRA FILHO, 2005, p. 69).

    Distinguem-se regras e princpios quanto interpretao e aplicao. As primeiras, por

    terem maior grau de concretude e contedo determinado, podem ser preferidas umas em

    relao s outras em caso de conflito entre elas com base em critrios que, em geral,

    so fornecidos pelo prprio ordenamento jurdico (GUERRA FILHO, 2005. p. 71). J

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    os princpios, na medida em que no disciplinam nenhuma situao especfica,

    considerados da forma abstrata como se apresentam para ns, no contexto

    constitucional, no entram em choque diretamente, (GUERRA FILHO, 2005. p. 71)

    sendo compatveis, ou compatibilizveis na anlise do caso concreto. Assim, em caso de

    coliso entre princpios, necessria a adoo de um mtodo diferenciado, que preserve

    a existncia dos princpios em choque.

    Moraes (2004, p. 185) afirma que as constituies, medida que veiculam

    princpios (= valores), (...) demandam constantes revises. Se por um lado, o Direito

    por valores (por princpios) mais rico, por outro tambm mais complexo e sensvel,

    visto que os conceitos de valor so freqentemente indeterminados (MORAES, 2004, p.

    185). Para interpretar e aplicar este Direito por princpios, notadamente a nvel

    constitucional, exige-se um juiz a um s tempo racional e em sintonia com os valores

    da sociedade, obsequioso com as normas, porm tambm criativo e atento e sensvel

    dinmica dos fatos sociais (MORAES, 2004, p. 186). Citando Jos Alfredo de Oliveira

    Baracho, Moraes assevera que o juiz constitucional no apenas o instrumento que faz

    aplicar a Constituio, mas tambm participa das funes de uma democracia contnua

    (MORAES, 2004, p. 187). porque as decises que envolvem aspectos constitucionais,

    quase nunca so decises de contedo propriamente tcnico, como revelam as chamadas

    escolhas dramticas ou hard cases (casos difceis) (GUERRA FILHO, 2005, p. 73).

    Neste contexto, as clausulas ptreas, dentre elas os direitos fundamentais, sem

    embargo possam eventualmente funcionar como regras, so normas eminentementeprincipiolgicas e, como tais, atraem toda a complexidade e a politicidade que lhe so

    peculiares quando de sua interpretao e aplicao em sede de jurisdio constitucional.

    Assim, sendo fortemente poltica a jurisdio constitucional, refora-se a

    necessidade de que as instncias dela incumbidas tenham em vista anseios e

    necessidades da sociedade poltica, sem abandonar sua independncia das disputas

    polticas majoritrias. Contudo, Lima (2001) esclarece que, no caso brasileiro, nos anos

    posteriores a promulgao da Carta de 1988, houve uma afinao do Supremo Tribunal

    Federal com a conjuntura momentnea do poder poltico e um distanciamento dasociedade e do povo. Segundo Lima, em vrios casos em que convocado [o STF] pela

    populao para dirimir questes complexas e de suma relevncia para a nao, quedou-

    se inerte ou optou pela pior forma social (LIMA, 2001, p 185).

    Mesmo considerando as mudanas legislativas, em especial a emenda

    constitucional n 45, e modificao drstica na composio da Corte nos ltimos anos, o

    que poderia implicar em alguma melhoria na qualidade dos julgados, os problemas

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    fundamentais da jurisdio constitucional no parecem ainda superados. Parece ser

    estrutural e no conjuntural a natureza do problema. que a interpretao das normas

    constitucionais com vistas ao preenchimento do seu contedo, por ser indeterminado,

    deixa um grande espao de escolha ao julgador. Apesar de no se tratar de uma disputa

    de tipo majoritria, a interpretao constitucional no deixa de ser um verdadeiro

    exerccio da poltica:

    As relaes que a norma constitucional, pela sua natureza mesma, costumadisciplinar, so de preponderante contedo poltico e social e por isso mesmosujeitas a um influxo poltico considervel, seno essencial, o qual se refletediretamente sobre a norma, bem como sobre o mtodo interpretativo aplicvel.(BONAVIDES, 1993. p. 378).

    Apesar da bibliografia farta sobre interpretao de normas constitucionais e de

    direitos fundamentais, ainda h dificuldade de por amarras ou constranger o papel

    criador do jurista, em especial o do juiz constitucional, na produo do Direito. A

    grande margem de escolha na interpretao das normas constitucionais, trs para a cena

    a peculiaridade da experincia constitucional contempornea, com os riscos e

    possibilidades inerentes, ultrapassando as perspectivas da teoria pura de Kelsen.

    O erro do jurista puro ao interpretar a norma constitucional querer exatamentedesmembr-la de seu manancial poltico e ideolgico, das nascentes da vontadepoltica fundamental, do sentido quase sempre dinmico e renovador que denecessidade h de acompanh-la. (BONAVIDES, 1993. p. 378).

    2. Entre a poltica e o direito: o problema da legitimidade.Se decises sobre matria constitucional so decises de natureza poltica,

    notadamente quando se tratam de clausulas ptreas e direitos fundamentais, h

    necessidade de outra dinmica na interpretao e na aplicao da Constituio, de modo

    que se contemple os anseios da sociedade que se orienta pelo texto constitucional. Neste

    sentido, para John Rawls, a funo da Suprema Corte assegurar que a vontade

    democrtica do povo, inscrita na Constituio, no seja desvirtuada por procedimentos

    majoritrios que ultrapassam o mbito do uso pblico da razo (ROCHA, 2008). O

    uso pblico da razo se alicera em valores polticos compartilhados por todos os seus

    cidados, implcitos na cultura poltica democrtica, acordados por toda a sociedade.

    Isso implica que a Constituio aquilo que o povo diz que , e no o que a Suprema

    Corte decide (ROCHA, 2008).

    Como se pode ver, contudo, esse modelo constitucional liberal de Rawls enfatiza

    o que j est consensuado e hegemnico e, por isso, no parece dar conta das

    particularidades, elementos fundamentais para uma sociedade pluralista e multicultural.

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    Peter Hrbele parece partilhar da viso de Rawls sobre qual deve ser a funo da

    interpretao constitucional. Para ele, uma teoria da interpretao constitucional deve

    encarar seriamente o tema Constituio e a realidade constitucional (HBERLE,

    1997, p. 12). Contudo diverge quanto ao que deve orientar esta interpretao. Para

    Hrbele o conceito de interpretao reclama um esclarecimento que pode ser assim

    formulado: quem vive a norma acaba por interpret-la, ou pelo menos por co-interpret-

    la (HBERLE, 1997, p. 13). Ele no aponta para valores polticos compartilhados,

    como faz Rawls, na verdade ele problematiza sobre a legitimidade dos processos de

    interpretao constitucional a sua capacidade de dar respostas inquestionveis e

    duradouras. Se se sabe que o tempo, a esfera pblica pluralista, e a realidade colocam

    problemas constitucionais e fornecem material para uma interpretao constitucional,

    ampliando suas necessidades e possibilidades, ento devem esses conceitos ser

    considerados como dados provisrios (HRBELE, 1997, p. 19). Com estas e outra

    reflexes, considerando que a interpretao um processo aberto, Hrbele prope um

    modelo de sociedade aberta de intrpretes, o que parece dar conta da carncia do

    modelo liberal.

    Esse ideal de Hrbele parece ter influenciado a atual configurao do STF na

    utilizao da Lei no 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispe sobre o processo e

    julgamento da ao direta de inconstitucionalidade e da ao declaratria de

    constitucionalidade. Em mais de uma oportunidade foi permitida a fala de no

    advogados nas sesses de julgamento do STF. Nota especial seja dada audinciapblica no julgamento da ADIn n 3510, que impugnou o artigo 5 e pargrafos da Lei

    n 11.105, de 24 de maro de 2005, conhecida como ADIn das clulas-tronco, como

    tambm a oportunidade de manifestaes do ex-ministro Francisco Rezek e da indgena

    Jonia Batista de Carvalho, um contrrio e a outra a favor da demarcao contnua da

    reserva indgena RaposaSerra do Sol. Estes precedentes demonstram a possibilidade de

    um influxo legitimador pela interferncia de uma sociedade aberta de interpretes.

    Contudo, ainda no parece superado o problema fundamental da jurisdio

    constitucional de equilibrar, de um lado, a independncia de disputas majoritrias e, deoutro, permitir alguma permeabilidade aos anseios da comunidade. Se a jurisdio

    constitucional, dentro de um modelo de sociedade aberta de interpretes, parece mais

    adequada afirmao da democracia, aponta tambm a necessidade de que haja um

    efetivo debate social das questes em anlise.

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    3. Comunicao para democracia e a democratizao da comunicao.A proposta de Hrbele de sociedade aberta de intrpretes, ou mesmo o ideal

    rawlsiano de uso pblico da razo, s podem se viabilizar na dinmica da esfera pblica.

    Como se pode ver, a perspectiva de Rawls est pautada em valores compartilhados e,

    por isso, j hegemnicos, insuficiente para dar conte da diversidade de uma sociedade

    como a brasileira. Contudo, mesmo que se procurasse seguir este modelo, no possvel

    desconsiderar as variaes da esfera pblica. O prprio conceito gramisciniano de

    hegemonia aponta nessa direo. Hegemonia corresponde liderana cultural-

    ideolgica de uma classe sobre as outras. As formas histricas da hegemonia nem

    sempre so as mesmas e variam conforme a natureza das foras sociais que a exercem

    (MORAES, 2008). Sobre o pensamento de Gramisci, Moraes (2008) ressalta que os

    mundos imaginrios como fora para alcanar o consenso social conseqentemente

    orientado para a transformao. Trata-se de uma discusso sobre representao da

    realidade. Hannah Arendt traa um paralelo entre a esfera pblica e a noo coletiva da

    realidade, esclarecendo uma parte desse mecanismo:

    A presena de outros que vem o que vemos e ouvem o que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nos mesmo; e, embora a intimidade de uma vidaprivada plenamente desenvolvida, tal como jamais se conheceu antes dosurgimento da era moderna e do concomitante declnio da esfera pblica, seintensifica e enriquece grandemente toda a escala de emoes subjetivas esentimentos privados, esta intensificao sempre ocorre s custas da garantia darealidade do mundo e dos homens. (ARENDT, 2005, p.60)

    Ganha importncia o estudo de mecanismos e estruturas que uniformizam o que

    visto e ouvido j que, freqentemente, o que cada pessoa faz no baseado em

    conhecimento direto e seguro, mas em imagens feitas por ela ou dadas a ela.

    (LIPPMANN, 1922, apud, LIMA, 2004, p. 190). Em se tratando de modificaes na

    esfera pblica, o estudo da comunicao social ganha ainda mais relevncia tendo em

    vista as contribuies de Habermas (1994). A liberdade de expresso e de imprensa,

    tradicionais corolrios da democracia, podem ser potencializadas atravs das

    tecnologias da comunicao. Porm, um sistema injusto de acesso ao espao miditico,

    ao lado de uma grande concentrao na propriedade dos veculos redunda em violaodessas liberdades. V-se a necessidade de rediscutir as velhas liberdades clssicas,

    passando a uma perspectiva de direito a comunicao.

    Na conjuntura normativa brasileira, podemos dizer que h uma dupla carncia no

    que diz respeito a comunicao: por um lado, difcil o acesso a mecanismos que

    visibilize opinies de grupos minoritrios ou secundarizados; por outro lado, falta

    regulao e controle sobre os atores mais forte que conduzem a comunicao social.

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    Poderamos traduzir as duas demandas em duas pautas: 1) democratizao dos meios; e

    2) controle social e regulao.

    No que diz respeito democratizao dos meios houve algum avano legislativo

    nas ltimas dcadas. A Lei n 9.612, de 1998, que institui o Servio de Radiodifuso

    Comunitria, avanou ao estabelecer as finalidades do servio, fazendo referncia

    expressa difuso de idias e capacitao dos cidados no exerccio do direito de

    expresso. J a Lei 8.977, de 1995, regulamentada pelo Decreto n 2.206, de 1997,

    obriga a todas as operadoras de TVs por assinatura a cabo, na sua rea de prestao de

    servios, a abrirem um canal comunitrio por municpio para uso livre de entidades no-

    governamentais e sem fins lucrativos.

    Ocorre que nenhuma das duas normas efetivamente democratizou a

    comunicao. No caso da radiodifuso comunitria, a poltica adotada pelo poder

    executivo federal no deu a devida ateno ao processamento dos pedidos de concesso

    desse servio, resultando em processos sem concluso e o fechamento de grande parte

    das rdios comunitrias. O caso parece ainda mais grave quando se tem em vista que

    muitas rdios comunitrias funcionavam regularmente e que passaram irregularidade

    pela omisso da Administrao Federal no processamento de renovao das concesses.

    Outra questo diz respeito s limitaes impostas a este tipo de servio, s podendo

    operar com transmissores de baixa potncia, com um raio de alcance de at 1 Km,

    considerado insuficiente para alcanar suas finalidades. Tambm a lei no garante

    nenhuma proteo da freqncia das comunitrias diante dos chamados sinaisprimrios, emitidos pelas rdios comerciais. Outro aspecto ainda, que dificulta a

    existncia das comunitrias, a questo do custeio. que a lei probe a publicidade

    comercial, s autorizando o chamado apoio cultural, e ainda assim de estabelecimentos

    instalados na rea de alcance do sinal. Isso significa que no possvel veicular os

    anncios tradicionais, tornando o veculo bem menos atrativo.

    J no caso das TVs comunitrias a primeira queixa anloga da radiodifuso

    comunitria: os canais comunitrios s so acessados por assinantes de TV a cabo, o

    que afasta o acesso do pblico cuja comunicao esse veculo deveria facilitar. Quantoao repasse do sinal em si, no parece haver problemas, havendo at boa vontade das

    empresas de TV a cabo nesse sentido. O grande limitante na verdade o alto custo de

    produo dos contedos de TV e as dificuldades no custeio. Analogamente ao que

    ocorre nas rdios comunitrias, as possibilidades das TVs comunitrias de arrecadar

    com publicidade restrita. Pelo regulamento de TV a cabo, decreto n 2.206/97, no item

    7.2.1, vedada a publicidade comercial nos canais bsicos de utilizao gratuita (dentre

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    eles os canais comunitrios), sendo permitida, no entanto, a meno de patrocnio de

    programas. Em razo disso, h apenas 40 canais comunitrios ativos em 215 empresas

    operadoras de TV a cabo funcionando no Brasil, de acordo com a Agncia Nacional de

    Telecomunicaes (Anatel)4. Desde 2008, h uma expectativa de que a ANATEL reveja

    esses critrios possibilitando que sejam veiculados anncios de patrocnios semelhantes

    ao que se tem hoje na publicidade institucional existente nas TVs educativas.

    Em relao segunda pauta do direito a comunicao (controle e regulao), a

    situao um pouco mais dramtica. Em 20 anos de Constituio, apenas recentemente

    tivemos a institucionalizao5 de uma primeira ao concreta no campo da regulao da

    radiodifuso, que foi a classificao indicativa de contedos pelo Ministrio da Justia.

    Note-se que mesmo esta pequena iniciativa j foi suficiente para mobilizar as principais

    empresas que atuam no campo da comunicao social, alardiando uma suposta volta da

    censura federal e pregando a auto-regulao (ROMO, 2008, p. 179). O que parece ser

    sintomtico no comportamento dos grandes grupos que atuam na comunicao social,

    especialmente em rdio e televiso, a averso a qualquer forma se interveno

    regulatria, preferindo desacreditar qualquer proposta que ingressar efetivamente no

    debate, propondo sempre a sada fcil da auto-regulao. Bolaos (2008) d um

    panorama da difcil relao entre as grandes corporaes miditicas e a regulao

    democrtica da comunicao:

    A situao particularmente difcil quando as grandes corporaes miditicasse prevalecem da velha ideologia da liberdade de informao dos idos do

    capitalismo liberal dos sculos XVIII e XIX para defender-se dos controlesdemocrticos mais elementares sobre o monoplio da fala, ao mesmo tempo emque exercem forte censura privada sobre os contedos que pautaro o debatepoltico, influenciaro os processos eleitorais, determinaro estilos de vida,moldaro as estrutura de pensamento.(BOLAOS, 2008, p. 19)

    4. Entre o estado e o mercado: o pblico no estatal.Ao que tudo indica, temos ainda um longo caminho a percorrer para

    efetivamente distribuir o poder associado a comunicao. Uma realidade de

    concentrao, tpico de um mercado sem regulao, e ausncia de controle social como

    temos no Brasil, vulnerabiliza a prpria democracia. Estado no tem demonstrado

    capacidade de dar conta desta demanda, apesar da aparente mudana de orientao

    ideolgica nas principais instncias da burocracia estatal. Por outro lado, as empresas

    4 Fonte: http://www.arede.inf.br/index.php?option=com_content&task=view&id=227&Itemid=995 ROMO (2008, p.178) sustenta que j se tenta institucionalizar a classificao indicativa h 17 anos.

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    que dominam a radiodifuso no parecem estar interessadas em qualquer tipo de

    regulao que leve a mudar o estado de coisas.

    Esse debate sobre Estado e Mercado no novo. O Estado nacional moderno, na

    poca do seu surgimento, era o principal violador de direitos relacionados

    comunicao, como a liberdade de expresso e de imprensa. Em reao a violao

    reiterada das liberdades que se estruturou o discurso liberal que fundamentou os

    diplomas definidores de direitos proclamados pelas revolues burguesas. Esses

    diplomas so de profunda relevncia para o avano das liberdades. Contudo o modelo

    econmico liberal, pautado apenas na auto-regulao do mercado, no parece ser

    eficiente para criar, na comunicao social, a diversidade esperada para um ambiente

    democrtico. KSTER e KSTER (2002, p. 97-100) concordam sobre a insuficincia

    da competio de mercado para prover efetivamente diversidade. Tratando de produtos

    informativos, eles apontam o fato de tanto a televiso e o rdio como a imprensa se

    financiam atravs da publicidade e no atravs da venda do produto (p. 98). Essa

    conjuntura leva os veculos a preferir no contrariar seus patrocinadores, como tambm

    leva seleo das notcias mais pela sua capacidade chamar ateno, como ocorre com

    escndalos ou vidas de celebridades, que pela relevncia que possam ter para a

    convivncia democrtica.

    WAKSO (2006, p. 40) opina que enquanto que um mercado concorrencial

    objetivo explcito do capitalismo, h uma tendncia inevitvel para a concentrao dos

    mercados. MASTRINI e AGUERRE (2007, p. 55) tambm comentam o problema dacompetio de mercado dizendo que a intensificao global da competio resulta em

    menos competio a longo prazo. Num modelo de mercado orientado pelo laissez-

    faire, a pluralidade de atores em competio no parece ser a questo central, mas sim o

    lucro, mesmo que em detrimento da diversidade e at da democracia.

    Se o ritmo do mercado insuficiente para o surgimento de uma comunicao

    democrtica, tambm o o Estado. Deixar a comunicao sob o domnio do Estado no

    parece ser uma boa sada. Em que pese ser o espectro eletromagntico um bem pblico

    e os servios de radiodifuso em geral um concesso gerenciada pelo Estado, isso noparece ser motivo bastante para deixar a comunicao prioritariamente a cargo do

    Estado. Deixar os meios de comunicao somente nas mos do Estado importa em

    substituir a liberdade de expresso por um servio estatal de comunicaes que ir

    necessariamente selecionar contedos e tendncias com uma nica voz, uma nica mo

    e, claro com a forte influncia dos delineamentos dos agentes que operam no interior

    desse Estado (MARTINEZ, 2008, p. 17).

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    A preocupao com um equilbrio entre a comunicao pautada no mercado e

    uma comunicao fora desse marco parece estar presente no texto constitucional. O art.

    223, ao estabelecer a competncia do Poder Executivo para outorgar e renovar

    concesso, permisso e autorizao para o servio de radiodifuso, estabeleceu tambm

    observncia do princpio da complementaridade dos sistemas privado, pblico e estatal.

    Aqui surge uma diferenciao aparentemente proposital entre pblico e estatal, o que

    nem sempre percebido pela doutrina constitucional brasileira.6 Surge a demanda de

    conceituar o que seria o sistema pblico no estatal. Contudo, antes de estabelecer um

    conceito especfico para a comunicao social, necessrio compreender o que vem a

    ser o pblico no estatal em seu aspecto poltico e social.

    Batista (2006) percebe o surgimento (ou ressurgimento) de uma esfera ou espao

    pblico no estatal num contexto de crise do Estado moderno, fortemente influenciado

    pelas teses crticas anrquicas. Embora, primeira vista, parea haver uma confluncia

    destas teses com os fundamentos do neoliberalismo, o autor assevera que o espao

    pblico no estatal surge como resultado das lutas dos movimentos sociais e das

    instituies da sociedade civil (BATISTA, 2006, p. 339). que, apesar de o Estado

    moderno ter se tornado o vilo comum dos interesses do capital internacional, bem

    como do dos interesses dos movimentos sociais democrticos e objeto de crticas de

    ambos (BATISTA, 2006, p. 338), o desmantelamento do Estado atende aos interesses

    do capital internacional de ausncia de regulao econmica, possibilitando lucros sem

    fronteira, enquanto que, para os movimentos reivindicatrios da sociedade civil, oenfraquecimento do Estado desarticula o discurso de efetividade de direitos. Assim,

    enquanto a articulao de movimentos sociais num cenrio de crise do Estado moderno

    produz um espao poltico independente por fora do Estado, democratizando as

    instituies polticas tradicionais e fazendo com que elas busquem uma legitimao

    permanente de sua representatividade atravs da interao com a sociedade civil

    organizada (BATISTA, 2006, p. 339), o desejo do capital internacional a supresso

    de todas as barreiras que os Estados poderiam opor ao fluxo das riquezas.

    6 Ives Granda Martins, comentando o art. 223 da Cosntituio de 1988, a respeito da presena dos termospublico e estatal no texto, opina o seguinte: de se lembrar que os vocbulos pblico e estatalso idnticos, visto que toda atuao pblica uma atuao estatal. Nem se diga que o constituintepretende cuidar das empresas estatais, visto que estas tambm compem a Administrao Pblicaindireta. No caso, a sinonmia entre os dois vocbulos absoluta. (BASTOS e MARTINS, 1998, p.866-867). curioso o fato de a nica hiptese que surge ao comentarista na compreenso de publico e estatal pelo vis do direito administrativo, esquecendo completamente a cincia poltica, tipo de saber muitoaproximado ao constitucionalismo. A percepo do autor superficial e restrita.

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    Destas reflexes se conclui que um espao pblico no estatal estaria, ao mesmo

    tempo, fora da dinmica do Estado e do mercado, se mantendo independente, mas no

    impermevel a essas duas outras esferas. Essa concluso ajuda a compreender como

    pode funcionar esse conceito na comunicao social, mas no encerra a questo.

    Batista prossegue em suas reflexes sobre o pblico no estatal analisando o

    papel de movimentos e entidade da sociedade civil na construo da esfera pblica no

    estatal. Em meio crise institucional, surgem os movimentos sociais e as organizaes

    no governamentais, defendendo interesses relevantes que no so plenamente

    satisfeitos pela simples atuao do Estado (BATISTA, 2006, p. 341). Essas entidades e

    movimentos passam a assumir funes de interesse pblico, com a defesa do meio

    ambiente, do patrimnio histrico e cultural, dos direitos humanos, etc. No se trata,

    contudo de substituir a atuao do Estado nas atividades publicas essenciais, como

    sade, segurana, educao, o que configuraria uma privatizao disfarada (BATISTA,

    2006, p. 342). No paradigma da democracia participativa, o espao pblico no estatal

    asseguraria a participao autnoma, representativa e democrtica na gesto pblica.

    A partir destas outras reflexes, algumas questes ficam mais claras. O espao

    pblico no estatal significaria a radicalizao e a ampliao da vivncia democrtica.

    Podemos ensaiar uma concluso a respeito dos entes que atuam no espao pblico no

    estatal de que eles teriam como objeto mediato ou imediato o aprofundamento da

    democracia. Tomando o conceito habermasiano de esfera pblica burguesa

    (HABERMAS, 1994, p. 27) percebe-se que essa era exatamente a esfera em que pessoasprivadas se juntam enquanto um pblico e no numa esfera propriamente estatal. Na

    verdade, a esfera pblica burguesa se posiciona acima das prprias autoridades pblicas,

    inserindo-as no debate. Era o espao do uso pblico da razo.

    Disso podemos esboar o que vem a ser o sentido de pblico no estatal como

    sistema de comunicao social. Primeiramente, tratar-se-ia de um sistema cuja dinmica

    no seria pautado nem pela concorrncia de mercado, nem pela vontade estatal. Teria

    como objetivo mediato ou imediato o aprofundamento da democracia e a ampliao da

    esfera pblica, no sentido de espao do uso pblico da razo. Assim, os veculos dessesistema no podem ser geridos como os do sistema privado, de acordo com o gosto do

    dono. Parece que para preservar o sentido de pblico, alm de se preocupar com

    questes de interesse pblico, h que haver algum tipo de mecanismo que viabilize a

    formao de uma coletiva, algo como uma democracia interna.

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    5. CONCLUSESNo se espera que uma mera elaborao terica produza o milagre de equilibrar

    o acesso e distribuir o poder associado aos media. Contudo, em se tratando de um

    dispositivo constitucional, essas pesquisas podem servir para fundamentar modificaes

    legislativas, quem sabe at a regulamentao do sistema publico no estatal.

    Por hora o que precisa ser compreendido que a democratizao da

    comunicao fundamental para concretizar a democracia, no apenas no apenas no

    que diz respeito s disputas majoritrias tradicionais, mas tambm quando se trata de

    um padro de democracia constitucional que, apesar de deixar algumas questes fora

    das disputas do tipo majoritrias, deve estar permevel aos anseios da comunidade na

    interpretao do texto constitucional. Este padro de democracia to mais vivel

    quanto mais diversificado e plural for o sistema de comunicao, viabilizando a

    proposta de sociedade aberta de intrpretes de Hrbele.

    Contudo, um cenrio de concentrao dos meios prejudica no somente a

    realizao das propostas mais modernas de democracia, como tambm o velho processo

    eleitoral peridico, pautado no princpio majoritrio. As tenses dentro de um mercado

    sem regulao apontam para esse resultado: oligoplios, diminuio de diversidade e,

    no caso do Brasil, baixa regionalizao da programao, entre outros problemas.

    preciso dar conta das duas pautas principais para a democratizao da comunicao

    (facilitar o acesso dos grupos contra-hegemnicos a veculos de comunicao e

    implementar uma regulao capaz de coibir os abusos dos atores mais forte dacomunicao social).

    Alm do que j foi dito a respeito de suas possibilidades do sistema pblico no

    estatal de servir de mecanismo para enfrentar simultaneamente os excessos do Estado e

    do mercado, necessrio ressaltar que j possumos no Brasil servios de radiodifuso

    que carregam os elementos de um sistema pblico no estatal: o caso do servio de

    radiodifuso comunitria. As determinaes da lei que instituiu o servio deixam isso

    claro. Os objetivos previstos em lei confirmam que se trata de um espao pblico, cujo

    dono a comunidade. Outras diferenas, como a gesto atravs de conselhocomunitrio, tambm ressaltam que a res pblica. O formato de veculo comunitrio

    abre grandes possibilidades, algumas delas j foram contatadas no 1. Encontro de

    rdios comunitrias da Comunidade de Pases de Lngua Portuguesa (CPLP), ocorrida

    em Guin Bissau em maro de 2006. L se pode constatar, dentre outras coisas que as

    rdios comunitrias tm permitido a criao de espaos de debate e de confrontao de

    idias entre os diferentes grupos sociais, polticos e econmicos, com vises e interesses

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    diferentes, tendo em conta a falta local de instncias democrticas7. Explorar esse

    conceito pode contribuir consideravelmente na democratizao da comunicao e, por

    conseqncia, no aprofundamento da experincia democrtica brasileira como um todo.

    Referncias bibliogrficas.

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    7 Item e das Recomendaes do 1 Encontro das Rdios Comunitrias da CPLP (documento final doencontro). Disponvel em http://www.adbissau.org/renarc/festivais/Renarc_CPLP_Declaracao.pdf

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